Novos Media, Hoje
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Novos Media, Hoje
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Resumo
O objectivo maior deste texto integrar os media no mbito da teoria social e nos esforos
para compreender a interao entre indivduos, instituies, tecnologias e seus usos.
Comea por situar historicamente o termo novos media a partir do quadro mais geral da
histria recente dos media, com o objetivo de justificar a validade atual do par novos
media. Sustenta a anlise a partir de posies/debates j consolidados nos estudos crticos
dos media e da sociedade, que dedicaram uma ateno importante ao papel dos media no
mago das sociedades de massa e aos seus desenvolvimentos atravs das sociedades psindustriais at aos nossos dias. A partir daqui defende, enquanto perceo final, a relao
estreita entre a estrutura tecnolgica (e a sua ligao aos media) e os seus usos humanos,
que definem os novos media como um sistema tcnico-social um sistema indito,
inovador e dinmico.
Palavras-chave: Media; Sociedade, Internet.
Abstract
A major goal of this text is to integrate media in social theory and in the efforts to
understand the interaction between individuals, institutions, technologies and their uses. It
starts by historically situating the term "new media" in the broader context of the recent
history of the media, with the aim of justifying the current validity of the pair "new media.
It sustains the analysis from positions/debates already consolidated in critical studies of
media and society, who devoted serious attention to the role of the media in the core of
mass societies and their development through post-industrial societies until today. Is from
here that advocates, while final perception, the close relation between technological
structure (and its connection to the media) and his human uses, that define new media as a
techno-social system a unique, innovative and dynamic system.
Palavras-chave: Media; Sociedade; Internet.
Professor Coordenador da rea Cientfica de Cincias da Comunicao, na Escola Superior de Educao do Instituto Politcnico
de Coimbra. Investigador no LabCom.
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msica, entre outros materiais, nos diversos suportes); e 3) considera-se ainda o processo mais
abrangente atravs do qual a informao e as representaes dos media (atravs dos seus
contedos) so distribudos, recebidos e consumidos pelas audincias, e regulados e controlados
pelo Estado ou pelo mercado.
Por sua vez, o incio do uso do termo novos media situado a partir da segunda
metade do sculo XX e atribudo a Marshall McLuhan, primeiro em 1953 num texto sobre
Harold Innis, e progressivamente, de forma mais corrente, ao longo dos anos 1960. O uso
surgiu em associao com aspetos de natureza tcnica, em ligao com noes to diversas
como recolha eletrnica de informao e alcance global realidades que, embora
perfeitamente banais nos dias de hoje, vinham ento marcadas por um promissor cunho de
novidade. Passadas mais de trs dcadas sobre o aparecimento daqueles que hoje, com maior
propriedade, podemos caracterizar como novos media, no podemos continuar a assumir
estarmos a tratar de algo ainda indefinido ou pouco conhecido. O que era novo (o digital) j
no o . Os novos media, apresentados como novos nos anos 80-90 do sculo XX, so hoje
comuns, e o seu funcionamento bem conhecido (Peters, 2009). Apesar do tempo passado e,
com ele, da diluio da sua marca de novidade, a designao novos media continua hoje a
ser aplicada sem com isso causar qualquer estranheza.
Lister et al (2009) sugerem trs explicaes para esse facto:
Em primeiro lugar, 1) os novos media so pensados e designados com um sentido
epocal; seja como causa ou como efeito, eles fazem parte de uma mudana de maior escala,
global e histrica. Depois, 2) resiste nesta designao uma forte carga ideolgica, utpica e
positiva, sempre associada ao conceito de novo. Por fim, 3) tratar-se- de uma designao
til: sendo um guarda-chuva inclusivo, evita ainda a reduo do termo media a outras
designaes de pendor tcnico ou mais especializado (ou complexo). Entendida deste modo, a
designao novos media emergiu para captar a sensao de que, a partir dos anos 80, de um
modo crescente e rpido, o mundo dos media e da comunicao comeava a parecer
substancialmente diferente, e que essa diferena no se restringia a um sector especfico ou
elemento desse mundo, muito embora os momentos de mudana fossem diversos de meio para
meio. Este estado de coisas evidenciou-se na imprensa, na fotografia, e percorreu a televiso e
rdio, acabando por envolver todos os meios de comunicao. Como foi referido acima, todos
os media integraram, desde o seu surgimento, processos de contnua evoluo tecnolgica,
institucional e cultural no estiveram estagnados em nenhum momento da sua histria. No
entanto, mesmo nesse estado de fluxo constante, pareceu sempre que, em cada medium, a
natureza da mudana continha em si os traos do que havia sido antes. So diversos os autores
(ver Peters, 2009) que tm vindo a assinalar que, em caractersticas apontadas como distintivas
dos novos media (convergncia, comunicao de muitos para muitos, interatividade,
globalizao, virtualidade), possvel identificar traos definidores no totalmente novos,
parte cada uma das suas especificidades tecnolgicas.
Se certo que, durante este perodo, o sentimento agudo e a experincia de mudana
no se confinaram ao domnio dos media, consideramos ainda que as tecnologias dos novos
media, na sua anunciada novidade, tero que ser pensadas no no confronto com as antigas,
mas todas integradas num mesmo contexto simultneo, na relao que estabelecem com o
social e o humano. Apesar das diversas ordens de mudanas passveis de serem enumeradas, a
perspetiva de anlise que pretendemos seguir tem como objetivo entender os media enquanto
instituies sociais que no so redutveis s suas tecnologias o que implica investigar algumas
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das pressuposies fundamentais nas cincias sociais (que vo desde a prpria ideia de
identidade s diversas e mais complexas formas de organizao social), e confront-las com
alguns dos seus mais slidos paradoxos. Atendendo s palavras acima transcritas, de Silverstone,
importa desde logo, sob as novas configuraes, questionar a natureza do poder e os nveis de
liberdade que hoje permitem tanto dar forma como resistir tecnologia (Silverstone, 1999). o
que faremos ao longo da prxima seco.
2. Os media e a sociedade de massa
Se um facto que continuamos hoje a assistir a filmes no cinema e a ver televiso de modo
linear, em ambientes de partilha familiar e em grupo, certo que, ao longo das ltimas dcadas,
a estes hbitos e prticas vieram juntar-se novos modos de produzir e de consumir os contedos
dos media. Lado a lado com hbitos e prticas consolidadas, outras formas surgiram e foram
criando o seu espao, adquirindo uma importncia progressivamente central. Paralelamente,
desde pelo menos os anos 1960 num processo com origens pelo menos no incio desse sculo
que mudanas mais amplas, de ordem cultural e social, comearam a ser identificadas e
descritas, em diferentes graus. Como resultado, se certo que, perante situaes habituais,
podemos ainda pensar os media a partir de enquadramentos de anlise j consolidados,
tambm inegvel que devemos considerar que as mudanas ocorridas no contexto das
sociedades e dos media trazem consigo alteraes importantes.
Ora, tambm os debates sobre os novos media o que so, o que gostaramos que
fossem ensaiam muitas posies j estabelecidas no mbito dos estudos crticos dos media e da
teoria social. Embora os debates surjam amplamente enquadrados pelas ideias de novidade e
pelas possibilidades que se abrem, importa que se assinale o facto de revisitarem territrios j
trilhados. Nos pargrafos que se seguem, iremos situar alguns dos tipos de mudanas mais
vastas, na vida social, econmica e cultural, a que os media (os novos media e os momentos
anteriores ao seu aparecimento), de diversos modos, so associados. A perspetiva a partir de
onde iremos aferir estas mudanas ser aqui desenhada tomando como referncia principal
no exclusiva o debate sobre a transio da modernidade para a ps-modernidade. Com
efeito, o nosso ponto de partida o de que todo debate intelectual sobre esta questo
(modernidade/ps-modernidade), que percorreu as diversas reas do saber, resultou de uma
tentativa, contestada mas altamente subscrita, para caracterizar a essa luz as mudanas
estruturais profundas que ocorreram nas sociedades ao longo do sculo XX, nas suas diversas
dimenses, desde a cultura economia ou poltica mudanas estas de que os media tero
sido, em grande medida, elemento estruturante e definidor.
Consideremos, pois, alguns dos traos principais do olhar modernista sobre os media,
designadamente no modo como ele percorreu grande parte do sculo XX. Se h muitos
exemplos que refletem o desdm do modernismo em relao aos media, talvez o grupo mais
famoso de intelectuais a tomar uma posio ideolgica tenha sido o que ficou conhecido por
Escola de Frankfurt. Exilado da Alemanha para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra
Mundial, este grupo de marxistas europeus ficou impressionado com a cultura de massa norteamericana, tendo identificado semelhanas com o processo de produo de qualquer outro tipo
de bens. Em particular, a Escola de Frankfurt denunciava os media como um produto
padronizado da industrializao, e ligava a cultura de massa a aspetos mais gerais do modelo de
produo designado por fordismo um termo cunhado para descrever os sucessos de Henry
Ford na indstria automobilstica, em particular a partir da melhoria de mtodos de produo
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concluses tenderam ainda a ver as audincias como impotentes para resistirem aos significados
ocultos dos media (ver Barthes, 2012). No obstante os desenvolvimentos especficos de cada
uma das abordagens anteriores (modernismo e estruturalismo), e mesmo da diversidade de
contributos que compem cada uma, podemos ainda assim assumir que a abordagem terica
modernista atravessada por duas ideias centrais: 1) um sentimento de desconfiana em relao
aos meios de comunicao, e 2) a necessidade de proteger o pblico da sua influncia
padronizada e degradante. Embora estas linhas definidoras persistam, pelo menos enquanto
sinal de aviso e de prudncia metdica, elas diferem profundamente das ideias tericas que,
como veremos, viriam a marcar muito do iderio associado aos novos media, no sculo XXI.
Deixemos a este propsito uma breve referncia s ideias influentes de um pensador
prximo da Escola de Frankfurt, Walter Benjamin, cuja leitura permite, em alguns textos, uma
abordagem distinta do pessimismo referido acima. Em A obra de arte na era da sua
reprodutibilidade tcnica e em O autor como produtor, Benjamin verifica a existncia de
potencial revolucionrio em meios de comunicao de massa como a fotografia, o cinema e o
jornal moderno. Como escreve: A reprodutibilidade tcnica da obra de arte [protagonizada
pelos meios de comunicao de massa] altera a relao das massas com a arte. Reacionrias,
diante, por exemplo, de um Picasso, transformam-se nas mais progressistas frente a um
Chaplin (Benjamin, 1992a: 100). Benjamin baseia-se em caractersticas distintivas destes
meios de comunicao, que viro, dcadas depois, a encontrar eco nalgumas das perspetivas
mais otimistas sobre o potencial dos novos media (digitais). Pode ler-se o que escrevia em 1934,
a propsito da produo literria, antecipando o papel ativo do pblico: este aparelho [de
produo literria] tanto melhor quanto mais capacidade tiver de atribuir a produo ao
consumidor, resumindo, de transformar os leitores ou espectadores em participantes. J existe
um tal modelo (). Trata-se do teatro pico de Brecht. (1992b: 151) O mesmo autor deixar
bem presente, em algumas passagens clebres, como a realizao deste potencial ser muito mais
uma questo poltica que uma questo tecnolgica.
3. Os media nas sociedades ps-industriais
Se a modernidade surge geralmente associada fase inicial da revoluo industrial, a psmodernidade mais comumente associada a muitas das mudanas que ocorreram aps a
revoluo industrial. Assistiu-se no Ocidente substituio progressiva de uma era da produo
industrial por uma era da informao ps-industrial (tambm conhecida como ps-fordista),
com consequentes mudanas no perfil de emprego, nas qualificaes, no investimento e no
lucro, assim como na produo de bens materiais para as indstrias da informao e dos
servios reas que muitos dos usos dos novos media parecem acolher e sintetizar de forma
plena (Castells, 2000). No surpreendentemente, a cultura e a poltica produzidas pelas
sociedades ps-industriais muito diferente das do contexto industrial da modernidade. Estas
alteraes podem ser entendidas no em exclusivo como o subproduto inevitvel de uma
sociedade de consumo, onde o consumo e o lazer tambm determinam as nossas experincias,
antes marcadas por critrios de trabalho e de produo. Isto significa que uma cultura de
consumo passa a dominar a esfera cultural e que o mercado determina a textura e a experincia
da vida quotidiana.
Num outro plano, assistiu-se a uma progressiva intensificao dos processos de
globalizao. Como conhecido, a dissoluo dos Estados nacionais e das fronteiras,
despoletada por razes de ordem comercial e antecipada por organizaes empresariais, entrou
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progressivamente no domnio dos costumes e das culturas, afetou identidades e crenas, e deu
sentido a um processo em que os novos media tm sido vistos como um fator decisivo
(Featherstone, 1990). Simultaneamente, ao mesmo movimento correspondeu a pulverizao de
ordens polticas estabelecidas, profundamente centradas, e hoje difusas, desmembradas ou
mesmo em tenso permanente. Ao enfraquecimento dos mecanismos de controlo e de poder,
sucedeu a disseminao de novas redes de comunicao atravs dos media, dispersas e
transgressoras de fronteiras geogrficas, polticas ou de outra ordem.
Estas mudanas na sociedade ps-industrial influenciaram de forma clara o modo como
as vrias dimenses dos media na sociedade passaram a ser concebidas. Em particular, foi-se
esvaecendo o tom de pessimismo que definia a abordagem modernista dos media protagonizada
pelos pensadores da Escola de Frankfurt. Alguns dos primeiros sinais desta mudana podem ser
detetados na obra de McLuhan. Muito embora McLuhan tenha partilhado muitas das
ansiedades acima referidas sobre a influncia ideolgica dos media, face a um pblico acrtico e
frgil - ver, por exemplo, a anlise que desenvolve dos efeitos nocivos da publicidade em The
Mechanical Bride: Folklore of industrial man (1951) o seu trabalho no esconde um
entusiasmo raramente detetado nos pensadores da Teoria Crtica.
Esta mudana de conceo dos media e do seu pblico foi levada a cabo mais tarde pelo
ps-estruturalismo. De forma breve: enquanto o estruturalismo geralmente refletia a
necessidade modernista de descobrir o significado ideolgico latente escondido no discurso dos
media, o ps-estruturalismo tendia a ter uma viso menos determinista sobre a natureza dos
media como um todo. A partir do trabalho de tericos como Louis Althusser e Antonio
Gramsci, a anlise dos media comeou a reconhecer gradualmente que a ideologia era mais
complexa do que antes se imaginava, que as audincias podem resistir aos significados
ideolgicos e que os prprios textos podem ser polissmicos, e resultar em mltiplos
significados (Fiske, 1986). Esta leitura viria a tornar insustentvel a posio modernista de que
cada mensagem dos media teria fatalmente um determinado significado ideolgico. A
indeterminao do significado de um texto central para grande parte da teoria psestruturalista, mudando o modo como a pesquisa contempornea entende no apenas os meios
de comunicao, mas tambm os recetores ou pblicos. Com origem em teorias como a dos
Usos e Gratificaes, novos mtodos de anlise dos media vieram enfatizar e demonstrar como
complexa a produo de sentido entre um texto e seu pblico (Blumer, 1979). Estudos como
os desenvolvidos por Petric et al. (2011: 126) demonstram que, em geral, todas as tecnologias
de comunicao parecem compatveis com altos nveis de flexibilidade interpretativa, na
medida em que so utilizadas em vrias combinaes de usos sociais e raramente se confinam a
utilizaes individuais. A interatividade vem tornar possvel a participao na criao textual
a possibilidade de alterar, transformar ou redistribuir um texto, isto , a atribuio de poder
audincia. Como escreve Rob Cover (2006:147), numa perspetiva que evoca Walter Benjamin
e a noo de aura: O texto torna-se mais amorfo e a sua localizao cada vez mais difcil de
situar, especialmente quando se digital e em rede, e no carrega a aura fsica e individual.
Nos seus traos definidores, esta perceo representa um afastamento profundo da
conceo modernista e estruturalista do pblico, que, por um lado, concebia os indivduos
como ingnuos e culturalmente passivos, propondo-se imagin-los antes como participantes
ativos na produo de sentido. Por outro lado, como descreve Henry Jerkins (2006: 11), a
liberdade promovida quando os media esto dispersos, descentralizados e facilmente
disponveis, bem como computadores e meios de impresso. O controlo central mais provvel
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E alguns consumidores tm maior capacidade para participar nesta cultura emergente do que
outros (2006: 3). Da mesma forma, alguns crticos denunciam o mito da interatividade,
argumentando que a natureza participativa dos novos media tem sido exagerada, de tal forma
que hoje as pessoas se recusam a ver as limitaes dessa interao. Declarar um sistema
interativo, adverte Espen Aarseth, classific-lo como detentor de um poder mgico (1997:
48). Alguns crticos argumentam ainda que a paisagem da ps-modernidade e os novos media
transformam os cidados das democracias em consumidores apolticos, incapazes de distinguir
entre as iluses simulados pelos media e as duras realidades da sociedade capitalista que
implicitamente escondem. Mesmo a paisagem poltica um triunfo da imagem sobre a
substncia, um smbolo terrvel da frase clebre de McLuhan (1967) que afirmava que o meio
a mensagem isto , um mundo onde o modo como algo apresentado realmente mais
importante do que o que apresentado.
Em particular, alguns autores argumentam que a obsesso ps-moderna com a
imagem em prejuzo da profundidade produz um ambiente superficial e artificial, onde
muito pouco levado a srio; em que uma dimenso puramente esttica tudo transforma em
entretenimento. A este propsito, existem elementos que amplificam e aceleram ou antes
moderam e contm tendncias mais amplas, tais como: (1) a primazia do autogoverno e da
autoconfiana sobre outras formas de autoridade, sejam familiares, profissionais ou polticas; (2)
uma extenso da ideia de comunidade permitida por formas de copresena e telepresena
simultnea, dependentes da orientao do indivduo e das suas preocupaes, tal como se
encontra descrito por Wellman (2002) atravs das suas noes de pequenas caixas e de
comunidades glocalizadas, baseadas em formas de individualismo em rede, que ligam os
indivduos de modos espacialmente indiferentes; e (3) o surgimento da chamada autocomunicao de massa ao lado da comunicao de massa, a que corresponde a substituio de
valores de sobrevivncia por valores de autoexpresso, enquanto prioridade nas sociedades
mediatizadas: menos esforo focado em produzir objetos materiais, e mais esforo focado na
comunicao e no processamento de informaes (Inglehart e Baker, 2000: 22).
Em sntese: os novos media so vistos como parte integrante destes tipos de mudanas
(tanto causa como efeito), e inspiradores do sentido dos novos tempos e das novas eras que se
seguiriam. O seu aparecimento adquiriu a forma de um fenmeno que espelha uma poca, ao
mesmo tempo que a marca; como parte de uma dinmica mais ampla de mudana social,
tecnolgica e cultural. Tornaram-se o campo para a busca de sentido e de pertena por parte de
indivduos e de comunidades - no apenas pelo consumo ou pelo que alguns designam como a
acumulao flexvel de artefactos e de ideias que compem e reconstituem o sentido de
autoidentidade, mas tambm pela produo, pela criao em cooperao, pela colagem e
mistura de toda uma srie de simulacros enquanto contextos de fuga, de fantasia e de distrao.
Castells, neste contexto, chamou a ateno para uma cultura emergente de virtualidade real
(2002: 421 e segs.), onde a prpria realidade capturada pela comunicao mediada.
Uma proposta de entendimento mais concreta -nos fornecida por Mark Deuze (2011),
ao rejeitar a ideia das pessoas como vtimas infelizes de uma viso de mundo aparentemente
fragmentada. Muito menos se dever supor que esta mudana, no sentido de uma vida
mediatizada, tornar, por si, a experincia social das pessoas menos real ou verdadeira. O
potencial o poder das pessoas para moldarem as suas vidas e identidades pode ser
encontrado no pressuposto de que as pessoas se produzem nos media (a si e, do mesmo modo,
umas s outras). Este elemento explicar um efeito do uso dos media: as pessoas esquecem os
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seus hbitos de interao com os media na exata medida em so parte constitutiva deles. Esta
ideia refora uma perceo sustentada por diversos pontos de vista tericos, formulada, entre
outras, na sugesto de Deuze de que os media no devem ser vistos como algo localizado fora
da experincia vivida, mas como parte intrnseca dessa mesma experincia. A nossa vida vivida
nos, ao invs de com os media vivemos uma vida mediatizada.
Alm da diluio das fronteiras entre as pessoas que produzem e as que consomem
informao, uma diluio disseminada pelas mltiplas plataformas de media no processo que
Jenkins (2006) designou como cultura da convergncia , as distines facilmente
estabelecidas entre humanos e mquinas, ou entre cultura e computadores, podem tambm elas
tornar-se menos relevantes para os estudos dos media no sculo XXI. Afirma Lev Manovich
(2014: 80) que o software a interface entre a nossa imaginao e o mundo uma linguagem
universal atravs da qual o mundo fala, e um motor universal em que o mundo funciona.
Assim, a novidade da condio humana contempornea pode ser melhor compreendida, num
sentido abstrato, como uma experincia tcnico-social da realidade (Deuze, 2011: 138).
este o enquadramento que implica relacionarmos o nascimento da Internet com o conjunto dos
desenvolvimentos que transformaram as sociedades modernas, as organizaes e as vidas dos
indivduos designadamente no que aos media diz respeito.
Ora, a anlise e a compreenso das implicaes tericas e prticas dos novos media na
sociedade e na cultura moderna, implicam que assinalemos um facto hoje amplamente descrito:
a circunstncia de duas trajetrias, o desenvolvimento dos media modernos e dos
computadores, serem simultneas e interdependentes. Noutros termos, ambos (media
tecnolgica e culturalmente potentes e aparelhos de computao altamente desenvolvidos) esto
em igual medida entrelaados no funcionamento das sociedades contemporneas, marcadas por
sistemas de informao de elevada complexidade. Como assinalam alguns, a capacidade de
disseminar os mesmos textos, imagens e sons a milhes de cidados tornou-se to essencial
como a capacidade de manter o controlo dos seus registos de nascimento, de emprego ou de
sade. Os media e os equipamentos de processamento de dados definem-se, pois, como
tecnologias complementares aparecem juntos e desenvolvem-se lado a lado, no mago do
funcionamento das sociedades modernas. Na verdade, na designada revoluo dos media, o
computador vem afetar todas as fases da comunicao, incluindo a aquisio, a manipulao, o
armazenamento e a distribuio de informao; afeta igualmente todos os tipos de media
textos, imagens fixas, imagens em movimento, som e as novas animaes virtuais (Manovich,
2014). sob esta perspetiva que passamos, de seguida, explorao de um quadro de anlise
que permita situar e aferir um tipo de funcionamento da Internet, associado aos media,
enquanto sistema tcnico-social dinmico (Fuchs, 2011).
5. Media e rede: um sistema tcnico-social dinmico
conhecida a origem da Internet a partir da ARPANet, uma rede de comunicao
computadorizada militar, criada nos anos 60 pelo Governo norte-americano. Em consequncia
do seu desenvolvimento, a tecnologia da Internet mais conhecida e influente viria a ser a World
Wide Web (que resumiremos por Web), criada pelo CERN, na Sua, no incio dos anos 1990,
e que se distinguiu por se tratar de um conceito de fcil uso que permitia a partilha de um
espao de informao atravs de um motor de pesquisa. A Web uma forma de gerenciamento
de contedos na Internet, com base em protocolos e padres partilhados. Isto significa que
todos os tipos de materiais so disponibilizados, podem ser armazenados e acedidos a partir de
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computadores e a lgica comunicativa prpria dos media, em que uma das lgicas beneficiava
de um domnio sobre a outra a lgica das bases de dados sobre a lgica comunicativa. Uma
outra proposta de caracterizao dos novos media defende que, no colocando em causa a sua
presena decisiva, as bases de dados no devero ser assumidas como prevalecentes partida. O
sentido do termo novos, segundo Siapera (2012: 5-6), significa precisamente a abertura e a
luta entre diferentes ideias, utilizadores, lgicas, enquanto elementos constituintes dos novos
media. este sentido que define os media como um sistema indito, inovador e dinmico. E
que, na sua essncia, impe como necessria a relao entre media e sociedade.
Duas ideias atravessam, pois, toda esta anlise. Primeiro, a Internet no simplesmente
uma rede tecnolgica, mas um sistema tcnico-social dinmico, em que novas qualidades vo
emergindo por ao de dinmicas individuais e sociais, conduzindo a formas de reorganizao
social e cultural. Como todas as tecnologias de comunicao, a Internet est intimamente
entretecida no desenvolvimento mais geral dos media e, em consequncia, na natureza da vida
individual e social quotidiana. Contudo, e em segundo lugar, nenhum dos seus potenciais
tecnolgicos se realiza automaticamente, margem dos comportamentos e das sociedades em
que existem. O desenvolvimento da Internet um fenmeno simultaneamente intencional e
involuntrio do esforo humano. Pode assim ser melhor compreendido como resultado de
condies tcnicas e sociais contraditrias e ricas em tenses, exatamente como as
consequncias da sua utilizao.
Concluso: elementos para a definio de um conceito
Independentemente do ponto de vista terico que utilizemos para compreender os novos
media, incontestvel que os media tm sofrido alteraes considerveis nos ltimos 20 ou 30
anos e que a essas alteraes corresponde uma interconexo estreita entre a tcnica e a
sociedade. Esta interconexo implica um quadro terico que permita compreender e avaliar
tanto os aspetos positivos como negativos dessas alteraes no mbito desta sociedade dos
media. Isto significa que uma compreenso crtica deste domnio essencial, enquanto parte do
esforo para desenvolver uma abordagem terica sustentada. Foi esse o sentido deste texto:
fornecer uma estrutura atravs da qual uma srie de abordagens possam ser mais
adequadamente efetuadas e contextualizadas.
Apesar do que foi referido, seguimos a posio prudente de considerar que nenhuma
nova tecnologia pode ser assumida, partida, como um passo em frente (no que seria uma
posio determinista); nenhum progresso garantido pelo simples facto de possuirmos media
tecnologicamente poderosos e indivduos que lhes acedem. E, ainda, nenhum progresso o ser
exatamente de um modo linear e sem contradies. Nesta perspetiva, e no cruzamento entre os
elementos tcnicos e os seus usos sociais, as questes a colocar devero refletir esses avanos e as
suas possveis contradies: os novos media criam novos significados? Facilitam (ou dificultam)
a mudana social e cultural? Como desenredar as vrias dimenses da mudana nos media e na
tecnologia, no modo como afetam presumivelmente as organizaes, o processo poltico, o
comrcio global e a vida quotidiana? Ora, se os novos media vm colocar novas questes
analticas, prprias da sua especificidade tecnolgica e das transformaes sociais com que
coexistem, vm igualmente atualizar e reforar um conjunto de pressupostos que, embora
anteriores percorreram, com cambiantes diferentes, outros momentos da histria dos media
possuem hoje o sentido epocal j antes referido. Enunciemos, brevemente, alguns exemplos:
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Em primeiro lugar, a existncia de espaos virtuais dever ser considerada como mais
uma expresso do real e no apenas ou necessariamente como a transcendncia desse
mesmo real. Depois, o poder que reconhecemos que exercido pelo capitalismo global no
pode ser simplesmente ignorado por termos entrado numa era dos novos media e nos
aventurarmos no ciberespao. Igualmente, os diversos modos de conhecimento continuam
enraizados em formas concretas de experincia, por distintas que elas hoje sejam. Tambm a
linguagem e os seus usos continuam a deter uma dimenso poltica (de participao e
interveno), e no se resumem categoria de factos sociais. De todas estas mudanas decorrem
questes estruturantes. Sintetizemos algumas, que embora identificadas, no foram
desenvolvidas neste texto: o termo audincia no significa hoje o mesmo que, no essencial,
significou ao longo de todo o sculo XX; os gneros que separavam os diversos media, assim
como as competncias necessrias sua produo, so hoje distintos de anteriormente; a linha
de produo, baseada em instituies de media formais (altamente especializadas), no o
mais nos mesmos termos; os poderes (poltico, econmico) so hoje menos capazes de controlar
os contedos pelos media como o foram antes. Por fim, recorde-se como as mudanas
tecnolgicas no se encontram separadas da ideologia como natural, as ideologias, ainda que
sob mscaras de interesses de ordem material, persistem mesmo na esfera aparentemente
inocente da Internet.
Trs ideias-chave constituem o ponto de chegada deste texto, e podero servir de
quadro sntese breve para uma abordagem sociolgica dos novos media: 1) os novos media
envolvem-nos e afetam-nos tanto enquanto seres sociais e polticos, como culturais ou
econmicos; 2) por isso, ao questionarmos o seu significado, a linha decisiva ter que ser
traada a partir do seu uso e da nossa capacidade para mobilizar o seu potencial em acordo com
noes de bem poltico e social; 3) parece certo que os novos media possuiro capacidades
importantes para transformar as instituies existentes; parece contudo igualmente certa a
capacidade de interesses dominantes para se mobilizarem contra esse potencial, ou dele se
apropriarem, a favor de fins conservadores ou convencionais (Silverstone, 1999).
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