UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

INSTITUTO DE ARTES E DESIGN

CURSO DE ESPECIALIZAO DE MODA, CULTURA DE MODA E ARTE

Luciana Oliveira Sousa Guglinski

A INFLUNCIA DO MANG E DO ANIM NA MODA JAPONESA

Juiz de Fora
2011

Luciana Oliveira Sousa Guglinski

A INFLUNCIA DO MANG E DO ANIM NA MODA JAPONESA

Monografia apresentada ao Instituto de Artes

e Design, Faculdade de Artes da Universidade
Federal de Juiz de Fora como parte dos
requisitos para obteno do Ttulo de
especialista em Moda, Cultura de Moda e
Artes.
Orientador:
Prof. Afonso Celso Carvalho Rodrigues

Juiz de Fora
2011

Oliveira Sousa Guglinski, Luciana.

A INFLUNCIA DO MANG E DO ANIM NA MODA JAPONESA /
Luciana Oliveira Sousa Guglinski. -- 2011.
55 p. : il.
Orientador: Afonso Celso Carvalho Rodrigues
Trabalho de Concluso de Curso (especializao) Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Artes e
Design. Especializao em Moda, Cultura de Moda e Arte, 2011.
1. Moda. 2. Japo. 3. Cultura. 4. Mang. 5. Jovem. I.
Celso Carvalho Rodrigues, Afonso, orient. II. Ttulo.

Luciana Oliveira Sousa Guglinski

A INFLUNCIA DO MANG E DO ANIM NA MODA JAPONESA

Monografia apresentada ao Instituto de Artes

e Design, Faculdade de Artes da Universidade
Federal de Juiz de Fora como parte dos
requisitos para obteno do Ttulo de
especialista em Moda, Cultura de Moda e
Artes.
Orientador:
Prof. Dr. Afonso Celso Carvalho Rodrigues

Aprovado em __/__/____.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Afonso Celso Carvalho Rodrigues - Orientador

Prof. Dr. Priscilla Danielle Gonalves de Paula

Prof. Esp. Javer Volpini

Dedico essa monografia:

minha famlia, que sempre me incentivou...

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, por todo apoio e carinho; ao

meu marido, por compreender minha
ausncia; ao meu irmo, por se virar na
cozinha; aos meus alunos, em especial Letcia
e Daniela, por me inspirarem na escolha do
tema; s colegas do curso que se tornaram
grandes amigas e companheiras.

RESUMO

Esse trabalho tem por objetivo mostrar como os quadrinhos e as animaes deixaram de ser
apenas entretenimento e passaram a fazer parte da herana cultural de vrios pases. Como
exemplo, baseamos essa pesquisa no pas onde mais se l quadrinhos: o Japo. Pas rico em
tradies, marcado por guerras, misria, superao e desenvolvimento fez do mang e do
anim produtos de exportao e, graas a esses desenhos, conseguiu espalhar um novo
conceito de cultura pop. Cultura essa baseada nas milenares tradies e nas transformaes
por ela sofrida a partir de seu amplo desenvolvimento, notando-se maior intensidade de
mudanas durante as primeiras dcadas do sculo XX. A partir da, o Japo mesclou aquilo
que criou ao longo dos anos que passou isolado do mundo com as novidades que vieram do
ocidente. Com isso, cresceu o interesse exterior pelo misterioso arquiplago, que percebeu
como sua arte feita em quadrinhos, e, posteriormente, aplicada ao cinema, ganhou espao
definido do outro lado do planeta. O mang e o anim conseguiram espao no mercado
exterior graas ao seu poder sobre a cultura local, onde se mostra presente nas vrias fases da
vida dos japoneses, desde a infncia at a fase adulta, influenciando tantos aspectos da vida
cotidiana, dentre eles, a moda. Moda to peculiar, influenciada por tais desenhos, que se
tornou inspirao em todo o mundo.

Palavras-chave: Japo. Quadrinhos. Mang. Animao. Anim. Cultura. Pop. Influncia.

Moda. Rua. Jovem.

SUMMARY

This paper aims to show how comics and animations are no longer just entertainment and
have become part of the cultural heritage of several countries. As an example, this research
was based on the country where the most volume of comics are read: Japan. A country rich in
traditions, marked by wars, distress, overcoming and development has turned manga and
anime into exports, and thanks to these drawings was able to spread a new concept of pop
culture. A culture that is based on ancient traditions and on the transformations suffered by it
since its broad development, changes that are were more intensely noticed during the first
decades of the twentieth century. Thereafter, Japan have merged what it has created over the
years it spent isolated from the world with the news that have came from the ocident. As a
result, the foreign world grew its interest about the misterious cluster of islands, noticing that
its art in comics form, and later applied to the movies, had won a definite place on the other
side of the planet. Manga and anime had otained a place on the foreign market thanks to its
power over the local culture, where it is present in the various stages of the lives of Japanese
people, from childhood to adulthood, influencing many aspects of daily life, fashion among
them. A very peculiar fashion, influenced by such drawings, which became an inspiration
across the whole world.

Keywords: Japan. Comics. Manga. Animation. Anime. Culture. Pop. influence. Fashion.
Street. Youth.

SUMRIO

INTRODUO....................................................................................................................... 9

1 TRADIO E MODERNIDADE: O NASCIMENTO DA CULTURA POP

JAPONESA ............................................................................................................................ 11

2 O MANG E O ANIM: ENTRETENIMENTO E DIFUSO CULTURAL ............ 16

3 QUANDO OS DESENHOS GANHARAM VIDA .......................................................... 22

4 A MODA JAPONESA E SUAS INFLUNCIAS ............................................................ 27

4.1 Da pureza oriental influncia ocidental .......................................................... 27

4.2 Sculo XX: ocidentalizao da moda ................................................................. 33

5 MANG E ANIM DESFILAM PELAS RUAS DO JAPO ...................................... 40

CONCLUSO ....................................................................................................................... 50

REFERNCIAS .................................................................................................................... 52

FONTES CONSULTADAS ................................................................................................. 53

INTRODUO

Japo. Terra do sol nascente, dos samurais, das gueixas, das cerejeiras, dos
quimonos, da alta tecnologia, dos mangs e anims... E por que no, da moda. O Japo
marcado por tradies milenares, mas esquece-se que o pas sofreu intensa transformao a
partir do final do sculo XIX. Modernizou-se e passou de dominado a inspirador.
Num primeiro momento, o trabalho apresenta um pouco da histria da tradio e do
isolamento, at um processo de abertura para o ocidente, causando uma evoluo nos
costumes e criao de estilos que posteriormente se espalharam pelo mundo. Conhecendo a
histria do pas, essa evoluo torna-se ainda mais impressionante. Os japoneses
permaneceram 250 anos em total isolamento, mantendo relaes apenas comerciais com um
nico pas praticamente, a China. Assim, pensar que depois desse longo perodo sem contato
com o exterior, e consequentemente, sem troca de conhecimento e influncias, com um srio
atraso tecnolgico em relao aos ocidentais, o Japo evoluiu de maneira mais acelerada que
qualquer outro pas. E essa evoluo ficou clara a partir do momento que se percebe que o
Japo levou menos de um sculo para se estruturar como uma nao desenvolvida e influente
em todo o mundo. Influncia essa conseguida de forma limpa, sem armas, nem guerras, nem
dominao. Foi graas fora de vontade dos japoneses, que mesmo humilhados nos anos ps
2 Guerra, se reergueram e recuperaram o tempo perdido.
A seguir, o trabalho aborda dois dos grandes aliados dessa disseminao da cultura
japonesa: os quadrinhos os mangs e os desenhos animados os anims. O Japo o pas
onde mais se l quadrinhos, dando a este meio de comunicao, carter no s de diverso e
passatempo, mas tambm uma forma didtica e diferente, adotadas em escolas e empresas,
para se transmitir conhecimentos histricos, ticos, culturais. A grande maioria dos japoneses
l quadrinhos, que so divididos em categorias e estilos especficos para cada pblico alvo.
Desde crianas, passando pelas mocinhas e rapazes, at alcanar o pblico adulto. E os
desenhos animados, considerados por grande parte dos ocidentais como coisa de criana,
somente mais um artifcio do cinema, muitas das vezes arrecadando mais bilheteria do que
filmes com grandes astros japoneses. Assim, o desenho, que ganhou traos muito especficos,
adaptando as origens dos traos orientais com as inovaes ocidentais, tornou-se importante
estilo de arte, inspirando o estilo de vida da populao japonesa e grande difusor da cultura do

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Japo para o resto do mundo. Tanto que muitos personagens comearam a ganhar vida
prpria, atravs de convenes de quadrinhos, animaes e videogames. Uma nova tradio
surgiu e vem se espalhando pelo mundo: os cosplays. Misturando fanatismo, diverso e
comprometimento com um ser inexistente, uma legio de fs se transforma por algumas horas
nos grandes dolos do papel ou da TV.
Por fim, o trabalho apresenta um resumo da histria da indumentria japonesa, com os
clssicos estilos do quimono, sua decadncia, o surgimento da alta costura no Japo e seu
reconhecimento no mundo fashion mais exigente. Surge, ento, o que realmente se veste nas
ruas do Japo, em especial, sua capital, Tquio. Muita liberdade, cores e mistura de estilos so
pr-requisitos para que um jovem japons desfile pelas ruas da moda. Com tanta informao
sobre moda, msica e uma influncia, direta ou indireta, dos mangs e anims, os japoneses
inventaram um estilo nico, muito individual de se vestir.

11

1 TRADIO E MODERNIDADE: O NASCIMENTO DA CULTURA POP

JAPONESA

O Japo um pas de tradies milenares: desde a cerimnia do ch, at o uso dos

clssicos quimonos, acompanhados dos chinelos de madeira. At h pouco tempo, quando se
falava do Japo era exatamente isso que passava em nossa mente. Mas sabemos que hoje, os
japoneses incorporaram a esses milhares de anos de tradies histricas, um avano no estilo
de vida, no comportamento, na tecnologia, na economia, na moda. Avano esse no s sentido
em territrio nipnico, mas tambm refletido em diversas partes do mundo.
Calcula-se que o homem viva nas ilhas japonesas desde o Paleoltico, h cerca de
35.000 anos a.C., quando povos caadores vieram do continente atravs dos istmos (poro de
terra estreita cercada por gua em dois lados e que conecta duas grandes extenses de terra).
Somente por volta dos sculos III e II a. C., que esses caadores deixaram de viver da caa e
comearam a cultivar o arroz, que logo passou de um simples produto de subsistncia para
tambm se tornar uma forma de pagamento de impostos. O Japo foi unificado pela primeira
vez no sculo IV, quando incorporou o budismo trazido da Coria, surgiram os samurai,
sendo um perodo marcado por instabilidade interna, com guerras civis entre cls, intensa
pobreza e momentos de superaes. Somente no sculo XVI, o pas teve seu primeiro contado
com naes ocidentais; comerciantes e missionrios portugueses chegaram ao Japo pela
primeira vez, dando incio a um intenso perodo de trocas culturais e comerciais. Em 1590, o
pas foi reunificado, mas logo aps a morte de Toyotomi Hideyoshi, seu regente, Tokugawa
Ieyasu deu incio a uma guerra, por ele vencida em 1603, na Batalha de Sekigahara.
Tokugawa fundou um novo xogunato (sistema de governo comandado por um xogun),
expulsando os portugueses e restantes estrangeiros, dando incio perseguio dos catlicos
no pas, tidos como subversivos. Esta poltica deixou a nao isolada por 250 anos at a
chegada de navios dos Estados Unidos, em 1854 exigindo a abertura do pas ao comrcio,
revelando o atraso do xogunato. Inicia-se um perodo de desenvolvimento econmico e
expansionismo (guerras sino-japonesa e russo-japonesa, interesse pela Manchria) com
episdios que deram ao Japo a primeira experincia blica moderna, assistida pela Europa,
que o transformaram no pas mais influente da sia.

12

Com a chegada do sculo XX, o Japo destacava-se pelo expansionismo e,

consequentemente, a militarizao do pas. A Primeira Guerra Mundial permitiu ao Japo, que
se colocou ao lado dos aliados, expandir sua influncia e explorao territorial. Em 1936,
assinou o Pacto Anticomintern com a Alemanha nazista. Em 1941, atacou a base americana
de Pearl Harbor e acabou declarando guerra aos Estados Unidos, que culminou com as
bombas de Hiroshima e Nagasaki. No final da guerra, o mundo ficou ciente do grande perodo
de dificuldades que o pas entrara. De 1945 a 1955, o Japo, com ajuda norte americana,
comeou a organizar sua economia, produzindo bens de consumo a baixos preos para
exportar para os prprios Estados Unidos, com quem firmaram um pacto econmico e at
poltico, tornando-se um plo anti-comunismo na sia. A partir desse momento, ento, os
japoneses comearam a investir muito em sua principal atividade para crescer: o trabalho.
Nos anos 60, aumentou muito o nmero de estudantes inscritos em colgios e
universidades japonesas, assim como estudantes que buscavam estudos e especializaes pelo
mundo. Todos liam e estudavam muito, a fim de promover um crescimento mais acelerado do
pas: cerca de 6 milhes de livros, a maioria sobre tecnologia e economia, foram vendidos em
1967. A partir dessa dcada, o mundo toma conhecimento do surgimento de uma nova
potncia. O Japo j era um grande exportador de bens de consumo, mas tambm tornou-se
um grande importador. Tinha status quem possua um produto produzido na Europa ou nos
Estados Unidos. Grandes marcas e grifes se instalaram nos grandes centros, com produtos a
preos elevados. Houve uma certa ocidentalizao na arquitetura, no intenso consumo de
massa e at em alguns costumes: um perodo chamado pelos prprios japoneses de Era do
Lazer.
E os meios de comunicao tambm no ficaram alheios a estas
transformaes. A mdia impressa, traduzindo as novas tendncias da
populao, aumentou o volume das publicaes, diversificando os ttulos e
originando centenas de revistas especializadas. Os jornais japoneses ficaram
conhecidos por terem as tiragens mais altas do mundo e foram os primeiros a
usar, em 1959, edies simultneas em vrias cidades pelo processo de facsmile. No campo das revistas e livros, em 1980, atingiu-se o volume de 4,3
bilhes de livros e revistas produzidos, dos quais 27 por cento desse total, ou
seja, 1,16 bilho, destinava-se a publicaes de histrias em quadrinhos os
mangs. E, se h muitas explicaes para a passagem da era da pobreza para
a da prosperidade econmica do Japo, as cifras altssimas de vendagens de
histrias em quadrinhos seguiram tambm um caminho paralelo na evoluo
dos acontecimentos. (LUYTEN, 2000, p. 26).

Com a tomada de Tquio pelos americanos, muitas coisas que antes eram proibidas
para o pblico japons, por serem consideradas smbolos do inimigo, comearam a dominar
rdios, cinemas, jornais e revistas; at expresses em ingls, banidas do vocabulrio, e a

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Coca-Cola passaram a fazer parte do dia-a-dia do Japo. Os Estados Unidos venceram a

guerra e perceberam que a influncia cultural era uma arma na luta pela hegemonia global,
para deter o comunismo e usaram todos os meios de comunicao disponveis (psteres,
revistas, rdio e cinema) para divulgar o chamado American Way of Life.
Mas ao invs de meramente copiar aquilo que vem de fora, do mago dos
japoneses pegar influncias estrangeiras e reinvent-las conforme a cultura
local. A longa histria do Japo demonstra curiosamente que os japoneses
sempre foram receptivos a influncias externas. Foi assim, por exemplo, que
a prpria escrita japonesa tornou-se o que hoje, mistura caracteres criados
no pas (o hiragana e o katakana) com ideogramas importados da China
(o kanji). (...) Com a cultura pop no haveria de ocorrer algo diferente, e ao
invs de simplesmente cultuar dolos alheios como se seus fossem, os
japoneses criaram seus prprios dolos. A frmula da produo e do
consumo em massa podia ser americana, mas o produto final tinha que ser
culturalmente japons. (SATO, 2007, p. 14).

Um histrico de tradies milenares no pode simplesmente ser substitudo por novos

valores estrangeiros. Ento, os japoneses criaram seu prprio estilo de entretenimento, seus
prprios cones, aos moldes das influncias americanas. Como diz Cristiane Sato, (2007,
p.15), e assim se formou o pop japons contemporneo: ocidentalizado na forma, mas
nipnico no contedo.
Com a penetrao do cinema americano com seu glamour hollywoodiano, os
japoneses achavam que todos os americanos viviam como as grandes estrelas dos filmes:
grandes manses e apartamentos, timos empregos, dispondo dos confortos de uma vida
moderna, como carros e eletrodomsticos. E acabaram incorporando essa vida consumista.
No fim dos anos 50 e incio dos 60, o Japo passou por suas primeiras
tsunamis consumistas, na qual todas as famlias adquiriram os Trs Tesouros
Sagrados do consumo do momento (uma referncia aos tradicionais Trs
Tesouros Sagrados do Xintosmo um colar, um espelho e uma espada que
simbolizam o poder imperial). Nos anos 50, eram Os Trs Ss, de Senpki,
Sentaku,e Suihanki ( ventilador, mquina de lavar roupa e panela eltrica papa
arroz). Nos anos 60, eram os Trs Ks, de Kaa, Kraa e Kaaraa terebi
(carro, ar condicionado e TV em cores). Nos anos 70, os objetos de desejo
eram Os Trs Js, de Jeru, Jetto e Jtaku (jias, avio no sentido de
viagem ao exterior e a casa prpria). (SATO, 2007, p. 16).

O movimento pop japons diretamente ligado industrializao e sociedade de

consumo, e ganhou foras na dcada de 60, quando, graas a um plano do governo, o Japo
viu surgir a maior e mais rica classe mdia do mundo. O cinema popularizava-se com filmes
de lutas de espadas ou de samurais os chamados Chambara Eiga. Na msica comearam
a sentir influncias ocidentais, com arranjos japoneses e muitas verses foram feitas. At os
musicais americanos foram adaptados ao estilo japons, alavancando a carreira de jovens

14

cantores e bandas. Na TV, Osamu Tesuka, levou seu sucesso dos quadrinhos, Tetsuwan
Atomu (Astro Boy) para a animao, dando incio indstria do anim televisivo.
As Olimpadas de Tquio, em 1964 as primeiras realizadas na sia e a feira
Mundial Expo World Japan, em 1970, fizeram o mundo conhecer uma nao industrializada,
direcionada para o futuro e para o progresso. Mas essa crescente busca pela industrializao,
na dcada de 70, causou uma insatisfao na populao que organizou uma srie de
manifestaes em prol da ecologia, do meio ambiente e da sade pblica e foram duramente
reprimidas. Havia uma diviso: de um lado, a retomada de valores que inspirassem a
segurana e do outro o rompimento de regras para provocar maior inquietao. Nesse perodo,
o estilo musical conhecido como Enka balada de estrutura e arranjos inspirados em formas
tradicionais japonesas, melanclicas e saudosistas, com letras que geralmente referem-se a
romance mal sucedidos (SATO, 2007, p.19) teve grande repercurso. Nos mangs, roteiros
nekktsu (sangue quente, no sentido de determinao extrema) faziam sucesso com o pblico
masculino; e os quadrinhos com histrias melodramticas, com finais nem sempre felizes,
faziam sucesso entre as garotas.
Nos anos 80, uma nova gerao se imps no Japo: os jovens. Estes privilegiavam a
diverso, abraavam e abandonavam modismos rapidamente. Nas rdios, as baladas Enka
perdem lugar para o JPop, com ritmos e arranjos ocidentais. No cinema, na TV e nos
quadrinhos tudo se torna mais fantasioso e adolescente. O jovem comea a definir moda e a se
dividir em zokus (tribos urbanas) definidas pelos visuais que adotam, revistas que lem,
grias que criam e falam. Alm das tradicionais tribos conhecidas no mundo, como hippies,
roqueiros ou punks, o Japo tem suas peculiaridades.
Os kurisutaru (cristal) zoku, altamente consumistas e materialistas, crem ter
um estilo de vida ocidental, embora um ocidental provavelmente os veria
apenas como japoneses com um estilo de vida japons muito consumistas. Os
sango (trs palavras) zoku praticamente reduzem o vocabulrio na
conversao diria a trs expresses, acompanhadas de reaes exageradas
uso (mentira, no diga!), hontou (verdade, mesmo?) e kawaii (que
gracinha!). Os nyuu haafu (do ingls, new half nova metade) so curiosos
obcecados na verdade, curiosas obcecadas, pois a maior parte desta tribo
de mulheres pela homossexualidade, que formam grande parte do pblico
que sustenta o mercado paralelo de mangs yaoi (quadrinhos gays), assistem
anims yaoi e compram discos do travesti cantor Kenichi Mikawa. Os otakus
(nerds) so conhecedores fanticos de algum assunto obtuso, que podem variar
de torcedores alucinados de algum esporte, ou colecionadores manacos de
objetos incomuns, a jogadores viciados de videogames, mas geralmente so
fs doentios de tokusatsu (filmes de monstros e heris uniformizados), anims
e mangs, e que em comum possuem a caracterstica de no conseguirem
relacionar-se socialmente com pessoas que no compartilhem do mesmo ramo
ou grau de conhecimento especfico. (SATO, 2007, p.21-22).

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Com o fim da Guerra Fria, o incio dos anos 90 apresenta seu grande difusor de
cultura: os EUA. Os americanos planejaram cada passo de seu domnio cultural para se
firmarem como potncia. O interessante que na mesma poca, o Japo passou a exportar sua
cultura pop, mas com um enfoque diferente, afinal, esse pas no tinha interessa em exportar o
que considerava sua subcultura. Se nos anos 80, o Japo chamava a ateno de empresrios
devido ao se acelerado crescimento econmico, nos anos 90, a curiosidade sobre o pas era
outra: pessoas comuns na maioria, jovens comearam a se interessar por coisas que o
japons comum estava acostumado a ver e ouvir. A cultura pop japonesa vista por muitos
at hoje, como oposio ao domnio sufocante ao American Way of Life.
Na ltima dcada do sculo XX, os anims ganharam fs devotados, no s no Japo,
como no mundo. Atravs das animaes japonesas, crianas e jovens espalhados pelo globo
passaram a conhecer e cultuar super-heris e elementos da esttica e do comportamento
japons. Entre os adolescentes a moda passou a refletir o que se v nos anims, como
cabelos pontudos, pintados em cores vivas, sapatos com saltos extravagantes, roupas tipo
marinheiro inspiradas nos uniformes escolares japoneses e coisas do gnero (SATO, 2007,
p.22).
A chamada crise asitica, em 1997, fez com que o Japo mudasse seu ponto de vista
em relao cultura pop. Em meio a um perodo de estagnao e recesso, os japoneses
voltaram-se para o mercado externo: estima-se que o Japo alcance um valor de 13 bilhes de
dlares relativo a sua exportao cultural, crescimento considervel, se comparado aos
ltimos anos, tendo como produtos principais de exportao os quadrinhos, desenhos
animados e videogames.
Saber como se formou e como se espalhou essa cultura pop pelo mundo, nos situa no
momento contemporneo onde o Japo exporta gostos, estilos, moda. O Japo j esteve
presente na alta costura, com os nomes de Issey Miyake, Rei Kawakubo e Yohji Yamamoto.
Mas a moda street weare, influenciada por quadrinhos e desenhos animados e difundida
pelos jovens que vem se espalhando mais rapidamente pelo mundo.

16

2 O MANG E O ANIM: ENTRETENIMENTO E DIFUSO CULTURAL

Por volta do sculo XI e XII, no Japo, tornavam-se populares os chamados Makimono, que podem ser considerados os precursores dos quadrinhos japoneses. Os Makimonos eram uma espcie de pergaminhos enrolados (grandes rolos) onde eram pintados
desenhos que contavam uma histria medida que iam sendo desenrolados, geralmente com
teor humorstico.
Para se compreender toda a trajetria da imagem, da Antiguidade at os quadrinhos
modernos, deve-se observar a importncia da ilustrao nas obras japonesas. At o mais
antigo registro de escrita do Japo, Utsubo Monogatari (A Histria da rvore Oca), do sculo
X, identifica as ilustraes no texto original, embora tenham se perdido ao longo do tempo. E
para que esse entendimento acontea, deve-se conhecer a histria da escrita japonesa.
O Japo no tinha escrita at entrar em contato com a China, de onde pegou
emprestado seus ideogramas, por volta do sculo IX. A partir da, criaram um silabrio
prprio, muito simples, com 50 caracteres, chamado hiragana, para representar a fala. Isso
deu um grande impulso para o desenvolvimento da literatura japonesa. Ao lado do hiragana,
desenvolveram o katakana, tambm com 50 slabas, ainda mais simplificado, que deu origem
a um tipo de letra de imprensa. A escrita japonesa tem uma tradio de abstrao de traos
que representam visualmente a ideia das palavras.
Entre essa sequncia de imagens significativas (que a escrita) e imagens
sucessivas (que so as histrias em quadrinhos), h, portanto, uma
continuidade: o mesmo trao de tinta e o mesmo deslocamento linear do olhar
linha da narrativa. Dessa maneira, os japoneses se acostumaram a visualizar
muito mais as coisas do que ns ocidentais. A aproximao entre abstraes
de figuras e figuras propriamente ditas muito sensvel, fluindo de um antigo
costume de se fazer a juno de ambas. (LUSTEN, 200, p. 32)

Outro motivo que favorece a comunicao atravs de imagens a outra forma de

escrita japonesa, o kanji, com cerca de dois mil ideogramas. Para se ter conhecimento e
domnio de todos, preciso ter chegado, pelo menos, ao fim da escolaridade mdia. Por isso,
nem todos conseguem ler um texto de jornal, por exemplo; avisos importantes so escritos em
kanji e ao lado, em hiragana (escrita fontica).
No perodo Edo (1660 a 1867), O Japo passou por uma ditadura feudal, o xogunato
de Tokugawa, onde se viu isolado do resto das naes, limitando o comrcio exterior
relaes com a China e a Holanda, numa pequena ilha, no Porto de Nagasaki. Nessa poca, a

17

classe dos mercadores prosperou-se, principalmente nos sculos XVIII e XIX. Com maior
circulao de dinheiro, maior envolvimento de artesos e samurais, gerou-se um aumento na
procura por entretenimento. Alm do teatro popular, passou-se a produo de sries em
gravuras sobre o cotidiano e livros com histrias ilustradas (acredita-se que nesse perodo
cerca de dois mil editores operavam em bases comerciais). Os editores, juntamente aos
mercadores, representavam a classe mais baixa da sociedade, porm eram as mais numerosas
nas grandes cidades e eram conhecidos como chonin pessoas da cidade. E, graas ao
fechamento das fronteiras, maior circulao de capital, o grande nmero de editores tornou
possvel o surgimento de um novo gnero de arte para o
consumo popular, como a produo de gravuras de
madeira, chamadas ukiyo-. Inicialmente, essas gravuras
retratavam homens e mulheres mundanas, cenas de
teatro, lutadores de sum, surgindo, mais tarde, temas
histricos, paisagens, flores, melhorando a qualidade
(Figura 1). Segundo Snia B. Luyten, no entanto, na

essncia tinham muito a ver com as histrias em

quadrinhos: cheias de vida, atuais, divertidas, baratas e
entretinham.

Nesse

estilo

de

arte,

destacou-se

Katsushita Hokusai (1760 1849), que trabalhou com

diversos estilos, e no final da vida, produziu sua obra
mais famosa, Fugaku Sanju Rokkei (As 36 vistas do
Monte Fuji). Credita-se a ele, a criao da palavra
mang, que a unio dos ideogramas man (humor, algo
que no srio) e g (imagem, desenho). Hokusai usou
essa expresso como ttulo de uma coleo de 15
volumes, mais simples em termos de cores, tintas e
matrizes, mas complexos e criativos, que se tornaram
mais acessveis financeiramente e, assim, muito
populares

no

Japo.

Embora

fossem

desenhos

humorsticos, os Hokusai Mang no podem ser

considerados quadrinhos, uma vez que no havia uma

Figura 1-'Beauties of the Spring and

Autumn (Left Hanging scroll)'
Katsushika Hokusai (1760-1849)

narrativa sequencial, nem onomatopeia nem textos em bales, mas seu sucesso tornou a
expresso mang sinnimo de desenho humorstico no sculo XIX.

18

O ano de 1853 marca o fim do perodo de isolamento japons, com a chegada da

esquadra do Commodore Matthew Perry, dos Estados Unidos. Em 1868, deu-se o fim do
Perodo Edo e incio do Imprio Meiji. Ocorreram grandes mudanas econmicas,
administrativas e sociais, com a introduo de novas ideias estrangeiras.
O jornalista ingls, Charles Wirgman, chegou ao Japo em 1857 e em 1862, fundou a
Japan Punch, a primeira revista de humor do Japo, com charges polticas, onde fazia uso
constante de bales. Outro imigrante que influenciou a produo de quadrinhos japons, foi o
francs George Bigot, criando em 1887, a revista Tba, trazendo novo conceito de stira
poltica, sequenciando desenhos, de forma narrativa. A revista Tba ajudou a introduzir
tcnicas ocidentais que os japoneses at ento desconheciam, como sombra, perspectiva e
anatomia.
Com influencias de Wirgman, Bigot e dos quadrinhos que se desenvolviam no
ocidente, em 1902, o japons Rakuten Kitazawa publicou a primeira histria em quadrinhos
propriamente dita do Japo: Tagosaku to Mokubee no Tokyo Kenbutsu (Tagosaku e Mokubee
passseiam em Tquio), contando as aventuras e gafes de dois camponeses nas ruas de Tquio.
Katagawa fez muito sucesso no Japo, em 1905 criou sua prpria revista e, em 1929, exps
seus trabalhos em Paris, onde foi reconhecido internacionalmente, como o primeiro mang-ka
(desenhista de quadrinhos).
At 1932, os quadrinhos no Japo tinham certa liberdade e independncia na criao,
com a presena at de personagens estrangeiros, como Popeye, Mickey e Betty Boop. Mas em
1933, teve incio a guerra Sino-Japonesa e foi imposto aos quadrinhos alta censura e intenso
controle, proibindo, at mesmo, personagens ocidentais.
A chamada 'Lei de Preservao da Paz' mais conhecida como a 'Lei
Perversa' legalizou a intimidao e priso de desenhistas e editores que
divulgassem ideias consideradas subversivas pelo governo, e logo tornou-se
praticamente impossvel publicar no Japo sem que se fizesse parte da Shin
Nippon Mang-ka Kykai (Associao de Desenhistas de Quadrinhos do
Sagrado Japo), entidade criada pelo governo em 1940. Quando a Segunda
Guerra se intensificou em 1941,o mang se tornou uma extenso da mquina
de propaganda do governo, exortando valores militaristas. (SATO, 2007, p.
60)

Durante a Segunda Guerra, os desenhistas deviam se sujeitar s regras impostas pelo

governo japons. Os artistas que no cooperassem eram punidos, banidos da profisso ou
ficavam no ostracismo. Com o fim da Guerra, muitas editoras precisavam se reorganizar e,
devido misria da populao, os quadrinhos tornaram-se muito caros. Em Osaka, surgiuram,
ento, os akai hon (ou livrinhos vermelhos): livrinhos de quadrinhos muito baratos, impressos

19

em papis grosseiros, tipo marginais, undergroud, que eram vendidos nas ruas. O tema mais
popular na poca, era a famlia e uma personagem chamada Sazae-san, criada pela desenhista
Machiko Hasegawa, destacou-se com histrias com doses de humor, onde a dona de casa se
via diante de situaes de famlia. Tornou-se o mang mais popular de todos os tempos, com
quadrinhos publicados entre 1946 a 1974. Seu anim (desenho animado) est no ar desde
1969, sendo, portanto, a mais longa srie de animao produzida no mundo.
A modernizao e o estabelecimento do mang no Japo e no mundo, veio com a
contribuio do grande mestre dos quadrinhos japoneses, Osamu Tezuka. Sob influncias de
Walt Disney e do cinema (especialmente do alemo e do francs), o ento estudante de
medicina, lana, em 1941, Shin Takarajima (A Nova Ilha do Tesouro), misturando tcnicas de
storyboard de animao e de narrao cinematogrfica com a linguagem dos quadrinhos.
Alm disso, Tesuka introduziu outra novidade: o grande nmero de pginas (eram 200 nesta
histria). Foi ele tambm que comeou a desenhar os grandes olhos brilhantes das heronas
dos mangs, influenciado pelo teatro Takarazuka (feito s por mulheres, com olhos muito
maquiados, para dar impresso de maiores).
Na dcada de 50, o mang teve um crescimento cultural e econmico no Japo e as
histrias e os desenhos tornaram-se especficos, divididos por sexo e faixa etria. Para as
crianas, de 6 a 12 anos, existem as revistas chamadas shogaku (gaku quer dizer escola),
dividindo-se conforme a idade e o grau escolar. Para moas, entre 12 a 17 anos (ou mais), os
quadrinhos so chamados shojo, com histrias romnticas e amores impossveis. Atualmente,
nas primeiras pginas, esto propagandas de produtos direcionados a esse pblico (bijuterias,
acessrios, produtos de beleza, moda...). hoje um produto exclusivamente feminino:
histrias feitas por mulheres, para mulheres. Para os rapazes, as revistas shonen mang que,
como nas femininas, contm nas primeiras pginas propagandas e artigos de interesse do
pblico-alvo (esportes, artistas, meio ambiente...) so caracterizadas por histrias marcadas
pelo melodrama dentro da temtica do samurai, do esportista e do aventureiro, tendo como
constante as condutas japonesas tpicas de autodisciplina, perseverana, profissionalismo e
competio. So desenhos monocromticos, na cor preta e recheados de cenas de sexo,
embora no sejam erticas, nem pornogrficas. E para os adultos, no caso masculino chamase seinenshi; o feminino adulto no apresenta nome especfico e at a dcada de 80 no
existiam. Existem tambm os de cunho ertico e pornogrfico, os hentai.
Na dcada de 60, o Japo j apresentava um desenvolvimento econmico e as histrias
em quadrinhos ganharam mais pginas, mais cores e cadernos suplementares. Comeou-se
uma padronizao das revistas que at hoje so obedecidos: as revistas tem o mesmo tamanho

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(18cm por 25cm), o nmero de pginas varia entre 150 a 600, so impressas em papel jornal e
monocromticas (com exceo das capas, que so coloridas), variando entre rosa, azul, verde,
roxo ou preto. Se levarmos em conta a simbologia das cores dentro da cultura japonesa,
podemos perceber que a escolha da cor est diretamente ligada ao tema da histria.
Segundo a tradio japonesa, por exemplo, o vermelho combinado com o
branco traz a lembrana de vitalidade e pureza. Quando essa combinao
usada, imediatamente sugere aos olhos japoneses felicidade ou alguma
celebrao, enquanto o verde a cor da vida e do esprito eterno, pois uma das
caractersticas culturais mais fortes a integrao com a natureza. E, como na
natureza os tons de verde so variados, isso sugere a complexidade da vida e
do esprito que coabita em cada um de ns. A cor azul, pelo fato do Japo ser
um arquiplago, significa algo materno, envolvente, que sacia. O preto denota
o mistrio, a ideia do desconhecido, encorajando a imaginao para um mundo
diferente da realidade, ao passo que o amarelo ou dourado exprime
prosperidade sentidas pelos campos de arroz amadurecidos, perto da colheita.
(LUYTEN, 2000, pg. 44)

Os mangs possuem histrias sequenciais, obrigando o leitor a comprar a revista

seguinte para saber o final da histria. Diferente dos ocidentais, os japoneses no tm o hbito
de colecionar revistas; uma vez que o nmero de pginas elevado, se uma pessoa colecionar
uma revista de mais ou menos 300 ou 500 pginas, comprando uma vez por semana, ao final
de um ano ela teria vrias pilhas em casa, e espao um bem caro no Japo. Se o leitor gostou
de ler os captulos, depois de finalizada a srie, ela pode ser transformada em um livro, com
papel de melhor qualidade e pode ser adquirido futuramente. Assim, os mangs japoneses so
descartveis; comum v-las largadas pelos cantos ou at vendidas a peso para reciclagem.
As revistas so vendidas nas estaes de trem e metrs, em quiosques com cigarros e
chocolates ou em mquinas (tipo as americanas para doces).
A partir dos anos 70, quando o sucesso econmico do Japo j era evidente, comeou
um grande interesse por parte de outros pases no processo de desenvolvimento japons, que
logo foi sentido no campo da arte e religio. Com o mang, essa descoberta demorou um
pouco mais. Talvez por seu prprio contedo, que em sua grande maioria voltada para
situaes muito especficas para serem compreendidas fora do Japo. Alm disso, as histrias
so repletas de referncias simblicas e convenes, a grande maioria expressa no
verbalmente.
O que faz do mang, no Japo, ter tanta importncia cultural e social, talvez seja o fato
dos japoneses no possurem uma averso aos quadrinhos (comicphobia) e o tratamento dado
aos desenhistas, digno de superstars; eles tm status de artistas (pintores e escritores) e so
tratados pelo ttulo de sensei (mestre).

21

Quando o mang comeou a ganhar o pblico estrangeiro, ele no o fez sozinho.

Quando o Japo tomou conhecimento das animaes ocidentais, logo percebeu que tambm
poderia fazer suas prprias e em 1917, Oten Shimokawa criou um curta-metragem de 5
minutos, chamado Imokawa Mukuzou Genkanban No Maki (A Histria do Zelador Mukuzou
Imokawa). Assim, nascia o anim (animao em japons), que se tornou um dos principais
ramos da indstria de entretenimento japonesa e grande veculo de divulgao da cultura
nipnica no mundo. E foi novamente Osamu Tesuka que inovou, transformando seu sucesso
do mang, Tetsuwan Atomu (Astroboy) (Figura 2) na primeira srie animada para TV, em
1963. A animao japonesa to importante, cultural e economicamente falando, que foram
criadas, no Japo, as Anims Gakuins (faculdades de animao), nicas no mundo.
Uma srie intitulada Uchysekan Yamato (Patrulha Estrelar), produzida em 1974, no
Japo, no obteve o retorno esperado. Mas, em 1977, foi lanado um longa-metragem com a
compilao dos 26 episdios e causou euforia
nos

cinemas,

alcanando

sucesso

internacional, provocando, entre os jovens o

surgimento dos otakus (gria em japons
referente a um conhecedor obsessivo de um
assunto especfico, adotado no exterior por fs
de anims para definir a si mesmos). E nos
anos 90, foi a animao Saint Seiya (Os
Cavaleiros do Zodaco) que colocou as
Figura 2 - Tetsuwan Atomu (Astroboy)
de Osamu Tezuka

animaes japonesas no gosto do pblico

estrangeiro.

O Japo o pas onde se consome o maior nmero de histrias em quadrinhos no

mundo. O sucesso dos personagens gera a criao de merchandising: brinquedos, confeces,
videogames, produtos alimentcios e de papelaria, entre outros, gerando grande lucro para a
indstria e alavancando a economia.
Esse alto consumo de mangs e, por consequncia, de anims, est diretamente ligado
na ntima relao entre leitor e personagem, uma vez que heris e heronas partem da vivncia
direta do leitor, para, depois, fantasiar. So personagens que agem com conformismo e auto
sacrifcio, autodisciplina e rigidez moral, caractersticas do esprito japons, como uma
herana medieval.

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3 QUANDO OS DESENHOS GANHARAM VIDA

Apesar de o tratamento dado aos quadrinhos no resto do mundo ser um tanto diferente
que o recebido no Japo, no s as histrias em quadrinhos, como desenhos animados e
filmes de fico cientfica adquiriram um pblico bem definido e extremamente fiel. Graas a
esses seguidores, por todo o globo, existem encontros destinados a debater e vivenciar esse
interesse em comum. So as grandes convenes de quadrinhos (ou desenhos, ou filmes, ou
at mesmo tudo junto) que so organizadas em vrias cidades e em vrios pases do mundo. E
atravs desses encontros, divulgou-se uma nova prtica entre os grandes fs desses gneros de
expresso de arte: os cosplay.
A palavra cosplay vem da juno de outras duas palavras em ingls: costume (fantasia)
e play (brincar, jogar). E ao p da letra, isso mesmo que significa: brincar de fantasiar-se.
Talvez, a primeira imagem que nos vem mente seria daqueles super fs de Guerra nas
Estrelas ou dos fanticos por mangs e anims, com seus cabelos coloridos e as roupas
extravagantes de seus personagens. Mas pra quem no sabe, esse costume de se fantasiar veio
muito antes dos famosos filmes de Darth Vader.
Foi durante a primeira edio da Worldcon (The World
Science Fiction Convention), em 1939, que um jovem, de apenas
22 anos, causou agitao pelos corredores da conveno. Seu nome
era Forrest J. Ackerman (Figura 3) e seu traje futurista chamou a
ateno por onde passava: estava vestido com uma roupa bem
diferente das demais, inspirada nos trajes de pilotos de naves
espaciais retratadas pelo cinema. Sua amiga, Myrtle R. Douglas,
tambm apareceu fantasiada, usando um vestido baseado no filme
"Things to Come", de 1936. Os dois figurinos provocaram tanta
euforia, que j no ano seguinte, vrios participantes da Worldcon
compareceram fantasiados. Alm de criar moda, Ackerman
tornou-se editor renomado de publicaes de fico cientfica,
Figura 3 - Forrest J.
colecionador de itens do gnero e foi o criador da personagem de
Ackerman na Worldcon,
quadrinhos Vampirella; tambm agenciou o escritor Isaac Asimov,
em 1939

um dos grandes nomes da fico, e inspirou nomes como Steven Spielberg, Stephen King e
George Lucas.

23

Apesar de ser uma prtica, muitas vezes, atribuda aos japoneses, o ato de se fantasiar
de personagens de quadrinhos, desenhos, filmes ou videogames, s chegou ao Japo no incio
dos anos 80, quando o Studio Hard enviou Nobuyuki Takahashi para a Worldcon de 1984, em
Los Angeles, onde o japons ficou muito impressionado com as apresentaes dos
masquerades concursos que no se limitavam a exibir as fantasias, mas permitiam aos
participantes realizar apresentaes criativas para entreter o pblico. Takahashi voltou para o
Japo to envolvido com o que viu, que publicou freqentes matrias sobre o assunto em
revistas de fico cientfica e foi ele que criou o termo
conhecido at hoje como cosplay.
Mas apesar de ter sido criado por um e difundido por
outro, na prtica do cosplay, existem diferenas entre a
participao dos cosplayers americanos e dos japoneses.
Enquanto nos EUA (e talvez em todo ocidente) ainda
prevalea o lado da competio da fantasia cpia de um
personagem ou no; ela pode ser original, de autoria prpria
da vale a criatividade e a execuo; muitas vezes o
prprio participante que produz sua roupa e os adeptos
podem ser homens ou mulheres, crianas ou adultos (Figura
4). Alm de serem julgados pelas fantasias, os participantes

tambm so julgados pelas interpretaes. Isto mesmo:

existe uma improvisao, e produo de falas ou gestos dos

Figura 4 Mini cosplay da

Chun-Li, do jogo Street Fighter

personagens inspiradores.
J no Japo, acontece um pouco diferente. Existem grandes convenes, mas no so
os fs que se vestem dos personagens.
A feira de Tquio , como qualquer outra feira comercial, principalmente
uma oportunidade para que os integrantes da indstria mostrem seus
produtos aos membros da mdia e aos distribuidores internacionais.
Apresenta, igualmente, a durao de quatro dias, mas aberta ao pblico
geral apenas durante os ltimos dois dias; os dois primeiros so dedicados
queles que atuam dentro da indstria e imprensa. Mais de duas mil
companhias mantm cabines e exibies e, com as prvias de filmes, atores
fantasiados e uma deslumbrante exibio de visuais, algo bem colorido.
Andar em meio s iluminadas cabines que apresentam enormes robs mecha
com superfcies metlicas reluzentes ou heronas de anim com seios fartos e
olhos grandes e inocentes todos eles deslumbrantes e chamativos uma
experincia estonteante. (...) Mas enquanto os artistas performticos e
modelos da feira de Tquio podem usar fantasias, seus visitantes no podem.
O cosplay o ato de vestir-se como personagens de mang ou anim
proibido. (KELTS, 2006, p. 147-148, minha traduo).

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Existem movimentos abertos de coplay no Japo, cultivados pelos otakus (grandes fs

de determinada coisa termo que, no ocidente, ficou conhecido para designar fs de mangs e
anims). Nesses locais especficos, uma turma se rene, geralmente, para conversar e tirar
fotos. No existe competio. E, na maioria, os cosplayers japoneses so formados por um
pblico jovem e feminino (Figura 5).

Figura 3 Cosplay de Rin Kagamine - Vocaloid

Essa diferena pode ser comparada a bares de karaok nos dois pases. Enquanto nos
EUA, existem at pequenos palcos para os corajosos clientes se aventurarem e cantarem suas
msicas prediletas na frente de alguns amigos e vrios estranhos, no Japo, nos bares de
karaok existem mini-salas onde s podem participar da brincadeira um nmero limitado de
pessoas. quase um clube privativo, onde os japoneses frequentam at mesmo sozinhos.
Os otakus so hoje muito importantes para a economia do Japo. Antes, essa palavra
definia apenas aqueles fs que viviam num mundo prprio, sem nenhum contato com a
sociedade, isolados de todos, mas relacionando-se apenas com um assunto especfico desde
mangs a computadores e essa paixo era o nico motivo de sua existncia. Hoje, os otakus
se tornaram um grupo (geralmente de fs de quadrinho, animaes e filmes), deixaram de se
isolar, juntaram-se com seus semelhantes e com isso se tornaram grandes consumidores de
produtos derivados de seus objetos ou personagens de idolatria. Assim, movimentam mais de

25

um bilho de dlares com revistas e viagens para convenes do gnero. Fora os otakus dos
dolos da msica japonesa, que seguem seus cantores por todo o pas, gastando com CDs,
DVDs, roupas, shows, viagens.
E os cosplayers no poderiam ficar de fora. Graas a eles, criou-se lojas e indstrias
especializadas para melhor atend-los. certo que ainda existam aqueles que fazem suas
prprias fantasias (conceito inicial dos cosplay: DIY do it yourself), mas as lojas de
roupas de anims s vem aumentando ao longo dos anos. At mesmo a compra via internet j
comum.
H, tambm, espcies de clube de cosplay para adultos. So chamados Kos-Kyaba
talvez um clube de cabar de representao de personagem a carter, onde seus
frequentadores so homens trabalhadores. Tais locais so comparados aos tpicos bares
japoneses, onde simpticas garonetes oferecem bebidas (nesse caso quase sem lcool),
acendem cigarros e servem lanches. Um detalhe diferenciador, que num Kos-Kyaba, as
garotas esto vestidas de personagens de animes ou mangs, que elas mesmas escolhem e
produzem as fantasias.
Como no Brasil existe a maior colnia japonesa fora do Japo, esse gosto por mangs
e animes tambm gerou uma gama de fs. O primeiro mang produzido fora do Japo foi feito
aqui, por descendentes de japoneses. Por aqui tambm existem convenes do gnero, como a
AinmeCon e a Anime Friends, onde divulga-se um pouco do universo pop derivado do mang
e do anime, com grandes atraes: feiras de mangs e fanzines; palestras com pesquisadores,
dubladores e desenhistas, karaok (muitos com as msicas temas dos animes anisongs); mas
o que chama mais a ateno so os torneios de cosplay.
[...] Em concursos no basta desfilar vestido a carter, mas reproduzir as falas e
os gestos do personagem idolatrado, vivenciando um pouco da sua realidade
imaginria. Por conta disso, comum ver em convenes vrias pessoas
desfilando com seus trajes coloridos alguns com acabamento altamente
profissional para a euforia dos presentes. (NAGADO, 2005, p.56).

Alis, as trilhas sonoras de desenhos animados japoneses deixaram de ser outro

derivado dos mangs, e ganharam uma indstria prpria. As anisong (so chamadas assim
pelo pblico) conseguem fazer um sucesso quase independente do anim. Existem CDs com
as msicas do desenho, no s as da abertura, mas s vezes so criadas uma para cada
personagem at interar uma coletnea para ser gravada. Em alguns casos, grava-se a msica
tema e alguns dilogos do prprio desenho. E graas a esse pblico fiel, muitos artistas so
alavancados depois de emprestarem a voz ou a banda para as msicas que abrem as
animaes japonesas.

26

Assim, um cosplay, independente do pas, deve ter total conhecimento da origem, da

personalidade, dos gestos e da produo de seu personagem retratado. H muito trabalho,
dedicao e preocupao na preparao das performances, mas no fundo a grande idia se
divertir, fazendo o que mais gosta: ser seu dolo.

27

4 A MODA JAPONESA E SUAS INFLUNCIAS

4.1 Da pureza oriental influncia ocidental

Por ser um pas que se manteve em isolamento por quase duzentos anos, at
finalmente restabelecer o contato com o exterior em 1853, o Japo manteve seus costumes e a
moda praticamente puros, sem influncias do ocidente. Somente em meados do sculo XIX
que o Japo passa a incorporar traos ocidentais na vestimenta e no estilo de vida.
Basicamente, at ento, o traje tpico dos japoneses era o kimono, palavra de origem e
significados que surgiram no sculo XIX, com a chegada dos ocidentais.
Quando os primeiros ocidentais chegaram ao Japo, sem obviamente saber o
idioma local, perguntavam aos japoneses, que por sua vez tambm no
entendiam o que os estrangeiros diziam, como se chamavam as roupas que
vestiam com gestos, e ouviam frequentemente a expresso kimono, cuja
traduo literal coisa de vestir, roupa. Foi assim que a palavra quimono
transformou-se numa expresso genrica que engloba uma variada gama de
peas de vesturio no Japo, e que no conjunto formam um visual considerado
tpico ou tradicional japons. (SATO, 2007, p.198).

Como o Japo manteve intenso contato com a China durante a Antiguidade, ele
acabou absorvendo algumas influncias na maneira de se vestir. Os mais ricos e poderosos,
usavam modelos inspirados na corte chinesa. A seda era o principal material utilizado, e ainda
era adotado o sistema de hierarquia de cores, semelhante ao chins, na identificao do status
ou de cargos oficiais. J o povo, como no tinha como comprar seda de qualidade, usava uma
inferior ou materiais como palha, peles, tecidos rsticos ou fibras vegetais grossas.
Apesar do Japo ter introduzido as golas V com tecidos sobrepostos j no sculo
VIII, somente no sculo seguinte, com a ruptura das relaes com a China (Era Heian de
794 a 1192) que surgiram modelos exclusivamente japoneses. Foi um perodo de relativa
paz e significativo desenvolvimento nas artes e alto refinamento cultural e intelectual. O
algodo foi introduzido no pas e foram desenvolvidas tcnicas de tingimento e decorao de
tecidos, tornando cada pea, verdadeiras obras de arte. Para destacar as pinturas, procurava-se
usar os tecidos de maneira mais aberta possvel, com camadas sobrepostas, com a de cima
revelando a debaixo na gola, nas mangas e no comprimento.
Diferente da maneira de pensar do ocidental, o padro de beleza dos japoneses no se
distinguia entre os sexos. A androginia era o padro de beleza da poca, onde homens e

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mulheres se maquiavam, usando no rosto uma base branca (oran) e nos lbios o kuchibeni,
deixando-os avermelhados. Delineavam os olhos e as sobrancelhas com carvo ou pasta de
tinta de lula ou polvo, que, em alguns casos, tambm eram usadas para pintar o cabelo. As
damas da corte tinham o hbito de raspar as sobrancelhas para desenh-las alguns centmetros
acima e, outro costume um tanto bizarro, era pintar os dentes de preto.
Foram herdados deste perodo, trs trajes tpicos: o hakam, o ikan e o jni-hitoe. O
primeiro, o hakam, uma pea unissex, composta por uma saia-cala, com grandes fendas
laterais at a altura dos joelhos, uma placa de suporte nas costas e faixas para a amarrao
costuradas pea principal; era adotado pelas classes dominantes e pelos samurais, sendo
usado hoje na prtica de vrias artes marciais; se confeccionado de seda ou cetim torna-se
uma pea formal, usado pelo noivo na cerimnia de casamento e, em vermelho-alaranjado,
usado pelas miko (assistentes de templos xintostas). O ikan, traje masculino na corte Heian,
era composto por kimono, hakam e por uma tnica abotoada do lado direito do pescoo,
sendo usado hoje por sacerdotes xintostas; usado pelo imperador em cerimnias oficiais e
como traje de noivo do prncipe nos casamentos da Famlia Imperial, mas numa verso mais
sofisticada. E o jni-hitoe, que era o traje feminino na corte Heian, como o nome j diz as
doze molduras da pessoa era composto por doze quimonos sobrepostos dando mulher
uma forma triangular, cheia de cor, brilho e texturas; atualmente, rplicas modernas so
usadas em alguns festivais tradicionais e pelas noivas imperiais. O uso do ikan e do jni-hitoe
em casamentos exclusivo da Famlia Imperial (Figura 6).
No Japo tradio
herdar o quimono de um
antepassado, como as jias no
ocidente.

Os

acreditam

um

transmite

japoneses
quimono

sentimentos

da

pessoa que o usou antes, e ao

us-lo, como ser envolto
por um antepassado ou ente
querido. Dar um quimono ou
acessrios caros como os obis
(faixas

decorativas

para

amarrar o quimono, feitos de

Figura 4 - O Imperador Akihito usando um ikan e a Imperatriz

Michiko em um jni-hitoe, no casamento em 1959.

29

brocado com desenhos complexos e chegam a ser mais caros que o prprio quimono), de
parentes falecidos um ato de considerao entre os membros da famlia.
O sculo XVI, final da Era Muromachi (1333-1573), foi marcada por intensas lutas
armadas e guerras civis. Foi nesse perodo, em 1543, que os portugueses desembarcaram no
Japo.
A Tepp-ki (Crnica da Espingarda), escrita no fim do sculo XVI pelo
monge zen budista Nanpo Bunshi, relata a impresso que os japoneses
tiveram dos ocidentais na poca. Numa passagem, os ocidentais so
descritos como brbaros comerciantes, que eram considerados analfabetos
por no entenderem os caracteres japoneses, que compreendiam com
limitaes a distino entre superior e inferior e que no tinham noo de
etiqueta bebendo sem oferecer aos outros e comendo com os dedos,
mostrando os sentimentos sem qualquer vergonha. Na via contrria Jorge
lvares, navegante portugus que chegou ao Japo em 1544, deixou
extensos relatos descrevendo sua particular impresso dos japoneses como
pessoas de corpos medianos, dedicados ao trabalho, brandos e de boas
propores; os nobres cortam as barbas maneira dos mouros e os homens
de baixa sorte criam barbas; geralmente todos andam com a cabea
descoberta, com os cabelos parcialmente raspados e o restante, comprido,
presos num coque. (SATO, 2007, p. 201.)

Desde a Antiguidade, chineses e japoneses consideravam o excesso de pelos no rosto

um sinal de pessoas no-civilizadas, rudes, sujas e incultas. Ao se deparar com os ocidentais,
que tinham como tradio o uso da barba e do bigode, no tinham o hbito de tomar banho
diariamente, os japoneses os viam como brbaros. E apesar do longo contato com o
ocidente (1543-1639), essa convivncia no causou alteraes no comportamento dos
japoneses, uma vez que os ocidentais eram vistos como brbaros e estavam no pas na
condio de visitantes. Temendo aes similares as ocorridas nas Filipinas, com o avano
militar espanhol, e a conquista de colnias por Portugal na China, o ento xgun Iemtsu
Tokugawa fechou o pas presena estrangeira, mantendo comrcio apenas com a Holanda,
por no misturarem comrcio e religio, mantendo contato apenas pelo porto de Nagasaki, na
ilha de Dejima.
Vivendo isolado durante os sculos XVII e XVIII, a chamada Era Edo, o Japo
desenvolveu-se econmica e culturalmente, com caractersticas prprias. Neste perodo o
artesanato txtil sofisticou-se, tanto tcnica, como esteticamente. Os obis ganharam nfase,
com motivos intrincados, feitos no tear co fios de ouro e prata.

30

Os samurais usavam o clssico hakam e

o haori (quimono curto, como uma espcie de
jaqueta) com cinco mons (escudo da famlia de
origem) ou um traje comum, com duas ou trs
camadas de quimonos. O que diferenciava os
samurais dos homens comuns, era o cabelo,
raspado parcialmente no meio, com o restante
comprido e preso num coque chato, e suas
espadas (smbolo da classe guerreira) (Figura 7).
No calor usava-se em torno de trs quimonos,
podendo-se usar at dez no inverno. Em geral,
usavam sandlias de madeira (getas) ou chinelos
revestidos de pano (zris) ou feitos de palha
tranada amarrados aos ps. No frio, os ps eram

Figura 7 - Samurai

protegidos pelas tabis (meias com uma separao

entre o dedo e os demais dedos).
As yjos (prostitutas jovens) e as oirans (prostitutas experientes) promoviam
verdadeiras batalhas de vaidade (Figura 8):
usavam camadas e mais camadas de
elaborados quimonos, com obis enormes
amarrados na frente do corpo (caractersticas
das

prostitutas;

mulheres

comuns

amarravam para trs), s vezes sobrepunham

um

uchikake

(amplo

profusamente

decorado quimono, usado aberto, como um

sobretudo). Nos cabelos, penteados bem
extravagantes, com grandes pentes no alto
da cabea e vrios kanzashis (palitos
decorativos), que variavam de meia a uma
dzia. Suas sandlias eram extremamente
altas, com at 40 cm de altura, que as
obrigava
ajudantes.

caminhar

apoiando-se

em Figura 8 - Yjos (prostitutas jovens) ao lado de uma

oiran (prostituta experiente)

31

A esttica do vesturio na Era Edo tambm uma enorme profuso de

texturas estampas e cores: quanto mais melhor. Numa entrevista dada em
2005 NHK, o estilista Kansai Yamamoto explicou que na Era Edo usavamse no mnimo 8 cores diferentes num s quimono, e que o visual do street
fashion adolescente usado por jovens japoneses nos ltimos anos, numa
aparentemente confusa sobreposio de peas e descoordenada mistura de
cores e texturas, nada mais a transferncia da antiga esttica Edo para
blusas, saias, camisas e calas, ou seja, para roupas de estrutura ocidental. Os
sapatos de salto plataforma extremamente altos (alguns modelos chegam a
25 cm), amplamente adotados pelas adolescentes japonesas em meados dos
anos 90, eram inspirados nas sandlias das yjos. Os estilistas japoneses no
imaginavam que as plataformas usadas nas ruas no Japo conquistariam
ampla aceitao no ocidente a partir de 1998, quando fabricantes europeus
passaram a copiar tais saltos em suas colees de calados. (SATO, 2007,
p.204).

Na Era Edo, os quimonos eram usados de maneira mais relaxada do que se conhece
hoje, com uma espcie de cauda preenchida com tecidos enrolados ou casulos de bicho da
seda cozidos e seco ao sol. O formato rgido e cilndrico surgiu no final do perodo e o visual
de uma mulher elegante pode ser visto no Japo atual atravs das maikos (aprendizes de
gueixas) que se penteiam e se maquiam como no estilo da poca, usam quimonos ricos em
bordados e estampas e obis largos cujo lao cai solto nas costas (Figura 9).
O Japo entrou no sculo XIX com uma grave crise: tecnicamente mais defasado que
o ocidente, economia comprometida por instituies feudais,
grande corrupo, explorao da classe agrcola, fora a crescente
presso do ocidente para que os japoneses abrissem os portos.
Somente em 1853, quando o Comodoro Matthew Perry chegou
baa de Uraga, com seus canhes apontados para o litoral, o
xogumato foi obrigado a negociar a abertura dos portos japoneses.
O xogumato estava em crise, gerando uma guerra entre o
governo dos samurais e o imperial. O xugumato saiu derrotado e o
poder foi unificado na figura do imperador Mutsushito, cujo
reinado ficou conhecido como Meji (governo iluminado). A partir
de 1868, o Japo entrou numa fase de grandes mudanas,
revolucionando a poltica, a economia, a cultura e a vida cotidiana.
O prprio governo Meji incentivava a adoo de hbitos ocidentais,
para que o Japo conquistasse status de nao civilizada,
evitando a possibilidade de tornar-se colnia.

Figura 9 - Gueixa

O processo de ocidentalizao do Japo no se deu por pura cpia de modismos. Foi

montada, em 1871, uma comisso que partiu do Japo rumo Europa e EUA, a fim de estudar

32

os mais diversos aspectos das culturas locais. Aps trs anos de pesquisa, o governo Meji
selecionou quais modelos os japoneses seguiriam na formao de instituies modernizadas,
mas, como sempre, mantendo uma identidade japonesa. A misso, chamada Iwakura, tambm
analisou com cuidado o vesturio ocidental, criando uma cartilha, esclarecendo aos japoneses
como se vestiam homens, mulheres e crianas no ocidente, desde roupas ntimas at
acessrios como luvas, chapus e guarda-chuvas.
Nesse perodo houve uma combinao de influncias orientais e ocidentais. Os mais
ricos construam casas de alvenaria, com mveis ocidentais (mesas altas, cadeiras, sofs,
camas com colches). Os homens comeavam a usar ternos ingleses e as mulheres, os
famosos vestidos drapeados franceses, com espartilhos e anquinhas; comiam-se comidas
ocidentais com talheres de prata e at andavam de carruagem. J entre os mais humildes as
interferncias foram mais sutis: as construes ainda eram de madeira, com mveis baixos e
tatames e ainda comiam arroz com palito. Mas os homens passaram a usar chapus de feltro,
guarda-chuvas e capas sobre o quimono e as jovens vestiam hakam calando botinhas de
couro. A poligamia masculina, o uso de maquiagem pelos homens e o hbito de pintar os
dentes de preto foram banidos por constranger os ocidentais.
As jias, como colares, brincos, pulseiras e anis de ouro ou prata com pedras
preciosas, antes pouco conhecidas, passaram a ser desejo de todas as mulheres, mas seu alto
preo era de difcil acesso at para as mais ricas. Graas tcnica de cultivo de prolas,
elaborada por um pescador chamado Kkichi Mikimoto, seu preo tornou-se acessvel e
passou a ter forma, cor e qualidade controladas. Mikimoto tornou-se grande joalheiro com
lojas em Londres, Paris e Nova Iorque e fez da prola a pedra smbolo do Japo.
A partir da Era Meji, at mesmo o Imperador passou a cortar o cabelo de maneira
ocidental e a usar uma pequena barba e bigode. At hoje, esse dois acessrios orgnicos so
considerados smbolos de aparncia ocidental, e por isso alguns japoneses fazem uso da barba
e do bigode para se parecerem menos orientais.
Um tipo de vestimenta que data deste perodo e pode ser visto at hoje nas ruas do
Japo o clssico uniforme escolar inspirado nos uniformes dos marinheiros. Esse costume
de vestir crianas com roupas de marinheiro surgiu no sculo XIX no ocidente, quando
membros da realeza da Inglaterra e da Rssia foram flagrados com tais roupas. No Japo,
aconteceu um pouco diferente. No incio do sculo XX, com as mudanas no sistema
educacional, a educao fsica tornou-se disciplina obrigatria e, portanto, os uniformes
precisavam de algumas modificaes para se tornarem mais confortveis na prtica de
exerccios. Assim, os meninos comearam a usar um conjunto de cala e tnica abotoada e

33

bon verso escura dos uniformes da marinha japonesa. As meninas usavam um conjunto de
sais drapeada e blusa com gola no formato de um leno sobre os ombros, com um visual de
marinheira estilizada: o seera fuku (do ingls sailor). Apesar do hbito j ter se extinguido no
ocidente, at hoje esse tipo de uniforme adotado no Japo, tornando-se uma tradio no pas
(Figura 10).

Figura 10 - Estudantes japoneses usando os tpicos uniformes escolares inspirados na

marinha japonesa. Ao centro, um cosplay de trooper, da srie Star Wars.

4.2 Sculo XX: ocidentalizao da moda

O incio do sculo XX no Japo foi marcado por tempos difceis. A realidade scioeconmica do pas no era boa, mesmo com o prspero e rpido desenvolvimento industrial.
Foi uma fase marcada por intenso xodo do campo para as cidades ou colnias (Coria, Peru,
Brasil).
Nas cidades, os estudantes condio apenas dos jovens ricos adotavam costumes e
estilos ocidentais. Dividiam-se em dois grupos: os moba-mobo e os Marx boys Engles girls. O
primeiro grupo, moba-mobo (contrao de modern girl e modern boy) eram as patricinhas e
mauricinhos da poca, preocupados somente em se divertir e acompanhar a ltima moda
americana. Os rapazes usavam palet e cala (conjunto masculino de duas peas para a

34

cidade) ou, em situaes menos formais, era comum o uso de cales de golfe em tweed, com
meias mostra; j em ocasies formais o smoking era obrigatrio. As moas usavam vestidos
leves de corte reto, na altura dos joelhos, com longos colares at a cintura, cabelos curtos
estilo Chanel e chapu cloche (sino, em francs). J o segundo grupo, Marx boy Engles girl,
tambm eram jovens ricos, mas que queriam chocar os pais com um visual de proletrio
ocidental: os garotos com calas e palets usados, barba malfeita, camisas desalinhadas; as
moas vestiam simples vestidos, com casacos usados, sem combinar bolsas e sapatos e pouca
ou nenhuma maquiagem. Frequentavam cafs para se reunirem e discutirem literaturas
socialistas e fumarem cigarros.
Nos anos 30, o cinema impulsionou a ocidentalizao do vesturio no Japo. Com a
tecnologia do corte em vis, os vestidos
ganharam um caimento mais suave e
ajustado ao corpo, acabando com o
visual reto dos anos 20. As cinturas
voltaram a ser marcadas, com saias at as
canelas. Chapus, luvas, bolsas e sapatos
complementavam o visual e geralmente
eram das mesmas cores (Figura 11).
Grandes

lojas

comearam

ocidentais,
colees,
Figura 11 - Japonesa nos anos 30 incio da
popularizao das roupas ocidentais.

de

contratar

criando
as

departamento

dekiai

estilistas

suas

prprias

yfuku

(roupas

ocidentais prontas), com a ideia de tornar

acessvel classe mdia o novo estilo de

se vestir no dia a dia. Atravs dessa poltica, a artista plstica brasileira, Helena da Silva
Pereira Ohashi, foi a primeira estilista brasileira a trabalhar no exterior. Casada com o pintor
japons Ryoukai Ohashi, entre 1934 a 1940 ela criou colees de prt--porter ocidental para
a Matsuzakaya, tradicional e grande rede de lojas de departamentos fundada em Nagoya em
1611 e que opera at hoje.
Com o incio da Segunda Grande Guerra, o Japo adotou medidas opressivas: a
liberdade civil comea a ser desprezada, ocorrendo grande censura a todos os meios de
comunicao e somente profissionais filiados a sindicatos ligados ao governo eram
autorizados a trabalhar. Quem se opunha s decises do governo, era forado a viver no
ostracismo, preso, exilado ou simplesmente desapareciam.

35

Preocupados com a conquista e manuteno de territrios na sia, os japoneses, at

1942, no sentiram reflexo do conflito na maneira de se vestir. Existia, sim, um maior nmero
de jovens usando uniformes, mas os quimonos ainda dividiam espao com as roupas
ocidentais. Somente em 1943, com o crescente bombardeio americano em territrio japons,
que o Japo comea a passar por problemas, como o racionamento de bens de primeira
necessidade, como os tecidos, e assim o governo passa a interferir at na forma de se vestir da
populao.
Os homens no convocados foram estimulados a usar um uniforme de lona cqui
tecido simples de fabricao nacional, evitando assim gastos com importaes. Porm, esse
traje tpico fazia com que muitos civis
fossem confundidos com soldados
durante os bombardeios. As mulheres
da cidade comearam a usar o monpe
(cala larga, amarrada na cintura,
tradicionalmente usada por homens e
mulheres

na

agricultura),

dando

maior liberdade nos movimentos em

caso de emergncia. Combinavam a
pea com uma camisa ou um hippari
(quimono curto) (Figura 12).
Com o final da Segunda

Figura 12 - Japoneses em 1945, em fila para conseguir

comida.

Guerra, o Japo se tornava um pas

dividido. Por um lado, sofrendo com o prprio governo, que imps sacrifcios populao em
prol do Imperador. Por outro, os japoneses teriam que se curvar aos americanos, que
arrasaram Hiroshima e Nagasaki com duas bombas atmicas.
A derrota na 2 Guerra causou um trauma nos japoneses, cujos efeitos so
at hoje analisados dentro e fora do Japo. Os americanos, que esperavam
resistncia japonesa mesmo com a rendio, encontraram um povo resignado
e esgotado, preocupados apenas em sobreviver. A maioria dos japoneses
estava aliviada no s com o fim do conflito, mas com o fim dos abusos do
prprio governo (...). Cansados de sacrifcios, morte e destruio, todos
queriam apenas reconstruir suas vidas. Mas no houve otimismo imediato.
Na poca a regra ao fim dos conflitos implicava em dominao e explorao
do pas vencido a ttulo de indenizao ao vencedor, e os japoneses achavam
que o Japo ia se tornar uma mera colnia americana. Entretanto lies
histricas aprendidas com o fim da 1 Guerra, armas atmicas, a expanso do
comunismo na Europa e na sia e a nascente Guerra Fria mudaram os
planos dos Estados Unidos em relao ao Japo, que devido localizao
estratgica do arquiplago e aproveitando que todas as instituies japonesas

36

haviam rudo, entendera ser mais inteligente reconstruir o pas sua imagem
e torn-lo um aliado no oriente. (SATO, 2007, p. 213)

Foram realizadas vrias reformas no Japo Sob o comando do general MacArthur:

restaurou-se o parlamentarismo pluripartidrio; voto universal para homens e mulheres a
partir dos 20 anos, sendo que as mulheres tambm podiam se eleitas; foram criados sindicatos
trabalhistas no vinculados ao governo, instituiu-se o direito greve; implantou-se o Princpio
da Secularizao do estado (separao da religio do estado o Imperador deixa de ser visto
como um deus); quebrou-se o monoplio na economia e realizou-se uma ampla e eficaz
reforma agrria. Na educao, separou-se a histria do Japo da religio, desmilitarizando o
ensino; o ingls tornou-se obrigatrio e o ensino bsico obrigatrio passou a ser de 9 anos.
Assim, ajudando a reconstruir o pas, os americanos ganharam a simpatia do povo
japons. Embora no campo ainda houvesse uma resistncia, nas cidades, principalmente entre
os mais jovens, imitar os americanos tornou-se moda e usar yfuku ( roupa ocidental) uma
regra. Vestidos americanos chamados de wanpiisu ( one-piece dress), com blusa acoplada a
uma saia, eram usados com meias de nylon e sapatos de salto alto com abertura nas pontas.
Apesar de caros no incio, substituram rapidamente o quimono no dia-a-dia.
Os anos 50 refletiam a grande adoo de costumes ocidentais no comportamento e no
modo de se vestir, visando mostrar uma sintonia com o que os jovens japoneses acreditavam
ser melhor e moderno: os Estados Unidos (Figura 13) . O American Way of Life gerou uma
crise de identidade e de comportamento: o gaijin kompurekusu (complexo de estrangeiro).
Apartir da dcada de 60, a moda jovem tornou-se importante mercado no Japo, assim
como no resto do mundo. Por
volta

de

1964,

surgiu

um

movimento que ficou conhecido

como miyuki zoku (tribo da
Miyuki) ao qual faziam parte
jovens, que nos finais de semana
se reuniam na rua Miyuki, (rua de
um badalado bairro de Tquio) e
usavam roupas de uma loja
especializada no estilo American
Figura 13 - Japoneses na dcada de 50: gaijin kompurekusu

Casual, a Van. Esse movimento

durou apenas trs anos, dando

lugar hippie zoku (tribo hippie). Mas o movimento hippie no Japo ficou apenas no visual

37

mesmo. Afinal, na poca, amor livre e consumo de drogas acabava em priso, ou expulso da
famlia ou os dois. Os consumidores, ento, pouco se importavam com a filosofia hippie em
si, gastando seu dinheiro nas gigantes lojas de departamento, smbolos de uma sociedade de
consumo capitalista.
A partir dos anos 70, a prpria mdia comeou a ditar moda, principalmente atravs de
duas grandes revistas femininas: a An-An e a Non-No, com leitoras fiis que copiavam
tudo que saia nas revistas (desde roupas dicas de viagens) e acabaram ficando conhecidas
como an-non zoku.
A dcada de 80 foi marcada por uma proliferao de tribos. Inspirados no Best
Seller Nantonaku Kurisutaru (Mais ou menos Cristal), cuja personagem principal era
uma estudante e modelo que vivia num luxuoso apartamento de Tquio e gastava fortunas
com roupas e acessrios, jovens abertamente materialistas criaram a kurisutaru zoku (tribo
cristal), que so apaixonados por roupas de marca e pelo estilo ocidental de vida.
Na mesma poca, tambm surgiu a takenoko zoku (tribo Broto de Bambu).
Takenoko o nome de uma loja de roupas no bairro Haraguru em Tquio, que destacou-se
produzindo roupas unissex para adolescentes: peas largas e muito coloridas. Integrantes
dessa tribo se reuniam prximos loja para danar. Reportagens foram feitas, fotos foram
publicadas, atraindo pblico e turistas regio, virando smbolo da juventude japonesa da
poca. Seu visual um pouco infantilizado pelo tamanho
das roupas e pelo excesso das cores no necessariamente
demonstravam rebeldia; eles queriam, acima de tudo,
estar na moda. Aproveitando o sucesso do estilo
infantilizado, surgiram as primeiras aidorus (do ingls
idols) (Figura 14) que eram cantoras produzidas e lanadas
pela indstria fonogrfica, misturando o estilo takenoko
com o new romantic, gerando o kawai (fofa), que teve
seu pice em 1985, quando os adolescentes passarm a se
identificar com temas mais adultos.
Figura 14 - Nako Kawai: aidorus dos
anos 80. Todas as garotas queriam ser
como ela.

38

Em 1988, surgiu entre os rapazes, os bikei boys

(rapazes

de

belo

formato):

tinham

atitudes

afeminadas, usavam muitos cosmticos e maquiagem,

depilavam-se e afinavam as sobrancelhas e usavam
roupas

acessrios

chamativos

(visualmente

inspirados no visual andrgeno de cantores de rock

dos anos 70, como David Bowe e Kenji Julie
Sawada). Embora tenham diminudo, os bikei boys
(Figura 15) ainda podem ser encontrados nos grandes

centros

do

Japo,

fazendo

que

mais

gostam:comprando roupas e indo a sales de beleza.

No final de 1995, uma jovem cantora foi
lanada no mercado pelo produtor Tetsuya Komuro.

Figura 15 - Kenji Julie Sawada: dolo

da msica. Inspirou os bikei boys.

Seu nome era Namie Amuro (Figura 16), tinha 19 anos, mas tinha aparncia e comportamento
que lhe davam mais idade. Com cabelos longos e lisos, clareados com diversos tons de
castanho-claro, pele artificialmente bronzeada, baton
claro, roupas curtas ou justas (ou ambos), salto alto ou
plataforma, seu visual comeou logo a fazer sucesso
entra as jovens japonesas: eram as amuraa (seguidoras
de Amuro). O antes popular estilo kawai (fofa)
adotado pelas adolescentes foi substitudo pelo kakkoii
(legal, sexy).
Desde o perodo da bolha econmica
notvel o interesse da classe mdia em marcas de
artigo de luxo ocidentais. Grandes marcas como a
Gucci, Fendi, Dior, Hemes tem lojas no pas e a Loui
Vuitton, tambm com lojas no Japo, todo ano lana
um catlogo completo em japons, vendido em
livrarias e chegou a criar uma linha de produtos
especialmente para o pblico japons, com a
Figura 16 - Namie Amuro:
cone dos anos 90.

logomarca LV acrescida de flores e laos. No Japo

moda negcio srio e existem vrias escolas

39

destinadas a formao de mo de obra nos diversos aspectos de concepo, produo e

comercializao de moda, como a Bunka Fukuso Gakuin, a Sugino Gakuin, a Tokyo Fashion
College e a sediada em Paris, Esmod Design College.
Apesar de esquecido com a ocidentalizao, o quimono ainda est presente em
cerimnias de casamento xintostas e em matsuris (festivais populares). Mas no incio do
sculo XXI, surgiu um crescente interesse das novas geraes em recuperar o hbito de vestir
o quimono. Em 2003, Yuki Torrii, designer de quimonos e yukatas (quimonos leves de vero)
disse que pessoas esto usando quimonos em mais ocasies e tornou-se moda visitar lojas de
antiguidades para ver quimonos antigos. O estilista Sumi Sasajima lanou em 2006 uma
coleo com estampas modernas, respeitando o formato tradicional. Essa modernizao com
estampas abstratas, pode ajudar na popularizao e no resgate do uso do quimono no dia-adia: o preo de um quimono com tecidos tradicionais, decorados a mo, no sai por menos de
2 mil reais, podendo ultrapassar o valor de 10 mil reais. Esses tecidos especiais so vendidos
em rolo, chamados tanmono: tem 13,5 metros de comprimento, por 38 cm (para mulheres) ou
40 cm (para homens). a conta para se fazer apenas um quimono. Segundo Sato, o que
curioso at engenhoso no tanmono que as estampas esto feitas em pontos estratgicos
do tecido, de modo que os desenhos se juntam ou ficam em locais previamente calculados
para quando o quimono for montado na forma final. Assim, para se montar um quimono,
exige-se um certo grau de habilidade e no admite-se erros que desperdicem o tecido.
Nessa virada do sculo XX para o XXI, em funo da grande presena
japonesa na mdia internacional em especial atravs da internet, da
televiso, de quadrinhos e de videogames que influenciam uma gerao
jovem globalizada fala-se atualmente em um Neo-japonismo no ocidente,
que extrapolou o mundo das artes e atingiu o cidado comum em seu
cotidiano. A indstria da moda ocidental mantm-se muito atualizada com o
que ocorre em Tquio e Osaka, bastante atenta aos que os jovens japoneses
simplesmente usam nas ruas, pois muito do que surge no Japo tem se
transformado em tendncia global. Basta lembrar que tendncias recentes e
ainda populares na moda jovem feminina ocidental como sapatos e sandlias
plataformas altas e largas, e sobreposies de vestidos e saias com calas
surgiram no final dos anos 90 no catico mas cheio de propostas street
fashion japons, cada vez mais influenciado pela esttica dos anims.
[SATO, 2007, pg.231].

40

5 MANG E ANIM DESFILAM PELAS RUAS DO JAPO

Apesar de inicialmente apenas copiar a moda que vinha da Europa e dos Estados
Unidos, nos anos 60, o Japo comea a criar e at exportar tendncias, reinterpretando a moda
ocidental com influncias nem sempre conscientes de sua cultura de origem. Com esse toque
diferencial, a moda japonesa conquistou espao e prestgio no meio da moda internacional.
Quem primeiro se destacou no exterior, foi a estilista Hanae Mori. Em 1951, criou seu
prprio estdio de roupas ocidentais, mas tambm chegou a trabalhar com figurino de cinema.
Mas foi em 1961, que sua vida deu um salto. Nesse ano, Mori conheceu Coco Chanel. A
partir da, resolveu se dedicar alta costura, tornando-se a primeira estilista japonesa a abrir
um estdio em Paris. Seguindo o corte clssico, trouxe um toque oriental no uso de
exuberantes tecidos, com estampas, bordados e elementos decorativos tipicamente japoneses
como o bambu e teve clientes como a Princesa Grace de Mnaco, Nancy Reagan e Hillary
Clinton. Tornou-se a primeira estilista asitica admitida na Chambre Syndicale de La Haute
Couture Parisiense (Cmara Sindical da Alta Costura Parisiense), recebeu o ttulo de
Cavaleiro da Ordem da Legio da Honra, elevando-a em 2002 ao ttulo de Oficial da Ordem
da Legio de Honra.
Kenzo Takada outro nome importante na moda do Japo. Com apenas 20 anos de
idade ele ganhou o Prmio Soen de Moda e, 4 anos depois, Kenzo resolveu mudar-se para
Paris. Em 1970, seis anos aps se fixar em Paris, Kenzo decide montar sua primeira loja, a
Jungle Jap, tornando-se famoso no mundo todo. Essa marca foi vendida ao grupo LVMH e
em 2005, Kenzo criou uma nova empresa, a Gokan Kobo (Estdio dos Cinco Sentidos).
Filho de uma costureira, Yohji Yamamoto se formou em direito e moda. Em 1969,
venceu um concurso de moda, ganhando como prmio uma viagem a Paris. De volta ao
Japo, Yamamoto abre a Ys Co Ltda, em 1972. Somente no incio da dcada de 80 o estilista
comea sua carreira internacional, causando certo choque na imprensa especializada, com
roupas desestruturadas, com cores lisas, fortes e contrastantes, enfatizando texturas ao invs
de estampas, bordados ou brocados, marcadas por um design assimtrico e um visual urbano,
minimalista, baseado no preto. Em 1994, recebeu o ttulo de Cavaleiro da Ordem das Artes e
Letras do Ministrio da Cultura da Frana.
Sua ex-companheira, Rei Kawakubo, pode ser considerada a mais revolucionria
estilista japonesa. Formada em 1964 em artes e literatura, trabalhou como designer txtil e

41

estilista free lance at que em 1969 abriu sua prpria empresa em Tquio, a hoje
mundialmente conhecida, Comme des Garons (Como os Meninos). Somente em 1978
Kawakubo comea a produzir peas masculinas. No incio da dcada de 80, chocou Paris e o
resto do ocidente com uma coleo marcada por peas nada convencionais, sem
necessariamente seguir a forma do corpo, parecendo que os tecidos eram desordenadamente
sobrepostos e presos ao redor da cabea, num visual meio urbano decadente. No incio,
suas roupas foram muito mal-vistas, mas aos poucos foram conquistando o mercado
internacional, chegando at a abrir uma loja em Nova Iorque apenas trs anos depois. Se at
ento, usar uma roupa da grife Comme ds Garos exigia um pouco de ousadia, a partir da
dcada seguinte tornou-se sinnimo de jovem e atual vestir as propostas do preto sobre o
preto lanadas h anos por Kawakubo.
Junko Shimada outra estilista que comeou a carreira cedo. Formada pela Sugino
Fressmaker Gakuin, em Tquio, aos 20 anos mudou-se para Paris. Comeou sua prpria grife
aos 23, com estdio na rua Etienne Marcel. Gosta de tecidos finos, cores fortes e luminosas e
joga bem com as formas. Alm de fazer sucesso no Japo com suas combinaes alegres e
inusitadas, Shimada muito apreciada no pas da moda Frana tanto que em 2003 foi
admitida na Federao Francesa da Alta Costura. Atualmente, mantm um estdio na rua
Beaubourg, uma loja na Saint Florentin em Paris
e uma loja nas mais badaladas ruas da moda
japonesa, a Shibuya em Tquio.
Issey Miyake (Figura 17) talvez seja o
estilista japons mais conhecido em todo o
mundo. Nascido em Hiroshima, em 1939,
estudou artes e design e em 1965 mudou-se para
Paris. Trabalhou com Guy Laroche e Hubert de
Givenchy, mas no se identificou muito com
tanta formalidade oferecida s mulheres pela alta
costura. Decidiu-se, ento, mudar-se para Nova
Iorque, onde trabalhou com o prt--porter
feminino na 5 Avenida. Em 1970, quando
retornou ao Japo, Miyake resolveu por em
prtica seus conhecimentos e revolucionar de vez
o mundo da moda. Em oposio a tudo que se

Figura 17 - Coleo Primavera/Vero 2011 de

Issey Miyake

42

vinha fazendo na poca, ele produziu roupas assimtricas, com amplos tecidos sobrepostos
destacando texturas em peas que podiam ser mudadas de posio para revelar partes do
corpo, que ao mesmo tempo embrulhavam o corpo de forma a dar-lhe nova massa e volume.
No ano seguinte, ele fundou o Issey Miyake Stdio em Tquio, abriu um ponto de vendas na
Bloomingdales em Nova Iorque e apresentava suas colees duas vezes ao ano em Paris.
Unindo sua concepo particular de moda performance, transformou os desfiles em
elaborados shows disputadssimos para milhares de pessoas.
Com grandes nomes j consolidados na alta costura, os japoneses agora comearam a
exportar a cultura das ruas. No ocidente, o que apresentado nas passarelas , na grande
maioria, tendncia. comum ouvir as pessoas dizerem que ningum usa esse tipo de roupa
nas ruas. A no ser os considerados mais excntricos ou os artistas. No Japo vem
acontecendo algo mais interligado. Muitos estilistas (no s os japoneses) j esto de olho em
como se vestem as pessoas comuns fato que ficou muito mais evidente com a gerao dos
punks da dcada de 80 para trazer mais inspirao para suas colees. Acontece que no
Japo, a street fashion um caso particular. Talvez porque seja um estilo marcado por muita
ousadia, uma vez que h um excesso de cores, sobreposies, formas e muita mistura de
estilos (alguns se tornando muito extravagantes, at meio semelhante com colees dos mais
excntricos estilistas da chamada alta costura, do ponto de vista do espetculo), alm de uma
grande influncia da criatividade dos personagens de mangs e anims.
O street fashion japons um estilo produzido para os adolescentes
japoneses e exige ousadia por quebrar os padres de moda tradicional. E at
servem de inspirao para os estilistas da alta-costura. L o "show da
passarela" visto nas ruas. A moda uma mistura de elementos artsticos e,
muitas vezes, com mangs e animes. (PERES, 2007)

Claro que no se encontra esse tipo de criatividade em se vestir em todas as cidades do

Japo. Ainda existem locais muito conservadores em todo o mundo, e nas pequenas cidades
japonesas isso no diferente. Talvez seja at mais difcil aparecer com o cabelo azul numa
cidadezinha do interior do Japo, do que nas pequenas cidades do interior do Brasil.
Acontece que nas ruas de Tquio duas para ser mais exato, a Shibuya e a Harajuku
as cores chamativas e o excesso de misturas de estilos tomam conta do asfalto. Tanto que em
1997, o fotgrafo Shoichi Aoki resolveu documentar esses criadores de estilo autodidatas e
como resultado, nasceu uma revista, a Fruits, que apresentava ao Japo e, posteriormente, ao
mundo, o otimismo e o individualismo dos jovens que transitavam por Harajuku. A idia da
revista neutralizar as revistas de moda que apresentam estilos e designers embalados, dando
a liberdade de expresso de volta para o indivduo: o povo vestindo roupas criadas e, muias

43

das vezes, confeccionadas por eles mesmos. O estilo, que ficou conhecido como Fresh Fruits
graas a revista, poderia ser descrito como uma combinao moderna de vrios tipos de
roupas, acessrios e tecnologia em uma expresso da individualidade irreverente. Apesar de
muitos compraram as mesmas roupas nas mesmas lojas, cada um as veste a seu estilo,
agregando acessrios, apresentando grande influncia no modo de compor o look de cada um.

Em comparao com outros estilos, "Fruits" e as pessoas que ela descreve

podem ser melhor relacionadas ao ideal "punk" de liberdade. Apesar disso, a
abordagem muito mais otimista, sem a mensagem ou a pauta poltica do
"punk" e longe dos visuais extremos do estilo mais antigo e mais
estabelecido. Um conceito errado que muitos observadores ocidentais fazem
o de que as pessoas na "Fruits" so similares estilisticamente quelas que
praticam o "Cosplay", vestindo-se com indumentrias de seus personagens
favoritos de "mang" ou "anim". Todavia, esta concepo incorreta, j
que estes indivduos esto emulando, ao invs de expressar-se
individualmente de acordo com seu estilo.( FRUITS...2008)

Como j dito anteriormente, o

movimento cosplay no Japo diferente
do que acontece no ocidente. L no se
realizam competies do gnero, sendo
uma espcie de grupo fechado, que se
rene para fotografar as transformaes
e registrar as performances realizadas
pelos membros. Porm, muito do que se
v nas ruas de Tquio nos remete aos
famosos desenhos japoneses. No caso
dos Fresh Fruits (Figura 18), notrio,
para quem conhece um pouco dos
quadrinhos japoneses, que eles no
pretendem imitar nenhum personagem;
nesse

caso

que

importa

originalidade e a individualidade. Mas

tambm obvio a influncia que os
Figura 18 - Revista FRUiTS: registro que criou um
estilo. So os Fresh Fruits de Tquio.

quadrinhos

animaes

japonesas

provocaram no jeito de se vestir, cortar

e pintar os cabelos, se maquiar, usados

pelos jovens de Harajuku.

44

Os cabelos espetados e coloridos

podem ter tambm influncia do movimento
punk. Mas o jeito de cort-los, mold-los e
pint-los j se tornou muito diferente. No
se espeta aquele monte de cabelo para cima
e o descolore. Existem pontas para todo o
lado, em diversas cores: rosa, azul, verde...
em cortes muito diversificados e criativos
(Figura 19). Bem extravagante, no estilo dos

desenhos animados japoneses. As roupas

mostram

como

cor

importante,

influncia de anos de tradio do prprio

Figura 19 - Jovem clicada em Harajuku:

semelhana com anims marcante.

quimono (segundo Kansai Yamamoto, na Era Edo usavam-se 8 cores diferentes num s
quimono). No fundo, uma mistura de histria (tradio), cultura (mangs e anims) e muita
criatividade.
claro que existem casos de inspirao direta nos desenhos japoneses. No somente
dos jovens de Harajuku, mas tambm de estilistas que
comearam a olhar de outra forma para essas influncias. O
estilista Naoto Hirooka (Figura 20) um dos que decidiram
agregar o gosto pelo quadrinho ao mundo da moda. A linha
dele sempre foi punk/gothic lolita, com uma dose de anime.
Em 2001 ele comeou a ligar mais seus desenhos ao mundo
da msica, vestindo nomes da msica japonesa e do rock
ocidental, como o caso da cantora Amy Lee do
Evanescence.
Essa influncia to forte que s vezes acontece o
contrrio. Existem cosplayers que agora esto inventando
moda. Antes do cosplay virar uma indstria, todos faziam
Figura 20 - Amy Lee, cantora do
Evanescence: roupa desenhada
por Naoto Hirooka

suas prprias fantasias e isso at hoje muito comum, visto

que uma verdadeira fantasia pode custar na casa dos
milhares. Sendo assim, h uma ligao forte com a costura, o

que pode levar diretamente a conhecimento de design e moda. Dessa forma, comearam a
surgir colees elaboradas por antigos (ou ainda atuantes) competidores de eventos cosplay.
o caso da cosplayer Francesca Dani (Figura 21). Francesca italiana e pratica cosplay desde

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1998, sendo, talvez, a mais conhecida cosplayer do mundo atualmente. ela quem produziu e
ainda produz suas fantasias, e isso a estimulou a fazer uma faculdade de design de moda. Em
dezembro de 2010, Francesca decide lanar uma coleo de jias a My Bones- inspirados
no estilo gothic lolia (Lolita gtica): com peas trabalhadas artesanalmente, decoradas com
caveiras, ornamentos florais e cristais Swarovski.

Figura 21 - Personagem do game The Legend Of Zelda - Twilight Princess e a cosplayer

italiana, Francesca Dani: tanta criatividade resultou no lanamento de uma coleo de
jias inspiradas em anims.

Alis, o estilo Lolita muito comum nas ruas do

Japo. Baseia-se nos vestidos do perodo do Rococ e da
era Vitoriana, cheios de rendas, laos, saias em forma de
sino com anguas para ajudar a dar volume, cabelos com
cachos e franja, comparado a uma boneca. Talvez esse
estilo tenha ganhado o gosto do pblico graas a um
mang: A Rosa de Versalhes (Figura 22). Esse
quadrinho, produzido na dcada de 70, contava uma
Figura 22 - Berusaiyu no Bara:
A Rosa de Versalhes ou Lady
Oscar

histria tendo como fundo o reinado de Maria Antonieta,

com luxuosos palcios, roupas extremamente detalhadas e

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romances aucarados. Ingredientes mais que perfeitos para chamar a ateno das meninas e
moas da poca. Foi a partir de ento que se comeou o interesse por roupas tipo bonecas. O
nome Lolita, nesse caso, no tem nada a ver com o romance de Vladimir Nabokov, muito
menos em seu alto teor de erotismo. No Japo, o termo serve para definir garotas que se
vestem de forma fofa. E existem dois tipos clssicos de lolitas japonesas: as sweet lolita e as
gothic lolitas (Figura 23). A maneira de se vestir so muito semelhantes, mudando pequenas
coisas. As sweet lolitas se vestem como bonecas vitorianas, mas usando cores claras (rosa e
azul claros e branco, de preferncia), com maquiagem bem leve e estampas com coisas
graciosas, como doces, bolinhas, lacinhos, coraes, ursinhos... As gothic lolitas apresentam o
mesmo estilo de vestido, mas em
cores mais escuras, como o azul
marinho, vermelho, Pink e o
clssico preto, com acessrios e
estampas com caveiras, morcegos
e cruzes, usando uma maquiagem
um pouco mais carregada nos
olhos, mas nada muito exagerado.
Esse talvez seja o mais comum,
no s no Japo, como no mundo.
Mana Sama, um grande dolo da
msica japonesa, criou uma marca
de roupas famosa por produzir
roupas o estilo gothic Lolita a
Moi-mme-Moiti ("Minha mesma
Metade") e j tem uma loja na

Figura 23 - Sweet lolita e gothic lolita: parecem bonecas.

Frana, chamada Harajuku.

O interessante pensar que esse processo de criao da moda baseado na cultura
japonesa, e muitas das vezes, diretamente associada aos mangs e anims, vem crescendo no
ocidente. O mesmo anim que inspirou as lolitas japonesas no incio da dcada de 80 foi
citado por Anna Battista, uma jornalista italiana, em seu blog onde ela escreve sobre cultura,
moda, estilo. Anna comenta sobre a coleo outono/inverno 2010 da estilista inglesa Mary
Katrantzou (Figura 24), marcada por estampas trompe loeil digitais com coroas de ouro,
dragonas junto com casacos Napolenicos e jabots. Anna poderia muito bem ter comentado
que a coleo lembrava muito o perodo de Napoleo Bonaparte, mas ela confessa que as

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imagens do desenho, que fez sucesso na Itlia nos anos 80, que
primeira imagem que lhe veio mente.
Alm da cosplayer italiana citada anteriormente, h outros
casos. Aqui mesmo no Brasil, um campeo mundial de cosplay,
Maurcio Somenzari (Figura 25), criou uma coleo baseada nas
ilustraes de Yoshitaka Amano conhecido pela criao de
personagens na srie de jogos
Final Fantasy e ilustraes da obra
Vampire Hunter D. Sua coleo de
estreia, Nohime, foi apresentada
durante o FAAP Moda, de 2010, e
lhe rendeu o prmio de escolha do
pblico no evento.
E, de um jeito um pouco
diferente, a moda extravagante de
Tquio chamou a ateno de outros
Figura 24 - Mary
Katrantzou: coleo
outono/inverno 2010

profissionais, no necessariamente
ligados moda, que resolveram
trazer para o ocidente essa mistura

de estilos e fantasias. A cantora Gwen Stefani vocalista da

banda norte-americana No Doubt ficou encantada com o
Figura 25 - Maurcio Somenzari:

bairro Harajuku, durante uma visita Tquio, e resolveu coleo inspirada nos desenhos de
Yoshitaka Amano.
lanar uma marca de acessrios chamada Harajuku Lovers.
Sapatos de salto alto, relgios, bolsas e perfumes so alguns dos produtos da marca. Os
acessrios, vendidos nos EUA e em alguns sites de compras, tm design e embalagens
inspirados na moda ou em desenhos japoneses. (HARAJUKU Lovers, a marca da Gwen
Sthefany... 2009).
Outras tribos, que tambm transitam pelo centro da moda de Tquio, possuem estilos
to excntricos quanto s lolitas ou os Fresh Fruits. To coloridos como os ltimos, as
garotas que fazem parte da Ganguro (Figura 26) invadiram as ruas de Shibuya com um visual
muito carregado e extremamente chamativo: usavam base de maquiagem para peles negras, a
fim de produzir um bronzeamento artificial e, para dar maior contraste, pintavam o redor
dos olhos e a boca de branco. Elas ainda deram origem a outro grupo, as Ogal (O de sujo e
Gal de Girl) ou Manba (de Yamanba) cujo lema era passar o tempo fora de casa, viver nas

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ruas e deixar de lado at mesmo a higiene pessoal. A tribo Kigurumin (mascote tnico)
surgiu a partir do boato que depois de um intenso ensaio de dana, as Manba procuraram
roupas

mais

confortveis

acabaram escolhendo trajes, at

mesmo pijamas, de personagens de
desenhos e quadrinhos infantis.
Surgia, ento, mais um sucesso na
mdia fashion.
Com toda essa liberdade de
criao e ousadia no vestir, a street
fashion japonesa tornou-se mesmo
um caso a parte. At mesmo o traje
tpico

do

Japo

interpretao.

ganhou
O

nova

quimono

tradicional passou por um perodo

de esquecimento, mas no incio nos
Figura 26 - Gangoru: excesso de cores e informao.

anos 2000, comeou um resgate de

antigos valores, dentre eles, o

prprio jeito de se vestir. cada

vez mais comum avistar jovens
japoneses

usando

os

clssicos

quimonos. E hoje at existe a

Kimono Fashion Week. Alm do
resgate do antigo, houve uma
reinveno do tradicional (Figura
27). Algumas lojas de Harajuku,

como a Takuya Angel, deram ao

quimono

clssico

cores

os

acessrios mais gritantes, alm de

usar seus tecidos e estampas em
peas criativas e completamente
desligadas do conceito original.

Figura 27 - A volta do kimono: das origens modernidade.

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Alguma peas so bem semelhantes traje desenhado para algumas heronas de videogames
famosos.
A street fashion japonesa assim. Cores, formas, sobreposies e muita liberdade de
estilo e criao fazem com que se torne um movimento de muito destaque no mundo. E
grande parte desse acmulo de criatividade vem da importncia que as ilustraes no Japo
adquiriram ao longo da histria. Afinal, se os quadrinhos conseguiram fazer parte da criao e
desenvolvimento dos japoneses, lgico que iriam deixar marcas em vrios ramos de suas
manifestaes culturais. E a moda no podia ficar de fora.

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CONCLUSO

O Japo um pas de tradies fortes. Tudo o que lhe foi apresentado depois do
perodo em que esteve isolado ganhou um aspecto oriental. Mesmo muitas vezes tentando se
parecer ao mximo com os ocidentais, para uma melhor aceitao por parte desses, os
japoneses no perderam sua identidade.
Identidade essa to peculiar, que ainda hoje pode ser chamada de extica. Sim, ainda
estranho o idioma, os ideogramas, os olhos puxados, as paredes de papel, os chinelos com
meias... e at o que j se tornou mais comum, ainda extico, como comer peixe cru
(muitos ocidentais ainda torcem o nariz), fazer reverncia, comer arroz grudado com
palitinho. Para ns, meros ocidentais, fica claro a existncia de uma cultura que sobrevive
modernidade, globalizao, internet. No s sobrevive, como se expande. O mundo vem
conhecendo e se interessando cada vez mais por essas diferenas made in Japan. E o
interessante, que quando se fala em Japo, o tradicional vem sempre acompanhado do
moderno.
E o moderno conheceu o Japo recentemente e foi acolhido, absorvido e transformado
pelos japoneses. Quem diria que uma pequena ilha do pacfico, isolada h tanto tempo, fosse
se transformar em um plo tecnolgico, com tudo o que h de mais moderno que se possa
imaginar. E mesmo assim, mantendo a tradio milenar de desenhos sobre o papel que
contam histrias de luta, amores impossveis, animais imaginrios, sobrevivncia. Histrias
essas que movimentam a economia, a imaginao, a moda. Sim, o mang tem esse poder. E se
tornou mais forte ainda quando encontrou uma nova forma de se apresentar: o cinema. Sim,
pois animao no Japo coisa sria, como os quadrinhos. No so s para crianas. E por
isso que o mang e o anim tem tanto poder como expresso artstica, influenciando pessoas
das mais diversas formas possveis por no serem encarados com preconceito pelos
intelectuais. Essa uma viso ocidental, em que at os grandes representante dessa arte
precisam desabafar, como o caso do quadrinista brasileiro Gabriel B (2010), falando a
respeito da falta de divulgao do quadrinho nacional:
(...) Quem foi Rio Comicon presenciou e pde se espantar com a
voracidade e o acolhimento do pblico, pessoas que foram ao evento
buscando uma foto com o Manara ou o Maurcio de Souza e descobriram um
vasto mundo de possibilidades, de autores, de novidades no to novas
assim, esperando para serem redescobertas uma vez mais por esse pblico

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que s no gosta dos nossos Quadrinhos porque no os conhece, no os

encontra, no os procura porque no sabe nem por onde comear a procurar.

Com tanto respeito e admirao, o mang e o anim comearam a influenciar outros

meios de manifestaes artstico-culturais. E de forma mais ntida, embora nem sempre
diretamente mencionada, j que os quadrinhos fazem parte do cotidiano dos japoneses, essa
interferncia muito sentida na moda dos jovens. Por terem maior liberdade em ousar mais,
os jovens japoneses criaram moda, estilo, marcado por uma identidade prpria, to peculiar e
definida como os desenhos de olhos grandes e cabelos espetados e coloridos que esto se
espalhando pelos quatro cantos do mundo.

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REFERNCIAS

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FONTES CONSULTADAS

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harajukulovers.com.br/index.php/2010/10/17/quando-a-tradicao-japonesa-e-a-moda-semisturam/#more-4542>. Acesso em: 17 jul. 2011.
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_representation_of_women_in. html>.
Figura 2, fonte: <http://www.bidders.co.jp/dap/sv/nor1?id=129409678&p=y%23body>.
Figura 3, fonte: <http://www.branchy.com/photos/worldcon2004 /photos_worldcon2004.
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Figura 4, fonte: <http://abcimaginario.blogspot.com/2011/04/o-que-e-cosplay.html>.
Figura 5, fonte: <http://johndiew0107.com/2010/01/28/kagamine-rin-nuclear-fusion/> e
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_Shoda_Wedding_1959-4.jpg>.
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Figura 16, fonte: <http://www.picarena.com/index.php?fighter1=hayami+kishimoto&fighter2
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BH8/UJ52c2DkdZE/s320/anime-hairstyles15.jpg>.
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{%22ImageId%22%3A3182847}>.