Para Esmagar A Serpente Do Mal

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PARA ESMAGAR A SERPENTE DO MAL: AS REPRESENTAES DO GRUPO

DE PENITENTES PEREGRINOS PBLICOS AVES DE JESUS SOBRE


JUAZEIRO DO NORTE E A MISSO ABREVIADA.
Roberto Viana de Oliveira Filho*
O rapazinho tem muito que saber. A misso t aqui. T aqui pra padre, pra
estudante, pra todo o povo de nao.
Com essa fala, o senhor Joo Jos Aves de Jesus, tateando sua longa
barba, que confere a ele certa imagem de autoridade e idade avanada, inicia sua
fala repleta de imagens bblicas, referncias histria da cidade de Juazeiro do
Norte, do padre Ccero, penitncia, medo, morte, castigo e f. Integrante do grupo
de Penitentes Peregrinos Pblicos, ele recebe em sua casa todos aqueles que
desejem saber mais sobre a misso do senhor vivo, que o penitente acredita ser o
mtodo mais eficaz para a obteno dos prmios divinos e de uma vida digna.
Nesse trabalho, propomos um estudo sobre o grupo supracitado acerca das
representaes e apropriaes que os mesmos fazem da Misso Abreviada, livro
escrito no ano de 1859 em Portugal pelo padre Manoel Jos Gonalves Couto, e da
cidade de Juazeiro do Norte como local sagrado, responsvel pela preservao do
culto a Misso. Preocupamo-nos tambm em explicitar a relao que o grupo
estabelece entre a Misso Abreviada e o texto A machadinha de No, escrito pelo
Padre Ccero Romo Batista no ano de 1931, na cidade de Juazeiro do Norte,
Cear.
Textos escritos h mais de um sculo ganham uma nova significao a partir
da vivncia histrica do grupo de Penitentes Peregrinos Pblicos. A santa Misso
que os Penitentes se orgulham tanto de sustentar, recebe novos contornos e novas
aplicabilidades em um mundo onde as informaes circulam de forma mais rpida e
o antigo corre o risco de perde-se para sempre nessa complexa teia histrica.
** Graduando em Histria pela Universidade Regional do Cariri, membro do
LABIHM (Laboratrio de Imagem, Histria e Memria) da mesma instituio. Link
diretrio de grupos de pesquisa
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalheest.jsp?est=5746682686852335. Email: robertovianahistoria@hotmail.com

A palavra sustentar tem uma importncia fundamental para os Penitentes


Pblicos. Na capa da Misso encontramos os seguintes dizeres: Misso Abreviada:
para despertar os descuidados, converter os pecadores e sustentar os fructos das
misses. Juazeiro do norte seria ento para esse grupo o local sagrado, de uma
fora mstica superior, responsvel por no deixar que as palavras da misso
diluam-se nas tempestades do tempo. O acontecimento gerador dessa fora em
Juazeiro , sem dvida, o milagre da Hstia protagonizado pela beata Maria de
Arajo e conduzido pelo padre Ccero Romo. Discutiremos adiante com maior
profundidade essas questes. importante que compreendamos agora como as
representaes e apropriaes que os Penitentes Peregrinos Pblicos fazem sobre
essa literatura e sobre o espao que os rodeia transformam no apenas as suas
vidas, mas ajudam a construir novos captulos de uma Histria que parecia
encerrada.

Roger Chartier esclarece a importncia das apropriaes e

representaes para a Histria:


A problemtica do mundo como representao, moldado atravs
das sries de discursos que o apreendem e o estruturam, conduz
obrigatoriamente a uma reflexo sobre o modo como uma figurao
desse tipo pode ser apropriada pelos leitores dos textos (ou das
imagens) que do a ver e a pensar o real. Da [...], o interesse
manifestado pelo processo por intermdio do qual historicamente
produzido um sentido e diferenciadamente construda uma
significao. Tal tarefa cruza-se, de maneira bastante evidente, com
a da hermenutica quando se esfora por compreender como que
um texto pode aplicar-se situao do leitor, por outras palavras,
como que uma configurao, narrativa pode corresponder a uma
refigurao da prpria existncia. No ponto de articulao entre o
mundo do texto e o mundo do sujeito, coloca-se necessariamente
uma teoria da leitura, capaz de compreender a apropriao dos
discursos, isto , a maneira como estes afetam o leitor e o conduzem
a uma nova forma de compreenso de si prprio e do mundo
(CHARTIER:1985:24)

O veculo tradutor entre o mundo do texto e o mundo do sujeito o modo


como esse sujeito torna pblica a sua cosmoviso atravs da linguagem e das suas
aes pblicas. Encontramos nas discusses da Histria Oral, mecanismos que nos
permitem compreender com mais clareza, e partindo das ideias dos prprios sujeitos
sobre suas prticas, como os Penitentes Peregrinos Pblicos fazem essas
apropriaes. As informaes debatidas aqui foram desenvolvidas a partir de
entrevistas feitas nos anos de 2012 e 2013 com os integrantes do grupo tanto em

suas residncias no Bairro Tiradentes na cidade de Juazeiro do Norte, como em atos


pblicos.
1 - Para esmagar a serpente do mal: A Misso Abreviada em Juazeiro do Norte.
Os principais lderes de comunidades religiosas populares do Brasil
(principalmente do Nordeste) usaram a Misso do padre Jos Couto como um guia
para a conduo do seu rebanho. Nessa seleta estirpe podemos citar o padre Ccero
(Juazeiro do Norte) e Antnio Conselheiro (Canudos, Bahia).
Quando indagado sobre a importncia da Misso Abreviada, o penitente d
um pequeno sorriso e diz: agora voc tocou numa coisa importante, rapaz e
comea uma narrativa de sua experincia pessoal, o modo como conheceu a
Misso e a surpresa que lhe ocorreu ao chegar a Juazeiro do Norte e no ver a
santa Misso sendo usada nos rituais catlicos:
Eu j tinha um conhecimentozinho dela pela educao dos meus
pais, do meu av, da minha me, da minha av, que a primeira
educao que ns tem. E eles foram de famlia muito Catlica,
missionria. Eu j tinha uns conhecimento de parte da misso
quando encontrei com ele1 pra aprofundar mais dentro da misso
verdadeira, do conhecimento Catlico pra no ser to fcil de ser
iludido por tantas igreja que tem hoje que a pessoa com quarenta,
cinquenta, sessenta anos confessando, comungando, ainda passa
pra outra religio, isso no Catlico. [...] Quando eu cheguei aqui
em 1956 em Juazeiro, eu era muito criana, tinha uns sete, oito anos,
morava num sitiozinho, quando cheguei meu pai me levou pra uma
missa no Socorro e na Matriz e nos Franciscano, l com sete, oito
anos e eu admirei a missa que foi celebrada. Meu pai mermo no
deu sinal pra mim sobre a missa, fiquei l assistindo, rezando. Ai
quando acabou no caminho de casa perguntei pro meu pai: pai, por
que os padre hoje celebraram a missa to diferente? No assim
no meu pai, a missa no assim no. Meu pai dizia: Meu filho o
tempo marcado, o fim das Era. [...] ai eu: mas pai, t muito
diferente. Ai ele disse: E num por causa disso que ns vai deixar de
confessar, comungar, ir pra missa, casar e deixar de ser catlico no.
[...] meu pai mas t muito diferente.2

O espanto do penitente frente divergente postura que ele aprendeu e a


que ele via estampada nos ritos catlicos na cidade de Juazeiro do Norte fruto do
1 O penitente est se referindo a Jos Aves de Jesus (Mestre Jos), o lder do grupo de
Penitentes Peregrinos Pblicos, que faleceu no dia 9 de Fevereiro de 2000.
2 Entrevista realizada com o Penitente no dia 11 de Junho de 2013, em sua residncia no
bairro Tiradentes em Juazeiro do Norte, Cear.

impacto de um catolicismo ultramontano, romanizado e outro de carter popular,


nascido a partir do convvio mais prximo da comunidade com os sacerdotes.
O grupo de Penitentes Peregrinos Pblicos rene em suas aes uma
mescla dessas duas prticas catlicas, que tambm observamos constituir uma
caracterstica fundamental da cidade de Juazeiro do Norte. Ora encontramos em
seus relatos elementos que constituem o pensamento ultramontano, ora argumentos
que esto ligados s prticas catlicas menos ortodoxas. Um exemplo desse
discurso dbio fica claro quando o penitente deixa transparecer quais so os
grandes males do mundo para ele:
E aqui estamos e vamos seguir como filhos de Deus, a misso de
padre Ccero, no tenha medo de representar esses voti, mas se for
para pegar minha entrevista aqui e tocar pra dentro de bruxaria, de
macumba, de espiritismo, de protestantismo, de maonaria, para
criticar a misso de padre Ccero, da penitncia da me de deus, da
santa cidade, se prepare que o castigo vai aumentar. Ento no leve
minha presena viva com o pai, o filho e o esprito santo para colocar
nessas imundias de espiritismo, protestantismo, maonaria,
comunismo tudo o que no presta contra a Igreja Catlica Apostlica
Romana; se for para fazer isso, eu peo a vocs pelo amor de Deus:
vo ganhar dinheiro por outra coisa. Mas a custa dessa pregao
no. Agora se for para dar testemunho, me ajudar, levar para o Brasil
e para o estrangeiro ai pode representar e ganhar l o seu real, que o
realzin serve a nis tambm3

Observamos nessa e em outras falas que a cosmoviso dos integrantes


desse grupo de penitentes foi tambm influenciada pelo catolicismo ultramontano.
Cabe aqui uma explicao sobre a prtica Ultramontana. A historiadora Maria
Aparecida Junqueira Veiga Gaeta, comenta:
A partir da segunda metade do sculo XIX, um novo modelo eclesial
catlico comeou a ser implantado no Brasil: o ultramontanismo. De
razes conservadoras, essa autocompreenso nasceu sob o impacto
das revolues liberais europeias que agitaram o prprio trono
pontifcio. Buscando uma consolidao doutrinria teolgica,
estruturou-se em torno de alguns antemas: a rejeio cincia,
filosofia e s artes modernas, a condenao do capitalismo e da
ordem burguesa, a averso aos princpios liberais e democrticos, e
sobretudo ao fantasma destruidor do socialismo. (GAETA:1997:2)

A influncia da prtica ultramontana na vida do Penitente no assim to


surpreendente. Como vimos na primeira fala do senhor Jos Aves de Jesus, ele
3 Entrevista realizada com o Penitente no dia 02 de Novembro de 2012, dia de finados, em
uma ao pblica do grupo no cemitrio do Socorro em Juazeiro do Norte.

chegou muito jovem a cidade de Juazeiro e sua formao at o encontro com o


Mestre Jos (e a do prprio Mestre) est ligada tambm aos ensinamentos
ultramontanos da Igreja Catlica. O que nos impressiona exatamente o convvio,
muitas

vezes

pacfico

(mas

nem

sempre),

das

doutrinas

dessa

igreja

ultramontanizada que exclui, por exemplo, o uso da Misso Abreviada nos rituais
catlicos, e a fidelidade aos princpios propostos pelo Padre Couto em seu livro, que
remete e influencia as prticas catlicas menos ortodoxas. Sentimentos antagnicos
e influncias diversas formam a base ideolgica desse grupo. Analisaremos agora o
que consideramos como os principais aspectos ideolgicos que compe a Misso do
padre Couto e como essas ideologias influenciaram a cidade do Juazeiro e a vida
dos Penitentes. Segundo Edianne Nobre e Jucieldo Alexandre:
A obra (Misso Abreviada) atingiu grande popularidade no Brasil
oitocentista, especialmente no interior do pas, sendo, inclusive,
utilizada por Antnio Conselheiro em sua misso no arraial de
Canudos. Nesse sentido, pensamos que a narrativa do padre Manoel
Couto se insere num discurso da mstica religiosa. Segundo Michel
de Certeau (1982) h uma diferena entre a fala mstica e a fala
teolgica como dois tipos distintos de apropriao do discurso
religioso. A mstica aparece como uma fala que exprime as
experincias marcadas por uma percepo intuitiva do divino, ao
contrrio da teologia que seria uma percepo racionalizada.
(NOBRE, ALEXANDRE:2011:99)

Entendemos que os objetivos da Misso Abreviada dividem-se em dois


aspectos: o primeiro refere-se formao de agentes missionrios, capazes de
sustentar e organizar o povo de Deus, dando a base espiritual necessria para a
formao de uma comunidade coesa e ligada aos princpios do criador. O segundo
aspecto refere-se forma como essas doutrinas ganham sustento nas
comunidades. Assinalamos aqui a importncia dada ideia dos castigos divinos,
como a principal teoria que serve de alicerce para que as prdicas da Misso fixemse de forma eficaz na vida dessas populaes.
Ana Christina de Carvalho em seu trabalho, Sob o signo da f e da mstica:
estudo das irmandades de penitentes no Cariri cearense, explica que a Misso
abreviada utilizada como uma espcie de Relquia pelos integrantes dos
Penitentes Peregrinos Pblicos:

6
A mstica que envolve a Misso Abreviada pode ser aproximada de
uma verdadeira devoo, pois envolve alm do culto ao livro
enquanto representao do sagrado, atitudes e ritos de venerao.
Esta inter-relao promove uma negociao com o sagrado que
reverte o objeto em relquia, enquanto parte do sagrado. No
imaginrio dos Penitentes Peregrinos, encarna o prprio Deus
objetivado. O livro nos foi mostrado, no sem antes termos sido
advertidos que no poderamos pegar ou tocar na Santa Misso
Abreviada, s os devotos podem manusear o livro.

Em nossas pesquisas encontramos um dado novo e surpreendente.


Enquanto o Mestre Jos, lder dos Penitentes Pblicos at o ano de 2000, estava
vivo, a Misso Abreviada, encontrava-se em sua posse, velhinha e quase
esquecida como disse um penitente quando indagado sobre a questo. Contudo
(no sabemos ao certo a data desse acontecimento) o penitente Joo Jos (que
ocupa a liderana aps a morte do mestre) resolveu fazer algo inovador: reciclar,
reeditar, imprimir e distribuir a Misso Abreviada para qualquer pessoa que deseje
adquirir o livro.
Esse acontecimento criou no grupo uma nova rotina organizacional,
permitindo que os mesmos estabelecessem uma relao com grficas, empresas,
comunidades catlicas (pastorais) e que, de certa forma, o sentimento missionrio
fosse renovado e recebedor de uma nova significao. O que estava escondido,
velhinho e distante, ganhava novos espaos e possibilidades. Em seus discursos,
os penitentes atribuem o relativo sucesso de sua empreitada missionria (e o
rompimento dos obstculos) aos ensinamentos do padre Ccero e a construo de
Juazeiro do Norte como esse espao propcio para o uso e propagao da Misso
Abreviada, que para eles mais importante que a Bblia.
Segundo Roberta Bivar Campos, o surgimento dos Penitentes Peregrinos
Pblicos est diretamente ligado figura do padre Ccero. Para a autora
importante analisarmos o grupo a partir dos causos 4 que eles contam, pois
elucidam de uma forma prpria algumas questes referentes a origem dos mesmos
e a sua relao com o local onde vivem. Segue um relato da antroploga que torna
evidente essas associaes:

4 Um causo um tipo de narrativa popular, muito encontrada no Nordeste brasileiro que


lembra em sua forma um mito e repleto de elementos fantsticos que servem para elucidar
algo do cotidiano daquelas pessoas.

7
Mestre Jos, antigo lder da comunidade de penitentes Aves de
Jesus5, contou-me que migrou para Juazeiro com sua costela,
comadre Regina, acompanhado por Nosso Senhor Jesus Cristo , nos
idos dos anos de 1970, quando padre Ccero colocou em seu
corao o desejo de ir terra da Me de Deus.

Aps a morte do Mestre Jos, o grupo elabora uma nova relao com a
cidade de Juazeiro do Norte, e um novo modus operante para a propagao da
santa misso e a luta pela libertao das almas. O quartel general dessa
destemido exrcito a Casa da Misso, que a casa do Penitente Joo Jos Aves
de Jesus, o senhor que toma a frente dos projetos do grupo, e luta incessantemente
pelo reconhecimento da misso e uma nova interpretao dos ensinamentos do
Padre Ccero.
2 - A casa da Misso: a machadinha de No e o preocupante aviso de meu
padim
Em 1931 padre Ccero escreve um contundente aviso aos seus
amiguinhos (forma carinhosa que tratava os seus fiis) sobre o iminente fim do
mundo A Machadinha de No - do qual s escapariam aqueles que estivessem em
constante vigilncia e combate aos grandes males do mundo. Vigilncia e combate,
prudncia e enfrentamento, observar e agir. Encontramos ressonncia desses
elementos nos discursos do padre Ccero, da Misso abreviada e das falas e atos
pblicos dos Penitentes Peregrinos Pblicos. importante que compreendamos
agora como Juazeiro do Norte a partir da influncia do padre Ccero torna-se o local
capaz de sustentar os ensinamentos da Misso Abreviada.
Destacamos um trecho da Machadinha de No para que possamos
estabelecer uma relao do contedo desse texto com os ensinamentos da Misso
e como os penitentes transportam os seus contedos para as suas prticas.
5 Existem vrias nomenclaturas para o grupo de Penitentes que analisamos nesse trabalho.
Escolhemos a nomenclatura: Penitentes Peregrinos Pblicos por que, em vrias entrevistas,
os penitentes negam enfaticamente as outras nomenclaturas e mostram em suas roupas e
bandeiras as iniciais P.P.P (Penitentes Peregrinos Pblicos). Alguns autores preferem o
termo Aves de Jesus por conta do nome que os integrantes da comunidade acolhem quando
entram no grupo: os homens so Jos Aves de Jesus e as mulheres Maria Aves de Jesus.
Ainda encontramos nas falas de algumas pessoas da cidade os nomes borboletas azuis,
azulzinhos, Irmandade do Rosrio, entre outras que os penitentes negam de forma rgida.
(em anexo disponibilizamos uma imagem da bandeira com as iniciais P.P.P)

MACHADINHA DE NO
Aviso do Padre Ccero Romo Batista sobre os principais
acontecimentos do fim do Mundo
(1931)
Meus caros amiguinhos, chegado o ltimo momento de dar-vos o
meu aviso a todos os habitantes da face da terra, como os sinais
prediletos por Nosso Senhor Jesus Cristo, antes da sua sagrada
morte paixo, convertei-vos e arrependei-vos dos vossos grandes
pecados. Disse: Nosso Senhor Jesus Cristo, quando vires,
pestilncias, fomes, guerras, revolues, nao contra a mesma
nao, reino contra reino, que so as novas formas de governo,
repblicas, ditaduras, belchevismo ou comunismo, como hoje est
convertida a Rssia em um governo anti-cristo, forma de governo
esta que brevemente se espalhar por toda face da Terra,
terremotos, inundaes, coisas espantosas, diversos fenmenos,
estas coisas so princpios de dores, e sinais do fim do mundo, ou
destruio dos homens sobe toda a face da Terra, tudo isso devido
ao pecado e a corrupo, cada dia os homens vo se afastando de
Deus e de sua santa religio, o que amam os homens de hoje? A
vaidade, a orgia, as riquezas e a toda sorte de corrupo, disse,
Jesus Cristo, que nos ltimos tempos havia de multiplicar-se a
iniquidade e o amor de muitos havida de esfriar; quer dizer que a
santa religio crist ser abandonada, a Terra atualmente est cheia
de falsas religies de falsos profetas, de falsos cristos as doutrinas
anti-crists esto sendo propagadas em toda parte tal como a tal
espiritismo ou fetichismo moderno levantado em todos os pases do
mundo, tudo isso so os verdadeiros sinais do fim do mundo porm
disse Jesus Cristo, que o evangelho do reino de Deus seria pregado
em todo o mundo, que a religio crist, ento chegai o fim, olhe!
Que estou os avisando! Convertei-vos e arrependei-vos hoje mesmo,
que chegado o tempo do juzo final e do ajuste de contas, e quem
no se arrepender mais tarde corar sem remdio, ai de vs
pecadores, ai!

Escolhemos esse trecho da Machadinha de No por demonstrar de forma


clara as diversas associaes que existem entre esse texto e as prdicas da Misso
Abreviada. O discurso dos Penitentes Pblicos est atrelado a esses pensamentos
de tal forma que em suas casas e em atos pblicos podemos perceber a simpatia
pelas ideias antirrepublicanas, anticomunistas e monarquistas. No o foco do
nosso trabalho discutir tais informaes, mas importante salientar que os
penitentes guardam um carinho muito especial pelas figuras de Dom Pedro I e Dom
Pedro II, inclusive na parede de suas residncias podemos observar fotos desses

monarcas brasileiros. Essa atitude nos remete a prtica do Sebastianismo 6, tanto


pelas constantes queixas para a volta da monarquia como por entender que esses
governos restaurariam o lugar devido da religio.
Por fim, discutiremos agora como Juazeiro do Norte torna-se local sagrado,
e mais, responsvel pela conservao e sustentao das ideias da Misso
Abreviada e refgio espiritual para aqueles que desejam alcanar a maior das
graas divinas: o paraso.
O evento fundador que constitui Juazeiro do Norte como esse local de uma
mstica profunda o famoso Milagre da Hstia. Em 1889 na igreja de Nossa
Senhora das Dores, a beata Maria Magdalena no Esprito Santo de Arajo recebe a
comunho do padre Ccero e esta transforma-se em sangue na boca da beata que
entra em xtase espiritual.
Esse acontecimento faz com que Juazeiro receba grande quantidade de fiis
que buscaram aproximar-se do poder divino, manifestado ali em sangue pelas mos
do padre Ccero na boca da beata Maria de Arajo. vlido salientar que outras
beatas tambm apresentaram as manifestaes extraordinrias que Maria de Arajo
apresentou e outras: viagens espirituais, chagas no corpo, conversas com Jesus e
at com o Papa7.
Entendemos que esses acontecimentos, o culto ao precioso sangue e
posteriormente ao padre Ccero so as sementes divinas formadoras do espao
sagrado de Juazeiro do Norte, espao esse entendido pela historiadora Edianne
Nobre como um espetculo onde os personagens vivem um verdadeiro Teatro
Mstico:

6 O sebastianismo uma crena milenarista no Quinto Imprio governado pelo


Esprito Santo e pela Coroa Portuguesa, que tem origem na lendria histria de
Dom Sebastio, rei de Portugal no sculo XVI, que governou o reino muito jovem
e mesmo com pouca experincia tornou-se mrtir da sangrenta batalha de
Alccer-Quibir, na frica, em 4 de agosto de 1578. O seu corpo nunca foi
encontrado, o que deu margens para interpretaes de que esse rei voltaria e
conclamaria um novo reinado.
7 Para compreender as questes referentes aos milagres da hstia e as
representaes de Juazeiro como lugar de salvao a partir de narrativas
femininas, indicamos a obra: O Teatro de Deus: as beatas do padre Ccero e o
espao sagrado de Juazeiro.

10
Tentaremos perceber o espao em Juazeiro no como um mero
cenrio, mas como um teatro, na acepo mais ampla do termo [...]
O espao de Juazeiro se transmutar em espao de espetculo,
pois, ser regido por outras noes de tempo e espao: as do tempo
e espao sagrados. Entendemos ainda por um espetculo, a trama
de tenses e conflitos que se estabelecem nas relaes de poder
entre os personagens de um enredo[...] (NOBRE:2011:40)

Percebemos que o grupo de Penitentes Pblicos estabelece com o espao e


histria do Juazeiro uma relao semelhante com a proposta pela historiadora. Em
certos aspectos nos parece que os penitentes seriam os personagens de um
segundo ato desse teatro mstico, uma vez que para eles, a sua funo est ligada
com a manuteno e a luta pela correta assimilao dos ensinamentos do padre
Ccero. O antagonista, a Igreja, estabelece ainda uma relao conflituosa com o
grupo por no concordar com as ideias propostas pela misso abreviada e por ter
estabelecido com a figura do padre Ccero outro tipo de relao. A historiadora
supracitada percebeu nos discursos sobre os milagres em Juazeiro uma linguagem
teatral que corrobora com o que citamos acima:
Acreditamos que os depoimentos que narram os milagres, bem como
aqueles que querem detrata-lo so marcados por uma linguagem
teatral que faz parte de uma tradio esttica e religiosa barroca.
O teatro, no ento, mero palco onde as aes se desenrolam,
um espao tramado, que vai sendo construdo e reconstrudo nas
aes de seus personagens.

Essa luta simblica entre a Igreja e o grupo de Penitentes Pblicos trava-se


em um mbito onde a Igreja tem fora e domnio muito mais visveis que o grupo. O
que visvel, contudo, no parece ser mais forte e profundo. A igreja catlica luta
cada dia mais pela garantia do seu espao e conquista de fiis para uma ritualstica
moderna, aberta a diversas possibilidades, enquanto os Penitentes Pblicos
conseguem ainda que pessoas vivam sob um rgido sistema scio/educativo onde a
penitncia e mortificao corporal so usadas como mtodo para a obteno do
perdo dos pecados.
O que pretendemos aqui demonstrar como Juazeiro do Norte, o grupo de
Penitentes Peregrinos Pblicos, A Misso Abreviada, Machadinha de No,
penitncia, castigos divinos, Igreja catlica, romanizao, cu, inferno, sangue,
enfim: cenrios e personagens de um teatro mstico so incorporados a vida das
pessoas e transformam para sempre o cotidiano e a percepo no apenas desses

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indivduos, mas de sua comunidade, cidade, pesquisadores e todos aqueles que se


encantam com um mundo novo, ora aparte ora to prximo de ns.
3 - FONTES E REFERNCIA BIBLIOGRFICA
3.1 Fontes (escritas e orais)
JOO JOS AVES DE JESUS, penitente, membro e atual lder do grupo de
Penitentes Peregrinos Pblicos, conhecidos tambm como Aves de Jesus.
Entrevistamos o senhor Joo Jos durante vrios dias, nesse trabalho utilizamos
basicamente as entrevistas dos dias: 02 de Novembro de 2012 e do dia 05 de Junho
de 2013.
COLTO, Manoel Jos Gonalves. Misso Abreviada: para despertar os
descuidados converter os pecadores e sustentar o fructo das misses. 6.ed.
Porto: Tipografia de Sebastio Jos Pereira, 1868.
BATISTA, Ccero Romo. A machadinha de No. 1931
3.2 - Bibliografia
CAMPOS, Roberta Bivar C; Contao de causos e negociao de verdade entre
os Aves de Jesus, Juazeiro do Norte CE. Etnogrfica [Online], vol. 13 (1) | 2009.
___________. Como Juazeiro do Norte se tornou a terra da me de Deus:
penitncia, ethos de misericrdia e identidade de lugar. Religio e sociedade, Rio
de Janeiro, 28(1):146-175, 2008.
CARVALHO, Anna Chistina Farias de. Sob o signo da f e da e da mstica: um
estudo das irmandades de penitentes no Cariri cearense. 1. Ed. Fortaleza:
Editora IMEPH, 2011.
DELUMEAU, Jean. A histria do Medo no Ocidente (1300 1800). So Paulo.
Paz e Terra. 4 Edio: 1984
GAETA, Maria Aparecida Junqueira Veiga. Cultura clerical e a folia popular.
Revista brasileira de Histria. V.17, n 34, So Paulo, 1997.
NOBRE, Edianne dos Santos. O Teatro de Deus: as beatas do Padre Ccero e o
Espao sagrado de Juazeiro. 1. Ed. Fortaleza: Editora IMEPH, 2011.
NOBRE, Edianne dos Santos; ALEXANDRE, Jucieldo Ferreira. A misso abreviada:
prticas e lugares do bem-morrer na literatura espiritual portuguesa da segunda

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metade do sculo xix. Revista Brasileira de Histria das Religies. ANPUH, Ano
IV, n. 10, Maio 2011
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Histria & Histria Cultural. Belo Horizonte:
Autntica, 2008.
SILVA, Lemurel Rodrigues da. O discurso religioso no processo migratrio para
o caldeiro do Beato Jos Loureno. Tese (doutorado), Natal, RN, 2009.
4. Anexos:

Fotos: A casa da Misso, Bandeira com as iniciais P.P.P (Penitentes Peregrinos Pblicos) e o
penitente Joo Jos Aves de Jesus segurando a Misso Abreviada.

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