A Etica Do Sinai
A Etica Do Sinai
A Etica Do Sinai
Captulo 1 - Mishn 18
Raban Shimon ben Gamliel diz: O mundo existe graas a trs coisas: a
verdade, a justia e a paz; pois foi dito: Que a verdade, a justia e a paz
reinem nas vossas portas. 111a
Em que sentido este dizer difere do anterior (Mishn 2), que declarava que o mundo mantm-se sobre
trs coisas: a Tor, o servio Divino e a beneficncia? (Tor, avod e guemilut chassadim). Observe que,
em vez da palavra omed, manter-se, na passagem anterior, temos caim, existir. A primeira passagem
descreve os trs valores que constituem o propsito da existncia do mundo: o mundo foi criado para que
Tor, avod e guemilut chassadim venham a ser realidades na vida humana. O mesmo mundo pode
existir, ser mantido e preservado somente se as condies de verdade, justia e paz prevalecerem.
Outras interpretaes foram apresentadas, encarando esta Mishn como complemento da anterior:
Tendo vivido em poca posterior ao Segundo Templo, quando a avod, no sentido clssico de culto com
sacrifcio, no era mais possvel, Raban Shimon ben Gamliel sugere-nos substitutos que encontram-se
disponveis para o lugar das oferendas em sacrifcio.
Quando praticamos justia e sustentamos a Lei estamos, de fato, aprendendo as lies de chatt, a
oferenda de pecado, e asham, a oferenda de culpa, que refletem responsabilidade moral e castigo justo.
Oferendas que eram trazidas como donativos livres ou cumprimento de uma promessa, nedarim e
nedavt, nos ensinam a inviolabilidade de uma palavra, uma promessa, qualquer expresso da verdade. E
se uma pessoa cultivar a paz ir, assim, exemplificar o simbolismo de sheleamim, a oferenda de paz, e
tod, a oferenda de ao de graas.
Portanto, diz Raban Shimon ben Gamliel, se desejarmos hoje cumprir o ditado original de Shimon, o
Justo, devemos praticar a justia, a verdade e a paz; elas iro substituir as oferendas perdidas da avod
original.
Podemos tambm dizer que este ensinamento sugere as qualidades especficas com as quais deve-se
observar os caminhos da Tor, avod e guemilut chassadim. Nosso estudo da Tor deve ser verdadeiro;
suas concluses devem estar de acordo com a lei, e deve haver um interesse sincero pela paz. Nosso culto
deve ser sincero; nossas oraes devem estar corretas, do ponto de vista da Halach, e devem obter
harmonia entre o ser humano e seu Criador. Do mesmo modo, nossos atos de bondade devem ser
verdadeiros e feitos com sinceridade; devem ser consistentes com nossas obrigaes legais e devem ter a
inteno de semear a paz entre o homem e seu semelhante.
Estes trs conceitos de justia, verdade e paz tambm so fundamentais no processo judicial. Primeiro
precisamos determinar a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade. No podemos nos basear
em conjecturas ou na imaginao. Como Isaas relata a respeito do Messias: No julgar pela viso de
seus olhos, nem decidir pelo que escutarem seus ouvidos, mas com justia julgar ao pobre, e decidir
com eqidade pelos fracos da terra.112 A aparncia e a realidade so freqentemente duas coisas distintas.
O juiz deve ser capaz de enxergar alm da superfcie e determinar quais so os fatos do caso.
Em segundo lugar, a corte deve aplicar a lei objetiva e imparcialmente. Amide, a lei pode correr
contra o que aparecem ser os fatos. No Talmud, Rabi Shimon ben Shatach conta: Que eu veja a
consolao de Sio com tanta certeza como eu vi algum perseguindo outra pessoa, com a espada na mo.
O outro correu para uma runa e o perseguidor atrs dele. Eu os segui, apenas para encontrar o
perseguidor com a espada em sua mo, o sangue escorrendo, e o outro agonizando. Eu disse ao homem:
inquo, quem o matou? Certamente, fui eu ou voc. Mas o que devo fazer com voc quando o teu
destino no est em minhas mos? Pois a Tor disse: Por depoimento de duas testemunhas, ou de trs
testemunhas, ser morto aquele que deve morrer; no ser morto por depoimento de uma testemunha. 113
melhor deixar a cargo dAquele que conhece todos os pensamentos o exato castigo para este homem. E
antes que o homem pudesse fazer um movimento sequer, uma serpente venenosa o mordeu, e ele caiu
morto.113a
Rabi Shimon estava to absolutamente certo de que o perseguidor havia matado a vtima e contudo s
havia evidncia circunstancial. A lei judaica exige o depoimento de pelo menos duas testemunhas que
tenham realmente visto o crime, para que uma pessoa suspeita seja condenada. A lei tem de ser absoluta
para garantir que evidncias circunstancias nunca condenem um inocente.
Tanto a Verdade quanto a Lei, porm, devem servir ao interesse da Paz: paz em nosso meio ambiente
social e harmonia entre os judeus e o seu Pai no Cu.
Depois que o Todo-Poderoso criara as terras secas, Sua prxima ordem foi: Produza a terra ervas;
deshe.114 Se voc quiser, as trs letras da palavra deshe so os respectivos comeos de din, shalom e emet
justia, paz e verdade. Isto sugere portanto que, se este mundo recm-criado desejava perdurar, deveria
produzir primeiro deshe: justia, paz e verdade. Na verdade, nossos sbios declaram que o juiz que
profere uma sentena baseado na verdade e na justia converte-se por assim dizer em scio do
Santssimo, bendito seja, na obra da criao.115
Esta interpretao pode continuar sendo verdadeira para outro aspecto da palavra deshe. O rei David,
em seu Salmo 23, disse: Far-me- repousar em pastos (deshe) verdejantes.116 Isto poderia significar: o
Todo-Poderoso me concedeu o privilgio de descansar em um ambiente de justia, paz e verdade.
Esta Mishn conclui com um texto comprobatrio dos profetas: Que a verdade, a justia e a paz
reinem nas vossas portas. A palavra portas aqui significa um smbolo da cultura e civilizao humanas.
Se voc deseja continuar tendo portas, ou seja, que a civilizao perdure, voc precisa ter verdade, lei e
paz. Estas so as condies necessrias e suficientes para o homem manter relaes inteligentes e
significativas com o seu prximo. Estes so os alicerces da sociedade. Sem eles, as boas e viveis
relaes entre os seres humanos tornam-se impossveis.
___________________________________
111a.
112.
113.
113a.
114.
115.
116.
Tosefta,
Sanhedrin
T.
Zacarias
Isaas
Deuteronmio
8,
3;
Gnesis
B.
Salmos
T.
B.
Shabat
Sanhedrin
8:16.
11:3-4.
17:6.
37b.
1:11.
10a.
23:2.
Captulo 1 - Mishn 2
Shimon, o Justo, foi dos ltimos participantes da Grande Assembleia. Ele
costumava dizer: O mundo se mantm sobre trs coisas: a Tor, o
servio Divino e a beneficncia.
A frase Ele costumava dizer repete-se com frequncia em todo o Pirk Avt. Obviamente, estes
sbios diziam tambm muitas outras coisas. Devemos, entretanto, compreender esta frase no sentido de
que o ensinamento por ela exposto estava constantemente nos lbios do sbio que a pronunciou e era
fundamental em sua viso do mundo. Rabi Iehud Hanass, o compilador da Mishn, no se limitou a
registrar para a posteridade os pronunciamentos casuais dos rabinos, mas escolheu o que era, em essncia,
o credo ou lema particular de cada um deles: os dizeres que demonstravam seu carter e perspectiva de
vida.
Compreendendo que os judeus estavam sendo dispersos por cantos distantes do mundo civilizado,
Shimon, o Justo, desejava prover seu povo com a chave para uma ampla compreenso do judasmo, que
pudesse conduzi-lo a sua plena observncia. Em um meio ambiente estranho, muitos judeus estariam pela
primeira vez saindo de seu mundo e iriam precisar conhecer os limites exteriores e a configurao geral
do judasmo dentro das novas fronteiras em que iriam viver. Eis porque este grande sbio enfatiza que os
trs pilares sobre os quais o mundo do judasmo se mantm so: aTor, o estudo e cumprimento
da Tor; avod, servir a Deus; guemilut chassadim, a bondade do ser humano em suas aes em benefcio
de seus semelhantes.
Esta caracterizao tripla do judasmo est contida na famosa orao das Grandes Festas: A
penitncia, a orao e a caridade evitam a severidade do decreto. A penitncia possvel somente onde o
conhecimento da Tor produz um sentimento de culpa; a orao , naturalmente, o servio do corao
(tambm chamado de avod em hebraico); e a caridade a implementao de guemilut chassadim.
A importncia deste ensinamento para o judeu moderno reside na sua chamada integridade e ao
equilbrio. Encontramos, frequentemente, pessoas que alardeiam a dimenso de suas contribuies para
caridade e proclamam: Enquanto eu praticar a caridade e mantiver um corao generoso, posso ignorar
os princpios de Tor eAvod. Existe tambm aquela pessoa adepta da tese segundo a qual, contanto que
ela v fiel e diariamente sinagoga, est dispensada de doar para caridade. O que Shimon, o Justo, nos
faz recordar que cada um de ns tem a obrigao de ser um judeu na ntegra, comprometendo-se
totalmente com a Tor, a avod e a guemilut chassadim.
Na orao citada das Grandes Festas, o Machzor reproduz trs palavras acerca dos trs temas da frase.
So elas: tsom, jejum; col, voz e mamn, dinheiro; estes so sinnimos aproximados ou associados a
penitncia, orao e caridade, respectivamente. Contudo, estas trs palavras, tm pela guematria o mesmo
valor numrico e deste ponto de vista so equivalentes, pois as letras de cada um deles somam 136. Dois
quaisquer deles somam, portanto, 272, e os trs juntos totalizam 408.
Com isto em mente, podemos oferecer uma interpretao interessante do versculo: o homem de
instintos irracionais (bar) no sabe, e o tolo no compreende isto (zot).30 O valor numrico de bar
272, e o de zot 408! Substituindo estes mltiplos de 136 pelos termos de nossa trade penitncia,
orao e caridade demonstramos o que acabamos de afirmar. Estamos familiarizados com o homem que
no sabe, bar 272, o qual ignora dois dos trs princpios requeridos. E conhecemos inclusive o tolo que
no compreende zot 408, todos os trs pilares do judasmo. H pessoas que pensam que, permanecendo
fiis a somente um aspecto do judasmo, esto cumprindo suas obrigaes. Mas certamente isto tolice!
Podemos estender este enfoque e ir ainda mais alm, interpretando de modo semelhante o versculo:
Com isto (bezot) vir Aaro santidade.30a Somente com os 408 com o total dos trs componentes,
o Cohen Gadol, o Sumo Sacerdote entrar no santurio, no Iom Kipr. Caso ele se aproxime do TodoPoderoso com somente uma parte da totalidade do judasmo, ele no pode representar adequadamente o
seu povo. Qualquer coisa a menos do que o judasmo integral um judasmo truncado, uma verso no
equilibrada.
O judasmo, em certo sentido, lembra um trip. Retire um dos ps de apoio e a estrutura desabar. Se a
pessoa for erudita mas no observante, se for caridosa mas no disposta orao, ento ela no poder
experimentar uma vida religiosa plena. Esta religiosidade incompleta est fadada a ter um equilbrio
instvel e desmoronar.
O propsito da Tor em nossa vida diria a de nos elevar a um plano superior. Mediante o seu estudo
podemos ampliar nossos conhecimentos, nossos horizontes mentais, e estender as fronteiras de nossa
compreenso. A avod comanda o nosso relacionamento com Deus. Ela faz com que estejamos
constantemente cientes da presena do Todo-Poderoso e da nossa dependncia dEle. Guemilut
Chassadimregulamenta nosso relacionamento com nossos semelhantes. Nesta rea, nos ensinado o
significado da justia, retido e compaixo. Nela, aprendemos a amar nosso semelhante como a ns
mesmos.
Quando o judeu se envolve nestas trs atividades, ele est, na verdade, envolvendo todos os nveis do
seu ser no culto a Deus. Ele est pensando, falando e praticando o judasmo. Para a Tor, a mente; o
pensamento do processo intelectual fundamental. Na avod, a fala; expresso o elemento principal.
Na guemilut chassadim, o feito; a ao que importante.
Estes trs aspectos do judasmo foram, na verdade, desenvolvidos pela primeira vez pelos trs
patriarcas: Abraho, Isaac e Jacob. Cada um deles, em virtude de seu prprio temperamento,
circunstncias individuais e predileo pessoal, trilhou um caminho distinto do culto a Deus. Abraho o
grande exemplo de chassadim: ele era sempre bondoso, alimentava os famintos e implorou pela salvao
de Sodoma. A Isaac ns encontramos passeando (rezando) no campo. 31 De fato, Isaac quem atinge o
grau mais elevado de avod ao converter-se na oferenda para o altar. Somos informados de que Jacob
habitava em tendas32 e estudou por muitos anos nas academias de Shem e Ever. 32a Ele o estudante de
antigas tradies, o estudioso daTor. Combine as percepes dos patriarcas: funda os conceitos de Deus
de Abraho, Deus de Isaac e Deus de Jacob. Rena os modos particulares de cada um e voc ter o
judasmo equilibrado, total: Tor, avod e guemilut chassadim.
justamente esta noo de equilbrio que distingue o judasmo de outras religies. Outros sistemas de
crena parecem ter se concentrado em apenas um dos trs conceitos bsicos, de forma desproporcional
em relao aos outros. Uma, com sua nfase no amor de auto-abnegao, parece, em certo sentido, ter
adotado guemilut chassadim. Outra, com sua nfase na orao constante, parece ter adotado avod. Uma
terceira parece enfatizar excessivamente a relao mstica do ser humano com o Um que tudo abarca, ao
ponto de perder a sua prpria individualidade. S no judasmo o homem est totalmente engajado num
programa de vida abrangente e equilibrado.
Ao estudar esta mxima de Shimon, o Justo, devemos no somente aprender os trs princpios, mas,
tambm, observar a seqncia precisa em que eles ocorrem. ATor vem primeiro. Devemos comear
estudando a Tor, a fim de saber exatamente o que o Todo-Poderoso nos ensinaria e o que Ele solicitaria
de ns. S ento poderemos saber por que e como servir a Deus e estaremos prontos para a avod.
Fica claro, ento, que a primazia da Tor lgica e tambm cronolgica. A Tor sempre o prrequisito e um ingrediente vital de ambos, avod e guemilut chassadim. Se voc deseja servir a Deus mas
ignora a Tor, no pode apreciar a Divindade ou saber como procurar o Todo-Poderoso. Quanto
mais Tor voc tiver adquirido, mais consciente estar da reverncia que devemos ao Senhor do
Universo, diante de Quem oramos. Para uma avod verdadeiramente profunda, voc precisa antes
conhecer aTor.
A Tor tambm deve preparar o caminho para o verdadeiro guemilut chassadim. O exerccio de
bondade no somente a expresso de emoes sentimentais. A Tordeve orientar-nos a respeito do
objeto e medida adequados de tais emoes. As Escrituras nos contam a respeito da injuno Divina para
o rei Saul matar at o ltimo amalequita. 33 Em um gesto de bondade, Saul perdoou a Agag, seu rei.
Durante este intervalo de suspenso da sentena, Agag gerou descendncia, da qual proveio Haman, o
malvado agaguita do Livro de Ester, que quase conseguiu aniquilar o povo judeu. Assim, a piedade mal
orientada, a bondade no temperada pela Tor, pode levar s mais cruis conseqncias.
Este conceito de centralidade e primazia da Tor refletido na interpretao que aMishn d para o
relato bblico da luta entre Jacob e o anjo: refere-se ao anjo como encarnao do mal, o esprito protetor
de Esa.33a Rabi Elchanan Wasserman fez uma pergunta simples: Por que este protetor de Esa no atacou
Abraho, o primeiro judeu, ou Isaac, o filho do primeiro judeu, eliminando assim as foras do bem assim
que apareceram? A resposta de Rabi Wasserman esta: de acordo com nossa explicao anterior de que
os patriarcas foram os primeiros exemplos dos conceitos deTor, avod e guemilut chassadim, Abraho
representava a bondade e a caridade. Isto no incomodou o esprito protetor de Esa. A filantropia sozinha
inofensiva. S com a caridade, com pessoas que so judias somente em virtude da filantropia, voc no
pode construir uma nao ou perpetuar um povo. No h nada de distintivo acerca de atos de bondade.
Sem nada alm da bondade, os judeus desintegrar-se-o; a semente de Abraho desaparecer. O esprito
de Esa ainda no via motivo para atacar. Quando Isaac apareceu, e com ele os conceitos de orao e
culto, o esprito de Esa tambm no se perturbou. Os servios da sinagoga por si ss no estabelecem
um povo judeu. Que Isaac fique de p na sinagoga e reze. Seus filhos podem ser induzidos a perambular
pelas ruas e procurar seu prazer em outro lugar. Os adultos podem ter suas sinagogas e orar. Em uma
gerao ou duas, tudo ser esquecido. De fato, no foi esta a poltica do governo russo: permitir que
algumas sinagogas permanecessem abertas, mas proibir o ensino do judasmo?
Quando o esprito do mal, porm, viu Jacob estudando a Tor, ele percebeu que isto significava a
eternidade. Com a Tor, o judasmo tinha futuro. Com Tor, com escolas diurnas, com ieshivt, voc
pode assegurar uma nova gerao e construir um povo eterno! O esprito de Esa achou necessrio atacar
somente a Jacob.
E assim, enquanto o judasmo e o judeu requerem todos os trs componentes Tor, avod e guemilut
chassadim a Tor permanece como fundamental e preeminente.
Estudar a Tor uma mitsv especfica da prpria Tor, pela qual somos todos responsveis.
O Talmud relata que uma das perguntas a serem feitas alma do ser humano no mundo vindouro ser:
Cavta itim lator? Voc estabeleceu tempo para a Tor? 34 Voc dedicou duas ou mais noites por
semana para o estudo? Voc passou as tardes de Shabat com um exemplar da Tor? verdade que voc
est ocupado e tem outras preocupaes. Mas no poderia roubar (Cavat tambm pode ter este
significado)35 um pouco de tempo da sua vida social e de negcios para dedic-lo ao estudo da Tor?
As palavras hebraicas Cavta itim lator? poderiam ser traduzidas ao p da letra como: Voc fixou
tempos para a Tor? Com demasiada freqncia ouvimos a reclamao: a Tor deve ajustar-se aos
tempos atuais. Muitos sustentam que a Tor e seus ensinamentos devem ser modelados e modificados
para atender s condies modernas e ajustar-se aos dias de hoje. O propsito do judasmo, porm,
exatamente o oposto. nossa esperana modelar os tempos Tor; transformar nosso meio ambiente at
que ele se ajuste aos ensinamentos Divinos; elevar as condies predominantes ao nvel da Tor em vez
de abaixar os ensinamentos de Deus aos padres atuais. Esta a pergunta que nos ser feita no mundo
vindouro: Voc adaptou os tempos para que estes se ajustem Tor?
Neste esprito podemos talvez interpretar o evento registrado no segundo livro de Samuel acerca de
como a Arca Sagrada, que fora anteriormente capturada pelos filisteus, voltou para os
israelitas.36 Transportada sobre uma carroa puxada por bois, a Arca foi logo escoltada por uma grande
multido em jbilo. De repente, os bois tropearam. Uza, temendo pela Arca, agarrou-a, tentando evitar
que tombasse e ao faz-lo foi fulminado e caiu morto.
O rabino Kook (zl) foi indagado certa vez por que Uza mereceu tal punio. Ele respondeu com uma
observao notvel: O erro de Uza foi no enxergar a causa do problema. Os bois escorregaram e
tropearam. Por que no tentar mant-los firmes? Por que por as mos na arca? O problema era com os
bois, no com a Arca Sagrada!
Esta linha de raciocnio bastante sugestiva. De fato, um nmero demasiado grande de nossos lderes
tentou resolver os problemas do judasmo deitando as mos irrefletidamente naquilo que sagrado para
Israel sem primeiro determinar realisticamente as verdadeiras causas dos problemas. Alguns grupos
sancionaram o ato de dirigir durante o Shabat, misturar homens e mulheres durante as oraes, e um
servio religioso abreviado, numa tentativa de trazer as pessoas em massa para a sinagoga. Adiantou?
Nosso povo voltou-se em massa para os servios agora que estas comodidades foram institudas? No
havia nada de errado com a Arca; o problema era com os bois. A questo no de maior ou menor
convenincia, mas de que, para a maior parte de nosso povo, a orao genuna tornou-se uma arte perdida.
A necessidade de comungar com Deus encontra-se enterrada debaixo de camadas de atividades triviais, as
quais distraem a ateno e esto subordinadas ao direito constitucional da busca da felicidade. Uza ps
as mos na Arca quando o problema estava com aqueles que a transportavam. Esta a falcia trgica,
embora bem-intencionada, dos nossos tempos.
O culto a Deus que todos ns podemos praticar a orao. Por meio desta experincia, o ser
humano pode comungar com o Todo-Poderoso, sentir verdadeiramente a presena de Deus, e elevar sua
alma aos mais altos nveis da espiritualidade. O veculo para obter tudo isto o texto de nossas oraes:
estas so as palavras sagradas dos profetas e dos salmos, dentro das quais foi vertida uma riqueza
inexaurvel de significado e inspirao.
O rabino Chaim de Volozhin, discpulo do Gaon de Vilna, destaca que a orao tem uma funo
transcendental de propores csmicas: unir o mundo inferior com o mundo superior. Naquele misterioso
reino do ser essencial que engloba a estrutura espiritual do universo, h consideraes que exigem um
relacionamento dinmico entre o nosso mundo de aparncia e o mundo do puro ser. A Tor o canal
mediante o qual o movimento tem lugar do Cu para a Terra. Na orao, d-se o movimento inverso: as
aspiraes humanas elevam as esferas inferiores em direo superior.
Se esta a funo vital da orao e se seus componentes so os pronunciamentos inspirados dos
nossos profetas, quo presunoso deve ser qualquer grupo de pessoas, levadas pela superficialidade
literal, por um lado, e cnones do racionalismo novecentista do outro, para cancelar, distorcer e alterar
arbitrariamente nossas oraes tradicionais!
Os trs pilares de Shimon, o Justo, que sustentam o mundo, podem ser concebidos em um sentido
ainda mais amplo. A sociedade civilizada como um todo apia-se no seu sistema educacional, suas
instituies religiosas e suas formas polticas. A Tor, em uma viso ampla, corresponderia, por analogia,
a toda a gama de ensinamento e escolaridade em nossos colgios, faculdades e universidades. Se estas
no cumprirem com sua responsabilidade de iluminar e enobrecer, mas em vez disto ficarem infectadas
com polticas de admisso discriminatrias, fanatismo racial e obscurantismo, ento a sociedade no se
poder manter.
Por extenso, avod sugere, de modo genrico, o papel vital de todos os componentes da religio
institucional. Se estes abandonarem sua tarefa de apontar o caminho para o culto a Deus e da vida tica, e
em vez disto se subordinarem ao Estado e servirem como ferramenta para interesses particulares, ento,
na realidade, a prpria sociedade estar ameaada.
Guemilut chassadim, que abrange a rea do relacionamento dos seres humanos uns com os outros,
sugere a importncia dos direitos humanos, da liberdade poltica e dos procedimentos judiciais justos. Se
o estado se converter em um deus; se o governo, em vez de servir ao povo, escravizar o povo; se a
corrupo infiltrar-se nos servios pblicos ento, de fato, a civilizao como um todo estar em perigo.
Mais ainda, estes trs valores e funes no s sustentam o mundo por serem essenciais para o
funcionamento adequado da sociedade; eles tambm justificam o mundo, dando-lhe um objetivo e um
significado.
Em Eclesiastes (Cohelet), Salomo lamenta-se da vaidade, do mais absoluto nada do mundo.
Vaidade das vaidades, tudo vaidade 36a ele diz. O mundo vazio, um nada, coisa alguma.
Consideremos, momentaneamente, uma criana estudando aritmtica. O professor escreve o smbolo para
o zero na lousa e diz criana que isto significa nada. Intrigada, a criana pergunta: Se este zero
significa nada, para que precisamos dele? O professor explica ento que, enquanto ele sozinho nada
significa, se voc colocar outro nmero diante dele, ele torna-se significativo e d sua prpria
contribuio. O mesmo ocorre com os dizeres de Salomo. verdade, o mundo vaidade e vazio, mas
ainda precisamos dele e ele ainda pode ser redimido. Vamos acrescentar vaidade do mundo a Tor,
a avod e a guemilut chassadim, e veremos como este mundo comea a ter sentido e
importncia. Tor, avod e guemilut chassadim mantm o mundo: o santificam, elevam e justificam sua
existncia com um propsito sublime.
Incidentalmente, h um pensamento especial envolvido na forma gramatical do termo guemilut
chassadim: diferentemente dos outros dois termos, ele termina no plural. Isto serve para indicar que cada
ato de bondade , na realidade, um ato com dois aspectos. Voc est, de fato, fazendo algo por seu
semelhante, mas tambm est fazendo algo por si mesmo. Isto foi visto e expresso de forma muito bela
por vrios poetas e pensadores. Shakespeare disse:
A propriedade da clemncia ... abenoada duas vezes: ela abenoa a quem d e a quem
recebe.37 Lowell sugeriu o mesmo conceito quando escreveu: A ddiva sem o doador
nua.37a Emerson disse que O nico presente uma parte de ti mesmo. 37bPortanto, guemilut
chassadim tem uma palavra no plural: um ato com conseqncia dupla.
No testamento de Jud, o Prncipe, a seus filhos, encontramos as seguintes instrues estranhas: A
vela (ner) deve ser deixada acesa em seu lugar; a mesa (shulchan) deve permanecer posta; a cama (mit)
deve ser arrumada como sempre.38 Isto pode significar: meu modo de estudar a Tor, simbolizado pela
vela, deve ser mantido. Minha mesa, na qual alimentei os necessitados e fiz atos deguemilut chassadim,
deve preservar plenamente sua finalidade caritativa. A minha cama era para onde eu me recolhia noite
para poder ter foras para fazer a avod, o servio a Deus; meu modo de prestar culto tambm deve ser
mantido.
De modo similar, Salomo exorta: Sejam tuas roupas sempre brancas querendo dizer que o
comportamento deve ser sempre o adequado; e no te falte leo (shemen) na tua cabea.39 Aqui,
novamente, o conselho pode referir-se ao nosso trio. A palavra hebraica shemen consiste de trs letras (as
vogais so omitidas) que so precisamente as primeiras letras das palavras Shulchan, mit e ner. Como
mostramos acima, elas simbolizam guemilut chassadim, avod e Tor, respectivamente.
Finalmente, nossos trs princpios esto provavelmente implcitos no lamento de Jeremias: Enlutados
esto os caminhos para Sio porque ningum vem para a solene assemblia; todos seus portes esto
desolados. Seus sacerdotes suspiram (de nostalgia). 40 Durante as festividades de peregrinao, quando
todo Israel vinha ao Templo, havia uma grande distribuio de presentes e caridade. Da, o profeta
lamenta a descontinuidade de guemilut chassadim. Os portes de Sio eram o local de reunio dos
juzes e ancios. Portanto, o profeta tambm est enlutado pela perda daTor e do estudo. Finalmente, o
sacerdote, o guardio do Templo, que oficiava o servio do sacrifcio, solua pela destruio do templo,
construdo para a avod.
Resumindo o significado de nossa calamidade nacional, o profeta Jeremias diz, com efeito: Nosso
mundo judaico desabou; Tor, avod e guemilut chassadim no so mais praticados.
Reciprocamente, se quisermos reconstruir nosso mundo, reavivemos e mais uma vez desenvolvamos
uma vida dedicada Tor, avod e guemilut chassadim.