O Operario Caroline e Marcus PDF
O Operario Caroline e Marcus PDF
O Operario Caroline e Marcus PDF
Graduada em Histria pela UFMG, foi bolsista de Iniciao Cientfica da Fundao de Amparo
Pesquisa de Minas Gerais FAPEMIG.
Este trabalho parte dos resultados do projeto A educao dos sentidos na histria: o tempo livre como
possibilidade de formao (entre os anos finais do sc. XIX e os anos iniciais do sc. XXI), desenvolvido
na Universidade Federal de Minas Gerais, com financiamento do CNPq sob n. 470687/2011-8 e da
FAPEMIG, sob n. APQ 00635/11. O projeto, por sua vez, est articulado com as atividades do Projeto
Moderno, modernidade, modernizao: a educao nos projetos de Brasil sc. XIX e XX, coordenado
pelo Prof. Luciano Mendes de Faria Filho. Uma verso resumida foi apresentada no Congresso Mineiro
de Ensino e Pesquisa em Histria da Educao, em Mariana, no ano de 2013.
desenvolvidas iniciativas tais como as Leis Orgnicas do Ensino, que do outro sentido
relao entre educao e trabalho, no Brasil; a criao do sistema S, fruto de uma
associao entre o patronato e o Estado brasileiros, que muito atuou sobre a formao
dos trabalhadores, a criao do Servio de Recreao Operria, que se responsabilizaria
pelo desenvolvimento de prticas de recuperao da fora de trabalho, alm de outras
iniciativas que atestam a fora das polticas de Estado na tentativa de conformar um
novo trabalhador brasileiro.
A poltica de massas, que estava intimamente ligada ao corporativismo e ao
trabalhismo, introduz uma mudana no papel do trabalhador perante a poltica, a
economia e a sociedade em geral, se manifestando at mesmo no cancioneiro popular
brasileiro, como atesta O bonde de So Janurio. O samba de Wilson Batista e Ataulfo
Alves, de 1940, chegaria a ganhar uma segunda verso, uma vez que os autores teriam
sido interpelados pela censura:
O bonde de So Janurio
O bonde de So Janurio
S eu no vou trabalhar...
Vejam vocs:
Vejam vocs:
, digo bem!
, digo bem!
que sua publicao foi interrompida em 1941, quando foi fechado pelo DIP. Voltou a
circular somente em 1945, nos estertores do Estado Novo, quando foi declarada
abertamente sua oposio ao governo de Getlio Vargas.
Nascida com o nome de Unio Operria e Patritica de Montes Claros, em 1933
a entidade que o produzia se reorganizaria, adotando o nome de Unio Sindicalista de
Montes Claros. Os responsveis pela redao do peridico permaneceram os mesmos.
Apesar de declarar no ser rgo oficial da nova associao, possuindo independncia
na sua orientao poltica e editorial, o jornal declararia tambm a sua identificao com
os princpios da mesma e continuaria sendo financiado por ela, assim como continuaria
publicando atas e notcias referentes associao. Entende-se aqui, portanto, que o
peridico permanece vinculado associao, expressando, em alguma medida, os seus
propsitos, ainda que no o fizesse oficialmente.
No que se refere sua produo tcnica, O Operrio era composto normalmente
por quatro pginas, algumas poucas edies se estendendo at oito ou doze. Uma mdia
de duas pginas era sempre dedicada veiculao de propagandas de estabelecimentos
comerciais, como alfaiatarias e papelarias, e de profissionais liberais, principalmente
clnicos e advogados. Tambm comum aparecer no jornal informaes de utilidade
pblica cidade, como convites para eventos culturais, palestras e leiles, alm de uma
seo intitulada Movimento das Sesses da Unio Operria, constituda por uma ata
das ltimas reunies da associao. Sua distribuio no era gratuita, sendo o preo da
assinatura anual 10$000, a semestral 6$000 e a trimestral 4$000. As matrias publicadas
no peridico, por sua vez, no eram todas de autoria do redator Athos Braga; o jornal
publicava tambm matrias que haviam sido veiculadas em outros peridicos e contava
com outros colaboradores. As maneiras de circulao da publicao, assim como sua
tiragem4 e o seu alcance, porm, permanecem difceis de serem traados, mesmo com as
buscas desenvolvidas ao longo de um ano em diferentes bases documentais.
Inicialmente, portanto, o peridico estava vinculado aos interesses da Unio
Operria e Patritica de Montes Claros, tornando-se essencial traar e examinar o perfil
dos indivduos que constituam essa rede de sociabilidade e circulao de idias. A
4
Sabe-se somente que o peridico possua agentes-correspondentes em outras cidades do norte de Minas
Gerais, possibilitando sua circulao alm da cidade de Montes Claros, e que em abril de 1933 a tiragem
do mesmo era de 300 exemplares, por conta dos esforos da Sociedade que o abrigava.
partir dos itinerrios biogrficos desses indivduos apesar desse ser um mapeamento
incompleto e realizado a partir do registro de memorialistas , detecta-se que uma
quantidade significativa dos membros que exerciam cargos na Unio e/ou no jornal
ocuparam, em diferentes momentos das dcadas de 30, 40 e 50, cargos relativos
administrao da cidade, e se envolveram na poltica local, ocupando cargos do poder
municipal.
Miguel Braga, fundador do jornal e diretor gerente do mesmo at 1941, exerceu
os cargos de Escrivo de Paz e Tabelio de Notas em sua cidade natal, Corao de Jesus
(MG) e elegeu-se Juiz de Paz pelo distrito da cidade em Montes Claros. Athos Braga,
redator do jornal desde sua fundao at seu fechamento, exerceu as funes de Adjunto
de Promotor de Justia da Comarca de Montes Claros, de 1931 a 1933; foi Vice-Prefeito
Municipal de Montes Claros, de 1949 a 1951, tendo exercido o cargo de Prefeito, e
Chefe de Gabinete do Prefeito Municipal de Montes Claros, de 1951 a 1953. lvaro
Marclio, advogado que ocupou diversos dos cargos principais na Unio Operria,
inclusive o de presidente, foi Secretrio da Agricultura do Estado de Minas no governo
de Jos Francisco Bias Fortes e Presidente do Diretrio Estadual do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB).
Os exemplos de colaboradores so diversos, sendo necessrio ressaltar Joo Jos
Alves, mdico que foi scio da Unio e que em 1932 foi convidado para ser membro da
comisso encarregada da reorganizao partidria de Minas, juntamente a Antnio
Carlos de Andrada, Otaclio Negro de Lima, Washington Pires, entre outros. Dessa
comisso foi originado, em 1933, o Partido Progressista de Minas Gerais, sendo que
Athos Braga chegou a declarar nO Operrio seu alinhamento com o Partido. Alm de
ocuparem cargos administrativos, burocrticos e polticos da cidade e do Estado,
quantidade significativa desses membros tambm ocupou cargos e colaborou em uma
variedade de instituies de caridade, de educao, na maonaria, em centros musicais,
etc. Miguel Braga, por exemplo, foi Provedor do Asilo de So Vicente de Paulo da
cidade e fundador da Unio Beneficente e Patritica; Athos Braga foi Orador e
Presidente da Loja Manica Deus e Liberdade de Montes Claros, e lvaro Marclio foi
um dos fundadores da subseco em Montes Claros da Ordem dos Advogados do
Brasil, Diretor da Companhia Th. Badin de Minrios, Diretor do Instituto Norte Mineiro
de Educaao, Presidente da Confederao dos Trabalhadores Teatrais do Brasil,
Presidente do Centro Musical do Rio Janeiro e Professor do Instituto Musical de
representao totalista do
CAPELATO, 2009, p. 198)
trabalho
(GOMES,
citado
por
isolando esta daquela para crear uma psicologia unitria, o seio social,
mas sim estabelecendo uma outra psicologia totalitria, em que a
sociedade se apresente perfeitamente clara com seus liames de
interdependncia. Nem comunista e nem fascista, a Unio Sindicalista
de Montes Claros procurar o meio termo das aspiraes sociais,
visando no trato contnuo e dioturno dos diversos interesses das
classes unidas, discernir o verdadeiro ideal das classes. (O Operrio,
n. 94, p. 1)
aquele foi um perodo profundamente autoritrio, ainda assim a prtica poltica no foi
cancelada.
De qualquer maneira, nessa perspectiva, a ptria deveria ser protegida de
possveis ameaas, como o comunismo. O progresso e a insero no mundo civilizado,
por sua vez, dependeriam da laboriosidade dos trabalhadores, do desenvolvimento
econmico e industrial, da obedincia, da unio, da preservao da moral. Analisemos,
ento, as relaes entre esse imaginrio e o posicionamento dO Operrio e da Unio
Sindicalista de Montes Claros, a partir do lema da associao: Deus, Unio e
Trabalho, frmula consagrada em diferentes retricas educativas, sobretudo naquelas
advindas de intelectuais perfilados com o iderio catlico.
Vargas estabelece como positivas em seu discurso oficial, e que o progresso da Ptria
justifica o dever do trabalho e da obedincia.5
Esta unio, tanto na perspectiva oficial como na do jornal, aparece como a
soluo para a questo das massas, ou seja, como maneira de conteno e organizao
das novas foras polticas e sociais que surgiam com o processo de modernizao do
pas. Os discursos tambm se baseiam em uma perspectiva corporativista da sociedade,
na qual todas as partes do corpo social se encontram em estado de interdependncia, e
apontam para os pressupostos totalitrios explorados por Dutra - segundo o nosso
entendimento, autoritrios. No caso do discurso do jornal, a questo da unio ainda
estava vinculada ao propsito de sindicalizao e de agregao dos trabalhadores da
Unio Sindicalista de Montes Claros. De qualquer maneira, a questo da unio
relaciona-se com a busca de uma identidade nacional coletiva e gerou uma nova forma
de sensibilidade poltica: No Brasil [...] dos anos 20-30, as correntes nacionalistas
anunciavam o confronto entre o eu individual e o eu coletivo. Com a introduo da
poltica de massas, a propaganda poltica proclamou [...] a vitria do ns sobre o eu.
(CAPELATO, 2009, p.263)
Em relao ao trabalhismo, sabe-se que foi um dos traos principais da poltica
varguista, e embasou tambm o conceito de cidado defendido pelo regime: O
cidado era sinnimo de bom brasileiro e o bom brasileiro era o que trabalhava pela
grandeza do Brasil, respeitando a ordem. (CAPELATO, 2009, p. 181). Logo, percebese que o trabalhismo no inclua os ociosos entre os cidados:
Os que no trabalhavam, os ociosos, no tinham direitos; no eram
cidados, mas inimigos do Brasil, eles provocavam dissdios no seio
da grande famlia feliz dos brasileiros. Eram maus brasileiros e
podiam ser punidos pelo pai. O povo trabalhador era entendido como
pessoa coletiva, mas o discurso sobre o trabalhismo determinava quem
era o povo: o povo era constitudo pelos trabalhadores. Os
desempregados, os mendigos, os marginais em geral no se
integravam nessa pessoa coletiva. O pai dos pobres era o pai dos
trabalhadores. (CAPELATO, 2009, p. 185).
Para o caso de Montes Claros, a tese de Silva (2012) oferece um quadro bastante preciso das disputas e
das acomodaes polticas em Montes Claros no perodo imediatamente anterior ao contemplado neste
captulo.
primeiras dcadas do sculo (De Boni, 1998). Em matria de Joo da Rua, no nmero
57, de dezembro de 1932, afirma-se:
O que no podemos suportar com boa cara, essa cantilena diria de
mendigos em nossas portas, de segunda feira a sbado, sem nos dar
tempo de firmarmo-nos o esprito no trabalho. humano, cristo e
confortador repartirmos o que temos para comer com os pobres, mas
conquanto que para isso se estabelea um dia certo: ou no sbado ou
na segunda feira, para evitar de (sic!) sermos encomodados
momentaneamente em casa e abordados nas ruas por grupos e mais
grupos de velhos, cegos, aleijados, doentes de toda a espcie, cobertos
de chagas. (O Operrio, n. 57, p. 1)
a da liberdade. Nesse caso, a democracia brasileira deveria deixar de ser poltica para
se tornar democracia social e econmica, ou seja, uma democracia antiliberal
(CAPELATO, 2009, p.); a liberdade poltica, portanto, no estava includa no conceito
de democracia veiculado a partir de 1937 pelo governo. O Operrio, por sua vez,
defendia o dever de voto de todos os trabalhadores, que no deveriam de maneira
alguma se manter na neutralidade. O comparecimento s urnas e o sufrgio universal
eram compreendidos como meios primordiais de defesa e conquista de direitos. Deve-se
ressaltar que os realizadores do jornal estavam inseridos em uma rede de figuras
pblicas que haviam apoiado a chamada Revoluo de 306, defendendo, principalmente,
a reorganizao da vida poltica do pas, anteriormente dominada pelos grandes chefes
locais:
Para aquelles que, desilludidos por 40 annos de fraudes e de
malversaes, acostumados a ver nos prelios eleitores imperar no a
vontade do povo, mas a do situacionismo official; para aquelles que
viviam j desesperanados de melhores dias e de melhores regimens
politicos, o pleito de 14 de outubro foi como o despertar da
conscincia cvica nacional - no somente dos ncleos eleitoraes que
socorreram s urnas com enthusiasmo, para suffragear aos candidatos
de sua predileao, como tambm do elemento official que
compreendeu em boa hora a necessidade de no intervir no pleito
seno para garantir ao eleitorado a maior liberdade de aco, como
tambm para cohibir os abusos que todos ns estvamos acostumados
a ver cometidos nos pleitos anteriores e que foram, sem dvida uma
das causas da grande revoluo de outubro de 1930. (O Operrio,
n.145, p.1).
Esse fato poltico chega a ser idealizado no peridico em mais de uma ocasio e interpretado como um
dos acontecimentos mais nobres daquele momento na poltica brasileira.
afirmava Athos Braga, " facil comprehender o mal que occasiona s classes
conservadoras esse estado de agitao permanente em que vivemos." (O Operrio,
n.219, p.1)
O discurso do jornal, ento, apesar de partilhar de elementos tambm presentes
no discurso oficial, transmite um modelo de trabalhador diferente do proposto pelo
projeto poltico-ideolgico do Estado, evidenciando, assim, as diferentes apropriaes
de um mesmo imaginrio, as disputas internas entre os projetos de sociedade
pretendidos e a complexidade da relao trabalhador-governo no perodo, no podendo
essa ser resumida simples cooptao dos mesmos pelo Estado. Existiam, afinal, outras
foras de liderana que pretendiam a formao e a conscincia de um processo de
reorganizao da sociedade da parte dos trabalhadores.
A questo da construo de novas sensibilidades e da formao do trabalhador,
por sua vez, mesmo no sendo aquele um peridico com pretenses educativas, estava
diretamente atrelada ao iderio da Associao expresso no jornal e ao dos seus
idealizadores como intelectuais. Estes, assumindo a condio de figuras pblicas que
defendem determinados ideais e pretendem alterar mentalidades, exerceram uma funo
necessariamente educativa e formativa, apesar estabelecerem relao direta ou
necessria com o ambiente escolar.
Por isso, a utilizao de perodicos produzidos por intelectuais, como aponta
Carlos Altamirano, se faz frutfera para estudar as direes e as batalhas do
pensamento nas sociedades modernas e traar o mapa das linhas de sensibilidade de
uma cultura em um momento dado (ALTAMIRANO, 2010, p.19). As sensibilidades
individuais e/ou coletivas, afinal de contas, esto intimamente relacionadas s
impresses que elementos exteriores exercem sobre os indivduos. Circunstncias
polticas, sociais e econmicas influenciam propositalmente ou no as maneiras
como as pessoas percebem, se relacionam e so afetadas pelo mundo, podendo alterar
comportamentos, opinies, desejos. O rastreamento de opinies e posicionamentos
ideolgicos no jornal O Operrio, assim, permitiu, como prope Altamirano, o
rastreamento das linhas de sensibilidade de certo grupo em um determinado momento e
evidenciou tambm a influncia de um imaginrio poltico comum poca, mas
tambm sua polissemia. claro, porm, que a produo e modificao de
sensibilidades, polticas ou no, so processos complexos, carregados de subjetividade e
Bibliografia
ALTAMIRANO, Carlos. Historia de los intelectuales en Amrica Latina II, Editora
Katz, 2010.
ARENDT, Hanna. Origens do totalitarismo. So Paulo: Companhia das Letras, 1989.
BITTENCOURT, Circe. Ptria, civilizao e trabalho. So Paulo: Loyola, 1990.
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multides em cena: Propaganda Poltica no
Varguismo e Peronismo, 2 ed, Editoa Unesp, 2009.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros proibidos, ideias malditas: o DEOPS e as
minorias silenciadas. So Paulo: Estao Liberdade: Arquivo do Estado, 1997.
DE BONI, Maria Ins Mancini. O espetculo visto do alto: vigilncia e punio em
Curitiba (1890-1920). Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998.
DUTRA, Eliana. O Ardil Totalitrio: Imaginrio Poltico no Brasil dos anos 30. 2
edio, Editora UFMG, 2012.
JAY, Martin. Campos de fuerza: entre la historia cultural y la critica cultural. Buenos
Aires: Paidos, 2003.
LENHARO, Alcir. Sacralizao da Poltica. Campinas, 2 edio: Papirus, 1986.
LUCA, Tania Regina de. A Revista do Brasil: um diagnstico para a (N)ao. So
Paulo: Editora UNESP, 1999.