A Expressão Ativismo Judicial RBPP 2015
A Expressão Ativismo Judicial RBPP 2015
A Expressão Ativismo Judicial RBPP 2015
Sumrio
Editorial...........................................................................................................................V
Carlos Ayres Britto, Lilian Rose Lemos Soares Nunes e Marcelo Dias Varella
Ativismo judicial: o contexto de sua compreenso para a construo de decises judiciais racionais...................................................................................................................89
Ciro di Benatti Galvo
O papel dos precedentes para o controle do ativismo judicial no contexto ps-positivista................................................................................................................................. 116
Lara Bonemer Azevedo da Rocha, Claudia Maria Barbosa
A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica................................................................................................... 135
Thiago Aguiar Pdua
A atuao do poder judicirio no estado constitucional em face do fenmeno da judicializao das polticas pblicas no Brasil...................................................................239
Slvio Dagoberto Orsatto
A atuao do Poder Judicirio na implementao de polticas pblicas: o caso da demarcao dos territrios quilombolas.........................................................................362
Larissa Ribeiro da Cruz Godoy
O ativismo judicial da Corte Europeia de Justia para alm da integrao europeia...... 425
Giovana Maria Frisso
Por dentro das supremas cortes: bastidores, televisionamento e a magia da tribuna. .... 538
Saul Tourinho Leal
Direito processual de grupos sociais no Brasil: uma verso revista e atualizada das
primeiras linhas..............................................................................................................553
Jefferson Cars Guedes
doi: 10.5102/rbpp.v5i2.3024
Resumo
A finalidade principal deste artigo realizar uma abordagem crtica sobre
as ideias do Ministro Lus Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal,
acerca da utilizao da expresso Ativismo Judicial. O presente artigo objetiva realizar uma breve anlise sobre os problemas inerentes discusso
acadmica da expresso Ativismo Judicial, desde o nascimento da expresso
em 1947 na Revista Fortune com o famoso artigo de Arthur Schlesinger
Jr., at a importao acrtica da expresso por parte da doutrina brasileira,
observando-se que a expresso se tornou um clich constitucional. Analisa-se a utilizao da expresso Ativismo Judicial por parte do Ministro Lus
Roberto Barroso, especialmente em sua sabatina perante o Senado Federal
brasileiro, a partir de uma anlise de fontes primrias de pesquisa (notas taquigrficas, artigos, entrevistas) descobrindo-se que houve uma banalizao
da expresso Ativismo Judicial.
Palavras-chave: Ativismo Judicial. Clich Constitucional. Crtica ao Ministro Lus Roberto Barroso.
Abstract
* Artigo convidado.
** Mestrando em Direito pelo UniCEUB.
Pesquisador-Discente do CBEC Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais. Bolsista da
CAPES. Integra os Grupos de Pesquisa: Direito & Literatura, Debatendo com o Supremo,
ISO Justia Processual e Desigualdade. Advogado. E-mail: tsapadua@gmail.com
1Faz-se necessrio agradecer o apoio e o suporte intelectual do PPG/UniCEUB e do CBEC Centro Brasileiro de Estudos
Constitucionais pelo estmulo constante, especialmente nas pessoas dos professores e amigos Carlos Ayres Britto, Lilian Rose Lemos Soares Nunes, Andr Pires Gontijo, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, Jefferson Cars Guedes, Paulo Carmona, Lus Carlos
Martins Alves Jr., Pablo Malheiros da Cunha Frota, Ana Caroline Pereira Lima, Fbio Luiz Bragana Ferreira, Joo Paulo Echeverria,
Ana Carolina Borges Oliveira, Paulo Cerqueira Campos, Debora Denys, Duguay Trouin, Tiago Felipe, Michelle Cardoso e Clarissa
Tassinari.
2BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20-21.
3Em linhas gerais, utiliza-se aqui a distino e a funcionalidade entre os conceitos de consistncia e coerncia em Neil MacCormick, que considera a consistncia presente quando no houver contradio, vale dizer, quando entre vrias proposies, no
se observe contradies entre elas. E ser coerente num plano em que um conjunto de proposies faa sentido em sua totalidade.
Cfr. MACCORMICK, Neil. Retrica e estado de direito. Trad. Conrado Hubner Mendes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 248-302.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
1. Introduo1
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A deciso de realizar a presente pesquisa e a seleo desse especfico partcipe institucional (Ministro Lus
Roberto Barroso do STF) ocorre por esse jurista ser um grande e reconhecido acadmico, pesquisador incansvel e Julgador dos mais preparados, e at por isso suas manifestaes precisam ser seriamente refletidas
e criticadas, vale dizer, as ideias e o Ministro do STF, e no a pessoa.
Em uma ambincia acadmica que fomenta e estimula a liberdade, a crtica e a reflexo, obviamente deixa
patente que as crticas e reflexes tambm esto sujeitas s mesmas ferramentas, e natural e saudvel que
assim seja.
No se trata de uma desconfortvel e rasteira patrulha ideolgica, esse conceito fluido e ele mesmo
clicherizado. At porque no possvel e nem desejvel que se separe uma categoria de anlises crticas
que no devem ser realizadas acerca de um ocupante de um dos mais importantes cargos pblicos do pas.
Na esteira do que Lnio Streck e Srgio Cademartori chamam de fator Jlia Roberts ou de constrangimento epistemolgico como forma de accountabillity, as crticas ao STF e a seus membros devem
ser realizadas sem receio algum, e elas se referem s reflexes justericas, no sendo a favor e nem contra
personagens ou protagonistas4.
O mtodo5 escolhido para tal empreitada foi o de selecionar manifestaes especficas do Ministro Lus
Roberto Barroso, tais como entrevistas, artigos e manifestaes, inclusive sua sabatina perante o Senado
Federal, que tenham pertinncia com o tema ativismo judicial, e, a partir do material selecionado, realizar
uma anlise crtica e reflexiva.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
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Tal discusso suscita muitos questionamentos e conformaes tericas diversas, bem como nos remete
ao famoso dilogo descrito por Bertolt Brecht entre um mendigo e um imperador que demonstra basicamente que de um longo dilogo os debatedores podem estar a falar de coisas distintas11. evidente que
tal percepo pode ser atribuda muito mais, talvez, inpcia do hermeneuta do que inteno discursiva e,
ainda, ao fato de eventualmente tisnarem temas conexos, mas no em dilogos entre si.
A propsito, a densa pesquisa de Clarissa Tassinari recorda que, no mbito brasileiro, existe alguma
dificuldade de se fixar um acordo semntico mnimo acerca do que se entende por ativismo judicial, ora
significando exagerada interferncia judicial na sociedade (protagonismo judicirio), ora aquela expresso
acaba sendo invocada de maneira aleatria como critrio de convenincia12.
A mencionada pesquisadora observou a existncia de um ativismo judicial brasileira, terminologia
que evidencia ao menos duas importantes questes. Em primeiro lugar, haveria a conjugao de duas tradies (brasileira e norte-americana). Em segundo plano, seria possvel que esteja implcita a crtica utilizao
destes termos sem vinculao ao contexto de seu surgimento, implicando ao mesmo tempo a transposio equivocada do conceito, e ainda, a ausncia de uma necessria adaptao do que se apreende do
constitucionalismo norte-americano13.
Complementa-se essa percepo com uma reflexo realizada no ano de 2001, quando o constitucionalista norte-americano Mark Tushnet fez publicar um interessante artigo intitulado Mr. Jones & the Supreme
Court. Aqueles que apreciam as letras e as melodias de Bob Dylan logo compreenderam a provocao,
pois remontava ao sentido da msica elencada na epgrafe (Ballad of a Thin Man), fazendo uma stira a um
jornalista (Mr. Jones14) que falava sobre inmeros assuntos, mas que, na verdade, no sabia absolutamente
do que estava falando.
So palavras do mencionado autor:
O que est acontecendo com o Direito Constitucional? Qualquer pessoa que preste ateno Suprema
Corte sabe que alguma coisa est acontecendo, mas difcil dizer exatamente o que alguns Ministros
ouvem os ecos do mundo anteriores a 1937, quando a Suprema Corte invalidou leis estaduais e nacionais
a servio de uma viso restrita, de um governo quase libertarianista.15
8MENDES, Conrado Hbner. Direitos fundamentais, separao de poderes e deliberao. 2008. Tese (Doutorado em Cincia Poltica) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2008. Disponvel em: <http://www.teses.
usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-05122008-162952/>. Acesso em: 05 nov. 2013.
9LEAL, Saul Tourinho. Ativismo ou altivez? O outro lado do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Frum, 2010; CITTADINO, Gisele. Poder Judicirio, ativismo judicirio e democracia. ALCEU, n. 9, p. 105-113, 2004.; LUNARDI, Soraya Regina
Gasparetto; DIMOULIS, D. Ativismo e autoconteno judicial no controle de constitucionalidade. In: FELLET, Andr; GIOTTI
DE PAULA, Daniel; NOVELINO, Marcelo. (Org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2011.
10COELHO, Inocncio Mrtires. Ativismo judicial ou criao judicial do direito? In: FELLET, Andr; GIOTTI DE PAULA,
Daniel; NOVELINO, Marcelo. (Org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2011.
11BRECHT, Bertolt. O mendigo ou o cachorro morto. In: ______. Teatro completo. Traduo de Fernando Peixoto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. v. 1. p. 168.
12TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma anlise da atuao do judicirio nas experincias brasileira e norte-americana. 2012.
141 f. Dissertao (Mestrado em Direito) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, So Leopoldo, 2012. p. 128.
13TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma anlise da atuao do judicirio nas experincias brasileira e norte-americana. 2012.
141 f. Dissertao (Mestrado em Direito) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, So Leopoldo, 2012. p. 92.
14Uma densa narrativa sobre Bob Dylan e tambm sobre o episdio de Mr. Jones pode ser observada em sua Cinebiografia,
denominada No Estou l (Im Not There), um filme de 2007, dirigido por Todd Haynes, em que seis atores fazem distintas interpretaes das variadas e diferentes fases da vida de Bob Dylan atravs de tcnicas no tradicionais de narrativa (Cate Blanchett,
Christian Bale, Heath Ledger, Bem Whishaw, Richard Gere e Marcus Franklin).
15Traduo nossa do original: Whats happening to constitutional law? Everyone who pays attention to the Supreme Court
knows that somethings going on, but its hard to pin down exactly what. Some justices hear echoes of the world before 1937, when
the Supreme Court invalidated state and national laws in the service of a vision of restricted, almost libertarian government. Cfr.:
TUSHNET, Mark. Mr. Jones & the Supreme Court. Green Bag, v. 4, n. 2, p. 173-178, winter 2001.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
titucionais8, ativismo9, bem como entre aqueles que enxergam no ativismo judicial, talvez, um novo nome,
uma espcie de eufemismo, para criao judicial do direito10.
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Paulo Gustavo Gonet Branco constatara se tratar a expresso ativismo judicial de um conceito fugidio,
observando as origens de seu nascimento num contexto no tcnico, nascida com marcas de superficialidade. Tal expresso estaria mesmo vocacionada equivocidade e trivialidade de mtodo no seu emprego, recebida no Brasil mesmo com vcios de origem16.
Um dos argumentos centrais desse breve artigo, menos quedado em oferecer respostas prontas e acabadas do que instigar o debate, o de que a expresso ativismo judicial constitucionalmente inadequada
e precisa ser redesenhada, no passando de uma metfora, cunhada em um dia imaginativo por um famoso e importante historiador que em 1947, fazendo um bico de jornalista para a revista Fortune, escreveu
e cunhou a expresso que viria a se identificar como judicial activism, mas tal fato sequer mereceu destaque,
ou mesmo foi mencionado no seu mais famoso registro obiturio bibliogrfico, que no uma nota curta de
rodap de jornal, mas sim uma longa abordagem de 12 pginas sobre seus mais notveis feitos17.
Isso quer dizer apenas que entre seus feitos memorveis, dignos de registro, no se encontrava o fato
de ter sido o pai criador (founding father) da expresso ativismo judicial, e que os profissionais do direito
provavelmente do mais ateno a expresso do que ela merece, para designar coisas to distintas quanto
coloridas, retirando desse armrio uma quantidade aprecivel de fantasias, at porque, como mencionado
por Marshall Berman, h uma certa pardia do passado, na qual o pretrito precisa da histria porque a v
como uma espcie de guarda-roupa onde todas as fantasias esto guardadas 18.
No se contesta a proeminncia do autor da expresso, mas sim a sua serventia para o direito atual.
Observa-se que Arthur Schlesinger Jr., nascido em 1917 e falecido em 2007, foi um reconhecido historiador,
memorialista, ensasta, ativista poltico e conselheiro presidencial de John Kennedy19.
Alm de se tornar professor de histria em Harvard, Arthur Schlesinger Jr., em demonstrao de ativismo poltico, ajudou a criar o Americans for Democratic Action (ADA) em 1947. Tal agremiao se posicionava
esquerda do Partido Democrata, e a organizao era devotadamente Anticomunista e frequentemente
travava disputas contra uma outra instituio, o Progressive Citizens of America (PCA)20.
Sobre o grupo de Arthur Schlesinger Jr., Americans for Democratic Action (ADA), alega-se que tentou
estimular uma viso que alguns chamariam hoje de Guerra Fria do Liberalismo influenciada pelo Plano
Marshall (auxlio econmico) sobre a Doutrina Truman (interveno militar)21.
Importantes obras brasileiras sobre ativismo judicial reconhecem a origem do termo em Arthur Sch16BRANCO. Paulo Gustavo Gonet. Em busca de um conceito fugidio: o ativismo judicial. In: FELLET, Andr; GIOTTI DE
PAULA, Daniel; NOVELINO, Marcelo. (Org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2011. p. 389.
17MATTSON, Kevin. Arthur Schlesinger Jr.: biographical memoirs. Proceedings of the American Philosophical Society, v. 153, n. 1,
2009.
18BERMAN, Marshall. Tudo que slido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Trad. Carlos Felipe Moiss e Ana Maria
Loriatti. So Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 22.
19MATTSON, Kevin. Arthur Schlesinger Jr.: biographical memoirs. Proceedings of the American Philosophical Society, v. 153, n. 1,
2009.
20MATTSON, Kevin. Arthur Schlesinger Jr.: Biographical Memoirs. Proceedings of the American Philosophical Society. v. 153,
n 1, 2009, p. 119.
21MATTSON, Kevin. Arthur Schlesinger Jr.: Biographical Memoirs. Proceedings of the American Philosophical Society. v. 153,
n 1, 2009, p. 119.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
Parece que tal raciocnio tem serventia no apenas para a realidade da Suprema Corte Americana, mas
tambm para o Supremo Tribunal Federal, excetuada a questo da data, que l remontava a atuao jurdico-poltica daquela Corte no perodo do New Deal, mas sobre tal perodo que refletia o autor da expresso
que daria origem ao termo judicial activism, que no apenas passou a dominar as discusses tericas brasileiras, mas tambm causar certa perplexidade ao se observar a prtica hodierna do STF.
139
Elival da Silva Ramos aponta como importante a viso de Direito Comparado sobre o ativismo judicial: porquanto, se a caracterizao do ativismo judicial importa na avaliao do modo de exerccio da
funo jurisdicional, o fenmeno ser percebido diferentemente de acordo com o papel institucional que se
atribua em cada sistema ao Poder Judicirio24. O referido autor retoma o raciocnio da seguinte maneira:
Se o ativismo judicial, em uma noo preliminar, reporta-se a uma disfuno no exerccio de funo
jurisdicional, em detrimento, notadamente, da funo legislativa, a mencionada diferena de grau permite
compreender porque nos ordenamentos filiados ao common law muito mais difcil do que nos sistemas da
famlia romano-germnica a caracterizao do que seria uma atuao ativista da magistratura, a ser repelida
em termos dogmticos, em contraposio a uma atuao mais ousada, porm ainda dentro dos limites do
juridicamente permitido25.
Reconhece-se que no h, de antemo um sentido negativo sobre a expresso ativismo judicial no
common law, e a sua discusso geralmente desagua no plano da filosofia poltica, em que a indagao central no a consistncia jurdica de uma atuao mais ousada do Poder Judicirio, e sim a sua legitimidade,
tendo em vista a ideologia democrtica que permeia o sistema poltico norte-americano26.
Alega-se que, nos Estados Unidos, adota-se uma conceituao ampla do termo ativismo judicial, que
pode ser visto como uso da interpretao teleolgica, de integrao de lacunas, e que, via de regra,
elogiado por proporcionar a adaptao do direito diante de novas exigncias sociais e de novas pautas axiolgicas em contraposio ao passivismo27.
interessante notar que a abordagem terica desse autor acaba por incursionar pelas veredas do Estado
de Direito Democrtico, em especial pelo princpio da separao dos Poderes e sobre a discricionariedade
judicial interpretativa28, para ento referir sobre a sua prpria conceituao de ativismo judicial.
Menciona: Por ativismo judicial deve-se entender o exerccio da funo jurisdicional para alm dos limites impostos pelo prprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judicirio fazer atuar,
resolver litgios de feies subjetivas (conflitos de interesses) e controvrsias jurdicas de natureza objetiva
(conflitos normativos) 29.
Em que pese a abordagem terica densa, no se problematiza a prpria expresso ativismo judicial.
Tal questo parece indene de crticas, e passamos a importar a expresso ativismo judicial, cunhada por
um no profissional do Direito e ardoroso defensor do New Deal ao escrever sobre a histria evolutiva
do New Deal na Suprema Corte Americana30. E efetivamos tal importao a partir de uma observao da
Suprema Corte Americana que no a realidade brasileira, bastando dizer que embora possua semelhana
22Entre vrias obras, confira-se algumas resultantes de pesquisas acadmicas de Dissertaes de Mestrado em Direito: LEAL,
Saul Tourinho. Ativismo ou altivez? O outro lado do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Frum, 2010; CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 43; CAMPOS, Carlos Alexandre de
Azevedo. A evoluo do ativismo judicial na Suprema Corte Norte-Americana (I). RIDB, ano 2, n. 6, 2013; CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. A evoluo do ativismo judicial na Suprema Corte Norte-Americana (II). RIDB, ano 2, n. 7, 2013; CAMPOS,
Carlos Alexandre de Azevedo. Explicando o avano do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal. RIDB, ano 2, n. 8, 2013.
23RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010.
24RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 104.
25RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 107.
26RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 110.
27RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 110.
28RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 111-128.
29RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 129.
30BARNETT, Randy E. Constitutional clichs. Capital University Law Review, v. 36, n. 3, p. 492-510, 2008. p. 493.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
lesinger Jr22, embora uma das mais densas e importantes delas sequer faa referncia ao autor americano.
Mencione-se, ad exemplum, a tese submetida por Elival da Silva Ramos23 na Universidade de So Paulo para
a disputa do cargo de professor titular de Direito Constitucional, tendo concorrido e vencido o certame no
qual disputou com Marcelo Neves, que, por sua vez, apresentou a tese sobre o Transconstitucionalismo.
140
Enquanto a Suprema Corte Americana composta por 9 Justices, em que um deles o Chief Justice
escolhido pelo Presidente dos Estados Unidos , at a data de sua morte ou aposentadoria volitiva, o
Supremo Tribunal Federal composto por 11 Ministros, com modelo presidencial bienal (eleio por seus
prprios pares); e ainda, os modelos deliberatrios de tomada de deciso (Decision-Making) so em tudo
distintos. L adota-se uma deciso da corte, per curian decisions31, sem que participem das deliberaes
quaisquer pessoas que no os prprios Justices, com publicidade restrita, e aqui adotamos decises fragmentadas, (seriatin decisions), em que cada Julgador pode emitir a sua opinio e com tomada de deciso, em tese,
ao vivo e em cores, transmitidas pela TV Justia.
Embora os modelos de escolha e nomeao sejam de certo modo similares, l h uma efetiva disputa
bipartidria entre as nomeaes de Juzes para a Corte entre Democratas e Republicanos, que se reflete nos
debates do Senado para a Sabatina dos nomeados, e mais importante, l os Julgadores podem permanecer
de maneira vitalcia no cargo, enquanto aqui h a aposentadoria compulsria aos 70 anos de idade por imperiosa determinao Constitucional.
Por fim, a mais brutal diferena: enquanto l h o apego ao precedente com o acolhimento do stare
decisis, em razo de representar o acolhimento de um modelo advindo da famlia do common law, o que
permite a Suprema Corte Americana inclusive realizar julgamentos pelo modelo de Jri32, nos casos e possibilidades constitucionalmente permitidas, aqui temos a impossibilidade de se falar em precedente33 e em
jurisprudncia34, sendo de se notar que adotamos modelo advindo do civil law.
Nesse sentido, sendo a expresso ativismo judicial importada de uma prtica judicial da Suprema Corte
Americana, mesmo enquanto modelo terico de descrio de uma atividade35, essa importao precisa
encontrar srias restries alfandegrias, especialmente quando vulgarizada como na afirmao de Lus Roberto Barroso de que o ativismo judicial como o colesterol: tem do bom e tem do ruim36.
31HOCHSCHILD, Adam S. The modern problem of Supreme Court plurality decision: interpretation in historical perspective.
Washington University Journal of Law & Policy, v. 4, jan. 2000; MOORHEAD, R. Dean. The 1952 Ross Prize Essay: concurring and
dissenting opinions. American Bar Association Journal, v. 38, n. 10, p. 821, oct. 1952; STEWART, David O. A chorus of voices. American
Bar Association Journal, v. 77, n. 50, p. 923, 1991.
32Um caso distinto e diferenciado, embora raro e na prtica atual quase inexistente, merece ser citado, qual seja, a previso de
juris especiais na Suprema Corte Americana no exerccio de sua jurisdio originria, pois a Stima Emenda Constituio dos
Estados Unidos, proposta em 1789, admite: In Suits at common law, where the value in controversy shall exceed twenty dollars, the right of trial
by jury shall be preserved, and no fact tried by a jury, shall be otherwise re-examined in any Court of the United States, than according to the rules of the
common law. Conforme se observa, a Suprema Corte Americana julgou pelo menos 3 casos pelo modelo de jri em 1870, dos quais
apenas 1 restou registrado, qual seja, o caso Georgia v. Brailsford, 3 U.S. (3 Dall.) 1 (1797). Cfr.: SHELFER, Lochlan F. Special Juries
in the Supreme Court, The Yale Law Journal, v. 123, n. 1, p. 208-252, 2013.
33Veja-se a densa abordagem de Jos Rodrigo Rodriguez na alegao de que em nossos tribunais, predominam opinies pessoais,
confuso e dificuldade de compresso das decises, embora tal abordagem merea ser tambm criticada. Cfr.: RODRIGO RODRIGUEZ, Jos. Como decidem as cortes? Para uma crtica do Direito (Brasileiro). Rio de Janeiro: FVG, 2013. p. 81.
34Ao fim e ao cabo de nossa realidade brasileira, no podemos falar que existe jurisprudncia no Brasil, na esteira do entendimento de Luiz Edson Fachin, pois segundo este pensador, no existe efetivamente jurisprudncia no Brasil, pois jurisprudncia
mtodo, e deve ser correspondente a um resultado de compreenso dos sentidos acerca de determinado campo jurdico, propostos
pela doutrina, bem como explicitados em julgamentos por meio de entendimentos consolidados que se projetam na cultura jurdica
do pas a partir de sua expresso pelos tribunais. No caso brasileiro, percebe-se uma dupla falta, vale dizer, uma falta de solidez
hermenutica que no traz previsibilidade e nem estabilidade em termos de precedentes, que so prprias do verdadeiro sentido
da jurisprudncia, e falta ainda uma profunda e sistemtica ao doutrinria de comentrios crticos e efetivos sobre as decises
judiciais. Cfr.: FACHIN, Luiz Edson. Um pas sem jurisprudncia. Programa de Mestrado e Doutorado em Direito do UniCEUB, Braslia,
de 28 31 de julho de 2014. Texto enviado por Luiz Edson Fachin para o Prof. Doutor Pablo Malheiros da Cunha Frota, para o
SJA Seminrio Jurdico Avanado Um Pas sem jurisprudncia: Como decidem os Tribunais no Brasil?.
35BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20.
36 BARROSO, Lus Roberto. Anabolizante judicial: entrevista: Lus Roberto Barroso, advogado constitucionalista. Conjur,
21 de setembro de 2008. Disponvel em: <http://www.conjur.com.br/2008-set-21/quando_legislativo_mal_judiciario_toma_
conta?pagina=3>. Acesso em: 17 ago. 2014. Entrevista concedida a Rodrigo Haidar.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
com o STF, pelo fato de constiturem a cpula do Poder Judicirio, as coincidncias terminam por ai.
141
Lus Roberto Barroso alega que o ativismo judicial seria ento parte da soluo, e no do problema,
vale dizer, o ativismo judicial seria um antibitico poderoso cujo uso deve ser eventual e controlado:
Em dose excessiva, h risco de se morrer da cura. A expanso do Judicirio no deve desviar a ateno
da real disfuno que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e
funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma poltica. E essa no pode ser feita por
juzes.38
Cabe recordar que Lus Roberto Barroso entende que o dficit democrtico do judicirio, decorrente da
dificuldade contramajoritria, no necessariamente maior que o do Legislativo, cuja composio pode estar
afetada por disfunes diversas, dentre as quais o uso da mquina administrativa nas campanhas, o abuso do
poder econmico, a manipulao dos meios de comunicao39.
Se confrontssemos as percepes de Elival da Silva Ramos com as de Lus Roberto Barroso, poderamos ento indagar sobre Estado de Direito Democrtico do Bom, e Separao de Poderes da Boa, e
seus respectivos inversos, o que seria no mnimo curioso, embora academicamente instigante.
Perceba-se que logo a expresso ativismo judicial vai perdendo significado e sendo transformada em
Colesterol Bom e Colesterol Ruim, e j estaremos discutindo ativismo judicial com termos e expresses
mdicas (veja-se tambm o termo ativismo judicial antibitico poderoso), os quais a grande maioria das
pessoas desconhece efetiva e tecnicamente, induzindo que se aceite com naturalidade que existam ativismo
judicial do bom, e do ruim. Um pejorativo e outro louvaminheiro.
Tal situao ganha foros de dramaticidade quando Lus Roberto Barroso afirma que, em certos temas,
quando houver inrcia dos demais poderes, o Judicirio deveria se portar ento como o motor da histria,
e suas palavras ento foram as de que o povo na rua mobilizado por mudana a energia que move a histria, mas que para ele Lus Roberto Barroso , pra fazer andar a histria no precisa estar com o povo
andando atrs, complementando a assertiva com a frase: est ruim, no est funcionando, ns temos que
empurrar a histria. Est emperrado, ns temos que empurrar40. Essa afirmao no passou desapercebida
e indene de crtica41.
37 BARROSO, Lus Roberto. Judicializao, ativismo judicial e legitimidade democrtica. In: COUTINHO, Jacinto Miranda;
FRAGALE, Roberto; LOBO, Ronaldo (Org.). Constituio e ativismo judicial: limites e possibilidades da norma constitucional e da
deciso judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 275-290.
38 BARROSO, Lus Roberto. Judicializao, ativismo judicial e legitimidade democrtica. In: COUTINHO, Jacinto Miranda;
FRAGALE, Roberto; LOBO, Ronaldo (Org.). Constituio e ativismo judicial: limites e possibilidades da norma constitucional e da deciso
judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 275-290.
39BARROSO, Lus Roberto. Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo.
So Paulo: Saraiva, 2009. p. 390.
40 BARROSO, Lus Roberto. Entrevista concedida ao Grupo Folha: parte 2. Poder e Poltica, Braslia, 18 de dezembro de
2013. Disponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/poderepolitica/2013/12/1388983-leia-a-transcricao-da-entrevista-de-luis-roberto-barroso-a-folha-e-ao-uol---parte-2.shtml>. Acesso em: 17 ago. 2014. Entrevista concedida a Fernando Rodrigues.
41Mencione-se ao menos 4 inquietaes de acadmicos com relao a tal expresso motor da histria, ou com o caso ao qual
ela vinculada, qual seja, votos dos ministros do STF e mais especificamente do Ministro Lus Roberto Barroso (e/ou sobre sua
entrevista posterior) quando do julgamento sobre o financiamento de campanhas eleitorais (ADI 4650), nos artigos de Lnio
Luiz Streck, Jos Levi Mello do Amaral Junior, Jos Miguel Garcia Medina e Rafael Tomaz de Oliveira: STRECK, Lnio Luiz. Senso
incomum: o realismo ou quando tudo pode ser inconstitucional. Conjur, 2 de janeiro de 2014. Disponvel em: <http://www.
conjur.com.br/2014-jan-02/senso-incomum-realismo-ou-quando-tudo-inconstitucional>. Acesso em: 01 set. 2014; OLIVEIRA,
Rafael Tomaz. Dirio de classe: financiamento de campanha e o STF como motor da histria. Conjur, 4 de janeiro de 2014.
Disponvel em: <http://www.conjur.com.br/2014-jan-04/diario-classe-financiamento-campanha-stf-motor-historia>. Acesso em:
01 set. 2014.; AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do. Anlise constitucional: inconstitucionalidade sem parmetro no Supremo.
Conjur, 29 de dezembro de 2013; MEDINA, Jos Miguel Garcia. Processo novo: uma breve retrospectiva sobre o que o Supremo
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
Em certo momento anterior, Lus Roberto Barroso havia mencionado que ativismo judicial e judicializao seriam primos, oriundos da mesma famlia e frequentadores dos mesmos lugares, mas que no
teriam, no entanto, as mesmas origens, afirmando-se que ativismo judicial uma atitude, a escolha de um
modo especfico e proativo de interpretar a Constituio37.
142
O trem da histria atropela, embora, nessa ltima frase, o referido autor no estivesse falando de ativismo judicial, mas se a histria empurra, e se o juiz pode empurrar a histria, que (e)histria essa? Esse o
motivo pelo qual parece importante abordar a questo sobre clichs constitucionais, para ento, posteriormente, retomarmos a questo do ativismo judicial em Lus Roberto Barroso.
Observamos acima algumas distintas concepes sobre o ativismo judicial, e no prximo item iremos
refletir sobre como essa expresso se torna um clich, a partir da noo, conceito e crticas que essa ltima
expresso invoca, para chegarmos a uma ideia sobre o ativismo judicial como clich constitucional.
2.1. A questo dos clichs constitucionais
O conceito de clich no pertence a nenhuma disciplina reconhecida. Como uma noo que ganhou
corpo e ocorrncia a partir do sculo XIX, o clich no ocupa um lugar especial no campo da retrica43.
Clich , originalmente o nome de um preformado bloco em pea de metal fundido para produo em
massa de material impresso, funciona como um instrumento de crtica no domnio cultural, e continua
sendo invocado em reviews, debates, e nos discursos do dia a dia sem que seja objeto de uma definio mais
precisa44.
Em seu nvel mais bsico, chamar uma expresso de clich significa marc-la subjetivamente pelo excesso de uso. A noo convencional de clich sugere que este ser utilizado quando um discurso tiver se
tornado irritante em face de seu uso repetitivo45. Mais especificamente:
Compreende-se o clich, geralmente, como uma maneira de expressar irritao com um pronunciamento
por sua falha, divergindo at mesmo no menor grau de seu completo reconhecimento.
Isso , novamente, demanda maior estmulo de sentidos. Desde que o inteligvel est enraizado num
acordo no apenas de sentidos, mas no progressivamente calcificado acordo com a comunidade, a
irritao com o pronunciamento excessivamente inteligvel pode ser a expresso de um mal-estar
esttico com um sistema de axiomas socialmente ancorados.
A pessoa que repudia um clich declara irritao ou mesmo exasperao com a forma sobre o que todos
sabem e dizem, e portanto assinala sua impacincia com as mximas e categorias que so compartilhadas
com a comunidade. Isto , neste ponto, podemos promover a definio de um clich [...] como algo que
demanda muito pouco de sentido.46
no fez. Conjur, 23 de dezembro de 2013. Disponvel em: <http://www.conjur.com.br/2013-dez-23/processo-breve-retrospectivasupremo-nao-fez>. Acesso em: 05 nov. 2013.
42 BARROSO, Lus Roberto. Entrevista concedida ao Grupo Folha: parte 2. Poder e Poltica, Braslia, 18 de dezembro de
2013. Disponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/poderepolitica/2013/12/1388983-leia-a-transcricao-da-entrevista-de-luis-roberto-barroso-a-folha-e-ao-uol---parte-2.shtml>. Acesso em: 17 ago. 2014. Entrevista concedida a Fernando Rodrigues.
43NORBERG, Jakob. The political theory of the clich: Hannah Arendt reading Adolf Eichmann. Cultural Critique, n. 76, fall
p. 77, 2010.
44NORBERG, Jakob. The political theory of the clich: Hannah Arendt reading Adolf Eichmann. Cultural Critique, n. 76, fall
p. 77, 2010.
45NORBERG, Jakob. The political theory of the clich: Hannah Arendt reading Adolf Eichmann. Cultural Critique, n. 76, fall
p. 80, 2010.
46Traduo livre do original: To complain about clichs is generally a way to express irritation at statements for their failure to
diverge even in the slightest degree from complete recognizability. It is, again, to demand more stimulation for the senses. Since the
intelligible is rooted in agreement not only of the senses, but in the (progressively calcified) agreement within the community, the
irritation with overly intelligible statements can also be the expression of aesthetic malaise within a system of socially anchored
axioms. The person who repudiates the clich declares irritation or even exasperation at the form of what everyone knows and
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
Um problema adicional ser vislumbrando se o trem da histria atropelar aquele que estiver atravessando
a rua, como dito em metfora pelo mesmo e prprio Lus Roberto Barroso: Houve uma mudana qualitativa, uma mudana de paradigma. E o que era antes aceitvel, subitamente passou a ser objeto de grande
repulsa. Quem estava atravessando a rua nessa hora foi atropelado pelo trem da histria 42.
143
Alis, parece que o grande problema, talvez o maior deles, acerca da expresso ativismo judicial, seja o
fato de que ela se tornou um clich, como nos recorda Randy Barnett. Esse autor observa que o discurso
popular sobre a interpretao constitucional e sobre o judicial review tendem a empregar uma srie de frases
repetitivas que se tornam clichs Constitucionais:
Frases como ativismo judicial, autoconteno judicial, construo estrita, no legislar da bancada,
inteno dos criadores, mo morta do passado e stare decisis se tornaram to dominantes no comentrio
pblico que tudo que se ouve. Infelizmente, mesmo professores de Direito no so imunes. Havia
um tempo em que cada uma destas frases grudentas significava algo e, embora cada uma delas pudesse
significar alguma coisa novamente, no debate atual todas se tornaram banais e largamente ausentes de
substncia. Brevemente, elas se tornaram clich48.
Segundo o referido autor, possivelmente o maior clich Constitucional seja a expresso ativismo judicial, ao lado de sua cara-metade, a autoconteno judicial. Arthur Schlesinger Jr categorizou os Juzes
da Corte Suprema do perodo do New Deal em 3 grupos: 1) aqueles que eram ativistas judiciais (judicial
activists) (Justices Black, Douglas, Murphy e Rutlege), 2) aqueles que eram os campees da autoconteno
(champions of self restraint) (Justices Frankfurter, Jackson e Burton), e 3) um grupo intermedirio (midle group)
(Justices Reed e o Chief Justice Vinson).
Distinguiram-se os dois primeiros grupos de juzes da seguinte maneira: Um grupo [dos ativistas] mais
adepto do emprego do poder judicial para a sua prpria concepo sobre o bem social; o outro, mais adepto da expanso de mirade de julgamentos para o Legislativo, mesmo se isso significar sustentar concluses
que eles particularmente condenem49.
Ou seja, o primeiro grupo ativistas judiciais (judicial activists) relacionava a Corte a um instrumento para
consecuo de resultados sociais desejados, no qual a Suprema Corte poderia desenvolver um modelo de
ao afirmativa de promoo do bem-estar social (social welfare), enquanto o segundo grupo campees da
autoconteno (champions of self restraint), relacionava o Tribunal a um instrumento que permitisse que os
demais Poderes encontrassem os resultados que o povo queria, para o bem ou para o mal50.
Menciona-se sobre a referida publicao que Arthur Schlesinger Jr encontrou-se com o Justice Jackson
aps este ter sido um dos responsveis pelas acusaes de Nuremberg, tendo entrevistado todos os juzes
da Suprema Corte com vistas a angariar material para sua publicao. Trabalhando para a revista Fortune,
fora incumbido de escrever um artigo sobre juzes fratricidas em uma corte que possua um novo presidente
(Fred Vinson). Aps a repercusso negativa da publicao, com os juzes zangados acerca do que fora publicado, Arthur Schlesinger Jr teria dito que muito mais simples escrever sobre pessoas mortas51.
everyone says, and hence signals his or her impatience with the maxims and categories that are shared within the community. It is
at this point that we can provide a definition of the clich [...] that - demand too little of the senses. Cfr.: NORBERG, Jakob. The
political theory of the clich: Hannah Arendt reading Adolf Eichmann. Cultural Critique, n. 76, fall p. 81, 2010.
47NORBERG, Jakob. The political theory of the clich: Hannah Arendt reading Adolf Eichmann. Cultural Critique, n. 76, fall
2010.
48Traduo livre do original: Phrases such as judicial activism, judicial restraint, strict construction, not legislating from the
bench, framers intent, the dead hand of the past, and stare decisis so dominate public commentary on the Constitution and the
courts that quite often that is all one hears. Unfortunately, even law professors are not immune. There was a time when each of these
catch phrases meant something and, although each could mean something again, in current debates all have become trite and largely
devoid of substance. In short, they have become clichs. Cfr.: BARNETT, Randy E. Constitutional clichs. Capital University Law
Review, v. 36, n. 3, p. 492-510, 2008. p. 493.
49SCHLESINGER JR., Arthur M. The Supreme Court: 1947, Fortune, v. 35, p. 201, jan. 1947.
50SCHLESINGER JR., Arthur M. The Supreme Court: 1947, Fortune, vol. 35, p. 201-202, jan. 1947.
51SCHLESINGER JR., Arthur M. A life in the 20th century: innocent beginnings, 1917-1950. New York: Houghton Mifflin, 2000;
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
Essa uma das possveis anlises acerca da compreenso da expresso clich, e a construo dessa
anlise decorre da abordagem da teoria poltica do clich a partir da escrita de Hannah Arendt para a
revista New Yorker sobre o julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalm47. Entretanto, outras abordagens
so possveis, e algumas delas sobre o prprio termo ativismo judicial.
144
Como observado, a vinculao do termo ativismo judicial ao perodo do New Deal deixa claro que se
trata de interferncia judicial sobre o legislativo, com a declarao de inconstitucionalidade, e geralmente tem
sido utilizada de maneiras as mais diversas, positivamente, negativamente at mesmo de maneira neutra53, mas
normalmente utilizada para criticar uma prtica judicial que deveria ser evitada por juzes e oposta ao pblico. Passa a ser um clich Constitucional vazio. Falar em ativismo judicial tornou-se um etiquetamento
que se impe ao final de uma anlise metodolgica e substantiva de uma deciso judicial em particular54.
Um clich ainda pode ser descrito como um tipo de argumento que no um argumento, vazio de
sentido, e que as pessoas utilizam na esperana de vencer um dilogo sem que o argumento seja eventualmente contestado, algumas vezes ligado a preguia de pensar, e outras vezes essa preguia de pensar meramente propicia a vulnerabilidade para o pensamento radical55, e tais clichs podem ser utilizados tanto por
liberais quanto por conservadores56.
J na dcada de 1980 observa-se que o Justice William Rehnquist, da Suprema Corte Americana, se preocupava com o fato de que a Corte pudesse estar trilhando um caminho de atuao por clichs57. O referido
Juiz menciona a definio dicionarista de clich, que trata do significado da palavra como expresso ou
frase banal ou estereotipada, afirmando que o problema com o clich no seria o fato de este representar
uma falseabilidade, mas sim o de representar uma simplificao daquilo que complexo, evitando-se que
se preste ateno a questes mais sensveis que esto inseridas naquilo que as discusses mais complicadas
remetem. Os clichs no substituem uma inverdade, propriamente dita, mas representam uma troca supersimplificada por uma questo muito mais complexa58.
Lemas e frases curtas geralmente so utilizados na arena poltica em perodos eleitorais, mas ainda
nos anos 1980 temeu-se que tal estivesse ocorrendo na arena judicial, que teria sucumbido a tentao de
substituir anlises racionais profundas e pensamento sofisticado por clichs. Alegou-se que a nica maneira de evitar ser governado por clichs seria empreender uma discusso intensa e profunda de questes
importantes, conforme o exemplo do famoso debate Lincoln-Douglas no vero de 1858 sobre a deciso da
Suprema Corte no caso Dred Scott v. Sandford59.
Sintetiza-se o seguinte fragmento do pensamento do autor: Eu tenho muito receio que ao invs de
sentar e pensar cuidadosamente sobre o papel dos governos nacional, estadual e local, dos legislativos e do
judicirio em nossa sociedade, ns sucumbimos tentao de aceitar os clichs que os outros atribuem a
BARRETT, John Q. Arthur M. Schlesinger Jr.: in action, in archives, in history, 2007. Available at: <http://thejacksonlist.com/wpcontent/uploads/2014/02/20071015-Jackson-List-re-Arthur-Schlesinger.pdf>. Accessed on: 17 aug. 2014.
52KMIEC, Keenan D. The origin and current meanings of judicial activism. California Law Review, v. 92, n. 5, oct. 2004.
53Esta afirmao de que a expresso pode ser utilizada de maneira neutra, positiva ou negativa refere-se respectivamente a utilizaes que valoram (positivamente ou negativamente) ou que simplesmente deixam de valora a expresso (limitando-se a relatar,
com ares de indiferena).
54BARRETT, John Q. Arthur M. Schlesinger Jr.: in action, in archives, in history, 2007. Available at: <http://thejacksonlist.com/
wp-content/uploads/2014/02/20071015-Jackson-List-re-Arthur-Schlesinger.pdf>. Accessed on: 17 aug. 2014. p. 495.
55GOLDBERG, Jonah. The tyranny of clichs: how liberals cheat in the war of ideas. New York: Sentinel, 2012. p. 1-4.
56GOLDBERG, Jonah. The tyranny of clichs: how liberals cheat in the war of ideas. New York: Sentinel, 2012. p. 17.
57REHNQUIST, William H. Government by clich: keynote address of the Earl F. Nelson lectures series, Missouri Law Review,
v. 45, n. 3, summer 1980.
58REHNQUIST, William H. Government by clich: keynote address of the Earl F. Nelson lectures series, Missouri Law Review,
v. 45, n. 3, summer 1980. p. 379.
59REHNQUIST, William H. Government by clich: keynote address of the Earl F. Nelson lectures series, Missouri Law Review,
v. 45, n. 3, summer 1980. p. 380.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
Conforme se observou h algum tempo, ativismo judicial seria uma expresso notoriamente desprovida de qualquer significado consistente. Keenan Kmiec sintetiza alguns dos sentidos atribudos a expresso
ativismo judicial atravs dos anos: 1) Invalidao de Aes Constitucionais de outros Poderes, 2) Falha na
aderncia ao precedente, 3) Legislao judicial, 4) afastamento de metodologia interpretativa aceitvel, e, 5)
Julgado de resultado orientado52.
145
O argumento aqui o de que a expresso ativismo judicial tem sido manipulada para tentar retirar o
foco, e mesmo decompor a mais importante equao constitucional quando estivermos falando de efetiva
prtica decisria: se a Constituio foi cumprida, com respeito aos direitos fundamentais e deferncia especial ao postulado democrtico que repousa no respeito a separao dos poderes.
So 4 elementos fundantes que o uso da expresso judicial activism, ativismo judicial tenta escamotear,
e vem realizando sobre esse propsito um excelente trabalho. Se existe Colesterol bom no bom Ativismo
Judicial, logo a discusso que se encontra na parte subcutnea dessa camada argumentativa ser se existe
um Cumprimento da Constituio bom no bom Ativismo Judicial sem Colesterol, ou se existe uma
Separao de Poderes boa no bom Ativismo Judicial sem Colesterol, ou se existe uma Democracia
boa no bom Ativismo Judicial sem Colesterol, ou se existe Respeito aos Direitos Fundamentais bom
no bom Ativismo Judicial sem Colesterol.
Mesmo quando se escrevem artigos longos, teses e dissertaes partindo-se de um dado construdo
como ativismo judicial, estaremos diante da tentativa de se complexificar um clich sem que essa
palavra seja de fato problematizada, questionada, debatida sua existncia, funo, estrutura e racionalidade
exausto.
Para utilizar um exemplo referido por William Rehnquist, basta observar as palavras esculpidas na entrada principal do esplndido prdio que abriga a Suprema Corte Americana: Equal Justice Under Law, ou
mesmo o lema cravado na entrada mais privativa do mesmo edifcio: Justice, Guardian of Liberty. Podem
at ser lemas inspiradores, mas nada dizem por si mesmos acerca das questes mais bvias que podem surgir
sobre o sistema de administrao da justia dos Estados Unidos61.
Seria o caso de se complexificar um clich, se algum comeasse a divagar sobre Equal Justice Under Law
ou sobre Justice, Guardian of Liberty sem questionar a raiz de onde se parte, ou como mencionado acima,
sem que esta[s] palavra[s] seja[m] de fato problematizada[s], questionada[s], debatida[s] sua[s] existncias[s],
funo[es], estrutura[s] e racionalidade[s] exausto. Tal tentativa de complexificar em nada contribuir
para o debate srio, antes, servir para propagar a perpetuao de um fantasma, ter quase ajudado a criar
um hoax.
No se est a sustentar que qualquer discusso sobre ativismo judicial seja desnecessria. Bem entendido, est a se sustentar que quando ela, a expresso ativismo judicial se torna um clich, vazia de
significado por si mesma, sem que se questione o seu founding father (Arthur Schlesinger Jr) e sem que se
problematize o contexto, as razes, os fundamentos, a funo, a estrutura, e todas as implicaes da advindas, ento ai sim ser observada a discusso rasa e talvez desnecessria.
Para uma breve provocao, podemos partir de Miguel Reale na elementar e perturbadora alegao de
que o sentido de universalidade revela-se inseparvel da filosofia e que se deve procurar renovar as perguntas formuladas, no sentido de atingir as respostas que sejam condies das demais62.
Os clichs fazem exatamente o contrrio, procurando etiquetar um lema, uma frase simplificadora que
tenha pretenso de finalizar uma questo antes mesmo de discuti-la, e a partir desse fundamento criado/
estabelecido, permitir que se aponham outros tijolos, argamassa e cimento, mas o destino j de antemo
conhecido. inexorvel. O edifcio rui como se tivesse sido construdo com utilizao de material imprprio e/ou muitos defeitos de construo. Assim temos o ativismo judicial, o nosso Palace II63.
60REHNQUIST, William H. Government by clich: keynote address of the Earl F. Nelson lectures series, Missouri Law Review,
v. 45, n. 3, summer 1980. p. 381.
61REHNQUIST, William H. Government by clich: keynote address of the Earl F. Nelson lectures series, Missouri Law Review,
v. 45, n. 3, summer 1980. p. 380.
62REALE, Miguel. Introduo filosofia. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 1-3.
63Debalde a talvez desnecessria referncia, ante o fato pblico e notrio, fica o registro aos mais novos, pois fatos pblicos
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
estas inter-relaes60.
146
Observa-se que no novidade o fato de que o raciocnio jurdico a um s tempo analgico e taxonmico, e que a metfora uma poderosa ferramenta para ambos. O poder da metfora tamanho que colore
e controla o pensamento subsequente sobre determinado assunto67.
A propsito, observando de perto o estudo lingustico da metfora e o discurso jurdico, ambos envolvem paradoxos e apropriao, e o Direito uma disciplina que requer um alto grau de preciso lingustica
que a linguagem metafrica pode no fornecer. Alis, a metfora pode ser definida como o sistema de
transferncia, um processo de mudana semntica de um domnio para outro68. O problema da metfora,
por si mesma, alm do que j se mencionou, tambm o seu reducionismo e a sua simplificao. No caso
do ativismo judicial (colesterol do bom e do ruim), esse reducionismo e simplificao particularmente
significativo e facilmente observvel.
A excessiva simplificao de questes que no so to simples est inserida nas inmeras crticas feitas
por Lnio Streck, que afirma que ativismo judicial a vulgata da judicializao, e foi exatamente a partir
dessa alegao que passamos a suspeitar que a expresso um clich. Esse autor realiza crtica a Lus
Roberto Barroso e a Thamy Pogrebinschi, afirmando que h excesso de judicializao, e que quando diz
excesso no est admitindo um ativismo adequado ou necessrio, mas sim que ativismo vulgata de judicializao. No h bom ou mau ativismo69. Excessiva simplificao tambm encontra reflexo na chamada
dificuldade crtica do Direito, como menciona o mesmo Lnio Streck:
rdua a misso de criticar. Mais fcil pegar um tema e partir dele, como se nada houvesse antes:
saio escrevendo e... bingo!. E descrever e, quando muito dar uns palpites, algo do tipo fiz uma tese
e saquei que a justia est com excesso de processos e, portanto, devemos limitar o acesso dos (e aos)
utentes ou o artigo tal, da lei tal tem um furo e os utentes podem partir por ali para conseguirem
pagar menos impostos[...]. Criticar o que tem sido feito no Direito no tarefa fcil. Escrever contra a
communis opinio dureza. mais fcil seguir a correnteza do que nadar contra ela70
a partir dessa discusso que a expresso Ativismo Judicial tem pretenso simplificadora, e se tornou
de fato um clich constitucional, barato e vazio, e que deve urgentemente ser abandonado enquanto pree notrios so datados no tempo e seu registro temporal atrelado a um determinado espao. Palace II foi um Edifcio residencial
construdo na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro e que desabou parcialmente em 22 de fevereiro de 1998. H poca alegou-se de maneira miditica que teria sido utilizada areia de praia em sua construo, mas conforme dados contidos na sentena, aps anlise de
inmeras percias, atribuiu-se o desabamento ao comprometimento das estruturas por erro de clculo e de construo, conforme
registrado na Sentena do Juiz Heraldo Saturnino de Oliveira, nos autos n 98.001.184167-8, no Juzo da 33 Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro, Capital.
64SIRICO JR, Louis J. Failed constitutional metaphors: the wall of separation and the penumbra. University of Richmond Law
Review, v. 45, p. 488, jan. 2011.
65JACKSON, Vicki C. Constitutional as living trees? Comparative Constitutional Law and Interpretative Metaphors. Fordham
Law Review, v. 75, n. 2, p. 960, 2006.
66GARDNER, James. The states-as-laboratories metaphor in state constitutional law. Valparaiso University Law Review, v. 30, n.
2, p. 475-491, 1996. p. 475.
67FROOMKIN, Michael. The metaphor is the key: cryptography, the clipper chip, and the constitution. University of Pensilvania
Law Review, v. 143, p. 709-897, 1995. p. 860.
68SZE-MAN SIMONE, Yeung. The rule of metaphor and the rule of law: critical metaphor analysis in judicial discourse and reason. 2010.
133 f. Thesis (Master of Philosophy) The University of Hong Kong, Hong Kong, 2010. p. 1-5.
69STRECK, Lnio Luiz. Compreender direito: como o senso comum pode nos enganar. So Paulo: RT, 2014. v. 2. p. 164-165.
70STRECK, Lnio Luiz. Compreender direito: como o senso comum pode nos enganar. So Paulo: RT, 2014. v. 2. p. 88-92.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
Observe-se, en passant, que o problema no o uso de/da metfora, alis muitas delas so utilizadas
neste artigo. O problema, ou o perigo, quando a metfora passa a elidir o processo racional que est nos
limites da analogia que a metfora transmite64. Em seu melhor, as metforas auxiliam a moldar o pensamento conjurando imagens vivas para clarificar conceitos difceis, mas seu mal uso pode conduzir a imagens
equivocadas65, sendo certo que no desenvolvimento constitucional h uma mirade de possibilidades que as
metforas naturais e orgnicas obscurecem (casos de living tree e de living constitution no Constitucionalismo
Americano) 66.
147
No se pretende, por meio deste estudo, banir a (s) palavra (s) ativismo judicial, ativismo judicial
bom, ativismo judicial mau para que a (s) coisa (s) desaparea (m), bem entendido. A esse propsito,
para compreenso do quanto necessrio, observe-se o luminoso texto de Lnio Streck (As Palavras e as Coisas na terra dos fugitivos) que denuncia certa falcia realista, deixando claro que as palavras no carregam
a essncia e nem portam seu prprio sentido, e de que no se aprisionam coisas dentro dos seus prprios
conceitos71.
Repita-se, no se sustenta aqui que se deixarmos de utilizar o termo ativismo judicial (bom, mau, colesterol) ele o ativismo judicial deixar de existir, com(o) aquilo que o termo denota no imaginrio
social72. Absolutamente, at porque, conforme observado pela j citada Clarissa Tassinari, no se observa
um acordo semntico mnimo sobre a expresso. Antes, sustentamos que o termo e sua utilizao prtica
tm sido empregados como um clich de modo a encerrar um debate antes mesmo dele se iniciar.
Sustenta-se que a expresso inadequada da maneira como utilizada, fora de contexto histrico e institucional, banalizada e com pretenso simplificadora. No parece adequada para acusao ou defesa de deciso
judicial (ativismo bom, ativismo ruim). Reclama-se densificao de sentidos, e exausto de debate sobre
todas as questes que a expresso aparenta camuflar. As crticas s decises judiciais devem ser constantes,
profundas e densificadas ao extremo, com sofistio e verticalidade.
Assim, tomamos clich tambm como a reproduo de uma figura j fechada, de uma frmula j conhecida, e que s aparece no interior de um contexto enunciativo, no interior de um discurso73. O prximo
item ir abordar a utilizao da expresso Ativismo Judicial e de como ela se torna um clich em Lus
Roberto Barroso, explorando manifestaes por ele externadas antes de se tornar Ministro do STF, e ainda,
manifestaes durante sua sabatina no Senado.
2.2. O ativismo judicial como clich constitucional em LRB
Para uma pequena digresso sobre o conceito de ativismo judicial especfico e contextualizado, referente ao pensamento de Lus Roberto Barroso, verifica-se que esse professor e Ministro do STF definiu
o tema ativismo como uma atitude: um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituio, dela
extraindo regras no expressamente criadas pelo constituinte ou pelo legislador74. Sugestiona como sendo
algo bom: agir proativo, afastado da inrcia, criando norma que poderia ter sido criada apenas implicitamente pelo legislador ou mesmo pelo constituinte.
Essa afirmao de Lus Roberto Barroso complementada por um raciocnio pretensamente sofisticado
que precisa ser aqui analisado. Esse Ministro do STF menciona que o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado dois papis especficos, quais sejam: 1) papel contramajoritrio, e, 2) papel representativo. No
primeiro caso (papel contramajoritrio), alega que teria lugar quando o Poder Judicirio vier a sobrepor a sua
prpria valorao sobre a atuao do Executivo ou do Legislativo, seja declarando a inconstitucionalidade
71O contexto do texto de Lnio Streck tocou a polmica palavra/expresso (e a polmica sobre o uso da palavra/expresso)
periguetizao do direito, ou mais especificamente, a frase: Se o direito fosse fcil, seria periguete. Cfr.: STRECK, Lnio Luiz.
Senso incomum: as palavras e as coisas na terra dos fugitivos. Conjur, 20 de maro de 2014. Disponvel em: <http://www.conjur.
com.br/2014-mar-20/senso-incomum-palavras-coisas-terra-fugitivos>. Acesso em: 01 set. 2014.
72STRECK, Lnio Luiz. Senso incomum: as palavras e as coisas na terra dos fugitivos. Conjur, 20 de maro de 2014. Disponvel
em: <http://www.conjur.com.br/2014-mar-20/senso-incomum-palavras-coisas-terra-fugitivos>. Acesso em: 01 set. 2014.
73SANTOS, Fernanda Ferreira dos. O clich como esvaziamento do discurso: uma leitura de Bouvard et Pcuchet, de Gustave
Flaubert. Revista Litteris, n. 9, 2012.
74BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
tenso de discusso acadmica, especialmente quando estamos a tratar de coisas to srias quanto decises
judiciais.
148
Lus Roberto Barroso menciona que essa competncia deve ser executada com grande cautela institucional, sugerindo que juzes e tribunais devero ser deferentes para com as opes feitas pelo Congresso ou
pelo Presidente, mencionando ainda que decises polticas devem ser tomadas por quem tem voto, por
quem tem o batismo da representao popular, ressaltando que esse no seria o caso dos Ministros do STF76.
No entanto, Lus Roberto Barroso afirma que a pretenso de autonomia absoluta do direito em relao
poltica impossvel de se realizar, e que as solues para os problemas nem sempre so encontradas
prontas no ordenamento jurdico, precisando ser construdas argumentativamente por juzes e tribunais.
Afirma ainda que, em tais casos, a experincia demonstra que os valores pessoais e a ideologia do intrprete
desempenham, tenha ele conscincia ou no, papel decisivo nas concluses a que chega77.
Para uma minimamente adequada apreenso ideolgica de Lus Roberto Barroso, alm de suas prprias
palavras quando do depoimento por ocasio dos 70 anos da UERJ, indispensvel leitura e reflexo das 66
pginas que compreendem o prefcio78, a apresentao79 e a introduo80 da obra Direito Regulatrio, de autoria de Diogo de Figueiredo Moreira Neto81, mas, neste estudo, nos ocuparemos especificamente
do item que possui o nome uma nota ideolgica, escrito pelo prprio autor.
Tal nota ideolgica precedida pelo enfoque acerca de duas maneiras de enxergar o mundo. Menciona
que Diogo de Figueiredo e ele (Lus Roberto Barroso) seriam originrios de lados opostos do espectro
poltico. Diogo seria um militante da causa da liberdade de iniciativa, do modo de produo capitalista e
um ctico sobre as potencialidades do Estado em sua atuao na rea econmica82.
J Lus Roberto Barroso se confessa como o oposto, pois vem de uma militncia de juventude que via o
Estado como o grande protagonista da transformao social. Menciona sobre si mesmo um excerto de anos
atrs, como marca que o caracterizaria:
Em meio aos escombros, existe no Brasil toda uma gerao de pessoas engajadas, que sonharam o sonho
socialista, que acreditavam estar comprometidas com a causa da humanidade e se supunham passageiras
do futuro. Compreensivelmente abalada, esta gerao vive uma crise de valores e de referencial. Onde
se sonhou a solidariedade, venceu a competio. Onde se pensou a apropriao coletiva, prevaleceu o
lucro. Quem imaginou a progressiva universalizao dos pases, confronta-se com embates nacionalistas
e ticos. [...] indiscutvel: eles venceram83.
O autor faz uma sucinta resenha histrica da ditadura brasileira, e de tudo que isso representou para sua
gerao, e que a promulgao da Constituio de 1988 e a queda do Muro de Berlim, em outubro de
1989 mudariam o curso da histria. Nesse ltimo caso, pontua:
75BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20.
76BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20-21.
77BARROSO, Lus Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposio sistemtica da doutrina e anlise crtica
da jurisprudncia. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 404.
78BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: o estado que nunca foi. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 1-9.
79 BARROSO, Lus Roberto. Apresentao. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatrio. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. p. 11-14.
80BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: o estado que nunca foi. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.15-66.
81MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
82BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: o estado que nunca foi. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 2.
83BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: o estado que nunca foi. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 3, nota de rodap n. 2.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
de uma Lei ou existindo uma poltica pblica conduzida pela Administrao em relao a determinada
matria, o tribunal determina sua modificao ou uma poltica alternativa 75.
149
Menciona sua construo epistemolgica da histria do Brasil, afirmando herana patrimonialista oriunda de atvica apropriao do espao pblico pelo interesse privado dos estamentos dominantes, e que sem
chegar jamais a ser verdadeiramente liberal, social e socialista, o Estado brasileiro chegara ao final do sculo
XX estigmatizado pela burocracia, ineficincia, apropriao privada, desperdcios de recursos pblicos, corrupo, seria o Brasil pr-2003, um Estado da Direita, e portanto do atraso social85.
Financiador dos ricos e favelizador ideolgico, haveria um exerccio inevitvel de desconstruo a
ser feito. Para Lus Roberto Barroso a redefinio do Estado brasileiro e o desmonte de determinadas
estruturas viciadas no constitui uma opo ideolgica, seria, para ele, uma inevitabilidade histrica. O
autor contra o Estado Mnimo86.
Ou seja, observa-se que, para Lus Roberto Barroso, o iderio utpico do Socialismo Real que ruiu com
a queda do Muro de Berlim teria virado cinzas ao menos naquele momento e por aquele modelo institucional, sendo de se supor que ele poderia ser revigorado por meio de outra instituio (O Supremo
Tribunal Federal), num momento histrico em que ele, Lus Roberto Barroso, passa a ser um dos motores
da histria, por meio do instrumental dos valores pessoais e da ideologia que estariam presentes nas suas
futuras decises judiciais, como afirma o prprio autor.
Lus Roberto Barroso menciona ainda, que: todavia, quando a ao poltica contrariar, de modo inequvoco, a Constituio, no haver alternativa, e que salvo uma ou outra deciso fora da curva, possvel
afirmar que o STF exerce, com bastante parcimnia, sua funo contramajoritria. Faltou apenas mencionar o que seria considerado como fora da curva, e/ou o que seria contrariar de modo inequvoco a
Constituio87. Observa-se um dficit de densificao das palavras avaliatrias88.
Alega ainda que em muitas circunstncias, o STF tem exercido com mais frequncia seu papel
representativo (funo representativa). Isso seria exercer o atendimento de demandas sociais inequvocas
que no foram satisfeitas a tempo e a hora pelo processo poltico majoritrio, e que neste caso sua atuao teria sido mais ativista, citando o exemplo do caso que equiparou as unies homoafetivas s unies
estveis convencionais, ou ao caso da autorizao de interrupo de gestao de fetos anenceflicos89.
Para Lus Roberto Barroso, ambas as situaes seriam casos em que direitos fundamentais ficariam paralisados pela incapacidade de o legislativo editar lei que os regulamentasse, mas como os problemas existiam
na vida real, a criao judicial do Direito teria sido ou se tornado inevitvel, e que ningum vislumbraria
excessos nesses exemplos, mencionando que estariam mais prximos da fronteira as decises sobre a fidelidade partidria, mas que, ainda assim, seria possvel vislumbrar uma imensa demanda social por reforma
84BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: o estado que nunca foi. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatrio.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 7.
85BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 6-7.
86BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 7-8.
87BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 21.
88A este propsito, confira-se a abordagem de Roberto Freitas Filho acerca da necessidade de se densificar as palavras avaliatrias. Cfr.: FREITAS FILHO, Roberto. Interveno Judicial nos contratos e aplicao dos princpios e das clusulas gerais: o caso do leasing.
Porto Alegre: S. A. Fabris, 2009.
89BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 21.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
A experincia com o socialismo real, que empolgara coraes e mentes pelo mundo afora, e que foi seguida por mais de um tero da humanidade, desabava ruidosamente. Um sonho desfeito em autoritarismo,
burocracia, privilgios e pobreza. A crena ambiciosa na possibilidade de mudar o curso da histria e de reelaborar a prpria condio humana, em nome de um projeto humanista e solidrio, virara cinzas. Ao menos
naquele momento e por aquele modelo institucional84. (sem o destaque no original)
150
Triplamente equivocado. Primeiro, possvel vislumbrar excessos, sim; e segundo, tenta naturalizar de
maneira positiva a expresso ativismo, reduzindo a Constituio a um inconveniente ao qual preciso se
livrar quando questes da vida invocam criao judicial do Direito. Mais equivocado ainda, em terceiro
lugar, quando refere que o Supremo Tribunal Federal exerce funo representativa91.
O STF no pode se arrogar em buscar representatividade popular e ao mesmo tempo exercer uma contrarrepresentatividade popular, pois equivaleria a dizer que a Suprema Corte ora pode fazer (com base em ideologia
e valores pessoais) do preto o branco, e ora fazer do branco o preto, cobrar o escanteio, cabecear e defender o
gol, ou melhor, agindo como verdadeiro Poder Moderador, como se fosse um legitimado representante divino,
ignorando a existncia dos artigos 2 e 60 4 da Constituio Federal da Repblica Federativa do Brasil.
Dito de outro modo: se o STF vier a exercer papel de representao popular, ele se sentir legitimado
para emendar a Constituio sponte sua, legislando porque estar exercendo representao popular
e, de outro modo, quando lhe for conveniente, impedir a atuao dos outros poderes sob o pretexto do
signo contramajoritrio. Tudo, com base em valores pessoais e ideologia.
Parece interessante, nesse sentido, recordar o iderio de Oscar Vilhena Vieira que visualiza o Supremo Tribunal Federal como o novo poder moderador na reconhecidamente provocativa expresso
Supremocracia92. No mencionado texto de Oscar Vilhena Vieira, a expresso Supremocracia cuida de
focar momento histrico em que as Constituies seriam feitas para liderar o processo de mudana social
e a expresso mesma Supremocracia seria utilizada para explicar o atual estado da arte do STF aps muitos
anos de seu desenvolvimento histrico e aps o perodo inicial da promulgao do texto constitucional de
1988, em que se aponta para uma mudana no equilbrio do sistema de separao de poderes no Brasil93.
Fala-se ento de Supremocracia em um duplo sentido, vale dizer, primeiro sobre a autoridade do
Supremo em relao s demais instncias do poder judicirio especialmente sobre a histrica enorme dificuldade em impor suas decises que teria sido resolvida somente em 2005 com a criao do instituto das
smulas vinculantes com que o STF poderia enquadrar as demais instncias em que se teria completado
um ciclo de concentrao de poderes nas mos do Supremo94.
O segundo sentido do termo Supremocracia se refere expanso da autoridade do STF frente aos
demais poderes, referindo-se, a partir da grande historiadora do Supremo, Leda Boechat Rodrigues, que j
no Imprio havia a ideia de colocar a Suprema Corte no centro de nosso sistema poltico: Pedro II, no final
de seu reinado, indagava se a soluo para os impasses institucionais do Imprio no estaria na substituio
do Poder Moderador por uma Corte Suprema como a de Washington95. Hoje, aquela Corte Americana
vista no como uma Corte de verdade, mas como muito Poltica, comparada a Casa dos Lordes96.
90BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 21.
91BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 21.
92VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: o novo poder moderador. In: MOTA, Carlos Guilherme; SALINAS,
Natasha S. C. (Coord.). Os juristas na formao do estado-nao brasileiro: de 1930 aos dias atuais. So Paulo: Saraiva, 2010; VIEIRA, Oscar
Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, n. 8, p. 441-464, 2008.
93VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: o novo poder moderador. In: MOTA, Carlos Guilherme; SALINAS,
Natasha S. C. (Coord.). Os juristas na formao do estado-nao brasileiro: de 1930 aos dias atuais. So Paulo: Saraiva, 2010; VIEIRA, Oscar
Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, n. 8, 2008. p. 441-464.
94VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: o novo poder moderador. In: MOTA, Carlos Guilherme; SALINAS,
Natasha S. C. (Coord.). Os juristas na formao do estado-nao brasileiro: de 1930 aos dias atuais. So Paulo: Saraiva, 2010; VIEIRA, Oscar
Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, n. 8, 2008. p. 441-464.
95VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: o novo poder moderador. In: MOTA, Carlos Guilherme; SALINAS,
Natasha S. C. (Coord.). Os juristas na formao do estado-nao brasileiro: de 1930 aos dias atuais. So Paulo: Saraiva, 2010; VIEIRA, Oscar
Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, n. 8, 2008. p. 441-464.
96POSNER, Richard. Como eu escrevo. Trad. Ana Caroline Pereira Lima, Thiago Santos Aguiar de Pdua. Revista Brasileira de
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
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No obstante, o papel de rbitro entre os poderes nos dias depois do imprio foi menos exercido pelo
Supremo do que pelas foras armadas, como relembra Oscar Vilhena, e que apenas com a Constituio de
1988 que houve uma espcie de encaixe no qual de fato o STF deslocou-se para o centro de nosso arranjo
poltico. A discusso acerca de controle e equilbrio permeia parte significativa do texto mencionado
que suscita e provoca o debate sobre a expresso Supremocracia98.
No entanto, essa funo Supremocrtica no se coaduna com o ora vigente texto Constitucional, uma
vez que o STF no a chave que controla os demais poderes, e nem est acima e fora da clssica separao
de poderes, em razo do quanto estipulado pelo Constituinte no art. 2, e no artigo 60, 4, da Constituio
de 1988, a menos e no antes que se realize (acaso se a aceite) uma dupla reviso no texto Constitucional99.
A dupla reviso, que deveria inicialmente alterar o art. 60, 4 da Constituio de 1988, estabelecendo
uma consulta popular sobre a segunda alterao, que acaso tambm realizada e aceita, deveria inserir o art.
10 e o art. 98 da Constituio do Imprio de 1824 no corpo da atual Constituio, a inserir e dizer expressamente no artigo 2 da Constituio de 1988 que So 4 os Poderes da Unio, independentes e harmnicos
entre si, o Legislativo, o Poder Moderador, o Executivo e o Judicirio. Pargrafo nico. O Supremo Tribunal
Federal passa a representar o Poder Moderador, representando a chave de toda organizao poltica, a quem
cabe velar sobre a manuteno da independncia, equilbrio, e harmonia dos demais Poderes100.
Conforme nos relembra Gisela Maria Bester, a separao dos poderes existe primordialmente para limitar o
poder em ralao aos direitos dos cidados, e em termos gerais: a separao dos poderes no fundo foi o meio
encontrado para conter o poder unitrio do governante nas suas investidas contra a liberdade dos governados (em
tal poca, sditos), vale dizer, contra os direitos destes, e ainda, segundo a mesma autora, a teoria da separao
dos poderes (em realidade separao das funes do Estado), originalmente desenvolvida por Locke e depois
aperfeioada por Montesquieu, e que muito embora atualmente seja possvel referirmo-nos separao tripartite (Executivo, Legislativo e Judicirio) no Imprio tivemos a separao quadripartite (ou pentapartite) com a
presena do poder moderador por influncia do francs Benjamin Constant em seus Princpios de Poltica101.
De todo modo, a construo da ideia de um poder que guarda sem ser guardado e que controla sem
ser controlado102 ostenta certa semelhana com as observaes contemporneas feitas sobre o STF, acusado de Supremocracia por Oscar Vilhena Vieira, que aponta a Suprema Corte Brasileira como o novo
poder moderador e, nesse sentido, controlaria sem ser controlado e guardaria sem ser guardado. Isso no
a sua funo e nem a sua misso Constitucional.
Polticas Pblicas, Braslia, v. 4, n. 1 jan.-jun. 2014. p. 13.
97CAVALCANTI, Themstocles. O Supremo Tribunal Federal e a constituio. In: MARINHO, Josaphat; ROSAS, Roberto
(Org.). Sesquicentenrio do Supremo Tribunal Federal: conferncias e estudos realizados na Universidade de Braslia entre 11 e 14 de
setembro de 1978. Braslia: EdUnB, 1982. (Coleo Temas Brasileiros, v. 25).
98VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: o novo poder moderador. In: MOTA, Carlos Guilherme; SALINAS,
Natasha S. C. (Coord.). Os juristas na formao do estado-nao brasileiro: de 1930 aos dias atuais. So Paulo: Saraiva, 2010; VIEIRA, Oscar
Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, n. 8, 2008. p. 441-464.
99ROCHA, Carmen Lcia Antunes. Constituio e mudana constitucional: limites ao exerccio do poder de reforma constitucional. Revista de Informao Legislativa, v. 30, n. 120, 1993. p. 159-186.
100O trao riscando a harmonia e a independncia proposital. Pode chocar a primeira vista. Isso equivaleria a rasgar a Constituio. No entanto, se isso vier a ocorrer, ser porque o nvel de arbitrariedade j ser tamanho, que rasgar a Constituio ser apenas
um ato de equiparar uma arbitrariedade a outra. Equiparao de realidades.
101BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos tericos. So Paulo: Manole, 2005. v. 1. p. 299-301.
102NOGUEIRA, Adalcio. [Discurso]. In: SESSO ORDINRIA DO PLENRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 21., 1966, Braslia. Ata da [...], em 10 de agosto de 1966: centenrio do Ministro Pedro dos Santos. Dirio da Justia, 11 ago. 1966.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
Recorde-se, ainda, que no apenas no final do reinado de Pedro II que se cogitara reforar o papel e
os poderes do Supremo, mas, tambm, em 1978 h referncia sobre a pretenso de fazer com que a Corte
Suprema, que seria transformada em Conselho Constitucional, fosse substituir a ao discricionria do
governo revolucionrio e tivesse o destino de conduzir a nao aos rumos do Estado de Direito exercendo
funes polticas e judiciais97.
152
O autor alega que isso no seria verdade no caso brasileiro, citando o exemplo do episdio envolvendo a regulamentao do dispositivo constitucional que cuidava da indenizao do trabalhador por demisso
imotivada em que, sob presso das classes empresariais, uma lei foi aprovada a toque de caixa, quando a
Suprema Corte anunciou que regulamentaria a matria, concluindo a afirmao no sentido de que no geral,
a jurisdio constitucional se situa esquerda da poltica ordinria, clamando, ento, que a crtica poltico-ideolgica no se aplicaria sem ressalvas ao Brasil104.
Complementando esta afirmao, Lus Roberto Barroso alega que em certa medida, pelos desmandos
do sistema eleitoral e partidrio, o Judicirio tornou-se mais representativo do que o Legislativo, afirmando
ainda que a sociedade se identifica mais com seus juzes do que com seus deputados105. Diga-se desde logo
que tal afirmao carece de base emprica mnima.
Alega o suposto fato de o Judicirio possuir um acesso mais democratizado, em razo de o acesso ao
cargo de magistrado na primeira instncia se constituir por meio de concurso pblico, tornaria o Judicirio
mais democrtico que o Parlamento, que envolve necessidade muito grande de enormes somas de dinheiro
para financiar uma campanha, que obriga o candidato, com frequncia, a buscar financiamentos e alianas
com diferentes atores econmicos e empresariais, e que por esta razo, em muitas circunstncias, o Judicirio teria se tornado um representante mais autntico da sociedade do que muitos agentes eletivos106.
Se o argumento de Lus Roberto Barroso estiver correto e no est ento esse autor acaba de sepultar, de vez, qualquer legitimidade que eventualmente pudesse existir nas decises do Supremo Tribunal
Federal, pois seus Juzes no ascendem ao cargo de Ministro por meio de concurso pblico, e o ritual das
indicaes pode ser muitas vezes to ou mais escuso do que alianas eleitorais poltico-partidrias, mas Lus
Roberto Barroso ainda finaliza a reflexo com um argumento ainda mais intrigante:
H ainda, e por fim, um aspecto ainda mais complexo e delicado, que estaria a exigir uma reflexo poltica
e sociolgica parte: o nvel de formao e qualificao dos integrantes do Judicirio, selecionados em
concursos pblicos rduos e competitivos, tende a ser mais elevado do que o dos outros Poderes.
Tal circunstncia, por vezes, leva imposio de certa racionalidade judicial sobre as circunstncias
argumentativamente menos bem-postas de outros agentes. Como intuitivo, esse desequilbrio ruim e o
risco da arrogncia judicial real e, evidentemente, negativo, como a arrogncia em geral107.
Mais uma vez, se o argumento de Lus Roberto Barroso estiver correto e no est ento estaremos
diante de um quadro no qual, como quando no incio do Imprio Brasileiro e posteriormente da Repblica,
em que tanto o Legislativo quanto o Judicirio eram constitudos pelos mais bem preparados de Coimbra,
teramos um cenrio mais adequado pela existncia de um equilbrio intelectual?
Esquece-se ainda de que a representatividade, da maneira como arquitetado pelo Constituinte de 1988,
permitiu que um operrio e sindicalista fosse alado a Presidncia da Repblica, e que pelo argumento cons103BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 21.
104BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 21.
105BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 21.
106BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 22.
107BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 22.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
Sobre a alegada funo representativa, Lus Roberto Barroso menciona que essa questo, no entanto,
mais complexa, e desenvolve seu argumento afirmando que a Teoria Constitucional que se pratica no
mundo no se adequa realidade brasileira, afirmando que a maioria dos autores (embora no cite um nico nome) que critica a expanso judicial estaria baseada na assertiva de que o judicirio seria uma instncia
conservadora protetora das elites contra o avano democrtico, que estaria expressa nos demais poderes103.
153
Luis Roberto Barroso descuida tambm do fato de que parcela considervel dos concursos pblicos se
transformou em quiz show, como se fosse um conjunto de pegadinhas para responder coisas que s assumem
relevncia porqu so ditas pelos professores de cursos de preparao, especialmente na seara jurdica108.
Por outro lado, de que racionalidade judicial est a falar Lus Roberto Barroso? Seria aquela advinda do
Decision-Making de decises fraturadas (seriatin decisions) nas quais cada julgador apresenta seu voto, emitindo muitas vezes opinies judiciais, em acrdos que no se consegue muitas vezes compreender qual teria
sido a efetiva deciso da corte? Ou aquela racionalidade oriunda de deciso judicial que no segue suas prprias decises judiciais anteriores, e em uma situao na qual sequer se permite falar sobre precedente
ou jurisprudncia?109
As afirmaes do Ministro Lus Roberto Barroso sobre ativismo judicial, especialmente quando banaliza
e simplifica a discusso (como ativismo judicial colesterol bom, ativismo judicial colesterol ruim, ativismo
judicial antibitico poderoso) e suas percepes sobre o papel do STF (contramajoritrio e/ou representao) no guardam coerncia e nem consistncia se tomamos por coerente a argumentao na qual um
conjunto de proposies possua sentido em sua totalidade, e como consistncia quando no houver contradio, ou seja, quando entre vrias proposies, no se observe contradies entre elas110.
Com efeito, no h coerncia e nem consistncia em afirmar que o STF no possui representao popular por no ser ungido pelo batismo do voto, e que a Suprema Corte deve ser deferente para com o poder
legislativo, e ao mesmo tempo afirmar que o STF exerce papel contramajoritrio e de representao.
Pode-se arguir o papel paradoxal desempenhado pelas Cortes Constitucionais no Constitucionalismo
contemporneo, alegando como defesa de certa mitigao democrtica o fato de que a noo de papel contramajoritrio invocaria a reflexo de Dworkin de que nas democracias que possuem dois corpos legislativos
(no Brasil podemos pensar na Cmara e no Senado), um deles seria menos representativo e exerceria certo
controle sobre as decises do outro (Senado sobre a Cmara)111.
Tal argumento somente justificaria o papel de representao (e no apenas contramajoritrio) do STF se,
e apenas se, acolhssemos e encampssemos o entendimento de que seria o Supremo Tribunal Federal uma
espcie de terceira cmara do congresso, como afirmado por Aliomar Baleeiro no RMS 17.443/MG112,
ou mais do que isso, estando prximos de reconhecer que de fato o Supremo exerce (e representa) o papel
de Poder Moderador, em afronta ao texto Constitucional originrio de 1988.
preciso certa dose de coragem, e alguma insana loucura para reconhecer e apregoar isso de maneira
franca e aberta, pois o passo seguinte seria avanar e transpor as linhas dos escrpulos da racionalidade e do
respeito constitucional para declarar uma norma Constitucional inconstitucional, fulminando ou conferindo
interpretao conforme ( arbitrariedade e conscincia do intrprete) aos artigos 2 e 60, 4 da CF/88.
Tambm no h coerncia e nem consistncia em se afirmar que ativismo judicial seria uma atitude:
um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituio, dela extraindo regras no expressamente cria108STRECK, Lnio Luiz. Concursos pblicos: s no fazer perguntas imbecis! In: STRECK, Lnio Luiz. Compreender direito:
como o senso comum pode nos enganar. So Paulo: RT, 2014. v. 2. p. 56-61.
109Sobre tais questes crticas acerca do precedente e da jurisprudncia, vide os comentrios, baseados em Jos Rodrigo Rodriguez e Luiz Edson Fachin, nas notas nmero 34 e 35, supra.
110Conforme mencionado, utiliza-se aqui a distino e a funcionalidade entre os conceitos de consistncia e coerncia em
Neil MacCormick, que considera a consistncia presente quando no houver contradio, vale dizer, quando entre vrias proposies, no se observe contradies entre elas. E ser coerente num plano em que um conjunto de proposies faa sentido em
sua totalidade. Cfr. MACCORMICK, Neil. Retrica e estado de direito. Trad. Conrado Hubner Mendes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
p. 248-302.
111DWORKIN, Ronald. Direitos fundamentais: a democracia e os direitos do homem. In: DARNTON, Robert; DUHAMEL,
Olivier. Democracia. Trad. Clovis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 158.
112AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do. Memria jurisprudencial: Ministro Aliomar Baleeiro. Braslia: STF, 2006. p. 195.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
trudo deveria permitir que um operrio e sindicalista tambm fosse alado ao Supremo Tribunal Federal?
154
Nesse sentido, o ativismo judicial de Lus Roberto Barroso, vulgata da judicializao de processos (Lnio
Streck), seria sempre ruim, pois seria produto de atuao proativa decisionista e arbitrria do julgador, que
deixaria de aplicar normas eventualmente existentes (fora das seis hipteses em que isso permitido)115 para
criar suas prprias normas a partir de seus valores pessoais e ideologia.
No h diferena entre isso e a barbrie. Isso representa, de alguma forma e em certa medida, a violncia de que nos diz Hannah Arendt, como algo distinto do poder, da fora ou do vigor, que precisa sempre
de instrumentos, cuja substncia reside no meio/objetivo que possui como mais importante caracterstica,
quando aplicada s atividades humanas, a de que os fins correm o perigo de serem dominados pelos meios,
que justificam e que so necessrios para alcan-los, e abriga em seu seio um elemento adicional de arbitrariedade116.
interessante notar que pela data do escrito de Lus Roberto Barroso ora referido (Prefcio, de 15.05.2013),
podemos observar que ele ainda no havia sido indicado por Dilma Rousseff para o cargo de Ministro do
STF, o que somente viria a ocorrer na data de 22.05.2013117, e antes inclusive de ser sabatinado pelo Senado
em 05.06.2013, em que o tema central das perguntas foi, exatamente o ativismo judicial118. Aps ser indicado, aprovado pelo Senado e empossado, Lus Roberto Barroso escreveria um artigo para o site Consultor
Jurdico, descrevendo o processo de sua escolha para o STF, quando estava se preparando para uma estada
acadmica na Alemanha. Exatamente naquela data do prefcio, acima referida (15.05.2013), o telefonema:
Na quarta-feira, dia 15 de maio de 2013, o voo de Braslia para o Rio de Janeiro pousara com atraso. Eu
tentava vencer o trfego rumo Faculdade Nacional de Direito, onde falaria na solenidade de entrega do
ttulo de Doutor Honoris Causa ao professor Paulo Bonavides, decano dos constitucionalistas brasileiros.
Ele prprio me convidara, para minha honra e alegria. Quando eu chegava ao velho prdio do Caco,
toca o telefone. Do outro lado da linha, o ministro da Justia, Jos Eduardo Cardozo: Professor, a
presidente gostaria de conhec-lo. O senhor pode vir at aqui para irmos ao Planalto. Expliquei que
estava no Rio, para um compromisso que era ao mesmo tempo acadmico e afetivo. No tinha como
retornar. E amanh? Expliquei que estaria em Natal, para falar na abertura de um Congresso. Melhor
cancelar, disse ele. importante. Constrangido, avisei aos organizadores do evento que no poderia
estar l por um motivo de fora maior e voltei para Braslia. Na manh de sexta-feira, dia 17 de maio, a
presidente recebeu-me em seu gabinete.119
Sua narrativa sobre ser nomeado e empossado Ministro do STF tem um ponto alto, quando menciona
que estar no Supremo quase como estar no cu sem precisar morrer 120. Uma questo a ser ressaltada,
113BARROSO, Lus Roberto. Prefcio: avano social, equilbrio institucional e legitimidade democrtica. In: CAMPOS, Carlos
Alexandre de Azevedo. Dimenses do ativismo judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 20.
114BARROSO, Lus Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposio sistemtica da doutrina e anlise crtica
da jurisprudncia. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 404.
115STRECK, Lnio Luiz. Verdade e consenso. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 327-416; STRECK, Lnio Luiz. Leis que aborrecem devem ser inquinadas de inconstitucionais! In: ______. STRECK, Lnio Luiz. Compreender direito: como o senso comum pode
nos enganar. So Paulo: RT, 2014. v. 1. p. 118.
116ARENDT, Hannah. Sobre a violncia. Trad. Andr Duarte. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2013. p. 18-20.
117 DILMA indica constitucionalista Lus Roberto Barroso para o STF. G1, 23 de maio de 2013. Disponvel em: <http://
g1.globo.com/politica/noticia/2013/05/dilma-indica-constitucionalista-luis-roberto-barroso-para-o-stf.html>. Acesso em: 17 ago.
2014.
118HIDAR, Rodrigo. Tenso entre poderes: ativismo judicial d o tom da sabatina de Barroso. Conjur, 05 de junho de 2013. Disponvel em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-05/ativismo-judicial-tom-sabatina-luis-roberto-barroso-ccj-senado>. Acesso
em: 17 ago. 2014.
119BARROSO, Lus Roberto. Retrospectiva 2013: as ruas, a opinio pblica, a constituio e o Supremo. Conjur, 26 de dezembro
de 2013. Disponvel em: <http://www.conjur.com.br/2013-dez-26/retrospectiva-2013-ruas-opiniao-publica-constituicao-supremo>. Acesso em: 17 ago. 2014.
120BARROSO, Lus Roberto. Retrospectiva 2013: as ruas, a opinio pblica, a constituio e o Supremo. Conjur, 26 de dezembro
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
das pelo constituinte ou pelo legislador113, e que existiria ativismo do bom e do ruim, e, por fim, externar
a alegao de que a experincia demonstra que os valores pessoais e a ideologia do intrprete desempenham [...] papel decisivo nas concluses a que chega114.
155
Sobre o fato de Lus Roberto Barroso dizer que estar no STF representaria quase estar no cu sem precisar morrer, mais do que representar uma autntica condio Admica do Magistrado, revela uma certa
ambio mais do que pretensiosa, que j havia sido criticada por Joo Costa Neto, mencionando que o STF
ainda no havia descoberto na Constituio o conceito de humildade constitucional. Especificamente
sobre Lus Roberto Barroso, Joo Costa Neto observou de maneira cida:
[...] defensor do assim chamado neoconstitucionalismo, afirmou, em mais de uma palestra, que os
professores de Direito Constitucional, atualmente, tornam-se especialistas em todas as matrias. No
seu caso, ele mencionou com orgulho o fato de ter atuado em processos como o da permisso de
pesquisas com clulas-tronco embrionrias e o da extradio do ex-militante da esquerda italiana Cesare
Battisti diante do STF. O novo Ministro do STF disse que: Tornei-me especialista em fertilizao in
vitro, nos anos de chumbo da Itlia e tantas outras questes. Tanto que inclu no meu carto: Jogo
bzios, prevejo o futuro e trago a pessoa amada em trs dias. Parece claro que a arrogncia de alguns
constitucionalistas impede-os de enxergar que a legislao infraconstitucional que deve solucionar a
maioria dos conflitos entre valores constitucionais, inclusive entre direitos fundamentais.122
Em sua sabatina no Senado, Lus Roberto Barroso cita inicialmente Jos Ortega y Gasset, e invoca uma
humildade que contrasta com a assertiva de Joo Costa Neto, acima referida, dizendo que se apresentaria
por inteiro, com suas vises de mundo e sobre as instituies:
Eu penso ser um direito dos senhores, do Senado e da sociedade brasileira saberem um pouco sobre a
minha trajetria pessoal, sobre a minha concepo de mundo e sobre a minha viso das instituies. E
porque um direito dos senhores um dever meu, e passo a me desincumbir dessa tarefa, mas devo
dizer, por dever meu, e passo a me desincumbir dessa tarefa, mas, devo dizer, por dever que por desejo
de me apresentar, tentando superar um pouco a inibio inicial.
Gostaria de dizer, desde logo, que me submeto ao Senado com grande humildade. Preparei-me com
muito empenho para estar aqui.
Tenho trafegado pela vida tendo em mente sempre uma advertncia de Ortega y Gasset, que dizia:
Entre o querer ser e o crer que j se vai a distncia entre o sublime e o ridculo. Portanto, estou aqui
com aplicao e humildade para submeter meu nome ao Poder Legislativo do Brasil.
Na sequncia de sua manifestao, alega que nunca aspirou efetivamente a ocupar o cargo de Ministro do
STF em razo de outros dois ministros do Supremo serem oriundos da mesma cidade que ele (Vassouras,
RJ), alegando tal questo de maneira retrica, quase como um tribuno parlamentar, e o auditrio para o qual
falara era constitudo eminentemente por Senadores.
Faz uma meno sobre sua formao escolar, dizendo de suas escolas, e posterior graduao em Direito na
UERJ, mas pula evidentemente de maneira proposital sua militncia acadmica, deixando nesse ponto de se
entregar por inteiro, e, portanto, contrariando sua alegada inteno inicial. At porque, como se observar da
leitura de excertos da Sabatina, pairar certa dvida acerca de qual partido poltico teria vinculaes ideolgicas.
que Lus Roberto Barroso, em depoimento prestado para os 70 Anos da UERJ, faz um rico relato de
sua militncia estudantil-poltico-partidria, que no tem importncia para julg-lo de maneira pejorativa ou
louvaminheira, mas apenas para contextualizar o fato de que ele no se deu por inteiro ao Senado. Segue,
de 2013. Disponvel em: <http://www.conjur.com.br/2013-dez-26/retrospectiva-2013-ruas-opiniao-publica-constituicao-supremo>. Acesso em: 17 ago. 2014.
121Embora parea uma filigrana, essa questo demonstra certa adulao, pois chamar Dilma Roussef ora de Presidente
(com e ao final), ora de Presidenta (com a ao final), especialmente em razo de toda a polmica que circunda a questo.
122COSTA NETO, Joo. Humildade constitucional: o conceito que o STF ainda no descobriu na Constituio, e o retorno
legalidade. Crtica Constitucional, 15 de julho de 2013. Disponvel em: <http://www.criticaconstitucional.com/480/>. Acesso em:
17 ago. 2014.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
embora parea filigrana, que Lus Roberto Barroso chama Dilma Rousseff de presidente (com a letra e
no final), nos dias 15 e 17 de maio de 2013 e no relato do dia 26.05.2013 , mas na sabatina perante o
Senado a chama de presidenta (com a letra a no final)121.
156
s vezes as reunies eram na casa dela, s vezes eram aqui na faculdade, s vezes eram no Petisco
e excepcionalmente, - mas isso era o pessoal que tinha um pouquinho mais de grana -, ali no Baixo
Leblon, Diagonal, Pizzaria Guanabara. E ali se reunia o pessoal ligado ao Partido, que era o nome de
guerra do PCB. Uma curiosidade do movimento estudantil que no tinha a direita, porque a direita
estava no poder.
No tinha nem direita, nem liberais! Porque a direita, os conservadores e os liberais (estes nem tanto)
estavam no poder. Ento no havia nenhuma mobilizao neste sentido. Portanto, o movimento
estudantil se dividia em diferentes segmentos de esquerda. Esta era a curiosidade. A faco menos
esquerda era a do velho Partido, dos socialistas, da esquerda democrtica - onde eu me inclua, eu
no era do Partido -, e os liberais assim mais progressistas.
E a estes grupos se segmentaram. E no grupo de resistncia - porm sem radicalismo, sem considerar
a opo de luta armada contra a ditadura -, ficamos basicamente a Rita e eu, que ramos as lideranas: o
nosso grupo se chamava Construo. E a liderana da ala mais esquerda - o grupo deles -, se chamava
Participao (que depois se uniu com outras tendncias de esquerda, como o MEP).
Alm de no se doar por inteiro ao Senado, parece necessrio observar que, durante a sabatina de
Lus Roberto Barroso, o tema Ativismo Judicial aparece 14 (quatorze) vezes de maneira explcita, e que
merecem ser retomadas.
Inicialmente a pergunta do Senador Vital do Rgo (PMDB/PB), sobre qual seria a concepo do ento
indicado Lus Roberto Barroso sobre o Ativismo Judicial, e sobre o que pensava sobre este tema em relao separao dos Poderes:
O SR. VITAL DO RGO (Bloco/PMDB PB) Prof. Lus Barroso, [...] Como compreende V. S as
questes pertinentes ao chamado ativismo judicial nos tempos atuais? Cabe aos magistrados formular
e editar regras de procedimentos gerais e abstratas decorrentes diretamente do Texto Constitucional
ou tal procedimento fere o princpio democrtico elementar da separao dos Poderes? A edio de
normas gerais por magistrados e tribunais no estaria ofendendo prerrogativas desse Poder?
O tema volta a ser questionado e salientado pelo Senador lvaro Dias (PSDB/PR), que tambm atribui
necessidade em saber de Lus Roberto Barroso, aps criticar o modelo de Sabatina dos indicados para o STF,
quais seriam os limites da criao judicial dos direitos, vinculando a pergunta ao Ativismo da indagao
anterior, e a separao de Poderes, sobre a manuteno do equilbrio entre os Poderes:
O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB PR) Presidente Anibal Diniz, Presidente Vital do Rgo, as
minhas homenagens aos colegas, as minhas homenagens ao Dr. Lus Roberto Barroso, ao Dr. Marcus
Vinicius, ao Ministro Luis Felipe Salomo, que nos honra com a sua presena. Ns no podemos
perder a oportunidade para a crtica. Parece-me que estamos banalizando este momento, um momento
que deveria ser exponencial na vida pblica brasileira, o da indicao de um Ministro para o Supremo
Tribunal Federal. Os seis meses permitiram, inclusive, campanha eleitoral. S no vimos comits
eleitorais instalados. E eu no creio que essa seja a melhor forma de se escolher um Ministro para o
Supremo Tribunal Federal.
A crtica tem que ter o sentido da construo, e o objetivo exatamente ouvir o Ministro Lus Roberto
Barroso sobre eventuais sugestes para que possamos aprimorar esse processo de escolha de Ministros
do Supremo Tribunal Federal. J tivemos lances inusitados, histrias contadas por atuais Ministros sobre
a trajetria percorrida para chegar at o Supremo Tribunal Federal, momentos nada republicanos nessa
trajetria.
Sabemos que esta sabatina uma formalidade. O Pas sabe que uma formalidade, que ela no
definidora. A deciso est tomada, e o Senado funciona, como tem funcionado quase sempre regra
geral , como a chancelaria do Poder Executivo. O Senado avaliza independentemente das qualidades
do indicado. Neste caso, no temos nenhuma dificuldade em afirmar que o indicado atende a todos os
pressupostos constitucionais bsicos e elementares para que algum possa ocupar o cargo de Ministro do
Supremo Tribunal Federal: qualificao profissional, trajetria jurdica percorrida, contedo, probidade
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
portanto, excerto da narrativa do prprio Lus Roberto Barroso em 2005 sobre suas atividades oriundas do
movimento estudantil:
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Seria bom que o futuro Ministro pudesse sugerir mudanas em relao a esse estratagema de escolha de
Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Indago a partir de uma expresso que o Ministro acaba de utilizar, definindo como momentos de tenso
no estabelecimento dos limites de atuao dos Poderes. Ai est a razo das perguntas, muitas delas, do
Senador Vital do Rgo sobre judicialismo, sobre ativismo judicial etc.
Modernamente estamos diante de alguns casos concretos poderamos citar nepotismo, fidelidade
partidria, questes ligadas ao aborto, unio homoafetiva de criao do direito subjacente em
decises judiciais. Essa foi, inclusive, a indagao do Senador Vital do Rgo. O importante saber: quais
so os limites? Como estabelecer esses limites? Quais so os limites desse poder da criao do direito
subjacente em decises judiciais?
O tema volta a ser questionado pelo Senador Ricardo Ferrao (PMDB/ES), que utiliza o twiter para
receber e repassar uma pergunta sobre o que seria Ativismo bom e Ativismo ruim, a partir de anterior
alegao de Lus Roberto Barroso:
O SR. RICARDO FERRAO (Bloco/PMDB ES) Dr. Lus Roberto Barroso, [...] Eu recebo, Sr.
Presidente, tambm aqui pelo Twitter porque ns temos uma prtica, no Senado, de uma ao
interativa, e quero crer que no apenas eu, mas outros colegas Senadores estejam tambm recebendo
indagaes , uma pergunta do Dr. Saulo Salvador, que indaga o seguinte a V. Ex, atravs da minha
interveno: O Prof. Barroso disse, por mais de uma vez, que, ante a mora do Congresso, cabe
vanguarda do Supremo Tribunal Federal promover os avanos; defendeu que existe um ativismo bom
e um ruim. O critrio para diferenciar o juzo pessoal dos ministros? No seria isso antidemocrtico?
Para V. Ex, onde est a linha que no se ultrapassa na soberania do Congresso Nacional?
Atualmente, afirma-se que o Judicirio, ao decidir certas questes, tem invadido esfera prpria de
competncia do Poder Legislativo. O tema no simples e decorre de, na falta de legislao adequada
proveniente do Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal tomar decises, que, ao ver de muitos,
inovam a ordem jurdica, o que no seria prprio. Contudo, quando a Constituio dispe num sentido
de que determinados programas e objetivos sejam cumpridos, o que supe legislao a ser implementada
pelo Congresso Nacional e este se omite a respeito, fica o Tribunal na difcil posio de ou tambm se
omitir ou dispor sobre a matria at que o Legislativo o faa.
Como dever se comportar o juiz em situaes em que no clara a distino entre os domnios do
direito e o domnio da poltica? Para ele, por fora do chamado ativismo judicial, tomar decises que
inovam a ordem jurdica e que deveriam ser da competncia do Congresso Nacional, qual o limite,
enfim, da discricionariedade do Supremo Tribunal Federal nessas situaes e circunstncias?
O Prof. Barroso, em obra publicada na revista do Direito Pblico, vol. 55, sob o ttulo Constituio,
Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Poltica no Brasil Contemporneo, afirmou que o
Judicirio no exerce vontade prpria, no deveria criar regras, no podendo, em consequncia, inventar
o Direito do nada.
A tais indagaes, em linhas gerais, respondeu Lus Roberto Barroso, da maneira como colacionado
abaixo, dando-se destaque para a utilizao frequente do termo Ativismo Judicial, e sem responder de
maneira objetiva sobre Ativismo bom e Ativismo ruim, e sendo bastante analtico sobre o ponto, ele no
respondeu de maneira alguma as questes como elas mereciam ser respondidas sobre esse tema:
O SR. LUS ROBERTO BARROSO Sr. Presidente, [...] Diante da exiguidade do tempo, vou procurar
responder com a maior objetividade possvel, mas continuarei disposio se algum quiser aprofundar
alguma questo.
Comeo pela primeira indagao do Senador Vital do Rgo a propsito do ativismo judicial e se ele fere
o princpio democrtico.
Eu fao uma distino entre judicializao e ativismo.
A judicializao no Brasil decorre de uma questo institucional. A Constituio brasileira extremamente
abrangente. Ela cuida de uma grande quantidade de matrias.
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
e todos os elementos indicativos da boa escolha. Mas veja que levamos seis meses apesar disso tudo.
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PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
Como os senhores bem intuiro, trazer uma matria para a Constituio de certa forma retir-la da
poltica e traz-la para o Direito. Na medida em que exista uma norma constitucional, existem pretenses
que podem ser veiculadas.
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PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
de Polticas Pblicas, Braslia, v. 5, Nmero Especial, 2015 p. 134-168
da divulgao daquela obra que era a sua biografia, invocando violao do seu direito de imagem e
violao do seu direito de privacidade, dois bens jurdicos, Senador, constitucionais, previstos no art.
5 da Constituio. Vem o jornalista e diz: Espere a. a minha liberdade de expresso e o direito
informao. o direito de informao do pblico, a propsito de uma personalidade pblica! Qual
o problema nessa disputa que se estabeleceu? O problema que os dois lados tm razo, os dois lados
tm argumentos constitucionais valiosos a seu favor. Evidentemente, no vou cometer a imprudncia de
dizer qual a soluo que acho correta, pelo menos no nessa contingncia agora, mas eu quero dizer
que o juiz, para produzir a soluo deste caso, no pode utilizar o mtodo tradicional de raciocnio, que
enquadrar o fato a invocao de que uma biografia no autorizada no pode em uma norma.
Por qu? Porque h quatro normas antagnicas que postulam incidncia nesse caso, de modo que o juiz
vai ter de construir argumentativamente a soluo desse problema e demonstrar por que ele acha que,
naquele caso, ele deve prestigiar a liberdade de expresso ou ele deve prestigiar o direito de privacidade.
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De modo que quem era contrrio argumentava que a Constituio fala apenas em unio estvel
entre homem e mulher. Ento, construmos um argumento. E, para dar o crdito, trabalhava comigo,
participou da discusso, teve insights muito bons, o hoje Secretrio-Geral do Conselho Federal da OAB
Presidente Marcus Vincius Cludio Pereira de Souza Neto. O argumento que construmos foi de
que o art. 226, 3 da Constituio foi inserido para proteger a mulher no casada. A unio estvel virou
uma categoria constitucional para proteger a mulher no casada, porque havia na sociedade, ainda, um
grande preconceito contra a mulher que vivia conjugalmente com um homem sem ser casada.
De modo que, com esse dispositivo, a mulher que vivia em unio estvel com um homem sem ser
casada passou a integrar o que a Constituio chama de famlia legtima, entidade familiar legtima.
Esse dispositivo foi includo para acabar com a discriminao contra a mulher. Assim, seria trair o seu
objetivo interpret-lo como um dispositivo que permite discriminar os homossexuais. Portanto, esse foi
o argumento que se criou para superar o nico obstculo normativo que havia. Acho que verdadeiro
e acredito nele.
Fora isso, acho que o princpio, para ficar em um s, na dignidade da pessoa humana. As pessoas, na
vida, tm o direito de escolher os seus projetos existenciais, de fazerem as suas valoraes morais, se
no estiverem interferindo no direito de ningum. Ento, duas pessoas maiores e capazes que
escolhem viver uma relao homoafetiva tm todo o direito de faz-lo. As pessoas tm o direito
de colocar o seu afeto onde mora o seu desejo. assim que deve ser vivida a vida.
V. Ex disse que eu no defendi o suficiente as minorias parlamentares. Todo direito constitucional
uma defesa das minorias parlamentares.
Eu s disse, e acho que uma inevitabilidade, que, ao demarcar o quanto queremos e no
queremos de judicializao, ns estaremos em alguma medida demarcando o quanto queremos
ou no de proteo s minorias parlamentares.
H uma deciso formidvel do Supremo, do Ministro Celso de Mello, depois ratificada, em que uma
determinada CPI no era constituda porque as maiorias no escolhiam os integrantes das CPIs, e o
Ministro Celso de Mello, numa deciso ousada, criativa, prpria, de proteo s minorias, disse que
a CPI um instrumento de exerccio de poder poltico pelas minorias. Portanto, a maioria no pode
frustrar a instalao de uma CPI, e ela tem de nomear as maiorias ou ter uma frmula de os integrantes.
Acho que essa foi uma deciso acertada, de proteo das minorias. Mas, repito, uma inevitabilidade.
Quanto mais se protegerem as minorias, mais vai haver interferncia do Judicirio no processo
legislativo.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB SP) Na medida em que haja maiorias
tirnicas e que afrontem a Constituio, no tem jeito.
O SR. LUS ROBERTO BARROSO Assim funciona. Estava em John Stuart Mill h mais de dois
sculos: a democracia tambm precisa se proteger contra a tirania das maiorias, V. Ex tem toda razo.
O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB RS) Se bem que, geralmente, a maioria democrtica
aquela de que ns fazemos parte; a maioria tirnica so os nossos adversrios. Essa uma
regra...
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB SP) No, no o meu caso. No
compartilho desse ponto de vista.
O SR. LUS ROBERTO BARROSO Senador Pedro Simon, isso vale para a judicializao.
Quando qualquer pessoa ou Parlamentar est de acordo, ele diz: Foi uma bela interpretao
da Constituio. E, quando ele no est de acordo, ele diz: Esto invadindo a competncia
do Legislativo.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB SP) o ativismo judicirio.
O SR. LUS ROBERTO BARROSO Perdo?
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB SP) E diz que ativismo judicirio.
O SR. LUS ROBERTO BARROSO Ativismo judicial. Assim funciona a vida. E no so os
PDUA, Thiago Aguiar. A expresso ativismo judicial, como um clich constitucional, deve ser abandonada: uma anlise crtica sobre as ideias do ministro Lus Roberto Barroso. Revista Brasileira
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Escudado atrs de um Clich, (ativismo judicial), Lus Roberto Barroso revolveu e remexeu a superfcie desse esconderijo lingustico e respondeu para que no tivesse que responder, de fato, s questes. Em
dado momento afirma que no quer amolar os Senadores com miudezas doutrinrias(!?), e em momento
seguinte reduz o tema exatamente ao seu molde original, quando estabelece, em dilogo com os Senadores
Pedro Simon e Aloysio Nunes, que ser Ativismo Judicial aquilo que resultar de uma deciso com a qual no
se concorde.
Observa-se que o discurso de Lus Roberto Barroso encantou a praticamente todos os Senadores, valendo destacar que o Senador Acio Naves o elogiou em pblico, e o Senador Pedro Simon afirmou que nunca
tinha visto um candidato como ele no Senado, diferente de todos que ele j havia visto, mesmo estando
desde 1978 no Senado. Destacou o dilogo de entendimento:
O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB RS) [...] eu apenas diria o seguinte: Sr. Ministro, eu cheguei
nesta Casa em 1978, h 37 ou 38 anos atrs. Eu no me lembro de algum que tenha chegado com tanta
simpatia, com tanto respeito e com tanta confiana como V. Ex.
interessante que uma unanimidade em todos os partidos. Se MDB, se PDT, se PT, se PSB.
Ningum analisa nem faz ideia de qual o seu partido. Quando eles falam com relao a isso, dizem que
V. Ex um constitucionalista, um jurista brilhante.
Deu para ver, nesse pequeno espao de tempo, que realmente, ao lado da imensa capacidade jurdica
que tem, V. Ex uma capacidade impressionante de dilogo, de entendimento, de formao, de co[n]
sturao de ideias. Eu, ento, diria e isso pode at ser considerado fora de momento , que V. Ex
chega ao Supremo em um bom momento.
O Senador Acio Neves por sua vez se diz sentir obrigado a mudar de postura, afirmando o acerto da
nomeao:
O SR. ACIO NEVES (Bloco/PSDB MG) Ilustre Presidente, Senador Anibal, Presidente Vital
do Rgo, carssimo Dr. Lus Roberto Barroso.
Na verdade, Dr. Lus Roberto, V. S me obriga, nesse instante, a fazer algo que no costumo fazer desta
tribuna e de nenhuma outra tribuna, at porque no tenho tido motivos para faz-lo, mas V. Ex me
obriga a dizer daqui, para todo o Brasil, que, desta vez, a Presidente Dilma acertou.
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outros; somos ns. As pessoas geralmente se sentem mais confortveis quando prevalece a sua
posio. (Sem os destaques no original).
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Observou-se, assim, que o termo ativismo judicial utilizado de inmeras maneiras distintas, mas no
devidamente problematizado, num contexto em que se discute academicamente a expresso sem que se
remonte s suas origens.
Alis, nota-se que a expresso ativismo judicial converteu-se em uma espcie de clich constitucional, destinado simplificao excessiva das questes a ela relacionadas, e, assim sendo, destinada a se tornar
um argumento que na realidade passa a ser um no argumento.
Em relao a Lus Roberto Barroso, interessante notar que esse Ministro do STF manejou com maestria o no argumento do ativismo judicial, criando uma variante que o banaliza, ao afirmar que ativismo
judicial como o colesterol: tem do bom e tem do ruim. Ou ainda, seria como um potente antibitico.
A compreenso de Lus Roberto Barroso sobre o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal
parece bastante perturbadora, no apenas porque afirma que o Judicirio exerceria papel de representao,
mas por afirmar que o Judicirio seria mais democrtico, e que os Juzes seriam mais preparados intelectualmente que os Parlamentares.
Ao ser ouvido perante o Senado, durante sua Sabatina, no entanto, Lus Roberto Barroso esqueceu-se
de dizer aos ilustres Senadores da Cmara Alta que o Judicirio seria mais preparado, deixando de afirmar
ainda sua crena na condio Admica do magistrado, que ao estar no STF seria quase como estar no cu,
s que sem precisar morrer.
Na realidade, ao estar perante o Senado, quase como que hipnotizando velhas raposas, saiu ovacionado, sem responder de verdade a uma s pergunta sobre o ativismo judicial de maneira sofisticada, densa e
profunda. Antes, escondeu-se atrs de clichs, e os clichs invocavam mais clichs, e os novos clichs criavam um novo vazio argumentativo que preencheu e pareceu ter reconfortado o ambiente.
Reduziu a separao de poderes a miudezas doutrinrias, e isso foi o bastante para que fosse aprovado
e empossado no cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi um pragmtico, no apenas da realpolitk, mas tambm da realconstitutionis, seja l o que isso queira dizer. Alis, nem preciso densificar o
argumento, pois, pelo visto basta criar um novo clich!
No, nada disso. Parece que a expresso ativismo judicial, enquanto clich constitucional, enquanto
um argumento que nem mesmo um argumento, deve ser abandonado, e devemos debater de maneira sria,
densa, detida e profunda as questes constitucionais, criticando e constrangendo epistemologicamente as
decises constitucionais e os pronunciamentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
A propsito, o Ministro Lus Roberto Barroso comeou muito mal123, e no campo das ideias deve ser
criticado, para que deixe de se esconder atrs de um clich constitucional, e se abra para a academia, de
maneira igualmente densa, detida e profunda, explicando e explicitando o que quer dizer ativismo colesterol bom e ativismo colesterol ruim, ativismo antibitico e principalmente, o que tudo isso tem a ver
com o STF ser o motor da histria, e mais do que isso, que histria essa de descumprimento cronolgico
da jurisprudncia do STF124, junto com papel representativo do STF.
123A afirmao comeou muito mal refere-se a sabatina de Lus Roberto Barroso perante o Senado. A propsito, observa-se
a alegao de Lus Roberto Barroso de que o Brasil chegou ao novo milnio atrasado e com pressa. Parece que essa mesma observao poderia ser endereada ao Ministro Lus Roberto Barroso, de que ele chegou ao STF atrasado e com pressa. Cfr. BARROSO, Lus Roberto. Democracia, desenvolvimento e dignidade humana: uma agenda para os prximos dez anos. In: CONFERNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 21., 2011, Curitiba. Anais... Curitiba: ExpoUnimed, 2011.
124Sobre este ltimo caso, a referncia a seguinte frase do Ministro Lus Roberto Barroso: SENHOR MINISTRO LUS
ROBERTO BARROSO Como eu cheguei posteriormente constituio dessa jurisprudncia, eu me sinto vontade para divergir
dela. Cfr.: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinrio. RE 230.536/SP. Relator: Min. Marco Aurlio. DJE, 6 de
agosto de 2014.
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3. Concluso
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Do que se deflui de tudo isso que a expresso ativismo judicial est aqui, ali e em todo lugar, sem
que se observe consensos mnimos de significado, vulgata vulgarizada, transformada em libi argumentativo
para se rotular uma deciso com a qual se concorde (ativismo judicial colesterol bom) ou com a qual no se
concorde (ativismo judicial colesterol ruim).
No se trata de combater a metfora. No se cuida de banir a expresso para que a coisa desaparea.
Cuida-se de um clich que se pauta pela excessiva simplificao de questes importantes e complexas, transformada em um no argumento para que se encerre um debate antes mesmo de inicia-lo. A expresso
ativismo judicial no serve mais, se que algum dia serviu, ao Direito Constitucional nacional.
So questes que precisam ser melhor explicitadas, e que poderia comear, sugestivamente pela ordem
cronolgica. Como referido no incio: alguma coisa parece estar acontecendo aqui, mas no podemos esperar a resposta de Mr. Jones, e nem um jornalista de fim de semana pode pautar eternamente as discusses
sobre temas to mais complexos e delicados.
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No se observam coerncia e consistncia nas alegaes do Ministro Lus Roberto Barroso, acima analisadas, e parece perturbador mais do que supor que esse julgador perfilhe um entendimento que tisna a
invocao do papel de Poder Moderador por parte do STF, em que as decises sero ao final das contas
decididas basicamente pelo suplemento da ideologia e das convices pessoais do Juiz.
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