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1. Introduo
O bilogo Alfred Charles Kinsey (1894-1956) elaborou um estudo entre 1938 e 1953,
envolvendo a significativa participao de 11.240 indivduos (5.300 homens e 5.940 mulheres)
resultando na publicao de dois livros: Sexual Behavior in the Human Male (Philadelphia, PA:
W.B. Saunders) em 1948 nos Estados Unidos e Inglaterra; e Sexual Behavior in the Human Female
(Philadelphia, PA: W.B Saunders) em 1953. No Brasil, s houve a publicao de A Conduta Sexual
da Mulher, em 1954, pela editora Atheneu, tendo sido reeditado em 1967. O livro Sexual Behavior
in the Human Male no ter traduo e edio brasileira. Para esta pesquisa2 utilizou-se uma verso
fotocopiada, em espanhol, Conducta Sexual del Varon, publicada pela Editorial Interamericana, no
Mxico, em 1949. Contudo apesar destas variaes nas tradues, no passam despercebidos, os
ttulos originais em traduo literal serem O Comportamento Sexual do Macho Humano e O
comportamento Sexual da Fmea Humana.
Kinsey, antes de dedicar-se sexualidade, era professor de Zoologia, sendo especialista em
vespas na rea da entomologia (estudo dos insetos). Formou-se em Biologia em Harvard, em 1919.
Em 1938 foi convidado pela Universidade de Indiana, onde lecionava, para coordenar um curso
sobre casamento e aspectos biolgicos da sexualidade. Alm de ter encontrado pouca bibliografia
em comportamento sexual humano, considerou precrios os materiais disponveis, com pouca
validade cientfica e baseados mais em especulao do que na objetividade dos fatos e na
averiguao estatstica. Comeou, ento, a coletar histrias sexuais, chegando a atingir para a
publicao dos dois livros, aps 15 anos de estudos (1938 a 1953), a extraordinria cifra de 16.392
pessoas3, sendo 8.603 homens e 7.789 mulheres. Em 1947, um ano antes da publicao do relatrio
masculino, Kinsey fundou o Kinsey Institute for Research in Sex, Gender and Reproduction,
existente at hoje.
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Muito embora os relatrios sejam tributados a Kinsey, a pesquisa teve a co-autoria de mais trs colaboradores:
Wardell Baxter Pomeroy (1913-2001), psiclogo da priso do Estado de Indiana, Clyde E. Martin (1918-1989),
estatstico da Universidade de Indiana e Paul H. Gebhard (1917- ) antroplogo da Universidade de Harvard (ausente no
relatrio masculino).
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Kinsey descreve, em linhas gerais, o mtodo taxionmico, como a medio, descrio e classificao das variaes em
sries ou categorias de indivduos considerados como representativos de uma espcie (KINSEY et all, 1949, p.16-20).
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Esta passagem talvez sintetize a inteno principal de Kinsey: mesmo no sendo da rea
clnica, esperava com sua ampla descrio das variaes dos comportamentos sexuais dos norteamericanos pudesse informar que o que os indivduos consideravam conduta anormal no era to
anormal quanto o indivduo supunha. Como conseqncia, os clnicos (psiquiatras, psicoanalistas e
psiclogos) deveriam levar em conta at que ponto seus interesses em modificar o comportamento
individual no significariam modificar o comportamento de todo um grupo.
3. A Conduta Sexual da Mulher (1953)
O segundo relatrio Kinsey, Sexual Behavior in the Human Female, A Conduta Sexual da
Mulher, foi publicado cinco anos aps o relatrio masculino. A obra est dividida em trs partes e
19 captulos abordando tipos de atividades sexuais, tais como masturbao, relaes pr-conjugais,
conjugais, extraconjugais, homossexuais e com animais, entre outras.
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Na parte I de seu relatrio, Kinsey e seus colaboradores expem em 114 pginas, o objetivo
do estudo, as bases e as anlises estatsticas de seu trabalho, as fontes dos dados e validade dos
dados, repetindo as preocupaes contidas no relatrio masculino. Com relao ao objetivo
cientfico de aumentar o conhecimento na rea da sexualidade, est mais uma vez caracterizado o
interesse em estudar os parmetros de normalidade social.
[...] vimos, recentemente, distines mal estabelecidas entre o que normal e o que anormal conduzirem a
formulaes de leis de psicopatologia sexual que no so reais, no podem ser impostas e so incapazes de
fornecer a proteo que a organizao social foi levada a crer que elas pudessem fornecer. No pode haver
prtica mdica sadia ou bom planejamento de leis sexuais antes de compreendermos mais adequadamente as
origens do comportamento sexual humano. [...] (KINSEY et all, 1954:05). (grifos meus)
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Apresentamos a seguir algumas das principais concluses dos relatrios Kinsey, sem
enveredarmos em interpretaes ou opinies sobre os percentuais frequenciais. No sentido de
correlacionar os resultados, forneceremos, em forma comparativa, os percentuais masculinos e
femininos. Importante destacar que as tabelas e os quadros apresentam uma diviso etria em
intervalos de 5 anos, iniciados em sua maioria na idade de 15 anos, a partir da qual as faixas etrias
formam sequenciais agrupadas.
Sexo antes do casamento
- Homens: 67% a 98% - disseram ter praticado sexo antes do casamento
- Mulheres: 50% - relataram ter praticado sexo antes do casamento
Sexo extramarital
- Homens: 50 % - disseram ter praticado sexo fora do casamento
- Mulheres: 26% - relataram ter praticado sexo extramarital
Masturbao
- Homens: 92 % - disseram que se masturbaram
- Mulheres: 62% - disseram que se masturbaram
45% - com a masturbao alcanaram o orgasmo em 3 min.
Sexo oral
- Homens: 10,0 % praticaram cunnilingus antes do matrimnio
48,9 % praticaram cunnilingus no matrimnio
- Mulheres: 19,1 % praticaram fellatio antes do matrimnio
45,5 % praticaram fellatio aps matrimnio
Homossexualidade
- Homens: 37 % relataram ter tido alguma experincia homossexual
10 % entre 16 e 55 anos so predominantemente homossexual.
- Mulheres: 13 % relataram ter experincias homossexuais
Alm destes resultados estatsticos, a equipe de Kinsey diz que, quando a resposta masculina
est no auge, entre 13 e 19 anos, a maioria das mulheres est em sua menor resposta e quando as
mulheres esto no auge, entre 30 e 40 anos, o homem est em declnio acentuado; acrescenta-se a
isto o fato de as prticas de excitao no serem necessariamente as mesmas entre homens e
mulheres. Em relao s mulheres, Kinsey categrico: afirma ser uma impossibilidade fsica e
fisiolgica, para quase todas as mulheres, a tese psicanaltica de ser o estmulo e o orgasmo vaginal,
fontes naturais e nicas de satisfao de uma mulher psiquicamente madura.
Uma elaborao de Kinsey e seus colaboradores, discutida nos dois relatrios e muito
explorada para reflexes sobre a polaridade hetero/homo, a escala de avaliao heterossexualhomossexual, escala H-H6, composta a partir do comportamento, reaes e fantasias, com variaes
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Grau 0: exclusivamente heterossexual; grau 1: predominantemente heterossexual, mas com experincias homossexuais
espordicas, quer de atos, emoes ou fantasias; Grau 2: predominantemente heterossexual, mas com considervel
atividade homossexual; Grau 3: atividades homossexuais e heterossexuais mais ou menos equivalentes em freqncia;
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de 0 6. Esta escala, formulada atravs de dados estatsticos, mesmo que aberta inmeras
anlises, interpretada como um continuum, zona de indefinio, flexibilizao da oposio homohetero, etc., diagramaticamente apresentada como classificatria, mantendo portanto um esquema
enquadrador, que Kinsey at procura, mas no consegue se desvencilhar totalmente, em meu
entendimento.
5. Consideraes de encerramento
Intencionalmente deixamos para o encerramento deste artigo, os liames tericos. Ancoramos
nossa anlise nos escritos de Michel Foucault, partindo de suas elaboraes presentes em Histria
da Sexualidade I. A vontade de saber, e sua crtica ao modo como a sociedade ocidental crist situa
a sexualidade na configurao de uma scientia sexualis (cincia sexual) desenvolvida para dizer
uma verdade no sexo, verdade entendida como construtora de normatividades (pelas formas de
saber) e normalidades (foras de poder), ou seja, em processos de normatizaes e de
normalizaes. Foram fundamentais tambm entre outras, as reflexes contidas em Foucault
(1995,1999): A Arqueologia da Saber e em As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das cincias
humanas.
Os relatrios Kinsey (assim como os relatrios Masters&Johnson e relatrios Hite) se
inserem na mesma lgica quantificadora que se instalou nos vrios campos do conhecimento do
sculo XX ou, numa terminologia foucaultiana, fazem parte de uma mesma configurao do saber,
uma epistm, que ainda mantm uma Mathsis, uma ordem e uma matemtica confirmatria do
conhecimento produzido (Foucault, 1999). Apesar de considerar a matemtica uma cincia nica, o
alerta de Foucault para o risco de homogeneizar todas as formas de historicidade, alm de
estabelecer limites rgidos e fixos:
A matemtica foi seguramente modelo para a maioria dos discursos cientficos em seu esforo de alcanar o
rigor formal e a demonstratividade; mas, para o historiador que interroga o devir efetivo das cincias, ela um
mau exemplo um exemplo que no se poderia, de forma alguma, generalizar. (FOUCAULT,1995:214).
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So Paulo:
HITE, Shere. O Relatrio Hite: Um profundo estudo sobre a sexualidade feminina. So Paulo:
Difel, 1979. (4 edio).
_____, Shere. O Relatrio Hite sobre a sexualidade masculina. So Paulo: Difel, 1982.
KINSEY, Alfred; POMEROY, Wardell & MARTIN, Clyde. Conducta sexual del Varn. Mxico:
Editorial Interamericana,1949.
_______, Alfred; POMEROY, Wardell; MARTIN, Clyde; GEBHARD, Paul. A Conduta
sexual da mulher. Rio de Janeiro: Atheneu, 1954.
MASTERS, William & JOHNSON, Virginia. A Incompetncia Sexual: suas causas seu tratamento.
2 ed.Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1976.
_________, William & JOHNSON,Virginia. A Conduta Sexual Humana. So Paulo. 4 ed.
Civilizao Brasileira, 1981.
SENA, Tito. Os relatrios Kinsey, Masters & Johnson, Hite: As sexualidades estatsticas em uma
perspectiva das cincias humanas. Tese de Doutorado. Florianpolis: UFSC, 2007.
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