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NOTAS PARA A
HISTRIA DO CEAR
Mesa Diretora
Binio 2003/2004
Suplentes de Secretrio
Senador Joo Alberto Souza
Conselho Editorial
Senador Jos Sarney
Presidente
Conselheiros
Carlos Henrique Cardim
Joo Almino
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
NOTAS PARA A
HISTRIA DO CEAR
Guilherme Studart
Braslia 2004
EDIES DO
SENADO FEDERAL
Vol. 29
O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em
31 de janeiro de 1997, buscar editar, sempre, obras de valor histrico
e cultural e de importncia relevante para a compreenso da histria poltica,
econmica e social do Brasil e reflexo sobre os destinos do pas.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Studart, Guilherme, 1856-1938.
Notas para a histria do Cear / Guilherme
Studart. -- Braslia : Senado Federal, Conselho
Editorial, 2004.
504 p. -- (Edies do Senado Federal ; v. 29)
1. Cear, histria. I. Ttulo. II. Srie.
CDD 981.31
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Sumrio
A HISTRIA DA CEAR NAS PGINAS DO BARO
DUAS PALAVRAS
pg. 17
CAPTULO I
CAPTULO IV
Extino da Ordem de Jesus. Um indito do Padre Loureno Kaulen. Bernardo C. da Gama Casco. O dirio do piloto
Manuel Rodrigues. Os hospcios de Viosa e Aquiraz. Elevao das aldeias dos ndios a vilas. Juzes e camaristas das
vilas novamente eretas. Os jesutas Joo Guedes, Manuel
Batista e Rogrio Cansio. Morte de Homem de Magalhes.
pg. 173
CAPTULO V
Governo de Azevedo de Montaury. Suas lutas com os Ouvidores Andr Ferreira e Avelar de Barbedo. Reformas propostas
ou efetuadas pelo Governador. Invases do Rio Grande do
Norte em terras do Cear. Perseguies movidas contra
pessoas importantes da Capitania. Francisco Bento Maria
Targine. Governo interino.
pg. 335
CAPTULO VIII
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Guilherme Studart
perscrutando o passado, numa sistemtica que no deixou de ter a influncia do pensamento positivista.
Estudioso pertinaz e arquivista laborioso, Studart tornou-se
um dos mais conhecidos e respeitados nomes da historiografia cearense.
Deixou cerca de 150 trabalhos sobre histria e geografia, a maioria deles
focados no Cear, de cujos costumes era profundo conhecedor, pois sempre
alimentou grande curiosidade por seus conterrneos e contemporneos.
Em 1892, quando publicou suas Notas para a Histria
do Cear Segunda Metade do Sculo XVIII, a organizao de
documentos j havia ganho imensa importncia na construo do mtodo
histrico dos nossos pesquisadores.
Por muitos considerado o sculo da Histria, o perodo de
cem anos, que comea em 1800, marca o pensamento e o discurso historiogrfico brasileiro no que se refere construo de critrios cientficos, com
uma busca dos cnones apropriados de verificao.
dessa poca o aparecimento de sociedades de estudos especializados, a exemplo do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, fundado em 1838 sob inspirao do Institut Historique de Paris, criado quatro anos antes. Essas entidades, que congregavam a elite intelectual do
pas, eram largamente influenciadas por idias francesas e alems fundamentadas em Comte, Taine, Buckle e Agassiz.
A cuidadosa edio de Notas Para a Histria do Cear,
organizada pelo Conselho Editorial do Senado Federal, um presente
para os pesquisadores e um passo alm na preservao da memria bibliogrfica cearense. Mesmo que evitemos certa tendncia positivista de fetichizar o documento, continuamos reconhecendo a sua importncia na
construo do saber histrico.
O livro de Studart recorre a diversas fontes e transcreve textos
originais referentes criao de vilas e freguesias, devassas instauradas
contra oficiais e intendentes e notas de ouvidores do sculo XVIII. H
tambm documentos sobre a Seca Grande de 1777-1779, as epidemias
que ocorreram no Norte do Brasil e a separao entre Cear e Pernambuco. Uso aqui a grafia corrente no fim do sculo XIX para transcrever trecho do captulo IV, em que Studart aborda a perseguio da
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Guilherme Studart
NOTAS
PARA
A HISTRIA DO CEAR
(SEGUNDA METADE DO SCULO XVIII)
PELO
LISBOA
TIPOGRAFIA DO RECREIO
109 Rua da Barroca 109
1892
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Duas Palavras
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Guilherme Studart
AO INSTITUTO DO CEAR
________
AO INSTITUTO HISTRICO,
GEOGRFICO E ETNOGRFICO BRASILEIRO
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Captulo I
GOVERNO DE QUARESMA DOURADO. OUVIDORIA DE
PROENA LEMOS. JERNIMO DE PAZ. MINAS DE S. JOS DOS
CARIRIS. LVARES DE MATOS.
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nos campos obscuros da crnica vereda a mais competentes caminhadores e de ter colaborado uma vez mais para o esclarecimento de pontos ignorados do passado da terra, que estremeo.
Governava a capitania de Pernambuco como seu tenente-general Lus Jos Correia de S quando ao Recife foi ter um moo de
nome Jos Honrio de Valadares Abuim.
Ali chegado, impetrou ele por intermdio do Desembargador Manuel da Fonseca Brando, uma conferncia ao tenente-general
e contou-lhe que numa de suas viagens tendo de atravessar os Cariris-Novos, distrito do Cear, l verificara a existncia de abundantes
minas de ouro e que assistira at a extrao do precioso metal de alguns lugares, o riacho do Jenipapeiro por exemplo; acrescentava que
nos Cariris fazia-se toda diligncia para que semelhante notcia no
transpusesse os limites da Capitania e menos chegasse aos ouvidos
dele governador.
De tais circunstncias e minuciosidades cercou Honrio Valadares suas informaes, com tais cores desenhou o quadro da riqueza a
aproveitar nos lugares por onde transitara, que ficou desde logo resolvida
a expedio para o local designado de um pequeno destacamento sob o
comando de militares briosos e inteligentes.
Tamanha foi a impresso feita no esprito do tenente-general
que desejando no perder instante que pudesse aproveitar nas utilidades da Real Fazenda e to bem na convenincia dos povos a que sua
Majestade generosa e benignamente atende teria ele dado logo as minas a manifesto e repartido as terras por diversos exploradores se no
fosse disto tolhido por uma Ordem de D. Joo V endereada ao Conde
de Sabugosa em data de 27 de maro de 1730 na qual se probe o estabelecimento de minas, que estejam distantes das Gerais, sem prvio beneplcito do Rei.
Essas licenas, porm, no demoravam-se muito em vir de
Lisboa, Portugal, que mandara arrancar no Brasil as plantas forragneas
e as rvores frutferas que pudessem fazer competncia s similares do
Oriente, quando seus amores voltavam-se de todo para suas colnias
daquela parte do globo, h muito mudara de ttica e tinha os olhos fitos
na terra americana, de cujas entranhas jorrava o metal, que lhe recheava
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as arcas, realizando seus sonhos de grandeza e facilitando-lhe mil aventuras e extravagantes desperdcios.
Cegam-no os descobrimentos de Roberto Dias nos sertes
baianos; deslumbram-o as minas de Belchior Morea em Sergipe e vai a
pesquis-la Dom Lus de Sousa em setembro de 1619; no mesmo ano
Salvador Correia de S e seu filho Martim de S so incumbidos das minas de S. Paulo; no descansa um prncipe regente enquanto no encarrega em 1674 ao Padre Antnio Raposo de ir ver o paradeiro do cabo
da tropa e gente que saindo da vila de S. Paulo, foram ter s cabeceiras
do Gro-Par e rio dos Tocantins, e cuja demora por aqueles stios dava
lugar suspeita de que haviam encontrado algum mineral de ouro ou outros
metais e drogas; as minas do distrito dos Ics preocupam o esprito de
Duarte de Vasconcelos, Plcido de Azevedo e Marqus de Montebelo;
at mesmo o documento mais antigo, que conheo sobre a histria do
Cear (1614) e Regimento dado a Jernimo de Albuquerque por Gaspar
de Sousa para a Conquista do Maranho, no esquece os minerais da
serra da Buapava.1
Por toda parte e em todo tempo a ambio do ouro, a azfama por enriquecer o Errio!
Por esses tempos mesmo, em 1750, abolido o mtodo com
que era cobrado o quinto do ouro em Minas Gerais, tinham sido criadas
2 intendncias, uma para Bahia e outra para o Rio de Janeiro e para este
foi nomeado o Bacharel Joo Alves Simes com a merc da beca por
Carta de 10 de dezembro.
No entretanto 3 dias depois da audincia concedida a Jos
Honrio chegava ao tenente-general Correia de S um prprio com a
carta de Domingos lvares de Matos, coronel da Ribeira dos Cariris,
contendo notcias mais amplas sobre os descobrimentos e acompanhada de uma relao de nove riachos, onde era encontrado o metal, e das
competentes amostras; decorridos poucos dias chegava-lhe igualmente
uma carta do capito-mor do Ic, Bento da Silva de Oliveira, confirmando o importante boato, que j ento fazia o assunto das conversa1
Ver ele Capp.am se pode alcanar notcia certa das cousas da serra da Buapava, onde
se diz que h minerais, e de quaisquer outros que houver daquelas partes encarregando aos ndios que lhe traro algumas pedras e mostras. (Cap. 24 do Regimento.)
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de Sobral, filha B. de Joo Feij de Freitas, irmo de Pedro Vilela Cid, pai
do chantre Manuel de Freitas Barros, e de D. Maria de Sobral, viva de
Gabriel Gonalves, Capito Cabo da Fortaleza de Nazar, a qual era filha
de Baltasar Ramos e de sua mulher Beatriz da Costa, neta por via paterna
de Gaspar Vaz e de Maria de Sobral, que se dizia ser irm do bispo
dAngola e por via materna neta do L.do Duarte de Figueiredo, cirurgio,
natural de Lisboa, na freguesia de S. Nicolau, o qual era filho de Gregrio
de Figueiredo, que foi boticrio da Senhora Infanta D. Maria e do Mosteiro da Luz, e de sua mulher Catarina de Sena, natural do Cabo.
Deste matrimnio nasceram Jos Mendes, Maria de Sobral,
Manuel de Paz que morreram todos meninos, e Jernimo de Paz.
Outros apontamentos biogrficos a ajuntar.
Mendes de Paz viveu sete anos no Rio de S. Francisco ocupado por ordem do governador Duarte Sodr Pereira na cobrana do Real
Donativo e tinha em 1768 o posto de tenente-coronel segundo li em
carta de Borges da Fonseca a Joo Pereira Caldas, Governador do Piau.
A carta tem a data de 20 de junho daquele ano. O Donativo a que me
refiro foi o oferecido para os casamentos reais.
Na poca determinada, que foi o dia 17 de maio, embarcou
Jernimo de Paz com 30 soldados infantes com destino ao Aracati, donde partindo chegou aps penosa viagem s minas de S. Jos, seu objetivo.
Posteriormente seguiram o tenente Pugas e mais alguns soldados.
Acompanhou-o Jos Honrio como v-se dos atestados, que
ele ajuntou a uma petio para Lisboa a propsito de um emprego, que
pretendia.
Esses atestados foram conhecidos no decurso desta narrativa
na ocasio competente.
Ali encontrou a expedio a Lus Quaresma Dourado e Alexandre de Proena Lemos, o primeiro capito-mor e governador e o segundo
Ouvidor do Cear, aos quais tambm a fama do descobrimento havia
atrado e obrigado a irem verificar de visu a existncia e a importncia do
apregoado tesouro.
Lus Quaresma sucedera a Pedro de Morais Magalhes, e sua
patente de nomeao traz a data de 21 de janeiro de 1751; o outro subs-
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o na Capitania e ele se retirasse para o Recife com a tropa sob seu comando.
E curioso que seja o Senador Pompeu, esprito lcido e entendido em cousas nossas, quem insira em obra sua por boas essas notcias, preciosas como se diz ao iniciar-se nos Apontamentos o captulo minerao!
Leiamos, porm, o prprio Theberge pg. 170 da 2 parte de
seu Esboo Histrico, no cap. X, sob o ttulo Minerao no Cear:
A 19 de dezembro de 1771, escreve ele, um Capito-mor
Governador da Capitania da Paraba, informado de que nos Cariris Novos, sertes do Ic, existiam minas de ouro, mandou examinar o caso e
alcanou comprar algumas oitavas de p, que mandou como amostra
corte de Portugal, dando-lhe parte da descoberta destas novas minas.
A 18 de abril de 1712 escreveu el-Rei ao Capito-mor do
Cear comunicando-lhe o aviso que recebera no ano antecedente de ser
o ouro das minas do Cariri de excelente qualidade, e as minas de esperana de serem muito produtivas e rendosas, e o receio que tinha de serem as ditas minas invlidas por inimigos exteriores, em razo da pouca
defenso das costas, cujas praias abertas se podem prestar a um desembarque; por isto pede-lhe informaes circunstanciadas sobre estas minas, sua distncia da praia, se h portos prximos que se prestem a um
desembarque, se h caminhos praticveis que conduzam a elas; se h
gua, se o terreno montuoso ou plano; se ou no de fcil defenso;
se se pode impedir a entrada nele; se fcil a fabricao de uma estrada
para elas; e se h probabilidade de seu rendimento ser considervel.
Ignoro o que respondeu o Capito-mor; mas deve-se supor que a informao foi pouco favorvel, visto que decorreu tanto tempo antes de serem exploradas, salvo se esta demora foi ocasionada pelos grandes e
prolongados distrbios, que se deram nos princpios do sculo XVIII
por toda a Capitania, na ocasio da transferncia da vila para a Fortaleza, e nas guerras de Montes com Feitosas e de Ferros com Aos. A mesma guerra dos mascastes em Pernambuco e outras circunstncias fizeram esquecer por tal forma as tais minas que no se tratou mais delas
seno depois de novas informaes idas daqui para a corte em ocasio
que ela se achava muito preocupada com a descoberta de minas.
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uso de piquetes de tropas em todas as estradas e o governo tomou providncias inumerveis para obstar aquela subtrao criminosa impondo
pena severa aos contraventores, e aos capites de navios que levassem
ouro em p a seu bordo, mas tudo foi baldado, ou porque as minas realmente rendiam pouco, ou porque se no pagava o imposto: o quinto
portanto no rendia nada.
A corte e o governo de Pernambuco desgostaram-se deste
resultado e em conseqncia disto apareceu a 7 de setembro de 1758
uma Ordem Rgia suprimindo as minas do Cariri e proibindo sob penas
graves que se continuassem ali os trabalhos de minerao.
Por Carta Rgia de 25 do mesmo ms e ano foram abolidas
no somente as minas do Cariri como todas as mais existentes nesta
Capitania, a pretexto de serem prejudiciais ao Errio pblico, e aos particulares, que nelas se empregavam; e para prevenir o extravio do ouro
em todo o Brasil, a corte de Lisboa proibiu em novembro de 1767 a
profisso de ourives na sua descoberta da Amrica, com a cominao de
serem-lhes tomados todos os utenslios da sua arte, se continuassem a
trabalhar, a fim, dizia a ordem, de prevenir o extravio do ouro e da prata
do fisco.
O governo do Cear tinha mandado levantar quartos na povoao da Misso Velha, tanto para o aquartelamento das tropas como
para a residncia dos empregados das minas; e como as tropas se retirassem para Pernambuco com seu comandante, que deixou boas recordaes em toda a Capitania, o Ouvidor Vitorino Soares Barbosa, por
portaria de 18 de junho de 1769, encarregou a Alexandre Correia Arnaud
de tomar conta desses alojamentos, para servio das antigas minas dos
Cariris Novos.
A fica transcrito tudo o que a respeito escreveram J. Brgido e
Theberge, autor, repito, a quem se tm socorrido os que ho procurado
estudar o assunto.
A algum parecer longa a transcrio, mas -me preciso colocar sob os olhos do leitor aquelas pginas dos apontamentos e do
Esboo Histrico visto como estou a impugnar muitas de suas asseres e
ao iniciar este captulo da crnica do Cear aventurei a proposio de
que pequeno e assim mesmo eivado de inexatides foi o legado daqueles estudiosos, que precederam atual gerao de investigadores.
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Vejamos primeiro, embora rapidamente, os pontos em que discordam Theberge, que diz haver colhido suas informaes nos arquivos
do Ic, e Brgido, que confessa haver obtido do mesmo Theberge as preciosas notcias com que elaborou o artigo Minerao dos Apontamentos.
Em Brgido, a data 18 de abril de 1712 aquela em que o capito-mor da Paraba comunica ao tenente-general e governador de Pernambuco a existncia de jazidas de ouro no Cariri; em Theberge a data
em que o rei de Portugal noticia ao capito-mor do Cear haver sido
avisado da existncia de minas nos Cariris por carta de 19 de dezembro
de 1771 do capito-mor da Paraba, pede-lhe esclarecimentos e ministra-lhe instrues acerca das ditas minas; em Brgido o governador de
Pernambuco quem comunica a existncia das minas ao capito-mor do
Cear, Lus Quaresma Dourado, e ordena-lhe que siga em pessoa at
Misso Velha a fim de verificar a veracidade dos boatos, em conseqncia do que o mencionado Quaresma e o ouvidor Vitorino Soares Barbosa
partiram de Fortaleza em demanda do Cariri; em Theberge so a corte
de Lisboa e o governador de Pernambuco que expedem ordens, aquela
diretamente ao ouvidor Alexandre Proena Lemos, nomeado diretor e administrador das minas, e o governador ao capito-mor Quaresma
para que acompanhe ao ouvidor na explorao; Brgido diz que em
novembro de 1758 chegou ao Ic uma Ordem Rgia suprimindo as minas
do Cariri e desde ento ficaram os mineiros inibidos de fazer escavaes; em Theberge essa Ordem Rgia foi expedida em 7 de setembro,
sendo secundada por uma outra em data de 25 do mesmo ms; Brgido escreve que o povoado de Misso Velha foi escolhido para o lugar da residncia do ouvidor e mais autoridades incumbidas da cobrana do
quinto e para sua arrrecadao se estabeleceu a uma oficina e casa de inspeo;
Theberge diz que o governo do Cear mandou levantar quartos na povoao de Misso Velha tanto para o aquartelamento das tropas como para
residncia dos empregados; em Brgido a comisso dada pelo ouvidor a Alexandre Correia Arnaud de 10 e em Theberge de 18 de junho de
1769.
Consideremos agora onde combinam os dois. Um e outro
afirmam acordes que a ida de Lus Quaresma Dourado aos sertes da
Capitania foi devida a ordens superiores, que Quaresma e o Ouvidor
puseram-se a caminho em julho de 1752, que em virtude dos resultados
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das exploraes empreendidas pelos dois no corresponderem expectativa, voltou Quaresma Fortaleza e ficou o ouvidor em Misso Velha
(por longo tempo diz Theberge, cerca de um ano diz Brgido) a fim de
realizar a cobrana dos quintos reais, finalmente que, porquanto no se
fazia rendosa Fazenda Real a explorao direta das minas, requereu o
governador para Pernambuco que fosse permitido a qualquer pessoa
entregar-se aos trabalhos de minerao. Tambm a ordem para supresso do ofcio de ourives no Brasil foi expedida segundo um e outro em
1767.
Documentos, que possuo, provaro estarem muitas datas e
no poucos fatos adulterados, atropelados nos escritos de Theberge e
Brgido. Do ltimo ento pode-se afirmar, sem receio da pecha de exagerado ou injusto, que mal se aproveitar para a verdade histrica a
quarta parte do que ele h publicado.
Desejo, porm, deixar resolvido desde logo um ponto e que
a ida de Lus Quaresma Dourado s minas dos Cariris foi espontnea,
avanarei mais, longe de ser aconselhada, mereceu acres censuras de seu
superior hierrquico.
Leia-se a carta, que Correia de S escreveu a Diogo de Mendona Corte-Real em data de 17 de fevereiro de 1753.
O final dela esparge a mxima luz a respeito: Na carta do
Capito Jernimo Mendes de Paz ver V. Ex confirmada a razo da
queixa, que lhe fiz na frota do provimento de Lus Quaresma Dourado
em Capito-Mor do Cear, e em outros semelhantes, dos quais ho de
resultar sempre desordens se no se pedirem informaes aos governadores respectivos da capacidade daqueles opositores, que na corte so
desconhecidos. Com a notcia de que o dito Capito-Mor do Cear estava
nos Cariris perturbando com desacertos o que eu tinha ordenado com
ponderao, lhe escrevi uma carta estranhando-lhe no s este procedimento mas tambm ter largado a fortaleza do Cear, pondo-se na distncia de duzentas lguas pouco mais ou menos, deixando um lugar
aonde a sua assistncia podia ser a cada passo precisa para ir aonde no
era necessria.
Conta-me que se retirou para a Fortaleza, mas certo que
haveria nos Cariris desordens muito prejudiciais ao servio de Sua
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e seus superiores hierrquicos; nada disso explica as perseguies exercidas contra Alves de Matos, o descobridor das minas, o qual muito menos ambicioso do que Roberio Dias contentou-se com a guardamoria
delas, funo em que encontro-o figurando segundo documentos que
tm a data de 1754.
Um fato, uma circunstncia h ainda que presta-se a fornecer
elementos crena de que Quaresma curava de enriquecer com a explorao de minas ao mesmo tempo que administrava a capitania e portanto
ser-lhe-ia desagradvel a vinda do sargento-mor ao Cear, e essa circunstncia pedir ele autorizao ao governo da metrpole para explorar em proveito prprio minas de prata na serra de Maranguape e outros
lugares, como tudo v-se de sua correspondncia e confirma-o uma resposta de Lisboa em data de 14 de dezembro declarando-lhe que pela
Resoluo Rgia de 24 de outubro de 1752 era livre a explorao de minas de prata nos domnios da Amrica.
Demais, a oposio do ouvidor, longe de manter-se numa
altura digna do seu posto, baixava a recorrer a expedientes, cuja seriedade discutvel, e de que ter o leitor mais de um exemplo no curso da
presente narrativa.
A misso, portanto, de Jernimo de Paz no era das mais fceis: a terra, que ele vinha a explorar, ora se afigurava um pas embaraado com
montes, outeiros, riachos, pntanos e matas, ora saturado de chuvas, que deixava os
rios e crregos impossveis de transpor: s vezes o terreno se lhe revelava rido
de todo, sem guas a ponto dos mineiros transportarem de grandes distncias at os riachos as areias em que buscavam as folhetas e os gros
de ouro e serem forados a suspender de todo os trabalhos por carncia
absoluta de guas; outras vezes chuvas torrenciais impediam o avanar-se na explorao, tornando infrutferos ou perigosos os esforos
empregados; faltavam mineiros, e dos homens, que trouxera a expedio,
e que eram poucos, poucos conheciam o Cear; o ouvidor, finalmente,
deixava a todos os expedicionrios sem pagamento de soldos, obrigando
assim os mais obedientes a pedirem licena para retirar-se a Pernambuco
e os mais insofridos ou menos disciplinados a desertarem do servio,
internando-se e fugindo.
E que soldos, santo Deus!
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esto em suas casas e aqueles fora de suas praas e faltos de todo o necessrio. Espero que Vossa Merc ponha todo o cuidado nesta providncia e com a brevidade possvel me d parte de tudo o que pertence a
esta matria para que eu tome sobre ela a resoluo, que julgar mais
conveniente a pronta satisfao daquele destacamento, o qual como acima digo se h de conservar precisamente nos Cariris at que Sua Majestade me ordene que o mande retirar.
Ao mesmo tempo em que Correia de S fazia sentir ao ouvidor a injustia de seu procedimento e os riscos que havia de ficar comprometida a ordem pblica e frustrada a empresa das minas dos Cariris,
dirigia-se tambm ao ministro Mendona Corte-Real fazendo-lhe em 10
de maio vivas reclamaes sobre os soldos do destacamento ali estacionado, os quais haviam sido pagos pontualmente apenas no primeiro
ano, resultando dessa falta grave prejuzo a aquele estabelecimento.
curiosa a maneira como o tenente-general refuta o pretexto
dado pelo ouvidor para no fazer com regularidade os pagamentos,
cousa alis, muito praticvel desde que eram maiores que as despesas os
rendimentos da Fazenda Real da capitania e portanto poderiam ficar
nela as sobras, que de outra sorte tinham de ser remetidas para Pernambuco.
Diz ele assim entre outras consideraes:
Tm sido muitas e muito encarecidas as recomendaes que
tenho feito ao Ouvidor para a pontual assistncia deste pagamento; desculpasse com a dificuldade das cobranas e pertende observar a mxima
de no executar os devedores da Fazenda Real porque diz que S. Majestade no quer perder os seus vassalos; esta opinio lhe tenho contrariado dizendo que isto s se podia entender em termos hbeis, mas no
nas circunstncias presentes, porque ainda no caso que se perdessem
aqueles que se executasse era menos mau perderem-se, pagando, os que
deviam a el-Rei do que ausentarem-se, padecendo, aqueles a quem el-Rei
devia.
Cresciam para o Sargento-mor as dificuldades tambm porque lhe era preciso desfazer as pssimas impresses, que a respeito das
minas fizera sobre os habitantes a propaganda desenvolvida pelos adversrios, impresso to desastrosa que a 2 de julho de 1753 ningum de
fora havia querido ir para elas apesar dos conselhos e admoestaes, to
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Como o primeiro malogrando-se o novo ardil do ouvidor, operou-se-lhe ento nos modos e na linguagem completa transformao.
O descrente parecia convertido em crente.
Era que o empregado do governo, manhoso e por no contar
com o tenente-general, buscava uma porta por onde sasse airosamente
quando a Pernambuco chegassem as informaes sobre seu procedimento e o governo quisesse tomar-lhe contas.
Ei-lo ento a mandar afixar editais prometendo dar ndios das
Aldeias a quem no tivesse escravos para minerar e a dizer a quantos
apareciam que viessem trabalhar nas minas e tirar datas que ele as daria
de graa; ei-lo at a escolher para si datas de terra e a explor-las, armando-se de rodas e de alcatruzes para conduzir por bicas a gua precisa ao
servio; ei-lo finalmente a no perdoar meios de mostrar-se em sumo
grau ativo e favorvel s vistas do tenente-general e do seu representante.
Porm ele, escreve Jernimo de Paz noutro tpico da carta
anteriormente citada, para no deixar de sempre contradizer, ou ao menos ajudar a botar abaixo toda a mquina, disse a Lus Manuel e aos
mais oficiais que fossem para Ic que s l estava bem situada a Intendncia pois era a vila e cabea deste distrito: porm ele lhe respondeu
que V. Ex o mandava para os Cariris e que neles estava e que deles no
sabia seno para Pernambuco, quando c o apertassem muito; tem querido amofinar os oficiais que de l vieram e a Lus Manuel quis fazer
moo de recados; tenho me oposto quanto pude a muitas desordens
deste ministro e seguro a V. Ex que desde o tempo que sa dessa praa
at o presente no conto por servio nem trabalho algum todo o que tenho tido mais que o lidar com um louco de autoridade, e no sei como
tenho conseguido conservar-me sequer exteriormente.
Uma das impacincias deste homem que lhe no deixaram
um lugar nem um provimento para meter um afilhado, e que s os de
V. Ex que tiveram lugar, que estava em no por cumprisse nos provimentos, e se o fazia era em sua ateno, ao que lhe respondi que se Sua
Merc tinha razo para no cumprir os provimentos, que o fizesse, por
que V. Ex era to amigo da razo e zeloso da justia que em vez de lho
estranhar, lho louvaria, porm que se no tivesse, que lhe no faltariam
meios de fazer executar as suas ordens, ao que me tornou que visto serem provimentos de V. Ex no havia deixar de cumprir.
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creto que o Governador da referida Capitania confira no sup.te a ocupao de guarda-mor das ditas minas que ele descobriu no obstante ter
provido a mesma ocupao outra qualquer pessoa pois s ao sup.te devida como descobridor, e no ser justo que o sup.te fique subalterno
sendo o primeiro descobridor; como consta das duas Atestaes juntas;
ou despach-lo, pelo onerado servio de primeiro descobridor do ouro
das ditas minas com uma ocupao equivalente e honrosa em que se
possa desempenhar nesta corte aonde o sup.te tem seus pais velhos, e
pobres, e trs irms donzelas sem mais amparo que o do sup.te.
P. a V. Maj.de pela sua real grandeza em att.am ao que constar
das Atestaes juntas mandar por seu real Decreto que o dito Governador
confira ao sup.te na ocupao de guarda-mor das ditas minas novas de
que o sup.te foi descobridor do ouro ou despachar por sua real grandeza
ao sup.te com a merc de alguma ocupao oficial equivalente nesta corte aonde em seus pais pobres, e velhos e trs irms donzelas sem mais
amparo que o sup.te E. R. M.
Essa petio estava instruda com dois atestados, um do prprio governador e outro do Intendente das minas.
O 1 era concebido nos seguintes termos:
Lus Jos Correia de S, do conselho de Sua Majestade, governador e capito-general de Pernambuco e mais Capitanias anexas:
Certifico que veio minha presena Jos Honrio de Valadares por notcia que de sua chegada a esta vila de Santo Antnio do
Recife me deu o Desembargador Manuel da Fonseca Brando, o qual
me apresentou uma amostra de ouro que lhe havia entregado o dito Jos
Honrio, a quem falei na presena do dito ministro, e inquiri com a exao precisa, e das suas respostas, e da relao que fez da paragem em
que viu tirar o ouro de que constava a dita amostra, atentas a circunstncia
de que vinha registrada a sua notcia, fiquei de tal sorte persuadido da
verdade dela que sem necessitar de outra alguma informao cuidei em
fazer pronto um destacamento de trinta soldados infantes, e recomendar a exata averiguao deste descobrimento ao Capito Jernimo Mendes da Paz, em cuja companhia tornou para o mesmo Distrito o dito
Jos Honrio de Paz digo o dito Jos Honrio de Valadares, para fazer
certo na presena do dito Capito o mesmo que me tinha delatado, o
que bem se verificou no havendo diferena entre o que l se achou e
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do ouro que tinham tirado e por esta via alcanou V. Ex ento a mais
individual certificao (que eu presenciei por na ocasio me achar de
ordens a V. Ex) o que no pode fazer Jos Honrio, que no falava
seno no Jenipapeiro de Joo Gomes, e tinha chegado trs dias antes
que os portadores. Nem teve outros meios Jos Honrio para dar essas
poucas notcias to certas que achar-se muito por acaso e de passagem
nos Cariris (por onde continuava sua derrota para Pernambuco a tempo
que com o maior fervor andava Domingos lvares de Matos nestas diligncia) e no fez mais que ser testemunha de algumas que ento fazia e
mandava faz-lo dito Domingos lvares; e teve a habilidade de a ttulo
de curiosidade comprar algum ouro aos trabalhadores empregados no
descobrimento que foi apresentado a V. Ex por mo do Desembargador Manuel Fonseca Brando.
E ordenando a V. Ex ao dito Jos Honrio de Valadares me
acompanhasse na averiguao, que da certeza destas notcias por mim
mandava fazer, me assistiu por espao de onze meses com zelo e cuidado nas diligncias da averiguao que fazia, por meio da qual no s se
verificou a verdade das primeiras notcias, seno que se adiantaram com
novos descobrimentos: porm me no consta que por ocasio desta diligncia fizesse a mnima despesa, nem ainda com o seu ordinrio sustento, ou de sua conduo; e se houve alguma fora da que correu por minha conta, s foi de Domingo lvares de Matos, que tambm sempre
me acompanhou. o que nesta matria posso informar a V. Ex. Deus
guarde a V. Ex muitos anos. Arraial das Minas de So Jos dos Cariris
Novos em 6 de abril de 1755. De V. Ex, Obediente Soldado e am.
subd. Jernimo Mendes de Paz.
vista do expendido pelo Intendente, Correia de S prestou
a seguinte informao para Lisboa:
Ilmo. e Exmo. Sr. Vendo (como S. Maj. manda) o requerimento de Jos Honrio de Valadares no s com a ateno com que
devo executar as suas Reais ordens, mas como quem deseja ver favorecido
ao dito Jos Honrio, o no podendo dizer dele mais do que consta da
certido que lhe passei, e ajuntou ao seu requerimento, ouvi ao Capito
Jernimo Mendes de Paz, e o que sobre a matria me responde a V. Ex
da sua mesma carta, que vai no seu original. A merc que S. Maj. for
servido fazer-lhe s a merece pela certeza e pelo gosto com que me deu
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Nessas linhas est a refutao de uma das asseres de Theberge. As casas para destacamento e empregados da Intendncia foram
construdas por ordem e sob as vistas de Jernimo de Paz e a expensas
do governo de Pernambuco.
O governo do Cear, portanto, no mandou levantar quartos na povoao da Misso Velha tanto para o aquartelamento de tropas como para residncia dos
empregados das minas, como diz aquele autor.
O vigrio da freguesia, j existente em 1753, a que a carta acima faz aluso, o Pe. Gonalo Coelho de Lemos.
Dele possuo alguns papis, dos quais vou transcrever um, que
no estar deslocado em escrito, que trata de metais e pedras preciosas.
uma carta endereada a Correia de S em 6 de fevereiro de
1754 e que discorre assim:
Descobrindo-se nesta fregusia no stio de S. Pedro da Ribr.a
do Riacho dos Porcos da fazenda de Joo Gomes de Oliveira umas pedras que na vista causam admirao pela brancura e luzimento e se fazia
merecedora de a mostrar a V. Ex, por no a mandar bruta vali-me de
uma natural habilidade que tenho por melhor a pr nos olhos de V. Ex,
formando dela a imagem do Sr. S. Jos, Patrono destas minas, de cujo
Santo me dizem V. Ex sumamente devoto, e j vai benta.
Peo a V. Ex a aceite como limitada oferta de um pobre
capelo para um general to generoso que no que mostra mais se contenta com o afeto de um corao amoroso de que com os adiantados diamantes dos maiores quilates do Serro-de-frio; a qual vai remetida por
via do capito comandante; sendo que V. Ex a queira com mais luzimento mandar passar por uma leve mo de verniz puro que faz lustrar
a pedra como o mais luzido cristal que pelo no ter o no fiz.
Esta pedra se acha na superfcie da terra e no sei se a haver
no ntimo dela, lhe no fiz esta experincia, no grossa mas sim chata
e com veias que mostram estarem pegadas umas a outras e estas veias
mostram ser de malacaxeta, mas no a pedra que trabalhando nela o p
que de si lana no tem luzimento algum; o tamanho delas chegam a
dois palmos.
At dos vigrios se tinha apoderado o ardor pelas pesquisas
mineralgicas! E bom era que aquele no obrasse como certos frades,
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Disse eu atrs que se tinham sido os postos militares organizados pelo Intendente: O 1 desses postos era o da Serra, no stio do
Siebra, dominando os caminhos chamados Caruat, que vai ao rio S.
Francisco e ao riacho da Brzida, e Terra Nova, que vai a Cabrob; o 2
o dos Milagres, onde se ajuntam uma estrada, que vai pela Terra Nova
ao Cabrob, outra chamada Canabrava, que vai para a mesma freguesia
pelo Paje e outra chamada Buriti com direo s ribeiras do Pianc e
rio do Peixe e por elas ao Rio Grande do Norte, Paraba e Pernambuco;
o 3 o de Santa Luzia, onde junta-se a estrada do Buriti com uma pelo
riacho das Antas, que entra na Caiara de Dmaso, e outra, que entra na
fazenda no Juiz, pertencente aos Monges Beneditinos; o 4 o do riacho
de Pendncia, onde encontram-se as estradas, que saem do Salgado,
Cariu, Inhamuns e Jaguaribe para Pernambuco, Paraba e Rio Grande; o
5 o do Bom Sucesso, abaixo da vila do Ic, ponto de passagem de todos que procuram os portos Fortaleza e Aracati; o 6 o de S. Mateus,
onde passam as estradas do Quixel e Inhamuns e que caminho para
o Acaracu e tambm para o distrito dos Crates, vila de Mocha e lugares
da Capitania do Maranho; o 7, finalmente, o da Tapera em cima da serra do Araripe dominando as estradas, que saem para a Misso do Exu,
Riacho da Brzida e Cabeceira dos Inhamuns.
No lugar Bom Sucesso, como o mais importante deles, foi
colocado por comandante do destacamento o alferes Guedes, ficando
ao tenente Pugas a incumbncia de andar a correr as diferentes guardas
e de substituir o Intendente nos casos que fosse preciso.
Apesar dos postos militares e dos destacamentos volantes no
faltavam ocasies de furtos, distrbios e assassinatos atento ao moral da
maior parte dos indivduos, que por ali viviam ou transitavam atento
multiplicidade e distncia dos lugares em que se procedia a escavaes,
no sendo das menores causas de terror para os mineiros os mocambos
de negros fugidos.
Contra essa praga, que surgiu aqui e ali em vrios momentos
da nossa vida colonial e de cuja exploso mais violenta foi teatro a encosta oriental da serra da Barriga, em Alagoas, onde ateou-se guerra
mortfera, cujas peripcias nos tem sido descrita com mais ou menos
verdade pelos historiadores ptrios e cujo eplogo foi a morte do Zumbi
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Captulo II
O CAPITO-MOR MIRANDA HENRIQUES. O OUVIDOR
VITORINO SOARES. AINDA AS MINAS DE S. JOS DOS
CARIRIS. COMPANHIA DO OURO DOS CARIRIS. MINAS DA
MANGABEIRA. INSCRIES LAPIDARES. CRIAO DE NOVAS
FREGUESIAS. JAC JANSEN MULLER.
de S, a curiosidade pblica entrou a duvidar se o governo de Pernambuco continuaria a promover os trabalhos de explorao nas minas de S.
Jos dos Cariris ou se daria afinal razo ao Ouvidor Proena Lemos e
seus partidrios que desde o comeo se lhe opunham pretextando que
nos Cariris no havia ouro.
Havia motivo para a preocupao popular.
Ou porque a propaganda do ouvidor tivesse conseguido seus
fins ou por causa da irregularidade das estaes, contra as quais sente-se
vencida a tenacidade humana, o Cear poucos mineiros havia atrado a
si, e por conseguinte tambm fracas eram as simpatias, que merecia a
empresa aos homens de Lisboa, atentos sobretudo aos resultados financeiros dela.
Por outro lado, se a substituio de Quaresma Dourado por
Francisco Xavier de Miranda Henriques, o ex-governador do Rio Grande
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lhe ter oposto o governador sob o pretexto, justo alis, de prejuzo grave
agricultura, que ficava assim privada de crescido nmero de braos.
Intentaram os Senhores de Engenho, diz Lobo da Silva ao
Ministro Tom Corte-Real,1 formar uma nova companhia para o mesmo
efeito, lhe respondi que no teria dvida a convir no que me pediam, contanto que me apresentasse cada um certido em forma, por onde constasse terem as lotaes dos seus engenhos cheios da escravatura, que lhes
competia, no s relativa fabrica do acar, mas tambm agricultura
da cana, que o produz, e da mesma sorte os seus lavradores, o que no
satisfizeram por no terem quase todos a que lhes preciso.
E, acrescenta o governador, para que os mais ramos da
mesma no padecessem, quando as minas florescessem, publiquei logo
bandos por todo o distrito deste governo em que proibi que pessoa alguma pudesse ir para elas sem passaporte meu, obrigando-as a que
quando o pretendessem, mostrassem o exerccio e ocupaes em que se
empregavam, para deste modo o no permitir aquelas que sendo ocupadas na mesma agricultura a pretendessem desamparar para seguir este
caminho em seu prejuzo, o que me sugeriu a idia da referida Companhia que toda se comps de escravos novos, que a no ficarem nesta
Capitania pelo princpio referido seguiram o caminho das Minas Gerais
pelo Rio para onde foram os mais, que com eles vieram dos portos de
frica, em que foram resgatados, por ser a sada que lhe costumam dar
os negociantes desta Praa e da Bahia.
E agora ajunto eu: como entedia e envergonha a uma alma de
cearense essa recordao de fatos, que se ligam ao nefando trfico dos
negros, ao cativeiro de uma raa infeliz na terra livre da Amrica!
No foram estes com certeza os primeiros africanos que aportaram s nossas plagas; em 1742, por exemplo, arribou Fortaleza o Bergantim N S do Socorro, S. Antnio e Almas, contra mestre Antnio Carvalho,
vinda da Costa de Guin com carregamento de escravos.
Conheo os autos de justificao do contramestre perante o
juiz ordinrio alferes ngelo Dias Leite, em um dos itens do qual ele declara no haver no Cear carapinas da Rib.a e menos tabuados, calafates nem
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est disposto nas primeiras tendo estes preferncia a duas datas, uma
como descobridores, e outra como mineiros.
8 Junto o cmputo de todo o ouro que tirarem os escravos da Companhia ao depois de pago o quinto tirar um dcimo da sua
importncia o qual se repartir em duas partes, uma pertencer ao feitor
que se eleger para governar a mesma Escravatura, e outra se dividir em
partes iguais aplicadas para os dois ajudantes do mesmo feitor sendo-lhe
necessrios, que a no serem se dar em benefcio da mesma Companhia.
9 E por evitar embarao que pode causar o receio do que
a dita poro no chegue a quantia que comodamente possa suprir a
despesa necessria do dito feitor pala a subsistncia e para os ajudantes
nas partes que se lhes destinam, ficar a Companhia obrigada a perfazer-lhe tudo o que faltar para inteirar a quantia de duzentos e quarenta
mil-ris por ano, e de cento e vinte mil-ris a cada um dos ajudantes sem
que por este meio se lhe diminua quando exceda as ditas pores a referida quantia.
10 O feitor nomeado pela Companhia eleger os dois ajudantes mencionados procurando que estes tenham as qualidades de verdade e inteligncia que se requerem para o dito ministrio, e reconhecendo estas os aceitar dando parte Companhia a qual os aprovar
quando entenda serem convenientes que a no ser procurar outros a
satisfao da mesma, ficando inteiramente servindo os ditos eleitos enquanto os caixas no determinarem o contrrio, e houver outros que lhe
sucedam.
11 Ser obrigado o dito feitor a dar parte aos caixas da
Companhia de tudo o que houver nos descobrimentos, lavras, interesses,
adiantamento e prejuzo da mesma, fazendo com toda a exao relao
de todas as circunstncias que houverem e avisando aos interessados de
tudo o que lhe possa ser conveniente segundo as ordens que a este respeito pelos mesmos caixas lhe forem dadas.
12 Que findo um ano contado do dia em que principiarem a
trabalhar no descobrimento das ditas minas os escravos da dita Companhia
e achando que no dito tempo no faz conta aos interessados poder a dita
Companhia positivamente por seus caixas mandar retirar a Escravatura que
lhe pertencer para esta Praa e nela se venderem, e do rendimento da dita
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Escravatura se repartir pro ata conforme a parte com que tiver entrado
para a dita Companhia cada um dos interessados nela.
13 E como presentemente por parecer unnime de todos
os interessados se acha eleito para administrar a Escravatura da Sociedade
o scio da mesma Companhia Antnio Jac Vioso pela ao que nela
tem ao qual data todos os poderes, que nos captulos antecedentes se
conferiram ao feitor e pelo trabalho da sua administrao lhe do cinco
por cento de todo o ouro que se extrair depois de pagos os quintos
como tambm o levar s fazendas por sua conta com condio que a
todo o tempo que o dito administrador e scio, ou pela sua parte, ou
pela dos interessados se separar da dita administrao, sair com aqueles
escravos que tiver metido, exceto os que destes lhe faltarem por mortos
ou ausentes, porque nesta parte faz o prejuzo por sua conta ficando em
todas as outras igual a sua condio.
14 Com declarao porm que todas as ditas condies com
que se estabeleceu esta Companhia sero literalmente entendidas e no tero validade e subsistncia por mais tempo que aquele que por S. Majestade
for servido; porque em tudo o que o dito Sr. quiser as poder haver por
cassadas, e abolidas sem que por isso tenham direito os interessados de poderem pedir Sua Real Fazenda indenizao dos prejuzos que sentirem. R.
de Pernambuco trs de agosto de mil setecentos e cinqenta e seis. Lus
Diogo Lobo da Silva. Joo Bernardo Gonzaga. Domingos Monteiro da
Rocha. Joo Roiz Colao. Joo do Rego e Barros. Ribeiro Soares. Manuel
Correia de Arajo. Antnio Jac Vioso. Henrique Martins. Domingos
Pires Teixeira. Antnio Pinheiro Salgado. Jos Vaz Salgado. Manuel Gomes
dos Santos. Jos Silvestre da Silva. Domingos Marques. Antnio Gomes
Ramos. Lus da Costa Monteiro. Lus Ferreira de Moura. Antnio da Silva
Loureiro. Flix Garcia Vieira. Guilherme de Oliveira e Silva. Antnio da
Cunha Ferreira. Patrcio Jos de Oliveira. Antnio Jos Brando. Miguel
lvares de Lima. Manuel Leite da Costa.
De acordo com as clusulas do contrato, tiveram os diversos
associados de entrar para o servio de explorao com escravos e o dinheiro correspondente.
Como ficaram distribudas as respectivas quotas vai dizer-nos
o Livro das Entradas, um caderno de algumas folhas de papel, que felizmente nos foi conservado e de que ora dou notcia.
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Lembrana das Entradas, que fizeram para a
Companhia das minas de S. Jos dos Cariris
O Sr. M.-de-Campo, Jos Vaz Salgado. Por 2 negros Ladinos e Angolas, Miguel com bastantes sinais de bexigas no rosto, Antnio bastantemente alto e
os beios grandes principalmente o de cima, avaliados ambos em . . . . . . . . 180$000
Por 3 negros novos da Costa avaliados em . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 280$000
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100$000
560$000
O Sr. Sargento-mor Manuel Correia de Arajo. Por 2 negros a saber: um crioulo
moo e barbado por nome Matias, em cento e dez mil rs., e um negro
Angola, Miguel Correia, com sua barba, em oitenta mil ris ambos. . . . . . . 190$000
Por um negro novo da Costa, em cento e dez mil rs . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110$000
Por 4 negros novos de Angola, em trezentos e cinqenta mil rs . . . . . . . . . 350$000
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140$000
790$000
O Sr. Capp.m Domingos Marques. Por 3 negros novos de Angola, avaliados
em duzentos e sessenta mil rs. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260$000
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
60$000
320$000
O Sr. Capp.m Antnio Jos Brando. Por 4 negros novos de Angola avaliados
em trezentos e quarenta e nove mil rs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 349$000
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
80$000
429$000
O Sr. Capp.m Flix Garcia Vieira. Por 5 negros novos de Angola, avaliados
em quatrocentos e cinqenta mil rs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 450$000
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100$000
550$000
O Sr. Capp.m Henrique Martins. Por 1 negro Ladino de Angola, por nome
Miguel, digo Andr, de estatura mediana, com sua barba, nariz chato, as
mos curtas e grossas, avaliado em. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Por 3 negros novos Angolas, em trezentos mil rs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
80$000
300$000
80$000
460$000
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O Sr. Capp.m Lus da Costa Monteiro. Por 3 negros Ladinos a saber um crioulo
Matias, bastantemente alto, e um gervasio na face esquerda, em cem mil
rs., e outro crioulo Joaquim, com bastante marcas no rosto e de mediana
estatura, em noventa mil rs. e um negro barbeiro, Angola, baixo e barbado em noventa e cinco mil rs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285$000
Por 1 negro novo da Costa com sua barba em oitenta mil rs . . . . . . . . . . . .
80$000
Por 1 negro novo Angola em noventa e seis mil rs. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
96$000
Pelo que deu, em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100$000
561$000
O Sr. Manuel Gomes dos Santos. Por 1 crioulo por nome Manuel, estatura
alta, e barbado, em cento e noventa mil rs. digo em cento e vinte mil rs. . . 120$000
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
20$000
140$000
O Sr. Capp.m mor Antnio Jac Vioso. Por 1 negro Angola Ladino com
sua barba, mineiro e barbeiro por nome Pedro em cento e vinte mil rs. . . . 120$000
Por 1 moleque crioulo por nome Lus em oitenta mil rs . . . . . . . . . . . . . . .
80$000
Por 1 negro Ladino, mineiro por nome Antnio e um moleco tambm
Ladino por nome Antnio, ambos em duzentos e vinte mil rs . . . . . . . . . . 220$000
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
80$000
500$000
O Sr. Capp.m Antnio da Silva Loureiro. Por 3 negros novos da Costa avaliados em trezentos e trinta mil rs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 330$000
Por 1 negro de Angola em oitenta e seis mil rs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
86$000
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
80$000
496$000
O Sr. Antnio Pinheiro Delgado. Por 2 negros novos da Costa avaliados em
duzentos e quarenta mil rs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240$000
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
40$000
280$000
O Sr. Patrcio Jos de Oliveira. Por 1 negro de Angola avaliado em oitenta mil rs.
Por 3 negros novos de Angola, em duzentos e trinta e oito mil rs. . . . . . . .
Pelo que deu em dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
80$000
238$000
80$000
398$000
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Guirlherme Studart
86$000
20$000
106$000
85$000
20$000
105$000
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faziam cabeceira aos riachos das Crioulas e Tabocas, e perto daqui mandou preparar alojamentos.
Oito dias depois chegavam ao dito lugar com o restante dos
escravos Jos Pinto e Manuel Jos, com quem ter Vioso de abrir luta
mais adiante.
Dos 73 escravos do contrato um morrera mesmo no Recife,
outro aqui ficara atacado de sarnas, outro falecera em caminho, um
quarto ficara por doente no Aracati de modo que apenas 69 chegaram a
seu destino,
Ainda no havia 2 meses que chegara igualmente, de volta do
Recife, o intendente Jernimo de Paz, tendo atravessado pelo rio do Peixe a fim de vir examinando de caminho os trabalhos executados no rio
Salgado e Morro Dourado.
Chamara-o a Pernambuco um convite do capito-general para
examinar a natureza das minas e lhe dar as providncias a entrar na verdadeira inteligncia da utilidade ou prejuzo, que a seu benefcio se seguia.2
A presena do Intendente, a quem Lobo da Silva facilitara
todo o dinheiro preciso para o resgate do ouro, que fosse aparecendo, emprestou um certo vislumbre de animao aos descobrimentos
e procurou algum resultado favorvel Fazenda Real, o que infelizmente no tinha conseguido o Tenente Pugas enquanto estivera
substituindo-o.
Com a expedio de mensageiros para todos os pontos, em
que se procedia as escavaes, a resgatar ouro e fiscalizar a cobrana do
quinto, e com tomar medidas de rigor contra os desencaminhadores e
contrabandistas, pde Jernimo de Paz remeter a 15 de dezembro de
1756 para Pernambuco cinco libras de ouro compradas a diversos, entre
os quais Custdio Cardoso Vilar e Bento Nogueira, da bandeira dos
pinars.
Nessa remessa, de que foram portadores o cabo Luciano
Gameiro e os soldados Lus Pais e Jos Furtado, figuram trs folhetas de
ouro de considervel valor, uma sobretudo com mais de sessenta oita2
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Guilherme Studart
vas, das quais j havia notcias em Pernambuco embora no se lhes conhecesse o paradeiro.
Sobre essas folhetas diz Jernimo de Paz ao capito-general:3
As folhetas fiz ir em pacote parte para que V. Ex se quiser
ter a curiosidade de as ver logo e mostrar mais facilmente o possa fazer:
entre elas vai uma de mais de sessenta oitavas, de que j havia notcia em
Pernambuco, quando ainda eu me achava nessa Praa, e l a ocultavam
por meio algum excogitado sem ainda saber onde ela verdadeiramente
parava e por fortuna me veio mo e escapou de cair nas garras de Jac
Jansen, em cujo poder havia cado algum do ouro que tinha tirado o negro, que a achou, a ttulo de lhe pr corrente a liberdade que tem litigiosa, e de precioso guardar em segredo a quem comprei porque receia este
negro que se descair na contenda, que tem sobre a alforria com o seu
patrono, lhe possa este ao depois por ela maior preo sabendo que tem
achado esta folheta e mais algum ouro.4
Esta tal folheta tem alguma pedra, porm por lhe no diminuir a galanteria de ir inteira no quis consentir se batesse, com o receio
de a fora dos golpes se despedaasse. Jos Rodrigues de Azevedo colhe
essa outra de trinta oitavas e meia, que logo me remete. Um rapaz branco e novato, filho de Portugal, se topou com a terceira, que tem mais de
oito oitavas, em dois do corrente.
Na mesma ocasio remeteu ele uns casulos com a seguinte informao:
Tambm com esta envio uns casulos que julgo de seda, que
se acham em vrias partes destes sertes e pelo caminho achei esses:
que julgo sustentarem-se os maiores e mais brancos em a folha de aroeira e os mais pequenos na de um arbusto, que por c lhe chamam marmeleiro, porque s nesta rvore observei que se achavam. Estes tais casulos s se descobrem na fora da seca quando j no tm folhas as rvores, que no tempo de estarem frondosas que quando ainda podero
estar vivos os bichos se encobrem de sorte que s por muito grande e
raro sucesso se achar algum.
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Era naturalssimo que pelos Cariris e vizinhana no faltassem desencaminhadores de ouro e contrabandistas.
Por sua parte o Intendente tambm no os poupava e nesse
propsito auxiliou-o com empenho Vitoriano Soares, quando por l andou, no em companhia de Dourado em 1752 como escreveu, segundo
vimos, Joo Brgido nos Apontamentos para a crnica do Cear e nos Apontamentos para a Histria do Cariri, folheto que reproduz aquele, sim nos
princpios de 1757.
Por isso foram presos, entre outros, um negro do Padre Antnio Correia Vaz (o dono da data do Cari, em que trabalhava Custdio
Cardoso Vilar), Bento da Rocha, um negro pertencente a uma pessoa de
Jacobina, o negociante Antnio Machado e uma negra forra chamada
Josefa Maria, moradora no Morro Dourado, e foram pronunciados Joo
Figueira Correia de Melo, morador na vila de Goiana, e o cabo-de-esquadra Joaquim Henriques Leito, que estivera em Fortaleza servindo com o
capito-mor Miranda Henriques.
A 3 e 29 de abril de 1757 novas remessas de ouro foram conduzidas ao Recife, sendo portadores o sargento de artilharia Teodsio
Teixeira, o cabo Francisco Camelo Pessoa e os soldados Manuel de
Oliveira, Manuel Coelho Borges e Manuel da Cruz.
Parecia que afinal a fortuna dignava-se sorrir aos mineiros e o
sucesso ia sancionar as previses de Correia de S.
Com efeito estavam fazendo-se por ltimo importantes achados.
Em 14 de abril de 1756 eram encontradas as lavras do Morro
Dourado, no vero do mesmo ano eram as do Serrote do Cachimbo que
deixavam-se descobrir, e principiava muito favorvel o ano de 1757 porque logo em fevereiro fizeram-se descobrimentos no lugar chamado Lagoa Seca, entre as fazendas do Juazeiro e da Pendncia dos Carmelitas
de Goiana, e em maro numa chapada das terras dos Monges Beneditinos
de Olinda, entre as fazendas do Juiz e Vargem Redonda, e uns morros
chamados os Altos do Garrote entre a fazenda do Boqueiro, de Afonso
de Albuquerque, comandante da Muribeca, e a da Mangabeira, do Padre
Antnio Gonalves Sobreira, morador em Paratibe.
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servio: muitos conhecem esta convenincia porm no h quem se resolva a gastar um ou dois dias de servio fora de tirar cascalho e lav-lo
para aproveitar o pouco que rende semelhante gnero de trabalho quanto
mais o de fazer um servio, que demanda tempo, pacincia, trabalho,
gasto e disposio.
A descoberta entre a fazenda do Juiz e Vargem Redonda ia
dando ocasio a grave distrbio por pretenderem todos minerar ali com
prejuzo da Companhia e do Padre Manuel e Jos Gonalves, que tinham sido os descobridores.
Por esse tempo fizeram-se modificaes no pessoal da Intendncia. Aproveitando-se da autorizao, que lhe fora dada de prover interinamente os ofcios vagos, Jernimo de Paz passou portaria para servir de substituto do rio Salgado ao Capito Jos Rodrigues de Azevedo e
para meirinho-geral da Intendncia a Lus Pereira de Magalhes.
Parece que a primeira dessas modificaes, apesar do que sabemos de Jernimo de Paz, no foi das mais acertadas ou pelo menos
foi desproveitosa Companhia do Ouro; o que deduz-se das queixas
feitas por Jac Vioso em carta de 28 de abril de 1757. Dela destaquemos o trecho, que a isso se reporta:
As sessenta braas de terra que avisei estavam para se partir
o guarda-mor e o seu substituto e escrivo Jos Roiz usaram de seu costume, pelo comandante no estar presente, tomando para si os seus adjuntos uma data rica, e o resto que nada tinha cederam Companhia e
ao povo, obrando o dito Jos Roiz na beta passada o mesmo, tomando
voluntariamente o que quis para se acomodar a si e aos negros do guarda-mor, que entre ambos fazem to boa harmonia que assim como a
grandeza que para o terreno chamavam avultada lanam os negros todos aquela parte e acabada esta vo plantar canas e rosas de que ordinariamente vivem, e s mineram como quem joga por negcio, enquanto
aproveitam o que talvez usurpam pobreza sem se repartir conforme o
Regimento.
Este envolver no dito Jos Roiz no costume atual que de
Minas, Bahia e da vila do Ic saiu pelo mesmo efeito, e de presente pelo
capito-mor do Cear determinado fora desta Capitania amparando-se
do guarda-mor se estabeleceu neste lugar.
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atos, a pensamentos deles nas cartas dos outros, nos copiosos documentos da poca.
E, alis, durante seu governo a questo das minas de S. Jos
dos Cariris foi muito debatida, agitou todos os espritos da Capitania, e
deram-se outros fatos de alguma importncia como a criao de vilas e
freguesias.
A reparvel mudez de Miranda Henriques limita-se a esses assuntos, pois sobre outros h conservados alguns documentos, que se lhe
referem. E felizmente para ele. Alguns tratam de suas desarmonias com
Proena Lemos e Vitorino Soares, com este, sobretudo; outros tm relao malfadada ordem de 9 de agosto de 1755, pela qual Correia de S
autorizava-o a receber 200$000 anuais para aposentadoria, despacho a
que Proena Lemos no ops-se, como v-se da conta dada para Lisboa
em 28 de novembro.
E para o bom nome de Miranda Henriques faltou essa oposio, porque ento ficou evidente que primeira autoridade da Capitania
sobrava honra bastante para resistir s tentaes da riqueza ilicitamente
adquirida. Outrem que no eu chamar ridculas as lamentaes que
contm-se na carta de 20 maro de 1757; a meus olhos se erros teve a
administrao de Miranda Henriques resgatou-os todos sua repugnncia
prevaricao.
Mas por que no historiar os fatos?
Miranda Henriques no tinha posses, era pauprrimo. Um dia
foi-lhe preciso para matar a fome tomar cem mil-ris de emprstimo ao
cofre dos rfos, e se no fora a interveno do seu secretrio, Caetano
Jos Correia, figuraria o nome da autoridade mais graduada da Capitania
entre os daqueles que mendigavam do governo esse pequeno obsquio.
Mas o uso e a lei mantinham no Cear uma prtica de cuja
derrogao poderia advir um corte grande nas despesas do pobre homem.
Se bem que o Estado pagasse casa aos ouvidores, no tinham-na os governadores, e pois Miranda Henriques denunciando a injustia e aproveitando em favor de sua pretenso o que acontecia nas outras capitanias,
mesmo o pequeno Rio Grande do Norte, cuja administrao deixara havia pouco, endereou uma petio ao capito-general requerendo uma
anuidade de 200$000 para aposentadoria. Justa era a splica. Concordou
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com a desculpa de estar a partir para as Minas dos Cariris e por estar no
serto o capito-mor s da a meses deu-lhe cumprimento.
Senhor, no dia sete do corrente em que estava para partir em
correio para o Arraial destas Minas, fui entregue da ordem de V. Maj.
vinda na presente frota de Pernambuco de 15 de novembro prximo
passado, e nela me manda V. Maj. faa repor ao Capito-Mor da Capitania desta Comarca do Cear tudo quanto tivesse cobrado a ttulo de
aposentadoria, pela provedoria da Fazenda dela, e portaria do Governador
e capito-general Lus Jos Correia de S, sem embargo da conta que
sobre o referido tinha dado meu antecessor, o Bacharel Alexandre de
Proena Lemos, e pela Certido junta consta estar fora da cabea da comarca, em distncia de mais de cento e vinte lguas, e no rigor do inverno que impede as viagens nestes sertes; e em chegando a ela lhe darei a
execuo que V. Maj. me ordena, de que darei conta na primeira frota
futura.
Ao mesmo capito-mor antes de receber esta resoluo de V.
Maj. lhe no cumpre a ordem que me passou para lhe satisfazer a mesma quantia da dita aposentadoria vencida no segundo ano, por me encontrar semelhantes despesas novas o regimento da Fazenda de V. Maj.
a que devo dar inteiro comprimento como provedor dela, e s desta tem
recebido duzentos mil-ris do primeiro ano, em tempo do dito meu antecessor, a qual lhe descontarei no pagamento do seu ordenado, que se
lhe satisfaz por esta mesma Provedoria no caso de no repor logo como
V. Maj. manda. Arraial de S. Jos das Mias Novas dos Cariris, em 30 de
maro de 1757. Do Provedor da Fazenda da Comarca do Cear, Vitorino Soares Barbosa.
Intimado a restituir ao Tesouro o dinheiro recebido, Miranda
Henriques deixou escaparem-se-lhe da alma as amargas queixas contidas
nesta petio:
Senhor, o Governador de Pernambuco me avisou mandara
V. Maj. ordem ao Provedor da Fazenda Real desta Capitania para me fazer restituir toda a importncia, que se me tivesse pago da aposentadoria, que o general que foi daquela Praa Lus Jos Correia de S me tinha
mandado dar, em ocasio, que poucos dias antes tinha mandado pedir
cem mil-ris a juro ao Juiz de rfos tomando-os em meu nome o meu
Secretrio, para me poder alimentar; porque o limitado soldo de quatro-
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Que o digam as afirmaes de Frei Jos de Santa Maria, monge de S. Bento e morador em S. Joo das Russas, e as do prprio Miranda Henriques a S. Majestade em data de 31 de maro de 1757.
Mas Miranda Henriques contraa emprstimos e a penria lhe
salteava a casa.
Para segurana do pagamento aqui tem o leitor o respectivo
certificado:
Paulo Jos Teixeira da Cunha, Escrivo da Fazenda Real e
Matrcula, Contador da Gente de Guerra nesta Capitania do Cear
Grande por Sua Majestade que Deus Guarde etc. Certifico que em cumprimento de uma ordem de Sua Majestade do ano passado, vinda na
presente frota, reps no Almoxarifado desta Provedoria o Capito-Mor
e Governador desta Capitania Francisco Xavier de Miranda Henriques
duzentos mil-ris em dinheiro de contado, que tantos lhes havia mandado
pagar de aposentadoria o Doutor Provedor que foi desta Capitania Alexandre de Proena Lemos, por virtude de uma portaria do Governador
e Capito-General que foi de Pernambuco Lus Jos Correia de S, cuja
quantia de duzentos mil-ris se acha j carregada ao Almoxarife atual
Joo Dantas de Aguiar no livro de sua receita a folhas 63. Passa o referido na verdade pelo que consta da mesma receita do Almoxarife a que
me reporto. Em f de que passei a presente por ordem do Provedor da
Fazenda Real o Doutor Vitorino Soares Barbosa e por mim escrita e assinada. Vila da Fortaleza, em 29 de junho de 1757. Paulo Jos Teixeira da
Cunha.
Os governadores do Cear ainda por muitos anos tiveram de
ganhar apenas 400$.
Sobre o assunto h de Borges da Fonseca uma carta de 25 de
janeiro de 1767, requerendo que lhe seja concedida a mesma aposentadoria
dos ouvidores, e uma Ordem Rgia de 12 de janeiro de 1769 mandando
a informar pelo Capito-General de Pernambuco o pedido de Borges da
Fonseca.
As desavenas de Miranda Henriques com os dois ouvidores
de seu tempo provieram de que ele invadia as atribuies das cmaras e
intervinha nas funes prprias dos magistrados. assim que estando
Proena Lemos em correio nos sertes do Acaracu, para onde seguira
a 20 de maio e donde se recolheu ao Aquiraz no fim de julho de 1755,
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como costumam, e o mesmo praticou em todas as mais terras desta Capitania, obrando contra a expressa ordem de V. Majestade que no permite que haja mais que um capito-mor em cada vila nem mais postos
dos subalternos fora dos necessrios, levando pelas patentes duzentos
mil-ris; do que damos a V. Majestade conta para a vista dela mandar o
que for servido. Escrita na Cmara desta Vila do Ic a 23 de abril de
1757. O juiz ordinrio Jos de S de Albuquerque, o vereador Crispim
de Montes Silva, o vereador Joo Ribeiro Silva, o vereador Manuel Ferreira Rios, o procurador Manuel Simes do Livramento.
O Conselho Ultramarino despachou essa representao
pela seguinte forma, sendo nesse sentido escrita a respectiva Ordem
Rgia:
O Governador de Pernambuco informe com o seu parecer, ouvindo por escrito o capito-mor ordenando-lhe que suspenda
a criao de novos postos e que fiquem sem os que criou de novo
por no ter para isso faculdade de S. Maj.e e Lx.a de 31 de outubro de
1757.
Por sua parte Miranda Henriques no se deixava ficar calado e
por mais de uma vez levou at ao trono acres acusaes contra o ouvidor. Apreciemos duas de suas representaes:
Sr. Achando-se no Aracati em Correio o Ouvidor Vitorino
Soares Barbosa, mandou a esta Vila buscar uns presos, escrevendo ao
Juiz ordinrio, para lhe remeter a leva; mandei-lhe por prontos um cabo
com vinte soldados, e entre os presos que iam, mandei Custdio lvares
de Carvalho, e Lus da Silva Rodrigues, que tinha autuado perante o Juiz
ordinrio por vadios, para serem remetidos junta de Pernambuco, e serem sentenciados para Angola, conforme a ordem de V. Majestade e de
vinte e nove de julho de mil setecentos e quarenta; escrevendo ao mesmo ministro com a remessa dos presos: De toda esta civilidade formou
novos impulsos para a sua loucura, tomando os autos, e mandando os
presos outra vez para esta Fortaleza; dizendo, no tinha poder para
prender criminosos, nem jurisdio para os autuar; e outras palavras,
menos respeitosas ao meu carter, perante o capito-mor daquela vila,
oficiais, e mais pessoas, que presenciaram semelhante excesso. Da remessa dos presos consta da certido do Tabelio a fl. 1, e das mais circunstncias se v dos captulos, que vo em pblica forma, das cartas do
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em 3 lugar (em 1750) o Dr. Jos de Aranha; em 4 lugar (em 1755) Frei
Manuel de Jesus Maria; em 5 lugar (em 1758) o mesmo Frei Manuel.
E o vigrio Ribeiro Pessoa escrevia em 1767, poucos anos,
portanto, depois que foi expedida a proviso.
A freguesia de S. Mateus, cujo Orago N. S. do Monte do
Carmo e que foi criada, vimos, por proviso de dezembro de 1775 e
posteriormente por Lei Provincial de 22 do dezembro de 1853, teve em
1807 por vigrio colado o Pe. Francisco Xavier Vasconcelos Malts.
Foi tambm seu proco Manuel Antnio de Lemos Braga, colado por carta de 29 de maio de 1845.
Falecendo este em abril de 1862, foi nomeado para substitu-lo como encomendado o Rev. Raimundo Pereira da Costa por proviso de 27 de maio do mesmo ano; exonerado este, foi nomeado por
proviso de 17 de abril de 1868 o atual vigrio Pe. Jos de Sousa Bezerra, que tomou posse a 14 de maio.
Por existirem a muitos anos interminveis dvidas sobre os limites dessa freguesia como a do Aar chegaram os respectivos procos
a um acordo sob as seguintes bases: que a linha divisria entre as duas
freguesias ficasse sendo a estrada que, partindo da capela Tarrafa, a qual
ficava pertencendo a S. Mateus, divide a mesma povoao da Tarrafa e
segue em direo do riacho do Urucu, excetuando o stio de Antnio
Catonho, at a capela do Quixar que ficava pertencendo freguesia do
Aar, e dali em linha reta ao Lambedor e Lenos.
Esse acordo foi aprovado pelo bispo D. Lus Antnio dos
Santos aos 20 de junho de 1881.
No conheo os autos de criao da freguesia de S. Mateus,
nulas foram as minhas pesquisas nesse intuito feitas quer na Cmara
Eclesistica de Fortaleza quer junto ao atual Vigrio; sou mais feliz
quanto a do Quixeramobim pois possuo no s a proviso como as demais correspondncias por ela suscitada.
Segundo o plano, que me tenho traado, aqui ficam registradas uma e outra.
Fr. Manuel de Jesus Maria, Religioso de N. S. do Monte do
Carmo da antiga e Regular observncia, Missionrio Apostlico e Visitador Geral dos sertes do norte pelo Ex.mo e R.mo Senhor D. Francis-
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mando debaixo da mesma pena ao Reverendo cura das Russas que sendo-lhe este apresentado indo por mim assinado e selado com o selo de
Sua Ex ou ... sem selo ex causa o publique a Estao da Missa da ... no
primeiro domingo ou dia festivo, e fixado no tempo da Lei no Lugar
costumado o faa transladar no L. da Igreja para em todo o tempo se
lhe dar inteiro e devido comprimento, e da mesma sorte se publicar na
Capela de N. S. da Conceio a Barra, distrito da nova freguesia dividida
e nos Livros dela trasladar para que constem nos tempos futuros; e
como por causa desta diviso ficava diminuta a cngrua sustentao
para o Proco da nova freguesia concordaram todos que nas conhecenas
que se pagam a dr. se observasse nesta o estilo das mais freguesias do
Serto que : os que so cabea de casal pagarem a meia pataca cada um
e os outros de comunho a quatro vintns, e os que os no so a dois, e
que nas mais benesses se observasse o estilo at aqui praticado na freguesia das Russas, do que ... termo, em que todos assinaram e que daqui
em diante assim se observar. Feito em visita nesta freguesia das Russas
sob meu sinal e selo de Sua Ex. R.ma aos 15 dias do ms de novembro
de 1755. E eu o Pe. Anacleto Soares da Veiga Secretrio da visita o fiz
escrever e subscrevi. Fr. Manuel de Jesus Maria Visitador.
Todavia os moradores da Ribeira do Bonabui, da barra do
Siti para baixo, no estiveram pela diviso e tanto que reclamaram contra os limites dados s duas freguesias e pediram que fosse limite a barra
do Siti. A isso acedeu o Prelado. Requerimento e despacho contm-se
nos seguintes documentos:
Ex.mo e R.mo Sr. Dizem os moradores da Ribeira do Bonabui, da Barra do Siti p. baixo, que V. Ex R.ma fora servido mandar ao
R. do Visitador atual destes sertes do Norte partir o Curato das Russas,
de que eram os sup.es Paroquianos, em dois, e sendo V. Ex R.ma Pastor
universal desta Diocese de Pernambuco piamente se deve crer mandaria
fazer essa partilha para que as suas ovelhas no padeam detrimento algum, pois todo intento ser fazer dos longes perto, ficando as extremas
podendo ser em meio dos curatos, pois assim podem todos melhor procurar e participar o bem espiritual, e como o R.do Visitador deu princpio e fim a este diviso em a Capela de Santo Antnio de Quixeramobim, aonde hoje a Matriz da nova freguesia, que dista a das Russas
trinta e duas lguas ou trinta e trs, e entre estas Matrizes ribeira abaixo
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direita fica a Capela de N. Sr da Conceio com dezoito lguas de distncia para a Matriz de Quixeramobim, e quinze para a Matriz das Russas e junto Capela fica a barra do rio Siti fixa e proporcionada extrema p. os curatos; todos os povos julgavam ficaria ali a partilha, tanto os
de cima como os de baixo, se bem que para semelhantes aes, que fazem a bem dos povos, parece se devem convocar ao menos dez ou doze
de cada uma das partes para alegarem e requererem antes da determinativa resoluo, o que no aconteceu nesta partilha porque morador nenhum dos que ficaram p. o Curato das Russas se achou nem foi convocado p. a tal ao, antes o R.do Visitador entrou por todo Bonabui
at cinco lguas junto a Matriz das Russas p. Quixeramobim sem mais
atendncia aos povos nem a que ficavam piores do que dantes, porque
sem embargo do que estavam longe do seu proco estavam muito prximos as capelas da mesma freguesia, e no estarem junto a Matriz ...
Lguas, e distante da que lhe davam vinte e tantas, e o ... desta partilha
assim foi o ficarem ... Fazendas ... a conta as ... que lhes fizeram... a freguesia das Russas, e vendo-se os suplicantes assim com tanto incmodo
nesta partilha, sem serem ouvidos nem atendidos, fizeram petio ao
mesmo R.do Vis.or propondo-lhe as cousas e fundamentos mais slidos,
e com que os provia era com dizer que se refizessem outras tantas fazendas para o curato de cima, como se todos os benefcios e vigararias
devam ser iguais no vencimento, seno e bastante a cada Proco ter poro cngrua para se sustentar, e como se estava aproximando a Quaresma e se viam os suplicantes e suas familias sem saberem de que freguesia eram recorreram terceira vez com uma proposta obedientssima e justssima ao mesmo R.do Visitador, cuja cpia oferecem a V. Ex. R.ma qual
vista respondeu verbalmente que era justo e que ia muito do mal informado a bem informado, e que por ocupaes o no fazia logo, e com
isto os foi impondo at depois da Pscoa, e vendo-se os suplicantes por
desobrigar e suas famlias procuraram a resposta e resoluo, e o R.do
Visitador lhes respondeu no podia obrar cousa alguma por ter dado
parte a V. Ex. R.ma , e como se vem os suplicantes nestes termos sem
recurso h mais de cinco meses no tm mais remdio que recorrerem a
V. Ex R.ma como Pai e Pastor de suas ovelhas, to interessado em o seu
bem tanto espiritual como temporal a cujos ps com reverente submisso pedem seja servido atender-lhe ao seu requerimento e a mesma pro-
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posta que oferecem; e porque no suponha V. Ex. R.ma falam os suplicantes por V. Ex R.ma no ter informao, nessa Praa se acham o R.do
D. Flix Machado Freire e o R.do D.or Manuel Machado, que por estes
lugares andaram em visita os quais com integral verdade podero a V.
Ex dar desta matria conhecimento. E. R. M.
Agora o despacho e o competente registro nos livros da Matriz de N. S. do Rosrio das Russas.
Aos quatro do ms de junho do ano de mil setecentos e cinqenta e seis a requerimento dos moradores da Ribeira de Bonabui da
Barra do Siti para baixo se me foi apresentada uma petio com o despacho do Excelentssimo e R.mo Senhor Bispo nosso Prelado o qual
manda faa registrar o dito despacho no Livro desta Matriz de Nossa S.
do Rosrio das Russas e na de Santo Antnio de Quixeramobim novamente ereta para a todo tempo constar a diviso e partilha feita pelo
dito Senhor aos ditos Curatos, que o que adiante se segue:
Como somos informados ser mais conveniente fazer-se a diviso destas freguesias pela barra do riacho Siti do que pela do rio Bonabui, mandamos que assim se observe no obstante a determinao
do Rmo. Visitador a quem este ser mostrado se ainda estiver na freguesia e se resistir nos Livros de uma e outra Matriz para a todo tempo
constar. Olinda, vinte e dois de maio de mil setecentos e cinqenta e
seis. Bispo. E no se continha mais no dito despacho e determinao do
dito Sr. que bem e fielmente registrei da prpria petio a que me reporto neste Livro da Matriz das Russas. O que tudo... f do meu ofcio e
cargo. Era ut supra. Joo Pereira de Lima, Vigrio da vara e cura das
Russas.
Vitorino Soares Barbosa nomeado Ouvidor do Cear por
despacho de 23 de outubro11 de 1755 tomou posse do cargo a 27 de junho do seguinte ano.
Como seu antecessor, foi ele s minas dos Cariris. Se no teve
por companheiro de jornada o Capito-Mor Dourado, retirado ento
vida privada, coube-lhe a fortuna de ser acompanhado at ali pelo prprio Jernimo de Paz.
11 Araripe diz 23 de setembro (Hist. do Cear, pg. 105).
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beira, fui s Lavras, e com efeito em qualquer parte daquele stio h boas
pintas de ouro, e assentando-me no riacho onde se estava lavando, no
vi tirar batia que no pintasse mais, ou menos; e segundo a minha estimao de dez ris at trinta ris, de ouro: isto era o comum, e alguma
saiu mais avultada, e mandando como por curiosidade, em trs ou quatro
partes daquela chapada, aonde no se estava fazendo servio algum, tirar a superfcie da terra outras bateadas minha vista, lavando-se pintaram da mesma forma; e conversando sobre a existncia das ditas Minas
com um mineiro que nelas se acha principiando a fazer o seu servio,
que veio das Minas Gerais, me disse que se a gua fosse permanente
todo o ano seriam estas as melhores que todas as que at aqui se tem
descoberto neste Estado do Brasil, e que se assim pintavam estas em to
boa conta, no havendo nelas quem com experincia soubesse trabalhar,
havendo outra casta de gente, que ainda haviam fazer melhor conta, o
que no duvido, porque segundo o que alcancei, a maior parte do ouro
fino o no aproveitam na batia por no saberem a maior parte dos que
trabalham lavrar a terra e cascalho; e no mesmo lugar em que uns esto
lavando, esto outros tornando a lavar a mesma, e sempre pinta com
pouca diferena a respeito da que vem tirada das Lavras. Este novo descoberto fica quase prximo corrente do rio Salgado, em distncia de
pouco mais de um quarto de lgua de cuja gua na seca se podem aproveitar os que nela trabalham, se para ele conduzirem o cascalho; porque
ainda que este corte no rigor do vero, sempre conservam grandes poos, e neles podem lavrar em canoa.
Porm como j mandei dizer a V. Ex nestas Minas no h
homem que tenha possibilidade, nem trabalham a propsito porque a
misria deles a ambio s os convida a andarem enquanto tiram alguma cousa, e sempre andam a descobrir, e bem se mostra o referido porque todos os que h esto desertos, e s concorrem aonde se descobre
de novo e se por comparao amanh houver pessoa que d com outro,
j todos deixam este, e assim se conhecer ser a maior parte desta terra
uma mina, e nenhum descoberto ser suficiente para se trabalhar continuado nele. Em quanto ao mais j expus a V. Exa. que haver ouro era
certo, e segundo o que entendo de manchas; e enquanto se no der
nas betas das referidas minas: e s com homens de melhor experincia
podero avultar na convenincia para S. Maj. e dos prprios mineiros
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em cujos termos V. Ex vista do referido poder fazer melhor conceito, e nesta parte tenho satisfeito ao que me recomendou, e em tudo o
mais no faltarei como devo.
Estimarei sobre tudo que a V. Ex assista a melhor sade, e
que me mande em tudo que for servido.
Deus Guarde a V. Ex muitos anos. Ic, vinte e um de
abril de mil setecentos e cinqenta e sete.
De V. Ex criado muito obrigado. Vitorino Soares Barbosa.
Mas nem a opinio de Soares Barbosa, nem as cartas sempre
animadoras do Intendente, nem o entusiasmo de Jansen Muller,12 outro
estrangeiro que desde o tempo de Correia de S viera tentar fortuna nos
Cariris, puderam salvar as Minas de um abandono total.
O primeiro sinal de sua extino foi a queda da Companhia
do Ouro.
A 12 de maio de 1758 reuniam-se no Palcio das Duas Torres
a convite de Lobo da Silva o ouvidor de Pernambuco Joo Bernardo
Gonzaga, o ouvidor da Paraba, Domingos Monteiro da Rocha, o provedor da Fazenda Real Joo do Rego Barros e o procurador da Fazenda
Doutor Caetano Ribeiro Soares.
Trata-se de dar ou no Companhia licena para retirar a Escravatura, que tinha empregado nos trabalhos de minerao.
Consignemos a ata da reunio para melhor conhecimento do
que nela se passou. assim concebida:
Aos doze dias do ms de maio de mil setecentos e cinqenta
e oito, neste Palcio das Duas Torres, donde foram chamados presena do Ilmo. Governador, e Capito-General destas Capitanias de Pernambuco, os DD. Ouvidores desta Comarca Joo Bernardo Gonzaga, e
12 Jac Jansen Muller que veio na charrua me buscou, pedindo-me lhe mandasse
recomendada a entrega de uma carta, que escreveu a uns mineiros que se acham
nos Cariris com os quais, diz, tinha feito uma sociedade no Maranho por onde
eles andaram, dizendo-me que necessitava da resposta para conferir comigo e
dar-me parte do seu projeto: o certo que at agora me no tem falado com formalidade nem me parece que traz idia de que se possa fazer caso; est hospedado
na Casa da Congregao do Oratrio; em tudo o que puder servir o farei com
muito gosto, porque lhe basta a sua recomendao. (Extr. da carta de 14 de janeiro
de 1755 de Correia de S a Diogo de Mendona Corte-Real.)
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como os ditos duzentos e oitenta e dois mil e catorze ris, que se mandavam tirar dos dito quintos para ressarcirem a Fazenda Real das sobreditas quebras, sempre ficavam metidos na mesma Fazenda Real, a todo o
tempo que S. Majestade no houvesse por bem quem dos ditos seus
quintos se pagasse aquela despesa de quebras, podia mandar remeter a
dita quantia, pois se no despendia em cousa alguma, mas sim se metia
na mesma Fazenda Real desta Capitania sem embargo da sua indigncia, atendendo tambm a que os quintos que tem lucrado S. Majestade
tudo a benefcio da despesa desta Fazenda Real importam j em mais
de cinco mil cruzados. E de como assim se assentou assinaram os ditos
Ministros com o Ilm e Exm Sr. General e eu Antnio Jos Correia,
Secretrio do Governo, o escrevi. Lus Diogo Lobo da Silva, Joo Bernardo Gonzaga, Domingos Monteiro da Rocha, Joo Ruiz Colao,
Joo do Rego Barros, Caetano Ribeiro Soares, Bernardo Pereira de
Vasconcelos.
Informada por Lobo da Silva do pouco ou nenhum resultado que davam as Minas dos Cariris, o que era comprovado pelas diminutas remessas dos quintos, resolveu afinal a Corte de Lisboa que
elas fossem extintas, cessando de todo os trabalhos de minerao e
voltando portanto ao Recife Mendes de Paz e tropa, que com ele estava.
Da a Resoluo Rgia de 12 de setembro de 1758.
Em ofcio dessa data o Ministro Tom Joaquim da Costa
Corte-Real comunicou a Lus Diogo Lobo da Silva a Resoluo Rgia
pela qual era determinado que no se minerasse mais nas Minas dos
Cariris nem em outra alguma, que nestas Capitanias aparecesse, na considerao do prejuzo, que delas se tem seguido, com perda no s da Sua
Real Fazenda mas de seus fiis vassalos, que se interessavam em benefici-las, como a experincia tem feito evidente, alm do incmodo que
resulta de estes no aplicarem sua indstria a agricultura e comrcio, de
que se faz verossmil tirariam as utilidades, que no caminho, que seguiram, no perceberam; o mesmo resolveu o dito Sr. pelo que pertence
aos outros descobertos, de que V. S havia dado notcia, compreendendo
nesta sua Real Resoluo at o descoberto do Apodi.
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CONTA da Despesa e Receita, que se fez com a Companhia
de Ouro das Minas de S. Jos dos Cariris Novos que
principiou em 19 de outubro de 1756 e findou em
28 de agosto do presente ano de 1758; o seguinte:
DESPESA. Gastos com os escravos: Pelo dinheiro que se deu ao Administrador Antnio Jac para gastos de 73 Cativos com que se entrou
para Companhia a 20 mil-ris . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Pelo dinheiro que se despendeu com vesturio para os d.os a 5 mil-ris. . .
Para o que se despendeu na vinda para este reino com os d.os . . . . . . . .
Por um negro que morreu de conta da Companhia que se avaliou em .
Pelo o que se deu a vrios soldados que levaram e trouxeram cartas. . .
Salrios que se pagaram: Pelo que se pagou ao Administrador Antnio
Jac Vioso de 1 ano 2 meses, e 12 dias a 240 mil-ris por ano . . . . . . .
Pelo o que se pagou ao 2 Administrador Jos Pinto . . . . . . . . . . . . . . .
Pelo o que se pagou a Guimares Fixier que foi tomar contas a Antnio Jac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Pelo o que se pagou a 2 moos que foram para ajudar os dois. . . . . . . .
Pelo o que se pagou de resto de uma conta que deu Antnio Jac Vioso .
Pelo o que importaram os dias de servio de 72 escravos menos o que
morreu, do dia 19 de outubro de 1756 de 28 de agosto de 1758 que
so 674 dias, que devendo ser a 100 ris por cada um dia que o menos que costumam ganhar, em que se deve abater o sustento de cada
um dia a 40 ris cada escravo que fica a 60 ris por dia que sai para os
72 escravos a 4.320 ris que importa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
RECEITA. Para o que renderam 478/8 de ouro que remeteu o
Administrador Antnio Jac Vioso por 3 vezes que se vendeu fundido posto em Barra a Manuel Dias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Pelo o que renderam 244/8 de ouro e que remeteu o dono vendido
a Incio Roiz Ferreira fundido que rendeu pelos seus toques. . . . . . . . .
Pelo o que renderam 192/8 de ouro que trouxe Guimares Fixier vendido ao dono sendo a quebra por sua conta 1.450 ris . . . . . . . . . . . . . .
Pelo o que houve de prejuzo para a sociedade salvo erro . . . . . . . . . . .
1$460$000
365$000
38$530
1$863$530
109$500
20$800
288$68
120$000
240$000
48$170
696$828
47$140
2$911$680
5$640$478
705$000
398$660
278$400
4$267$418
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Jac Jansen Muller, de quem falei pgina 113, foi dos mais
adiantados exploradores que tiveram as riquezas do nosso solo. Alm do
ouro seduziram-no as minas de prata, que possumos. s suas tentativas
de explorao alude Mendes de Paz em carta de 6 de janeiro de 1854 a
Correia de S:
O portador desta o mesmo que me trouxe a segunda de
V. Ex com as cartas de Jac Jansen Muller para os homens da bandeira
do Pinar, o qual mandei conduzir ao Cariu donde voltou com a resposta do Padre Antnio Correia Vaz e dos mais, e s do Padre Fr. Sebastio
de S. Ana a no ter, porque este faleceu h poucos meses na Aldeia do
Miranda. Entendo que o projeto de descobrimentos do dito Jansen se
encaminharam a minas de prata porque o ano passado ou no antepassado esteve nestes Cariris e lidou em fundir pedra com uns castelhanos
extraidores, e dizem que de fato a tiraram de alguma pedra de que mandei a V. Ex amostras, porm destas a minha deligncia no saiu mais
que chumbo: nem eu fiz empenho pela averiguao da prata porque tem
esta grandes dificuldades as quais no h quem por c possa com elas,
sendo to pobres os desta freguesia e to faltos de escravos que no podem seguir as do ouro, que com muito menos trabalho e indstria sai
limpo e apurado das suas minas.
O capito-general logo que recebeu a comunicao de 12 de
setembro expediu a Jernimo de Paz as precisas instrues e bandos do
costume, os quais se contm nestes documentos:
S. Maj. Fidelssima atendendo a considervel despesa que se
tem feito sua Real Fazenda com o descoberto dessas chamadas minas,
e trabalho que nelas se tm praticado desde o ano de cinqenta e dois
at o presente, de que no tem resultado mais que prejuzo ao seu Real
Errio e enfraquecer as foras dos seus fiis Vassalos, que nas mesmas se
tm ocupado na esperana de fazerem a racional utilidade, que se lisonjeiam poder achar nos mencionados descobertos, de que os tem desenganado a experincia que at o presente se tem manifestado, no s para
o presente, mas quanto possvel para o futuro, no poderem delas tirar
mais que to-somente a destruio dos fundos com que ento por no
produzirem nem terem rendimento proporcionado a satisfazer a indispensvel despesa, quanto mais a deixar-lhe a racionvel a serem de benefcio a quem as lavra, ordeno que voc logo que receber esta, e a c-
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pia da Ordem Rgia que remeto dirigida a esta matria se prepare para
se retirar com toda a guarnio, que tem nesse distrito, para esta Praa
para onde far vir todos os pretextos, utenslios, e ferramentas que ali se
acharem, pertencentes Fazenda Real, os quais remeter na melhor forma vila do Aracati a entregar a Jos Pimenta de Aguiar, capito-mor
da mesma vila, para que este os faa conduzir no primeiro barco que
vier para este porto, a quem voc remeter relao de todos os que lhe
enviar, trazendo consigo uma para por ela os receber o Almoxarife da
mesma fazenda nesta Praa, e os ndios que a se acharem empregados
no trabalho do Arraial os far recolher s suas respectivas aldeias, ficando na certeza de executar tanto o seu regresso a esta Praa e da guarnio que o acompanha com a maior brevidade que lhe for possvel,
como o mais que lhe deixo expressado, e no menos a fazer cessar logo
em todas as Lavras o trabalho relativo, a minerar e faiscar para o que
mandar lanar o bando que remeto de que dar cpia ao capito-mor
desse distrito, e aos oficiais comandantes de todos aqueles em que havia
descobertos para que inteiramente os faam executar, com a cominao
de ficarem responsveis quando nesta matria tenha a menor indulgncia, ou dissimulao, cobrando recibo deles por onde conste que de
todo o referido ficam entendidos, e voc me apresentar certido de o
ter assim executado. Deus guarde a V.me Recife 24 de novembro de
1758. Lus Diogo Lobo da Silva. Senhor Jernimo Mendes de Paz Sargento-Mor de Artilharia, e Intendente das minas dos Cariris.
Lus Diogo Lobo da Silva, do Conselho de S. Maj. Fidelssima, Comendador da Comenda de St Maria de Moncorvo da Ordem de
Cristo, Governador e Capito-General da Capitania de Pernambuco e
suas anexas etc. Porquanto S. Maj. Fidelssima que D. G. por justos motivos que foram sua Real presena foi servido resolver por Ordem de 12
de setembro do presente ano, expedida pelo Secretrio de Estado da repartio da Marinha e Ultramar Tom Joaquim da Costa Corte-Real,
fizesse logo fechar e cessar todo o trabalho, que atualmente se est
fazendo nas Minas dos Cariris Novos, e no consentir se abrissem, e beneficiassem outras algumas em todo o distrito do Governo de Pernambuco e suas Capitanias anexas; ordeno ao Sargento-Mor Jernimo Mendes
de Paz Comandante dos Cariris Novos, e Intendente das Minas deles,
que em toda a sua repartio em que houver minas, ou indcios de
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seguido, com perda no s da Sua Real Fazenda, mas dos seus fiis vassalos, que se interessaram em benefici-las, como a experincia tem feito
evidente, alm do incmodo, que resultava de estes no aplicarem a sua
indstria agricultura e comrcio, de que se faz verossmil tirariam as
utilidades, que no caminho, que seguiram, no perceberam.
Logo que recebi a referida ordem, expedi todas as pesquisas,
e bandos necessrios, que constam dos n 1 e 2,13 para as chamadas minas dos Cariris, e Capitanias da jurisdio deste Governo a fim de que
fosse inteiramente observada, e cessase o infrutuoso trabalho, com que
nelas se continuava, do qual se no tirava mais que fundamentos para o
desengano e evidncia da inutilidade, como se comprova do que experimentou a Companhia que mandando setenta e dois escravos debaixo de
direo de pessoa inteligente, sem que a Real Fazenda despendesse
cousa alguma, e partindo esta em dezenove de novembro de mil setecentos cinqenta e seis, e retirando-se em vinte e oito de agosto de mil
setecentos e cinqenta e oito, como se v da conta assinada pelos seus
caixas, no decurso de vinte e um meses e nove dias se verifica na mesma
terem tirado novecentos e seis oitavas de ouro lquidas de quintos e quebras, que lhe renderam um conto, trezentos oitenta e dois mil e sessenta
ris, e feito de despesa cinco conto, seiscentos quarenta e nove mil quatrocentos setenta e oito ris, donde se v com evidncia que no estimando o trabalho de cada escravo por dia mais que a sessenta ris por
lhe darem de comer, ficariam perdendo quatro contos duzentos, sessenta e sete mil quatrocentos e dezoito ris, no obstante os contnuos descobertos, com que sucessivamente se estava persuadindo o seu melhoramento.
O que qualifica o justo conceito, que S. Maj. Fidelssima fez
destes descobertos para os mandar fechar corroborado com a despesa
de vinte e cinco contos sessenta e seis mil, quatrocentos setenta e seis
ris, que o mesmo Sr. tem gasto com dias pela Provedoria do Cear, e
desta Praa desde o princpio do ano de mil setecentos e cinqenta e
dois at o tempo que consta da Certido n alm dos gneros que vieram destinados dessa Corte para o servio das mesmas, e como dias no
tm resultado em benefcio da Real Fazenda mais que to-somente de
13 So os documentos publicados s pginas 121 e 122.
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quintos trinta e seis marcos, cinco oitavas e trinta e seis gros, que reputados a preo de mil e quinhentos ris a oitava importao de trs contos quatrocentos sessenta e quatro mil duzentos e cinqenta ris, vem a
verificar-se sair cada oitava ao dito Sr. pelo de dez mil oitocentos e noventa e nove ris, em que visivelmente se manifesta no fazer conta alguma semelhante qualidade de minas, e serem de inteira runa aos seus
vassalos que as trabalharam por estas no terem mais subsistncia, que
as que lhe deveram pintas transitrias que a poucos dias de benefcio
exauria qualquer pequena diligncia e por estes princpios na reproduo, que me fez a Companhia da jactura, que sentia nos seus interesses,
lhe no pude deixar de deferir, permitindo-lhe retirarem os escravos antes da determinao de S. Maj. para o que procedi junta que consta da
Certido n14 Deus guarde a V. Ex muitos anos. Recife de Pernambuco
14 de fevereiro de 1759.
Ilm e Exm S. Tom Joaquim da Costa Corte-Real. Lus
Diogo Lobo da Silva.
Do que a fica exposto e de todas as mais peas oficiais, que
ao assunto se referem, concluo que Joo Brgido, naturalmente por desconhec-las, avanou juzo errneo ao escrever nos seus Apontamentos
(pg. 32) que a Corte de Lisboa no se pejou de motivar a Ordem de 12 de setembro com a falta de pagamento dos quintos.
Mas como no quero que algum diga que eu, publicando
tantas peas oficiais, guardei comigo o teor da Ordem de 12 de setembro, aqui transcrevo-a para elucidao de qualquer dvida.
A Sua Majestade foram presentes as cartas de V. S. das datas
de 27 de fevereiro, de 11 de maio e 22 de setembro do ano prximo
passado sobre as inutilidades das Minas dos Cariris, e os novos descobertos das outras Minas de que se lhe havia dado notcia, e o mesmo Sr.
foi servido resolver o que vou participar a V. S. Pelo que pertence as
Minas dos Cariris e a Companhia para elas formada na conformidade da
1 das referidas cartas de V. S, no se havendo colhido do trabalho que
se teve com as Minas outro fruto que no fosse o do claro conhecimento de no serem teis nem ao errio Real nem ao bem pblico como V.
S, refere na 2 das mesmas cartas, resolve Sua Maj. de que a guarnio
14 o documento publicado pgina 113.
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lidade com que se praticam neste Estado sem se embaraarem os autores na identidade da sua verdade.
Ao dito Intendente e a toda a guarnio que o acompanha
em virtude da ordem que recebi pela Secretaria de Estado mandei retirar
e contemplo chegar todas as horas e com a sua vinda cessam todos os
motivos das queixas que lhe acumulam no deixando da minha parte de
fazer as diligncias precisas por averiguar a verdade delas para que quando assim seja proceder como me for permitido e no que no me for lcito na presena de Vossa Majestade para dar a providncia que for justa.
Recife de Pernambuco 19 de janeiro de 1759. Lus Diogo Lobo da Silva.
Tinha razo Lobo da Silva. As argies feitas a Jernimo de
Paz eram filhas legtimas da paixo e adulterinas da verdade. Interesses
contrariados pela vigilncia, que o intendente e a tropa desenvolviam na
represso do contrabando e fiscalizao dos quintos, cimes da gente
do Ic pela prosperidade crescente de Misso Velha, para a qual direta e
indiretamente concorria a expedio, intrigas de Bento de Oliveira e
seus partidrios, tudo isso fermentava e explodia em cleras e acusaes.
E sabia-o a populao. Ainda muitos anos depois, tendo a
Cmara de Fortaleza formulado algumas questes para Lisboa no sentido de favorecer-se o desenvolvimento da Capitania e utilizar-lhe grandes
riquezas que andavam desaproveitadas, o Governador Montaury teve
ocasio de referir-se campanha levantada contra as Minas dos Cariris
pela inveja e pela intriga em informao prestada a Jos Csar de Meneses, que tem a data de 12 de agosto de 1783:
Quanto aos minerais ouo constantemente dizer que para a
Ribeira de Acaracu h muita qualidade deles, assim como o salitre, de
que j vi algumas amostras, que se remeteram para a corte, e tambm
me dizem que na mesma Ribeira se tm achado os metais seguintes:
ouro, prata, algum ferro, chumbo e cobre, que se averiguasse ou se procurasse exportar da terra, se conheceria melhor a qualidade, quilates e
abundncia dos mesmos metais. Na Ribeira do Cariri Novo desta Capitania, e pela maior parte da Ribeira do rio Salgado, que h entre a do Ic
e Cariri, nenhuma dvida, h que se descobrir o ouro com bastante
quantidade e do melhor quilate, de que resultou mandar-se de Pernambuco o destacamento de Tropa comandado pelo Sargento-Mor ou
Tenente-Coronel Jernimo Mendes de Paz para a mesma Ribeira do
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lgio dos Padres Jesutas e Filosofia nos estudos dos Padres Congregados, e saiu muito perito. Tem grande inteligncia das lnguas francesa e
italiana, como vasta notcia da Histria sagrada e profana. Por seguir os
passos de seu pai, preferiu a escola de Marte de Minerva. A madureza
do juzo com a fortaleza de nimo e a formosura de esprito lhe conciliaram a estimao dos governadores e aplauso do povo. Toda esta aclamao
merece a suavidade do seu gnio e urbanidade amante da moderao. A
fidelidade e desinteresse com que serve faz com que os superiores o
ocupem nos empregos mais altos e dificultosos, e sabe sempre ilustrar a
nobreza do seu nascimento com as hericas aes, que obra em obsquio da ptria e servio del-Rei. O justo conceito, que tinha formado
o Governador e Capito-General Lus Jos Corra de S da sua atividade,
inteireza e capacidade foi causa de que o nomeasse Regente das Minas
do Cariri novamente descobertas. Nesta diligncia em que tanto interessa
o reino, soube regular com to escrupulosa advertncia os seus descobrimentos e exames, que serviram de claros espelhos aos interessados
para tomarem as mais certas medidas dos seus interesses. Informado
el-Rei do bem, que o serve, sem que ele o pretendesse, lhe mandou passar patente de sargento-mor com soldo dobrado, lhe fez merc do hbito
de Cristo e nomeou Intendente destas minas. Em todas as artes liberais
profundamente versado, sendo erudito Cosmgrafo, perito Astrlogo,
insigne Aritmtico e consumado Gemetra.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Captulo III
GOVERNO DE HOMEM DE MAGALHES. SUAS LUTAS COM
SOARES BARBOSA E OUTROS. RIVALIDADES ENTRE FORTALEZA E AQUIRAZ. UMA DECISO IMPREVISTA. PROPOSTA DE
MUDANA DA VILA DA FORTALEZA PARA A RIBEIRA DO
ACARACU.
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ros e a ambos a falsa f lhe ps sua faca de ponta aos peitos e mais o seu
criado Manoel Jos Soares, em sua casa os prendeu e os mandou com trs
soldados algemados pelas ruas pblicas para a cadeia por dizer que ambos
haviam concorrido para a fugida de um barco que havia vindo do Rio de
Janeiro para o porto do Camocim, o qual estava apreendido no porto do
Par, do presdio do Superintendente por trazer efeitos e gneros proibidos
pela Companhia Geral de Pernambuco e Paraba argindo que o Superintendente havia recebido mais o dito sargento do nmero, que estava no
presdio, uma peita de dinheiro da mo do Tenente-Coronel Jernimo
Machado Freire para deixar fugir o dito barco.
Item 2 que o Supremo na ocasio em que por descuido dos
sargentos tanto o cabo da guarda de bordo, como o da guarda de terra
do presdio, j o Supremo como comandante dele no estava no dito
presdio e j tinha partido para esta Vila com licena do dito Capito-mor dada por despacho no dia 28 de dezembro e o barco fugiu a 24,
vspera da festa do Natal.
Item 3 que o dito barco fugiu por descuido dos Sargentos
Manuel Pereira Porto, cabo da guarda de bordo e de Flix de Moura Pereira, Sargento da guarda do dito presdio a quem o dito capito-mor no
seu despacho nomeou para ficar em lugar do superintendente e a quem
o superintendente entregou todas a ordens que tinha a bem do servio e
os instrumentos nuticos e trs marinheiros da lotao do dito barco
presos no tronco daquele presdio a ordem do dito capito-mor como
mostrava pelo prprio recibo reconhecendo.
Item 4 que o descuido que tiveram os ditos dous sargentos,
cabo da guarda de bordo e do presdio, procedeu que vindo o dito
sargento Porto para terra e trazendo dous soldados consigo, requereu a
gente da lotao que precisavam fazer a guarda para ir para bordo e
dando o sargento Flix de Moura licena para irem os trs marinheiros
da lotao que se achavam presos no tronco a fazer a dita guarda se
descuidaram e os deixaram ir para bordo com a dita guarda chegando
estes com ela fingiram um recado falso dizendo ao cabo de esquadra
Manuel Jos Soares que estava na dita guarda que o Sargento mandava
dizer que fosse para terra e que levasse os dois soldados Jos Lus e
Flix de Oliveira que era para conduzirem um pouco de farinha para
bordo e ler umas cartas, que tinham chegado do dito capito-mor.
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Item 5 que pelo fingimento do recado falso que deram os ditos marinheiros desamparou o cabo de esquadra a guarda de bordo e
veio para terra com os dois soldados sem mais aviso do cabo por escrito
chegando a lancha praia, chamando-os meteram logo os remos de encontro o se foram para bordo soltando o pano se fizeram a vela com
dous soldados nicos, que s ficaram a bordo.
Item 6 que sucedendo todo o referido da forma que foi articulada e na ausncia do superintendente, que j no estava no presdio, se
acha preso sem culpa e o dito Sargento-mor por motivos que a molstia
cala e o dito sargento do presdio que deu fora e soltou o marinheiro
da priso para levarem guarda e o cabo que desamparou a guarda a bordo Manuel Jos Soares, se acham soltos este por ser criado do dito Capito-mor.
Item 7 que o superintendente comandava o dito presdio
com muito desvelo e vigilncia e nunca mandava levar a guarda para a
lancha seno por seus marinheiros dos trs que estavam presos e debaixo
de sentinelas e assim que embarcavam vinham debaixo das mesmas sentinelas para a dita priso e o mesmo devia praticar o sargento do presdio
para acautelar semelhante desordem.
Item 8 que o superintendente de oficial bem procedido, muito exato nas suas obrigaes do seu posto, muito limpo de mos e no
era capaz de receber peita, e somente se levantou essa voz por boca do
dito capito-mor.
Pede a Vossa Merc seja servido admitir ao superintendente a
justificar o referido e provado o que baste julgue Vossa Merc por justificado
mandando-lhe passar pelas vias que pedir para requerer sua justia. E.R.M.
A petio do sargento-mor Pereira de Negreiros traz mais ou
menos idnticos dizeres e v-se que da lavra do mesmo advogado.
Iniciou-se a inquirio das testemunhas a 29 de janeiro perante o juiz ordinrio Manuel da Cunha Linhares. Foram testemunhas: o
negociante Manuel Correia Henriques, os soldados Antnio da Silva e
Flix de Oliveira Ledo, o escrivo de rfos Incio Jos Gomes de Oliveira e o coadjutor da Matriz de Nossa Senhora de Assuno Padre
Francisco Jorge, os quais todos confirmaram a verdade das asseres
dos queixosos e depuseram contra o governador, salientando-se por
enrgico o depoimento do padre.
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o mais que constar da carta que lhe remeto e ao dito Ouvidor reprovando-lhe levar em sua companhia o Escrivo da Fazenda Real contra as ordens que h, e Regimento que determina fique na sua ausncia exercitando a ocupao de Provedor e Vedor Geral por poder de um a outro instante sobrevir diligncias e expedies do Real Servio que no admitam
a menor demora sem risco de perniciosas conseqncias, em ateno do
que foi o dito senhor servido declarar esta providncia, que se acha corroborada com repetidas ordens suas.
No que toca aos ofcios de Justia e Fazenda, quando se
acham vagos, os deve Vossa Merc arrematar por donativo a quem por
eles mais der na conformidade do decreto de cinqenta e seis com ateno sempre aos segundos para que no vo em preos to excessivos
que seja preciso a quem os levar tirar das Rendas Reais para se locupletar, sustentar e pagar a poro que por eles der, o que seno desta natureza de maior prejuzo do que dados gratuitamente as pessoas de verdade
e limpeza de mos, que com desinteresse os servissem, sendo certo que
uns e outros no pode Vossa Merc dar na sobredita forma ou por outra
alguma sem que proceda informao do Ouvidor Geral dessa Capitania
porque conste ter o pretendente a inteligncia e capacidade necessria
para o exercitarem e lhe apresente alvar do folha corrida, por onde verifique no ter culpa que lhe obste a serventia que procura e habilitados
desta forma os deve conferir aqueles que maior donativo derem para a
Real Fazenda, segundo racionalmente o permitirem as foras dos ditos
ofcios, o que fiz certo na que escrevi ao Ouvidor para que ficasse nessa
inteligncia, porm no que respeita a ocupao de Provedor como o seu
Escrivo lhe sucede na ausncia e no falecimento no fica tendo lugar a
mesma praxe e s sim a de V. M. dar Parte no caso do falecer o primeiro
de estar exercitando o dito emprego pelo predito bito para deste
Governo se prover por mim ou pelos meus sucessores a dita ocupao,
como consta do registro desta Secretaria se tem feito em todos os casos
idnticos, que houve em tempo dos meus antecessores.
No que toca s Provises para advogar nem a V. M. nem a
ele so permitidas passar por pertencer esta regalia para toda Amrica
somente ao Conselho Ultramarino e s no caso dos povos lhe requererem estarem faltos de Advogados que os patrocinem nas suas causas e
os Ministros respectivos informarem carecerem deles por no irem
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indefesos e desamparados nas suas aes, como remdio interino a poder Vossa Merc conceder aos inabitveis nesta indigncia, advertindo-os que a mandaro tirar com a brevidade possvel pelo dito Conselho.
Todos os presos, que forem apreendidos por culpas, roubos
ou crime, de que o seu conhecimento toque a justia, deve Vossa Merc
mandar entregar-lhe sem esperar que lhe peam para que na forma do
direito seja castigado com as penas que lhe correspondem, e quando
por ocupao o no faa com a brevidade que justo, se no pode estimular de que lhe peam licena para o embargar, nem embaraar o executem.
De todas estas questes e dvidas que se tem promovido
entre Vossa Merc e o Ouvidor me persuado no ser s causa a dureza
de gnio que contemplo no dito Ministro, mas to bem o ter Vossa
Merc admitido ao seu favor o sargento Jos de Barros, um fulano
Negreiros e outros desta qualidade, que no podendo servir-lhe de
utilidade s lhe reconheo aptido para o enredarem e sacrificarem o
seu crdito assim como o tm feito os celebrados Palanganas, que saindo desta Praa mal representados pelos seus odiosos procedimentos se
tm constitudo nessa Capitania homens grandes e opulentos pela cega
proteo, que lhe d o dito Ministro ao mesmo passo que os devia
conhecer para os especializar no castigo de que se fazem dignos.
Para Vossa Merc confirmar a prudncia de que me diz tem
usado se faz preciso separar de si os ditos sujeitos que deixo referidos,
pois na ostentao que faz de os atender e razes anteriores, que tinham
tido com o Ouvidor, entendo fundar este os princpios de procurar
mortific-lo, e como em se privar de sua companhia lhe no pode resultar inconveniente justo dar este passo a experimentar se por ele, sem
ceder da jurisdio, que lhe toca, se restabelece a boa harmonia que lhe
desejo, pois quando o no consiga ficar inteiramente justificado e mostrando que sem se intrometer na sua jurisdio nem lhe dar motivo por
que o merecesse experimentou da sua parte sem razes, que no servira
de mais que de o criminar e de segurarem a Vossa Merc o bom xito
nas questes que com ele tiver.
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que por ele logro, como no ignora, e o ser-me subordinado em tudo o que
diz respeito boa execuo do Real servio e a no consentir vexames com
os vassalos de Sua Majestade e nem permitir lhe falte o recurso que as leis
lhe permitem.
Porm como entende que a vara lhe faculta tudo o que lhe
dita a vontade, fica ao seu parecer lcito o mesmo que lhe proibido, e a
mim o desafogo de o pr na presena do dito senhor para que conhea
como obram absolutos alguns ministros da Amrica.
Na minha famlia no tem quem proteja as suas sem-razes,
e ainda que o houvera podia estar na certeza que sero inteis todos os
seus sufrgios, como tem experimentado em alguns requerimentos
quando da sua parte se no acompanhem de justia.
Nestes termos conveniente Vossa Merc moderar-se quanto a
prudncia permitir, esperando a deciso desta matria, que no podendo
deixar de lhe ser favorvel o meio mais proporcionado de o ver castigado
e a Vossa Merc com a glria de reprimir a sua ousadia sem o risco do dissabor, que se lhe pode seguir se romper em algum excesso.
Deus guarde a Vossa Merc muitos anos. Recife, 13 de julho
de 1759. Lus Diogo Lobo da Silva. Senhor Joo Baltasar de Quevedo
Homem de Magalhes.
O ouvidor Soares Barbosa era uma organizao disposta s
lutas. Com o prprio capito-general no receava-se de arcar. Prova-o a
carta de 13 de julho.
Referindo-se a esse perodo da nossa histria escreve Araripe
pg. 150 da Histria do Cear:
Homem de Magalhes e o Ouvidor Vitorino Soares tiveram
indecente contenda. O ouvidor queixou-se do governador imputando-lhe prevaricaes ao passo que este acusava o ouvidor de querer
assassin-lo chegando a convidar pessoas para semelhante atentado.
Este ouvidor passou como arbitrrio, foi argido de vender a justia e
de lapidar os dinheiros pblicos; o que certo que comprou fazendas
de gado no Riacho do Sangue e arrematou dzimos reais por interposta
pessoa, a qual faliu sem pagar o dbito real fazenda.
Araripe injusto com o ouvidor. So demasiado sombrias as
cores com que lhe traa o retrato moral.
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Recordava esse nome uma localidade vizinha capital Portuguesa. Talvez algum filho dali buscasse pagar um tributo de saudades
terra do nascimento dando seu nome vila novamente criada ou achasse
semelhanas entre a situao das duas localidades, uma colocada em
colina sobranceira ao Tejo, a outra descansando igualmente sobre pequeno
morro, a cuja base vinha morrer o Oceano.
So Jos de Ribamar, em Portugal, foi primitivamente um
convento de frades arrbidos, institudo em 1559 por Dom Francisco
de Gusmo, mordomo da filha de Dom Manuel, a infanta D. Maria, e
por sua mulher D. Joana de Blasvelt.
Reconstitudo em 1595, melhorado por vezes e acrescentado,
o pequeno convento mereceu a predileo do Cardeal D. Henrique, da
rainha da Inglaterra D. Catarina, viva de Carlos II, do devoto D. Joo
V, de muitos prncipes e princesas.
Dele restam hoje apenas memrias escritas, como tambm de
um outro convento, pertencente mesma ordem e perto dele situado no
dorso de um monte, o qual tinha o nome de Santa Catarina de Ribamar.
Este foi fundado em 1551 no local onde havia uma ermida consagrada quela Santa e cuja antiguidade era tal que segundo l-se na Histria
Eclesistica de Lisboa, do arcebispo D. Rodrigo da Cunha, j existia em 1171 e
era Igreja Paroquial tendo por fregueses no s os moradores da margem do
Tejo como os de Benfica, Alvalade, Lumiar e lugares intermdios.
O convento de So Jos de Ribamar, com a sua bem arborizada
cerca, foi posto venda pouco depois da extino das ordens religiosas em
Portugal; em seu lugar elevam-se hoje dois grandes prdios, disputados pelas famlias, que procuram aquela praia como um refrigrio aos colores de
julho e agosto, e entregam-se s diverses a que presta-se a localidade, que
uma excelente estao de banhos, com praia magnfica, limpa de pedras,
de um lado tendo Dafundo e de outro Pedrouos e Algs.
Assim foi Dom Fernando Martins Mascarenhas de Alencastro o
governador e capito-general em cujo tempo teve o Cear sua primeira vila.
E, pois, um dos seus benemritos.
Receio, porm, que poucos cearenses conheam-lhe sequer o
nome.
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Em carta de 5 de setembro de 1702 os oficiais da Cmara do Rio Grande solicitaram a el-Rei permisso para colocar na sala das sesses o retrato de Mascarenhas
de Alencastro como uma demonstrao de respeito e apreo aos servios por ele
prestados Capitania.
Foi-lhes denegada a licena em 9 de maio do ano seguinte e com o despacho:
No tem lugar esta singularidade, pois at na Bahia se mandou impedir principalmente respeitando-se a impossibilidade desse povo, pois no pode fazer o painel
dos Reis para a sua Matriz sendo este mais necessrio, pois era para o culto divino, do que o retrato do Governador a que no tendes, que para estranhar ver
tanta diferena e falta na capacidade crist e tanta ateno a uma vaidade.
E como o 9 de maio era dia pouco propcio aos rio-grandenses, que tinham
cometido o dislate de preferir o retrato de um governador ao del-Rei, que serve
para o culto divino, mereceram ainda os camaristas este despacho sob uma outra
pretenso:
Viu-se a vossa carta de 29 de agosto do ano passado em que pedis vos conceda
haver nessa Capitania um convento de religiosos por necessitar muito dele tanto
para o servio de Deus como para o bem comum: E pareceu-me dizer-vos que
como se tem pedido estes anos ornamentos e o mais necessrio para o culto divino da Igreja Matriz desta Capitania por no terdes bens suficientes para este efeito
se considera os tereis menos para a sustentao destes religiosos.
Carta Rgia de 2 de outubro de 1700.
Carta de 24 de fevereiro de 1706.
Vereao de 26 de fevereiro de 1706.
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De 11 de setembro de 1706.
Vereao de 23 de outubro de 1706.
Carta da Cmara no Capito-Mor Francisco Duarte a 14 de maro e deste a aquela
a 24 de maro de 1713.
Ofcios da Cmara a Francisco de Castro de Morais e a Sua Majestade.
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evitem as alteraes e discrdias que fomentarem, e chegou a mim notcia que o Vigrio Joo de Matos Serra da Vila de So Jos de Ribamar
da Capitania do Cear procedeu como revoltoso e prejudicial quietao pblica deste Governo, porque incorporado com quarenta e tantos
moradores em tom de motim contravieram a ordem por que sua Majestade foi servido mandar que aquela Vila se mudasse do stio em que se
acha para o stio chamado Aquiraz e obrigaram ao Capito-Mor a quem
cometi a dita Ordem para lhe dar a devida execuo que a suspendesse;
para proceder contra este Vigrio na forma em que o dito Sr. manda ordeno ao Juiz Ordinrio da Vila de So Jos de Ribamar que extrajudicialmente tire informaes por cinco ou seis testemunhas dignas de crdito se o referido assim sucedeu e se o dito Vigrio foi agressor na contraveno da dita ordem e inquietador do sossego pblico, e me remeta
logo o depoimento que ditas testemunhas resultar para eu prover neste
p.ar como me parecer mais conveniente ao servio de Sua Majestade e
sobre os moradores que se incorporaram com o dito Vigrio tirar o sumrio de testemunhas com o qual me dar conta para proceder contra
os compreendidos neste caso conforme o merecimento de sua culpa.
Recife, 9 de junho de 1713. Rubrica de Flix Jos Machado.
Carta ao Juiz Ordinrio da Vila do Cear sobre o sumrio de
testemunhas que antes se lhe havia ordenado que tirasse do procedimento do Vigrio Joo de Matos.
Por outro correio expedido daqui os dias passados remeti a
Vossa Merc ordem para se averiguar por sumrio de testemunhas o
procedimento com que se houve o Vigrio Joo de Matos Serra e outras
pessoas contravindo a ordem de Sua Majestade que Deus guarde sobre
a mudana dessa Vila para o stio dos Aquiraz. E por este que agora
parte digo a Vossa Merc que no deve ter exerccio a forma da dita ordem e que somente use Vossa Merc da inclusa que lhe remeto. Deus
guarde a Vossa Merc, ms, anos. Recife, 19 de junho de 1713. Rubrica
de Flix Jos Machado.
Uma circunstncia a notar. Na mesma ocasio da ordem lanada contra Matos Serra lavrou Flix Machado uma portaria contra outro Vigrio, o de Una, por ter num domingo de maio estranhado do plpito a alguns dos seus fregueses no acompanharem ao seu Bispo e descomposto a outros, chamando-os de vis, baixos e ladres.
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No que respeita s propostas para a nomeao para Almoxarifes da Fazenda Real se principiaram estas a fazer na Cmera desta Vila
do Aquiraz como cabea da Comarca no ano de mil e setecentos e quarenta por virtude e em cumprimento de um precatrio do Doutor Toms da Silva Pereira, Ouvidor-Geral e Provedor da Fazenda-Real, que
entam hera desta Capitania, cuja cpia tambm remetemos. E o que na
verdade consta dos ditos Livros em que se acham registados os documentos cujas cpias remetemos. Deus Guarde a Vossa Excelneia. Vila do
Aquiraz escrita em Cmera de dezanove de janeiro de mil e setecentos e
cinqenta e nove. Crispim Gomes de Oliveira escrivo da Cmera a
escreva. De Vossa Excelncia. Muito Veneradores. O Juiz Apolinrio
Gomes Pessoa. O Vereador Francisco Gonalves Chaves. O Vereador
Manuel Fernandes de Arajo. O Procurador Manuel Rodrigues Serpa.
De posse das informaes pedidas e depois de considerar um
ano resolveu afinal o governo que fora Aquiraz vila antes de Fortaleza.
Dos prprios documentos enviados pela Cmara do Aquiraz outra devia ser a concluso mas ao governo aprouve a deciso contraria. Ei-la
aqui juntamente com o ofcio com que Homem de Magalhes transmitiu-a aos interessados.
O Senhor Governador e Capito-General de Pernambuco
me remeteu a cpia inclusa da determinao que Sua Majestade Fidelssima tomou a respeito de ser mais antiga essa Vila do Aquiraz que esta
da Fortaleza, e como tal lhe pertencer a nomeao das pessoas que ho
de servir de Almoxarifes da Fazenda Real desta Capitania, em virtude da
mesma Ordem ordeno a vossas mercs que logo a mandem registrar no
Livro dos Registros de Ordens Rgias desse Senado, e que com a mesma
brevidade me proponham trs pessoas mais idneas e de melhor capacidade para eu prover uma delas em o sobredito ofcio e advirto a vossas
mercs que na forma da mesma Ordem lhe fica a vossas mercs a regalia de escolherem, para a dita proposta trs pessoas que basta serem assistentes no continente desta capitania e no como at agora se costumava
prover que eram s em pesoas deste distrito, vossas mercs assim o
executem logo e me remetam o prprio tanslado, certido e como fica
registrado e a proposta do referido ofcio. Deus guarde a vossas mercs
Vila da Fortaleza e de julho dezenove de mil setecentos e sessenta. Joo
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inverno comumente se inunda, Vossa Majestade mandar o que for servido. Aquiraz, 19 de fevereiro de 1751. O Provedor Geral do Cear,
Alexandre de Proena Lemos.
A proposta dos camaristas no sentido de remover-se a vila de
Fortaleza para a Ribeira do Acaracu deu ensejo troca de uma interessante correspondncia, que ofereo ao leitor convidando-lhe a ateno
principalmente para a carta de Pedro de Morais Magalhes.
Em virtude dessa carta deu Correia de S seu parecer de 8 de
junho de 1752, que ps fim s pretenses desarrazoadas da gente do
Aquiraz.
Leiamos a correspondncia:
Dom Jos por graa de Deus Rei de Portugal e dos Algarves
daqum e dalm-mar em frica, Senhor de Guin etc. Fao saber a vs
Governador e Capito-General da Capitania de Pernambuco que representando os oficiais da Cmara do Aquiraz ser preciso mudar-se a vila
da Fortaleza para o stio do Acaracu: Me pareceu ordenar-vos tomeis as
informaes necessrias sobre esta matria e me dareis conta interpondo o vosso parecer para se averiguar se ser conveniente a mudana da
mesma vila da Fortaleza para o dito stio do Acaracu. El-Rei Nosso
Senhor o mandou pelos Conselheiros do seu Conselho Ultramarino
abaixo assinados e se passou por duas vias. Teodoro de Abreu Bernardes a fez em Lisboa a vinte e cinco de novembro de mil setecentos
cinqenta e um. O secretrio Joaquim Miguel Lopes de Lavre a fez
escrever, Fernando Jos Marques Bacalhau, Diogo Rangel de Almeida
Castelo Branco.
Senhor Dr. Ouvidor corregedor da Cmara. Em vereao
de catorze do ms de junho de mil e setecentos e quarenta e oito pelo
Doutor Manuel Jos de Faria ouvidor-geral que foi desta Capitania foi
apresentada aos oficiais deste Senado nossos predecessores uma ordem
de S. Maj. que D. G. por virtude da qual tinha sido criada a vila de Santa
Cruz do Aracati para serem ouvidos sobre a extenso do termo que se
lhe devia dar na forma que na dita ordem se continha e com efeito se
assentou entre os ditos oficiais em presena do dito ministro em que se
lhe desse para termo todo o Jaguaribe da parte do nascente do rio assim
chamado at o stio de Jaguaribe-mirim em que se entra pelo termo da
vila do Ic treze lguas e da parte do poente vindo pelo rio abaixo at a
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mais freqentado do negcio que com a ereo da dita vila se lhe privou, pois costumando antes de sua ereo vir a aquele lugar mais de vinte e cinco Barcos depois dela muito apenas vm seis at sete como notrio com muitos menos negcios o que tem resultado muito grande
prejuzo a toda esta capitania, atendendo-se maiormente a incapacidade
do lugar para nele haver vila por causa das repetidas inundaes que
nele costumam haver as quais pem tudo por terra e causam prejuzo
considervel a todos os seus habitadores. o que pudemos responder
a Vossa Merc. Vila dos Aquiraz escrita em Cmara de 19 do ms de
fevereiro de mil e setecentos e cinqenta e um anos. Eu Crispim
Gomes de Oliveira escrivo o escrevi, Apolinrio Gomes Pessoa,
Antnio da Silva Correia, Antnio de Melo Lima, Francisco Pereira
Faanha, Alexandre Barbosa Lima.
Traslado do termo de vereao de catorze de junho de mil e
setecentos e quarenta e oito anos.
Aos quatorze dias do ms de junho de mil e setecentos e
quarenta e oito anos nesta vila de So Jos de Ribamar dos Aquiraz
Capitania do Cear Grande em a casa da Cmara que serve de Pao do
conselho dela onde se achavam os oficiais da Cmara abaixo assinados e
o Juiz ordinrio o sargento-mor Joo de Freitas Guimares e o Doutor
ouvidor-geral e corregedor da comarca Manuel Jos de Faria presidente
nela comigo escrivo ao diante nomeado, e sendo ali pelo dito Ministro
foi dito e apresentada uma ordem de Sua Majestade que Deus guarde
pela qual foi o dito Senhor servido ordenar-lhe criasse e erguesse uma
vila no lugar do Aracati onde com efeito j se achava criada porm
como para a extenso e demarcao do termo da nova vila ordenava o
dito Senhor sendo que se no pudesse fazer sem prejuzo dos termos
desta vila e da do Ic fossem ouvidas as Cmaras de uma e outra parte
com os votos dos oficiais da nova vila se assentar na extensa do termo
dela que se devia fazer sem prejuzo das outras em cujo meio ficava em
ordem a no ficarem lesas e evitar questes para o futuro, o que tudo
sendo ouvido pelos oficiais da Cmara com o mais que se continha na
referida ordem assentaram entre todos que visto dever-se com efeito
constituir termo a nova vila de Santa Cruz do Aracati e este precisamente se havia de tirar a maior parte da vila dos Aquiraz por ser a de Santa
Cruz fundada quase no meio de sua jurisdio lhes parecia considerando
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duas vilas da Fortaleza e Aquiraz em uma s freguesia cuja igreja Paroquial a de So Jos de Ribamar dos Aquiraz sita no meio da dita vila
dos Aquiraz, o que tudo sendo ouvido por ele dito Doutor Ouvidor
mandou se assentasse por termo e que dele eu escrivo da Cmara lhe
passasse certido por duas vias para com ela e com os assentos das mais
cmaras dar conta a Sua Majestade para tomar a resoluo que fosse
servido do que mandava fazer este termo em que assinou o dito Doutor
Ouvidor-Geral com o Juiz e mais oficiais da Cmera e eu Crispim Gomes
de Oliveira escrivo o escrevi. Faria, Guimares, Antnio de Sousa
Cavalcanti, Caetano Freire do Prado, Manuel Ribeiro do Vale, Cosmo
Rodrigues Barbosa. E no se continha mais nem menos em dito termo
de vereana que eu sobredito Crispim Gomes de Oliveira escrivo da
Cmera nesta vila de So Jos de Ribamar dos Aquiraz capitania do Cear
Grande por Sua Majestade que D. G. aqui por mandado do Juiz ordinrio o licenciado Apolinrio Gomes Pessoa trasladei bem e fielmente do
prprio termo que achei lanado no livro que serve nesta Cmara de
Vereana ao qual me reporto em tudo e por tudo escrevi o assinei sendo
nesta sobredita vila dos Aquiraz aos 18 dias do ms de fevereiro de 1751
anos. O escrivo da Cmara Crispim Gomes de Oliveira.
Ilm E Exm Senhor Governador e Capito-General Satisfazendo a ordem de Vossa Ex para informar se ser conveniente o
mudar-se a vila da Fortaleza do Cear para o stio do Acaracu como
representaram a S. Maj. que Deus guarde os oficiais da Cmara do Aquiraz: me parece dizer a Vossa Ex que como aquela ribeira do Acaracu se
acha com suficiente nmero de moradores poder ser conveniente
criar-se uma nova vila no stio chamado Acaiara aonde est fundada
Matriz e por ordem de Sua Majestade reside Juiz e escrivo para administrar a Justia, porm no me parece preciso nem conveniente o extinguir-se a vila da Fortaleza por esta estar situada prximo ao mar cujo
porto posto fica em distncia de uma lgua da dita vila para onde se
conduzem facilmente os efeitos dos mais freqentados dos Barcos
que navegam por aquela costa e aonde os primeiros fundadores que
conquistaram aqueles sertes se situaram e fortificaram com um reduto
que s h vestgios para se refugiarem dos insultos do Gentio Brbaro
para o qual por ordem de Sua Majestade e vai todos os anos uma
companhia de guarnio e acharam que naquele stio tinham suficiente
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Captulo IV
EXTINO DA ORDEM DE JESUS. UM INDITO DO PADRE
LOURENO KAULEN. BERNARDO C. DA GAMA CASCO. O
DIRIO DO PILOTO MANUEL RODRIGUES. OS HOSPCIOS DE
VIOSA E AQUIRAZ. ELEVAO DAS ALDEIAS DOS NDIOS A
VILAS. JUZES E CAMARISTAS DAS VILAS NOVAMENTE
ERETAS. OS JESUTAS JOO GUEDES, MANUEL BATISTA E
ROGRIO CANSIO. MORTE DE HOMEM DE MAGALHES.
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Palavras de dAlembert.
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Que sei eu? Naquele crebro possante a quem era dado lobrigar os pensamentos e as causas, que os geravam?
Dizia Talleyrand que a palavra fora inventada para ocultar o
pensamento; Pombal era um Talleyrand doubl de um inquisidor. E que
inquisidor! Que o diga Malagrida.
Quem fazia o filho trajar a roupeta dos Padres da Companhia
para conquistar-lhes a confiana era um adversrio bastante fino para
deixar-se surpreender.
Penso que todas as causas acima ditas condenaram o Instituto
de Loiola, mas acredito que deram-lhe a queda principalmente as idias
que professava Pombal, corao empedrado pelo atletismo do seu, ainda
assim, mal compreendido Voltaire,2 e que eram diametralmente opostas
s dos jesutas, e bem assim o desejo de aniquilar todas as resistncias ao
poder real, e portanto ao seu prprio poder, pois que em suas mos foi
D. Jos um simulacro de rei.
Um motivo religioso e um motivo poltico. Ambos adversos
liberdade do pensamento e liberdade de conscincia, ambos detestveis
portando.
Havia tambm outras consideraes a atuarem em seu esprito,
mas a essas apelidarei de segunda ordem ou meros coadjuvantes.
Nada conheo pior que um homem escravizado por teorias
religiosas, idias filosficas, ou questes sociais desta ou daquela ordem.
O partidarismo faz mrtires, mas para haver mrtires so precisos os
verdugos. Ora, Pombal era um fantico em matria poltica e em religio, e sendo o mais forte porque dominava e escravizava o prprio rei
no seria vtima, e as vtimas o mundo todo as conhece.
Pouco importava-lhe que as pginas da histria do seu pas e
das colnias estivessem cheias dos feitos desses missionrios, que sacrificava. No Brasil, por exemplo, quantos servios prestaram! Revoltam-se
os ndios do Sul e pem em iminente perigo a vida e a propriedade dos
colonos, mas iro Nbrega e Anchieta ao seio deles e lhes trocaro o
dio em amistosas relaes; infrutfera a expedio do Pero Coelho,
mas viro logo aps os Padres Francisco Pinto e Lus Figueira, dos quais
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O Pe. Kaulen autor de uma biografia do Pe. Wolff, seu companheiro nas misses e nos crceres.
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o qual foi encarregado de ir dar o fatal golpe aos padres com o aviso da
abolio de sua Religio, o qual era para eles mais amargoso do que o da
mesma morte que esperavam.
Esta ordem executou ele s horas de gentar antes que gentassem, e como esta improvisa novidade lhes tirou totalmente a vontade
de comer e os assustou de tal sorte que alguns ficaram como fora de si,
uns ficaram como mudos, outros choravam, enfim todos ficaram com a
dor, que no se pode explicar, como atordoados, pois esta cousa to
esperada parecia mais ser um sonho de que cousa possvel. Depois de
gentar veio este comandante outra vez e para ele poder um sonho ao
Marqus queria que os padres por ele mandassem dar os agradecimentos
ao Marqus dizendo que estavam muito contentes com o aviso e com a
desfeita da sua Religio, mas isso no cabia no corao de filhos to
amantes de sua me como eram os Padres de sua religio, que os tinham
criado e pela qual eles dariam a sua vida. Pelo que alguns em nome de
todos lhe replicaram que nisso no consentiam, mas no obstante isto
disseram que ele foi levar o seu ideado recado ao Marqus, o que era
injurioso aos Padres.
Da uns dias enquanto se lavrou a intimao do Breve da
Extino, mandou o Marqus aos 9 de Setembro no Eclesisticos
como devia ser mas um secular, que era o Ouvidor de Oeiras com o seu
escrivo, que nem o sabia bem ler ou por ser mal escrito pelo Sr. Doutor,
que estava atrs dele ajudando-o a constru-lo, ou por estar este ainda
pouco corrente no ler. Este naquela vila to famoso homem vinha com
tal medo que no quis vir abaixo sem ser acompanhado de uma escolta
de soldados armados ainda que o Comandante bem lhe disse que l no
eram precisos soldados por serem os Padres muito humanos e tratveis,
e que ele todos os dias ia ter com eles sem susto, mas no foi possvel
acomod-lo para que desistisse da empresa por mais razes que lhe dessem
pelo que veio fronte deles acompanhado do Comandante e do sargento
major da Praa e de alguns outros para o lugar aonde j estavam os
Padres ajuntados, ficando os soldados eram quatro fileiras na entrada da
porta do corredor em que se executou este famoso auto, intimando a
Ordem Rgia e o Decreto dizendo que por Ordem de S. Majestade vinha
a fazer a presente intimao, entregando-a ao escrivo para a ler. Nela recapitulava o Breve e dizia que S. Majestade o aprovava e o mandava execu-
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tar nos res, que ali estavam. Sendo tantos os feridos desta seta4 para
admirar que nenhum desse sinal da dor. Sofreram a injria com religiosa
pacincia e grandeza de nimo. Pois re no se pode chamar quem nunca foi
culpado, nem ouvido, nem condenado ou sentenciado, como os que ali
estavam, dos quais s um ou dois eram de Portugal, os mais eram missionrios de diversas partes do mundo.
Acabado este ato puxou pelo Breve impresso em Latim e
Portugus, dizendo: que o podiam ler se queriam. Enquanto os Padres
leram o Breve se foram para cima. Depois voltaram, e o Ouvidor mandou
que os padres ali mesmo despissem as roupetas e as pusessem sobre
uma banca que ali estava dizendo que sem elas no se ia dali.
Alguns logo obedeceram e comearam a despir-se; a outros
metia isso horror por ver-se descompostos, estando mal cobertos sem
roupeta por falta do vesturio interior, pelo que pediram ao comandante
que por menos os deixasse ir para os seus crceres para se cobrir com
alguma cousa: concede-o isso, e todos com suma dor do seu corao
entregaram as suas santas e religiosas roupetas, que com suma venerao
costumavam de beijar e quando as vestiam e despiam como Hbito de
Cristo, de quem eram scios, e a quem imitavam neste ato, lembrando-se
de como antes de ser crucificado se deixou despir to bem por soldados,
que jogaram os dados sobre os seus santos vesturios a sua vista quando j
estava na Cruz; parte dos que levavam estas santas e algum dia to
respeitadas roupetas j tinham jogado o entrudo com outras semelhantes
a elas (que tinham pilhado dos defuntos), na pblica Praa da Torre, e
em casa do Comandante fingindo-se confessores do sexo feminino,
com que ali brincavam, e isso sendo catlicos, e em to santo tempo;
ato to escandaloso que meter horror posteridade e pasmo ainda aos
mulos da Religio. E agora estas arrancadas quase a fora e com violncia dos corpos de Sacerdotes e Pessoas consagradas a Deus iro para
levar ainda maiores injrias e desonras se Deus o permitisse, e no
tivesse sido a cobia do comandante o qual para no dar outro vesturio
as mandou outra vez para baixo com a condio de se lhes cortar o
cabeo.
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No manuscrito acima da palavra seta l-se a palavra golpe escrita com tinta diferente
mas evidentemente do punho do Padre Kaulen.
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E assim os pobres ndios sofriam o que nunca experimentaram durante o ominoso governo dos padres, falta de ptria, falta de alimentos porque as constantes mudanas impediam ou inutilizavam as
culturas, falta de ensino, falta dos sacramentos porque o governo negava-lhes vigrio onde eles queriam estabelecer-se e eles recusavam ficar
onde o vigrio assistia.
Afinal a piedade de Borges da Fonseca deu-lhes guarida na
vila de Montemor-o-novo, ereta na serra do Baturit e distante 16 lguas
de seu antigo stio.
Esse quadro desolador seria peculiar aos Paiacus?
Prouvera aos cus. Vai conhecer o leitor o estado de outras
misses. Encarrega-se de descrev-lo o citado governador B. da Fonseca, o prprio que ordenou luminrias por 3 dias a todas as vilas da Capitania para festejar a extino dos jesutas:
...cuja resoluo seguirei tambm com os ndios Jucs, aos
quais considero em maior desamparo espiritual e maior perigo de se
despergirem pelos matos por terem a sua antiga misso na freguessia de
N. Sr do Carmo dos Inhamus, ltima desta Capitania pelo centro do
serto que a divide do Piau; estes ndios se anexaram Vila do Crato;
porm como todos os mais pouco tempo se detiveram nela porque fugindo se meteram aos matos pelos quais andaram perto de dois anos; o
Coronel Manuel Ferreira Ferro por ordem minha os tem reconduzido
com muito grande trabalho sua antiga misso, esperanando-os com a
criao de lugar que pretendem e no que os tenho mais seguros para seguir o que V. Ex determinar; se o Coronel no usasse da sua indstria
ainda hoje estavam no mato.
Ainda achei outra Misso sem direo nem meios de se civilizarem. Esta a dos Tramambs situados a menos anos nas praias, vizinhas aos rios Aracati-au e mirim porque vivem a maior parte do ano
no mar como se fossem monstros marinhos sustentando-se somente de
peixes e tartarugas em cuja pescaria so destrisimos.
Tem sua bela igreja de pedra e cal das melhores e mais ricas
desta Capitania porque os antigos missionrios e vizinhos tiveram cuidado
de fazer-lhe bom patrimnio.
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Governador cujo nome sempre ser eterno na nossa lembrana se praticou por todo o tempo daquele Governo sendo esta prtica deduzida da
disposio do Diretrio dos mesmos ndios.
Seguindo-se o tempo, se aumentou na dita Tesouraria uma
crescida soma de mil cruzados por que morrendo muitos dos respectivos ndios que tinham trabalhado para formar aquele monte, e desertando destes muitos mais para fora da Capitania e para os matos deixaram
os seus bem merecidos jornais por cobrar parando todo aquele dinheiro
no respectivo cofre, formando-se com ele a grande soma de muitos mil
cruzados, nem se utilizam deles os herdeiros e parentes dos ndios mortos e fugidos, que com os seus trabalhos os adquiriram, nem os ndios
das respectivas povoaes, e antes exaurindo-se o dito cofre e divertindo-se aquele dinheiro para outras partes a ttulo de emprstimo, feito
aos inimigos e opressores dos mesmos ndios, vemos que estes s trabalharam e trabalham para alimentar aos mesmos, que os perseguem.
Os restos destes infelizes ndios, que deviam existir nos seus
respectivos domiclios, vivem sem instruco, algum no passando o seu
vesturio de uma camisa e um calo de pano grosso de algodo que o
seu comum traje ( exceo de uns poucos dos seus oficiais) vivem gemendo debaixo do mais rigoroso jugo que ainda entre a barbria no o
tiveram igual. A um Jos Maralino Nunes e a Lus Lecont, criados do
Governador e Capito-General existente, so dados aos centos para trabalharem nas suas grandes roas e manufaturas pelo diminuto salrio de
quatrocentos ris por ms, fazendo-se para esse fim descer dos sertes
da Parnaba e Tutia muitos dos sobreditos ndios, alm dos que lhes
do dos das povoaes vizinhas a esta cidade, resultando disto as deseres destes, originadas da inquietao, trabalhos, castigos e desgostos
em que todos vivem.
Os seus inocentes filhos so repartidos pelas pessoas que esto
no agrado de quem os reparte, e sem terem outra instruo mais que
no seja a que lhe d o rstico exerccio de pescar no do esperanas
de terem em tempo algum nem a cincia dos Dogmas da F e da Religio para poderem conhecer a Deus e conseqentemente salvarem as
suas almas, nem que algum dia sero hbeis para o servio da Repblica:
Servindo estas tiranias to-somente para os fazer sepultar cada vez mais
no abismo da barbaridade, porque desertando os mesmos infelizes e
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dia, alm do sustento, foram por isso presos em calcetas, e depois denegados ao mesmo Lus Antnio, e depois disso foram para o servio dos
ditos patrocinados vencer o diminuto salrio de quatrocentos ris por
ms, que a treze ris por dia.
Estes tristes acontecimentos tm sido a ocasio de vermos
deturpadas as povoaes, maiormente a de que eu sou Principal, que a
da vila de Viana, porque como exasperados se ausentam, o que em
prejuzo do pblico; e porque eu como Principal dos mesmos ndios sou
participante de todas estas tiranias, ao que minhas foras no podem remediar, ponho na presena de V. Maj. com a mais profunda humildade,
venerao e respeito os sobreditos acontecimentos. Maranho a 18 de
julho de 1782, Jos Demtrio Gonalves. Principal.
Mas esse Principal, digo eu, podia bem ser um despeitado.
No mentiria ele? Sua vida e dos seus subordinados no seria muito outra que no a que ele pintava nessa representao? Nem por sonhos, e se
no o Desembargador Procurador da Fazenda no lavraria um despacho em que reconhece a existncia de todos os agravos mencionados
nela.
Conheo que com os ndios se praticam injustias que cada
vez os afastam mais, e em lugar de os acarear os afastam e afugentam;
alm de bastar a experincia para assim se conhecer, nesta conta se referem algumas que assim o persuadem. Uma delas a obrigao que se
pem aos ndios de servirem a quem eles no querem e sem mais ajuste
que o de um pequeno salrio: esta obrigao mais efeito de cativeiro de
escravo que de homem livre, e a isto necessrio ocorrer, e me parece
pode ser pelo meio de se ordenar ao Governador que no deve praticar
dar por este modo os ndios, que se ocuparem na sua prpria lavoura ou
que esto prontos a servir por aquele que seja conveniente, como me
parece o de 120 rs. por dia.
Da mesma forma se lhe deve ordenar no obrigue a servir as
mulheres contra vontade de seus maridos, nem aos filhos e filhas, que
esto naquela idade em que se lhes deve ensinar a Religio, e a aprenderem a doutrina, s se seus pais para este mesmo fim os quiserem em
algumas casas em que os ensinem.
Aos outros escravos, que no estiverem ocupados, e que forem to inbeis que no tenham gnio para se ajustarem, e for necess-
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Manuel Ribeiro e o Padre Aleixo Antnio, o notvel pregador nas exquias de D. Joo V.
Para o Esprito Santo seguiram o desembargador Joo Pedro
de Sousa de Sequeira Ferraz, o escrivo Jos Pereira de Brito e tantos
soldados quantos o Conde de Bobadela julgou suficientes contra os 6
professos, 10 leigos e 2 novios, que l havia e que a 4 de janeiro de
1760 saam porto afora em demanda de Lisboa.
Na Bahia as cousas foram feitas de modo a alarmar a populao.
A 7 de janeiro de 1760 entrava na barra um navio trazendo
sinal do Vice-Rei, apesar do ento existente D. Marcos Conde dos
Arcos estar governando a contento geral e no haver dado ao ministro
motivos para acreditar que ele fosse infenso sua poltica. Era que o
Conde dos Arcos tinha o carter muito alevantado para servir de dctil
instrumento nas mos do governo, como provou ao depois, valendo-lhe
sua sobranceria desgostos cruis. Vinha, com efeito, um sucessor, o
Marqus de Lavradio e com ele um novo coronel, porque da interpretao falsa de um tpico de uma carta do que l estava sups o governo
ou fingiu supor que a tropa estava disposta a garantir os padres e a impedir que fossem retirados.
Gomes de Andrade logo que teve notcia das ocorrncias no
Reino prendeu os padres de sua Capitania consignando-lhes a diria de
trs tostes.
O governador e capito-geral de Pernambuco cercou os colgios de Olinda e Recife e encarcerou seus habitantes, mandando dar
para sustento a cada um a quantia de 100 ris por dia.
Para o Cear e Rio Grande do Norte, de acordo com esse governador e por escolha do ministro, foi encarregado de levar a efeito as
medidas de salvao pblica o Desembargador Bernardo Coelho da
Gama Casco.
O leitor vai entrar no conhecimento das instrues de que ele
veio munido para a execuo do seu papel fazendo a leitura destes muito
interessantes documentos:
Pela cpia da Carta Instrutiva que nesta ocasio escrevo ao
governador e capito-general dessa Capitania e papis que ela acusa ficar
vossa merc entendendo o que Sua Majestade tem determinado quanto
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das terras aonde entravam mas at, o que mais , dos mesmos ndios habitantes delas, como se os homens livres pudessem estar no comrcio
para serem possudos como escravos contra as disposies de direito
natural e divino, como se os sobreditos ndios pudessem ser espoliados
do domnio que nas mesmas terras lhes tocavam como naturais e primeiros habitantes e ocupantes delas, e como se ainda as outras terras
que se achassem legitimamente possudas por vassalos meus civilizados
pudessem passar aos mesmos religiosos sem licena especial minha com
a expressa declarao e taxao das certas somas ou importncias dos
bens nas sobreditas licenas facultadas: acrescendo a tudo outros ainda
maiores e mais escandalosos absurdos com que os sobreditos religiosos
se tm prostitudo e secularizado pela animosidade que neles influram
aquelas clandestinas e reprovadas usurpaes para nelas se levantarem
contra os meus governadores e ministros com tantas, to repetidas e to
inveteradas perturbaes do sossego pblico dos meus vassalos que j
no pode dispensar a minha Rgia autoridade da eficaz proteo com
que devo mant-los em justia, em paz e em sossego. Em considerao
de tudo o referido sou servido que logo que chegardes a Pernambuco
faais intimar a todos os prelados de cada um dos Colgios, casas, residncias e quaisquer outros lugares aonde tiverem habitao os ditos Religiosos da Companhia que no termo dos primeiros vinte dias depois da
intimao que lhes fizerdes por carta feita pelo escrivo do vosso cargo
e por vs assinada hajam de exibir perante vs as relaes dos bens de
raiz que cada um dos ditos Colgios, casas, residncias e lugares tiverem
sua posse ainda que seja debaixo do pretexto de administrao de capelas sem para isso haverem precedido Licenas Rgias concernentes a
cada um dos referidos bens com a taxao da sua importncia: E isto
com a cominao de que no exibindo as ditas Licenas no referido termo
procedereis como logo deveis efetivamente proceder a irremissvel
seqestro naqueles bens de raiz em que o no achares feito por virtude
das minhas antecedentes ordens, o que se entende a respeito dos ditos
bens possudos sem faculdades rgias expedidas na forma da ordenao
do reino com a expresso dos valores por ela facultados. Porm ainda a
respeito destes bens possudos com faculdades rgias deveis examinar
com toda exatido se se acham nos Limites que foram permitidos para
os conservardes no domnio dos referidos religiosos ou se foram ampliados
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com aquisies no facultadas para tomardes para a minha coroa aqueles em que se verificar o excesso reprovado pelas sobreditas leis e ordens, sendo os ditos bens situados nos sertes e aldeias de ndios que
novamente se devem erigir em vilas e lugares com vigairarias providas
na forma das minhas ordens em clrigos seculares; depois de estabelecerdes a casa da residncia do Vigrio com os seus competentes passais
de acordo com o Bispo daquela Diocese repartireis as terras que restarem pelos ndios e habitantes das referidas vilas e lugares tambm de
acordo com o governador e capito-general daquelas Capitanias e com
o mesmo bispo, vencendo-se pela pluralidade dos votos qualquer dvida
que haja sobre as pores desta repartio para que se no suspenda o
efeito dela at se me dar conta para eu resolver o que julgar mais conveniente segundo a exigncia dos casos. Os prdios urbanos e mais bens
situados nos subrbios e lugares adjacentes capital e mais terras notveis,
depois dos seqestros que neles houveres feito, sero administrados at
segunda ordem minha pelos seqestrrios que em junta com o mesmo
bispo e governador se julgarem mais idneos, dando-me conta das propriedades e da importncia dos rendimentos anuais do que produzir
cada uma delas para eu ordenar o que me parecer oportuno o que tudo
executareis nesta conformidade no s na Capitania de Pernambuco
mas em todas as mais pertencentes quele Governo com o zelo e atividade que de vs confio e requer de sua natureza uma diligncia em que
tanto se interessa o servio de Deus e meu, como o bem comum e sossego pblico dos meus vassalos que habitam nas referidas Capitanias,
sem admitirdes recurso algum que no seja devolutivo e imediatamente
reservado para a minha Real pessoa com inibio de todos e quaisquer
ministros e de todos quaisquer tribunais, e para escrivo desta comisso
nomeareis a pessoa que vos parecer mais capaz e lhe dareis o juramento
no sendo oficial de justia, o qual hei por bem que tenha f e em juzo
e fora dele, em tudo o que e de ordem vossa escrever. Escrita em Belm
a quatorze de setembro de mil e setecentos e cinqenta e oito. Para Bernardo Coelho da Gama Casco, Ouvidor de Pernambuco. Subscrito da
ordem Real Por el-Rei. A Bernardo Coelho da Gama Casco, Ouvidor de
Pernambuco.
Carta Instrutiva. Sua Majestade me manda remeter a V.
a
Ex as Cartas Rgias que constam da relao inclusa, as quais V. S deve
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servido expedir sobre esta matria, as quais far registrar nessa Secretaria, Provedoria da Fazenda e Cmara remetendo-me certido de assim
se ter executado, porm, cuidando com o maior desvelo em que no sejam interrompidas, pela inobservncia e transgresso que alguns moradores intentam fazer, porque havendo-os sero castigados como nelas se
expende. Aos diretores toca o cuidado dos ndios habitadores das suas
respectivas vilas e lugares a que se destinam, e a Vossa Merc o concorrer para que se no embarace nem encontre em cousa alguma as acertadas direes que aos mesmos se prescrevem para se dirigirem em benefcio dos mesmos ndios e argumento do que a Real inteno de Sua
Majestade procura fazer populosos e florentes estes estabelecimentos.
Deus guarde a Vossa Merc. Recife, 18 de maio de 1759. Lus Diogo
Lobo da Silva. Sr. Capito-Mor do Cear.
Como Sua Majestade Fidelssima foi servido mandar erigir
em vilas e lugares as antigas aldeias da administrao dos Religiosos da
Companhia facultando-me e ao Exmo e Revm Sr. Bispo e Ouvidor-Geral desta comarca assinar as cngruas que ho de vencer os vigrios e coadjutores destinados a cada uma das ditas vilas e da mesma sorte
os justos ordenados que correspondem aos diretores e mestres segundo a
graduao em que estavam para mais solidamente se poderem conduzir
ao justo fim que a sua inata piedade premedita, se faz preciso que Vossa
Merc entre por essa Provedoria a satisfazer a cada um dos preditos
nomeados, que constam da relao inclusa, as cngruas, fbricas, guisamentos e soldos que na mesma se declara sem que a pontualidade de
sua satisfao haja pretextos ou motivos com que se lhes demore advertindo que deste primeiro ano vo pagos do guisamento os preditos vigrios pela comodidade de levarem de melhor condio e em diminutos
preos os gneros porque se lhes destinam e que a seu tempo remeterei
a Vossa Merc a despesa que se fez com os preparos indispensveis para
estas novas erees para se remeter a sua importncia a esta Provedoria
que por emprstimo assistiu a fim de no experimentarem as demoras
que haveriam na execuo do que Sua Majestade manda se praticassem
por ela. No acrscimo que anualmente h e presentemente se aumentou
com a cessao da despesa dos Cariris donde veio a guarnio com oito
meses de dvida se facilita toda a prontido que deixo dito e que Vossa
Merc com a mesma executar. Espero que Vossa Merc satisfaa de
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a ler e escrever e os princpios da nossa sagrada Religio. Ao mesmo ministro acompanha o Reverendo Vigrio e dois coadjutores destinados a
dirigir a Vossas Mercs espiritualmente: a uns e outros espero que
Vossas Mercs concorra e trabalhe quanto estiver da sua parte para
que estes povos no faltem a toda a justa e devida obedincia no se
esquecendo da inteira civilidade com que os devem tratar e respeitar
pois tendo estes o trabalho de largarem as suas casas por obedincia
s Reais ordens e notria utilidade a Vossas Mercs se faz indispensvel e de justia esta pequena retribuio da sua gratido e no menos
a do vivo reconhecimento em que espero subsistam dando as provas
mais veementes do amor e fidelidade que devem ao nosso Invicto
Soberano, pela augusta generosidade com que lhes dispensa to generosos e importantes benefcios. Deus Guarde a Vossa Merc. Recife de
Pernambuco em 18 de maio de 1759. Lus Diogo Lobo da Silva. Sr. D.
Filipe de Sousa, Mestre-de-Campo, e mais oficiais da antiga Aldeia de
Ibiapaba.
Diogo Lobo da Silva fazia ato de poltico dirigindo-se nesses
termos ao ilustre Mestre-de-Campo da Ibiapaba, cuja extrema fidelidade
Coroa Portuguesa era conhecida e admirada em toda a Capitania, o
que lhe alcanara o ttulo de Dom e a Ordem de Santiago, honras em
que haviam sido tambm galardoados os bons servios de seu pai D.
Jos de Sousa e Castro.
O autor dos Desagravos do Brasil e Glrias de Pernambuco dedica a
esses dois cearenses frases de elevado e merecido apreo. Vou reproduzi-las, e como nunca tarde ou fora de lugar apresentar a admirao
pblica os feitos de nossos concidados ilustres, transcrevo igualmente
o que ele diz sobre D. Sebastio Saraiva e Joo Doy e sobre duas ndias
cearenses cuja fama ser imperecvel.
D. Jos de Sousa e Castro, Cavaleiro da Ordem de Santiago,
Governador da Serra de Ibiapaba, nasceu entre os ndios Tupis com distinta nobreza, herdando de seus maiores com o sangue o valor e lealdade. Frondosas palmas e louros colheu o seu invencvel brao dos rebeldes Potiguares e outros Gentios. Para vingar as hostilidades causadas
pelas formidveis armas de tantos brbaros correu triunfante desde o
Cear at o Maranho, e rendeu menos a violncia do ferro que ao respeito de seu nome as naes contrrias obrigando-as a que rendidas e
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ndia de to boa vida desde sua infncia, que se fez clebre entre as demais ndias como exemplo da virtude. Foi morta por seu marido no ano
de 1754, quando contava dezessete anos de idade. (Pgs. 484 e 485.)
A aqueles principais Filipe de Sousa, Sebastio Saraiva e mais
a Jos de Vasconcelos diz Joo Brgido pg. 71 do Res. Cron., foram
concedidos em 1723 o tratamento de Dom e o hbito de Santiago por
servios prestados catequese. Quanto data em que lhes foi feita a
merc discordam Araripe, que diz foi em 1721, e J. Perdigo que cita as
concesses feitas por Manuel da Fonseca Jaime e Salvador lvares da
Silva a ndios da Ibiapaba e prova, portanto, que em janeiro de 1718 j
tinham eles ttulo de Dom.
Procedamos agora leitura do Roteiro de Manuel Rodrigues:
Derrota e jornada do mestre Piloto Manuel Ris dos Santos
por onde Consta as qualidades de que se reveste a serra da Ibiapaba desde que chegou ao Porto do Camocim.
Jesus Maria Jos de 1759 e de maio 19.
Derrota com o favor de Deus feita pelo Mestre e Piloto
Manuel Ris do Recife de Pernambuco para o Porto do Camocim em
a sumaca que Deus salve e guarde por invocao Nossa Senhora da Graa
Santo Antnio e Almas de que Mestre e Prtico Francisco da Silva Neves; as ordens do Ilustrssimo e Exm Sr. Lus Diogo Lobo da Silva,
Governador e Capito-General da Capitania de Pernambuco. Fizemos a
vela do R. de Pernambuco pelas 9 horas da manh do dia 19 de maio
acima mencionado em companhia do Senhor Doutor Desembargador
Bernardo Coelho da Gama Casco e do Escrivo da diligncia o Capito
Lus Freire de Mendona e do meirinho Manuel Pereira Lobo e de mim
Manuel Ris dos Santos para efeito de erigir e criar as novas vilas, lugares e seus termos, que por ordem de Sua Majestade Fidelssima o dito
ministro criou. No dia acima mencionado sbado de nossa Senhora
sados que fomos da barra ao mar e bordejando at montar os baixos da
cidade de Olinda seriam 2 horas da tarde quando passamos pelo seu paralelo, viemos correndo costa e no mesmo dia e noite ficamos com o
paralelo da vila de Goiana. No domingo 20 do mesmo ms amanhecemos
com a ponta da Pipa seguindo o nosso rumo correndo costa e sendo
pelas 5 horas da tarde do mesmo dia distante do cabo de So Roque 3
lguas quando se nos ofuscou a terra com muitos aguaceiros de chuva e
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serrao a qual durou toda a noite, e nos foi preciso fugir da terra para o
mar por causa dos baixos do mesmo nome. Na segunda feira 21 do dito
ms pela manh fomos correndo do s-sudeste em procura da terra por
nos acharmos muito longe dela pelo sucesso da noite passada e nos termos muito distanciado dela velejando todo o dia at s nove horas da
noite do mesmo ao tal rumo nos foi preciso pelas mesmas 9 mudar de
rumo seguindo o do noroeste por levarmos na proa os baixos de Joam
da Cunha, que ficam ao mar da ensiada redonda e de sotavento da ponta
do Mel e seguindo o mesmo rumo at pela manh do dia seguinte. Na
tera-feira 22 do dito logo pela manh avistamos a enseada da Pirpueira,
que fica ao Sudoeste de Jaguaribe 4 lguas, fomos correndo costa at a
ponta de Mucuripe que fica ao nordeste do Cear lgua e meia e continuando a correr costa a vista de terra at o dia seguinte. Na quarta-feira
23 do dito ms depois de correr costa todo o dia pelas 6 horas da tarde
demos fundo no Parc do Acaracu em trs braas de gua fundo de rea
grossa e muito capim no mesmo fundo; aqui se tomou infinidade de
peixe croscrs.
Na quinta-feira 24 do dito logo pela manh largamos vela e
seriam 11 da mesma manh quando demos fundo na enseada de Jericoacoara junto ao morro do mesmo nome aonde estivemos fundeados
com 3 braas de gua at o dia seguinte.
Na sexta-feira 25 do mesmo pelas 9 horas da manh largamos
com pouca vela por causa da mar ser azedada buscando a barra do
Camocim seno 3 para as 4 horas da tarde quando estvamos dentro da
barra do Camocim livres de perigo, Deus nosso Senhor seja louvado, e
pelas 5 da mesma tarde demos fundo acima do Camocim 3 lguas
donde chamam a Camboa dos Machados em 15 palmos de gua de baixa-mar e 27 de preamar e medindo o rio estando cheio de mars vivas
achei ter de largo 394 palmos ou 39 braas arquitetas e 4 palmos.
Advertncia. Todos os barcos que vo comerciar ao rio
Camocim ou Parnaba infalivelmente ho de buscar esta ensiada de Jericoacoara para daqui formarem as horas competentes para buscar as ditas barras cuja enseada muito conhecida de todos que navegam para o
Maranho e Par por ser muito conhecida por verdadeira demarcao
para formarem o seu ponto do irem correndo costa abaixo.
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acima mencionada e fazendo o clculo me mostrou a agulha do verdadeiro ponto de leste para o nordeste a que chamam nordestiao 2
graus e 36 minutos.
Vamos a medir a serra e o limite que lhe pertence e ver quantas entradas tem para dentro. Principia a dita serra na ladeira da Ubatuba
distante da vila Viosa Real 5 lguas onde ao presente estamos com
reparties de terras principiando na ladeira acima mencionada do
noroeste para o sudeste segundo a observao que fiz, cuja ladeira tem
de comprido meia lgua caminho muito enfadonho que s a p se passa,
de muitas pedras ainda que com sada para gado vacum e cavalar mas
para criaturas humanas s a p se pode invadir. Logo em cima da dita
serra se acha uma plancie com bastante distncia de muitos campestres
para gados, algumas restingas, de terras deliciosas com muitos olhos de
gua salutfera como tambm terras de planta, vista aprazvel e a melhor
que no tal pas tenho encontrado. Nele tenho dado e vou dando vrias
datas de terra sem embargo que nunca achei mais de 300 braas de
largo no lugar de qualquer das datas e em outras partes menos por ter
muitas chapadas de pedra, matos, terras de reas infrutferas na face que
olha para o sudoeste situada na do nordeste junto despenhadeiro de
penedia com uma altura o qual despenhadeiro vem mostrando a divisa
da dita serra. Do rumo do noroeste para o sudeste se acha um morro,
que chamam do Chapu aqui a mais alta terra de toda a serra como
muitas vezes tenho observado.
Do princpio da ladeira acima mencionada com o ttulo Ubatuba ao Buriti fazem 2 lguas, do Buriti a Taboca 1 lgua, da Taboca a
Tranqueira 1 lgua, da Tranqueira a Vila 1 lgua, total das lguas 5. Da
Vila ao Chiqueiro das Cabras 1 lgua, do Chiqueiro das Cabras para a
mo esquerda na estrada se acha um olho de gua permanente de todo
o ano; a mo esquerda neste caso o nordeste indo do noroeste para o
sudeste; do Chiqueiro das Cabras caminho direito em distncia de meia
lgua se acha uma estrada que vai dar ao stio por nome Olho-dgua
distante da estrada para o nordeste lgua e meia; aqui se segue outro
caminho que vai sair ao Acarape onde se acham muitos ndios desta vila
situados por ser a terra bonssima.
Do Chiqueiro das Cabras ao olho-dgua da Catiquaba 2 lguas,
do olho-dgua estrada direita ao crrego da Caoacora 1 lgua, do olho-
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As terras que constituem o Bispado e Governo Geral de Pernambuco eram habitadas pelos ndios que entre todas as naes do Brasil logravam a preeminncia
de primeiros senhores e povoadores destas terras. Os principais entre todos eram
os tobaiares cujo nome mostra a sua primazia, porque yara quer dizer senhor e
toba significa rosto, e vem a dizer senhores do rosto da terra, que entendem pelas
terras martimas de toda costa. (Domingos de Loreto Couto. Desagravos do Brasil e
Glrias de Pernambuco, pg. 19.)
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barras dos dois rios a rumo direito para a serra de Ibiapaba, entrando na
sesmaria tudo o que os rumos apanharem da serra at entestar os Campos
Gerais que lhe ficam da outra parte, cuja diligncia se h de continuar
porque assim o hei por bem: me pareceu ordenar-vos concorrais com todo
o favor e ajuda para que se no inquiete este gentio nem aparte daqueles
stios, de que se fizer escolha para a sua habitao, e lhes mandeis dar de
sesmarias todas as terras que lhe forem necessrias no distrito que tocar
a vossa jurisdio a data delas na parte que o direito religioso representa
fazendo que de nenhuma maneira se altere a sua posse nem lha tirem os
brancos de que eles se receiam, mandando proceder com aquelas penas
condignas ao delito dos que obrassem o contrrio para que experimente
este gentio a f que se lhe guarda e como a minha grandeza e piedade o
ampara para lograrem o que seu, e seja este exemplo que mova aos mais
a abraarem a nossa amizade. Escrita em Lix. a 8 de janeiro de 1697.
Rei.
No entretanto, j ia bem avanado o sculo XVIII e ainda
era um simples desejo a ereo daquele estabelecimento, que tanto aproveitaria ao Cear e Capitanias limtrofes e isso explica os passos dados e
os esforos empregados pelo Padre Joo Guedes, Superior das Misses
do Cear, a quem deu razo o monarca expedindo a seguinte Ordem
Rgia depois de extenso parecer aprovativo do Conselho Ultramarino,
que tem a data de 9 de novembro de 1720.
Dom Joo por Graa de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves dqum e dalm mar em frica, Senhor de Guin etc.
Fao saber a vs Governador e Capito-general da Capitania de Pernambuco que sendo-me presente a representao que me faz o
padre Joo Guedes da Companhia de Jesus, missionrio na misso do
Cear em que me exps o bem espiritual que pode resultar aos moradores da serra da Ibiapaba em se fundando naquela aldeia um hospcio de
religiosos da mesma Companhia para sarem em misses s Capitanias do
Cear e Piau, concorrendo os ndios da mesma serra com o empenho de
descobrirem uns seus parentes que h muitos anos esto escondidos nas
dilatadas serras do Araripe, para cujo efeito recorria a minha Real grandeza
e piedade para mandar dar algumas cngruas moderadas para o sustento
de dez religiosos de que se deve compor o dito hospcio e passagem livre
no barco da Muda que todos os anos vai ao Cear, assim para as suas pessoas como para seu provimento que lhe h de ir desta Capitania, concedendo-lhes licena para mandar vir alguns religiosos do Imprio para se
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ocuparem nas ditas misses, por ser muito da minha obrigao o concorrer com todos os meios para se conservar a religio catlica nos meus reais
domnios e se reduzir a gentilidade continente neles se procure a sua salvao como negcio mais importante que pode haver no mundo, pois
por este ttulo to auspicioso foi dado pelo Sumo Pontfice a investidura
das conquistas aos Senhores Reis, meus predecessores, me pareceu ordenar por resoluo de 12 do presente ms e ano, faais pr em execuo
um hospcio no Cear por ser a parte mais proporcionada para o efeito
que se procura, na qual estava j resoluto no ano de 1697 pelo Senhor Rei
D. Pedro, que Deus haja em Glria, em tempo que governava a mesma
Capitania Caetano de Mello de Castro se fizesse o tal hospcio que se deixou de conseguir por algumas dificuldades que ento se ofereceram, sendo a principal no haver segurana na cngrua para os padres, no qual hospcio que por ora mando estabelecer, h de haver 10 missionrios da
Companhia de Jesus e entre eles alguns alemes para o que mando escrever ao tenente-geral da Companhia os mande para este reino, por ter
mostrado a experincia de grande zelo e o fervor de esprito com que se
empregam neste santo mistrio e para a despesa do dito hospcio. Hei por
bem se d 6:000 cruzados por tempo de trs anos a 2:000 cruzados por
ano, que estavam determinados para a fbrica do primeiro hospcio e que
se d de cngrua a cada um dos missionrios 40:000 e que esse pagamento
fosse sendo feito pela verba existente enquanto se criava um novo imposto de uma cabea de gado sobre cem 2 por 5.000, visto se achar a capitania cheia de currais, assim como que no barco que vai todos os anos
para Cear chamado das Mudas mandarei os missionrios e tudo quanto
for necessrio para o hospcio, assim como que os missionrios sejam tratados com toda perfeio, venerao e respeito e tenho entendido que para
a serra de Ibiapaba se mande mais dois missionrios. Lisboa ocidental, 17
de maro de 1721.
Essa ordem foi mandada cumprir e registrar em 14 de julho
de 1726 por Joo do Rego Barros.
A propsito desse fato importante de nossa Histria, Joo
Brgido comete, como de costume, trs graves erros: d o ano de 1697
(Res. Cron., pg. 34) como o da fundao do hospcio da Ibiapaba quando o da primeira Ordem Rgia mandando estabelec-lo, ordem a que
reporta-se a segunda, de 17 de maro de 1721; e d a data de 15 de maro
de 1721 (Res. Cron., pg. 66) como a da Proviso do Conselho Ultramarino, mandando erigir um hospcio na Capitania (que o mesmo da Ibia-
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paba) quando a consulta do Conselho Ultramarino a que ele quer referir-se de 9 de novembro de 1720, e em virtude dessa consulta houve a
Resoluo Rgia de 12 de maro de 1721, expedida em 17 do mesmo
ms e ano, mas nunca a 15 de maro.
Em resumo, Joo Brgido adianta de muitos anos a fundao
do hospcio da Ibiapada, desconhece que o hospcio que o Padre Joo
Guedes reclamava era o mesmo da Ibiapaba, confunde a Proviso do
Conselho Ultramarino com a Resoluo Rgia.
Mas como se no bastassem essas suas confuses, pg. 69,
cita ainda uma Carta Rgia de D. Joo V de 29 de outubro de 1722 mandando executar a ordem de D. Pedro II relativa fundao do hospcio dos jesutas
no Aquiraz quando de um convento em tal localidade nunca cogitou a
ordem de Pedro II e, pg. 71, diz que um ato rgio de 1 de agosto de 1723
elevou a 60.000 a cngrua dos seus padres quando esse Ato Rgio de 12 de
janeiro de 1732.
Araripe engana-se tambm quanto a essa ltima parte.
O hospcio da Ibiapaba no foi o nico que os jesutas
montaram no Cear. Quatro anos depois de estabelecerem sua residncia na serra, montaram eles um outro no Aquiraz, substitudo mais tarde
por novo edifcio do qual vem-se ainda os vestgios. Era ainda uma
fundao, devida ao zelo admirvel do Padre Joo Guedes. E nele devia
ter a sepultura o herico missionrio.
O insigne Padre Joo Guedes, da Companhia de Jesus, natural do Reino de Bomia e fundador do hospcio do Cear, foi uma perfeita idia de religiosas virtudes. Havendo empregado sua vida em apostlicos exerccios, acabou santamente no dito hospcio.7
Como os do fundadores do hospcio do Aquiraz guarda o
Cear os restos do Padre Manuel Batista.
O Padre Manuel Batista da Companhia de Jesus, natural da
freguesia de Santa Cristina, Arcebispado de Braga, trinta anos viveu na
contnua tarefa de ganhar almas a Deus. Assistiu aos ndios do Cear
com suma caridade, instruindo-os com seus exemplos e santas direes.
Nos ltimos cinco anos de sua vida, se recolheu ao hospcio da dita provncia do Cear, onde com grande esplendor de virtudes finalizou a vida
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em virtude das Ordens Rgias, que foram publicadas pelas quais manda S.
Maj. Fidelssima reduzir liberdade das suas pessoas, bens e comrcio
todos os ndios que assistem neste continente do Brasil para se regerem e
governarem por si sujeitos s a jurisdio real como foramos dela, mandando criar em vilas as mesmas Aldeias, em que os sobreditos assistem, e
em virtude das ditas mandou ele dito Doutor e Desembargador Ouvidor-Geral na presena de todo este povo levantar um Pelourinho de madeira alta com seus braos, por no haver pedra com suficincia, o que se
praticou no referido lugar da Praa desta Vila, que denominou com todo
seu termo e descrito e mais logradouros de que est de posse com o ttulo
de Vila Nova de Arronches, para daqui em diante se fazerem junto ao
dito Pelourinho as arremataes e mais atos judiciais que pertencerem
tanto justia como Real Fazenda, em benefcio comum do povo, na
mesma forma que se pratica nas mais cidades e vilas destes Reinos a que
o dito Sr. concedeu o mesmo privilgio, de que todos ficaro bem entendidos e cientes dizendo em altas vozes viva o Senhor Rei D. Jos o 1 de
Portugal Nosso Sr. que a mandou criar, e para que a todo o tempo o referido conste mandou fazer este termo que comigo Escrivo e Meirinho assinou, ordenando se registrasse com as ditas Ordens Rgias no Livro da
Cmara desta dita Vila que h-de servir no registro das Ordens. E eu Lus
Freire de Mendona, Escrivo nomeado para a diligncia que o escrevi e
assinei. Bernado Coelho da Gama Casco. Lus Freire de Mendona.
Manuel Pereira Lobo.
Ao primeiro dia do ms de janeiro de mil setecentos e sessenta anos nesta aldeia do Paupina no lugar da igreja Matriz de Nossa
Senhora da Conceio lugar destinado para servir de praa desta nova
Vila de que fica sendo orago a mesma Sr. defronte de terreno que fica
medido e balizado para se fazerem as casa da cmera dela aonde foi vindo o Doutor e Desembargador Ouvidor-Geral da Comarca de Pernambuco Bernardo Coelho da Gama Casco, Juiz executor desta diligncia e
sendo a comigo Escrivo de seu cargo e o Meirinho Manuel Pereira
Lobo estando junto e convocado todo este povo a toque de sino logo o
dito Doutor e Desembargador Ouvidor-Geral em virtude da Ordens
Rgias que j foram publicadas pelas quais manda sua Majestade Fidelssima reduzir a liberdade das suas pessoas, bens e comrcio a todos
os ndios que assistem neste continente do Brasil para se regerem e
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governarem por si sujeitos s jurisdio real como forneos dela mandando criar em vilas as mesmas Aldeias em que os sobreditos assistem, em
virtude das ditas ordens ele dito Doutor Desembargador e Ouvidor-Geral
na presena de todo este povo levantar um Pelourinho alto de madeira
com seus braos por no haver pedra com suficincia o que se praticou
no referido lugar da Praa desta Vila que denominou com todo seu termo
e distrito e mais logradouros de que est de posse com o ttulo de Vila
Nova de Mecejana para daqui em diante se fazerem junto ao dito Pelourinho as arremataes e mais atos judiciais que pertencerem tanto Justia
com Real Fazenda em benefcio comum do povo na mesma forma que
se pratica nas mais cidades e vilas destes Reinos a quem o dito Sr. concedo
o mesmo privilgio de que todos ficaram bem entendidos e cientes dizendo
em altas vozes viva o Sr. Rei Dom Jos de Portugal Nosso Sr. que a mandou
criar e para que a todo tempo conste de todo o referido mandou fazer
este termo que comigo Escrivo e Meirinho assinou ordenando se registrasse com as ditas Ordens Rgias no Livro da Cmara desta dita vila que
h de servir de registro das ordens. Eu, Lus Freire de Mendona, Escrivo da diligncia, o escrevi e assinei. Bernardo Coelho da Gama Casco,
Lus Freire de Mendona, Manuel Pereira Lobo.
No conheo o auto de ereo de Montemor-o-Novo da
Amrica, que alis deveria ser em termos idnticos aos outros, com as
modificaes exigidas pelo fato de ter a aldeia sido elevada apenas
categoria de lugar, tenho porm uma certido que refere-se a aquela
cerimnia e a seguinte:
Certido Incio da Assuno, Escrivo e Mestre da Escola
de Montemor-o-Novo da Amrica por S. Maj. Fidelssima que Deus
guarde Certifico e juro aos Santos Evangelhos que revendo o Livro
donde o Doutor e Desembargador Ouvidor-Geral Bernardo Coelho da
Gama Casco mande coser termo pelo o seu escrivo Lus Freire de Mendona para mudana da aldeia que ento era Paiacu para o Montemor-oNovo da Amrica dele no consta consignar o dito ministro terra alguma
para patrimnio da igreja e menos deixar logradouros pblicos para benefcio dos moradores s sim lhes deu datas de terra dentro dos marcos
antigos que se achavam demarcados que toda a terra tem uma lgua em
quadro e no consta mais que o sobredito ministro determinasse cousa
relativa em livro algum nem por palavra o fizesse pois dou f de todo o
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Gama Casco proveu no Mestre-de-escola Joo Dias da Conceio os ofcios de escrivo da Cmara, judicial e notas, rfos, e almotaceria, por falta de pessoa, que os pudesse exercer.
Grande nmero das novas autoridades eram pouco recomendveis, e seno vejamos.
Que exemplos de moralidade davam os Vigrios e os diretores
das aldeias do Paiacu e Paupina dizem os seguintes tpicos de cartas de
7 de setembro e 10 de novembro de 1759 escritas por Pedro de Morais
Magalhes vindo de propsito ao Cear por ordem do Governador de
Pernambuco: Examinei o que V. Ex me mandou sobre o diretor e vigrio do Paiacu, e achei ser certo de ambos, e como o vigrio parente
lhe escrevi censurando-lhe a companhia, respondeu-me dizendo que se
fora maliciosamente no se havia afoitar e procurar-lhe despacho sem
rebuo, mas que como eu lhe afeiava tanto aquilo que a botaria fora...
Me pus a caminho para o Paiacu distante deste lugar quinze lguas a diligncia de tirar do Diretor Joaquim a m companhia em que estava e
porque j a tinha lanado fora recomendei ao vigrio e ao sujeito que
me passou o papel incluso me avisassem se tornasse por j o ter feito
duas vezes. Tambm fiz a mesma diligncia com o Diretor de Paupina
Joo Caetano por me constar estava no mesmo estado com escndalo
de todos aqueles moradores tomando por pretexto o ser sua cativa ao
tempo que me asseguram a forrara quando veio de cativeiro diferente
por lhe no quererem vender; estes dois sujeitos vivem com muita discrdia com seus procos e tenho poucas esperanas de unio, no sei se
pelas ocasies que tinham ou por pouca prudncia em todos. Tambm
tive umas ruins notcias do Diretor da Parangaba.
Como se isso fosse pouco havia ainda para escandalizar aos ndios as lutas entre o regente e o diretor da dita aldeia de Paiacu, s quais
referem-se cartas deste a Lobo da Silva e de Joo Fernandes Barreto ao
diretor [13 de maro e de 1 de maro de 1760], as omisses de Antnio de
Barros de que trata a carta de Lobo da Silva a Bernardo Casco em data de
9 de maio de 1760, o procedimento abusivo de um dos juzes de rfos
introduzindo entre os ndios guardente com notvel runa daqueles povos [carta
de Lobo da Silva de 9 de maio], os escndalos do Padre Crdenas que valeram-lhe uma suspenso, a tirania do Diretor de Soure que para obrigar os
Tramambeses a ajuntarem-se quela vila ps fogo s casas da aldeia em
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que viviam, e outros inmeros abusos que faziam lembrar com saudade o
governo imoral dos jesutas.
Posso fazer um resumo do itinerrio seguido por Bernardo
Casco no desempenho de sua comisso s Capitanias subordinadas a
Pernambuco.
Saiu a 19 de maio de 1759 do porto do Recife a bordo da
sumaca Nossa Senhora da Graa, Santo Antnio e Almas, cujo mestre era
Francisco da Silva Neves, chegou ao Camocim a 25 do mesmo ms e
entrou na aldeia da Ibiapaba a 4 de junho, elevou-a a vila a 7 de julho, fez
o seqestro dos bens dos jesutas (h dele a esse respeito uma carta de 26
de agosto de 1759 a Lobo da Silva ), saiu da Viosa a 9 de setembro para
Fortaleza com toda a comitiva, ficando ali o piloto e o diretor para continuarem as medies; de Fortaleza partiu para Soure onde chegou a 29 de
setembro, elevou a vila em 15 de outubro e partiu para Arronches a 17,
estabeleceu a vila a 25 e a Cmara a 27 de outubro, voltou a 4 de novembro a Arronches donde saiu a 20 de dezembro para Mecejana, erigiu a vila
a 1 de janeiro de 1760 e seguiu para a aldeia do Paiacu que elevou categoria simplesmente de lugar por faltar-lhe o nmero de habitantes, que o
Diretrio exigia.
Resolvido a seguir para o Rio Grande do Norte tomou o porto
de Acarati e chegado quela Capitania elevou a 3 de maio e 15 de junho
de 1760 as aldeias do Guajaru e dos Guarairaz a vilas com os nomes de
Vila Nova de Extremoz do Norte e Nova Vila de Ars.
A propsito do banimento dos jesutas e medidas tomadas
pelo governo com relao aos ndios do Cear escreveu Joo Brgido o
seguinte:
Ano de 1759, 19 de janeiro. Ordem Rgia banindo os jesutas
e mandando seqestrar e incorporar aos prprios nacionais os seus
bens, entre eles uma lgua de terra em redor da vila do Aquiraz. Esta ordem foi mandada cumprir em 11 de setembro de 1760 ficando extinto o
hospcio dali e todos os estabelecimentos da ordem.
A 19 de janeiro foi criada no lugar outrora denominado Taboinha a Vila Viosa Real da Amrica antiga misso dos ndios Camucins, Anacs e Araris, administrada pelos jesutas.
5 de fevereiro. Criao da freguesia de Soure (Caucaia) 15 de
maio. Criao da vila de Mecejana na aldeia de Paupina por ato do Gover
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Antnio do Canto de Almeida pelo dito Desembargador Juiz executor da criao das novas vilas que em virtude de uma carta do Governador e Capito-General de Pernambuco de dezessete de maio passado em que lhe insinua que de acordo com o Ex.mo Bispo de Olinda assentaram que sem embargo dos debates que houveram nas conferncias
em casa do dito Prelado sobre a repartio das reses que os Padres deixaram em cada uma das vilas se no repartiriam estas... houvesse nmero competente dele para se repartirem com igualdade e que s o faria
pelo Reverendo Vigrio, Coadjutor, Principais e camaristas e que estes
receberiam as ditas reses assinando termo de as tornar a restituir no
caso em que Sua Majestade no aprovasse esta determinao e querendo ele dito Ministro pr em prtica a repartio pelo Reverendo vigrio
foi dito que ele com semelhantes nus no queria rs alguma, e pelo Reverendo coadjutor foi respondido aceitaria as reses que se lhe distribussem e pelos Juzes e oficiais da Cmara foi dito que a poro que lhe
correspondesse conforme seus cargos queriam e eram contentes se aplicasse o seu produto para se acabar a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres por estar com indecncia coberta de carnaba em lugar de telha, o
que visto pelo dito Desembargador no fez a repartio e mandou que
as reses e mais gado se conservassem em ser at em junta conferir com
os Il.mos Bispo e Governador o meio que deviam seguir. E para assim constar mandou fazer este termo que com os sobreditos assinou. E eu Manuel Flix de Azevedo, escrivo da cmara que o escrevi. Gama e Casco. Pe. Antnio Carvalho da Silva. Antnio do
Canto de Almeida. + do Juiz Andr Vidal Negreiros. do Juiz Diogo
Pereira Lopes. + do Vereador Paulo de Sousa. + do Vereador Joo da
Costa de Oliveira. + do Vereador Joo Pereira Lopes. + do Procurador Antnio de Sousa.
Aos vinte e nove dias do ms de dezembro de mil setecentos e cinqenta e nove anos nas casas da Cmara desta Vila de Soure estando presentes os Juzes e mais vereadores abaixo assinados fizeram
vereao pela maneira seguinte:
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Total de todas
Vila de Ars. N 7
Vila de Extrems. N 6
Vila de Arronches. N 5
Montemor-o-novo. N 4
Vila de Soure. N 3
Vila de Macejana. N 2
Mapa geral do que produziram as sete vilas e lugares, que neles se declara para os Dzimos, Subsdio
das Cmaras, utilidade que tiveram os seus habitantes do servio que fizeram aos moradores que
os procuraram, rapazes que andam nas Escolas, esto aprendendo ofcios, raparigas nas mestras,
nmero de casais, almas, pobres de um e outro sexo, rapazes e moos solteiros, companheiras, nmero
de praas que compreendem, escravos, cabeas de gado vaccum, cavalar, e mido que se tem podido
apurar desde o dia dos seus estabelecimentos at quatorze de janeiro de 1761, em que pelas distncias
no pde ir incluindo tudo o que renderam at o fim do ano de 1760.
64$300
0000
0000
0000
0000
0000
0000
139$000
0000
0000
0000
0000
284$240
578$400
100
40
60
147
87
621
48
30
63
89
802
40
180
716
62
66
228
31
375
1434
102
319
1429
77
284
949
69
2593
10588
626
324
100
704
765
362
5841
0000
0000
0000
10
0000
11
6
300
2
100
8
400
7
350
6
300
53
2650
15
640$020
15
102
14
185
12
101
15
70
9
174
56
5239
773
0000
33
30
0000
68
324
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Fazenda da Emboeira
1240
321
15
16
73
40
Fazenda da Misso
1435
465
134
43
50
37
Fazenda da Tiaia
720
290
218
44
Fazenda da Petinga
238
3633
1076
367
103
123
77
4709 470
Chibatos
Cabras
Cavalos
guas e poldras
mesma qualidade
Vacas de ventre
Mapa das quatro fazendas de gado Vacum, Cavalar, e mido que administraram os denominados Jesutas a tratamentos de Missionrios da antiga aldeia da Ibiapaba hoje Vila Viosa Real, com declarao da que pertence a N. Senhora; gado que se reparte com as pessoas que se expressa, e as trs que ficam destinadas
para a subsistncia do hospital, que se intenta formar na sobredita vila em benefcio dos seus habitantes.
200
Ao Reverendo Vigrio
52
25
10
80
12
40
Ao Diretor
Ao Mestre de Campo
80
10
A 3 Capites-Mores, cada um em
igual parte
72
15
Ao Sargento-Mor
16
30
15
24
18
A 18 Sargentos do n cada um em
igual parte
36
Chibatos
13
Cabras
70
Cavalos
da mesma qualidade
guas e poldras
Vacas de ventre
Gados que se achou petencer a N. Senhora e repartio que se fez do mais da dita vila.
18
26
218
52
10
1050
149
51
123
67
Total 3643
1076
367
103
123
77
Chibatos
Cabras
245
Cavalos
da mesma qualidade
Vacas de ventre
guas e poldras
4709
470
200
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Ao Coadjutor 8 vacas.
Ao Capito-mor 6 vacas
Ao Sargento-mor 4 vacas.
A 6 Capites 3 vacas a cada um.
Ao Ajudante 2 vacas.
A 6 Alferes 2 vacas a cada um.
Para as obras da Igreja e Cmara 8 bois e 2 carros
Total 85 vacas, 8 bois, 6 guas, 3 poldros e 2 carros.
Vila de Arronches
A Nossa Senhora 21 vacas e 24 cabras e ovelhas.
Ao Vigrio 12 vacas e 1 cavalo.
Ao Coadjutor 10 vacas e 1 cavalo.
Ao Mestre-de-Campo 8 vacas.
Ao Sargento-mor 6 vacas.
A 8 Capites 4 vacas a cada um.
Ao Ajudante 2 vacas.
A 8 Alferes 2 vacas a cada um.
Ao Diretor 1 cavalo.
Para as obras da Igreja e Cmara 6 bois e 1 carro.
Total 107 vacas, 3 cavalos, 24 cabras e ovelhas, 6 bois e 1 carro.
Lugar de Montemor
A Nossa Senhora 20 vacas e 25 bois.
Ao Vigrio 10 vacas e 20 bois.
Ao Capito-mor 8 vacas e 15 bois.
Ao Sargento-mor 5 vacas e 10 bois.
A 2 Capites 4 vacas e 8 bois a cada um.
Ao Ajudante 2 vacas e 6 bois.
A 2 Alferes 2 vacas e 6 bois a cada um.
A 2 Sargentos 4 bois a cada um.
Ao Diretor 10 bois.
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Ao Mestre-escola 6 bois.
Total 57 vacas e 128 bois.
Vila de Extrems
Para a igreja de So Miguel 35 vacas, 5 cavalos e 15 escravos.
Ao Vigrio 6 vacas e 1 cavalo.
Ao Coadjutor 4 vacas e 1 cavalo.
Ao Capito-mor 3 vacas.
A 6 Capites 2 vacas a cada um.
A 2 Ajudantes e 6 Alferes 1 vaca a cada um.
Ao Diretor 1 vaca e 1 cavalo.
Ao mestre-escola 1 vaca e 1 cavalo
Para o servio da igreja e obras pblicas 4 bois e 1 carro.
Total: 70 vacas, 9 cavalos, 4 bois, 1 carro e 15 escravos.
Vila de Ars
A Nossa Senhora 12 guas.
Para a igreja de S. Joo Batista 53 vacas e 48 bois.
Ao Vigrio 12 vacas, 8 bois, 2 guas e 3 cavalos.
Ao Coadjutor 7 vacas, 6 bois, 2 guas e 1 cavalo.
Ao Capito-mor 5 vacas, 3 bois, 1 gua e 1 cavalo.
Ao Sargento-mor 4 vacas, 3 bois, 1 gua e 1 cavalo.
A 6 Capites, 3 vacas, 2 bois e 1 gua a cada um.
A 6 Alferes, 1 vaca, 1 bois e 1 poldro a cada um.
Ao ajudante 1 vaca, 1 boi e 1 cavalo
Ao Diretor 5 bois e 1 cavalo.
Ao Mestre-escola 3 bois e 1 cavalo.
Total 106 vacas, 95 bois, 24 guas, 9 cavalos e 6 poldros.
Quanto custou ao governo a retirada dos jesutas do Cear vai
dizer-nos o seguinte Resumo da despesa anual que se faz com as sete
Misses que se erigiram em vilas, e lugares nas cngruas dos Vigrios
Coadjutores, Guisamentos, Ordenados de Diretores, e Mestres, e do
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e inovador nesta Vila, de idade que disse ser de quarenta e quatro anos
pouco mais ou menos, testemunha jurada aos Santos Evangelhos em
que ps sua mo direita, e prometeu dizer a verdade, e de costume disse
nada, e perguntado por ele testemunha pelo contedo no auto disse
que ele no sabia nem ouviu dizer que os P.P da Companhia antes que
se lhes fizesse o seqestro nos seus bens nem depois dele feito ocultasse
ou sonegasse cousa alguma do que pertence a casa do seu Hospcio, e
mais no disse do dito antes que tudo lhe foi lido e declarado pelo Dr.
Desembargador Ouvidor-Geral com quem assinou e eu Luis Freire de
Mendona Escrivo de diligncia o escrevi. Gama Casco. Matias Tavares
da Luz. Terceira testemunha. Maral de Carvalho Lima, Almutac atual
nesta vila e nela morador, de idade que disse ser de cinqenta e oito
anos poucos mais ou menos, testemunha jurada aos Santos Evangelhos,
em que ps sua mo direita, e prometeu dizer verdade, e do costume
disse nada, e perguntado por ele testemunha pelo contedo no auto, disse ele testemunha no sabe nem tem notcia nem ouvido dizer que os
Padres da Companhia do Hospcio desta vila sonegassem nem ocultassem bens alguns dos que possuiro por si em nome de sua comunidade,
tanto antes de se lhe fazer o seqestro, como depois dele feito, antes sim
tem ouvido dizer publicam que sobreditos deram a inventrio todos os
bens de que estavam de posse e ainda dos que pertenciam a sua Igreja
com toda a individuao e verdade, e mais no disse do dito auto que
tudo lhe foi lido e declarado pelo Dr. Desembargador Ouvidor-Geral
com quem assinou, e eu Lus Freire de Mendona escrivo da diligncia o escrevi. Gama Casco. Maral de Carvalho Lima.
E no se continua mais no dito sumrio e auto dele que eu
Lus Freire de Mendona Tab. do pblico judicial e notas da Cidade de
Olinda, e Vila de Santo Antnio do Recife e seus termos, Capitania de
Pernambuco por Sua Majestade Fidelssima que Deus Guarde de que de
presente sirvo de escrivo da criao das novas vilas e lugares e das mais
diligncias em que por Ordem do Senhor est procedendo o Dr. Desembargador Bernardo Coelho da Gama Casco por nomeao do sobredito,
que transladei e bem e fielmente dos prprios a que me reporto, que ficam
em meu poder e cartrio, com os quais este traslado comigo prprio
conferi, consertei, escrevi e assinei nesta Vila do Aquiraz aos vinte e
251
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E todavia, a administrao de Homem de Magalhes prolongou-se por muito mais tempo do que dizia a carta do su provimento no
posto de capito-mor.
verdade que estando a findar o prazo dos seus 3 anos, o
governo mandou por editais em Lisboa por tempo de vinte dias convidando as pessoass que quisessem pretender o posto a apresentarem seus
papis, e a ele foram candidatos Jos de Arajo de Aguiar, Marcelino
da Silva e Manuel da Silva Figueir; verdade tambm que reunido o
Conselho Ultramarino a 5 de novembro de 1761 resolveu classificar os
candidatos pela ordem em que esto escritos por mim, mas por motivos, que me escapam, Homem de Magalhes continuou na Capitania at
que arrebatou-o a morte e isso quatro anos depois da deciso do Conselho Ultramarino.
Com efeito a 24 de janeiro de 1765 a populao da vila de N
S Assuno da Fortaleza era sobressaltada com o falecimento do governador.
Com a rapidez do relmpago transmitia-se a todas as localidades a nova do triste sucesso, e cada qual comentava-o segundo as paixes e os interesses.
Falecera com efeito, o capito-mor Joo Baltasar de Quevedo
Homem de Magalhes. Matara-o uma hidropisia.
A intriga encontrou o acontecimento vasto campo para exploraes. Indcios ou prenncio dos hbitos do cearense moderno, que
falta de ocupaes srias entregara-se apaixonadamente aos corrilhos e
as rodas de calada, em que os inimigos da reputao alheia cevam sem
responsabilidade seu gosto deplorvel.
O governador estivera em guerra acesa com o Ouvidor Vitorino Soares Barbosa, e os dois adversrios, jogando-se as piores armas,
chegaram a acusar-se mutuamente de tentativa de assassinato; da farejavam os maldizentes cenas de sangue, ciladas, envenenamentos.
Nada mais nada menos que a eterna luta dos governadores e
ouvidores do Cear, desde Manuel Francs e Mendes Machado at Sampaio e Carvalho, o prisioneiro da escuna S. Jos Jequi.10
10 Joo Brgido chama simplesmente Jequi o navio que transportou o ouvidor para a
Europa ( Res. Cron., pg. 135) mas o verdadeiro nome o que dou acima.
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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Captulo V
GOVERNO DE BORGES DA FONSECA. O OUVIDOR CARNEIRO E
S. CRIAO DE VILAS E FREGUESIAS. DEVASSA INSTAURADA
CONTRA VITORINO SOARES. CAPTULO DA QUEIXA COM
RELAO AO ASSASSINATO DE HOMEM DE MAGALHES. O
OUVIDOR DIAS E BARROS. A QUESTO DAS PROPINAS. COSTA
TAVARES.
substituto.
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Pg. 106.
Naturalmente erro tipogrfico.
Pg. 105.
259
Pg. 114.
260
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Andr Jos Moreira da Costa Cavalcante. Manuel de Sousa de Carvalho. Miguel lvares Lima. Antnio de Carvalho e Sousa.
Termo da faco do pelouro e abertura de um dos que foram eleitos para servirem cargos da repblica at o fim deste corrente
ano nesta Vila Distinta Real de Sobral.
Aos cinco dias do ms de julho de mil setecentos e setenta e
trs anos nesta Vila Distinta Real de Sobral, Capitania do Cear Grande
e em casas da aposentadoria do Doutor Ouvidor-Geral e Corregedor da
Comarca, Joo da Costa Carneiro e S, onde eu, escrivo de seu cargo,
fui vindo, e sendo a, depois de ter o dito ministro levantado o pelourinho, e criado vila, e procedido o pelouro das pessoas que deviam ocupar
os cargos de Juzes ordinrios e rfos, vereadores e procurador do
Conselho, e estando presentes a maior parte das pessoas principais desta
vila e termo, houve o mesmo ministro por aberto um dos pelouros dos
que haviam de servir no remanescente do presente ano, no qual se
achou estarem eleitos para Juzes ordinrios o Sargento-Mor Sebastio
de Albuquerque Melo, e o Capito Manuel Jos do Monte, para vereadores o Capito Vicente Ferreira da Ponte, o Capito Manuel Coelho
Ferreira, para Procurador Antnio Furtado dos Santos, e para Juiz de
rfos Gregrio Pires de Chaves, como consta da mesma pauta infronte, e por se acharem presentes os Juzes, e Vereadores, e procurador do
Conselho, lhes mandou o dito ministro passar suas cartas de usanas
por no duvidarem da aceitao dos seus respectivos cargos, de que fiz
este termo em que assinou o dito ministro somente. Bernardo Gomes
Pessoa, escrivo da correio, o escrevi. Carneiro e S.
Como documentos de importncia igualmente ficam aqui
consignados os autos de criao e diviso do Curato do Aracati de que
acima falei.
Porque se ache impedido por molstia o R. Secretrio, o escrivo da Vara do Novo Curato desta Vila de S. Cruz do Aracati copie
neste Livro assim a Proviso de diviso, que veio do Exm Revm Sr.
Bispo como tambm o termo, que em virtude dela se fez da mesma diviso e desmembraram deste novo Curato do seu antigo das Russas para
que assim fique entendido o R. Cura da Russas dos Limites, e dos Fregueses que lhe pertencem para os curar e atender com o pasto espiritual.
Vila do Aracati, em 28 de julho de 1780. Rocha Visitador.
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Guilherme Studart
criar e erigir em novo Curato a Vila de Santa Cruz do Aracati, ficando este desmembrado da sua antiga freguesia de Nossa Senhora do Rosrio das Russas, da qual o desanexamos pelas nossas presentes letras
e lhe consignamos por termo o que prudentemente arbitrar o nosso Reverendo Doutor Visitador, a quem cometemos os seus limites, o qual
atender muito a que na diviso de seu distrito no fique notavelmente
desfalcada a freguesia das Russas. E para que chegue a notcia de todos
esta nossa diviso e saibam os procos de uma e outra freguesia o que
lhe pertence e a quem devem administrar os Sacramentos e todo o mais
pasto espiritual, mandamos passar a presente Proviso de diviso a qual
se registrar nos Livros das duas freguesias, Russas e Aracati, depois de
ser publicada nas principais trs missas Conventais da nova Matriz, que
ser a Igreja de Nossa Senhora do Rosrio da mesma Vila do Aracati
pelas boas informaes que temos da sua capacidade e haver j nela Sacramento.
Dada em Olinda sob nosso Sinal e Selo das Nossas Armas
aos 20 de junho de 1780. E eu o Padre Alexandre Bernardino dos Reis,
Secretrio de Sua Excelncia Reverendssima a fiz escrever e subscrevi.
Dom Toms, Bispo de Pernambuco.
E no se continha mais em dita Proviso de diviso, que bem
e fielmente copiei neste Livro prprio em que se achava lanada conforme
a Portaria retro do muito Reverendo Senhor Doutor Visitador reeleito,
Manuel Antnio da Rocha.
E logo mais abaixo estava o termo de diviso, que do teor
seguinte:
Termo de diviso do novo Curato desta Vila da Santa Cruz
do Aracati, desmembrado do da freguesia de Nossa Senhora do Rosrio
das Russas.
Aos vinte e um dias do ms de julho de mil e setecentos e
oitenta anos nesta Vila de Santa Cruz do Aracati em casas de residncia
do Muito Reverendo Senhor Visitador reeleito Manuel Antnio da
Rocha onde este se achava e foram convocados os oficiais da Cmara e
mais pessoas das principais da mesma vila aos quais logo o dito Reverendo Senhor Visitador apresentou a Proviso de diviso do Excelentssimo e Reverendssimo Bispo Diocesano Dom Toms da Encarnao
Costa e Lima de 20 de junho do ms pretrito, neste Livro exarada e
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publicada j em trs dias festivos, dizendo que por ela lhe cometia o
mesmo Senhor a diviso e criao desta freguesia da Vila de Santa Cruz
do Aracati em novo Curato, desmembrado do antigo e capital da Matriz
das Russas, para que lhe prestassem os seus pareceres a fim de que o
novo Curato ficasse com extenso proporcionada e comodidade para
sustentao do seu proco e mais operrios que a ele viessem, e aquele
antigo nunca defraudado e desfalcado e sim com a mesma e igual comodidade, e ambos os procos contentes e satisfeitos, cujas concordatas e
pareceres ouvidos pelo dito Reverendo Senhor Visitador, atentos queles que lhe pareceram mais conformes e acomodados a boa razo e discernncia: determinou que o novo Curato desta Vila da Santa Cruz do
Aracati compreendesse em seus limites alm da dita vila e termo da Barra do Jaguaribe rio acima por uma e outra parte at finalizar na ponta de
cima da ilha chamada Por, compreendendo da mesma sorte da parte
da serra a fazenda do Estreito, e pelo riacho das Russas acima por uma e
outra parte a confinar na fazenda de Bento Pereira com um desaguadouro, que fica na estrada das Russas que faz barra e desgua no mesmo
riacho, atravessando linha reta para a ponta da referida ilha Por, incluindo juntamente o riacho chamado Palhano, Matafresca, Cajuais, Retiros e Capelas neste distrito compreendidas.
E pelas ordens, que tem o mesmo Excelentssimo Senhor Bispo e Sua Majestade pelos Conselhos do Ultramar e da Mesa da Conscincia em dita Proviso apontadas de decotar ainda nas freguesias coladas
quando a necessidade o pedir, determinou outrossim o mesmo Reverendo Senhor Visitador, e por lhe ser requerido, anexar e adir a esta nova freguesia todos os moradores somente do lugar da Paripueira a confinar
com o crrego dos Cavalos por serem eles mal curados espiritualmente
pelo seu Reverendo Proco da freguesia de So Jos de Ribamar da Vila
do Aquiraz pela grande distncia, que medeia do tal lugar a aquela Matriz,
quando de outra sorte ficam aqueles moradores muito mais vizinhos a
este novo Curato, onde j h muito recorrem e procuram todo o bem espiritual e da Igreja.
Mais determinou o mesmo Reverendo Senhor Visitador, depois de ouvidos os convocados, que o Santo Titular da Nova Matriz fosse a
mesma Senhora do Rosrio j nela colocada; sendo juntamente advertidos
os novos fregueses paroquianos de que ficavam obrigados e sujeitos a con-
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correrem em todo tempo com o maior zelo pra o culto da mesma nova
Matriz, sustentao do seu proco e mais operrios necessrios para a administrao dos Sacramentos, o que por eles ouvido assim o prometeram
fazer, sujeitando suas pessoas e bens: de que tudo para constar mandou
dito Reverendo Senhor Visitador fazer este termo, em que assinou com os
oficiais da Cmara, e convocados, e eu Jos de Castro Silva, Escrivo da
Cmara, que por impedimento do Reverendo Secretrio atual da Visita desta Comarca, o Padre Joo Batista da Conceio Rocha, o escrevi. Manuel
Antnio da Rocha, Visitador reeleito, Jos Roiz Pinto, Pedro Jos da Costa
Barros, Manuel Rodrigues da Silva, Mateus Ferreira Rabelo, Bernardo Pinto
Martins, Jos Montenegro de S, Manuel Rodrigues Pereira, Jos Ribeiro
Freire, Jos Rodrigues Pereira Barros, Venncio Jos Ferreira, Jos Incio de
Sousa Uchoa, Jos Francisco Bastos, Jos Lopes da Silva, Antnio Nunes
Ferreira, Antnio Rodrigues Lapa, Joo de Arajo Lima, Jos Baltasar Augeri, Lzaro Lopes Bezerril, Domingos Nunes Vieira, Francisco de Brito e
Meneses, Francisco do Rego e Melo, Reinaldo Francisco de Sousa, Jos de
Matos Silva, Francisco da Costa Maia, Jos Gomes dos Santos. E no se
continha tambm mais em dito termo de diviso da nova Parquia, que
bem e fielmente copiei neste livro do prprio em que se achava pela mesma Portaria retro do muito Reverendo Senhor Doutor Visitador reeleito
Manuel Antnio da Rocha, a que tudo me reporto. Vila do Aracati, aos 28
de julho de 1780. Manuel Roiz Pereira, Escrivo da Vara.
Como de dia a dia faz-se menos certa a histria religiosa do
Cear convm conservar-se todo e qualquer documento que venha a esclarec-la.
Aquele Carneiro e S, a quem Cunha Meneses dirigia-se, fora
nomeado Ouvidor do Cear por C. R. de 12 de junho de 1769. Araripe8
chama-o Joo da Costa Correia S, mas o nome verdadeiro Joo da
Costa Carneiro e S. O dia da sua posse 1 de janeiro de 1770. Do
Cear foi despachado para a Relao da Bahia.
A ele foi cometida a tarefa de tirar residncia a Vitorino Soares Barbosa. Tirar residncia era o mesmo que sindicar dos atos de algum e dar conta deles a um funcionrio superior.
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guao, que fizessem indultveis, para logo se proceder na forma referida; acrescentou mais a ponderao da falta, que fazia nesta Capitania de
Pernambuco o seu ouvidor, por ser a sua assistncia precisa a outras dependncias do Real Servio a que devia pessoalmente acudir; se tornou
o expediente entre mim e o dito meu antecessor de que como Vossa
Merc se achava j provido no lugar de Ouvidor do Cear e prximo a
aportar nesta capital, fosse Vossa Merc encarregado da averiguao dos
fatos referidos, e achando-os certos, procedesse na forma da dita Real
Determinao.
Nestes termos ordeno a Vossa Merc que logo que chegar
Capitania do Cear sem perda de tempo indagar com o maior segredo
e cautela se entre o provedor, seu antecessor, e o dito Padre Jos Pereira
de Melo havia as malversaes e coluses em que eram scios em prejuzo da Real Fazenda; e achando serem certas, proceder voc logo
devida execuo da forma que aponta a Real Determinao, que consta
da referida carta de 5 de abril; servindo de princpio da devassa os papis, que acompanhavam a carta de meu antecessor da data de 15 de dezembro, que vai por cpia e de tudo me dar Vossa Merc conta individual para fazer presente a S. Majestade.
Deus guarde a V. Ex. Recife 23 de dezembro de 1769. Manuel da Cunha Meneses. Sr. Dr. Joo da Costa Carneiro e S, Ouvidor-Geral e Provedor da Fazenda da Capitania do Cear.
Porquanto S. Majestade servido ordenar por carta da Secretaria de Estado da Repartio da Marinha e Domnios Ultramarinos
da data de 16 de julho do corrente ano, de que com esta vai cpia, que
havendo de se estar devassando pelo Pernambuco das desordens, que
havendo praticado na Capitania do Cear o ouvidor dela e o Clrigo
Jos Pereira de Melo, se juntasse a mesma devassa do Cear, e a dita levasse se no procedeu a ela em razo de no estarem verificados os fatos de dvidas na conta de meu antecessor e apontados na carta da Secretaria de Estado de 5 de abril, os quais determino de presente ao novo
ministro que vai substituir o referido os averige, e sendo certos proceda na forma determinada na referida carta de 5 de abril. Ordeno ao dito
novo Ministro Dr. Ouvidor-Geral Joo da Costa Carneiro e S que autuando a dita cpia autntica da carta de 16 de julho acima referida e juntamente a representao e queixas dos moradores do Cear e represen-
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tao nela inclusas, inquira por modo de devassa sobre o contedo nelas, e do que achar a respeito das queixas dos ditos moradores me dar
parte para eu o fazer presente a S. Majestade. Recife 23 de dezembro de
1769. Rubrica de V. Ex.
Ilm Exm Sr. Pela carta de 16 de julho do ano passado em
que veio inclusa a cpia da de 5 de abril dirigida a meu antecessor, foi S.
Majestade servido determinar as providncias a respeito das desordens,
que na Capitania do Cear praticava o Ouvidor Vitorino Soares Barbosa
junto com o Clrigo Jos Pereira de Melo; porm devo dizer a V. Ex o
que se oferece a este respeito.
Como os fatos deduzidos na conta de meu antecessor no
que respeitava ao colono do dito clrigo e ouvidor no os achei verificados, e a Real Ordem de S. Majestade que determina que no caso de verificados os ditos fatos devia vir o ouvidor desta comarca a suspender o
dito ministro e seqestr-lo todos os bens e os do dito Clrigo Jos Pereira de Melo, remetendo o primeiro cadeia do Limoeiro e o segundo
o fizesse embarcar para o Reino; conferindo com o dito meu antecessor
esta matria, e ponderando a distncia do longo caminho, que medeia
desta Capitania quela e falta que o ouvidor desta comarca fazia aos povos dela assentamos que estando a chegar o novo ouvidor para o Cear,
poderia este mesmo Ministro examinar os ditos fatos e coluses, de que
havia meu antecessor dado conta, e achando-os verificados executasse a
Real Determinao mencionada; assim o pratiquei, como V. Ex ver da
Instruo e Portaria, que passei ao dito novo ouvidor, que construiu das
cpias juntas tanto respeito das ditas coluses como do novo Requerimento, que os moradores do Cear haviam feito a S. Majestade, que me
foi remetido com a dita carta de 16 de julho.
Da resulta, que houver desta diligncia, darei conta a V. Ex
para que fazendo-a presente a S. Majestade determinar o mesmo Senhor
o que for mais conveniente a seu Real Servio.
Deus guarde a V. Ex muitos anos. Recife de Pernambuco
em 7 de fevereiro de 1770. Ilm Exm Sr. Martinho de Melo e Castro.
Manuel da Cunha Meneses.
Como v-se, dupla era a incumbncia, que trazia Carneiro e
S a respeito de seu antecessor; tinha que verificar a verdade do que se
dizia das malversaes por ele praticadas como exator da Fazenda, e to-
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veitados para os empregos rendosos e s comisses honorficas, e no perdem ensejo de espezinhar os homens virtuosos e de carter sem jaa.
Se ao menos possussem esses bedunos da poltica uma sequer daquelas grandes qualidades, que resgataram os erros de um Mirabeau ou de um Wentworth...
O que vale que no maior nmero os homens, a que me refiro, so ou sero outros tantos Olibrius.
Mendona Furtado revelou-se injusto com o governador.
certo que no comeo da administrao Borges da Fonseca havia se manifestado em oposio desabrida contra o ouvidor, mas com o andar
dos tempos julgou dever partilhar da opinio diversa. Onde seu crime?
Pior seria, e muito menos lhe deveria perdoar o tribunal da Histria, se
reconhecendo a leviandade ou a injustia de suas acusaes houvesse
persistido em acabrunhar a vtima s com o receio de ver-se apanhado
em contradio.
Aps rigorosas investigaes Carneiro e S proclamou a inocncia de Vitorino do crime, que se lhe imputava de scio do Padre Jos
Pereira; no ser isto bastante para atenuar tambm o procedimento de
Borges da Fonseca?
Vejamos o ofcio em que o Ouvidor d conta do resultado
das pesquisas feitas:
Ilm e Exm Sr. Em observncia da Ordem expedida por V.
Ex com a data de 23 de dezembro do ano prximo passado em que me
ordena que logo que chegue a esta Capitania do Cear sem perda de
tempo indague e averige com o maior segredo e cautela se entre o Provedor meu antecessor Vitorino Soares Barbosa e o Padre Jos Pereira de
Melo havia malversaes e coluses em que eram scios em prejuzo da
Real Fazenda, e se acha serem certas as ditas desordens procedesse logo a
devida execuo na forma, que aponta a Real Determinao, que consta
da carta de 5 de abril expedida pela Secretaria de Estado da repartio da
Marinha em que Sua Majestade manda executar o que nela se contm.
Entrando logo nesta diligncia como V. Ex me manda com o maior cuidado, cautela, e vigilncia, indagando extrajudicialmente e pelo meio que
julgava mais conveniente achei no ter na verdade coloios, ou negociaes o Provedor da Fazenda com o dito Padre Jos Pereira de Melo e
isto me constou plenamente pela residncia, que tirei ao mesmo Prove-
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O outro acusado, o Padre Jos Pereira,9 no conseguiu defender-se e mostrar-se limpo de culpa, e da carta de Carneiro e S viu-se
que foram-lhe os bens submetidos a seqestro.
Este seqestro fora executado a 8 de abril de 1769, correndo
o processo perante o prprio Vitorino Soares Barbosa a requerimento
do Dr. Felix Alexandre da Costa Tavares, procurador da Coroa e Fazenda. O motivo invocado foi o pagamento de 4.058$618, que o padre
estava a dever dos dzimos das ribeiras de Russas e Ic.
Apregoou ao ru o porteiro do auditrio Jos Pinheiro: no
tendo ele comparecido nem pessoa alguma apresentando-se em seu lugar, foi condenado revelia e fez-lhe seqestro nos bens Francisco de
Oliveira Guerra, Meirinho-Geral da Ouvidoria e Correio.
Tudo isso se encontra no auto de seqestro do qual examinei
uma cpia existente nos Arquivos de Biblioteca Nacional de Lisboa, escrita por Paulo Teixeira da Cunha, Escrivo da Fazenda Real e Matrcula, Contador da gente de Guerra da Capitania do Cear, que concertou-a
com o Escrivo de rfos, Incio Jos Gomes de Oliveira.
Restava ao ex-ouvidor o processo por queixa, que lhe moviam
os moradores da Capitania, o qual na minha opinio ainda antes um
requisitrio contra Jos Pereira de Melo do que a pessoa, que se intentava perder ou inutilizar.
Foi mandado proceder por Ordem de 16 de julho de 1769,
assinada por Mendona Furtado, a que Cunha Meneses fez dar execuo por Ordem de 23 de dezembro.
Tudo isso se verifica bem nos documentos seguintes:
Auto de Devassa, que mandou fazer o Dr. Ouvidor-Geral o
Corregedor da Comarca, Joo da Costa Carneiro e S, em observncia da
Ordem do Ilm e Exe Sr. Manuel da Cunha Meneses, Governador e Capito-General de Pernambuco, e mais Capitanias anexas. Escrivo Pessoa.
Ano do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e setenta aos oito do ms de fevereiro do dito ano nesta vila de
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Era pernambucano e tinha a alcunha de Palangana. Naturalmente pertencia famlia de que trata a carta de 14 de junho de 1759 escrita a Homem de Magalhes
pelo governador de Pernambuco.
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Majestade foi servido determinar quanto s desordens, que haviam praticado na Capitania do Cear o ouvidor atual da mesma Capitania, e o
Clrigo Jos Pereira de Melo, e as providncias que mandou dar a este
respeito: E porque novamente chegaram Real Presena do mesmo
Senhor a conta e representao inclusas dos moradores da mesma Capitania do Cear, servido que V. S.a fazendo ajuntar a referida conta, e
representao Devassa, que em conseqncia da referida carta deve
achar-se tirando o ouvidor dessa Capitania, lhe ordene pergunte nela
pelos fatos deduzidos nelas; para que sendo tudo presente ao mesmo
Senhor, possa resolver o que for servido. Deus guarde a V. S.a Palcio de
N. Sra da Ajuda a 16 de julho de 1769. Francisco Xavier de Mendona
Furtado. Sr. Manuel da Cunha e Meneses.
A queixa dada do Ic e traz a data de 1 de abril de 1769;
consta de 90 captulos acusatrios, e assinada por Joo Bento da Silva
e Oliveira, Pedro Antnio Pereira Maia, Domingos Alves de Matos,
Jos Roiz Pinto, Manuel Ferreira Braga, Francisco Pinheiro do Lago,
Joo Lopes Raimundo, Jos Roriz de Matos, Francisco Roberto, Manuel Roriz da Silva, Jos de Xerez Furna e Jacinto Coelho Frazo.
Assim comeam eles sua representao:
Senhor. Representam a V. Majestade, em nome dos moradores da Comarca do Cear Grande, as pessoas ao diante assinadas a
misria e consternao em que vivem oprimidos os vassalos sujeitos
Real Coroa Portuguesa, moradores na dita comarca; pois sendo provido
o Dr. Vitorino Soares Barbosa no lugar de ouvidor, e devendo cumprir
com as obrigaes de seus cargos, na forma de seu Regimento, para
conservao e paz dos povos, o tem obrado tanto pelo contrrio no espao de onze anos, que est exercendo, que pelos fatos que tem praticado, expressos nos Captulos inclusos, parece indigno do Real Servio, e
merecedor da mais severa demonstrao.
Porque nos persuadimos que a Real Clemncia e inteno de
to catlico, e piedoso monarca no destruir seus vassalos mas sim
conter seus povos em justia e temor de Deus mandando-lhe administrar reta e igual por seus ministros: E nesta confiana esperamos merecer a ateno e piedosa clemncia de V. Majestade por meio desta representao para alvio da nossa opresso dignando-se mandar tomar um
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E perguntado ele testemunha pelo contedo no auto e captulos desta devassa, que todos lhe foram lidos e declarados pelo ministro, disse que ele testemunha no assinara os ditos captulos e menos
soubera deles seno agora por chamado para este depoimento, e s sabe
por ver que o dito Doutor Vitorino Soares Barbosa enquanto serviu de
ouvidor sempre obrara em tudo retamente por ser muito diligente no
servio de Sua Majestade Fidelssima, bom despachador das partes, muito limpo de mos e exatssimo na cobrana da Real Fazenda em que se
empregara com grande zelo e atividade, e ele nem disse por no saber
nada do que os ditos captulos contm.
Diante de provas tais no admira que se desmoronasse o edifcio da iniqidade.
As outras testemunhas dadas pela acusao deixaram de ser
ouvidas, por motivo de ausncia diz o ouvidor.
Nos demais quesitos pode-se dizer que o processo revelou-se
tambm um triunfo para o ru.
No obstante, o Governador Montaury numa daquelas suas
clebres objurgatrias contra os ouvidores de seu tempo escreveu horrores contra Vitorino a propsito da morte de Homem de Magalhes, o
que no faria por certo se houvesse folheado a correspondncia oficial
de seu imediato antecessor, cuja opinio sobre o caso se manifesta clara
no perodo seguinte de uma sua carta de 16 de maio de l765:
Tomando posse do governo desta Capitania, fui plenamente
informado da grande necessidade, que havia de se passar mostra s tropas milicianas, porque o capito-mor defunto Joo Baltasar de Quevedo
Homem de Magalhes por causa das molstias que padecia e de que ultimamente veio a morrer, as no passara de cinco anos a esta parte, estando por este motivo vagos muitos postos, os distritos confundidos e
sem listas, e tudo to desordenado que nem as milcias sabiam quais
eram os seus cabos, nem estes conheciam os seus soldados.
Para corrigir essas irregularidades e faltas de disciplina e para
preencher certas vagas a que se refere nessa sua carta de que acabo de
aproveitar-me para defesa de Vitorino Soares, foi que Borges da Fonseca fez a escolha de Jos Pereira de Melo, ouvida a Cmara do Aquiraz,
para sargento-mor de ordenanas.
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Quaresma Dourado provera nesse posto a Agostinho de Bulhes e Melo, que havia 5 anos estava preso e no fizera confirmar a patente em Lisboa, o que equivalia a nulidade dela, por isso Borges da
Fonseca necessitando de um auxiliar para passar a mostra das tropas enquanto o tempo o permitia procedeu a nomeao de Pereira de Melo e
requisitou para Lisboa a confirmao de sua patente.
Do mesmo modo haviam praticado os capites-mores da Paraba e Rio Grande com Joo Nunes e Manuel Antnio Pimentel de
Melo.
Assim concluiu-se a devassa geral que havendo comeado no
Aquiraz a 8 de fevereiro foi encerrada no Ic a 17 de novembro e remetida a Cunha Meneses a 19 de novembro de 1770.
Possuo cpia de todas as suas peas, que ponho disposio
de quem quiser consult-as.
Ainda desta feita ficou comprovada a inocncia do magistrado acusado, a quem com verdade e justia s se poderia assacar a pecha
de nimiamente irascvel e ignorante: mesmo assim no estava encerrado
para ele o elo das infelicidades e amarguras, com que o destino aprazia-se em acabrunh-lo.
A Vitorino Soares com certeza ningum recordaria o anel de
Policrato.
Ao tempo em que efetuava a devassa, longo e complicado
processo no qual foram ouvidas pessoas de toda hierarquia, algumas delas vindas das mais longnquas localidades, o Ouvidor Carneiro e S julgou necessrio transportar-se da vila do Aquiraz Fortaleza, a fim de
examinar a escriturao dos livros da Ouvidoria e conhecer da maneira
pela qual o servio se ia fazendo naquela repartio.
O exame revelou a insuficincia intelectual, a falta de habilitao do respectivo escrivo, o que levou o ouvidor a requerer que viesse
algum oficial dos Contos de Pernambuco a reduzir ordem e clareza os desordenados e confusos livros da Provedoria.
At aqui nada afetava os interesses de Vitorino Soares. Aconteceu, porm, encontrar Carneiro e S numa lista imensa de devedores
da Fazenda, e conquanto a maior parte dessas dvidas estivesse perfeitamente garantida afigurou-se-lhe, e nesse pressuposto confirmaram-no
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pessoas de maior exceo, que vista dos tempos calamitosos, que a Capitania atravessava, seria de mais em mais difcil a efetiva cobrana delas.
Ora, havendo uma Ordenao Rgia que fazia os ouvidores responsveis nos seus bens por todo e qualquer desfalque, que a Fazenda viesse a
experimentar, entendeu ele dever mandar notificar a seu antecessor para
que no sasse da Capitania at resoluo do Governador de Pernambuco, porque no parecia justo que fosse ele responsvel do prejuzo, que poderia resultar da omisso de outrem.
Procedamos leitura dessa pea:
Ilm e Excelentssimo Sr. Logo que conclu a residncia de
meu antecessor e pude expedir outras dependncias que faro necessria a minha presena na vila do Aquiraz, passei a esta da Fortaleza, onde
reside a Provedoria a dar execuo s ordens, que para ela me distribuiu
V. Ex e no foram necessrios muitos dias para que eu viesse no conhecimento da insuficincia, e falta de inteligncia do escrivo dela, e do
qual no posso esperar que se executem perfeitamente as escrituraes
das casas da Real Fazenda; pelo que parece seria de utilidade mesma
Real Fazenda que viesse aqui por algum tempo algum oficial dos Contos
dessa capital a reduzir a ordem e clareza os desordenados, e confusos livros desta Provedoria. Ainda de maior o cuidado que me causa a cobrana da grande soma de dvidas atrasadas, que a V. Ex constar da relao junta, pelas insuperveis dificuldades que nela me ponderam algumas pessoas que julgo de crdito, e me asseguram que s duas, ou trs
dvidas se julgam falidas mas que muitas podero vir a ser pelo lapso do
tempo, por se no poderem fazer execues nos bens existentes dos devedores, e seus fiadores por falta de quem os arremate, s sim nos frutos e rendimentos das mesmas fazendas existentes; razo esta por que se
no poder concluir a sua cobrana com a brevidade e prontido que se
deseja, causa desta desordem a qualidade de arrematantes e fiadores que
aqui se costumava admitir, abuso este que se acha j evitado com a advertncia que V. Ex me fez. Nestas circunstncias me parece devia
mandar notificar ao meu antecessor para que no sasse desta Capitania
at resoluo de V. Ex a quem sou obrigado a representar-lhe porque
no parece justo que seja eu responsvel do prejuzo que poder resultar
da omisso de outrem. Desejava merecer de V. Ex sua ressalva pelo que
pertence falncia destas dvidas atrasadas em que fico com a maior vi-
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gilncia em as cobrar como igualmente pronto em executar todas as ordens que por V. Ex me forem determinadas. Deus guarde a V. Ex. Vila
da Fortaleza, 1 de maro de 1770. De V. Ex menor servo. O Ouvidor
da Comarca do Cear Joo da Costa Carneiro e S.
Nuvens negras, portanto, acumulavam-se sobre a cabea de
Vitorino Soares; j no era pouco estar sob a presso de uma devassa
por fatos os mais depoentes, dos quais precisava mostrar-se inocente,
vinham agora os escrpulos do ouvidor engendrar para a vtima novos
dissabores.
Em resposta a aquele seu oficio de 1 de maro de 1770 em
que comunicava o alvitre tomado, recebeu Carneiro e S a seguinte carta:
Recebi as duas cartas de Vossa Merc de 2 de fevereiro e de
1 de maro e devo dizer a Vossa Merc sobre a primeira que fico na inteligncia do que obrou a respeito ordem de S. Majestade de 5 de abril
do ano passado, o que tudo pus na presena do mesmo Senhor e pelo
que respeita a segunda, como Vossa Merc no declara os motivos que
o obrigaram a mandar notificar a Vitorino Soares Barbosa, que foi seu
antecessor, para no fazer viagem para este Recife d ocasio a suspeitar
que o dito ministro est incurso em alguma daquelas matrias, que a
Vossa Merc mandei indagar com a maior cautela e recomendao. Nestes termos no me resolvo a mandar sair dessa comarca dito seu antecessor sem Vossa Merc primeiro me fazer presente o motivo da notificao, que lhe mandou fazer para que vista do merecimento do dito
executar as Reais Ordens de S. Majestade, que me esto incumbidas.
Tambm com a maior brevidade me mandar Vossa Merc a devassa
que resultou da queixa, que os moradores dessa Capitania fizeram a S.
Majestade contra o dito seu antecessor: tudo espero que Vossa Merc
execute sem perda de tempo pois estes casos no permitem a mnima
demora. Deus guarde a Vossa Merc. Recife, 11 de maio de 1770. Manuel da Cunha Meneses.
Como v-se, o Governador de Pernambuco manteve a notificao feita ao ex-ouvidor, porm sentindo a pouca clareza das explicaes dadas exigiu de Carneiro e S mais amplas informaes, o que este
procurou satisfazer em Ofcio com data de 2 de julho, endereado de
Caiara e recebido em Pernambuco a 15 do ms seguinte.
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Cumpria ao governador dar conta tambm para Lisboa de todas essas ocorrncias, e f-lo ento nos seguintes termos:
Ilm Exm Sr. Em carta de trinta de maro10 do corrente
ano dei conta a V. Ex do que havia praticado a respeito do Bacharel Vitorino Soares Barbosa, ouvidor que foi da Capitania do Cear, com os
documentos originais de que agora fao presente as cpias n 1; como
depois acresceu a notificao, que o ouvidor atual daquela Capitania fez
ao dito Bacharel Vitorino Soares Barbosa para no sair de l sem minha
ordem na qual no explicava claramente as dvidas por que procedera a
dita notificao, fui obrigado a responder o que Consta do n 3 em virtude do que declarou em carta de 2 de julho do corrente ano, cujo original envio com o n 4, que o motivo daquele procedimento no fora pelo
achar incurso em algumas das matrias em que o supunha delinqente a
ordem de S. Majestade de 5 de abril do ano passado, mas sim porque tinha achado algumas dvidas da Real Fazenda sem aquela segurana, que
presentemente tenho feito observar na conformidade das Ordens de S.
Majestade, as quais se acham j remediadas pelo mesmo ouvidor atual
como na dita carta n 4 faz meno.
Nestes termos tenho determinado ordenar que se lhe levante a suspenso e que seja obrigado a fazer viagem a esta capital, aonde
fao teno demor-lo at Real Determinao de S. Majestade depois
que lhe for presente a resulta da Devassa a que o mesmo senhor mandou proceder contra o mesmo Bacharel Vitorino Soares Barbosa na
queixa, que dele fizeram os moradores daquela Capitania, cujo procedimento ainda no foi possvel averiguar-se como consta da dita carta n 4
no fim dela.
V. Ex se servir pr o referido na Real Presena S. Majestade para o mesmo senhor determinar o que for servido.
Deus guarde V. Ex muitos anos. Recife de Pernambuco em
22 de agosto de 1770. Ilm Exm Sr. Martinho de Melo e Castro. Manuel
da Cunha Meneses.
Ilm Exm Sr. A queixa que os moradores da Capitania do
Cear fizeram a S. M. do Ouvidor Vitorino Soares Barbosa, que me foi
10 engano de Cunha Meneses: a carta tem data de vinte e nove.
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remetida com carta de 16 de julho do ano passado para a sua averiguao, mandei fazer esta pelo ouvidor da dita Capitania, na forma que avisei em carta de sete de fevereiro, e pelo que me responde o mesmo
ouvidor na carta que fao presente a V. Ex consta ser preciso na ocasio da Correio fazer as indagaes necessrias para dar completa satisfao ao informe, que deve fazer dos fatos na dita queixa apontados,
e logo que esta diligncia chegar a meu poder executada a remeterei a V.
Ex para ser presente a S. Majestade.
Deus guarde a V. Ex muitos anos. Recife de Pernambuco
em 30 de maro de 1770. Ilm Exm Sr. Martinho de Melo e Castro. Manuel da Cunha Meneses.
Ilm Exm Sr. Em carta de 22 de agosto do ano passado pus
na presena de V. Ex o que se me oferecia a respeito do Bacharel Vitorino Soares Barbosa que foi ouvidor na Capitania do Cear e conclua a
minha carta dizendo a V. Ex que determinava lhe fosse levantada a suspenso em que eu o tinha detido naquela Capitania, e que viesse em direitura a esta capital aonde ficaria demorado at a Real Determinao de
S. M. depois que lhe fosse presente a Devassa, que o mesmo senhor foi
servido ordenar-me mandasse proceder contra o dito Bacharel a respeito da queixa, que dele fizeram os moradores da dita Capitania.
A dita Devassa e captulos nela autuados remeto inclusa a V.
Ex e como da mesma se prova a falsidade com que o autor dos captulos intentou perder ao dito Bacharel, o que bem expressa a carta original
do ouvidor atual daquela Capitania, que fez a diligncia, no pargrafo 8
que tambm remeto incluso, e os fatos antecedentes contra ele argidos
se no haverem verificado como j dei conta em carta de 30 de maio do
ano passado, acrescendo mais os ditos de algumas testemunhas, que juram no terem sabido aos ditos captulos ainda que neles vinham nomeados por autores me pareceu vista de to claras e evidentes provas da
inocncia deste Bacharel e que tudo o que se lhe maquinou foi em dio
de vingana e razes particulares resolver-me o permitir-lhe a licena
para se embarcar para esse Reino nos primeiros navios, que deste porto
sarem; na inteligncia de que a Real Piedade de S. M. haver por bem
que eu assim execute por no vexar com mais demora nesta capital um
vassalo, que das acusaes que lhe fizeram lhe no resultou culpa, o que
tudo espero por V. Ex na Real Presena do mesmo senhor e o mesmo
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pinas a que suponha-se com direito; provam a carta da Cmara da Fortaleza Rainha em data de 18 de maro o ofcio de 7 de agosto aos
membros da Junta da Real Fazenda, mostrando quela a impossibilidade
em que achava-se de distrair qualquer quantia de seu cofre, e explicando
a estes os motivos por que no dera execuo ao despacho de 26 de fevereiro.
Assentado que no houve luto oficial algum em 1783, fcil
demonstrar agora que ao Ouvidor Barros (era melhor que Joo Brgido
dissesse ex-ouvidor, porque assim evitaria que algum supusesse que o
Cear tinha ento dois ouvidores ao mesmo tempo, Andr Ferreira e
Dias e Barros) a Cmara da Fortaleza no pagou quantia alguma alm
das propinas por morte de D. Jos I, sucedida a 24 de fevereiro de 1777
trs dias depois do casamento de seu neto com a infanta D. Maria Benevides.
Provam-no, exuberantemente, todos os documentos j acima
citados, prova-o ainda o ofcio de 27 de setembro de 1783 em que os Camaristas Domingos Roiz da Cunha, Antnio de Sousa Uchoa, Bernardo
de Melo Uchoa, Vicente Ferreira Forte e Lus Barbosa de Amorim agradecem Rainha a graa, pela qual eximia-os do pagamento das propinas
exigidas pelo ouvidor por motivo do falecimento da Rainha-Me.
O ouvidor, certo, lanou de todos os recursos j por si j
por amigos e parentes para haver de todas as Cmaras o que, dizia ele, a
lei facultava-lhe receber; aquelas Cmaras que podiam pagar ou no
queriam entrar em luta, mandaram os 108$ exigidos, a do Aquiraz enviou-lhe 60$ por no ter outro rendimento seno o contrato das carnes e
este no encontrar arrematante, as de Soure e Mecejana nada puderam
dar, finalmente a de Fortaleza recusou tambm entregar sua cotizao.
Como eu j disse, o ouvidor reclamou para o Tribunal Superior,
que mandou que fosse o pagamento efetuado, mas os vereadores afetaram a questo Rainha, que a decidiu em favor deles.
O ouvidor, portanto, no fez a Cmara da Fortaleza pagar-lhe
as despesas com o luto de 1781.
Fica tambm prejudicada a 3 parte da afirmao do Resumo
Cronolgico, pois o governo portugus no poderia obrigar o ouvidor a
restituir o que nunca recebera.
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Diante das concluses e raciocnios, a que se prestam os documentos por mim apresentados, a que reduz-se a suposio de que foi
undcimo Ouvidor do Cear o Procurador da Coroa do tempo de Vitorino Soares?
Esse Bacharel que figura numa ata de vereao, a de 1 de setembro de 1779, da Cmara de Fortaleza como procurador do secretrio
ultramarino, ainda em 1783 vivia na vila do Aquiraz, como se depreende
da proposta de seu nome feita por Montaury para uma Junta de Justia,13 esteve na cadeia do Recife em 1787, e voltou de novo a Fortaleza,
porque no ano 1793 seu nome encontrado entre os das pessoas fintadas em dez tostes para a reconstruo da ponte do rio Coc segundo
resoluo da Cmara em sesso de 16 de dezembro.
A finta aludida incorpou em 55$320. Essa circunstncia serve
tambm para patrocinar o meu dizer, pois no sabe-se que ouvidor algum do Cear, concludo o tempo de seu emprego, preferisse de boa
mente as tristezas e os atrasos da colnia vida confortvel e descansada da civilizada Europa.
A crnica registra, verdade, a demora do Desembargador
Andr Ferreira por 7 meses, j estando seu sucessor empossado, mas
ningum dir que a vtima do governador Montaury praticando assim
obrava voluntariamente.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Captulo VI
O NAVIO HOLANDS PRINCESA DO BRASIL E SEUS CAIXAS
COLAO E SALAZAR. CONSTRUO DE NOVOS EDIFCIOS
EM FORTALEZA. OS SUCESSORES DE BORGES DA FONSECA.
ALVAR DE 12 DE DEZEMBRO DE 1770. NOBILIARQUIA
PERNAMBUCANA. UM INDITO DE BORGES DA FONSECA
O TEMPO em que Vitorino Soares lutava por defender-se do monstruoso processo, que lhe armara o dio pessoal, Borges da Fonseca tinha de responder tambm a acusaes de que se lhe fazia carga em Pernambuco, e em conseqncia das quais incorreu no desagrado de Cunha Meneses.
Repetia-se o caso de Bento Macedo de Faria acusado a 22 de
agosto de 1684 pelo almoxarife Domingos Ferreira Pessoa de vender a
navios de Holanda pau violete e outras madeiras, gados e cavalos em
troco de fazendas e mais gneros do Norte.
O primeiro elo da cadeia acusatria uma carta de 6 outubro
de 1769, em que o Capito-General dizia constar-lhe que um navio holands pretendia entabular comrcio nas costas setentrionais do Brasil,
graas sobretudo ao auxlio de um piloto portugus de nome Jos Henrique Cavaco ou Henrique Jos Colao, e fazia-se precisa a mxima vigilncia para que os contrabandistas no lograssem o malvado intento.
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na cidade da Palma, Ilha da Grande Canria, ali chegou o Princesa do Brasil e que o caixa dessa embarcao convidara-o para seu segundo caixa,
emprego que ele aceitara. No mais repetiu mais ou menos os dizeres
de Colao.
Jos Vaz Correia, homem branco, casado, morador na Povoao de Ponin, termo da Vila de Penedo, disse:
Entrando na barra de Coruripe num barco que vinha da
Bahia, avistara um navio holands que se achou ser o Princesa do Brasil,
que conhece ambos os caixas por terem sido moradores de Pernambuco, chamando-se um deles Jos Monteiro Salazar, casado em Pernambuco com uma filha da castelhana e de seu marido Joo Francisco, e o outro, Jos Henrique, tambm casado, e morador com a mulher em Santa
Rita e empregado por contramestre sota-piloto num navio da Companhia para Angola.
O Capito Manuel Ferreira de Melo Ferro, homem branco,
casado, morador nos Pastos de Cima, termo de Penedo, disse: que no 1
dia de outubro tarde chegaram-lhe em casa dois portugueses, declarando chamar-se Henrique Jos Colao e Jos Monteiro Salazar e fazer parte da tripulao do navio holands naquele dia arribado e vinham dar
entrada perante ele testemunha por ser o capito do distrito; que pedindo-lhe ele testemunha os passaportes os foram buscar ao navio trazendo-os no dia seguinte; por ter chegado ao distrito o sargento-mor da vila
do Penedo lhos mandou entregar; que o sargento-mor dera parte para o
ouvidor-geral que estava na dita vila; os dois portugueses falaram-lhe
para ver o modo de se fazer aguada e consertar as vergas partidas e lanaram em terra oito barricas com uma jangada; confessaram-lhe que
no traziam dinheiro portugus, pelo que faziam depsito de 6 peas de
chita grossa, cor azul, e de cinco espingardas de carregao para sobre
elas abon-los no gasto que precisavam fazer; ele testemunha respondera-lhes que aceitava as chitas e as espingardas em depsito at vir a resoluo do doutor ouvidor; mas no consentira que eles voltassem para
bordo nem que para l voltassem tambm as barricas.
So estas as principais testemunhas da devassa, cujos depoimentos e bem assim os das demais pessoas Sousa e Costa remeteu para
o governador em 13 de outubro.
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com alguns contrabandistas portugueses para fazerem o comrcio clandestino que consta da carta de M. da Cunha e Meneses com data de 25
de janeiro de 1770.
A carta de 25 de janeiro a em que se expe com minudncias
o negcio do navio Princesa do Brasil.
Conheo uma outra carta de Cunha Meneses ainda com relao a contrabando por aquele tempo.
de 8 de fevereiro de 1770. Assegura nela que os sertes da
Capitania so muito habitados e esto cheios de mercadorias de contrabando introduzidas pelo rio de So Francisco, notando-se que os capites-mores, regentes e diretores de povoaes so os principais empenhados no ilcito comrcio, que o rio de So Francisco, o qual divide a
Capitania de Pernambuco da Capitania da Bahia at confinar com o Piau
e Maranho, tem nas margens quer de uma quer da outra banda povoados para onde por meio de fcil e freqentssima navegao se transportam as fazendas e remontando depois o mesmo rio introduzem-nas os
contrabandistas nos sertes com toda a facilidade, sem que esse comrcio clandestino possa ser evitado assim pela grande extenso do pas
como pela distncia em que do Recife ficam os lugares em que tais cousas se passam. Acrescenta Cunha Meneses: Pela parte da Marinha
igualmente fcil o contrabando, pela facilidade com que se navegam as
fazendas em jangadas e balsas depois que as tiram das embarcaes e as
levam queles stios e por que toda a praia lhes serve de porto. E ajunta
ainda: Os barcos dos portos livres, que vo fazer carnes ao serto da
Paraba e Distrito de Maranho, introduzem tambm fazendas no s
nas ditas duas Capitanias mas no Cear pela vizinhana que tm com as
primeiras e disto resulta que quando os moradores de Pernambuco
mandam os seus barcos ao serto a fazer carnes no levam outra carga
mais que o dinheiro para comprarem as boiadas, porque as fazendas que
antigamente trocavam se as levam para lhes ficarem empatadas ou fiadas a pessoas que lhes do m correspondncia.
No precisava a arribada do Princesa do Brasil para fazer frias as
relaes de Cunha e Meneses com o governador interino do Cear.
Pois se este tinha disposio bastante para advogar altos interesses da colnia em assuntos de real magnitude, como, por exemplo,
sua independncia do governo de Pernambuco e comrcio direto com a
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metrpole, e a criao de uma Capitania no territrio do rio So Francisco, projetos que iam cercar a autoridade dos capites-generais de Pernambuco e priv-los de proventos importantes! Tambm no era mais
capito-general o seu grande amigo, o Conde Copeiro-mor.
Encontro as provas daquele ltimo projeto, que acalentava o
nimo descentralizador de Borges da Fonseca, em papis do Governador do Piau, Joo Pereira Caldas existentes hoje no arquivo Ultramarino
da Biblioteca Nacional de Lisboa. Entre eles h uma memria concebida nos seguintes termos:
Memria, que logo se deve propor a Sua Majestade. Primeiramente, a Carta do Tenente-Corenel Antnio Jos Vitoriano Borges da
Fonseca escrita em 20 de junho de 1768, de que se mostra a grande necessidade, que h de se criar um governo e uma provedoria no territrio
do rio de So Francisco, servindo-lhe de cabea a nova vila que se criou
na Barra chamada do Rio Grande, Chagas de So Francisco Comarca
da Jacina, e tendo este novo governo e ouvidoria por distrito tudo o que
vai do Paje para cima at confinar com a da Jacina e pela outra parte,
at a extremidade do Bispado de Pernambuco: Ficando este novo governo subalterno subordinado s ordens do Capito-General da Bahia por
ser o mais vizinho, e mais fcil para os recursos das partes.
A Capitania do Piau se deve unir: Primeiro, a nova Vila Viosa Real sobre a serra da Ibiapaba com todo o seu termo, pela dificuldade
que a distncia faz de recorrerem aqueles habitantes a Pernambuco, a
que foram sujeitos at agora, e pela maior facilidade com que podem recorrer ao Governador da Mocha hoje, Cidade de Oeiras no Piau achando-se todo o caminho cheio de povoaes e fazendas de gado; segundo, a freguesia de So Bento de Pastos Bons ou das Balsas, onde h as
duas povoaes dos ndios Amanajs e de So Flix, os quais pertencendo at agora ao Maranho, no podem dali ser facilmente socorridos,
em razo da distncia, quando pelo contrrio assim os mesmos ndios
como os outros moradores da dita estendida freguesia tm muito fcil
acesso dita cidade capital do Piau.
Mas ser melhor que e leitor conhea o tpico da carta de
Borges da Fonseca dirigida para o Piau a Joo Pereira Caldas e da qual
este aproveitou-se para a sobredita Memria:
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ou enseada de Mucuripe, que dista quase uma lgua pela costa do mar
da vila da Fortaleza, que a da residncia dos Governadores desta Capitania. Achei a mesma governada pelos trs, que dispem a Lei da Sucesso de 12 de dezembro de 1770, por se ter retirado o meu antecessor o
Coronel Antnio Jos Vitoriano Borges da Fonseca para Pernambuco,
aonde chegou ainda estando eu l.
Com Borges da Fonseca funcionaram diversos secretrios,
uns efetivamente e outros pro-interim.
Deles foi o primeiro Flix Manuel de Matos, que servira com
o anterior governador, e por sua morte foi nomeado Incio Jos Gomes de Oliveira Gato. Havendo este sido suspenso do cargo de Secretrio por faltas, que cometera como Procurador da Cmara e Escrivo de rfos da vila de Fortaleza, sucedeu-lhe a 8 de julho de 1775 o
Escrivo da Fazenda Antnio de Castro Viana, que por sua vez foi substitudo pelo Padre Francisco Xavier Marreiros da Silva, nomeado e empossado a 11 de junho de 1779.
Falecendo o Pe. Marreiros, foi nomeado secretrio a 1 de fevereiro de 1780 Manuel Lopes de Abreu Laje, e em lugar deste, finalmente, Francisco Rodrigues Paiva, cuja nomeao traz a data de 2 de
fevereiro de 1781.
Alm dos citados, outras pessoas serviram de secretrios no
impedimento dos efetivos como Jos de Gouveia Campos, Filipe Tavares de Brito, Joo Batista da Costa Castro.
Quem constituiu o governo interino, que veio aps Borges da
Fonseca?
O Ouvidor Dias e Barros era por lei um dos seus membros?
Quais os nomes dos outros dois membros?
Lendo os termos de vereao do Senado da Cmara de Fortaleza, encontrei o da vereao de 3 de novembro de 1781 em que acordaram o juiz presidente e mais oficiais em dar posse deste Governo na
conformidade do Alvar de 12 de dezembro de 1770 por se haver retirado o Coronel Governador desta Capitania Antnio Jos Vitoriano
Borges da Fonseca pelo indulto, que lhe conferiu Sua Majestade Fidelssima e licena, que obteve do Il.mo e Ex.mo Senhor Governador e
Capito-General.
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ou Governadores delas, ou seja por causa de morte ou de ausncia dilatada do Distrito das mesmas Capitanias, ou por outro qualquer acontecimento que requeira de pronto providncia sobre a sucesso do mesmo
governo: Sucedam e entrem nele o Bispo da diocese e na sua falta o
Deo, o Chanceler da Relao e Oficial de Guerra de maior patente ou
que for mais antigo na igualdade delas.
Nas Capitanias em que no houver Bispo substituir este lugar o Ouvidor da Comarca, entrando o vereador mais antigo, e assim e
da mesma sorte dever executar-se naquelas Capitanias em que no
houver Chanceler entrando em seu lugar o Ouvidor. Na falta de alguns
dos sobreditos nomeados suceder aquele ou aqueles que os substiturem nos sobreditos cargos, enquanto eu no der outra especial providncia, e todos os acima nomeados me serviro de comum acordo, com
o mesmo poder, jurisdio e alada, que compete aos Governadores e
Capites-Generais das ditas Capitanias, e aos mais Governadores delas.
Notifico-vos assim e vos mando a todos em geral e a cada um em particular que recebais por meus Capites-Mores e Governadores dessas partes aos sobreditos quando sucedam os referidos casos e lhes cumprais
seus mandados inteiramente, assim como a meus Capites-Mores sois
obrigados a fazer sem a isso pordes dvida ou embargo algum. Lhes
usaro em tudo do poder, jurisdio e alada que tenho concedido aos
Governadores e Capites-Generais das ditas Capitanias quando esta sucesso acontea verificar-se em qualquer das ditas Capitanias, estando
ausentes os sobreditos. Hei outrossim por bem e mando que se lhe leve
logo recado com toda a diligncia a qualquer parte em que estiverem,
por mais remota que seja, sem embargo de quaisquer leis, regimentos,
usos e costumes que haja em contrrio. E logo que os ditos receberem
recado de sua sucesso nos referidos governos podero exercit-los na
forma acima declarada. No estando porm presentes mais que duas das
ditas pessoas, estas governaro at vir a terceira: E no estando presente
mais que uma, essa governar at chegarem as outras duas: E vindo uma
das ditas pessoas primeiro governaro ambas at vir a outra: E quando
governem duas somente e se forem diferentes em parecer tomaro por
terceiro nos casos em que se no conformarem o Ministro de Letras de
maior graduao que lhes ficar mais perto e na falta dele o Provedor de
Minha Real Fazenda e na falta destes o Vereador da Cmara mais antigo.
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tou juramento a 8 de abril de 1745, cavaleiro professo da Ordem de Cristo (16 de junho de 1745) e alcaide-mor das vilas de Igarau e Goiana.
Borges da Fonseca no foi somente um militar valente, empunhou a pena com a galhardia com que cingiu a espada, pois para a luta
incruenta das letras habilitara-se no Colgio dos Jesutas de Olinda, a
cuja Ordem pertencia seu irmo Joo Caetano.
Esse sacerdote, que nasceu em Olinda a 13 de maio de 1719,
entrou na Companhia a 23 de novembro de 1734, foi presidente de um
curso de filosofia no colgio da cidade de S. Paulo e examinador em outro do Rio de Janeiro, onde professou o 4 voto pouco antes de embarcar-se para Itlia. Sabia ele no amor aos livros ao irmo mais velho, que
nas horas de repouso, que lhe deixaram os encargos pblicos, escreveu
uma Memria sobre a Capitania do Cear (1768) e uma Cronologia da mesma Capitania (1778).
Sobre os mritos da primeira dessas obras assim pronunciou-se
o Conde de Povolide em carta escrita a 13 de setembro de 1768:
A notcia que Vossa Merc me enviou com a carta de 2 de
junho, em que descreveu debaixo das graduaes de longitude e latitude
o terreno que se compreende nessa Capitania, individuando vilas, freguesias e fazendas nela estabelecidas, como tambm o nmero dos seus
habitantes, e rendimento que tem a Fazenda de S. Majestade nos Dzimos Reais, me foi estimvel pela distino e clareza com que se faz
compreensvel a substncia do seu todo depois de resumida explicao
das suas partes, motivos, que fazem mui recomendvel a importncia
deste papel, que deve a direo de Vossa Merc um distinto louvor.
No so, porm, esses os trabalhos que mais lhe recomendam
a inteligncia e conhecimentos variados; seu maior ttulo admirao
dos vindouros a Nobiliarquia Pernambucana, que contm as memrias genealgicas das famlias mais distintas, com a notcia de origem, antiguidade e sucesso de
cada uma delas.
Essa obra compe-se de quatro grossos volumes in folio, dos
quais o primeiro foi escrito em 1771 e o ltimo em 1778 e tem por epgrafe duas sentenas latinas, uma das quais tirada do Eclesistico.
A Nobiliarquia Pernambucana, diz Antnio Joaquim de Melo,
uma obra dificlima e de interminveis diligncias e trabalho, a qual,
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posto que incompleta, todavia digna de apreo por nos dar a conhecer
e conservar as genealogias de muitas famlias da provncia.
Antnio Jos Vitoriano Borges da Fonseca, escreve Csar
Augusto Marques pg. 77 do Almanaque Histrico de Lembranas (1862),
pernambucano distinto por erudio e amor s letras, com fadigas e
enormes despesas obteve dos arquivos portugueses e de outros reinos
estrangeiros muitas notcias genealgicas e comps em muitos volumes
uma obra Nobiliarquia Pernambucana, onde trata das casas e famlias do
Brasil, principalmente de Pernambuco, verificando com grande critrio,
datas, erros e obscuridades, que at ento existiam. Por sua morte legou
este manuscrito aos monges de S. Bento de Olinda, em cuja biblioteca
deve estar.
Consta-nos que os frades da Congregao do Oratrio pretenderam comprar este manuscrito com o fim de o aumentar com os
fatos ocorridos posteriormente poca em que ele foi escrito, mas que
seus possuidores no quiserem perder to preciosa obra.
Pedimos ao governo e rogamos aos homens literrios que tirem da obscuridade imerecida este indito, que tanto honrar ao Brasil,
como perpetuar a memria de to erudito pernambucano.
Julgavam-se perdidas a Memria e a Cronologia do Cear, mas a
primeira dessas obras consegui verificar que se encontrava em um leilo
de manuscritos e impressos feito em favor de uma associao beneficente de Lisboa.
Esse manuscrito comea da seguinte maneira:
A Capitania do Cear grande governo subalterno da de Pernambuco da qual dista 180 lguas, tem 160 de costa, que principiando
ao sul da Linha Equinocial em 2 graus e 30 minutos de Latitude e 33
graus e 54 minutos de Longitude nos Mates do Rio Parnaba, que a divide das Capitanias de S. Lus do Maranho e S. Jos do Piau e corre
quase ao rumo de Leste 4 de sueste, at 4 graus e 10 minutos de Lat. e
334 graus e 50 minutos de Longitude onde o rio Mossor, que o Regimento de Pilotos chama Upanena, lhe faz extremas com a Capitania do
Rio Grande do Norte: e de serto tem em partes quase as mesmas lguas confinando ao Poente com a dita Capitania do Piau e ao sul tambm com a da Paraba pelo rio do Peixe e com a de Pernambuco pelo
grande rio de S. Francisco.
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Vilas
Freguesias
Capelas
Fazendas
Fogos
Pessoas
10
93
2491
7600
13
325
3404
11220
do Acaracu.........
do Jaguaribe.......
240
1253
5449
do Ic.................
12
314
2583
9912
10
19
41
972
9731
34181
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filha de Antnio da Rocha Bezerra e de sua mulher D. Isabel... deste primeiro matrimnio no teve sucesso: a segunda com D. Maria de Barros
Sueiro, filha de Beraldo de Barros Sueiro e de sua mulher D. Joana de
Castro de Aguiar. Deste segundo matrimnio teve os dois filhos seguintes: Beraldo de Melo de Albuquerque e Gonalo Monteiro de Albuquerque, que morreu menino: e a terceira vez casou com D. Antnia de Barros, filha de Francisco Pereira da Cunha e de sua mulher D. Apolnia
Dura: deste terceiro matrimnio teve a filha seguinte Maria Monteiro
de Albuquerque.
Esparsos, porm, pelos quatro volumes encontram-se inmeros apontamentos e notcias para o estudo genealgico de muitas famlias
cearenses.
Tenho uma cpia da Nobiliarquia, que considero autntica e
fiel por ter sido tirada sob as vistas de pessoa muito competente, o meu
ilustre amigo Sr. Domingues Codeceira.
Fica disposio dos curiosos e dos amantes da especialidade, que quiserem consultar esse tesouro de informaes, recomendvel
sobretudo pelo lado histrico e merecedor realmente dos elogios, que
lhe foram dispensados por Pompeu, Csar Marques e Antnio Joaquim
de Melo.
Bem v o Major Joo Brgido que h notcia dos estudos genealgicos de Borges da Fonseca, que guardavam-se no mosteiro de S. Bento.
O nome de Antnio Vitoriano Borges da Fonseca figura no
Catlogo dos Acadmicos Supranumerrios da Academia Braslica dos Renascidos de 31 de julho de 1759, publicado em anexo ao Estudo Histrico e Literrio intitulado A Academia Braslica dos Renascidos pelo Cnego
Doutor Fernandes Pinheiro.
Verifiquei a assero compulsando o volume de 261 pgs. que
existe na Biblioteca Nacional de Lisboa com o ttulo Papis da Academia
Braslica dos Renascidos com os seus Estatutos, e Memrias em Original e Cpia. (Mss. B. 10.17.)
Miranda Henriques tambm fazia parte dessa douta associao, que aos dois e a Jernimo Mendes de Paz e Joo Borges de Barros
confiou a descrio da Capitania Geral de Pernambuco (Paraba, Cear
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etc.) na grande obra que ela pretendeu escrever sob o ttulo Histria da
Amrica Portuguesa.
Foi pena que no fosse levada ao cabo empresa to patritica.
Verdade que aos scios pouco tempo poderia sobrar dos louvores ao
Mecenas Marqus de Pombal e ao Protetor D. Jos I.6 O que no impediu que Pombal perseguisse com dio encarniado o fundador dela
Conselheiro Jos Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo.
O desastre da Academia dos Renascidos e portanto o da Histria da Amrica Portuguesa tanto mais para lamentar porque no se imprimiu a Histria composta por Diogo Gomes Carneiro a convite do Rei
D. Pedro II.
de 10 de maio de 1673, expedida em virtude de Resoluo
Rgia de 15 de abril em Consulta do Conselho Ultramarino de 12 do
mesmo ms e ano, a proviso pela qual D. Pedro fazia merc ao Dr.
Gomes Carneiro do ttulo de Cronista do Brasil, com duzentos mil-ris
de renda em cada ano repartidos pelas Cmaras da Bahia, Pernambuco,
Rio de Janeiro e Angola, declarando S. Majestade a grande estimao que
fazia de que se escrevesse a dita Histria para se publicarem os generosos feitos que
nesse Estado obraram os seus vassalos com to grande reputao das suas armas e
crdito deste Reino.
Atente-se bem naquela data 31 de julho de 1759. Demonstra ela que antes de produzir seus trabalhos sobre o Cear e a Nobiliarquia Pernambucana, Borges da Fonseca tinha nome feito entre os literatos
da colnia.
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Com efeito assim era. A prova temos nas seguintes informaes de frei Domingos do Loreto, seu patrcio, contemporneo e
amigo:
Antnio Jos Vitoriano Borges da Fonseca, Fidalgo da Casa
Real, Cavaleiro da Ordem de Cristo, Familiar do Santo Ofcio, Alcaide-Mor da Vila de Igoiana e Tenente-Coronel do Regimento de Infantaria paga da guarnio do Recife, nasceu nesta clebre Vila em 25 de fevereiro de 1718, e foi batizado na Paroquial Igreja do Corpo Santo em 9
de maro do mesmo ano. Foram seus pais Antnio Borges da Fonseca
Mestre-de-Campo de Olinda, e Governador da Paraba e D. Francisca
Pires de Figueira, filha do Sargento-Mor Joo Batista Jorge e D. Rosa
Lourena Tenrio igualmente nobres que opulentos. Logo nos anos juvenis deu evidentes sinais da perspiccia do engenho e esforo do nimo, com que o dotara largamente a natureza. Tanto que comeou a receber as primeiras instrues da lngua latina e letras humanas foram
tantos os progressos do seu agudo engenho e penetrante compreenso,
que claramente se distinguia de todos os seus colegas. Depois de bem
instrudo na Gramtica latina, Retrica e Humanidades, se aplicou ao
estudo da Filosofia, em que fez grandes progressos e recebeu o grau
Mestre em Artes. Porm como uma natural inclinao herdada de seus
ilustres progenitores o arrebatasse para as armas, preferiu ao cio de
Minerva os tumultos de Belona, e julgando que servia melhor ptria
com a espada que com a pena trocou a aula pela campanha com nimo
maior que a idade pois no excedia de dezoito anos, se embarcou para a
Colnia comandando uma das Companhias, que no ano de 1736 foram
de socorro para aquela praa sitiada pelos castelhanos. Deste primeiro
teatro do seu valor voltou para a ptria e ainda no tinha descansado de
to larga jornada quando empreendeu outra por ordem do General de
Pernambuco, que o mandou governar a ilha de Fernando de Noronha,
cargo em que mostrou ser digno de outros maiores empregos. A natural
inclinao que tambm tem para as cincias o faz conservar entre o
tumulto das armas familiar comrcio com as letras, alternando os seus
cuidados entre Marte belicoso e Minerva pacfica. sumamente inclinado
lio da Histria Sagrada como profana, versado nos ritos e cerimnias
sagradas e nas lnguas mais polidas da Europa, e muito instrudo nas
cincias e artes necessrias ao carter da sua pessoa. Parece incrvel que
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lhe reste tempo das suas grandes ocupaes para escrever matrias to
diversas como as seguintes: Antiguidades de Pernambuco em Fol;
Memrias para a Histria Eclesistica de Pernambuco em Fol; Vrios ttulos Genealgicos de algumas famlias de Pernambuco em Fol;
Pareceres vrios sobre os mais dificultosos pontos das cerimnias e Rubricas Sagradas, em cartas; Palas armada, formaturas dos Esquadrons, em
oitavo. Tem esta obra as licenas necessrias para se imprimir. (Desagravos do Brasil e Glrias de Pernambuco, pg. 332).
Ao escrever aquelas ligeiras notas sobre a Academia dos Renascidos no posso furtar-me ao desejo de lembrar ainda uma outra associao literria que floresceu em 1724 na Bahia, fundada por Vasco Fernandes Csar de Meneses, sob o nome de Academia dos Esquecidos, mas s
para consignar que a Coleo dos Livros dos Monges de Alcobaa existente na Biblioteca Nacional de Lisboa encerra quatro ricos Cdices (nos
CCCIXV a CCCXVIII) contendo tratados sobre assuntos exclusivamente
brasileiros, dos quais dois pertenceram a essa Academia.
O 1, que compe-se de 10 dissertaes, escrito por um
annimo; as 10 dissertaes do 2 so do Doutor Caetano de Brito
Figueiredo; as 8 do 3 de Incio Barbosa Machado e as 8 do 4 de Gonalo Soares da Franca.
Inocncio nada diz a respeito dessas dissertaes, e dos autores apenas cita o irmo do clebre abade de So Adrio de Sever. A
Biblioteca Lusitana fala em Brito Figueiredo (Tomo I, pg. 555), em Soares da Franca e Incio Barbosa Machado (Tomo II, pgs. 406 e 532),
mas no trata tambm das dissertaes de que ora dou notcia.
Os Papis da Academia Braslica dos Renascidos alm de
seus estatutos e rascunhos de atas encerram uma Memria de Bernardino
Marques de Almeida sobre os governadores interinos que tem tido a
Bahia, cartas de vrios de seus membros entre as quais uma do Pe Dos
da S.a Teles traando o plano do seu poema pico Brasileida, uma de
Marcos Duarte Fontes do Rosrio, uma de frei Francisco Xavier Feio,
duas de Domingos do Loreto Couto, uma de frei Gaspar da Madre de
Deus escrita do Rio de Janeiro a 22 de outubro de 1759 a Antnio de
Oliveira e na qual ele diz-se filho do Coronel Domingos Teixeira de
Azevedo e de sua mulher D. Ana de Siqueira e Mendona e declara ter
nascido a 9 de fevereiro de 1715 (e no 1730, como escreve Inocncio
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curiosa a emenda errada que Inocncio se faz a si pg. 415 do tomo 9 do Dicionrio, acerca da naturalidade de Frei Gaspar da Madre de Deus.
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nicado a infatigvel diligncia de Manuel Alz de Morais Navarro Lin, capito comandante da Freguesia de N. S. dos Prazeres de Maranguape,
que neste presente ano o vereador mais velho da Cmara da Cidade de
Olinda, e nela Juiz pela Ordenao, e de rfos em todo o seu distrito, e
no da Vila do Recife) medita a minha mgoa a injustia com que o tempo
tem sepultado memoriais to estimveis.
Muitas e muitas vezes me lamentava desta sem-razo com
nosso colega o Sr. Jernimo Mendes de Paz e com o Padre Francisco
Ludovico da Purificao ex-Definidor da Ordem de S. Francisco, e porque me agrada muito os seus critrios, pois livres de paixo e de preocupao vulgares sabem indagar a verdade e examinar solidamente as notcias os persuadia a que escrevessem em benefcio da ptria, prometendo
ajud-los com as minhas fadigas, porque suposto as sei ter, desconfio de
que as no sei coordenar: e esta desconfiana junta ao receio que neles
encontrava de se meterem a escritores, ao mesmo tempo em que neles
descobre a minha venerao muito superiores vantagens, fazia maior
impresso no meu desalento.
Porm este nunca obrigou-me a desistir da minha aplicao,
e no h dvida que tenho j muitas Memrias em estado de se porem
em limpo e podero servir para diversos assuntos, porque nelas se
acham muitas notcias teis Histria Eclesistica, Civil e Militar de Pernambuco e todas quantas pode haver com verdade pertencentes Genealogia, na qual tenho feito maiores progressos, por haver composto
mais de 300 rvores de costado, com tanta verdade que no me perguntaro sobre elas por causa a que eu no possa responder com documentos verdicos e dignos de toda a f e por haver feito no espao de treze
anos todos quantos apontamentos so precisos para a composio dos
Ttulos de todas as famlias nobres, que h na minha ptria.
Nunca tive a vaidade de querer ser conhecido na Repblica
Literria, e sempre trabalhei sem mais objeto que o amor da ptria: e
esse o motivo por que eu desejava que houvesse quem soubesse expandir o que eu sabia indagar.
J vejo satisfeitos os meus desejos na instituio que a V. S.
se deve da nossa Academia. Agora sim reputo bem empregadas todas as
minhas viglias; agora sim estimo ter feitos tantos apontamentos; agora
sim podero ser teis os meus estudos. No luzem os diamantes nas
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Guilherme Studart
mos dos mineiros que os extraram da terra seno nas dos lapidrios,
que os souberam polir.
vista destas minhas confisses, que so sinceras, e do
que a este respeito ir a experincia mostrando a V. S. e a esse erudito
Congresso, persuado-me que s se querer servir-me na remessa das
ditas Memrias assim confusas como as tenho. Isto mesmo digo ao
Senhor Joo Borges de Barros que to cego na amizade, que lhe
devo, que sendo-nos distribuda a composio das Memrias desta Capitania de Pernambuco me excita a que me anime a escrev-las, porm eu ainda que desejo em tudo dar-lhe gosto me excuso desta incumbncia por crdito da nossa Academia, a qual no convm que
apaream as suas composies em todos perodos, e em mtodo indigesto.
Tenho muitas notcias, e brevemente poderei conseguir
todas quantas so necessrias para se escrever a 2 Parte da Nova Lusitnia, que principiou o General Francisco de Brito Freire e a deixou
incompleta por causa dos seus trabalhos, privando-nos a sua morte de
excelentes memrias, que com trabalho grande ajuntou nos 3 anos que
governou esta Capitania, vendo e examinando cuidadosamente os
mesmos lugares em que houveram as pelejas e se deram as batalhas
com assistncia dos principais cabos, que nelas se acharam dos quais
curiosamente se informava de todas as circunstncias, que podiam servir a sua narrao.
Porm com as memrias, que nos restam, julgo seria conveniente completar-se uma histria, que a mais verdadeira que temos das
guerras Braslicas, para que se no veja a posteridade embaraada com a
lisonja que ditou muitos perodos do rstico ainda que valoroso Lucideno e a maior parte dos do Castrioto Lusitano chegando a dependncia
at onde chegou o prprio dio no carter, que se faz a Antnio Cavalcanti de Albuquerque, a quem Pernambuco ser eternamente devedor
da idia de que foi executor Joo Fernandes Vieira ou por mais rico ou
por mais feliz, e na omisso de muitas aes valorosas dos cabos, que tiveram a infelicidade de serem menos bem vistos do seu heri. Mas no
me animo a empreend-lo porque conheo no saberei imitar a elegncia e energia da 1 Dcada, e no mereceria por esse motivo a minha
continuao o nome de 2.
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As Memrias do estabelecimento, argumento e estado presente das Tropas Militares etc., so o segundo assunto, que se me destinou.
Dele muito melhor do que eu poder escrever qualquer dos colegas, a
que tambm foi destinado; e assim no hei de descuidar de remeter
Mesa Censria todos os mapas pertencentes a esta Capitania e suas anexas, para que a Mesa os mande entregar a quem houver de ser encarregado desta composio. Mas porque desejo mostrar que no a minha
inteno escoar-me de obedecer e executar o que se me determina declaro que no caso que os ditos colegas se no possam empregar nestas
Memrias, ou por outras ocupaes, ou por algum motivo, no terei dvida em as escrever, enviando-se-me os mapas das mais Capitanias do
nosso Brasil, e prescrevendo-me Mesa Censria o mtodo, que devo
executar, e a distribuio, que devo seguir com cuja obedincia ficar
menos defeituosa a minha composio.
A Biblioteca Braslia o terceiro assunto, que se me distribuo; e como nele me destinou a sorte a V. S. por colega, seria eu o homem mais vaidoso de todo o mundo se presumisse escrev-la, e mereceria que por ftuo me mandasse esse Nobilssimo Congresso riscar do
seu Catlogo. Porm como a V. S. sero precisas as Memrias pertencentes a Pernambuco, direi que quando nosso colega o Sr. D. Domingos
do Loreto Couto escreveu um Elogio de Pernambuco, quase pelo mtodo
da vora gloriosa do Pe. Fonseca, o qual pretende imprimir, me consultou
sobre este ponto por me querer honrar. Dei-lhe notcia da Biblioteca
Lusitana do Abade de Sever, de que s trouxe o 1 Tomo quando vim de
Lisboa, por no terem ainda ento sado os 2 ltimos, e dei-lhe algumas
outras notcias, que tinha. Teve ele a ventura de achar completa em mo
de um curioso a dita Biblioteca, e adquiriu vrias outras notcias, com que
cuido de um perfeito Catlogo dos Escritores de Pernambuco. E como
a sua composio tinha s por objeto as Glrias da Ptria poder ser
que omitisse a notcia dos naturais de outros pases, ainda que escrevessem em Pernambuco, e neste caso no terei dvida em adicionar as notcias, que eu tiver depois de as comunicar ao dito nosso colega, que tambm no deixaria de corrigir alguns erros ou faltas de notcias, que ao
Abade de Sever ocasionaram as informaes, que no costumam ser
mui exatas quando quem as d no conhece a importncia delas.
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Esta aprovao de S. Ex me tem ocasionado alguma complacncia do meu trabalho, e porque estou certo das notcias, com que
escrevi estas Memrias, entro na dvida se as devo completar, para o que
somente faltam as das fundaes de alguns conventos deste Bispado, e
de algumas Parquias, que novamente se criaram, desmembrando-se de
outras, para as apresentar Mesa Censora, ou se as devo comunicar aos
colegas, a quem se distribuiu este assunto, para que as corrija, e as aperfeioe, indagando o que ainda falta.
A mesma dvida tenho a respeito das minhas Memrias Genealgicas. E no caso que as deva eu pr na ltima perfeio, estimaria muito
que se me dissesse se devo apresentar as rvores do Costado na forma em
que as tenho, que a comum, ou se as devo ilustrar com notas, para que
fique mais claro o conhecimento dos sujeitos pelos cargos honrosos que
ocuparam, e tempo em que viveram, das quais com aviso enviarei alguns
exemplos para que na Mesa Censria se julgue se devo continuar este
mtodo. E pelo que respeita ao dos Ttulos Genealgicos, para os quais,
como j disse, tenho todos os apontamentos necessrios entro tambm
na dvida se deve seguir em todos o da Histria, como observou D.
Lus de Salazar e Castro com os das Casas, que procedem da Real Portuguesa, o que me gastar muito tempo pelo grande nmero de documentos, que me ser preciso revolver novamente, ou se basta que os escreva
do mesmo modo com que o dito Pe. nos deu notcia dos grandes de
Portugal.
Excetua-se desta minha dvida o Ttulo da famlia dos Albuquerques, porque sendo esta na minha opinio a mais distinta da minha
ptria, por descender por linha reta do Sr. Rei D. Diniz, e porque tem
em Pernambuco a sua origem em um Irmo da Sr da mesma Capitania,
no ser justo que deixe eu de escrever a Histria dela em particular,
porm ainda neste suposto entro em outra dvida e vem a ser se devo
escrever de toda esta Casa, por suplemento a Histria Genealgica da
Casa Real Portuguesa, visto que o Pe. D. Antnio Caetano de Sousa no
Tomo I, L. 2, cap. 1 omite a continuao da descendncia desta famlia,
ou se por Histria separada, devo unicamente escrever da sucesso que
teve em Pernambuco Jernimo de Albuquerque, dando na Introduo
clara e distinta notcia da sua alta origem e ascendncia.
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Informado V. S. por este modo da qualidade dos meus Estudos, espero queira ter a bondade de exercitar comigo o seu autorizado
cargo de Diretor insinuando-me em que matrias e de que modo devo
continuar a minha aplicao, para que eu com a pronta obedincia com
que hei de executar os seus preceitos possa mostrar a venerao, com
que recebi as estimveis ordens, que contm a carta em que V. S. me
comunicou a notcia da minha eleio, e com igual gosto me empregarei
em todas as ocasies, em que a fortuna me destinar algum emprego do
servio de V. S., cuja ilustrssima Pessoa guarde Deus muitos anos.
Pernambuco, 7 de outubro de 1759. De V. S. muito afetuoso
menor, e fiel criado. Antnio Jos Vitoriano Borges da Fonseca.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Captulo VII
GOVERNO DE AZEVEDO DE MONTAURY. SUAS LUTAS COM OS
OUVIDORES ANDR FERREIRA E AVELAR DE BARBEDO.
REFORMAS PROPOSTAS OU EFETUADAS PELO GOVERNADOR.
INVASES DO RIO GRANDE DO NORTE EM TERRAS DO
CEAR. PERSEGUIES MOVIDAS CONTRA PESSOAS
IMPORTANTES DA CAPITANIA. FRANCISCO BENTO MARIA
TARGINE. GOVERNO INTERINO.
1
OO BATISTA DE AZEREDO Coutinho de Montaury foi, por Pa-
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algum da Capitania, empregando o seu despotismo em puerilidades e incrveis arbitrariedades contra miserveis, em quem recaa a sua ojeriza.
Conta-se que quando saa para alguma vila ou povoao ordenava que por ali no transitassem carros para no o importunar o canto
deles, nem tolerava que gritassem galos; mandando praticar violncias
contra aqueles que porventura quebrantavam os seus preceitos.
O seu nome, repetido pelos contemporneos com horror,
passou aos psteros como smbolo de infrene e louco despotismo.
Ainda em tempo do seu governo chegou o Ouvidor da
Comarca, Manuel Magalhes Pinto Avelar de Barbedo, nomeado por
proviso de 11 de outubro de 1785 e empossado a 25 de janeiro do seguinte ano.
No ms de julho de 1789 deixou Coutinho de Montaury a
Capitania por permisso Rgia, antes de chegar o seu sucessor, passando
o cargo a um governo interino na conformidade das ordens recebidas.
(Araripe, Histria da Provncia do Cear, pg. 107.)
No ano de 1782 sucedeu o posto de Capito-Mor da Capitania a Antnio Vitoriano Borges da Fonseca o Capito-Mor Joo Batista
de Azevedo Coutinho de Montaury, que a 9 de novembro de 1789 fez
entrega do governo ao ltimo governador subalterno, Lus da Mota Fo
e Torres (Theberge, Esboo Histrico, pgs. 193 e 194).
10 de maio de 1782. Posse do capito Joo Baptista de Azevedo Coutinho de Montaury, Capito-Mor da Capitania, nomeado por
Patente Rgia de 19 de maio de 1781. Serviu-se de secretrio Jos de
Farias. Montaury era tenente-coronel de infantaria da primeira plana da
Corte. Residiu muito tempo em Aquiraz. Voltando a Portugal dali veio
para o Rio de Janeiro, em 1808, fazendo parte do squito do rei na
patente de marechal. (J. Brgido, Resumo Cronolgico, pg. 115.)
Eis tudo o que os nossos historiadores dedicaram a uma das
mais longas, movimentadas e tirnicas administraes que teve a antiga
Capitania; eis tudo o que mereceu-lhe um dos raros portugueses, que
foram amigos do Cear e conhecedores de suas necessidades!
Vou escrevinhar algumas linhas a respeito dele e das cousas de
seu tempo; com elas procurarei diminuir a tarefa dos que entregam-se a
este gnero de estudos e que de dia em dia iro espancando as dvidas,
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que circundam esse perodo da nossa vida colonial; nelas deixarei consignados no umas frivolidades, que dariam a Montaury quando muito
um ttulo idiotia e imbecilidade, mas atos reais de despotismo e de
excessos de poder, que a Histria deve registrar e submeter crtica.
Felizmente no vai longo o nmero de anos decorridos, e
portanto o tempo no h destrudo os documentos, que constituem as
peas de seu processo perante opinio.
Despachado governador do Cear por Patente Rgia de 19 de
maio de 1781, Joo Batista de Azevedo Coutinho de Montaury tomando
passagem a bordo de um dos navios, que faziam a carreira regular entre
Lisboa e Pernambuco, aportou a esta cidade aps longa e enfadonha
travessia.
A demorou-se ele por quase seis meses no s por falta de
mones e meios de transporte como por ter sido acometido de graves
enfermidades, mas melhorando delas e por soprarem ventos de feio,
embarcou-se numa sumaca e chegou a Fortaleza a 3 de maio de 1782,
desembarcando no porto ou enseada de Mucuripe.
Achou a Capitania dirigida por um governo interino, escolhido conforme a Lei da Sucesso de 12 de dezembro de 1770, por se haver retirado para o Recife seu antecessor, Tenente-Coronel Antnio Jos
Vitoriano Borges da Fonseca, segundo j vimos no captulo anterior.
A 9 do mesmo ms, e no a 10 como diz o Major Joo Brgi2
do, e muito menos a 11 como dizem Pompeu3 e Araripe4 foi empossado
na vila do Aquiraz, cabea da comarca, donde recolheu-se no mesmo
dia apesar de uma chuva torrencial, por ser o inverno ento mui rigoroso.
Essa circunstncia e os preparativos necessrios, consoante o costume,
para a solenidade foram a razo de decorrerem seis dias entre a chegada
e a posse.
Talvez devido ainda s recordaes dessa viagem ao Aquiraz
que por ocasio de tratar da posse do Ouvidor Avelar de Barbedo, es2
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tentes ou nomeaes assinadas ou pelos vice-Reis deste Estado ou pelos governadores e capites-generais de Pernambuco, sendo o primeiro
de quem se acha esta constante memria por documentos lvaro de
Azevedo Barreto, que depois da expulso dos holandeses foi o primeiro
que veio governar esta Capitania, sendo tambm, certo que antecedentemente tinham vindo outros muitos a governar, de quem porm se
no acham verdadeiras notcias, porque com a conquista dos holandeses se perderam aqueles documentos e s se sabe que quando os mesmos holandeses senhorearam Pernambuco governava esta Capitania
um Martim Soares Moreno: com esta antiguidade, pois, parece que
devia prometer esta Capitania diferente face do que aquela com que
achei e fica.
A fazer-se justia outra no poderia ser a linguagem de
Montaury, a Capitania pouca ou nenhuma importncia tendo merecido da Metrpole, e seus habitantes continuando a viver quase primitiva.
O que era Aquiraz dizem as transcries j feitas; do que sei
pelos documentos referentes a tal poca tambm a capital no seria
muito prpria realmente a alimentar a vaidade de um governador e de
seus jurisdicionados, pois nela a civilizao ensaiava apenas os primeiros
passos e como bem diz o Rei-Profeta em uma de suas parbolas, e
comentou-o Severim de Faria em as Notcias de Portugal a grandeza do
prncipe est na multido do povo e dos poucos vassalos nasce a ignomnia dele.
Atendendo s suas propores e grau de adiantamento,
pode-se afirmar que, vila de Fortaleza mal assentava o nome de aldeia,
to irregularmente dispostas e pobremente edificadas eram as choupanas de barro, que a compunham.
O prprio governador habitava em casa de humilde aparncia, pela qual pagava crescido aluguel, que defraudava ainda mais
os minguados soldos, com os quais j mal podia manter-se com decncia.
Essa falta de casa de residncia para os governadores era tanto para notar quando eram dela providos os das outras Capitanias, e aos
ouvidores mesmo do Cear fornecia-se para esse fim anualmente a
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cal e com altura que possa encobrir perfeitamente os homens, que estiverem dentro.
Para provar que tal reduto do tempo de Montaury ou de
seu imediato sucessor, Fo e Torres, valho-me ainda de um outro documento, indito como o primeiro. um relatrio de Montaury enviado
em data de 21 de maio de 1783 ao Ministro Martinho de Melo e Castro
em o qual lem-se as seguintes linhas: Proponho que na ponta de
Mucuripe se faa um forte ou reduto por ser o lugar mais prprio
para a defesa daquele stio distante uma lgua da vila da Fortaleza em
um lugar, que domina aquela parte do mar, por onde se pode fazer
desembarque. Para se fazer o mesmo forte, h junto ao dito monte
bastante pedra, gua e madeira e se poder para sua edificao mandar
um oficial engenheiro, que tambm pode ficar sendo o comandante
da artilharia.
Provado que no Mucuripe houve uma fortaleza antes de
Bernardo Manuel governar o Cear (ofcio de 31 de dezembro de
1800) e provado que a construo dessa fortaleza posterior a 1783
(relatrio de 21 de maio), cumpre-me dar a razo da hiptese, que
aventei de haver-se aproveitado Bernardo Manuel da situao e materiais de reduto j existente (Vide Revista do Instituto do Cear, 1889. Pgs.
152 e 157.)
Minha assero estriba-se numa planta, que possuo, da enseada de Mucuripe levantada por ordem do governador e na qual figuram
apenas quatro baterias. Para que eu admitisse a falsidade de minha proposio, devia ver figurarem na planta as quatro baterias construdas por
sua ordem e mais a que ele havia encontrado e de cujo exame deu conta
na citada carta de 31 de dezembro.
Mas de todas essas construes em Mucuripe no restam sequer os vestgios.
Entretanto, o professor Alfredo Moreira Pinto, em seu interessante livro impresso h dois anos com o ttulo Geografia das Provncias
do Brasil, descrevendo as fortalezas do Cear aponta como atualmente
existentes as de N. S. da Assuno na capital, na barranca em frente ao
fundeadouro dos navios, e o forte de Mucuripe, que serve de paiol e fica
na ponta de Mucuripe.
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O que no falta de informao mas merece outro nome, por exemplo, o Sr. R.
Vila Lobos ensinar no seu Compndio de Corografia do Brasil, que a capital do Cear
Fortaleza, com 12.000 habitantes, assim chamada por causa de uma fortaleza edificada junto ponta de Mucuripe, situada sobre uma plancie na costa e a 600km
da foz do rio Cear.
E isso se escreve no ano de 1885 em livros didticos venda na acreditada livraria
Oliveira & Cia!
E o que a est escrito refere-se a uma das cidades mais adiantadas e conhecidas
do pas!
Alm das muitas inexatides encerradas naquelas cinco linhas, ensina mais o dito
professor que as serras do Cear so afora os que o separam do Piau, a Ipiaba, a do
Munda, a do Cear, formada de um agregado de quatro cabeos em forma de
coroa, dos quais o mais alto tem o nome de Maaranguape, ensina que as principais
poentas so as das Almas e de Itag, e que a nossa seca mais recente foi a que comeou em 1875 e durou cerca de quatro anos.
Essas serras do Maaranguape, Ipiaba, etc., me fazem lembrar o portugus Dr. Joo
Flix Pereira, autor da Corografia do Brasil, que diz (pg. 119) que as terras do Cear
na vizinhana do mar se levantam insensivelmente em anfiteatro obra de 6 lguas
at ao p das serras Aracati, Canavieras, Cear, Manda, Boritama, Ibiapaba, que formam
um agregado de montanhas na direo de leste a oeste.
E riem-se alguns da Ordem Rgia de 12 de maio de 1799 para o exame dos rios
do Cear, que desaguavam no Amazonas!
Como curiosidade sobre cousas nossas convm citar ainda um tpico mas este da
Galeria Histrica da Revoluo Brasileira (pg. 98), obra publicada h alguns meses
por meu colega Dr. Urias da Silveira na qual o Cear descrito como cortado pelos rios Acaracu, Camocim, Jaguaribe, Canal de Russas e Salgado e apesar de to
caudalosos rios sendo de quando em vez assolados pelas secas.
No conheo epigrama mais ferino ao Cear do que chamar seus esborrandadouros rios caudalosos.
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Das armas que h por acaso alguma se acha em termos de servir; algumas sem
fechos, e sem poder ter conserto outras, o que me obrigou a mandar consertar algumas delas, que o podiam admitir e a minha custa at o presente, por cuja razo
sendo os soldados mandados a algumas diligncias vo armados de paus. (Carta
de Montaury a Martinho de Melo e Castro a 12 de maio de 1783.)
O armamento da tropa se acha em iguais termos, sendo precisados os soldados a
montarem guarda e fazerem sentinelas com uns paus em que lhe mandei encaixar
umas velhas baionetas muito ferrugentas e muito deterioradas, e com uns canos
muito velhos de armas, uns sem coronhas e outros ligados a elas com cordas, e
entre estas muitas sem fechos, e tudo to diminuto que no excedem a trinta.
(Carta de 25 de outubro de 1784 ao mesmo ministro.)
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Em 1829 na Cmara dos Deputados foi apresentado um projeto para ser transferida para Aracati a sede do governo. (Anais, 4 ano, tomo 2, pg. 82.)
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outros lugares de modo que se perderam verdadeiras fortunas e reduziram-se misria negociantes, cujo ativo representado nos livros por
muitas dezenas de contos de ris.
O estabelecimento de uma fbrica de tecidos, para a qual
poderiam sem esforo ser aproveitados os recursos agrcolas das zonas circunvizinhas, que algumas h muito produtoras de algodo,
Unio por exemplo, e sobretudo a construo de uma estrada de ferro, que fosse ter at o Ic, constituem duas medidas salvadoras para
o Aracati.
Das vantagens, que lhe adviriam de uma ferrovia, eu mesmo j me fiz propagandista no ano de 1883 em um relatrio, que
tive de apresentar ao governo ingls aps uma visita quela parte do
Estado.
Aos homens colocados testa do governo do pas incumbe
estudar e resolver no mais curto perodo de tempo estes e outros problemas, que se ligam estreitamente ao futuro do Cear.
Em relao ao Aracati, toda proteo em favor da indstria
agrcola e comercial do municpio compensar largamente os esforos
feitos pelos poderes pblicos e para prov-lo basta lembrar que as estaes fiscais daquela cidade arrecadaram no ano de 1890:
Importao
405:042:316
323:079:700
39:877:580
179:403:320
178:119:260
16:733:728
49:517:272
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Tem de serto esta Capitania mais de 350 lguas; quase a maior parte com povos
e se pode calcular ao presente por sua justa reflexo estimando as causas pela menor parte que compreende mais de cem mil almas e este discurso se funda por sua
parte pelo que me disse o Visitador Geral do Bispado nesta Capitania, estando no
giro da mesma visita, que passavam de cinqenta mil pessoas as que ele tinha crismado, e ainda havia de continuar a mesma crisma para diante, alm das muitas
que se tinham crismado em duas visitas antecedentes e por outra parte tendo eu
sado na forma do costume e prtica de todos os meus antecessores a dar o giro
da Capitania, ao qual sa em setembro do ano passado e fiz mais de cem lguas
pelo interior do serto, em a maior parte deste caminho achei povoaes e outros
lugares menores, povoados por muita gente que vive uns nas suas fazendas que
so de gados e outros naquelas terras que permitem cultura, por cujas razes fundo o meu clculo no referido nmero de cem mil almas o povo desta Capitania ao
presente. (Carta de 21 de maio de 1783 a Martinho de Melo e Castro.)
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Montemor-o-velho, Montemor-o-novo, Vila Viosa e Crato, hoje consideravelmente diminutas pelo vexame que lhes causa o brbaro costume
dos governadores, ouvidores, diretores e vigrios de arrancarem os filhos
dos braos de seus pais e os mandarem servir a diferentes Capitanias,
donde jamais voltam sua ptria debilitando-se assim a cultura to
necessria daqueles terrenos.
Os ndios da povoao de Arneiroz por seus continuados furtos
de gados haviam despertado a clera dos habitantes da redondeza, os
quais estavam a fazer neles de quando em vez cruel carnificina; isso levou
o Capito-General D. Jos Csar de Meneses a ordenar-lhes a retirada
para alguma das vilas prximas de Fortaleza, o que foi executado passando-se para a os poucos, que escaparam s mortandades e s epidemias.
S mais tarde graas ao Bispo D. Toms da Encarnao voltou Arneiroz, por desmembrao de parte da freguesia de S. Mateus de
Inhamuns, a constituir um curato (1784), para o qual serviu de matriz a
velha capela dos ndios.
A invocao da nova freguesia foi N. Senhora da Paz.
Santo pensamento o do bispo, que colocava sob o patrocnio
da Virgem da Paz aquela regio onde a discrdia fizera domiclio.
Nesse mesmo ano de 1784, por proviso de 6 de abril, toda a
ribeira de Jaguaribe desde Junqueira at Boa Vista foi desmembrada da
freguesia do Ic para ir constituir a do riacho do Sangue.
Como viu-se, Mossor era naqueles tempos includo entre as
povoaes do Cear; ningum cogitava ento de fazer ddiva dele ao
Rio Grande do Norte.
No obstante polticos e homens de letras h que avanam
que o Cear tem alargado seu territrio custa do Rio Grande.
Todos os documentos do tempo de Montaury afirmam a posse do Cear sobre Mossor e suas vizinhanas, como, para no citar outros, um interessante mapa feito em 1 de abril de 1783 e remetido a
Martinho de Melo e Castro com o ttulo Mapa das Vilas e Principais
Povoaes de Brancos e ndios da Capitania do Cear Grande com as
denominaes das ditas vilas e invocaes dos Oragos das suas respectivas Matrizes e Capelas.
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Consultem-se esse e outros mapas, que so realmente interes-
santes.
Outro documento bastante valioso para o assunto.
Trata-se de uma queixa de Montaury a Jos Csar de Meneses
a propsito do hbito em que estavam os criminosos de internar-se em
outras Capitanias escapando assim vindita da lei.
Diz essa reclamao, que traz a data de 3 de janeiro de 1783 e
feita a propsito da priso do desertor Jos de Sousa Carvalho: para
benefcio do Real servio e quietao desta Capitania se digne V. Ex
passar ordem para a do Rio Grande, vizinha que limita com esta, que todos aqueles facnoras que desta se refugiarem em aquela, como presentemente est acontecendo, porque os tenho perseguido, no achem l
coito e agasalho, visto serem estas colnias de um mesmo soberano,
porque h pouco tendo se feito um cruel e aleivoso assassnio no Mossor, ltima extrema desta Capitania com a do Rio Grande, e mandando
eu fazer diligncia pelos ditos matadores se refugiaram quela capitania,
aonde se contam por seguros insultando e ameaando de l aos comandantes de c a quem eu tinha ordenado os prendessem.
Os dizeres dessa pea so claros, no consentem dvidas.
Mais tarde ainda o sargento-mor e naturalista Joo da Silva
Feij em sua Memria sobre a Capitania do Cear por vezes cita o Mossor
como fazendo parte dela.
Montaury, alis, no tinha razo considerando a vila de Mossor como pertencendo Capitania, que administrava, a menos que tivesse esse nome tambm a parte dela situada aqum do rio; servem,
contudo, os papis pblicos do seu tempo como um argumento a opor
aos que modernamente querem recuar os limites com o Rio Grande at
o morro do Timbau, o que equivale a roubar ao Cear cerca de cinco
lguas de terreno.
O verdadeiro limite, porm, do Cear com o Estado vizinho
um que a natureza indicou, o rio Mossor. E o governo colonial assim
sempre o entendeu, como v-se de repetidas declaraes suas, e assim o
entenderam tambm os povos desde poca mui remota.
O leitor viu pg. 309 que Borges da Fonseca na sua Memria
sobre o Cear diz que o rio Mossor, que o Regimento dos Pilotos
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tania do Cear Grande. E de presente os comandantes vizinhos daqueles lugares que pretendem esbulhar este conselho da sua antiga posse,
da qual no podemos em tempo algum ser excludos sem Ordem Rgia
e do contrrio cometem esbulho e usurpao de nossa jurisdio. E para
que assim o entendam e no aleguem ignorncia alguma, mandamos lavrar o presente edital para que sendo lido na barra de Mossor fique retificada a posse antiga e ser afixado no lugar destinado Pau-infincado
onde ser conservado para que assim conste na forma da ordem nesta
inserta. Dado e passado sobre nosso sinal e selo deste concelho, nesta
vila do Aracati em vereao de seis de novembro de mil oitocentos e
onze. Jos Antnio Ferreira Chaves, escrivo o escrevi. Estava o selo das
armas Reais. Jos Monteiro de S, Jos Antonio Costa, Manuel Francisco
Ramos, Joo Facundo de Castro Meneses, Custdio Jos Ribeiro Guimares. Em f de verdade. O escrivo Jos Antnio Ferreira Chaves.
Nem em favor dos usurpadores podem ser invocados atos legislativos do decado Imprio ou da atual Repblica, porque, ao contrrio, concorrem todos para firmar os direitos e a posse do Cear sobre a
margem ocidental do rio Mossor, direitos e posses reconhecidos at
mesmo em relao s salinas, que nela se encontram, como comprovam
a correspondncia oficial do tempo dos governadores Barba Alardo e
Sampaio e todos os atos das diversas presidncias, que contou o Cear
desde a Independncia.
As vilas e povoaes dos ndios, essas muito mais que as dos
brancos manifestavam pobreza e decadncia lastimveis.
O ndio cearense, como em geral o aborgine brasileiro, salientava-se pela natural indolncia, a crnica registra at o pedido de um
de seus principais, que, instado para uma expedio militar importante,
escusou-se sob pretexto de querer engordar; s a catequese dos missionrios e a instruo, pacientemente liberalizada, poderiam transformar
os filhos das selvas, plantando neles o pendor para a vida da sociedade.
Mas a catequese, a campanha empreendida pela religio no
intuito de promover reformas no mundo dos costumes e de fazer aceitvel e bendita a adoo das prticas ss e dos gozos legtimos, que a
civilizao acarreta e centuplica, findara para sempre com os atletas, que
o dio sectrio banira pelo punho do desptico ministro do fraco e libidinoso D. Jos I.
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visto como os prprios brancos laboravam em quase inteira treva mngua de escolas.
Realmente o nmero delas era assaz insignificante, e primeiro
que a metrpole resolvesse-se a dotar uma localidade desse real melhoramento escoavam-se anos sobre anos.
Consultando os interesses da colnia e por verificar o atraso
dela nesse importante ramo de servio, Montaury props o estabelecimento de aulas de gramtica latina em Fortaleza, Aracati e Ic alm de
escolas de ler, escrever e contar nas principais vilas e povoados.
Fundamentando a necessidade dessas aulas, escrevia ele ao
Ministro Melo e Castro: J o ouvidor que acabou desta Capitania, obrigado das representaes de muitos pais de famlia, que desejam o aproveitamento de seus filhos, ps na Real Presena a necessidade que havia
desta providncia pelo que respeitava gramtica, e mandando-se em
ateno representao do dito ministro passar pela Real Mesa Censria proviso a um Padre Antnio Jos Tavares (que na realidade no foi
das melhores escolhas), quando a dita Proviso chegou j o mesmo ministro tinha deixado o lugar e o Padre ausentado-se da Capitania pelas
muitas desordens que nela fez, e entregando-se a mesma Proviso ao
ministro sucessor Andr Ferreira de Almeida Guimares, este lhe no
tem feito dar execuo e se acha o povo na mesma indigncia de mestre
no obstante as clusulas em que veio a mesma Ordem ou Proviso.
O trecho, que acabo de transcrever, afirma a seguinte assero
do Resumo Cronolgico (pg. 119) de Joo Brigdo 21 de julho de 1787.
Nessa data pelo Ouvidor de Pernambuco foi mandado examinar o Padre Francisco de Sousa Magalhes para ser provido por um ano na cadeira de latim do Aquiraz, da qual tinha sido suspenso pelo Ouvidor do
Cear o serventurio Antnio Jos Alves de Carvalho; donde se segue
que o ensino oficial comeou ali primeiro que no Aracati.
Note-se que pg. 118 diz o mesmo cronista: 22 de novembro de 1785. Nomeao em Lisboa de Teodsio Lus da Costa Moreira
para professor de latim do Aracati, que alm de conter um erro de data
porque a nomeao de Moreira de 22 de outubro, equivale a uma contradio como verificar o leitor se atender ao final da citao anterior.
Ficamos, pois, sabendo graas carta de Montaury, escrita no
teatro e no tempo dos acontecimentos, que o Padre Antnio Jos lva-
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res no chegou a servir como professor por se haver retirado da Capitania quando veio a proviso da sua nomeao pela Real Mesa Censria, e
muito menos foi suspenso do cargo pelo Ouvidor do Cear, que nem
mais ocupava o posto, j tendo sido substitudo por outrem.
Contra os pobres ndios, porm, incria do governo em facilitar-lhes o ensino elementar unia-se a infame ganncia do colono; se poucas
eram as escolas, mesmo dessas poucas iam o despotismo e a avareza arrancar infelizes crianas para fazer delas o objeto de torpssimo comrcio.
Uma variante das correrias dos tempos de Soares Moreno e Joo
de Melo de Gusmo sem os perigos das represlias e das vinditas de guerra.
Nem eram cometidos excessos tais nos pontos menos adiantados e menos povoados da Capitania, onde a ao da Justia pudesse
atingir dificilmente ou a estupidez campeasse mais alta e sobranceira,
mas s portas da capital, sob os olhos das primeiras autoridades, em
Arronches por exemplo.
Por ocasio da correio ali feita pelo Ouvidor Avelar de Barbedo, o Procurador do Conselho, Vicente Pereira da Rocha, representou
contra esse estado anmalo de cousas, o que valeu-lhe ser insultado e
chicoteado pelo Diretor, e cair no desagrado do capito-mor, que era
patrono desse desbragado serventurio, e porque o Juiz Ordinrio, Raimundo Vieira da Costa Delgado Perdigo, mostrou-se inclinado pobre
vtima, foi, como ela, agarrado e metido em priso sem que aproveitasse
o posto que ocupava e a proteo que o ouvidor liberalizava-lhe.
O elemento indgena, frouxo, inerme, aviltado diante do elemento europeu, ladro e violento.
Tamanha srie de arbitrariedades, filha do patronato, arbusto
naqueles tempos e hoje rvore frondosa, um dos captulos de justa
acusao primeira autoridade da Capitania e merece que dela eu diga
alguma cousa, que me fcil compulsando a manuscritos coevos.
O primeiro deles diz assim: Ordeno ao Escrivo deste juzo,
que perante mim serve, declare por certo ao p desta a justa causa porque
se acha preso o Procurador do Senado da Cmara desta Vila declarando
juntamente o motivo que teve o Diretor da mesma Vila desautorizar
publicamente o mesmo Procurador de palavras injuriosas, e tudo o mais
que sobre este objeto se seguiu, como tambm o tempo em que foi
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panh-lo no seu modo especial de distribuir justia, e esse algum ousara em cartas recomendar ao Ouvidor Avelar de Barbedo o procurador
e mais alguns ndios cados no seu desagrado.
Outrem no teria descido de seu elevado posto a pequeninas
vinganas, mas Montaury submeteu a torturas os pobres e aps esse
processo inquisitorial de averiguar verdades mandou arremessar em infecta priso ao autor das cartas, o Juiz Ordinrio Delgado Perdigo, que
ousara colocar-se ao lado dos seus desafetos, e criticar-lhe o procedimento.
Leiamos o contedo dessas cartas, que tanto inflamaram o
nimo do Governador, propelindo-o a novas arbitrariedades.
Ilm Senhor Doutor Manuel Magalhes Pinto e Avelar de
Barbedo. Meu prezadssimo Senhor muito da minha maior venerao e
respeito. Hei de estimar muito a sade de V. S. e que tenha tido felicidade na sua Correo em graa do Altssimo e de S. Maj., para me dar ocasies em que possa mostrar o ardente desejo da minha escravido.
So tantos os vexames, que padece esta vila, e os miserveis
ndios habitantes, que seria preciso uma grande e difusa exposio para
V. S. vir no total conhecimento da verdade pois hoje neste pas s reina
a Senhora mentira coberta de um hbito sacerdotal, e a verdade anda
to sumida que parece nunca aparecer, o que Deus tal no permita.
Tomara saber S. Maj. porque manda fazer camarista dos homens ndios; estes miserveis, ainda no ano que servem na Cmara, no
tm privilgio algum; pois se eles por acaso requerem aos Senhores corregedores (nico alvio deles) alguma cousa a seu favor, lhes serve de
maior runa pois logo so descompostos dos mais injuriosos nomes que
podem caber na boca de um mal-criado inimigo da paz, da honra e de
tudo quanto diz boa sociedade; ultimamente v-se estes miserveis na
ltima consternao, os cargos da Cmara ultrajados, e iro a pior se V.
S no puser os olhos nestas e outras matrias de tanta circunstncia, o
que espero pela bondade de V. S.
O Procurador desta Cmara vai aos ps de V. S a ver se V.
S lhe d remdio ao seu vexame pois o seu diretor o tem maltratado
bastantemente e lhe est prometendo grande runa assim que findar o
tempo de Procurador e j principiou dando-lhe bofetes e a mexer com
um chicote, e queixando-se o dito ndio ao seu superior tirou de fruto o
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No desejo de realizar os planos, que o dio sugeria-lhe lembrou-se Montaury de pintar aos polticos de Lisboa a Capitania nadando
em sangue, abrasando-se em imenso incndio de revolta e indisciplina,
caso o ouvidor no fosse demitido;17 ainda mais, buscou excitar contra
ele as cleras do Tribunal da Inquisio,18 monstro que Pombal obrigara
ao infamssimo papel de cmplice nas suas obras de malvadeza requintada e a que quebrara as garras depois de utilizar-se elas, mas monstro, que
ainda incutia receios e respeito, mxime entre o povilu.
Deu ensejo s acusaes no haver consentido o ouvidor que
sem certas formalidades fosse remetido para Pernambuco um preso do
Santo Ofcio, Manuel Gonalves, homem branco e domiciliado na Serra
17 Esqueceu-se esse ouvidor que no tiveram outros princpios as sedies e sublevaes que foram infaustssimas para esta Capitania nos anos de 1724 at o de
1726 sendo Govenador dela Manuel Francs e Ouvidor Jos Mendes Machado,
em cujo tempo foram inumerveis as mortes que houveram nesta Capitania em
uma como guerra civil, em que foi necessrio, como ltimo remdio depois de
muitas providncias, que o zelo daquele Governador ministrou, que ele em nome
de Sua Majestade concedesse um perdo geral aos amotinados a fim de cessarem
as hostilidades, em que flutuavam as vidas dos vassalos, que ainda restavam; no
se lembrou o mesmo ouvidor das perturbaes e desordens que nesta mesma Capitania se viram nos anos de 1759 at fins do de 1764 sendo Ouvidor Vitoriano
Soares Barbosa e Governador Joo Baltasar de Quevedo Homem de Magalhes
contra quem o mesmo Ouvidor Vitoriano se atreveu, alm das muitas injrias e
desacatos, que lhe fez, ultimamente a pegar em armas, e ao depois a mat-lo com
veneno segundo se diz. (Ext. do ofcio de 12 de maio de 1783.)
18 No menos escandaloso outro fato praticado pelo mesmo ouvidor ao atual Vigrio Geral Forneo desta Capitania o Pe. Flix Saraiva Leo sobre um preso do
Santo Ofcio, em que se comprova o mesmo despotismo e absoluto com que este
Ouvidor aqui se conduz.
Veio remetido preso com culpas, e do imediato conhecimento do Santo Ofcio,
sumariado e com os mais processos relativos um Manuel Gonalves, homem
branco que foi preso na Freguesia de S. Gonalo da Serra dos Cocos desta Capitania pelo Proco da tal Freguesia segundo as Ordens do mesmo Santo Ofcio delegada aos seus comissrios, pelas culpas, que a mesmo Manuel Gonalves tem
pertencentes ao conhecimento do mesmo Tribunal da Inquisio. Sendo remetido
o tal preso com o tal sumrio e documentos a este Vigrio Geral Forneo para ele
o remeter para Pernambuco e entregar com segurana ao comissrio do mesmo
tribunal do Santo Ofcio, fazendo-o entretanto recolher mesma cadeia, em que
se achavam recolhidos os presos deste ouvidor, por interveno ou consenso do
mesmo ouvidor e sucedendo o ponderado arribamento, sendo o mesmo preso
um dos fugidos da mesma cadeia e da mesma forma, como os outros fugidos,
apreendido e recolhido novamente a ela (cuja diligncia de apreenso dos presos se deve nica e inteiramente tropa e s minhas ordens, porque o ouvidor
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dos Cocos. Ignoro o curso que tomou esse processo, e se o infeliz Manuel Gonalves figurou em algum auto-de-f, como figuraram no dia 20
de setembro de 1761 por culpa de bigamia os de nome Antnio Mendes
da Cunha, 40 anos de idade, pedreiro, natural da freguesia de Linhares,
Concelho de Coura (Portugal), morador em Quixeramobim, e Antnio
Correia de Arajo, entalhador, 52 anos, natural de Landim, Concelho de
Barcelos (Portugal) e morador na vila do Ic. Este ltimo foi degradado
por 5 anos para Castro Marim.
No mesmo auto e por igual culpa compareceram Antnio Dias
Mendes morador junto de Itacu, bispado do Maranho, Antnio Pereira
Leito morador em S. Lus, do mesmo bispado, Manuel de Arajo, morador no arraial dgua Quente, bispado do Rio de Janeiro, e Clemente da
Silva, morador no arraial de Paracatu, bispado de Pernambuco.
Sobre o assunto pode ser lida a Revista Trimensal do Instituto
Histrico e Geogrfico Brasileiro n 25, abril de 1845 (Excertos de vrias listas de brasileiros condenados pela Inquisio de Lisboa, oferta do scio
o Sr. F. A. Varnhagen).
Nesses Excertos ver-se- que em 1761 o nico auto-de-f foi
o de 20 de setembro.
Engana-se, pois, mais uma vez Joo Brgido quando diz no
seu Resumo Cronolgico e confirma num trabalho publicado no peridico
Martins Soares sob o ttulo Execues que Antnio Mendes da Cunha
no apareceu c seno alguns dias depois de sossegado o mesmo tumulto e de
apreendidos a maior parte dos mesmos presos, por amar mais a sua conservao
do que os acidentes que em semelhantes casos poderiam suceder); e querendo depois disto o mesmo Vigrio Geral Forneo remeter para Pernambuco por mar em
uma embarcao, que neste porto se achava ancorada, o referido preso do Santo
Ofcio mandou uma rogatria por escrito, como se costuma, a este ouvidor deprecando-lhe da parte do mesmo Santo Ofcio a entrega do tal preso para ele Vigrio Geral Forneo o remeter ao respectivo comissrio a Pernambuco para de l
ser remetido o mesmo preso aos crceres do Santo Ofcio de Lisboa e levando a
tal rogatria o competente Escrivo do Eclesistico, o ouvidor no s o recebeu
mal desatendendo-o, mas tambm lhe respondeu de palavra, ficando-se com o
papel, que no queria entregar o mesmo preso e nem o havia de entregar e assim
o cumpriu: e sobre este fato e mais circunstncias a ele relativas melhor poder informar o mesmo Pe. Flix Saraiva Leo assim como tambm das desfeitas e descortejos que ele mesmo experimentou da soberba deste ouvidor e tambm poder
informar pela sua parte o mesmo Escrivo do Eclesistico Clemente Tavares da
Luz o que com ele se passou. (Ext. do ofcio de 15 de fevereiro de 1785.)
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tudo isso fosse pouco surgia a embara-lo a oposio da segunda autoridade de Capitania.
Da a sanha das perseguies, da o uso de todos os projetos
contra a reputao do pobre ouvidor, que recolhido a obstinado silncio
deixava que medrassem os ruins conceitos engendrados pelo despeito e
o dio e manhosamente transmitidos para Lisboa.
Devia, porm, ter um termo essa luta desorganizadora de todos os ramos de servio entre o defensor do Errio e magistrado incorruptvel, e o dspota, o dilapidador dos dinheiros Reais. Afinal inclinou-se para este a balana da Justia da Corte.
Triunfavam assim os tramas e os subornos, mas nem a opinio dos habitantes da colnia nem o tribunal da histria sancionaro a
sentena proferida contra o magistrado de quem a cmara da Fortaleza
em 1 de agosto de 1784 dizia em ofcio endereado Rainha D. Maria:
quando se sirva Vossa Majestade de nos conferir outro novo ministro,
que seja este das partes e qualidades que existem no atual Andr Ferreira, para que possa ser bem vigiada a Real Fazenda desta Capitania, em
cujo tempo que se no negocia com os dinheiros dela, como bem
constante e por cuja vigilncia tem adquirido fortes opinies e tambm
que a justia de Vossa Majestade anda igualmente administrada, as Leis
inteiramente observadas, os povos vivendo com tranqilidade, quanto
da sua parte, e a limpeza de mos, que at o presente se est nele experimentando, circunstncias estas que devem pender para um inteiro
Ministro de Vossa Majestade.
No era a primeira nem seria a ltima vez que a inocncia tinha
de ser levada de vencida pela intriga. Andr Ferreira teve de retirar-se do
fundando-se em que Borges da Fonseca, sendo mandado ao Cear por ordem do
Conde de Vila Flor e portanto no tendo Patente Rgia, no era mais que um Comandante encarregado do governo interino da Capitania e assim faltava-lhe o direito aos privilgios dos nomeados diretamente por S. Majestade.
Incontestavelmente a patente de Montaury no podia ser equiparada de seu
imediato antecessor, era to boa como a de Francisco Xavier de Miranda Henriques e de Joo Baltasar de Quevedo Homem de Magalhes, que sempre proveram
os ofcios agora disputados; havia pois manifesta desconsiderao ao governador,
a quem igualmente tiravam-se todos os emolumentos, que adviriam do provimento
dos ofcios.
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Respondi-lhes, diz o ouvidor numas informaes que prestou sobre o assunto, nos termos os mais comedidos que eu ainda que
pudesse me no deliberava a proceder contra aquele homem pelas pssimas conseqncias que do meu procedimento poderiam no resultar,
porm que eu lhes dava a minha palavra do representar a S. Majestade e
ao Capito-General de Pernambuco sua miservel situao a fim de lhes
vir de alguma destas partes o remdio, que eu me no atrevia a aplicar.
Resultou daqui o choverem raios de clera do capito-mor sobre os infelizes, que fizeram tal requerimento, motivo por que uns fugiram e outros para lhe aplacar a atrablis se desdisseram que foram obrigados a
passar ao dito porta-bandeira por mando do mesmo capito-mor, sendo
um dos fugidos por esta causa o capito-mor das Ordenanas desta vila
(Sobral), que ainda se acha em Pernambuco.
Eu mesmo me deixei apoderar do terror e medo, ouvindo as
soberbas e tremendas ameaas com que o dito porta-bandeira me jurava
na presena de toda a gente que no havia de voltar ao Reino pois que
ele sabia modo de sumir os ouvidores donde no aparecessem mais que
no outro mundo.
Tudo receando da audcia e atrevimento deste homem, que
a experincia tinha mostrado que familiar e indiferente lhe era a morte
de outro homem, tomei as mais exatas cautelas, e abstendo-me de o
sentenciar e de obrar cousa alguma contra ele mandei representar a sua
conduta e procedimentos ao General de Pernambuco como o mais prximo refgio, remetendo-lhe as culpas daquele facnora juntamente com
a representao, que a Cmara me tinha feito sobre ele e tambm a do
requerimento dos Repblicos feito em Audincia Geral.
Pouco tempo depois o ouvidor teve ordem do Capito-General para prender o porta-bandeira e remet-lo para Pernambuco, o que
executou sem demora.
Em Pernambuco submeteram-no a um Conselho de Guerra.
Avelar de Barbedo revelava-se assim adversrio terrvel. Em
iguais circunstncias, o desembargador seu antecessor teria tudo deixado
Divina Providncia, nico recurso para que apelava no estado de abatimento e oprbrio em que vivia na Capitania e que o levava a manter-se
como que escondido no Aquiraz e sobretudo depois que o avisaram de
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que o governador tinha intuito de prend-lo; Avelar, porm, lutava e ousava fazer valer os seus direitos e importncia.
verdade que encontravam-se ao seu lado todos aqueles a
quem revoltavam e exasperavam os desmandos e as violncias do governador. Uma conspirao de dios. Entre eles um merece especial meno. o Escrivo da Fazenda Real de ento, Francisco Bento Maria Targine, o futuro Visconde de S. Loureno.
Nascido em Lisboa onde recebeu slida educao, foi Targine
nomeado para o Real Errio, em o qual serviu por espao de oito anos,
e de l, despachado para a Capitania do Cear com ordenado igual ao
soldo do capito-mor e governador. Quisera eu saber em que fundou-se
o Major Joo Brgido para afirmar que ele residia no Recife quando foi
nomeado para o Cear.25
Aqui, encarnao do fisco, crbero posto porta do tesouro
pblico, teve de arcar com Montaury, como arcaram o clero, os ouvidores, os oficiais, e os simples particulares.
Nem isso surpreende-me. Orgulhoso de sua fidalguia, cioso do
cargo, que ocupava, e cujas prerrogativas buscava aumentar desmesuradamente, pouco curando de invadir as atribuies das outras autoridades da
Capitania, quer as emanadas da escolha popular, essas principalmente,
quer as de eleio real, Montaury despertava por toda parte inimizades.
No v, porm, o leitor crer que o fato de ter contado Montaury
tantos inimigos seja por si medida bastante para eu avaliar do seu merecimento. Longe disso. Para mim, quando de um indivduo se diz que
no tem inimigos, tenho formado meu conceito sobre esse indivduo.
Ou uma utilidade ou um ruim carter. Um tal homem, socialmente falando, a ningum faz sombra, mas corteja todas as situaes, afaga todos os poderosos, concorda com todos os pareceres, foge s contradies, teme bater-se por esta ou aquela causa, embora justa, embora honesta, s com o receio de suscitar oposies. Um tal homem s tem
uma mira fazer amigos, s tem uma idia provocar aplausos. Na
vida da sociedade, que sinnimo de interesses opostos e portanto de
lutas e contradies, no compreendo um homem honesto, inteligente e
25 Resumo cronolgico, pg. 116.
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em minha casa e fechados todos os cartrios e paradas todas as arrecadaes da Fazenda Real.
Por recear algum maior insulto mando pedir licena ao
Exm. Governador e Capito-General destas Capitanias para me retirar
para Pernambuco depois de feita em o ms, que vem, a arrematao dos
contratos dos dzimos Reais desta Capitania.
A licena pedida foi recusada, e mesmo pouco antes da retirada de Montaury teve o ouvidor ocasio de ligar seu nome a fatos importantes da crnica da Capitania, como por exemplo a instalao de Campo Maior de Quixeramobim at ento pertencente ao Aquiraz.
O ato da instalao da nova vila teve lugar aos 13 de junho de
1789 procedendo-se no dia seguinte eleio dos diversos cargos, e a 15
posse dos eleitos.
Aberto o primeiro pelouro perante todas as pessoas, que haviam concorrido cerimnia da criao da vila, saram eleitos para juzes ordinrios o Sargento-Mor Jos Pimenta de Aguiar e capito-mor
Jos Antnio Pinto Borges, Juiz de rfos Vicente Alves da Fonseca,
Vereadores Jos dos Santos Lea, Antnio Jos Fernandes do Amaral e
Antnio das Virgens Lisboa e Procurador Domingos de Carvalho de
Andrade.
O Senador Pompeu27, Pedro Theberge28 e Joo Brgido29
do a data de 13 de junho de 1789 como a do Decreto ou Ordem expedida para criao de Campo Maior de Quixeramobim, quando a data
da instalao da vila, criada por proposta do Ouvidor Barbedo em carta
de 10 de janeiro e por aprovao do Capito-General D. Toms Jos de
Melo em carta de 20 de fevereiro de 1789, tudo de acordo com a
Ordem Rgia de 22 de julho de 1766.
So estes os Autos da ereo da villa de Campo Maior que
por ordem do Ilm e Exm Sr. Governador e Capito-General de Pernambuco Dom Toms Jos de Melo, mandou fazer o Dr. Ouvidor-Geral e Corregedor desta comarca Manuel de Magalhes Pinto e Avelar de
27 Ens. Est., Tomo II, pg. 277.
28 Esb. Hist., Tomo I, pg. 195.
29 Res. Cron., pg. 119.
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e distrito que lhe for assinado, para o que dando pronto e devido cumprimento referida ordem, tenho escolhido e determinado o dia 13 de
junho do corrente ano para nele e nos seguintes proceder solene criao da dita nova vila de Campo Maior. Pelo que ordeno a todas as pessoas de nobreza e povo deste antigo distrito da repartio de Quixeramobim, e do que decorre desde a Barra do Rio de Banabui em rumo
direito at contestar com as extremas do Apodi, Capitania da Paraba do
Norte, e do territrio que fica desde o dito rumo divisrio at o lugar
do Boqueiro, extremas da vila do Ic com o do Aquiraz: que todos,
sem exceo alguma, concorram a assistir pessoalmente em o referido
dia a solene criao da dita vila, como so obrigados, e do estilo em
semelhantes ocasies, em que todos geralmente devem aplaudir e regozijar-se pela relevante graa e avultado benefcio que alcanaram da Augusta Liberalidade da Rainha Nossa Senhora e da beneficncia do Ilm e
Exm Senhor Governador e Capito-General: benefcio este com que
sempre os Monarcas da Europa e muito particularmente os Reis Nossos
Soberanos costumam distinguir e premiar os povos da sua maior predileo, e que mais ilustres servios lhe fazem ou em paz, ou em guerra, e
pelo qual adquirem como nobreza privilgios e honras concedidas a estas nobres corporaes, os direitos privativos da Governana municipal
dos seus territrios: ficando igualmente todos entendidos que todos
aqueles que no comparecerem ao chamamento deste meu edital, e na
forma dele, os hei por condenados em cinqenta mil-ris, pagos da cadeia para as despesas das obras pblicas da nova vila, alm das penas
que me aprouver impor-lhes pela desobedincia indesculpvel. E para
que chegue a notcia a todos, e no possam mais alegar ignorncia, mandei passar o presente que ser publicado e afixado no lugar mais pblico
desta povoao, e nos de maior freqncia do distrito especificado no
seu teor, e se registrar no livro a que compete. Dado e passado nesta
povoao de Santo Antnio de Quixeramobim aos onze dias de maio de
mil setecentos e oitenta e nove. Eu Baltasar Freire Lopes, escrivo dos
feitos da Real Fazenda o escrevi. Dr. Manuel de Magalhes Pinto e
Avelar de Barbedo.
Certifico que em minha presena se afixou o contedo na
certido retro no lugar o mais pblico desta povoao, no dia 11 de
maio do presente ano, com os preges do estilo, dados pelo porteiro
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que aqueles, que no termo competente, que se lhes assinar nos editais
que se afixarem para este efeito, no aparecerem para se congregarem e
reduzirem a sociedade civil nas povoaes acima declaradas, sero tratados como salteadores de caminhos e inimigos comuns e como tais punidos com a severidade das leis. Excetuando-se, contudo: primeiramente
os roceiros que com criados, escravos e fbrica de lavoura vivem nas
suas fazendas sujeitos a serem infestados daqueles infames e perniciosos
vadios; em segundo lugar os rancheiros, que nas estradas pblicas se
acham estabelecidos com seus ranchos para a hospitalidade e comodidade dos viandantes em benefcio do comrcio e da comunicao das gentes; em terceiro lugar as bandeiras ou tropas que em corpo e sociedade
til e louvvel vo aos sertes congregadas em boa unio para neles fazerem novos descobrimentos. Sou servido, outrossim, que os mesmos
roceiros, rancheiros e tropas e bandeira tenham toda a necessria autoridade para prenderem e remeterem s cadeias pblicas das comarcas que
estiverem mais vizinhas todos os homens que se acharem dispersos, ou
seja nos ditos e chamados stios volantes sem estabelecimento permanente e slido, ou seja, nos caminhos e matos, remetendo com eles, autuados os lugares, estados e circunstncias em que estiverem ao tempo
em que os encontrarem com as justificaes feitas com as pessoas que
as tais prises assistirem, posto que no sejam oficiais de justia, porque
para estes casos lhes concedo autoridade pblica em benefcio da tranqilidade e de meus fiis vassalos. Para a melhor execuo o escarmento
de homens to infames, e to perniciosos: Mando, que nas comarcas
desse Governo, se observem inviolavelmente os decretos e leis da polcia que tm estabelecido neste reino o mesmo sossego pblico, servindo
de intendente da polcia nessa capital o Ouvidor-Geral dela, e nas outras
comarcas os seus respectivos Ouvidores-Gerais. Para que assim se
observe inviolavelmente, vos mando remeter as sobreditas leis e decretos, os quais fareis dar a sua devida execuo depois de publicados, sem
dvida ou embargo algum qualquer que seja. O que tudo fareis executar
com aquele zelo e atividade, que de vs confio. Escrita no Palcio de
Nossa Senhora da Ajuda, a 22 de julho de mil setecentos e sessenta e
seis. Rei. Para o Conde de Vila Flor. Primeira via. Dom Antnio
Pio de Lucena e Castro.
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de Fidelssima, que Deus guarde, eu estabeleo e vos entrego a governana municipal deste territrio, com todos os privilgios, honras e isenes da vila do Aquiraz, de que desanexado. Votai comigo uma eterna
e inviolvel lealdade aos Fidelssimos Senhores Reis de Portugal, nossos
Augustos Monarcas, e uma cega e exatssima obedincia s suas Reais
Ordens, e sagradas leis, e como vassalos fiis, afortunados da melhor
Soberana, mostrai em todo o tempo os vossos sentimentos de uma infinita gratido pelo ilustre benefcio que recebeis e deveis Real grandeza
da Augustssima Rainha Nossa Senhora, e ao nosso comum Benfeitor, o
Ilm e Exm Sr. Governador e Capito-General.
Termo de levantamento do pelourinho. E logo em dito dia,
ms e ano acima declarados nesta mesma povoao de Santo Antnio
de Quixeramobim, Capitania do Cear Grande, no territrio do meio
desta, defronte do lugar destinado para os Paos do Conselho, sendo
presentes o Doutor Ouvidor-Geral e Corregedor da comarca Manuel de
Magalhes Pinto e Avelar de Barbedo, com as pessoas j ditas, e a maior
parte do povo convocado a toque de sino, e comigo escrivo do seu cargo ao diante nomeado, e sendo todos juntos do lugar do pelourinho que
o dito ministro a mandou fazer e levantar, por mim escrivo foi comunicado a todas as pessoas presentes o teor do Edital dele ministro, carta
do Ilm e Exm Sr. Governador e Capito-General, e Ordem de Sua
Majestade Fidelssima, tudo na conformidade da certido retro.
E logo depois, por ordem dele dito Dr. Ouvidor-Geral e
Corregedor da comarca em voz alta e inteligvel gritou o Meirinho Geral
da Correio, Jos Incio da Silveira, trs vezes Real Real Real
Viva a Rainha Fidelissma de Portugal Dona Maria Primeira Nossa Senhora, as quais palavras outras trs vezes repetiu todo o povo em sinal
de reconhecimento pela merc que recebiam da mesma Senhora pela
ereo desta nova vila de Campo Maior, do que tudo para constar mandou o dito Ministro fazer este termo, em que assinou com todos que se
achavam presentes. Eu, Manuel Martins Braga, escrivo da Ouvidoria-Geral e Correio que o escrevi Doutor Manuel Magalhes Pinto e
Avelar de Barbedo Jos Pimenta de Aguiar, Joaquim de Sousa da Fonseca Prata, Antnio Jos Duarte de Arajo Lima, Hermenegildo Pereira
de Santiago Monte Negro, Joo Gomes Correia, Vicente Alves da Fonseca, Antnio Dias Ferreira, Joo Rodrigues da Silva, Domingos de Car-
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valho e Arajo, Jos Francisco de Brito, Francisco Xavier de Matos Rocha, Antnio de Holanda Zorobabel, Manuel Pereira de Sousa, Francisco Pinto Borges, Antnio Saraiva Leo, Manuel da Cunha Pereira, Francisco Alves Maia, Antnio Bezerra do Vale, Jos dos Santos Lea, Jos
Alves Lima, Incio Gomes de Lucena, Manuel Francisco da Cunha, Jernimo Csar de Melo, Manuel Incio de Barros, Gonalo Leite Barbosa, Manuel Jos da Silva, Antnio da Cunha Fragoso, Manuel Ferreira da
Silva, Jos Ribeiro Campos, Bento Lus Ramalho, Estvo Manuel da
Silva Barros, Joo Jos de Moura, Antnio Rodrigues Chaves, Joaquim
Barbosa de Almeida, Francisco de Brito Pereira, Joo da Costa Silva,
Manuel Correia Lira, Jos de Barros Ferreira, Francisco Lobo dos Santos, Antnio Domingues Alves, Manuel da Cunha Soares, Manuel Pereira da Silva Simes, Joo Guerreiro de Brito, Jos Pereira Chaves, Janurio da Cunha Bezerra, Antnio Dias dvila Jnior, Antnio Jos do
Bonfim, Francisco Pereira de Brito da Veiga, Manuel Palhares de Melo,
Manuel Rabelo Vieira, Joaquim Manuel de Azevedo, Jos Pereira Dessa,
Antnio das Virgens Lisboa, Lzaro de Barros e Amorim, Manuel Nunes de Abreu, Antnio de Brito Pereira, Jos de Paiva Chaves, Lus Pereira Sarmento, Antnio Jos Fernandes do Amaral, Francisco Bandeira
de Melo, Antnio de Arajo de Costa, Alexandre Pereira da Costa Sousa,
Carlos Pereira de Sousa, Manuel Antnio Rodrigues Machado, Miguel
Jos de Queirs, Francisco Lopes da Silva, Antnio Pereira Queirs
Lima, Jos Antnio Maurcio, Lus Rodrigues Machado, Incio Cordeiro
de Sousa, Jos Francisco Sales, Incio de Melo Barreto, Andr Vidal de
Negreiros, Alexandre Guedes da Cruz, Manuel Gomes da Silva, Incio
Ferreira da Cunha, Francisco Nunes de Abreu, Jos Incio da Silveira,
Joo Rodrigues Favilla.
Encontra-se publicado por Perdigo de Oliveira na Revista do Instituto do Cear, ano 1890, 4 trim., o ato de ereo da vila de Campo Maior.
Poucos Ouvidores percorreram to extensamente e conheceram to a fundo o Cear como Avelar de Barbedo.
Nas suas Correies deparou-se-lhe ocasio de fazer, de acordo
com as instrues recebidas de Lisboa, estudos mineralgicos e de botnica, sobretudo na serra da Ibiapaba, onde encontrou prodigiosa abundncia de metais e plantas raras; chegou mesmo a escrever uma memria
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jesutas, e duas variedades de quiquina, das quais, diz ele, h suma abundncia no pas e quase todos os matos da beira-mar so delas compostos.
Muitos desses espcimes da flora cearense foram confiados
ao estudo do Doutor Vandelli, ento a autoridade mais competente na
matria.
J anteriormente, a 3 de maro de 1786, Avelar, escrevendo a
Martinho de Melo e Castro, dava-lhe a notcia de estar entregando-se a
investigaes sobre a flora da Capitania, havendo encontrado trs diferentes espcies de quinquina, uma variedade de ipecacuanha desconhecida em Portugal, e diversas madeiras de que se extraem tintas excelentes como o urucu, que d um encarnado que beneficiado com a arte no ser inferior ao da cochonilha, a tatajuba,31 que faz um excelente amarelo, o pau-darco, que
tambm d um encarnado vivo, o pau-branco, que d um roxo meio carmesim.
No ofcio de 3 de maro, a que aludo, Avelar de Barbedo comea informando ao ministro de sua posse como ouvidor. E enganado
provavelmente por seu modo de expressar-se que o autor dos Apontamentos para a crnica do Cear (pg. 14) diz que ele tomara posse naquela
data.
mesma pgina o autor dos Apontamentos assinala, ainda
equivocadamente, o dia 26 de maio de 1783 como o da posse do antecessor de Avelar de Barbedo.
Mais do que Avelar de Barbedo, contudo, prestou nesse particular relevantes servios Capitania o prprio Montaury.
Possuo duas relaes de objetos por ele enviados para a Europa, que considero to curiosas, que, arriscando-me a ser tachado de
prolixo, empenho-me em faz-las conhecidas.
Referem-se uma e outra a objetos que foram enviados com
endereo a Martinho de Melo e Castro.
31 Antnio Jos Pereira Tatajiba, morador em Cabo Frio, escreveu uma pequena
memria, que se encontra pg. 139 do 12 vol. do Auxiliar da Indstria Nacional,
na qual inculca-se o descobridor dessa tinta em 1810.
No cap. VI (Das rvores Agrestes do Brasil) de sua Histria do Brasil frei
Vicente do Salvador fala da tatajuba.
de 1627 a obra de frei Vicente do Salvador. Tive ocasio de ler o exemplar dela,
otimamente conservado, que se guarda nos arquivos da Torre do Tombo de Lisboa.
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Na enumerao deles, ao lado de verdadeiras bagatelas encontra-se a descrio de produtos naturais, cujo cultivo foi abandonado ou
desprezado em m hora, e a indicao de muitos artigos de que mui
vantajosamente poder-se-ia ter aproveitado o comrcio inteligente.
Na remessa de 30 de abril de 1783 so dignas de considerao
as observaes feitas a respeito do acar, cujo fabrico iniciou nos arredores de Fortaleza, e do que era fabricado nos Cariris Novos, e igualmente a respeito do trigo do Acara.
Eis a primeira relao:
Relao do que vai em uma caixa comprida forrada com
uma pele de ona e por cima com um papel com o letreiro para o Ilm e
Exm Sr. Martinho de Melo e Castro, do Conselho de S. Majestade Fidelssima, Seu Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios da Marinha
e Domnios Ultramarinos etc.
A entregar na Secretaria de Estado dos Negcios da Marinha
e Domnios Ultramarinos, tudo como no mesmo letreiro s diz e leva o
nmero 1
Uma bengala feita de pau carnaba de que abundante este
pas, bengala feita na mesma terra por um curioso.
Um caixote n 2 com o mesmo letreiro acima.
Casco inteirio de tartaruga.
Saco de couro com salitre.
Caixote n 3 com madeiras cujos nomes vo declarados e
com uma numerao para melhor inteligncia. So 33 amostras.
Caixotinho com cera em bruto.
Saco com amianto.
Saco com trpoli a que os ingleses chamam Ratiston.
Pacocoanha branca.
Rolo encourado com tabaco de folha.
Uma pele de cobra Sucurujuba com 18 palmos de comprido,
serpe anfbia.
Saco com algodo.
Outro dito com arroz de casca.
Outro dito com casca de quinaquina.
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Outro dito com pedras que parecem crislitas, ametistas, topzios etc.
No mesmo saco os embrulhos seguintes: cristais, cristais
mais finos, pedras raras e curiosas, azeviche, alambre branco em bruto,
pedras criadas pela natureza que parecem balas de ferro, pedras conhecidas nesta terra com o nome de metlicas, outras pedras conhecidas com
o mesmo nome de metlicas, pedras que parecem ser de ferro.
Um saco que leva dentro vrios embrulhos de resinas ou betumes, cujos nomes e qualidades vo declarados, e tambm dois de folhas ou ervas, a que atribuem vrias virtudes medicinais, como nos mesmos se declara.
Um saco com Jeric, erva a que atribuem vrias virtudes
nesta terra e entre elas, algumas simpticas, porm, a mais curiosa que
ela tem de reverdecer dentro na gua as vinte e quatro horas, e, tirada,
torna a secar a fica na figura em que vai, repetindo-se a diligncia de se
lanar na gua, torna a reverdecer, e isto tantas quantas vezes o fizerem
como a experincia o tem mostrado.
Trs paus de quinaquina.
Um embrulho de pedra-ume tirado da mina.
Uma pedra de afiar j polida.
Outra dita ainda em bruto.
Uma cabaa com leo de cupaba.
Um embrulho com a pedra Malacaxeta ou Talco.
Uma folha ou vasilha com farinha ou goma da carnaba.
N. B.: Este pau carnaba, ainda que no madeira da melhor
consistncia e que no pode dar tbuas de maior grossura do que a que
vai na amostra do n 16 e de maior largura que a de meio palmo e comprimento proporo de rvore que grande e da figura do coqueiro, ,
contudo, uma grande utilidade neste pas, porque dele se fabricam a maior
parte das casas e seus madeiramentos e se fazem os cercados dos quintais e dos currais das fazendas de gado: Deste mesmo pau que se
extrai a goma ou farinha de que acima se fala: D boas frutas semelhana das nossas azeitonas grandes, que pendem em cachos, como de
uvas, que so de um grande recurso para os pobres, que delas se sustentam
no tempo das secas, que o de maior flagelo deste serto: dizem que do
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Relao ou Pormenoria das Cousas, que vo dentro nos caixotes n 1, e Caixotinho comprido e estreito n 2, ambos com o seguinte letreiro:
Ao Ilm e Exm Sr. Martinho de Melo e Castro. Do Conselho de Sua Majestade Fidelssima, Seu Ministro, e Secretrio de Estado
dos Negcios da Marinha, e Domnios Ultramarinos etc. etc.
A entregar na Secretaria de Estado dos Negcios da Marinha, e Domnios Ultramarinos, Lisboa.
Caixote n 1: Seis pedaos de ossos monstruosos, e quase petrificados, cujos foram achados na ribeira do Acaracu, na distncia de
mais de quarenta lguas do mar, em uma fazenda pertencente a um Jernimo Machado Freire, mandando este abrir um tanque, ou poo, em
cuja ocasio foram achados os ditos ossos na mesma parte em que se
abria o dito poo, ou tanque, na profundidade de mais de trinta palmos,
em que se achavam enterrados, no aparecendo, porm, a caveira, ou ossos pertencentes cabea, pelos quais talvez se poderia vir no conhecimento da qualidade do animal de que so os mesmos ossos, por no haver animal algum to monstruoso, nem tradio de que jamais o houvesse nesta Capitania, a que se possam atribuir aqueles ossos. Na referida
parte onde se acharam se no pode descobrir mais cousa alguma, por
sair dela na altura dos trinta palmos, em que foram achados, agora que
embaraou o profundar-se mais. E ainda que se queira supor que so os
mesmos ossos de elefante, sabe-se muito bem que o continente da
Amrica os no produz, e nem a tradio, por mais que se tenha investigado, que nesta Capitania se visse nunca elefante algum.
Dois machados de ferro, um quase novo e outro bem velho;
e outros trs pedaos de ferro pertencentes a semelhante ferramenta,
cujos foram achados em uma serra, em que se acharam muitos vestgios
e vrios outros fragmentos, que indicam ter sido aquele lugar habitado, e
cultivado pelos holandeses no tempo em que foram senhores do continente do Pernambuco, e Maranho. E nos mesmos lugares, em que foram achados os ditos machados se v uma concavidade subterrnea,
como de mina, em que se julga trabalhavam e bastantemente profunda e
praticada.
Duas alcofas de palha com vrias pedras dentro, achadas em
outra em tudo semelhante mina, ou concavidade a em que foram acha-
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que se pode extrair ouro, que veio da Vila do Ic, desta capitania do Cear,
cujo embrulho leva o dstico Pedra que dizem de Ouro. Outro embrulho pequeno que leva dentro trs pedrinhas que vieram da ribeira do
Acaracu, desta mesma capitania com a denominao de Ao, e tem o
mesmo embrulho o letreiro Pedras que dizem Ao. Outro papelinho
embrulhado com o dstico Medalha, ou Moeda, que foi achada em
umas terras desta Vila sitas bem abaixo do aquartelamento da chamada
tropa desta guarnio em ocasio, em que se lavravam as mesmas terras
para serem plantadas de mandioca, e milho, em pequena profundidade
enterrada; e se no achou outra alguma por mais diligncias que a este
respeito eu mandei fazer.
Caixinha letra B: leva dentro uma clebre e rarssima bolsa
ou fole, que parece artificial, sendo pela natureza feito por uns bichos
que costumam fabricar os casulos, ou maarocas, que leva dentro a mesma bolsa, que parece, e as mesmas maarocas, de seda, cujos bichos encerrando-se dentro nas mesmas maarocas, depois de elas feitas, delas
ressurgem borboletas por buraquinhos que costumam fazer, cujos se
vem nas mesmas maarocas, especialmente nas quatro que leva dentro
o dito saquinho: e vo mais sete das mesmas maarocas na dita caixinha.
Treze embrulhos de papel, a saber: Os cinco das letras vogais
a, e, i, o, u tm dentro vrias pedras, que parecem metlicas, cujas circunstncias se vero na carta apensa da letra Y , do mesmo sujeito
que mas remeteu, o melhor curioso que se acha nesta Capitania, por ser
estrangeiro, e nela habitante h perto de trinta anos, de cujas pedras e
tambm das circunstncias da amostra do ch trata a mesma carta.
E os oito embrulhos de papel restantes para dita conta dos
treze so os seguintes:
Um embrulho com o dstico Pedras que dizem de Chumbo
(que por tais mas remeteram da ribeira do Acaracu, e aqui se no podem
fazer os necessrios experimentos para o conhecimento).
Outro embrulho com o dstico Pedras que dizem de Cobre
(e igualmente por tais mas remeteram da dita ribeira do Acaracu e da
mesma aqui se no podem conhecer).
Dois ditos com os dsticos Pedras de Cores, ou Cristais.
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Captulo VIII
GOVERNO DE FO E TORRES. A SECA GRANDE. COMISSO DE
CARDOSO MACHADO. DOCUMENTOS RELATIVOS EPIDEMIA,
QUE NESSE TEMPO ASSALTOU O CEAR. EPIDEMIAS NOTVEIS,
QUE TM HAVIDO NO NORTE DO BRASIL.
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Em setecentos e noventa e dois comeou uma seca que durou durou at noventa e
seis, e fez perecer todos os animais domsticos, e muita gente mingua: o mel foi
por largo tempo o nico alimento; e tambm a causa de vrias epidemias, que
varreram muitas mil pessoas por toda a provncia. Os povos de sete parquias
desertaram sem ficar uma s alma! (Pg. 221 do 2 volume.)
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aconteceu, sobre a Capitania e a cujos horrores se vinham ajuntar as dilapidaes, os furtos mo armada, as lutas de grupos ignorantes da
mais simples noo de moralidade e civilizao, os morticnios, em que a
luta pela existncia originava a irrupo dos mais depravados instintos, a
que no se podia dar cobro seno pela violncia, por medidas arbitrrias.
Dessa posio a que obrigavam-no as circunstncias anormais
da Capitania deu conta o governador nos seguintes termos, fazendo um
como resumo de sua administrao:
ILM EXM SENHOR. Sendo muito do meu dever o participar a V. Ex o estado desta Capitania para que cientificado dele possa
ocorrer com as providncias mais consentneas para a sua conservao
e melhoramento, tenho de propsito omitido essa diligncia, a fim de
no tomar a V. Ex o tempo que a benefcio do Estado to felizmente
emprega especialmente com a narrativa de cousas de menos ponderao
em que pode (como tem feito) providenciar o Exm General destas Capitanias. Como porm tenho quase completo os trs anos do Governo
desta Capitania, no devo omitir a V. Ex uma fiel bem que resumida
Conta das minhas aes no espao deles.
Logo que cheguei a esta Capitania e tomei posse do seu Governo tive por objeto dos meus desvelos a prontificao dos reparos da
Artilharia da Fortaleza, cujas peas se achavam quase desmontadas na
frente do aquartelamento, e incapazes de laborar sobre um monte de
areia, sem mais estacada, ou reduto. Conseguidos os mencionados reparos, que vieram remetidos de Pernambuco, passei a construir um pequeno reduto de madeira, em que por famlia trabalhou a tropa terraplenado
o terreno mais acomodado, e introduzindo nele saibro, com o qual ficou
o mesmo terreno em estado de poder com mais facilidade manobrar a
Artilharia, o que tudo se fez com diminuta despesa, e com aprovao do
mesmo General.
Passei logo a diligenciar e consegui ver fardada esta tropa
paga, que eu achei, e havia muitos anos andava em camisa e ceroulas figurando mais de mendigos que de soldados, e oferecendo vista um
objeto de compaixo aos nacionais e de ludibrio aos estrangeiros que
por algum incidente arribassem as costas desta Capitania, e porque a extenso delas no tem, nem permite outra defesa mais que a das tropas
auxiliares, olhei a existncia e conservao destas em bom estado como
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Como se poucos fossem tais males, apareceu, para mais lutuosos fazer aquele anos, como irm gmea da fome, a peste de mortfera
varola, que devastou muitos pontos, Aracati por exemplo, onde os falecimentos atingiram a 600 mais ou menos.
E alm desses males, registra ainda Esteves dAlmeida em
sua Memria de 30 de dezembro de 1795, sobreveio outro maior, porque laborando as necessidades e a fome, no ano de 1793 foi tal a epidemia das bexigas, que quase consome todos estes povos, de sorte que
houve dia que se enterravam 8 e 9 pessoas.
Prouvera aos cus que essa fosse a nica vez que a peste veio
ajuntar-se fome e sede na obra da destruio. Na seca de 1692, que
assaltou a Capitania de Pernambuco e em que tanto se assinalou-se a caridade do Bispo D. Matias de Figueiredo e Melo, como mais tarde na de
1776 1777 devia refulgir a de seu digno sucessor D. Toms da Encarnao Costa Lima, entre ns mesmos na de 1825 1826 e sobretudo na
quadra horrorosa de 1878 1879 que largo tributo foi pago quela maldita trindade!
Da ltima epidemia de varola, desse tempo de lgrimas, em
que se escreveram as pginas mais tristes da Histria da famlia Cearense, temos ns todos a mais viva e pungente memria; no obstante, a
experincia do passado no nos ensinou a precaver, graas vacinao e
revacinao em largussima escala, contra o horrendo flagelo, e os homens colocados testa do governo do Estado desperdiam o tempo,
aqueles em mover a mquina da poltica estreita e corruptora, que arruinou o Imprio, estes em preparar terreno no sentido dos prprios interesses, quais em encher os ventres insaciveis de meia dzia de amigos.
Com a fome e com a peste, viu-se da carta de Fo e Torres, colaboravam para fazer mais precria a situao as ruins paixes, os roubos,
os assaltos mo armada. A tudo isso refere-se tambm o seguinte Parecer do Conselho do Ultramar descoberto por mim em a Bib. Nacional de
Lisboa.
Senhora. O Juiz e mais oficiais da Cmara da Vila de Montermor-o-novo, distrito da Capitania de Pernambuco dirigiram a Real
Presena de V. Majestade por este Conselho em dois idnticos ofcios
datados em 26 de junho e trs de julho do ano prximo passado, uma
triste e funesta descrio dos grandes estragos que tem causado a seca
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ano ficou sadio, pelo contrrio sendo o Acaracu livre de molstias epidmicas ficou por mais de quatro anos um pas doentio.
Eu tambm possuo a obra, hoje mui rara, do Bacharel em
Medicina Joo Lopes. em dois volumes e traz o seguinte ttulo: Dicionrio mdico prtico para o uso dos que tratam da sade pblica onde no h professores de medicina por Joo Lopes Cardoso Machado, Cavaleiro Professo na
Ordem de Cristo, Bacharel em Medicina, residente em Pernambuco. Rio
de Janeiro 1823. Na tipografia de Silva Porto e Companhia.
Como v-se, pelo extrato, reproduzido no opsculo do Dr.
Paula Pessoa, pouco se ficaria sabendo sobre o assunto, que me prende;
sobre ele posso contudo adiantar alguma cousa graas a documentos
encontrados por mim em Lisboa,.
Joo Lopes Cardoso Machado foi com efeito o chefe da Comisso mdica, a pedido de Fo e Torres despachada de Pernambuco a
acudir as populaes dizimadas pelo mal.
Querendo, oficia Fo e Torres, suavizar a consternao
dos moradores da ribeira do Acaracu e Vila de Sobral acometidos de
uma epidemia recorri ao Ex.mo General de Pernambuco e com uma incrvel prontido expediu logo mdico, cirurgies, boticrio com botica e
Sangradores e com efeito observando o mesmo mdico a natureza e
origem das enfermidades das quais j havia morrido um crescido nmero de pessoas, estabeleceu o mtodo curativo com o qual se embaraou
o progresso daquela epidemia (Ofcio citado de 10 de outubro de 1792 a
Martinho de Melo e Castro)
Com incrvel prontido diz o Governador, e quase noventa anos
depois o Cear aniquilava-se presa, no de umas febres palustres, porm
da mais medonha epidemia de varola, crismada de peste negra na Europa, tal foi o horror que geraram l as notcias transmitidas, e o Governo
do Rio de Janeiro, que era cotidianamente informado das propores
surpreendentes, que assumia a calamidade, cujos ouvidos eram a todo
instante feridos com a narrativa, plida at, da horrenda catstrofe, s
resolvia-se a enviar ao campo do infortnio uma Comisso de mdicos
quando a morte quase cansara de fazer vtimas.
Aconteceu, pois, que os jovens mdicos, de que era chefe o Dr.
Jos Maria Teixeira, poucos enfermos tiveram que examinar e a que prescrever os recursos da arte, e em quase pura perda largas somas escoaram-se
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do Errio pblico. Nem sei mesmo se de tal comisso ficou publicado algum relatrio.
Isso vem para comprovar mais uma vez que no a idade dos
governos constitudos que lhes d melhores entranhas e escrpulos de
conscincia.
Alm do chefe Cardoso Machado compunha-se a Comisso
do seguinte pessoal: licenciados Joaquim Jos Henrique e Teotnio Ferreira dos Reis, boticrio Joo Pio Caetano de Carvalho e dois sangradores, dos quais um de nome Bernardo.
Eles aportaram ao Acaracu no dia 14 de outubro de 1791 tendo de acordo com o Capito-General de Pernambuco feito escala pelo
porto da Fortaleza, a fim de entregar ao Capito-Mor Governador cartas e ordens de que eram portadores, o que fizeram por intermdio do
mestre do barco, que os conduzia.
Havendo no dia seguinte desembarcado na oficina de Lus
Pereira Brando, expediu Cardoso Machado a 17 o aviso seguinte: O
Escrivo do Juzo Loureno Dias de Freitas e Alcntara pelas 4 horas
do dia de hoje junto com o boticrio Joo Pio Caetano de Carvalho e os
ndios, que carregaram as pipas e barris pertencentes Fazenda Real da
lancha do barco, que transportou a botica e os professores de Medicina
e Cirurgia a este porto do Acaracu para o Armazm contguo ao desembarque se achem todos no dito Armazm para na minha presena se fazer exame sobre o estado em que se acham as ditas pipas e barris que se
desembarcaram hoje para do que se achar se fazer um termo assinado
por todos. Cumpram assim a ordem do Ilm e Exm Sr. General. Barra
do Acaracu, 17 de outubro de 1791.
Com efeito nesse dia s horas marcadas teve lugar o exame
ordenado na presena do comissrio, e de tudo se lavrou um auto termo
de visita e exame, em que todos assinaram inclusive (com cruzes) os ndios Pedro da Veiga e Luciano Manuel.
Como ressalva do mestre do barco, que fez o transporte da
Comisso e do material a ela pertencente lhe foi entregue um atestado
concebido nos seguintes termos: Joo Lopes Cardoso, Mdico pela
Universidade de Coimbra, Comissrio Geral e Juiz Delegado de Medicina da Real Junta do Protomedicato por S. Majestade Fidelssima etc:
Atesto que Manuel Gonalves Prudente, mestre do barco N S do Bom
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Sucesso, desembarcou toda a botica e mais cousas pertencentes Real Fazenda nesta barra do Acaracu e fazendo exame em tudo se achou o que
consta do Termo junto, do qual consta que a falta que houve nas pipas e
barris procedeu de se no atestarem em Pernambuco. E por ser verdade
passei o presente que juro aos Santos Evangelhos. Barra do Acaracu, 22
de outubro de 1791. Joo Lopes Cardoso Machado.
No Acaracu estiveram os cirurgies a receitar os afetados das
febres, as quais duravam j desde junho e haviam feito no pequena
mortandade. Das comunicaes oficiais depreende-se que no foi das
mais atraentes a demora deles a e isso por falta absoluta de vveres apesar das reclamaes feitas ao Comandante Tom Ximenes Madeira.
Dali partiu a Comisso para Sobral, onde chegou a 3 de novembro, tendo sido acompanhada pelo Sargento-mor Francisco Rodrigues da Cruz.
A epidemia assumiu em Sobral propores relativamente muito
maiores do que em Acaracu, mas no obstante o bem crescido nmero de
atacados, e entre eles o respectivo vigrio, a mortandade foi de 473 pessoas.
De Sobral props a Comisso ao Governador que as Cmaras
dessa vila e de Granja institussem partidos mdicos e que fosse o povo
obrigado, at por violncia, a procurar os socorros da arte.
Encontrar quem se encarregasse do tratamento dos indigentes no seria difcil mesmo porque em Sobral podia-se contar com os
bons servios do licenciado Jos Gomes Coelho, mas a adoo da medida proposta estacou diante do poderoso argumento da falta de dinheiro.
Fo e Torres dirigiu-se a consultar sobre o caso as Cmaras
interessadas, como de tudo d conta em ofcio de 6 de dezembro, e elas
em data de 7 e 9 de janeiro responderam ser-lhes impossvel incorrer em
novas despesas, alis muito justas, em virtude de no ser lisonjeiro o estado de suas finanas. Essas respostas so firmadas pelos respectivos escrives Domingos Anselmo de Sousa Castro (Granja) e Flix Jos de
Sousa de Oliveira (Sobral), os quais dizem que as sobras da Cmara de
Sobral chegam a 218$290 anuais e as de Granja a 19$390.
Na realidade com tais sobras seria rematada loucura querer
contratar mdicos, devendo pelo menos um vir da Capitania estranha.
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Sr. Dr. Joo Lopes Cardoso. Ontem que foi domingo recebi a de V. Mc. em
resposta da minha, e ao mesmo tempo recebo a presente que V. Mc. me dirigiu,
as quais com esta resposta dizendo que por agora se acha esta vila e todo o seu
distrito sossegado da epidemia que a muitos povos tem desolado, e no h de malignas novidade alguma enquanto por agora, e pela experincia que no presente
ano mostrou, pegou ela a reinar de fevereiro por diante at agosto ou setembro e
as doenas, que por agora ho nalguns lugares, so algumas sezes ordinrias das
quais no ouo dizer tenha morrido ningum e me conveno dizer que o mesmo que V. Mc. me diz achou nesse Sobral, e tenho por este modo respondido a
Vossa Merc e como as doenas que por agora ho so algumas ordinrias sezes e
no existindo ainda as malignas no se precisa do incmodo de vir para c algum
Professor. Determinar a respeito o que for servido avisando-me de alguma resoluo
que tomar para eu saber determinar tudo quanto V. Mc. me ordenar.
Fico certo em remeter a V. Mc. o nmero dos que tm morrido da epidemia;
para o tempo de 10 de dezembro ento avisarei a V. Mc. de alguma cousa que
ocorrer a este respeito.
Deus guarde a V. Mc. muitos anos. Vila da Granja aos 14 de novembro de 1791.
De V. Mc. muito venerador e obediente servo Bento Pereira Viana.
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tao com a relao das causas, sintomas, cura e mais reflexes necessrias ao fim para que fui mandado a este serto; e j de agora preciso
lembrar a V. Ex que aqui s h aougue na Vila do Sobral e Granja; que
h muitas povoaes distantes destas vilas vinte e mais lguas, onde por
falta de carne fresca se come carne do Cear, principalmente os pobres
que faz o maior nmero dos seus habitantes; que pelas muitas enfermidades e preguia do povo h muito poucas galinhas; que nestes termos
os que adoecem, se vem obrigados a comer a dita carne a qual nociva
nas enfermidades agudas, e ainda nas crnicas, que por isso esto muitos de sezo sem poderem tomar vomitrios, por no terem galinha,
nem carne moqueada; que esta desordem merece uma pronta e eficaz
providncia, mandando-se estabelecer aougues nas povoaes mais populosas ao menos duas vezes na semana, o que fcil em um pas, onde
h tanto gado que d a matana carregar os barcos; se no puder estabelecer isto para todo o ano, seja de maio at novembro.
o que posso informar a V. Ex por agora, enviando esta
pelo mestre de barco, que nos trouxe, o qual est a partir. Deus guarde a
V. Ex muitos anos. Barra do Acaracu, 27 de outubro de 1791. Beijo as
mos de V. Ex. De V. Ex o mais reverente sdito Joo Cardoso Machado. Ilustrssimo senhor Lus da Mota Fo e Torres.
Cheguei a esta Vila de Sobral no dia trs deste ms na companhia do Sargento-Mor Francisco Roiz da Cruz, que foi pessoalmente conduzir-nos e nos disps pelo caminho do melhor agasalho que se podia
dar neste serto tratando-nos com muito amor, cuidado e acertadas e
prontas as providncias e pelo seu incansvel zelo temos tido tudo quanto
precisamos a tempo de que lhe estamos muito obrigados, e V. S tambm
que nos dirigiu a um to honrado oficial e digno dos maiores cargos.
Achei este povo menos atacado, do que o da barra do Acaracu;
alguns tm sido acometidos de sezes outros tm lhe repetido os quais
j tiveram h ms e dois meses; porm todos com sezes ordinrias, e
que facilmente cedem aos remdios, entre os quais foi o M. R. Vigrio o
Pe. Baslio dos Santos. Contudo deve dizer a V. S que este pas flagrado
com febres malignas que principiam no inverno, se aumentam no fim
das cheias, e degeneram em sezes ordinrias, as quais duram todo o vero
at entrar outra vez o inverno do mesmo modo, e que nesta triste condio se conservar enquanto a atmosfera no mudar de natureza; e como
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aos que assim procedem ou a ir ou a receitar-se por informao aos respectivos cirurgies, e a fazerem o que eles determinarem. E como nestas duas vilas h o costume de fazerem os pobres as suas choupanas to
separadas umas das outras, que no se acham duas famlias contguas e
tem distncias de lgua, duas lguas, meia, e quarto de lgua, e se segue
desta desordem no ter cada um quem lhe acuda na sua enfermidade,
pelo que morrem muitos por falta de tratamento e ao desamparo, parece
que se devem fazer ajuntar estas famlias em diversos lugares, para ser
fcil ao cirurgio e ao proco o socorr-las, observando-se o que j o
Dr. Corregedor desta comarca mandou em um provimento desta Cmara, e se no tem observado. Esta ao, que dirigida ao bem destes miserveis igualmente til ao Estado; porque adoecendo os pobres e trabalhadores, suspende-se toda a ao do comrcio, faltam os vveres e
pe-se em desordem a conservao do povo.
Esta vila tem um cirurgio aprovado, estabelecido na terra e
camarista deste ano, este pode ser do partido da Cmara dela; e para a
Granja, pode V. S mandar do Recife um dos muitos que l h, sem que
por isso se lhe d ajuda de custo, nem salrio algum pela Real Fazenda,
no s porque vem lucrar o partido, que se estabelecer, mas tambm
porque nos medicamentos, que trouxer, faz um grande lucro.
Isto o que se me oferece participar a V. S como meio possvel de acudir a este povo junto com a providncia dos aougues pblicos, o que tudo to bem informei ao Ilm Sr. Capito-Mor Governador
desta Capitania.
Escrevi Granja e quando receber resposta sobre o estado
em que se acha aquela vila poderei resolver a minha partida para Pernambuco.
Deus Guarde a Exm pessoa de V. Ex muitos anos. Vila do
Sobral, 12 de novembro de 1791. De V. S o menor sdito Joo Lopes
Cardoso Machado.
Ilm Sr. Lus da Mota Fo e Torres.
Recebi a resposta do Capito-Mor da Vila da Granja no dia
de ontem, na qual me diz que j no existem as febres malignas, e que
apenas aparecem algumas ordinrias, das quais ningum tem morrido.
Nestes termos pedi o sargento-mor, desta vila que me aprontasse o
comboio, para partirmos daqui a trs ou quatro do ms que vem; e ele
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considerando o incmodo que causa o darem-se cavalgaduras para seguirem at essa Vila da Fortaleza, escreve ao Comandante da Serra da
Uruburetama para ter e aprontar comboio de l para diante, e voltar o
que vai desta vila, o que achei muito acertado, ainda que receio que o
prprio no venha com a resposta a tempo, pois costumam levar muitos
dias de caminho para a entrega de qualquer carta, e sua resposta.
Tenho determinado deixar os medicamentos ao licenciado
Jos Gomes Coelho, a quem examinei de Medicina, e o achei capaz e suficiente: ele me h de passar um recibo com as clarezas necessrias, e lhe
deixo um roteiro pelo qual se deva regular na epidemia futura, o que tudo
hei de mostrar a V. S e ao Senhor Dr. Ouvidor-Geral e Corregedor. Pelo
que partindo daqui a trs ou quatro do dito ms, at Conceio terei o
gosto de ir prostrar-me aos ps de V. S e receber as suas ordens.
Deus guarde a V. S muitos anos. Vila de Sobral, vinte de novembro de 1791. Beijo as mos de V. S. De V. S o mais reverente sdito Joo Lopes Cardoso Machado.
Ilm Exm Sr. Respondeu o Capito-Mor da Vila da Granja
que nela e seu termo j no havia mais que algumas sezes ordinrias.
Com esta resposta fiz fazer entrega da botica ao Cirurgio Jos Gomes
Coelho aprovado por S. Majestade, estabelecido na vila de Sobral, e camarista deste ano, o qual passou recibo, que reconheci por tabelio; e se
passou por ndia, e Mina: encarreguei-o do curativo da epidemia, deixando-lhe as instrues que pareceram necessrias, cujas apresentarei a
V. Ex e o fiz j ao Ilm Governador desta Capitania. Feito isto, determinei a minha partida, e como no era possvel que o comboio viesse seguido desde o Sobral at Vila da Fortaleza, pela seca que se espera e
serem os caminhos cheios de pedras, assentou o Sargento-Mor Francisco Roiz da Cruz que fssemos at a serra da Uruburetana e a o comandante nos desse outro comboio para o Cear, que vem a ser trinta lguas
do Sobral a Serra, e desta outras trinta ao Cear; assim se praticou e
chegamos em oito dias, e o Ilm Govendor aprovou o mtodo, e o pretende seguir at os fins da sua Capitania, mandando fazer mudas. O
grande calor do ardente sol, o dormir no campo, as guas pssimas, a
salgada comida de carne do Cear, pelo caminho, me produziram uma
fluxo e decbito no queixo superior da parte de cima, que me inchou
muito a face, padeci dores grandes, e sem S. Ex poder dar remdio,
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Pode dizer-se que os adultos todos morreram violncia das
malignas e epidmicas sezes, que tm havido nesta dita freguesia em o
referido tempo, e ainda de todo no tem cessado; julgo que s 16 adultos morreram de outras molstias o que certamente se no pode saber
por no haverem professores de Medicina e Cirurgia, que informem ao
proco da verdadeira molstia, por ser esta freguesia muito extensa e
no haver nela mais que um Cirurgio aprovado. Isto o que pode informar. Padre Baslio Francisco dos Santos. Proco de Sobral.
Assentos dos mortos da freguesia da Vila da Granja desde janeiro at fins de novembro tudo do ano presente de 1791.
Na Matriz sepultaram-se 33 adultos e 22 prvulos
Na Capela do Ibuau, 15 adultos, 11 prvulos
Na Capela de S. Antnio dOlho-dgua, 37 adultos, 42 prvulos
Na Capela do S. Pedro freguesia da Vila Viosa Real, 13 adultos
a 11 prvulos
Na Capela do Par da freguesia da Granja to bem avaliei por
no achar capaz o rol que apresentou o administrador e ser um
dos lugares onde penetrou a epidemia
Podero haver pelos campos enterrados pouco mais ou menos
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Disse eu pg. 20, que as despesas com a Comisso e o tratamento dos doentes subiram quantia de 3:426$077. Esta assim discriminada na conta apresentada pelo respectivo empregado do Errio:
Conta dos vencimentos que tiveram o mdico e mais professores
de Medicina que foram ao Cear acudir a epidemia que ali grassou e de que
importou a botica e mais gneros que se remeteram para o curativo dela.
O Dr. Joo Lopes Cardoso Machado venceu de salrio
127 dias contados de 6 de outubro de 1791 at 9 de fevereiro de 1972 a 3000 por dia
De ajuda de custo
O Licenciado Joaquim Jos Henrique venceu 104 dias
contados de 6 de outubro de 1791 at 17 de janeiro de
1792 razo de 1$500 por dia
De ajuda de custo
O licenciado Teotnio Ferreira dos Reis venceu 121 dias
contados de 6 de outubro de 1791 at 3 de fevereiro de
1792 a razo de 1500
De ajuda de custo
O Boticrio Joo Pio Caetano de Carvalho venceu 127
dias contados de 6 de outubro de 1791 at 9 de fevereiro
de 1792 a 1$500
De ajuda de custo
Os sangradores venceram 127 dias contados de 6 de outubro de 1791 at 9 de fevereiro de 1792 a 750 ris por dia
De ajuda de custo
Ao boticrio Manuel dos Santos Nunes de Oliveira
dos medicamentos que vendeu para o curativo da dita
Por vinagre, vinho e outros gneros que se remeteram
para o mesmo curativo
Pagaram-se ao barco que transportou para a barra do
Acaracu a referida botica e mais gneros, debaixo da
Guarda dos mesmos Professores
Rs
381$00
400$00
781$000
156$000
200$00
356$000
181$500
200$000
381$500
190$500
200$000
390$500
190$500
200$000
390$500
815$560
231$077
80$000
3:426$137
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Aqui tem o leitor o relatrio, que Cardoso Machado apresentou ao capito-general em sua chegada a Pernambuco: Ilm Exm Sr.
As vilas do Sobral e Granja, que ficam ao norte da Capitania de Pernambuco pertencentes do Cear, distantes desta Vila do Recife, uma
270, outra 290 lguas, em todos os invernos padeceram sempre febres
intermitentes nos lugares vizinhos praia, porm somente atacaro aos
desacautelados e indigentes.
Depois das grandes cheias de 1789 entraram estas febres a
fazer-se mais familiares ainda entre os que melhor se conduziam e a extender-se at s Vilas. Conservou-se este progresso at agora, porm no
inverno do ano passado de 1791, principalmente, apareceram em grande
nmero contnuas remitentes, febres podres, malignas, ters perniciosas, que proporo da pouca gente de que constam aquelas vilas fizeram uma perda considervel. Foi contudo aplicando a ferocidade, que
durou pouco tempo, ficando existindo as intermitentes. Em toda a
Capitania somente h aougues nas vilas e duas vezes na semana. O
povo que vive pelo termo padece muitas necessidades. Em parte alguma
ainda das mesmas vilas se no vendem os vveres pelo mido ao povo,
os negociantes extraem grande parte deles para fora e por isso os que
no tm para comprar por junto e os que no se acautelam no tempo da
colheita ficam expostos a sofrerem a fome ou a procurarem alimentos
nocivos.
Uma no pequena parte do povo no Termo da Vila de Sobral vive dispersa pelo campo, habitando muitas vezes um s homem
em uma casa de palha distante do outro uma e mais lguas.
No h naquele serto uma s botica; na vila do Sobral apenas existe um cirurgio, o qual nenhum remdio tinha para aplicar aos
enfermos ou porque se tivessem acabado os poucos, que costumam ter
os cirurgies, que circulam os sertes e o mato, ou porque aqueles
povos tm horror aos medicamentos a que chamam da botica, vivendo
satisfeitos com uns remdios chamados caseiros, sem conhecimento
legtimo das suas virtudes, e aplicados por qualquer indivduo, talvez por
no terem ainda experimentado os verdadeiros e uma cientfica aplicao deles.
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prsico eram os evacuantes, que ministrava. A quina sempre a administrei incorporada com os aperientes simples umas vezes em bebida, outras em plulas e quando isto no bastava recorria em maior dose ou
quina em substncia ou gua de Inglaterra. Entre os aperientes julguei
muitas vezes necessrio usar do trtaro chalibeado, principalmente nas
ters e quarts.
Esta a resulta da expedio de que V. Ex me encarregou
Ordem de Sua Majestade e achando aqueles povos gemendo ainda no
progresso das febres intermitentes, e conhecendo pelo meu Dirio a facilidade com que se remediavam com o mtodo que segui, temendo o
aumento da mesma epidemia para o futuro, devia cumprir a Ordem de
V. Ex deixando os remdios e o conhecido meio de aplic-los e retirar-me; o que fiz depois de receber a resposta do Capito-Mor da Vila
da Granja e as cartas da Cmara da Vila de Sobral e do Sargento-Mor
dela, o que tudo apresentei a V. Ex, das quais me parece que constar a
diligncia que fiz por ser til quele povo e desempenhar o ministrio
para que V. Ex me destinou. Ultimamente devo dizer e confessar que a
falta de medicamentos, de alimentos, de professores foi a que deixou falecer a maior parte das vtimas daquela epidemia e que ainda assim mesmo estando aplacada a ferocidade do mal muitos ainda haviam de morrer se no fosse o socorro, que V. Ex mandou. Recife 8 de maro de
1792. O Comissrio Geral e Juiz Delegado de Medicina Joo Lopes Cardoso Machado.
Havendo D. Toms Jos de Melo indagado em data de 1 de
outubro de 1791 qual fora o procedimento da Comisso e se prestara
servios s classes desvalidas Fo Torres respondeu-lhe a 3 de janeiro e
9 de maro do ano seguinte, remetendo os pareceres de Francisco Rodrigues da Cruz (de 24 de dezembro), Antnio Furtado dos Santos (de
25 de dezembro) e Cmara de Sobral (de 17 de janeiro), que todos falam
bem dela e lhe tecem elogios.
Em data de 25 de maio o mesmo a Toms fez ao Ministro D.
Rodrigo a exposio de tudo o que tinha referncia epidemia e Comisso, que foi ao Cear.
Se o procedimento da Comisso e mxime de seu chefe foi
correto e digno de encmios, e o prprio Fo e Torres reconhece-o apesar de seus ressentimentos, compete Histria fazer bem conhecidas e
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louvar igualmente a prontido e energia das medidas, que tomou D. Toms Jos de Melo nessa emergncia.
Traduzem os sentimentos da gratido Cearense a Carta oficial
a ele escrita em 3 de dezembro por Francisco Rodrigues da Cruz na
qualidade de sargento-mor fazendo s vezes do Capito-Mor Jos de
Xerez Furna Uchoa, e este belssimo ofcio dos Camaristas Sobralenses,
redigido em tempos em que tais atestados valiam o que diziam:
A caridade que V. Ex praticou, mandando da distncia de
perto de 300 lguas um professor de medicina, dois de cirurgia, um de
farmcia, dois sangradores e uma botica munida de tantos e escolhidos
remdios para acudir a epidemia que tem assolado este povo, foi ao
nunca vista nesta Amrica e s prpria de um esprito no s o mais sublime, mas tambm o mais cristo, qual o de V. Ex, chegando a interessar-se tanto na sade e vida dos vassalos de S. Majestade, que de Governador e General sbio e prudente passa a ser Pai amoroso. Chegou a
esta vila to grande socorro quando se achava j aplacado o maior mal,
existindo somente o de sezes ordinrias, porm, a sua vinda tem servido de grande alvio a muitos, que ainda padeciam nos efeitos que elas
produzem e nas repeties, que tiveram, pois todos tm sido remediados com prontido e felicidade pela sbia direo do insigne mdico, o
Comissrio Geral e Juiz Delegado o Dr. Joo Lopes Cardoso Machado,
o qual no precisava mostrar o seu grande talento para ser reconhecido
o mais perito Professor porque bastava ser nomeado por V. Ex para um
objeto de tanta ponderao. Ele tem discorrido sobre o carter da epidemia e os meios de remedi-la; ele deixa os remdios para a futura repetio que acertadamente julga tornar a afligir este povo no inverno
vindouro; ele finalmente deixa um roteiro que dirija ao Dr. Jos Gomes
Coelho nesse tempo de calamidade e tambm nos deixa saudosos na sua
retirada pela caridade e poltica com que se tem conduzido e que tem
promovido nos demais Professores. Por tantos e to grandes benefcios,
ns os membros da Cmara desta vila, por ns e pelo povo dela, vamos
por este modo beijar a mo de V. Ex rendendo-lhe as graas e agradecendo-lhe tanta piedade, tanto amor e zelo que nos mostra nesta ao,
pela qual lhe ficamos eternamente obrigados, rogando a Deus pela sade e vida de S. Majestade, que nos enviou em V. Ex tantos bens e que
conserve e dilate a sade e vida e governo de V. Ex por muitos anos
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De Joo Lopes Cardoso Machado encontra-se no Brasil Histrico, de Melo Morais, uma carta de 15 de junho de 1817 ao Ministro Vila
Nova, a qual lana copiosa luz sobre os acontecimentos da revoluo
daquele ano.
O Dicionrio de Inocncio pg. 398 do 3 vol. citando Cardoso Machado diz que ele fora delegado de Cirurgia e Medicina em Pernambuco e autor de um folheto intitulado Apologia da gua de Inglaterra
da real fbrica de Jos Joaquim de Castro, acrescentando que nada mais pde
apurar do que lhe diz respeito.
Precisamente um sculo atrs Recife, Olinda e outros lugares
tinham sido vitimados por mortfera enfermidade, bicha ou males.
essa uma das primeiras epidemias de que h notcia no pas. Das que
tm assaltado Pernambuco sem dvida a segunda, precedida apenas
pela de bexigas chamada do Xumberga por ser no tempo do governador Jernimo Furtado de Mendona, por antonomsia o Xumberga.
Compulsando os documentos, posso descrever cronologicamente as epidemias, que tm havido no norte do Brasil, pela seguinte
forma: em 1 lugar a epidemia de varola que assaltou o Maranho e
Par, vinda na frota que transportou Rui Vaz de Siqueira; em 2 a epidemia do Xumberga e em 3 a bicha ou males, que assaltou Pernambuco e
da propagou-se Bahia.
Da primeira epidemia encontra-se notcia, na Crnica da Misso
da Companhia de Jesus em o Estado do Maranho pelo Pe. Joo Filipe Betendorff, das outras duas no manuscrito de Domingos do Loreto Couto intitulado Desagravos do Brasil e Glrias de Pernambuco, na correspondncia
do Marqus de Montebelo, que est na Coleo Pombalina da Biblioteca
Nacional de Lisboa, e sobretudo numa obra publicada pelo Doutor Joo
Ferreira da Rosa, a quem Flix Machado em carta de 17 de agosto de
1713 dirigida a el-Rei chama um dos maiores mdicos, que houve em
Pernambuco.
A Crnica da Misso da Companhia de Jesus em o Estado do Maranho foi comeada em 1661 na misso mesmo, segundo v-se da dedicatria, que feita a Nossa S da Luz, e a pedido dos Padres Bento de Oliveira e Jos Ferreira.
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Dela possui a Biblioteca Nacional de Lisboa uma cpia, de letra que parece do sculo 17, mas crivada de erros. Tem a seguinte indicao: P. 6. 13.
A Crnica, que dividida em 10 livros com 174 captulos, e vai
at meados de 1698, livro precioso para a histria do norte da colnia
Portuguesa e digna de crdito sendo, como , trabalho de quem viveu
nestas partes do Brasil por espao de 38 anos; demais, oferece abundante subsdio para o estudo dos nossos indgenas, como tambm da
Ordem religiosa a que a catequese deve tantos e to valiosos servios.
O nome do Padre Joo Filipe encontra-se includo na monumental Biblioteca da Companhia de Jesus de Backer e Carayon, emendada e ampliada por Carlos Sommervogel, no vol. 1, pg. 1414.
No foi ele autor somente da Crnica, ainda hoje manuscrita,
pois publicou o Compndio de doutrina crist na lngua portuguesa e braslica,
obra conhecida dos bibligrafos, podendo eu ajuntar que o Baro Santa
Ana Neri disse-me possuir um exemplar perfeito, completo desse livro.
O Dicionrio Bibliogrfico de Brito Aranha, vol. 10, pg. 256, d
apontamentos biobibliogrficos do Padre Betendorff:
Parece que nasceu em Luxemburgo depois do primeiro
quartel do sculo XVII. Entrou para a Companhia de Jesus em Portugal, por 1645. Foi para o Brasil em 1674, dedicando-se a a missionar entre os indgenas da provncia do Maranho, onde foi reitor no Colgio
da sua Ordem pelo espao do quatorze anos e superior nove anos. Dizem que ainda vivia naquela provncia em 1697, contando mais de setenta anos de idade.
Estas informaes, diz o continuador de Inocncio da Silva, extratei-as do excelente e til trabalho Bibliografia da lngua tupi ou
guarani do Sr. Alfredo do Vale Cabral.
Releve o ilustre continuador de Inocncio da Silva que eu faa
as seguintes retificaes, bem fceis, alis, porque algumas encerram-se
na Crnica, onde respiguei-as aqui e acol.
Joo Filipe Betendorff estudou filosofia em Treveris, e direito
em Cunanio, afamada Universidade de Flandres, e entrou na Companhia
de Jesus na provncia Galo-Belga; em 1660 em companhia do irmo
telogo Jac Coelho veio a Lisboa onde encontrou-se com o Padre Teo-
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Captulo IX
NOVAS EXPLORAES DE MINAS. ASSASSINATO DO JUIZ
BARBOSA RIBEIRO. CORRERIAS DE CORSRIOS NAS COSTAS
DO CEAR. OS OUVIDORES JOS VITORINO E MANUEL
LEOCDIO RADEMAKER. GOVERNO INTERINO.
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de seus prepostos para os grandes rditos, que Coroa deveriam advir desses descobrimentos e para o especial agrado em que cairiam os que para
eles concorressem.
Havendo Coutinho de Montaury dado conta de se ter encontrado uma mina de prata na serra da Ibiapaba no lugar chamado Ubajuda, apressou-se o governo em exigir de Fo e Torres por aviso de 26 de
agosto de 1789 que lhe prestasse sobre o assunto as mais detalhadas informaes e lhe remetesse amostras do mineral e em poro mais avultada do que uma que fora enviada por seu antecessor. Em verdade em
outubro de 1784 Montaury enviara para a Corte uma poro de pedras
minerais reputadas de prata, e que foram extradas de uma localidade de
nome Ubajara ou Ubaxara, equivocadamente chamada nas suas informaes Ubajua.
Nem era essa a primeira vez que a ambio portuguesa lanava vistas para as minas situadas ali e em suas vizinhanas.
Aparecendo em Lisboa pedras minerais, que se diziam extradas do distrito de Viosa, Serra da Ibiapaba, uma sociedade estabeleceu-se com privilgio Real por conta dos negociantes Vasco Loureno
Veloso, Manuel Francisco dos Santos Soledade e Antnio Gonalves de
Arajo, e para as obras de minerao vieram estrangeiros com os utenslios e ferramentas indispensveis em obras dessa natureza.
Para superintendente das minas foi nomeado o dito Antnio
Gonalves de Arajo; e entre os mineiros franceses vindos ao Cear figuram Joo Sporgel e Martin Fugeor.
Fo e Torres em relatrio de 7 de junho de 1790 diz que o
ouvidor, que deu posse a Antnio Gonalves, chamava-se Pedro Cardozo Novais. impossvel, porque segundo a crnica este veio ao Cear
em 1732, e em 1735 teve lugar a posse do Ouvidor Vitorino Pinto da
Costa Mendona, o inaugurador da Vila do Ic.
Os trabalhos de minerao tiveram comeo em Ubajara e
posteriormente em Ipu, onde a prata foi encontrada em maior abundncia, mas por motivo das repetidas representaes do ouvidor, que afirmava no compensar o metal extrado as despesas, que avultavam de dia
em dia e por causa de certos atos irregulares do superintendente veio
ordem para este recolher-se a Lisboa e se fecharem as minas, se bem
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servatria, nem tambm pode entrar em dvida que o dito superintendente no tem jurisdio de prender por autoridade prpria, pois alis
era escusado ter juiz conservador, e muito menos podia prender aos
pronunciados na devassa, que enviastes e ele tirou no Arraial da Baiara, a qual justamente anulastes porque nenhum dos casos que se expressam nos itens da petio nela inclusa de devassa, porm se vos
ordena faais toda a diligncia para se examinar se os rus da dita devassa os so das perturbaes de que foram argidos dando conta do
que achares, pois sendo certo o que deles se diz sempre merecem algum castigo, e quanto ao mais que pedis se vos declara necessita de
maior averiguao, a qual nesta ocasio mando fazer e porquanto com
a vossa carta de vinte e cinco de julho de mil setecentos e quarenta e
quatro, remetestes quatro pedras minerais, que dizem serem das Minas
em que anda o dito Antnio Gonalves de Arajo, em as quais se fizeram os exames que constam dos papis que com esta se vos enviam
por cpia assinada pelo Secretrio do meu Conselho Ultramarino se
vos declara que ao Governador de Pernambuco, ordeno que no caso
de lhe constar das informaes e diligncias que a ele e a vs se encarregam serem supostas estas Minas quanto a prata, e no poderem tirar-se delas com coeta os mais metais, que se observaram nas amostras, que ele Governador mande se no continue nesta superintendncia havendo-a por desfeita em todos os seus privilgios concedidos
porque a todo o tempo que se descobrirem minas de prata se restabelecer a superintendncia. El-Rei Nosso Senhor o mandou por Alexandre de Gusmo e Tom Joaquim da Costa Corte-Real, conselheiros do
seu Conselho Ultramarino Pedro Alexandrino de Abreu Bernardes a
fez em Lx a 15 de novembro de 1745.
igualmente digna de consulta a correspondncia oficial de
Fo e Torres, que tem relao com as Minas de Ubajara, e que a seguinte:
Ilmo Exmo Sr. Tenho o honra de participar a V. Ex que havendo chegado a esta Capitania em quatro do corrente ms, no dia nove
do mesmo, tomei posse do Governo dela, e sem perda de tempo passei a
informar-me do stio em que se tem descoberto as pedras da prata mineral, em conseqncia das ordens de que V. Ex foi servido incumbir-me; e
como o stio desta produo na serra Grande, denominada de Ibiapaba,
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nar-me, ao que agora tenho a honra de satisfazer, seguindo para a informao as asseres das pessoas mais antigas e fidedignas daquele Distrito da Ibiapaba.
Consta que por terem em outro tempo nessa Corte aparecido diferentes pedras minerais de prata extradas da serra da Ibiapaba
desta Capitania distrito de Vila Viosa Real, se estabelecera com Privilgio Real uma fbrica ou companhia para a extrao da mesma prata, por
conta de Vasco Loureno Veloso, homem de negcio bem conhecido na
mesma Corte, e que no ano de 1741 viera uma companhia de mais de
cinqenta homens com os utenslios e ferramentas necessrias para minerar, vindo nomeado Superintendente das referidas minas Antnio
Gonalves de Arajo, o qual sendo empossado no dito ofcio pelo Ouvidor Pedro Cardoso de Novais, foram em direitura para a dita serra, e
a principiaram a abrir minas no lugar chamado Ubajara, junto de uma
ladeira que sobe para a povoao de ndios de S. Pedro de Baiapina,
onde certo que ainda agora se vem as escavaes, e se tm encontrado
algumas ferramentas das tais minas. Diz-se que delas tiraram bastante
prata e ainda em mais abundncia no lugar chamado Ipu ao lado direito
da ladeira do Acarape, que sobe para Vila Viosa, que nesse tempo foram
para o Ministrio vrias representaes do referido Ouvidor Pedro Cardoso de Novais, afirmando que se no descobria pata naquelas minas,
que se alguma se tirava era em to pequena quantidade, que no podia
fazer conta a proporo das despesas que se faziam. Veio ordem para se
fazerem ensaios sobre pedras das ditas minas na presena do Governador,
e Capito-General de Pernambuco e na do Ouvidor, os quais se fizeram
com toda a cautela pelo Oficial das ditas minas Pedro Lelou de Lania,
o qual sempre com luvas nas mos para no poder fazer falsificao,
extraiu prata em abundncia, na presena dos ditos. Foram as informaes
para essa Corte, e por motivo particulares, que a plebe refere, veio ordem
do Ministrio para se fecharem as minas e recolher-se com toda a companhia o Superintendente. Esta ordem trouxe consigo o Ouvidor Manuel
Jos de Faria, que querendo-a dar a execuo, encontrou repugnncia da
parte do referido Superintendente, que no querendo obedecer, se fez
forte em cima da serra, largando as minas da sua falda, e indo no ano de
1746 o dito Ouvidor acompanhado de auxlio militar para o prender, ele
se refugiou pelo interior da serra, j distrito da Capitania do Piau, e a
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abriu novas minas, que dizem eram ainda mais ricas que as anteriores, e
que da fora ao depois pelo Maranho ou Par para Lisboa, e morrendo
em caminho, deixara em seu testamento duzentos mil cruzados a uma
sua filha que lhes haviam de pertencer das tais minas.
Dos vestgios que hoje se encontram e donde sem dvida foi
extrada essa amostra no stio ou lugar da Ubajara, que remeteu o meu
antecessor, supondo talvez mal informado ser descobrimento novo, sei
eu que se tem e tinham o antecedentemente extrado outras achadas
superfcie da terra, como sucedeu ao atual Ouvidor, que extraindo algumas do lugar j mencionado chamado Ipu, fazendo nelas algumas anlises qumicas, como o pas o permite, s sara no cadinho uma espcie
de metal assemelhado ao penedo Mollibdnum [molibdnio] de Lineu,
deixando de fazer o mesmo exame nas pedras do outro stio Ubajara
por falta de instrumentos.
Para que V. Ex os possa mandar fazer e as necessrias experincias, remeto em um caixote as amostras das pedras de trs diferentes
stios, cujas pedras so como todas, ou quase todas as que se tm remetido em amostras para essa Corte, tiradas superfcie da terra, e sero talvez fragmentos desprezados das que ali se tiraram antigamente, quando se
principiaram a abrir as ditas minas, sobre as quais assentam todos os que
tm alguma inteligncia da mineralogia que se se profundassem e trabalhassem com todo o necessrio, dariam convenincia, supondo que elas
s so ricas no fundo, e interior da terra, como sucede nas do Peru, sendo
muito para notar-se que a mencionada serra da Ibiapaba se julga ser uma
como continuao, ou ramo das grandes cordilheiras, em que abundante
o dito metal depois que entra nos confins da Amrica epanhola.
Tem-se por verossmil que as pedras mais ricas extradas daqueles lugares nestes tempos mais prximos foram as que remeteu a
essa Secretaria de Estado o atual Ouvidor desta Capitania em dois caixotes, por serem extradas em tempo que as furnas no tinham gua e se
poder aprofundar mais alguma cousa; pelo que parece que sobre elas
melhor que em outras se poderiam praticar os ensaios necessrios para
lhe descobrir o valor proporcional.
Eu fico na resoluo de ir pessoalmente em tempo competente quela serra e fazer praticar as possveis diligncias para examinar
tudo o que pode conduzir ao fim de dar a V. Ex mais exata informao
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sobre este objeto, e de lhe fazer remessa de mais algumas pedras que se
puderem descobrir do mais interior da terra, desejando muito ser um
dos instrumentos de se efetuar o projeto e empresa que a vasta compreenso de V. Ex premedita a benefcio do Estado e Nao.
Deus guarde a Ilma e Exma Pessoa de V. Ex muitos anos.
Vila da Fortaleza de N S dAssuno da Capitania do Cear Grande, a
7 de junho de 1790.
Ilmo Exmo Sr. Martinho de Melo e Castro, Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios da Marinha e Domnios Ultramarinos. Sdito o mais obediente. Lus da Mota Fo e Torres.
Recebeu nesta Secretaria do Governo de Pernambuco Antnio Jos dos Santos, Comandante do Paquete de S. M. de invocao Nossa
Senhora da Glria, Remdios e S. Jos, que faz viagem deste porto para o de
Lisboa, um caixote de pedras remetido pelo Capito-Mor Governador da
Capitania do Cear ao Ilmo e Exmo Sr. Martinho de Melo e Castro, Ministro e Secretrio de Estado da Repartio da Marinha e Domnios
Ultramarinos, e de como recebeu dito caixote se obrigou a entrega, levando-o Deus a salvamento e dito paquete ao referido porto, do que para
constar assinou este recibo, que eu, Jos Fernandes Quintela, segundo oficial da mesma Secretaria do Governo a fiz. Recife de Pernambuco, 5 de
janeiro de 1791. Antnio Jos Soares, Comandante.
Ilmo e Exmo Senhor. Satisfazendo a Respeitvel Ordem
de V. Ex pelo Aviso de 26 de agosto de 1789, tive a honra de informar
a V. Ex, em 7 de junho do ano prximo passado, sobre a mina chamada
da Prata da Serra da Ibiapaba, termo de Vila Viosa Real, no stio Ubajuda, alis Ubajara; de que o meu antecessor havia remetido para amostra uma pedra; e na mesma ocasio remeti trs amostras de pedras tiradas de trs diferentes stios na mesma serra, reservando-me a ir em tempo competente queles lugares examinar ocularmente a realidade do que
me informaram as pessoas, sobre cuja f se fundou a dita minha informao: no me sendo, porm, possvel passar adiante da vila do Sobral,
aonde em outubro do ano passado fui passar revistas s Tropas Auxiliares, e Milicianas, em razo da grande seca que embaraava o viajar, incumbi aquela diligncia da extrao da amostra das pedras da dita mina
ao Sargento-Mor Incio de Amorim Barros, Diretor da sobredita vila,
sujeito dos mais zelosos, e inteligentes, recomendando-lhe que da parte
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No Serrote Ubajara, ponta oriental da serra Grande, foi explorada por concesso
Rgia uma mina no meado do sculo XVIII, por via de uma companhia de mineiros e fundidores, que em 1750 vieram de Lisboa, cujo trabalho foi abandonado,
porque o resultado no correspondeu despesa.
Em nota pg.154 escreve o mesmo Senador: Diz Feij que ainda em 1805 vivia
em Vila Viosa um francs, Mr. Fontanele, bastante velho, que veio nessa expedio mineralgica. Conversando com ele a este respeito soube que de fato da mina
do Ubajara tirou-se um metal, que chamavam prata, mas em muito pequena quantidade, de modo que apenas chegou para com ela se pagar o ordenado do Intendente.
O regimento dado ao governador do Estado do Maranho em 1654 recomenda
especialmente a explorao das minas de prata do Cear, descobertas pelos holandeses. H s uma tradio vaga de que no lugar Taquara, Serra de Maranguape, os
holandeses fizessem escavaes e tirassem prata. O Dr. Capanema foi examinar
este stio e nada encontrou que justificasse trabalho de minerao antiga.
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mens por esta Comarca se no pode fazer pelas razes ponderadas que
vm a ser as muitas foras que tm, distncia da sua Habitao e o
medo que h deles; o nico meio que me lembra de o poderem ser rogar Vossa Excelncia o auxlio do Ilustrssimo e Excelentssimo Senhor
General do Maranho para que este Senhor queira expedir ordens a alguns homens da Capitania do Piau vizinhos deste e que tem iguais foras adquiridas com os mesmos direitos que no faltam por l os quais
por manha ou fora os puderam prender ainda quando estes se no receiam por hora de Ordem expedida por aquele governo. Parece que de
modo algum no dever obstar se no tempo da priso tiverem alcanado seguro da Relao do Distrito, por isso mesmo que so devedores da
Real Fazenda tanto nesta Capitania como na do Maranho e que esta
no est segura enquanto o no estiverem as pessoas dos tais devedores
e seguros que sejam em priso novamente, procederei a Devassa de revoltosos e levantados e ento conhecer Vossa Excelncia a liberdade
com que as testemunhas depem e por isso melhor as desordens que os
tais homens tm cometido. Rogo juntamente a Vossa Excelncia que a
suspenso do dito Capito-Mor seja mandada por Vossa Excelncia
para maior respeito, temor e autoridade e para me livrar deste procedimento pois tambm tenho algum receio, e porque julgo a Vossa Excelncia falta de notcias dos homens desta Vila e seu Termo lembro os
que acho capazes presentemente e so Joo Ferreira Chaves e Antnio
da Costa Leito que ainda que ambos sejam parentes na conjuno presente no h outros que possam servir interinamente.
Tenho exposto, Senhor Excelentssimo, o que julgo necessrio e protesto na Respeitvel Presena de Vossa Excelncia no ter outra
cousa que me mova mais do que as obrigaes do meu Ofcio e um natural desejo da Utilidade pblica.Vossa Excelncia me perdoe qualquer
excesso ou omisso pois nenhum destes nascem da vontade, mas sim da
fraqueza do meu talento.
Deus guarde a muito alta e Ilustre Pessoa de Vossa Excelncia
como todas estas Capitanias o necessitam. Vila do Aquiraz vinte e sete de
setembro de mil setecentos e noventa e seis. De Vossa Excelncia Ilustrssimo e Excelentssimo Senhor Dom Toms Jos de Melo. Sdito muito
obediente Venerador e Criado humilde Jos Vitorino da Silveira.
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chumbo grosso e uma bala junto do ouvido da mesma parte que lhe
veio a sair pela nuca, e uma cutilada que mostrou ser de catana pelas
costas acima das cadeiras um palmo com o comprimento de oito polegadas com couro e carne cortada, porm pouco penetrante, de cujas feridas faleceram logo, repentinamente e sem os sacramentos; e no corpo
de Antnio da Silva Bezerra vimos as feridas seguintes: dez caroos de
chumbo grosso na testa com couro e carne cortada resvalando para o
meio da cabea, carregando um tanto para a parte esquerda e um caroo
no nariz que tambm entrou entre o couro e a carne, seis caroos mais
no brao direito a saber cinco no pulso do brao e um no bucho do
mesmo brao e brao esquerdo tambm, vimos seis caroos a saber trs
atravessaram o pulso do brao de banda a banda e um que abotoou ficando entre o couro e a carne outro na munheca da mo do mesmo
brao porm no profundou e outro em cima das costas da mo que
no fez mais que cortar o couro que mostrou serem as feridas feitas
com trs tiros de espingarda ou pistolas, e no corpo de Manuel Carlos
vimos um tiro de espingarda na coxa da parte direita a saber na coxa da
dita perna um buraco de bala ou planqueta da grossura de um dedo
mindinho e cinco caroos de chumbo grossos na virilha da mesma perna e nada atravessou, e na casa onde residia o dito Juiz vimos quatro
portas escaladas de machado a saber a da rua com um rombo da parte
das dobradias com a largura de um grande palmo e com o comprimento de dois, a da parte inferior do quintal toda escalada ao cho e a de um
corredor da dita casa com uma lasca tirada de baixo a cima da parte da
fechadura e a de uma camarinha com uma lasca tirada da largura de quatro dedos pouco mais ou menos o que tudo portamos por f debaixo do
juramento dos nossos ofcios e a este auto mandou proceder o dito Juiz
Ordinrio sem cirurgio pelo no haver nesta dita Vila e por no acharmos mais feridas algumas nem contuses em os ditos corpos houve o
mesmo Juiz Ordinrio por feito o dito exame e o corpo de delito em o
qual assinou com os ditos oficiais neste mesmo auto declarados; e eu
Antnio Carlos da Cunha escrivo que escrevi o assinei. Bernardo Francisco de Oliveira, Antnio Carlos da Cunha, Jos Pais Barreto e no se
continha mais outra alguma cousa em o dito corpo de delito que o contedo aqui escrito e declarado bem e fielmente traslado do prprio corpo de delito que se acha na Devassa das mortes feitas ao Capito Ant-
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por que fez fora de vela e lhe escapou, dando notcia de lhe haverem
atirado dois tiros de mosquetaria para a obrigarem a ir fala, e que mais
ao norte se tinham avistado duas embarcaes, e aquela foi no bordo do
mar muito devagar at capa, segundo observaram os jangadeiros, que
se recolheram mais tarde da sua pescaria, os quais disseram que parecia
estar fundeada.
No dia 3 lanou o mesmo pirata em terra, daqui duas lguas, a jangada e jangadeiros, que trazia a seu bordo, e tinha apresado
na altura do Cascavel, 14 lguas ao Sul desta fortaleza, dos quais indagou se o porto de Mucuripe tinha bom fundo, se a fortaleza tinha muita gente e artilharia na sua guarnio e lhes deu carne, e uma camisa a
um dos jangadeiros, que declararam haver-lhe respondido que no sabiam do fundo de Mucuripe, por no terem jamais pescado nestas paragens, mas que sabiam que a fortaleza tinha bastante artilharia, e gente; e mais declararam que aquela embarcao era de 14 peas, e que
trazia muita gente, e que entre esta vinha um portugus, que dissera
que andava com os franceses, por que lhe convinha mais; e que na tarde antecedente tinham estado limpando as armas, mostrando muita
alegria, e fazendo mofa quando viram atirar a fortaleza, deitar bandeira
depois do referido, fazendo bordo a terra obrigou a sumaca Santa Teresa,
de que dono Antnio Marques da Costa, e vinha do Camocim carregada de efeitos, a encalhar nas praias do Caupe a 8 lguas ao Norte desta fortaleza, perseguindo-a com tiros de artilharia e mosquetaria, e a
gente da equipagem, ainda depois de estarem em terra todos, exceo de um negro, que morreu afogado ao saltar para terra, por no saber nadar.
Logo que aqui me constou este acontecimento por parte que
me deu um oficial miliciano daquele distrito, expedi um Oficial de
Infantaria com doze soldados, e cinqenta e tantos ndios, um Capito e
vrios soldados milicianos todos armados, e aqueles municiados com
plvora e bala, os quais chegando quelas praias, j a no encontraram
seno o barco encalhado, porque os franceses, no se podendo aproveitar de cousa alguma dele, em razo de no poderem chegar-lhe sem o
perigo de se perderem, foram seguindo o seu curso para o Norte, e o
socorro mencionado se serviu de salvar toda a carga, que com trabalho
grande em dois dias puseram em terra, e deram princpio a uma barraca
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faa conhecer com artilharia do reduto a impossibilidade de o conseguirem, j que at agora no tm eles encontrado nesta costa oposio aos
seus roubos de sumacas, e por isso novamente represento a V. Ex a dita
falta, que no das que podem suprir-se com setas, dardos e paus tostados, como tambm a de um culo para o uso da fortaleza que eu infrutuosamente requeri, quando cheguei a esta Capitania, julgando, como
ainda julgo, que indispensvel em uma fortaleza um culo, e que essa
despesa no das que defraudam a Real Fazenda.
Deus Guarde a V. Ex muitos anos. Vila da Fortaleza de N.
S. da Assuno do Cear Grande em 7 de janeiro de 1799. Ilm Ex Senhor D. Toms Jos de Melo Governador e Capito-General de Pernambuco, Paraba, e mais Capitanias anexas.
P.S.
As cartas que V. Ex dirigiu para o Comandante da Paraba e
para o Exm General do Par seguiram os seus destinos e quando voltarem os correios enviarei o recibo na forma que V. Ex ordenou. Lus da
Mota Fo e Torres.
Com Fo e Torres serviram na qualidade de ouvidores M. de
M. Pinto e Avelar de Barbedo e Jos Vitorino da Silveira que foi nomeado
a 24 de novembro de 1792 e tomou posse a 16 de novembro do ano seguinte; ainda no tempo dele foi despachado um terceiro, Manuel Leocdio Rademaker3 cuja posse, contudo, posterior sua retirada.
Leocdio Rademaker foi depois servir na Paraba, um pouco a
contragosto, sabe-se, e prova-o o seguinte ofcio:
Ilmo e Ex Sr. Tanto que recebi a Carta Rgia que Sua Alteza Real foi servido dirigir-me em data de 4 de novembro do ano passado em que me mandava intimasse no seu Real nome que sem perda de
tempo passasse a exercer as funes de Ouvidor na Capitania da Paraba
o atual Ouvidor desta do Cear, assim o executei, e porque o dito magistrado se achava em Correio distante desta capital quarenta lguas
lhe dirigi uma portaria em que o fiz ciente da mesma Real Ordem nos
positivos tempos concebidos nela, do que dando-se por entendido o
dito ministro me participou de assim o passar a praticar, partindo efeti3
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Acordaram mais e mandaram passar Edital para que em ao de graas os habitantes desta Vila logo que chegar a ela o Ilustrssimo Governador que vem governar esta Capitania deitem nas trs noites sucessivas luminrias e faam outros
quaisquer festejos que forem decentes exceo de mscaras. (Extrato da ata da
vereao de 26 de agosto de 1799.)
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no governo que substituiu a Fo e Torres estando na Capitania o comandante da fortaleza de N. S. dAssuno, Capito Antnio Borges da
Fonseca, seu superior hierrquico?
fcil explicar o fato conhecido o estado valetudinrio do
Capito Antnio Borges, infelizmente afetado de um mal incurvel, a
epilepsia, explica-se o fato tambm pela desarmonia suscitada entre a
Cmara de Fortaleza e Fo e Torres nos ltimos dias de sua administrao e pela parte que o Comandante tomou contra a Cmara, o que
lhe valeu suas iras a ponto de ver-se ameaado de um srio processo,
que no foi levado a efeito por haver governador recusado licena para
a iniciao dele.
Mas a proteo no lhe aproveitou para a vaga no governo
porquanto tendo a Cmara reclamado a 18 de maio contra a entrada
dele no triunvirato, julgaram os governadores interinos de Pernambuco
mais conveniente como medida de ordem a incluso do sargento-mor.
Essa e outras indisposies, que surgiram a Fo e Torres no
fim de seu governo e a que no foram estranhos os camaristas de Fortaleza, deram causa a manifestaes de desagrado por parte de alguns habitantes no dia do seu embarque, manifestaes a que Bernardo de Vasconcelos alude em carta de 1 de janeiro de 1800.
Lus da Mota Fo e Torres foi o ltimo Capito-Mor e Governador do Cear com dependncia de Pernambuco. Foi tambm o
ltimo tesoureiro-mor da casa de Ceuta, ofcio doado em 1641 ao
porteiro da Cmara da Rainha D. Lusa, Lus da Mota Fo, seu 3
av.
Um filho de Fo e Torres, do seu mesmo nome, foi por decreto de 2 de janeiro de 1802 despachado Governador da Paraba. A semelhana de nomes levou-me (Rev. do Inst. do Cear, 1890, pg. 38) e ao
Major J. Brgido (Res. Cron., pg. 120) a darmos ao pai o despacho concedido ao filho.
Fo e Torres retirou-se para Lisboa no navio Polifemo, que
naufragou na altura dos Aores, conseguindo ele, Flixmente, e a famlia
ser salvos pelo navio Trajano, fortuna, que no tiveram dezoito pessoas
das que iam a bordo.
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A passagem de Fo e Torres pelo governo do Cear habituaram-se os cronistas5 a descrever como estril e prejudicial, mas penso
que h injustia nessas apreciaes. Uma administrao movimentada,
cheia de acontecimentos graves e imprevistos, assinalando-se pela quadra climatrica mais triste de que d notcia a tradio, seca, epidemias,
inundao etc. demandava, verdade, um esprito preparado, exigia disposies enrgicas, vistas largas e adiantadas, qualidades que no abundavam em Fo e Torres, mas seus atos, quando a braos com tais crises,
no constituem, sejamos justos, prova de pobreza de carter, nulidade
intelectual, mesquinhos sentimentos.
Pelo menos, da correspondncia oficial daqueles tempos
diverso se me formou o conceito. Se ele no fez-se clebre por medidas
ou reformas de alto alcance poltico ou social, administrou, como outros,
procurando realizar alguma cousa em favor da colnia e esforando-se
por corresponder s instrues dos que enviaram-no a ela. Disso a cometer tais erros, que o faam perdido sem remisso no tribunal da opinio, vai grande diferena.
Sei bem que a plebe enxovalhou-o com canes ridculas e
eptetos obscenos, mas na histria dos pases j afeitos aos progressos e
grandezas do esprito moderno, e portanto mestres do nosso ainda hoje
na infncia da civilizao, tenho bebido tanta lio sobre a ingratido,
sobre o desvairamento das paixes e a cegueira das massas populares
que no o elogio, os hinos laudatrios nem o aguilho da stira nem a
coluna de Pasquino que do-me a medida dos bons servios ou altos
5
Joo Brgido pinta-o como homem de grande avareza e de esprito tacanho (Res.
Cron., pg. 120) e Araripe diz pg. 107 de sua Histria do Cear: Foi este capito-mor de carter fraco e sumamente tbio no governo. Os seus atos serviram de
motivo de constante ludibrio. Atento em poupar os seus ordenados para levar algum dinheiro em sua retirada para a Metrpole, no lembrava-se que governar
cuidar bem dos governados. A Capitania nada lhe deveu porque ao interesse pblico foi sempre indiferente e posto que no houvessem naquele tempo espritos
ilustrados na Capitania, que fizessem sria advertncia incria e inpcia do capito-mor, todavia vingava-se o povo com stiras e motejos, muitas vezes de verdadeira originalidade. Quando chegou o seu sucessor tal era ainda a fresca lembrana desses motejos, que este, escandalizado com a idia de poder acontecer-lhe o
mesmo assim exprimia-se em uma sua correspondncia oficial:
Quando saiu o Governador Lus da Mota foi a sua sada celebrada e precedida
de umas bandeiras pretas cercadas de hierglifos que a furiosa raiva da maledicncia produziu.
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Captulo X
CEAR INDEPENDENTE DE PERNAMBUCO. BERNARDO MANUEL DE VASCONCELOS. ESTABELECIMENTO DA JUNTA DA
FAZENDA. DOCUMENTOS IMPORTANTES. CONCLUSO.
o do Cear da imediata subordinao a Pernambuco, resolveu a Metrpole dar-lhe por primeiro governador Bernardo Manuel de Vasconcelos, a quem incumbiu de promover aquelas medidas, que fossem necessrias ao estabelecimento e consolidao da nova Capitania.
Eram assim atendidas propostas h muito formuladas e de
que se haviam feito advogados, entre outros, Borges da Fonseca e Montaury.
A Carta Rgia que veio realizar as aspiraes dos espritos adiantados do Cear abrindo mais largos horizontes a este recanto do pas, to
explorados por Pernambuco, tem a data de 17 de janeiro de 1799 e
concebida assim:
Reverendo Bispo de Pernambuco, do meu Conselho e mais
Governadores Interinos da Capitania de Pernambuco: Eu a Rainha vos
envio muito saudar. Sendo-nos presente os inconvenientes que se seguem tanto ao meu Real servio como ao bem dos povos da inteira dependncia e subordinao em que os Governadores das Capitanias, do
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Por sua vez cpias da Carta Rgia foram remetidas por Bernardo de Vasconcelos s diversas Cmaras da Capitania com o seguinte
ofcio:
Sua Majestade pela Carta Rgia de dezessete de janeiro do
corrente ano da cpia junta assinada pelo secretrio deste governo foi
servida de isentar o governo desta capitania da subordinao imediata
do governo geral de Pernambuco e conceder aos seus governadores as
prerrogativas, que constam da mesma carta, o que lhes participo para
que fiquem nesta inteligncia e pela sua parte cumpram quanto pelo sobredito diploma se ordena fazendo registrar a presente, no Livro dessa
Cmara e remetendo a certido de assim o haverem cumprido Secretaria deste governo. Deus guarde a V. Mercs. Vila da Fortaleza do Cear Grande aos vinte e um de outubro de mil e setecentos e noventa e
nove. Bernardo de Vasconcelos.
A independncia do Cear do governo de Pernambuco deu
lugar a que em 10 de fevereiro de 1800, os Camaristas da Vila Nova da
Princesa no serto do Au, Capitania do Rio Grande do Norte, pedissem tambm sua desanexao de Pernambuco, e manifestassem o descontentamento e o pesar, que lavravam ali com a notcia que os Governadores das Capitanias do Cear e Paraba porfia intentavam requerer
que a elas fosse agregada ou sujeita a do Rio Grande, inconveniente e intempestiva pretenso por todos os princpios, por mais lindas, por mais aparentes que sejam as cores com que pretextarem os frvolos fundamentais da sua graciosa splica.
A libertao do Cear das peias administrativas que foi acolhida por tantos anos, trouxeram-no o manietado, foi acolhida festivamente pela populao, cujos sentimentos procurou a Cmara de Fortaleza
interpretar manifestando-se ao Prncipe Regente pela seguinte forma:
Senhor: A vossa Alteza Real vai agradecer e beijar a Augusta
Mo da Cmara da Vila da Fortaleza, Capital e Residncia dos Governadores, e da Junta da Fazenda Real da Capitania do Cear Grande, pela
merc feita ao Povo da dita Capitania com a providentssima Carta Rgia
de 17 de janeiro do ano prximo passado de mil setecentos noventa e
nove pela qual ficou isenta esta Provncia do Governo imediato de Pernambuco com que pela grande distncia e outras razes mais era impossvel prosperar e enriquecer esta Capitania fazendo-se til a capital.
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junto o Juiz Presidente, o Capito Jos Incio de Oliveira e Melo, Vereadores e Procurador do Senado da Cmara comigo Escrivo da mesma
ao diante nomeado, o sendo a pelo Vereador Joo Manoel Casimiro foi
dito e requerido ao dito Juiz e mais oficiais que visto se haver feito pblico por esta dita Vila que ele e alguns dos mesmos oficiais no queriam assinar em uma carta, cujo modelo dera o Capito-Mor Antnio de
Castro Vianna a ele dito Juiz Presidente, para que este Senado se servisse dele, para agradecer a Sua Alteza Real e Nosso Senhor a separao
que fora servido fazer desta Capitania da subordinao do Governo de
Pernambuco, e de haver um comrcio em direitura para o Reino, pelo
seu alvar de 17 de janeiro de 1799; quando em tal matria se no havia
ainda at hoje acordado neste Senado: Pelo que ficava manifesto que
para o porem de m-f com os Superiores desta Capitania lhe haviam
argido que ele no quisera assinar dita carta quando ele dela no tinha
cincia a mais leve e nem tambm a tinham os mais oficiais exceo
do dito Juiz Presidente por ser bem verdade que na vereao de hoje foi
que se acordara unanimemente de se escrever dita Carta a Sua Alteza
Real para o dito fim exposto: e porque a dita cpia fora dada ao dito
Juiz Presidente sem este pedi-la, e se havia publicado antes que eles vereadores a vissem se no queriam servir dela. E logo o dito Juiz Presidente declarou que por ele ter achado a dita cpia muito conforme a
mandara por mim escrivo pr em limpo para que na primeira vereao
que houvesse se apresentasse aos mais oficiais deste Senado para acordarem em assin-la e remet-la. E de tudo para constar mandaram fazer
este termo em que assinaram e que se desse ao dito Vereador as cpias
que pedisse. Eu escrevi Oliveira e Melo. Casimiro. Couto. Pontes.
Martins.
Embarcando-se no comboy de que era comandante o chefe de
esquadra Paulo Jos da Silva Gama, o Governador Bernardo de Vasconcelos deixou Lisboa a 23 de maio e depois de uma viagem de quase trs
meses chegou ao porto de Pernambuco.
Naquele tempo, como atualmente, talvez menos pois at nisso a imaginao supre hoje as lacunas da observao e do estudo, ningum que se presasse aventurar-se-ia a uma excurso, e mxime se a excurso fazia-se para pases longnquos ou regies desconhecidas, sem arquivar as ocorrncias havidas a bordo ou nos diversos portos de escala,
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Outro documento a opor ao Rio Grande do Norte e a ajuntar-se aos que j esto
consignados no captulo VII.
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carga aos navios, deverei fazer lembrar o que era o Par, e Maranho, h
quarenta anos a esta parte, e o que hoje? O que poder vir a ser o Cear, se combinarem terrenos com terrenos, produes com produes,
fertilidade com fertilidade, clima, ou salubridade de ar com salubridade
de ar? No se nega que da Parnaba, extrema com o Cear, navegava em
direitura ao Tejo a sumaca de Domingos Dias; principie a fazer o mesmo o Cear, e no se corte as asas de uma to emplumada guia, que
tanto forceja para remontar-se a esfera, e de perto encarar o Sol.
Outro obstculo descubro, que no facilita o aumento da agricultura e prosperidade do Cear, que no haver naquela Capitania homens hbeis, que guiando pela mo aqueles colonos lhes mostrem a perfeita arte de tirarem das suas lavouras os partidos, de que suscetvel o
terreno, e menos h artfices capazes de construrem as mquinas e instrumentos, que aumentam as foras, e facilitam o trabalho, debilidade esta
que bem consterna, pois no pode esperar a nossa capital maiores socorros das colnias, do interior do Brasil, como so, de Mato Grosso, Cuiab, Rio Negro, contudo para elas tm enviado escolas desde as primeiras
letras at filosofia e grego, matemticos, engenheiros, naturalistas, e artfices e o Cear na Costa Martima da Amrica prometendo mil riquezas
nossa capital no tem at agora um matemtico, um engenheiro, um naturalista, um artfice, um mdico, e nem um hbil cirurgio, sendo a causa
por que vive escondido debaixo do manto de Pernambuco.
A Capitania do Cear remete anualmente ao cofre geral de
Pernambuco, por sobras da sua receita e despesa, o cmputo de 15.000$
rs. pouco mais ou menos: se sua S. Maj. empregar a metade deste resduo,
por alguns anos, no estabelecimento de uma alfndega, e na construo
das cousas mais necessrias ao progresso do comrcio e navegao ver
aumento no seu patrimnio Rgio e que por esta despesa que fizer, pela
alfndega da casa da ndia, cobrar o cntuplo do que despender, pelas
produes do Cear recebendo a Nao mais gneros privativos, para melhor balancear o seu comrcio com as outras naes.
O Par no tem este resduo e absorve alm do subsdio que
lhe envia a capital todas as sobras do Maranho. Que direitos alm no
pagam os seus preciosos gneros ao Tesouro Real e Pblico e quanto
ele no aumenta em abundncia o comrcio, e a navegao deste reino!
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Tenho posto na presena de V. Ex as inteligncias que tenho adquirido da Capitania do Cear, tiradas de informaes verdicas, e
de um mapa exato, para que V. Ex vista delas, fazendo uma perfeita
anlise do seu estado, haja de remediar a desgraa daquela Capitania
com as providncias, de que dependem aqueles povos o comrcio e o
patrimnio Rgio.
V. Ex foi conduzido pelas mos da Providncia ao Alto Ministrio, que ocupa, para ser a ventura dos americanos, e quem lhes faa
todo o seu aumento e felicidade, abrindo-lhe com sublimes e sbias determinaes os riqussimos tesouros, que se escondem nas entranhas do
Brasil, que no podem ser extrados fora de uns povos cheios de indolncia, frouxido e to enfraquecidos para os arrancar do centro em
que eles habitam.
V. Ex, com as vistas to srias e atentas, com que olha para
os interesses do estado, e da nossa soberana, haja de inspirar-me aqueles
ajustados mtodos, mais convenientes em benefcio daquela colnia,
que vou governar, prescrevendo-me as ordens positivas, que estabeleam as vantagens daquela Capitania, e que firmem um importante ramo
do comrcio, tirado da sbia indstria, e fecunda agricultura, para o que
devo ir munido de Ordens Rgias, que permitam-me uma livre e absoluta
deliberao, no s na execuo delas, como em tudo em que sentir ser
conveniente aos interesses da Real Fazenda, do comrcio e daqueles povos porque se no for revestido desta autoridade, sero cortadas todas
as minhas disposies a este respeito pelo influxo da jurisdio do general,
a quem o meu governo subalterno sendo esta antiga paixo, da absoluta
superioridade, nos generais da Amrica e domnios de S. Maj. o que tem
feito no aparecer nos governos subordinados acertados sistemas e felizes
mtodos, que concorressem para as vantagens da monarquia, pois em
tudo sempre lhe obstam e oprimem, com despotismo oriental, que tanto
estraga os lucros da nao, e do prprio prncipe talvez nascido de um
puro amor de s querer luzir oprimindo em tudo a prpria jurisdio
dos governos sditos, pois no entra em questo que a sua superior
jurisdio no pode intermeter por princpio certo no governo econmico e poltico, nem na menor parte do regime da tica militar dos
governos, que lhe so subalternos.
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Guilherme Studart
Ofereo a V. Ex esta demonstrao do estado atual da Capitania do Cear, como um legtimo recurso daqueles povos servindo
tambm de uma parte essencial dos meus primordiais ofcios mostrando
a V. Ex aquela pura tenso de um vassalo fiel da mais Augusta e soberana Senhora que tanto deseja seu nome e poder se dilate, que se prospere
e cresa seu Rgio Tesouro, que muito se aumentem as riquezas do estado e que virtuosamente se empenha em bem cumprir as suas supremas
determinaes, segundo as tenses com que quer a sirva, no governo a
que o destina e V. Ex lhe determina cuidadosamente bem satisfaa.
Bernardo Manuel de Vasconcelos. Esplndida demonstrao!
A misso de Bernardo de Vasconcelos era a de organizador
de inmeros servios novos, cuja execuo fazia necessria a Carta Rgia de 17 de janeiro, mas como a maior parte dessas criaes datam do
presente sculo reservo-me para dar conta delas em outro volume. A
criao da Junta de Fazenda, porm, essa ainda de 1779. A Carta Rgia, que estabeleceu-a, tem a data de 24 de janeiro e mereceu de Bento
Maria Targine o epteto de providentssima. Como foi ela estabelecida
assim comunica o governador em carta de 29 de outubro:
Ilm e Exm Sr. Em observncia da Carta Rgia de 24 de janeiro do corrente ano, no primeiro de outubro prximo passado dei
princpio ao estabelecimento da Junta da Administrao e Arrecadao
da Real Fazenda desta Capitania do Cear: Concorreram posse e abertura dela os homens principais desta Capitania, e Francisco Bento Maria
Targine, Escrivo Deputado enviado pelo Real Errio para este Estabelecimento, recitou uma orao eloqentssima (que julgo a envia a V.
Ex) pela qual mostrou a estes povos as utilidades que lhes seguiam assim da iseno da dependncia imediata do Governo Geral de Pernambuco, como do comrcio direto com a capital e estabelecimento da nova
Junta; e todos se do os parabns da sbia e providente determinao da
Carta Rgia de 17 de janeiro prximo passado.
Passaram por saldo de conta do cofre da provedoria extinta
para o do tesoureiro geral da nova Junta 20.658$190 rs. e 473$995 rs. do
subsdio literrio, com que deu princpio a nova receita e despesa da
Junta.
Em virtude das Ordens Rgias deu princpio pela nova Junta
Inspeo do Algodo segundo a forma de Arrecadao do Novo
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Guilherme Studart
Possuidor de grande cpia de documentos, que so uma revelao para a Histria do Cear, no s pelo seu nmero, que excede a
dois mil, como por sua antiguidade, pois que remontam alguns ao primeiro quarto do sculo XVII, pensei em iniciar a publicao deles.
Mas uma publicao de documentos, por mais interessantes
que fossem, fazendo-se desacompanhada em consideraes, de comentrios, sem ligao, sem concatenao, iria constituir uma leitura enfadonha, convidativa apenas dos especialistas, dos amantes de antiguidades.
Circunscrevia-se, portanto, a um pequeno nmero de pessoas. Resolvi
por isso debuxar em largos traos um certo perodo da crnica do Cear
e ir entremeando trechos de documentos ou os documentos em sua ntegra, e dessa resoluo surgiu este volume, ao qual sucedero outros escritos pelo mesmo modo e obedecendo ao mesmo plano.
No podendo ser o historiador da terra que me foi bero,
contento-me com o prazer de fornecer o material, os elementos para
quem quiser tomar a si essa nobilssima tarefa. No sou ambicioso seno de glrias para o Cear, e tenho certeza de que estudado o seu passado luz da verdade e no cadinho da crtica conscienciosa ele fornecer as mais puras e mais abundantes tintas para quadros admirveis de
originalidade e notveis pela magnitude.