A Adoração e A Proclamação - Isaltino Gomes Coelho Filho
A Adoração e A Proclamação - Isaltino Gomes Coelho Filho
A Adoração e A Proclamação - Isaltino Gomes Coelho Filho
algo que eu no tinha e de que precisava, por isso voltei nos domingos seguintes e volto at o dia de hoje, mais de
trinta anos depois. Mas a msica, com sua facilidade de comunicar uma mensagem, de repetir refres, ficou na minha
mente. O que me alcanou primeiro foi a mensagem correta dos hinos que ouvi. Depois, a mensagem correta da
Palavra, que o Pr. Falco Sobrinho sempre pregou, que me alcanou. Alis, at hoje, meu contedo teolgico
pietista, o que herdei dele.
O que estou dizendo da extrema necessidade de teologia correta em nossos cnticos e de comunicao eficiente
nas nossas letras. A Igreja no deve apenas pregar uma mensagem ortodoxa, mas deve cantar tambm hinos
ortodoxos. Num culto de proclamao, os hinos no so para amolecer os coraes ou para criar um clima emotivo. Os
hinos devem comunicar uma mensagem. Creio que todos j tivemos a experincia de uma audio ou cantata
apresentada por um coro ou um culto musical, e depois, quando feito o apelo, sucederam vrias decises. A msica
no um apndice ou um componente da proclamao. Ela tambm proclama e isso deve ser levado em conta, no
tocante ao contedo e escolha dos hinos. A Igreja no apenas prega para o mundo, ela tambm canta para o mundo.
E, por vezes, o mundo ouve mais o que a Igreja canta do que o ela prega.
Acho que isso nos abre um leque para algumas consideraes.
3. O Conceito de Proclamao
J deixei antecipado alguma coisa sobre a proclamao no tpico anterior. Nem sempre se separam bem os
argumentos. Vou comear aqui com uma histria triste, que deveria ser engraada. Ou engraada, que deveria ser
triste. A tica vai ser sua. Dizia-me um seminarista, filho de pastor, que na igreja do seu pai, a linha dos sermes era
bem definida. De manh, sermo era doutrinrio. O pastor falava mal dos pentecostais. noite, sermo era
evangelstico. O pastor falava mal dos catlicos. Tirando o exagero da histria, fica a pergunta: existe esta linha to
bem definida, de que o culto evangelstico para os no crentes? Quando se pensa assim, a proclamao passa a ser
uma recitao de frases feitas, tipo "Deus te ama", "Jesus salva", "Vem agora porque um nibus pode te atropelar na
sada do culto e amanh ser muito tarde", etc. Um contedo banal e irrelevante, no sentido de acrscimo vida dos
crentes.
Volto ao Programa de Educao Religiosa. Ele como a Constituio: tem valor, mas poucos o conhecem. Diz ele
sobre o anncio das boas-novas (que estou chamando de proclamao): Anunciar o evangelho significa comunicar
tudo o que Deus fez atravs de Jesus Cristo para a salvao do ser humano. colocar as pessoas frente a frente com
as boas-novas da redeno outorgada por Deus por meio de Cristo. a evangelizao. E, na seqncia imediata, para
o que chamo a sua ateno, o seguinte: No somente anunciar as boas-novas aos incrdulos, mas tambm ajudar
os crentes a dissiparem suas dvidas, at que todos cheguem " unidade da f e do pleno conhecimento do Filho de
Deus, ao estado de homem feito, medida da estatura da plenitude de Cristo" (Efsios 4.13).
A proclamao no recitao de chaves, mas o ensino da teologia da salvao, o que os telogos,
pomposamente chamam de soteriologia. Um culto de proclamao no apenas coloca os no crentes diante da graa
de Deus oferecida em Cristo, mas firma no crente suas convices sobre sua deciso, ajuda a aumentar seu
conhecimento sobre a obra de Cristo, d mais elementos para sua capacitao no testemunho.
Vejamos o papel da msica aqui. evidente que, para pessoas sem conhecimento do evangelho, sem elementos
evanglicos em sua mente, a letra dever ser simples (o que no significa ser banal ou fraca) e comunicar alguma
coisa. Sem apedrejar ningum: fui pregar num culto jovem, com propsito de evangelizar jovens. Cantamos apenas
corinhos. Mas o ritmo se sobrepunha letra. Era to agitado e to instrumental (no sentido de que os instrumentos
apareciam mais que a mensagem) que nada comunicava. No se ouvia a letra, mas apenas os instrumentos. E a letra
se perdia num ritmo muito rpido, no podendo ser assimilada. Quando chegou a hora da pregao, defrontei-me com
um auditrio cansado, agitado, mas sem nenhum elemento evanglico assimilado. Os jovens estavam muito bem
intencionados, mas mal orientados. A msica evanglica, naquela noite, no pregou, e serviu para cansar. Pareceu-me,
at, que atrapalhou. A reflexo que o sermo poderia trazer se perdeu porque o auditrio estava excitado e sem
condies de pensar.
A proclamao deve ser compreensvel. No apenas o sermo, mas os hinos. Deve haver compatibilidade entre letra
e msica. Se o ritmo no favorece a mensagem comunicada pela letra, haver prejuzo. Deve haver, tambm,
compatibilidade entre ritmo e propsito. Quando estudei Publicidade, um dos pontos que me foram mostrados foi o uso
da msica para vender. Observem que em supermercado a msica no lenta, para favorecer a reflexo. agitada
exatamente para que as pessoas no pensem e ajam sob a influncia de cores, formas, luzes e exposio de objetos.
para induzir compra. H uma msica para supermercado. H uma msica para um restaurante de luxo, com jantar
luz de velas, onde o desejo que o casal tome um champanhe, que mais caro que uma cerveja. O ritmo funk num
restaurante de luxo, freqentado por pessoas abonadas, frustrar o propsito do restaurante. No se consumir.
No estamos querendo manipular pessoas, mas querendo mostrar que h um poder na msica que as pessoas nem
sempre relevam. Para mim aqui reside o grande problema. Seja por presso, seja para manter os jovens aquietados,
boa parte dos pastores est deixando a msica na Igreja nas mos de moos bem intencionados, mas
desconhecedores do poder da msica, dos estilos e a sua relao com os tipos de mensagens, de teologia (quanta
barbaridade se canta por a) e de portugus (Cames teria um ataque apopltico se entrasse em algumas de nossas
igrejas).
A msica proclama atravs de uma teologia correta, de uma adequao entre mensagem e veculo, ou seja, entre
contedo e forma. Nestes pontos ela precisa ser muito bem ajustada.
Fugi um pouco da linha de pensamento. Voltemos a ela: a msica comunica no apenas aos incrdulos, mas aos
crentes. Para isso precisamos de hinos consistentes, que tragam uma mensagem com contedo. No sou msico, mas
sou pregador e dirijo cultos. Neste sentido, em minha tica, quero dar como exemplo do que estou dizendo o hino 447,
do HCC, "Mas Eu Sei em Quem Tenho Crido". A letra um testemunho admirvel, consistente, de teologia correta, de
vida crist piedosa e casada com uma msica adequada. um hino que comunica ao no crente, e da mesma forma,
um alento extraordinrio para o membro de Igreja. Da mesma forma, o hino 262. Observem nele uma teologia correta
extremamente contextualizada, porque trata da angstia do homem moderno, de solido, de medo do futuro. Vejam
que a msica muito bem encaixada porque induz reflexo. Imaginem, agora, uma letra desta, reflexiva, induzindo
auto-anlise, acoplada um ritmo agitado. Observe tambm que, alm de evangelstico, de proclamar, o hino
confortador. Sua mensagem trata de realidades que ns, membros de Igreja, tambm enfrentamos.
Uma sntese deste ponto: proclamao no chavo. Alcana tambm o convertido. E o casamento letra e msica e
indispensvel para alcanar o propsito de comunicar.
4. Uma Questo Necessria: A Forma.
Ao encerrar o primeiro ponto disse eu que aquilo nos abria um leque. Um dos grandes problemas hoje a forma. Em
alguns momentos, ela sobreposta ao contedo. O ritmo fala mais alto que a letra. Qual a forma correta?
Voltemos ao que citei na ocasio: A msica no um apndice ou um componente da proclamao. Ela tambm
proclama e isso deve ser levado em conta, no tocante ao contedo e escolha dos hinos. A Igreja no apenas prega
para o mundo, ela tambm canta para o mundo. preciso distinguir bem entre o que nos comunica e o que comunica
ao mundo. Creio que acontece com os msicos batistas o mesmo que acontece com os pregadores sados de
seminrios. Samos com uma fraseologia, com um tecnicismo que pode ser bom ou desastroso, com uma determinada
viso at mesmo elitista.
"O processo soteriolgico tem sua gnese concretizatria no drama do Calvrio" significa isso: o plano de salvao
culminou na cruz. Vou mexer em vespeiros, mas vamos l. Conto com sua misericrdia. Para nosso povo, o que
significa boa parte da msica sacra clssica? Podem at achar interessante, mas quanto comunicar? Contava um
professor de Homiltica de um pregador enfiado num terno preto, com colete e tudo, Bblia na mo, pregando numa
favela do Rio: " vs que passais e me ouvis a prdica". E dizia o professor: "Vs, coisa nenhuma. Meia dzia de
gatos pingados, de sandlia de dedo, bermuda e sem camisa. tu, voc, cara". Descontado o aspecto cmico, h
verdade a.
Passei por algo semelhante quando pastoreava no interior de S. Paulo. Num culto em Ja, na Fazenda Barro
Vermelho, dos Almeida Prado, no pude pregar. Inflamao das amgdalas. Minha esposa contou histria para os
ouvintes, com flanelgrafo e figuras. Acabado o culto, disse-me um dos bia-frias: "Pastor, num prega mais pra ns,
no. Quando o senhor fala ns num entende nada. Quando sua mui fala, ns entende tudo. Deixa ela pregar". Era o
meu tecniqus teolgico o grande obstculo. E eu pensava que estava abafando.
O que o mundo a quem estamos proclamando, canta? Conheo igrejas indgenas. No sei quanto o "Dai Louvor", de
Mendelsohn, significar para elas. Talvez pouco. Mas sei que msicas no seu alcance cultural significar muito. E se
algum pensa que isso significa tambores, tants, barulho infernal, danas, est equivocado. O ritmo, das igrejas que
conheo, at lento. Mas comunica-lhes porque na sua cultura. A mim, enfada. A eles, fala muito.
No vou ensinar missa ao vigrio, mas os irmos sabem muito bem que boa parcela de nossas msicas sacras foi
importada de outra cultura e aqui sacralizada por seu casamento com uma letra evanglica. Para ns, acostumados
com o cenrio evanglico, h muita comunicao. Para outros, no. Um padre, que se convertera ao evangelho em
Braslia, conversando comigo uma vez disse: " impressionante como os hinos evanglicos refletem a cultura musical
americana. Se fechar os olhos e ignorar a letra, posso pensar que estou no Meio-Oeste norte-americano". Se h uma
coisa pela qual me bato pela teologia tupiniquim, pela eclesiologia tupiniquim, pela msica tupiniquim. Dir algum
que a teologia, por ser bblica, uma s, universal. A declarao no reflete a realidade e no penetra na profundidade
das coisas. Temos livros sobre aconselhamento pastoral, sobre tica e sobre eclesiologia que mostram um enorme
desconhecimento do que seja nossa realidade. Nossa prpria formao teolgica, nossa estrutura de seminrios, de
pases ricos e no de pas pobre. Sou favor de uma ampla tupiniquinizao batista, sem xenofobia, mas
tupiniquinizao, sim.
Devemos proclamar em nossa cultura, em nosso contexto, em nossa linguagem, em nossa musicalidade, tendo
discernimento espiritual (temos o Esprito Santo) sobre o que fazer e o que no fazer.
guisa de concluso
Cada vez que relia esta palestra, mais a sentia incompleta. Fiquei um pouco aflito porque notava que falta algo para
dizer. Mas consegui me entender (tarefa um pouco difcil). Receei-me de dizer aquilo que os irmos j sabem e sabem
melhor do que eu, na sua rea. E estou falando de matria atinente sua rea. Precisava apenas acrescentar minha
tica, a tica pastoral. Depois de reler mais de uma vez, achei que tinha dito o que deveria ter dito. A questo, a partir
daqui, ajuntar a sua bagagem cultural na rea de msica com minhas reflexes pastorais. Somando as duas partes,
pensar um pouco e verificar como a msica pode ser mais bem empregada na proclamao. A creio que chegaremos
a algum ponto.