Uso Do Cordel Enquanto Meio de Comunicação
Uso Do Cordel Enquanto Meio de Comunicação
Uso Do Cordel Enquanto Meio de Comunicação
Entretanto, devemos estar atentos ao que diz respeito s prticas de leituras, pois, como apresenta
dor. Nossa proposta visa entender como os autores apresentam as notcias acerca da
Primeira Guerra Mundial e da segunda revoluo tenentista de 1924, buscando as
articulaes entre essas notcias e o cotidiano dos autores. Como narram? Posicionam-se
em relao aos conflitos? possvel perceber, a partir do cordel, de onde os autores
retiram as informaes sobre tais acontecimentos? Tomando por base essas indagaes
e outras que venham a surgir, comecemos a anlise.
1.1-
Joo Melquades Ferreira da Silva foi cantador e poeta de bancada, segundo Francisco das Chagas
Batista, seu amigo e principal editor. considerado um dos grandes poetas da primeira gerao da
literatura de cordel.
da Amrica, Reino da Servia, Japo, Brasil e outros. O segundo era constitudo por uma
aliana entre Alemanha, ustria-Hungria, Bulgria, Imprio Otomano e outros.
Segundo Melchiades, os Imprios Centrais teriam vencido a guerra por quatro
anos e que a perderam em quatro meses. J na terceira estrofe, o autor expe seu
posicionamento perante o assunto:
O imperador da Allemanha,
O maior monstro da guerra,
Pretendia captivar
Todas potencias da terra,
Queria ser como um Deus,
O criminoso quem erra. (p. 1, grifo meu)
A partir das estrofes acima, podemos perceber que o autor articula os eventos da
guerra e universo apocalptico bblico, com objetivo de aproximar, em narrativa, esses
dois momentos e mostrar como possvel uma vitria contra os alemes - estes
descritos como representantes da besta.
Para Joo Melchiades, como resposta a ambio humana, que em alguns
momentos queria sobrepujar o lugar de Divino, Deus mandou a gripe espanhola, que era
o general mais poderoso, pois vencia exrcitos sem usar uma munio. A influenza
espanhola atribuda a Peste citada no livro bblico do Apocalipse e tinha como funo
mostrar aos homens o seu real lugar no mundo.
O cordelista transmite informaes sobre o evento de repercusso mundial de
forma simples, de modo que qualquer um poderia entender o que estava acontecendo na
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O Brasil entrou na guerra em 1917, quando um navio comercial brasileiro foi, supostamente, afundado
por um submarino alemo. Sabe-se que o Brasil desempenhava um papel considervel na venda de
produtos para os pases beligerantes, fato esse apresentado pelo documentrio 1930 Tempo de
revoluo, que evidencia o crescimento da exportao brasileira no perodo do conflito.
Francisco das Chagas Batista foi um cordelista, editor e escritor da primeira gerao da Literatura de
cordel. Em 1913 fundou a Livraria Popular Editora, editando pardias, modinhas, novelas, contos,
poesia, e se firmou como um dos intelectuais da poca. Em 1929 publica o livro Cantadores e poetas
populares, imprescindvel para a pesquisa em literatura popular em verso por conter as mais antigas e
confiveis informaes sobre esta forma potica. Ele foi dos primeiros editores de cordel e imprimiu
produes de muitos poetas populares da poca, exceto de Joo Martins de Atade.
solo mui povoado:/ Tem cinco milhes de habitantes/ E tem poucos ignorantes/ Pois
tudo alli illustrado (p.4). O autor fala sobre as fazendas de caf e a importncia do
Porto de Santos, o maior porto da Amrica do Sul, segundo ele, que rendia oitenta
contos de reis em sua alfandega anual.
Esse mesmo cordel foi analisado pelo pesquisador Mark Curran que
sensivelmente percebeu que O episdio narrado com poucos comentrios do autor e
poucas imagens poticas, mas com um fundo de indignao moral e condenao da
rebeldia (CURRAN, 1998). Essa indignao moral evidenciada em quase todos os
versos do folheto.
Segundo Chagas Batista, estado de So Paulo teria se rebelado contra a nao
por conta das ambies de um rico proprietrio de terra:
O coronel Joo Francisco
Um caudilho potentado
Que residia em So Paulo
Homem de instincto malvado;
Dizem que os seus possudos
Eram todos mal havidos
Porque tudo foi roubado.
Os generais Dias Lopes
E Odilio Bacellar,
Queriam com esse caudilho
Todo o Brasil Governar;
Em manifesto diziam
Que em nosso paiz queriam
Dictadura Militar. (p.6)
Para melhores esclarecimentos, sugiro a leitura do captulo 1 do livro Histria da vida privada no Brasil
3.
Consideraes finais
Ambos os folhetos polarizam os relatos propostos, onde os discursos dos autores
so sempre explcitos, deixando visveis seus posicionamentos sobre as notcias
abordadas. Associando os viles9 sob o ponto de vista dos autores, a destruidores de
igrejas e profanadores de rituais sagrados da Igreja Catlica. Para uma sociedade de
maioria catlica e ligada a valores tradicionais, tais relatos podem desempenhar uma
repugnncia extremamente grande na maior parte dos leitores e/ou ouvintes.
Ambos os cordis apresentam dados exagerados e minuciosos sobre os temas
abordados, tendo em vista o conhecimento histrico at ento. O Exagero a arte
utilizada pelos cordelistas para provocarem a atrao10 e a concordncia de leitores
sobre os relatos produzidos. A minuciosidade dos dados pode ser entendida, segundo
hiptese, como fruto do contato direto dos cordelistas com as fontes oficiais de
informao do perodo, nesse caso, o jornal. De que outra maneira os cordelistas
elencariam dados to precisos sobre eventos que aconteciam no outro lado do pas ou do
mundo em um curto espao de tempo? Isso fica mais explicito no cordel do Joo
Melchiades, onde ele pblica em 1918 um cordel relatando sobre a Primeira Guerra
Mundial, dou destaque para vrios nomes de generais e de batalhas citadas pelo autor,
assim como a percepo de que os pases do Eixo Central estavam caminhando para a
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bastante comum encontramos nos folhetos uma diviso dos personagens entre viles e heris.
Atravs de curiosidade, repugnncia, susto, entre outras emoes pertencentes subjetividade humana.
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sua derrota. Devido s limitaes dos meios de comunicao do comeo do sculo XX,
podemos supor que o jornal, o nico meio oficial identificvel como possvel fonte para
os poetas.
No inicio do sculo, os jornais se apresentavam como o principal veiculo de
comunicao oficial, entretanto, ele no abrange a totalidade da populao de
determinada regio, tendo em vista as limitaes educacionais e de circulao. A
literatura de cordel vem desempenhar um papel mais abrangente neste perodo, pois os
cordelistas liam as informaes perpassadas pelos jornais e a transmitiam, atravs de
versos, que podiam ser cantados e assim, atingiam uma parte da populao que estava
margem da cultura escrita11.
Para melhor compreender a transmisso de conhecimento de um meio para
outros, podemos citar Chartier (2002) quando analisa os livros azuis 12, publicados na
Frana entre os sculos XVI e XVII. Segundo o autor, esses livros eram reedies de
publicaes direcionadas a um pblico elitista, tendo em vista o seu alto custo. Alguns
livros eram resumidos e outros tinham pargrafos inteiros apagados. Essas edies eram
feitas com o intuito de baratear os custos dos livros e de tornar a leitura mais fcil para o
novo pblico.
Podemos supor que muitos cordis, assim como os livros azuis, foram
produzidos atravs de edies ou reedies de outros veculos de informao (jornais,
revistas, livros, entre outros). Dessa forma, as informaes produzidas para circular em
determinado espao13, so desviadas para outros espaos. O cordelista, nesse sentido,
tem o papel de recodificar as informaes do espao elitista, para o espao popular.
As pessoas que liam os cordis no o faziam de forma passiva, pois a partir do
momento em que eles liam, colocavam em prtica toda a sua subjetividade. Eles no
aceitavam todas as informaes sem antes as analisarem, filtrando-as, geralmente, a
partir do conjunto de valores morais vigentes 14 na sociedade. A fina pelcula do escrito
se torna um removedor de camadas, um jogo de espaos. Um mundo diferente (o do
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leitor) se introduz no lugar do autor (DE CERTEAU, 1994). O leitor, atravs da prtica
da leitura, atribui outros sentidos ao texto.
A literatura de cordel jornalstica, cuja funo a de informar o homem simples
atravs de seus versos os acontecimentos, faz uma releitura das notcias proferidas pelos
veculos informativos oficiais, mas no deixam de carregar consigo o discurso oficial.
Todos os polos direcionavam para a construo de uma memria ps-guerra,
onde os pases do eixo eram os viles e os aliados, heris. Assim como, todos os
veculos de comunicao, incluindo o cordel, apresentavam os revoltosos de So Paulo,
Sergipe, Par e Amazonas como os viles e as foras federais como heris. Mas quanto
mais fracas as foras submetidas uma direo estratgica, tanto mais estar sujeita
astcia (CAUSEWITZ apud DE CERTEAU, 1994, p. 101). Estratgias se revelam
como as prticas dos fortes para manipular os fracos e a astcia, que utilizada como
ltimo recurso, para burlar as estratgias, configurando-se assim uma prtica ttica, ou
seja, uma arte do fraco. At que ponto o discurso oficial traduzido pela literatura de
cordel predominava sobre seus consumidores? Essa questo fica em aberto, como
instigao a um aprofundamento na pesquisa.
REFERNCIAS
SILVA, Joo Melchiades Ferreira da. A victoria dos alliados A derrota da Allemanha
e a influenza hespahola. Parahyba: Tipografia Popular Editora, 1918.
WISSENBACH, M. C. C. Da escravido liberdade: Dimenses de uma privacidade
possvel. In: NOVAIS, F. A., coord., SAVCENKO, N., org. Histria da vida privada
no Brasil 3. So Paulo: Companhia das Letras, 1998. P.50-130.
SILVA, Jos Fernando Souza e. Biografia de Francisco das Chagas Batista.
Disponvel
em:
<http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/FranciscoChagas/franciscoChagas_biografia.
html> Acessado em: 22 de novembro de 2014.
BENJAMIM, Roberto. Biografia de Joo Melquades Ferreira da Silva. Disponvel
em:
<http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/JoaoMelquiades/joaoMelquiades_biografia.ht
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