Baixe no formato DOCX, PDF, TXT ou leia online no Scribd
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 6
Ministrio Pblico resolutivo e demandista
O Ministrio Pblico resolutivo aquele que atua na soluo de
conflitos sociais, no mbito da prpria Instituio e em parceria com a sociedade, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judicirio, j to assoberbado. Passados vintes anos da chamada Constituio Cidad, que inaugurou os direitos sociais no Brasil e conferiu ao Ministrio Pblico um importante papel na defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis, atribuies previstas em seu artigo 127, a Instituio encontra-se em uma terceira fase de evoluo que direciona a sua atuao para o plano extrajudicial, superando-se o perfil demandista (baseado no mero agente processual, que tem como nico horizonte a atuao perante o Poder Judicirio.) Nessa fase evolutiva, o Ministrio Pblico busca formas alternativas de resoluo de conflitos, bem como a racionalizao de suas atribuies, visando conferir maior impacto social e efetivade nas suas aes. Almeja-se, na rea criminal, uma atuao prxima do que corresponde ao Ministrio Pblico resolutivo, conciliando a atuao clssica do promotor de Justia criminal promoo da tutela difusa da segurana pblica. A partir deste novo modelo de atuao, o Ministrio Pblico do Estado de Gois, por exemplo, tem ampliado os meios de efetivao de polticas pblicas e de interao com a sociedade, fatores imprescindveis ao fortalecimento e modernizao da prpria Instituio. No se trata, porm, de agir em nome da sociedade, mas de atuar como parceiro desta, despertando no cidado a conscincia de que pode passar de objeto de violncia a sujeito de transformao de sua prpria realidade. A exemplo disso, concebeu o Projeto Parceiros da Paz que tem como principal objetivo o fortalecimento das relaes entre o Ministrio Pblico e a comunidade, por meio dos articuladores sociais, permitindo uma maior interveno e acompanhamento dos promotores criminais na adoo de polticas preventivas da criminalidade. Para a implementao do Projeto, a regio Sudeste de Goinia foi a primeira escolhida, em razo dos elevados ndices de criminalidade ali apresentados, representando um marco para sua adoo em toda
a regio Metropolitana, e, posteriormente, como referncia para que
iniciativas semelhantes sejam desencadeadas em outras regies do Estado. Por outro lado, para suprir a deficincia de dados que proporcionem uma atuao resolutiva de seus membros, o Ministrio Pblico goiano buscou parcerias com a comunidade acadmica, a fim de viabilizar a promoo de estudos, avaliao e diagnstico das polticas pblicas, que em muito contribuir no desempenho das aes previstas no Projeto Parceiros da Paz, inclusive. imperioso reconhecer que a reduo da violncia no passa apenas pelos meios tradicionais de investigao e de combate ao crime. As estatsticas estampadas nos principais jornais demonstram esta constatao. O ano de 2008 foi um dos mais violentos da histria do Pas. Somente em Goinia foram registrados 442 homicdios, chegando-se ao alarmante recorde de 40,31% de mortes a mais que em 2007. J nos primeiros dois meses de 2009, quando medidas foram tomadas pelas autoridades de segurana pblica, foi registrada uma diminuio em 40,96% dos ndices de homicdios na Capital, segundo dados da Delegacia Estadual de Investigaes de Homicdios. Esta reduo, que representa uma resposta imediata sociedade, deve-se, ao que tudo indica, ao direcionamento de investimentos na profissionalizao da segurana pblica. Porm, para que estes resultados sejam duradouros, necessrio estabelecer polticas de segurana pblica, articuladas com aes que enfoquem as demandas sociais. Isto , atuar sobre os diversos fatores que contribuem para o desencadeamento da atividade delitiva, numa combinao de estratgias repressivas e preventivas de combate criminalidade. Este enfrentamento requer uma verdadeira ruptura de paradigmas, em busca de uma rede de empreendedorismo popular, na qual o cidado tem o dever de participar ativamente do sistema de segurana pblica. A parceria entre o Estado e a sociedade parte da premissa constitucional de que a segurana pblica direito e responsabilidade de todos. Sem dvida, a construo de um Ministrio Pblico resolutivo passa pela necessidade de consolidar seu papel de agente transformador da realidade social, por meio da aproximao com a sociedade e de uma atuao preventiva, prestigiando a sua condio de protagonista das polticas pblicas de primeira grandeza. Marcelo Pedroso Goulart sustenta que, com base no perfil institucional do Ministrio Pblico consagrado na Constituio de
1988, existem dois modelos de Ministrio Pblico: o demandista e o
resolutivo. O Ministrio Pblico demandista, que ainda prevalece, o que atua perante o Poder Judicirio como agente processual, transferindo a esse rgo a resoluo de problemas sociais, o que de certa forma, afirma o autor, desastroso, j que o Judicirio responde muito mal s demandas que envolvam direitos difusos e coletivos. Assim, prope Goulart que imprescindvel que se efetive o Ministrio Pblico resolutivo, levando-se s ltimas conseqncias o princpio da autonomia funcional, com a atuao efetiva na tutela dos interesses ou direitos massificados. Para tanto, necessrio que o rgo de execuo do Ministrio Pblico tenha conscincia dos instrumentos de atuao que esto sua disposio, como o inqurito civil, o procedimento administrativo, e o termo de ajustamento de conduta, fazendo o seu uso efetivo e legtimo. Ministrio Pblico resolutivo e a defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogneos. de fundamental importncia a atuao do Ministrio Pblico para a proteo dos direitos ou interesses coletivos no plano extrajurisdicional. A transferncia para o Poder Judicirio, por intermdio das aes coletivas previstas (como a principal delas, a ACP), da soluo dos conflitos coletivos no tem sido eficaz, pois, em muitos casos, o Poder Judicirio no tem atuado na forma e rigor esperados pela sociedade; muitas vezes extingue os processos coletivos sem o necessrio e imprescindvel enfrentamento do mrito. No se nega aqui a importncia do Poder Judicirio no Estado Democrtico de Direito; ao contrrio, o que se constata e deve ser ressaltado o seu despreparo para a apreciao das questes sociais fundamentais. Um Judicirio preparado e consciente de seu papel a instncia mais legtima e democrtica para dar efetividade aos direitos e interesses primaciais da sociedade. O papel do Ministrio Pblico resolutivo na defesa dos interesses sociais deve ser exercido de forma efetiva em todas as suas esferas de atuao. Na rea criminal, imprescindvel a sua insero no seio social, para que se inteire das verdadeiras causas da criminalidade e exija polticas pblicas de atuao dos rgos pblicos, alm de atuar diretamente na investigao das condutas criminosas que mais abalam a sociedade; combater, assim, o crime organizado da forma mais efetiva possvel. No campo dos direitos ou interesses coletivos, o Ministrio Pblico dever atuar de forma preventiva, para evitar a violao desses direitos sociais, instaurando os procedimentos
necessrios para esse fim, e de forma repressiva, com a realizao de
termo de ajustamento de conduta, visando a reparao dos danos causados no seio social. Nesse contexto de Ministrio Pblico resolutivo, Marcelo Goulart prope que o Ministrio Pblico deve transformar-se em efetivo agente poltico, superando a perspectiva meramente processual da sua atuao; atuar integradamente e em rede, nos mais diversos nveis - local, regional, estatal, comunitrio e global -, ocupando novos espaos e habilitando-se como negociador e formulador de polticas pblicas; transnacionalizar sua atuao, buscando parceiros no mundo globalizado, pois a luta pela hegemonia (a guerra de posio) est sendo travada no mbito da sociedade civil planetria: buscar a soluo judicial depois de esgotadas todas as possibilidades polticas e administrativas de resoluo das questes que lhe so postas (ter o judicirio como espao excepcional de atuao). O Ministrio Pblico resolutivo, portanto, um canal fundamental para o acesso a uma ordem jurdica realmente legtima e justa. Os membros dessa instituio democrtica devem encarar suas atribuies como verdadeiros trabalhadores sociais, cuja misso principal o resgate da cidadania e a efetivao dos valores democrticos.
Funes dos direitos fundamentais - Zulmar Fachin
Os direitos fundamentais desempenham diversas funes. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 407-410) menciona as seguintes: funo de defesa ou de liberdade; funo de prestao social; funo de proteo perante terceiros; funo de no discriminao. 1. Funo de defesa ou de liberdade A funo de defesa ou de liberdade impe ao Estado um dever de absteno. Essa absteno, segundo Jos Carlos Vieira de Andrade, significa dever de no-interferncia ou de no-intromisso, respeitando-se o espao reservado sua autodeterminao; nessa direo, impe-se ao Estado a absteno de prejudicar, ou seja, o dever de respeitar os atributos que compem a dignidade da pessoa humana (Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1998, p. 192). Em outras palavras, a funo de defesa ou de liberdade dos direitos fundamentais limita o poder estatal (ele no pode editar leis retroativas), mas tambm
atribui dever ao Estado (impe-se-lhe, por exemplo, o dever de
impedir a violao da privacidade). Gomes Canotilho ensina que a funo de defesa ou de liberdade dos direitos fundamentais tem dupla dimenso: "(1) constituem, num plano jurdico-objectivo, normas de competncia negativa para os poderes pblicos, proibindo fundamentalmente as ingerncias destes na esfera jurdica individual; (2) implica, num plano jurdicosubjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omisses dos poderes pblicos, de forma a evitar agresses lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)" (Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 407). A funo de defesa ou de liberdade est relacionada com os direitos fundamentais de primeira dimenso. Observe-se, no entanto, que o direito fundamental de no ser torturado exerce dupla funo: de um lado, a funo de defesa ou de liberdade, exigindo absteno do Estado, que no pode praticar tortura; de outro, exige a atuao do Estado, visto que este precisa agir para evitar que a tortura seja praticada. 2. Funo de prestao social A funo prestacional atribui pessoa o direito social de obter um benefcio do Estado, impondo-se a este o dever de agir, para satisfaz-lo diretamente, ou criar as condies de satisfao de tais direitos. Em regra, est relacionada aos direitos fundamentais sade, educao, moradia, ao transporte coletivo etc. A funo de prestao social dos direitos fundamentais tem grande relevncia em sociedades, como o caso do Brasil, onde o Estado do bem-estar social tem dificuldades para ser efetivado. Essa realidade impe que milhes de pessoas fiquem margem dos benefcios econmicos, sociais e culturais produzidos pela economia capitalista. Essa carncia no permite a fruio do mnimo existencial. 3. Funo de proteo perante terceiros Os direitos fundamentais das pessoas precisam ser protegidos contra toda sorte de agresses. Na conflituosidade da vida cotidiana, tais direitos podem ser violados a qualquer instante. o que ocorre, por exemplo, com os direitos fundamentais vida, privacidade, liberdade de locomoo e propriedade intelectual. Nessa perspectiva, afirma Gomes Canotilho que "Muitos direitos impem um dever ao Estado (poderes pblicos) no sentido de este proteger perante terceiros os titulares de direitos fundamentais". (Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 409).
Trata-se, portanto, como o prprio autor constata, de um vnculo que
se estabelece entre indivduos, em virtude do qual estes se relacionam uns com os outros. Verifica-se, ento, a eficcia horizontal dos direitos fundamentais. O Estado, atendendo funo, desempenhada pelos direitos fundamentais, de prestao perante terceiros, atua para proteger tais direitos. Observam Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins que "o efeito horizontal tem carter mediato/indireto e, excepcionalmente, carter imediato/direto. O efeito horizontal indireto refere-se precipuamente obrigao do juiz de observar o papel (efeito, irradiao) dos direitos fundamentais, sob pena de intervir de forma inconstitucional na rea de proteo do direito fundamental, prolatando uma sentena inconstitucional [...] O efeito horizontal imediato refere-se ao vnculo direto das pessoas aos direitos fundamentais ou de sua imediata aplicabilidade para a soluo de conflitos interindividuais" (Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 113). 4. Funo de no discriminao A funo de no discriminao diz respeito a todos os direitos fundamentais. Refere-se, por exemplo, aos direitos civis e polticos e aos direitos econmicos, sociais e culturais. Nenhuma pessoa poder ser privada de um direito fundamental em razo de discriminao. Est-se, portanto, diante do princpio da igualdade. o que expressa a lio de Gomes Canotilho, ao afirmar que "A partir do princpio da igualdade e dos direitos de igualdade especficos consagrados na constituio, a doutrina deriva esta funo primria e bsica dos direitos fundamentais: assegurar que o Estado trate os seus cidados como cidados fundamentalmente iguais" (Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 409. O autor refere-se Constituio portuguesa, porm o raciocnio se aplica em face da Constituio brasileira).