A Renovação Carismática Católica. Algumas Observações
A Renovação Carismática Católica. Algumas Observações
A Renovação Carismática Católica. Algumas Observações
Algumas observaes
EDNIO VALLE
Introduo
Renovao Carismtica Catlica (RCC) no pode ser visto como algo novo ou indito na histria do cristianismo. Existe desde
os tempos apostlicos. J nas primeiras comunidades crists os estados alterados da mente causam estupor e suscitam divergncias. Paulo, por exemplo,
se v coagido a intervir na comunidade de Corinto (1 Cor, 12-15) para estabelecer a hierarquia dos valores e lembrar os critrios de avaliao dessas manifestaes. Comportamentos que lembram o que acontece na RCC estiveram presentes, sob formas variadas, seja no primeiro, seja no segundo milnio cristo. Em
vrios momentos da Idade Mdia eles emergem suscitando adeses entusiasmadas e rejeies apaixonadas. Foi assim, por exemplo, nos tempos de Gioachino di
Fiori ou na poca de espraiamento da devotio moderna, um movimento espiritual que chegou a levantar as suspeitas do Tribunal de Inquisio at contra o
fundador dos jesutas.
A onda carismtica que marca nossos dias no pode ser vista como uma
mera repetio do acontecido anteriormente. Tem originalidade prpria e seu
acolhimento no seio nas Igrejas crists tem diferenas com relao ao que se verificou no passado. O pentecostalismo atual, alm disso, um movimento bastante estudado. Possumos, hoje, recursos bem mais refinados para avali-lo dos
mais variados pontos de vista. Mas seria invlido supor que a RCC seja um fenmeno j devidamente analisado e socialmente e assimilado no interno do campo religioso catlico (Benedetti, 1988). O sentido, a dinmica, a permanncia e
as perspectivas futuras da RCC no so ainda claras. Ao mesmo tempo, j amplamente aceito que a onda pentecostal que surpreendeu a Igreja Catlica no
ps-conclio no um modismo passageiro. Cresce o nmero de telogos e analistas que o vem como uma manifestao que afeta toda a Igreja. A RCC faz
parte do cenrio do catolicismo neste incio do sculo, e veio, ao que tudo indica, para ficar.
Vale, por isso, a pena retomar sua anlise, na tentativa de chegar a uma viso mais elaborada de seu significado no conjunto das extraordinrias transformaes pelas quais passa o Catolicismo no mundo inteiro (Hbrard, 1992; Jenkins,
2002; Champion e Hervieu-Lger, 1990). Nossas reflexes se concentraro na
RCC brasileira, pois estamos conscientes de que h meios de desvincul-la do
grande contexto mundial no qual ela se insere.
FENMENO DA
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tuio pessoal, constato que o way of life dos americanos atingiu praticamente
todos os aspectos e estilos de nosso modo de viver, comer, trabalhar e usar o
tempo livre. Nossos jornais e televiso reproduzem muito do que se observa na
mdia estadunidense. Os carros, as geladeiras, os telefones celulares, a decorao,
a arquitetura, a bolsa de valores, os bancos, os shoppings, a moda, o cinema, os
valores e as metas ticas e sociais etc., quase tudo, enfim, mostra que nos pensamos a partir do que os americanos so e fazem. No que inexistam resistncias
e posicionamentos crticos de nossa parte. No que no tenhamos a nossa
cultura e o nosso jeito de ser. As coisas do Brasil tm sempre um toque inconfundivelmente nosso. O nosso, contudo, cada vez mais influenciado pelo
deles. O comportamento religioso brasileiro no poderia escapar presso
global que nos chega do poderoso irmo do norte. Cada vez mais o cristianismo
brasileiro se torna uma cpia (um pouco em atraso) do que sucede no norte do
continente. O que se d l se copia e se repete de alguma maneira aqui. Tal invaso mais evidente nos cultos pentecostais e neopentecostais do que nas Igrejas
histricas. A penetrao dos pattern religiosos americanos no se limita s igrejas
crists. Permeia outras formas de busca religiosa, como a Nova Era (Amaral,
1994 e Valle, 1998, pp. 197-232), essa imensa nebulosa que j encobre boa poro das classes mdias mais abastadas do Brasil urbano (Magnani, 1996). Achase por trs da influncia de religies e filosofias de corte de si oriental, mas que
nos chegam mais via Califrnia do que atravs de suas matrizes originais.
Penso que algo anlogo se deu de 1970 para c com a Igreja catlica,
graas RCC. Obviamente, as profundas ligaes que a Igreja Catlica brasileira
tem com a Europa representaram um entrave sociolgico entrada de elementos tipicamente prprios do protestantismo norte-americano entre ns. Outro
fator de resistncia foi o impulso de autoconscincia que o Vaticano II despertou
no catolicismo latino-americano. Ademais, no caso do Brasil, existe uma espcie
de identidade brasileira (com uma mnima religiosa nossa) que vem da base
cultural e da formao histrica de nosso povo. Essa base no se deixa submergir
sem mais pelas ondas culturais da globalizao, embora acusando seu impacto.
Ora, a RCC um ldimo produto norte-americano. Tem progenitores ianques
pelos seus dois lados, pelo do pai (o pentecostalismo) e pelo da me (o catolicismo americano em busca de novas vias de expresso). Carranza salienta a presena macia de padres norte-americanos na implantao da RCC no Brasil (Carranza,
2000, pp. 32 e ss.). O bero da RCC o catolicismo norte-americano que antes
do Conclio era um todo monoltico. Com o Vaticano II, entrou em crise. O
impacto dos novos ventos teolgicos e pastorais levou busca de novos caminhos de recuperao da f. Um grupo de universitrios foi encontr-los em uma
tradio de origem protestante popular que vem do sculo XIX e existia desde o
tempo dos pais fundadores. Esse grupo era de universitrios e no de gente
comum. Alguns deles tinham passagem pelos Cursilhos de Cristandade, movimento espanhol bastante rgido. O Cursilho introduziu na Igreja Catlica o uso
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O Brasil, que rapidamente absorve qualquer novidade religiosa, no tardou em se tornar uma das maiores naes carismticas catlicas do mundo.
impossvel dizer quantos so hoje os catlicos carismticos do Brasil. Seguramente, so vrios milhes. Eles representam, nos dias de hoje, a fora provavelmente mais organizada e motivada de que dispe a Igreja Catlica em nosso
pas. Claro que a fora do movimento no se explica pela regularidade quase
uniforme dos comportamentos. Sua fora vem muito mais da legitimidade que
recebeu, em 1973, de Paulo VI, e foi amplamente ratificada e ampliada durante
o pontificado de Joo Paulo II. Mas no s. Ela vem de dentro da experincia
religiosa que esses catlicos fazem na RCC. Sem esse zelo religioso que parece
ser mais durvel que em outros movimentos no se explicaria a eficcia da
RCC. No nos esqueamos, porm, que essa eficcia tem seu alicerce em uma
organizao interna e externa muito bem planejada e executada. Hoje, a RCC
est organizada em todo o pas e possui uma mquina que funciona dentro de
razoveis padres de modernidade.
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R ESUMO
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trying to avoid a moralistic approach to the polemic question of the real meaning of this
movement in the brazilian Catholic Church to-day and in the future. The article is
divided in two main topics. In the first are presented some important informations
about the origin, development and present situation of the RCC. In the second and
more analytical point, he tries a brief analysis of this movement, discussing the main
functions of a catholic spiritual movement in modern society and culture, with emphasis
in the formation of a christian-catholic personal and collective identity. The main dilemma
of RCC seems to be how to conciliate its strong accent on subjectivity with the social
responsabilty of catholics in Brazil to-day.
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