HISTRIA DOS NMEROS

O nmero um conceito fundamental em matemtica que foi construdo

numa longa histria. Existem evidncias arqueolgicas de que o homem, j h
50.000 anos, era capaz de contar.
O nmero e a matemtica nasceram e se desenvolveram juntos e tanto
as atividades prticas do homem e das sociedades quanto aquelas intrnsecas
matemtica, como cincia, foram determinantes na evoluo deste conceito.
A necessidade de contar objetos deu origem ao nmero natural e todas
as civilizaes que criaram alguma forma de linguagem escrita desenvolveram
smbolos para o nmero natural e operaram com eles.
Num primeiro estgio, no havia o conceito de nmero. Nmero era um
nome: palavras diferentes referiam-se a trs pedras ou trs homens. Num
estgio mais avanado, os nmeros foram separados dos objetos e se
tornaram entes abstratos. Foram criados ento os sistemas numricos.

O que um sistema numrico?

Quando se tornou necessrio efetuar contagens mais extensas, o

processo de contar teve de ser sistematizado. Cada civilizao desenvolveu o

seu sistema de numerao, um sistema numrico. De um modo geral, isto foi

feito dispondo os nmeros em grupos convenientes, sendo a ordem de
grandeza destes grupos determinada pelo processo de correspondncia
empregado. O mtodo consistia em escolher um certo nmero, N, como base e
atribuir nomes aos nmeros 1,2...N. para os nmeros maiores do que N os
nomes so combinaes dos nomes j escolhidos.
No antigo Egito havia diferentes sistemas numricos, entre eles um
sistema de bases 101. Na Babilnia desenvolveu-se o sistema sexagesimal,
com base 60, e o princpio posicional de representao; na Grcia antiga era
usado um sistema de representao alfabtico; na ndia utilizavam um sistema
decimal muito bem desenvolvido, com representaes para o zero e outros
dgitos.

O que sistema numrico decimal?

O sistema decimal um sistema de numerao de posio que utiliza a

base dez. Os dez algarismos indo-arbicos : 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 servem para
contar unidades, dezenas, centenas, etc. da direita para a esquerda. Cada
algarismo tem um valor diferente segundo sua posio no nmero: assim, em
111, o primeiro algarismo significa 100, o segundo algarismo 10 e o terceiro 1.

Se voc quer saber mais sobre este assunto:

http://www.matematica.br/historia/numeracao.html

No sistema decimal2, o smbolo 0 (zero) posicionado esquerda do

nmero escrito no altera seu valor representativo. Assim: 1; 01; 001 ou 0001
representam a mesma grandeza, neste caso a unidade. O smbolo zero posto
direita implica em multiplicar a grandeza pela base, ou seja, por 10 (dez): 1, 10,
100, 1000, etc.
A imensa quantidade de objetos a serem contados, as atividades
prticas e o esprito indagador do homem determinaram a noo de conjunto
numrico sem limites: a seqncia dos naturais passou a ser considerada
como no limitada superiormente.
Para as medidas, o nmero racional se tornou uma necessidade. As
fraes foram desenvolvidas no Egito fraes com numerador 1, como 1/7 - e
na Babilnia fraes com base 60. Este sistema era muito usado e chegou
at ns, no mundo ocidental, na forma das unidades para medir tempo e
ngulos. As fraes decimais foram introduzidas, na sia, no sculo XV, e
alcanaram a Europa no sculo seguinte.

A evoluo dos nmeros a partir da lgebra

posterior desenvolvimento do conceito de nmero deu-se

principalmente devido s demandas intrnsecas matemtica e vinculadas

resoluo de equaes. Os nmeros negativos apareceram, primeiramente, na
China antiga, na tentativa de formular um algoritmo para resoluo de
equaes
2

de segundo grau. O matemtico grego Diofanto operava com

Se voc quiser saber mais sobre este assunto:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Nota%C3%A7%C3%A3o_posicional

nmeros negativos, no sculo III. Em atividades prticas, eram usados com

significado de dvida ou dbito. Entretanto, at o sculo XVI, na Europa, os
matemticos negavam a existncia destes nmeros. Esta situao mudou
quando, no sculo XVII, foi criada uma representao geomtrica, uma reta
numerada e orientada, contendo nmeros positivos e negativos, na qual
nmeros negativos eram identificados com segmentos com sentido oposto
orientao natural da reta.
Na Babilnia era utilizado um algoritmo para calcular razes quadradas.
Os gregos antigos descobriram que o lado e a diagonal de um quadrado so
segmentos incomensurveis. Eles no criaram novos nmeros (os irracionais),
mas, sim, uma teoria para lidar com razes entre segmentos, independente do
conceito de nmero. 3
O desenvolvimento da lgebra e das tcnicas de clculo aproximado, em
conexo com as demandas da astronomia, levaram os rabes a estender o
conceito de nmero. Eles passaram a considerar razes entre quantidades
arbitrrias, comensurveis ou no, como nmero. No sculo XIII, foi definido:
qualquer razo pode ser chamada de nmero, precisamente igual a 1 quando
os termos da razo coincidem.
No sculo XVIII, Newton reconheceu os nmeros em trs formas:
inteiros, fraes e irracionais. A respeito dos negativos e positivos, Newton
definiu positivo como sendo maior do que nada e negativo como sendo menor
do que nada
Os nmeros imaginrios apareceram no sculo XVI, junto com a soluo
do problema: x + y = 10 e xy = 40. Matemticos referiram-se a uma raiz
quadrada de um nmero negativo como puramente negativo. Mais tarde, ainda
no sculo XVI, foi criado o termo nmero imaginrio e uma aritmtica para
eles. Nos sculos XVII e XVIII, muitos resultados foram provados, mas
somente a interpretao geomtrica de um nmero complexo como um ponto
do plano, no incio do sculo XIX, completou a teoria.
3

Se voc quiser saber mais sobre este assunto: http://www.ppgect.ufsc.br/dis/03/Dissert.pdf (pag.2331)

At o sculo XIX, os nmeros naturais eram vistos como colees de

unidades; fraes eram razes entre quantidades; nmeros reais eram
comprimentos de segmentos e nmeros complexos eram pontos do plano. Mas
os matemticos no estavam satisfeitos com os resultados baseados nestas
noes intuitivas. Era preciso construir uma teoria dos nmeros. Nessa
perspectiva, foi formulado um princpio geral para direcionar qualquer
generalizao do conceito de nmero: o principio da permanncia das leis do
clculo. Para construir um novo sistema numrico, como extenso de um
sistema dado, as operaes devem ser definidas de tal modo que as leis
existentes permaneam.
Durante o sculo XIX e sculo XX, muitas mudanas foram
desenvolvidas na matemtica. Concepes sobre objetos e objetivos da
matemtica mudaram. O mtodo axiomtico de construo com base na teoria
dos conjuntos tomou forma e, nesta perspectiva, definiu-se formalmente um
conjunto numrico ( tambm denominado sistema numrico): um conjunto com
certas relaes e certas operaes, que satisfazem alguns axiomas
previamente definidos.

Por exemplo, o sistema numrico dos nmeros naturais N um sistema

com duas operaes, adio (+) e multiplicao (.) e com um elemento bsico
que a unidade (1), que satisfaz os seguintes axiomas:
1)

Para cada elemento n de N, n+1 n;

2)

As duas operaes so associativas e comutativas;

3)

A multiplicao distributiva com relao adio;

4)

Se M um subconjunto de N que contm o nmero 1 e se para

todo elemento n, tambm contm n+1, ento M = N. Este o chamado axioma

da induo.

A partir da definio axiomtica do sistema dos nmeros naturais, foi

construda

a teoria dos inteiros, como pares de nmeros naturais (cuja

diferena m-n vai resultar num nmero inteiro positivo ou negativo); a teoria
dos nmeros racionais como pares de nmeros inteiros (cujo quociente m:n
vai resultar num nmero racional); e

a teoria dos nmeros reais como

seqncias de racionais (cujo limite vai resultar num nmero real).

O conjunto Z dos inteiros estende ( N, +, .), completando a operao de

subtrao. O conjunto dos racionais Q estende Z, completando a operao de
diviso. O conjunto dos complexos C

estende o corpo dos reais R, dando

soluo equao x2 + 1 = 0.
O sistema dos nmeros reais R o corpo que estende e completa o
corpo dos

racionais.

O axioma da completude diz que: toda seqncia

limitada de nmeros reais converge para um nmero real.

Por exemplo, uma seqncia de nmeros cujo quadrado se aproxima

de 2: (1,4; 1,41; 1,414; 1,4142; 1,41421; 1,414212; ...) convergente para o
nmero real

Estas novas definies correspondem a uma teoria algbrica dos

nmeros, concluso de

uma

histria milenar, que s adquiriu sua forma

matemtica final, recentemente, nos sculos XIX e XX.

A evoluo dos nmeros a partir da Geometria

No tempo de Pitgoras4, o sistema numrico tinha se desenvolvido at

aquilo que chamamos o conjunto dos nmeros racionais, quando foi feita uma
descoberta espantosa: investigando o suporte lgico da geometria conhecida,
descobriu-se a existncia de segmentos cuja medida no um nmero
racional.
Os pitagricos, discpulos de Pitgoras, conseguiram provar que certos
segmentos, obtidos atravs de construes simples, tm comprimentos cuja
medida no um nmero racional, sendo que o mais famoso deles a
diagonal do quadrado cujo lado mede 1. Foi provado que a diagonal e o lado
do quadrado so segmentos incomensurveis, isto , no existe uma unidade
de medida que caiba um nmero inteiro de vezes na diagonal e no lado do
quadrado, simultaneamente. Conseqncia disto, o quociente da medida d
da diagonal pelo lado l ( d/l ) do quadrado no pode ser expresso como um
racional m/n. Em particular, se o lado l considerado unitrio ento o
nmero correspondente medida da diagonal no racional.
No entanto, os nmeros irracionais enfrentaram vrias barreiras at
serem aceitos. Para os gregos, tudo era nmero, e toda realidade fsica poderia
ser expressa e compreendida com os nmeros inteiros, alm disso, a
existncia dos irracionais contrariava o senso comum de que toda grandeza
poderia ser expressa por algum nmero racional. Geometricamente, ningum
duvidava de que dados dois segmentos de reta sempre seria possvel
encontrar um terceiro segmento de reta, por menor que fosse, que coubesse
um nmero inteiro de vezes em cada um dos dois segmentos dados.
Para os gregos, a semi-reta era uma metfora para os nmeros,
associados com pontos. Nessa perspectiva, fixando um ponto O de origem, na
reta,

e determinando um sentido para efetuar medidas,

cada ponto A

identificado com a extremidade de um segmento AO e associado ao nmero

Se voc quer saber mais sobre este assunto:

http://www.ime.usp.br/~leo/imatica/historia/pitagoras.html

que corresponde medida deste segmento. Por muitos sculos, acreditou-se

que este nmero sempre racional.
No sculo XVII, com o trabalho de Descartes, em Geometria Analtica, a
reta passou a ser dividida em duas semi-retas e, por conveno, a semi-reta
direita do zero passou a ser o lugar dos nmeros positivos; a semi-reta
esquerda foi construda por simetria, passando a conter nmero negativos, os
opostos dos positivos. Estes nmeros passaram a ser identificados por sinais:
direita, nmeros positivos, (+x), que coincidem com os racionais (x)
conhecidos at a, (+x) = x. esquerda, nmeros negativos, identificados com
o sinal (-x). Estes nmeros foram definidos como sendo os opostos aditivos,
tambm denominados de simtricos, dos racionais positivos:
(+x) + (-x) = x x = 0.

Por muito tempo, a reta foi a metfora considerada ideal para o corpo
dos racionais. Acreditava-se que os racionais completavam a reta e que existia
uma correspondncia biunvoca: ponto nmero racional; nmero racional
ponto. Como a reta o modelo prototpico da continuidade (um conjunto
contnuo de pontos), parecia que o conjunto dos racionais era contnuo e
completo na reta.
Somente no sculo XIX, esta idia definitivamente foi negada. O
matemtico alemo Richard Dedekind5

escreveu uma obra intitulada

Continuidade e Nmeros Irracionais, na qual menciona que a linha reta

infinitamente mais rica em pontos do que o domnio dos nmeros racionais o
em nmeros. Isto exigia a criao de novos nmeros, para obter um domnio

Se voc quer saber mais sobre este assunto:

http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm99/icm17/novadef.htm

numrico completo e com

a mesma continuidade que a linha reta. A reta

passou a ser denomina reta real.

Diferentes matemticos, nesta poca, dedicaram-se a construo dos
nmeros reais. Finalmente, temos hoje a definio de R como um corpo
ordenado completo.

Definio de

R corpo porque esto definidas as quatro operaes: adio,

subtrao, multiplicao e diviso, com todas as suas propriedades. um
corpo ordenado por que existe a relao x < y, que est interligada com a
adio e a multiplicao. E, finalmente, completo, pois est em relao
bijetiva com a reta real. a completude de R que garante a existncia de
e, mais geralmente, de ax para todo a > 0 e todo x R. (Lima, 2006, p. 58)

No que consiste a opo pela abordagem histrica?

No nosso trabalho, nesta disciplina Sistemas Numricos, optamos por

seguir a perspectiva histrica das construes numricas.
Os nmeros, na sua origem, esto relacionados com contagem e
medida,e, portanto, sempre com nmeros no negativos.

Por esta razo, neste curso, as expresses

inteiros, racionais e

reais so utilizadas, inicialmente, sem que os nmeros negativos tenham sido

definidos. Mais tarde, quando esta definio for feita, criado o conjunto dos
reais relativos. A partir da podemos usar nossa terminologia usual,
suprimindo o termo relativos e adotando os conjuntos dos nmeros inteiros,
racionais e reais com os negativos.

O conjunto de partida o dos nmeros

naturais (N). Este conjunto

no contm o elemento neutro da adio, o zero, portanto o primeiro passo

criar o conjunto dos inteiros Z+ = {0,1,2,3,...} ( utilizamos o smbolo + para
lembrar que estamos tratado com nmeros maiores ou iguais a zero).
Os inteiros

revelam-se insuficientes para expressarem medidas de

segmentos menores do que a unidade: a dificuldade reside na diviso m:n de

nmeros inteiros que no resulta nmero inteiro. Cria-se

o conjunto

dos

nmeros racionais, Q+.

O campo dos racionais revela-se insuficiente para expressar medidas
de segmentos incomensurveis com a unidade, como o caso da diagonal do
quadrado. Cria-se o conjunto dos nmeros reais R+.
O conjunto dos reais insuficiente para representar grandezas que so
suscetveis de ser tomadas em dois sentidos opostos, pois nmeros da forma
m n, com m < n, m, n reais, no foram definidos. Cria-se o conjunto dos
nmeros reais relativos R. Deste momento, em diante podemos considerar o
corpo dos nmeros reais R, incluindo os positivos e negativos.
Continuando, o conjunto dos nmeros reais mostra-se insuficiente para
representar razes de equaes polinomiais simples, tais como x2 + 1 = 0,
sendo x um nmero real qualquer, pois no existe a raiz quadrada de (- 1).
Cria-se o conjunto dos nmeros complexos C, incluindo um novo nmero, o
nmero imaginrio i, que representa a raiz quadrada de (-1).

Cada novo campo tem suas propriedades, que so definidas segundo

o princpio da permanncia: analogia de definies com aquelas do conjunto
conhecido e manuteno das operaes formais e das propriedades j
existentes.

GLOSSRIO

Corpo
Medida
Mtodo axiomtico, axioma
Princpio da permanencia
Segmentos comensurveis e incomensurveis
Sistema decimal
Sistema sexagesimal

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CARAA, Bento de Jesus. Conceitos Fundamentais de Matemtica. Lisboa:

Gradiva, 1998, pginas 35 a 45, trecho do captulo 2:1 A construo do
campo racional.

CERRI, Cristina. Desvendando os Nmeros Reais. IME-USP. Novembro de

2006. Disponvel em: www.mat.ufg.br/bienal/2006/mini/cristina.cerri.pdf
Encyclopaedia of Mathematics, Numbers. Springer Online, Springer-Verlag
Berlin Heidelberg New York, 2002. Disponvel em:
http://eom.springer.de/n/n067900.htm
EVES, Howard. Introduo histria da Matemtica. Campinas,SP: UNICAMP,
1995.
FACULDADE DE CINCIAS. UNIVERSIDADE DE LISBOA. Irracionais.
Disponvel em http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm99/icm17/novadef.htm
LIMA, Elon Lages, CARVALHO, Paulo Csar Pinto, WAGNER, Eduardo,
MORGADO, Augusto Csar. A Matemtica do Ensino Mdio.Coleo do
Professor de Matemtica. Vol. 1. Sociedade Brasileira de Matemtica, 2001.
USP, Instituto de Matemtica e Estatstica. Matemtica Interativa na Internet.
http://www.matematica.br/historia/index_h_tempo.html