A Filosofia Explica As Grandes Questoes Da Humanidade PDF
A Filosofia Explica As Grandes Questoes Da Humanidade PDF
A Filosofia Explica As Grandes Questoes Da Humanidade PDF
sul.
No sei porque, mas a palavra sul quase sempre confere alguma pompa ao
lugar. Quase sempre.
Acabei de chegar. A galera t curtindo. No tenho como aceitar.
Seguro de que eu voltaria atrs, Mario informou sempre com muito tato o
quanto estavam dispostos a pagar para me ouvir.
Onde fica a casa do cara?
Afinal, um dcimo quarto salrio em uma noite justificaria qualquer
interrupo do veraneio. Vesti o melhor de que dispunha no balnerio. Na falta
de uma camisa social, meu anfitrio local insistiu que usasse um palet seu.
Ficaria estiloso com camiseta de algodo branca por baixo. Agarrava um pouco
nos ombros. Mas se no tentasse abotoar talvez passasse batido.
A bordo do velho Ford Ka, depois de vencido o reto da rodovia Pedro
Taques, comecei a subir a serra rumo capital. No rdio AM, fiel antdoto contra
a solido e ansiedade, notcias do futebol e trnsito. Sempre patrocinadas por
pilhas e conhaque barato.
No daria tempo de passar em casa. Acabei chegando cedo. Antes mesmo do
contratante. Os porteiros j me aguardavam. Fui encaminhado ao elevador. Dali
para a cobertura. A porta do apartamento j estava aberta. Um portal. Destes
pivotantes, com eixo a dois teros. E puxador vertical de dois metros.
Entrei. Havia pouca gente. No conversavam entre si. Como na igreja, antes
da chegada do padre. Alguma tosse atiava o eco dos grandes espaos. Juntei-me
a eles. Fiz-me notar. Fitaram-me com alguma curiosidade. Era hora das boas
vindas ao calouro. Com trote e tudo. Sem tinta nem corte de cabelo. A distino
j cintilava.
Um jovem perguntou-me se estava informado sobre a temperatura em Aspen.
Onde?
Na falta de esclarecimento e tentando diminuir o desapontamento esclareci que
em Perube o calor estava infernal.
Uma outra senhora queria saber se tinha ido a Bariloche recentemente. Disse
que sempre pensou tratar-se de lugar de gente simples, mas que para sua
surpresa alguns hotis eram dotados de uma extensa oferta de travesseiros,
cardpios comparveis aos melhores do mundo.
Pensei comigo, quem sero essas pessoas? Imaginei tratar-se de alguma
pilheria em vdeo. Uma pegadinha. Eram atores, no havia dvida.
Eis que comeam a chegar outros convidados. Entre eles a atriz Maria
Fernanda Cndido. A tese da conspirao miditica ganhava evidncias
comprobatrias. Logo em seguida, o dono da casa. Com ele, finalmente, Mario
Vitor. J no era sem tempo.
da cidade? Perube, isso mesmo. Mario Vitor, este cara impagvel. Da onde ele
tirou Perube?
Mario me fitava com dissimulada tenso. Temia o meu esclarecimento. De um
sonho de vero finalmente concretizado a uma experincia, criativamente
inventada, de uma realidade muito distante. Transcendncia de classe.
Ecumenismo social. No cabia a mim desmentir o chefe.
Na madrugada, j na Imigrantes, com os bolsos cheios como nunca, pergunteime sobre o que tinha acontecido. E a resposta s viria mais tarde. Novos tempos.
Outros alunos. Novos amigos. Outras estratgias didticas. Novas propostas.
Em Perube, s a esposa permanecia acordada. Exigia relato completo. Fui
logo perguntando sobre o tipo de travesseiro que me esperava: tecido da fronha,
material interno, consistncia ao que sem muito entender foi logo esclarecendo:
No tenho ideia. Mas s tem um. J dobrei uma toalha seca para voc.
Sorri feliz. Nem tudo tinha se desmanchado no ar. Fidelidade a uma trajetria
compartilhada. Para alm do amor.
O espao de cursos virou a Casa do Saber. E o primeiro deles, Grandes
Questes da Humanidade, encontra-se aqui apresentado; um curso
compartilhado. As primeiras quatro aulas, que correspondem aos quatro captulos
iniciais deste livro, foram ministradas por mim mesmo. As quatro ltimas,
apresentadas aqui do quinto ao oitavo captulos, pelo professor capixaba Jlio
Pompeu, coautor desta obra e indicado por mim para encantar na Pauliceia.
A transcrio foi fiel. S foram eliminadas as repeties indecentes. As
incoerncias complicadoras. As frases que no chegaram ao fim. Os exemplos
que nada exemplificavam. Os conceitos equivocados. E as parfrases, enrolaes,
indispensveis para completar o tempo das aulas. Tirando tudo isto, no sobrou
muita coisa. So as pginas que oferecemos a sua leitura.
Nossa preocupao maior com este curso tambm a de muitos outros
professores: permitir o acesso de no iniciados a um pensamento por vezes
hermtico. Pretenso de muita gente. Com mais talento do que ns, Luc Ferry,
em suas obras introdutrias, pega leitores quaisquer pela mo. E promete entregar
as chaves do castelo. Permitindo-lhes invadir os cmodos mais hermticos dos
pensamentos de Immanuel Kant, Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger,
Sigmund Freud e tantos outros.
Nossa ambio menor. Conservando a metfora, consideramos este curso
como um guia turstico. Destes que voc pega de graa em servios de
informao. Que informa a existncia de castelos naquele lugar e incentiva a
visita.
Por mais que digam o contrrio, coisas lindas de ver esto ao alcance de
qualquer um. Mesmo queles visitantes de menor mobilidade. J outras exigem
um guia. Algum que j esteve por ali outras vezes. E que pode dar dicas
preciosas. Ensinar o caminho das pedras.
Sero tantas as experincias fascinantes que voc pode decidir se instalar por
mais tempo. Estes castelos tem isso de bom. Acomodam todos os visitantes,
indefinidamente. E os que se dispem a conhec-los com mais calma acabam no
saindo mais. Quanto mais voc fica, mais quer ficar.
Portanto, se voc tem alguma coisa de muito urgente para fazer do lado de
fora, que nada tem a ver com felicidade ou liberdade, deus, morte, valor, medo,
alegria, esperana, utilidade, eficcia, conhecimento, linguagem, razo e outras
bobagens deste estilo, melhor no entrar. Aos menos ocupados, ou
preocupados, o convite est feito.
Cada um dos temas propostos objeto de uma literatura infinita. Sua
apresentao em uma aula exige recortes dramticos. Os critrios so de nossa
total responsabilidade. Um mundo inteiro e de grande valor ficou de fora. Mas o
que decidimos comentar tambm tem sua graa. Oxal desfrutem.
Clvis de Barros Filho
TICA
Para uma vida boa
Falar de tica tratar essencialmente da reflexo que se faz toda vez que preciso
identificar a melhor maneira de viver e de conviver. Ao primeiro olhar, tica
talvez tenha a ver com vida boa, com felicidade. Mas, a verdade que nem
sempre se estabelece uma relao de equivalncia, seja na teoria ou na prtica.
Ser tico no significa ter o passe livre para um cotidiano feliz. Basta observar
como pessoas praticantes e defensoras da tica, ntegras e moralmente inatacveis,
respeitadoras das normas e leis preparadas e dispostas a uma convivncia digna,
esto expostas s intempries existenciais. Elas adoecem, envelhecem, so tradas
e abandonadas por amigos e amantes, enfrentam o luto e muitas outras
dificuldades. A realidade dura para todos, virtuosos e pstulas, sem o refresco
de qualquer filtro moral.
A tica no um tema fcil para ser abordado. Sempre haver a suspeita de
no haver nada de muito novo a tratar neste campo. Nem a ensinar, muito menos
a aprender. A priori, de tica todos sabemos um pouco. Por isso, creio no ser
recomendvel admitir total ignorncia no assunto. Pense na m impresso que
causariam declaraes como: sou mdico e de tica no entendo nada. Ou
ainda: sou poltico e tica no o meu forte.
Nosso repertrio sobre tica, em geral, contm alguns arquivos bsicos, dispe
de referncias, crenas mais ou menos compartilhadas, at algumas certezas
consolidadas. Tudo aprendido no embalo das experincias da vida, na
contingncia dos encontros com o mundo e na complexidade das relaes
estabelecidas com outras pessoas. Este conjunto de fatores j estabelecido leva
facilmente impresso de que ensinar tica muito mais difcil do que transmitir
conhecimentos sobre ligaes peptdicas, reas geomtricas ou energias potencial
e cintica.
tica tem a ver com convivncia. Eis o seu objeto. Mas seu entendimento e
compreenso implicam tambm em esforo intelectual porque pensamento
sobre a vida partilhada, sobre as relaes. um saber que mobiliza, que vem pelo
outro e que curiosamente est ausente da nossa educao formal. Na escola, a
reflexo sobre a convivncia ocupa posio marginal ou nula. Confere?
um paradoxo em meio a uma enorme gama de discursos pedaggicos que
preconizam emancipao em relao aos contedos transmitidos aos alunos.
Ainda hoje so mnimas ou nulas as possibilidades de ingerncia sobre os temas
curriculares. H cadeiras obrigatrias e as eventuais disciplinas optativas, quando
ocorrem, chegam tardiamente na vida do aluno.
Os currculos se impem sem clemncia, a ponto de docentes e discentes j
saberem de antemo em qual srie se estuda este ou aquele assunto. Na
matemtica, o ensino de logaritmo antecede o das matrizes; histria geral a da
Europa e a dos Estados Unidos. Mais recentemente, talvez o contedo esbarre um
FAZER TABELA
Os mais otimistas poderiam concluir, a partir daqui, que ficou fcil viver. Afinal,
pelo que foi exposto bastaria ir ao encontro das diferentes coisas do mundo para,
em seguida, relacionar-se com elas, deixar-se afetar e, finalmente, classific-las
como convenientes ou no. Aos poucos disporamos de uma longa lista, com
itens que poderiam ser dispostos em duas colunas. O mundo em tabela.
As coisas que nos fazem bem so comumente posicionadas esquerda
enquanto o universo do mal devidamente acomodado direita. Uma vez
enquadrada e classificada uma amostra significativa de mundo, teramos plenas
condies de reduzir o risco de encontros lesivos. Bastaria evitar as coisas ruins e
forar a barra para encontrar as boas.
Pensando assim, quanto mais minuciosa for essa categorizao do mundo,
menor a chance de ter que encarar uma surpresa negativa pela frente. As colunas
poderiam se subdividir ao infinito. Assim, poderamos preferir dentre os filmes
dirigidos por Woody Allen, somente aqueles em que ele participa como ator.
Como tambm entre os ovos, exclusivamente os caipiras, fritos e com gema mole.
E tambm as entrevistas inspiradas daquele vitorioso tcnico de futebol
especificamente em dias de particular mau humor.
Volta e meia lembro uma conhecida apresentadora de televiso que em seu
programa matinal infantil costumava relatar como dica pessoal infalvel para a
vida o ato de colocar-se numa bolha. No caso dela, era a prpria casa e tudo o
que proporcionava prazer ali. Fora da bolha, eram os serviais que resolviam tudo
a parte chata, em suma.
Quem dera essa tal bolha realmente funcionasse e que tudo que nos alegra
estivesse do lado de dentro, nossa disposio, prevalecendo sobre as tristezas do
lado de fora, bem longe de ns. Que bom seria classificar o mundo que
encontramos em direita e esquerda e acertar sempre. Quem dera eliminar o
desconforto e perenizar o prazer.
Mas no parece ser assim to simples, nem mesmo para os mais otimistas.
Afinal, muitos dos efeitos que o mundo produz em ns no se adequam ilusria
segurana do modo tabela.
VIDAS ESCOLHIDAS
Nas relaes que mantemos com outras pessoas, isso visvel. Quando
interagimos, somos afetados pela ao do outro (ou pela interpretao que dela
fazemos) e vice-versa. Nossa ao produz efeitos que participaro da vida desse
outro e, geralmente, em alguma medida nos importamos com este outro. Seja por
princpio moral, por amor, por compaixo ou qualquer outro motivo: sabemos
que nossa conduta vai afet-lo. E isso tambm importa. E muito.
Constantemente somos chamados a decidir pelos melhores caminhos a seguir,
a fazer escolhas. Quando decises deste gnero implicam tristeza ou frustrao do
outro, nos sentimos responsveis, sofrendo pela escolha feita. Porm, esta a
realidade para viver uma vida de verdade abdicamos de muitas outras. Toda
escolha pressupe renncia, sensao de perda. E nesta misso da escolha, muitas
dvidas so previsveis e recorrentes.
Questes que se apresentam com frequncia: devo mentir em meu proveito?
Ou em proveito do outro? Devo respeitar um compromisso assumido h tempos,
mesmo sabendo que me trar prejuzo? Se algum suspeito se aproxima, em local
deserto, devo partir para cima mesmo sem ter certeza de tratar-se de um agressor?
As perguntas poderiam ser enfileiradas at o infinito.
VALORES CONVERGENTES
Nada demais se a sociedade pudesse comportar a tenso de tamanha diversidade
de opinies. Pois at aqui, se o desentendimento sobre a beleza da cerejeira no
compromete tanto a ordem social, o mesmo no se pode dizer de um estupro, a
conjuno carnal sem a aquiescncia de uma das partes. Ao tomar a valorao da
conduta atrelada aos afetos, poderamos, com os exemplos mencionados, chegar a
dois cenrios: positivo para o estuprador e seu gozo; negativo para a vtima e seu
trauma ou at morte, talvez. Neste caso, teramos que aceitar um empate.
Alegria que anula tristeza.
Suponho que agora seja mais difcil concordar com o romantismo da tica
pautada pelas paixes. Fica claro que o valor moral deste tipo de conduta no
pode ficar merc das variveis afetivas trazidas pelos agentes do fato. A vida em
sociedade supe alguma concordncia sobre o que seja valor. Tanto das coisas
como das aes humanas. Pelo menos daquelas que podem comprometer
gravemente os fluxos sociais.
No por acaso, as instituies condicionam a admisso de seus membros ao
conhecimento e aceitao de alguns valores. Para que sejam conhecidos constam
em cdigos de conduta, so exibidos em cartazes, repetidos a exausto em alto e
bom som, exercitados em eventos motivacionais. Mas sempre caber a pergunta:
por que determinados valores so eleitos como vlidos em detrimento de seus
contrrios?
A desconfiana no lugar da confiana, a opacidade no lugar da transparncia,
o prazer no lugar da disciplina, o mximo benefcio imediato no lugar da
sustentabilidade do negcio, a superioridade tnica no lugar da equidade e assim
por diante. Frente tamanha oferta, preciso simplificar. Reduzir. Escolher
alguns valores que possam ser respeitados por qualquer um. Universalmente
talvez. Porm, como o que alegra uns no atende a todos, o que se v uma luta
pela generalizao do valor que corresponda prpria alegria. Aos prprios
interesses. Que seja o meu valor, o verdadeiro valor.
Desta forma, o mundo acaba por se converter numa arena de luta, onde
agentes se digladiam pela definio do valor legtimo das coisas. Com isso, os
resultados so sempre provisrios e ficamos refns de uma relao de foras
sempre passvel de subverso. Por este caminho, a tica torna-se uma questo de
poder.
isso. Precisamos saber muito mais do que nossos olhos enxergam ou do que a
posio de nosso corpo no mundo nos autoriza perceber. Por isso, o nico
caminho confiar e acreditar naquilo que nos contam.
Um jornalista assina uma matria. Sabemos que seus patres e os anunciantes
do jornal para o qual ele trabalha tm muitos interesses a preservar. Sabemos
ainda que costumam apresentar os fatos no espao que dispem e da forma que
mais lhes convm. E no poderia ser diferente, uma vez que o mundo grande
demais para ter a ntegra de acontecimentos acomodados em umas poucas
pginas ou em alguns segundos de notcias.
Mas, a despeito deste contexto, na hora em que voc abre o jornal de manh e
se dispe a ler suas pginas porque tem boa margem de certeza de que os fatos
relatados ali aconteceram realmente. E, quando voc conduz seu veculo e muda
de trajeto por conta de uma informao de trnsito ouvida no rdio, por estar
seguro de que o caminho habitual estar congestionado.
Se mentirmos sobre ns mesmos, estaremos impedindo nossos interlocutores
de conhecerem nossas prticas, hbitos, apetites Em resumo: de saber quem
somos, o que impediria nossa identificao e qualquer crdito de confiana na
veracidade de nossas afirmaes.
O efeito benfico de qualquer afirmao mentirosa sempre de curto alcance.
Pouco sustentvel. Porque uma vez associada a prtica da mentira a um
determinado autor, suas declaraes tornar-se-iam a partir de ento suspeitas.
Este no de confiana, diramos seguramente. E, se por hiptese, todos se
tornassem mentirosos, se a mentira virasse regra universal, qualquer iniciativa
mentirosa seria ineficaz. Ningum daria crdito a um mentiroso, ainda mais
consciente de estar diante de um deles. Isso tornaria a convivncia impossvel.
Portanto, s podemos concluir que mentir no adequado. No ajuda a viver e
conviver bem.
que a sinceridade fosse cruel demais. Ser que um doente, em estado terminal,
precisa mesmo de relatos verdicos?
E voc, na hora de terminar um namoro ou casamento, no momento de dar as
devidas justificativas, precisa mesmo revelar que encontrou outro ou outra, em
melhores condies de proporcionar prazer? Com apetrechos e dotes que no
consegue tirar da cabea? Ser to necessrio assim passar em revista os talentos
e competncias profissionais do pretendente?
Muita gente sabe bem as razes que motivam o novo amor. Ou pelo menos
conhece os fatores determinantes da troca. Mas mente, na hora de justificar ao
incrdulo cnjuge a deciso tomada. Diz que o problema pessoal. Que no se
sente altura daquele parceiro. Garante que o outro legal em demasia, que se
pudesse escolher algum para passar a vida eterna no hesitaria em procur-lo
novamente. Mentiras: por compaixo. Mentiras no lugar da verdade que pode
agredir muito. E, convenhamos, muitos de ns no suportamos ser a causa da
tristeza do outro. Seja o outro quem for.
Resumindo: parece bvio que a mentira no convm. E, ao mesmo tempo,
parece inevitvel mentir. Isso nos remete a uma comprovao simples: no h
facilidades quando se trata de aprender a viver. muito diferente de saber lidar
com geografia ou eletricidade, porque no caso destas e de outras cincias, mesmo
que suas leis possam ser a qualquer momento revisadas por alguma experincia
superveniente, as tais leis estaro presentes e com aplicabilidade reconhecida. J
sobre a melhor forma de ao na convivncia, no h lei que impere, no h
receita ou frmula que assegure sucesso nas escolhas.
VALORES COMPLEXOS
Porque para deliberar preciso lidar com opostos. Neste campo, o tempo todo
estamos nos ocupando com contradies, com uma gigantesca complexidade de
situaes, em conflitos de mximas e deveres. Max Weber para citar o exemplo
de apenas um dos analistas desta complexidade distingue a tica de princpios
ou de convico da tica de responsabilidade. A ltima est fundada nos fins e a
primeira nos meios, com propostas absolutamente inconciliveis. Sem que se
possa impor a quem quer que seja a adoo de uma ou de outra.
Encontra-se uma contradio entre valores, entre meios e fins. Tanta
complexidade acaba por desautorizar um entendimento sistmico da tica. H
uma frase de Lenin que expressa bem este aspecto. Se no for exatamente este o
texto, muito prximo de algo como: ns reconhecemos o valor da
camaradagem, o valor da ajuda a todos os camaradas, o valor de tolerncia s
suas opinies. Mas para ns este valor da camaradagem secundrio em relao
MORAL
Reflexes para viver
DISTNCIAS E APROXIMAES
ATO MORAL
Vou alm para dizer que o objeto da tica no tanto a ao, mas tudo o que
possa gui-la, norte-la. Em suma, a tica se dispe ao estudo de um certo tipo de
ao humana, normatizvel pela razo e que doravante denominaremos ato moral.
E que no se entenda esta norma como lei cientfica sobre o comportamento,
como em algumas psicologias e sociologias. Mas como um conjunto de princpios
seguidos livremente pelo agente.
Por conta desta interdependncia entre a razo prtica e a conduta, a estrutura
do ato moral complexa. Constituda por elementos subjetivos e objetivos, diria
um jurista. Tais como motivao para agir, conscincia dos fins visados, valores
morais, conscincia dos meios mais adequados para alcan-los e materializao
dos resultados.
Sobre a motivao, podemos dizer o seguinte: todo ato moral tem uma
motivao. Sua causa eficiente. Material e afetiva. E muitas podem ser as
FINS
Por conta das motivaes, sejam elas percebidas ou no, conjecturamos sobre as
vrias possibilidades de vida futura. So os fins do ato moral. No sei se me caso
ou se compro uma bicicleta, sugere o dito popular quanto trata do indeciso. A
questo aqui que todo ato moral implica a conscincia de um fim. Um ponto de
chegada. Mesmo que seja provisrio. E este fim sempre uma antecipao
mental, ideal da vida a ser vivida.
No se pode confundir motivao com fim. Um tem a ver com o outro, mas
definitivamente no so a mesma coisa. Motivao energia vital. Oscilao de
potncia. Afeto. Coisa que sentimos. O fim ou finalidade planejamento. Projeto.
Coisa que pensamos.
Se no ficou claro, podemos tentar com outras palavras. Motivao teso.
Excitao. Ganho setorizado de potncia, nem sempre consciente. Fim fantasia,
imaginao, sempre consciente. Nem a motivao nem o fim esgotam o ato
moral. Porque moral praxis. preciso decidir, alm de antecipar. E agora voc
j tem todos os ingredientes para entender o que vontade, o que significa um ato
voluntrio. Trata-se da antecipao mental da vida, seguida da deciso de viv-la.
Mais um detalhe: h uma distncia entre o fim e a deciso. Tudo porque vrias
vidas podem passar pela sua cabea. So muitas as antecipaes possveis.
Muitos os fins que podemos perseguir. Bem como os meios para alcan-los.
Porm, para que haja deciso, no comparativo de vrias vidas cogitadas, preciso
jogar no lixo a maioria. S aquela que identificada como melhor ser vivida.
VALOR MORAL
E essa identificao pressupe a adoo de um critrio. Isto , de um valor moral
que nada mais do que um critrio existencial, a partir do qual os fins sero
valorados. Sobre a definio de valor moral nunca houve unanimidade. Grosso
modo, podemos encontrar duas formas muito diferentes de conceb-lo.
De um lado, est aquela definio defendida pelos herdeiros de Plato ou por
muitos dos que so chamados objetivistas. De outro lado, est a corrente que
trabalhada por subjetivistas ou relativistas. Os primeiros tendem a entender o
valor determinado a partir de um critrio nico, que j est definido e se impe a
ns indistintamente. absoluto, portanto. Para alguns pensadores, como Marcel
Conche, filsofo contemporneo e excelente professor, o sofrimento de uma
criana o mal absoluto. Inaceitvel em qualquer situao. Tanto como meio
para alguma coisa melhor quanto como fim. diferente da dor de dente, um
mal relativo, aceitvel como meio para uma boca melhor e mais saudvel.
Segundo esta concepo, o valor no depende de nada. Nem da poca, nem do
lugar, nem das eventuais oscilaes de humor de cada um de ns. Este critrio
nico ideal e conhec-lo condio para uma boa deciso moral. nisso que
est pautada a perspectiva objetivista ou o objetivismo axiolgico, para os mais
pedantes, que defendido por autores idealistas do nosso tempo como Max
Scheler e Nicolai Hartmann.
Mas, e se no houver este gabarito absoluto para a melhor das vidas a viver?
Para a boa aula? O bom romance? Ou para nada? Neste caso, tudo estaria na
nossa mo. Dependeria do nosso apreo do momento. Valor inscrito no fluxo da
existncia. Sem referncia fora dela. Sem nada nem ningum acima, para empatar
o jogo.
Os valores agora seriam, ento, relativos. Determinados ao sabor dos encontros
com o mundo. Dos afetos de Espinosa. Das alegrias e tristezas, dos prazeres e das
dores. Neste caso, seria bom tudo que alegra, no tempo e na intensidade que
alegra. E ruim, tudo o que entristece. Perspectiva subjetivista, portanto. Ou
subjetivismo axiolgico, defendido por R. B. Perry, I. Richards, C. H. Stevenson,
entre outros.
Subjetivismo, com uma ressalva. Que este sujeito, todo poderoso definidor dos
valores do mundo, seja entendido como o resultado, sempre provisrio, de um
interminvel processo de socializao, num mundo social concreto, inserido
histrica e geograficamente. Porque ele vive neste mundo. E est em relao
ininterrupta com ele. Na impermanncia dele e do mundo. Relao objetivada em
encontros. Que vo esculpindo seu corpo. Transformando.
Tudo posto sob a perspectiva de interesses dominantes, com posies de poder
e suposta ordem social. Com meios e fins morais legtimos e autorizados pela
civilizao. Com os trofus reconhecidos. Canalizando as energias vitais na
direo do que vale a pena perseguir. Para que busquemos o bem e evitemos o
mal.
MAL E BEM
Quando o tema tica, a reflexo sobre o mal se impe quase naturalmente. O
primeiro impulso defini-lo como o contrrio do bem. Mas pode ser uma medida
pouco eficaz, quando no se tem clareza sobre o que exatamente vem a ser o
bem. Acredito que definir o mal pelo bem regredir em entendimento e minha
afirmao est fundamentada na certeza de que conhecemos muito melhor o mal
do que o bem.
H uma ideia que sempre me encantou e que inspirada na leitura de
Pensamentos, de Blaise Pascal, um dos pesos pesados da filosofia crist.
Tambm muito cara a Sponville, quando o filsofo francs fala do assunto.
Trata-se de discutir a assimetria entre o bem o mal. Este ltimo, de acordo com os
dois pensadores que acabei de mencionar, gigante, cristalino e onipresente.
Enquanto o primeiro, configura-se suspeito, frgil e raro.
Sugiro que para compreender melhor esta comparao, voc pense tambm na
assimetria entre o verdadeiro e o falso, que analisada por Karl Popper, filsofo
nascido no incio do sculo XX. O falso parece estar em todas as partes, enquanto
o verdadeiro encontra-se sempre sob suspeita, desde as reflexes propostas por
David Hume, sobre a induo. Como passar do fato lei? Como a observao
emprica de uma infinidade de fatos poderia autorizar uma lei universal? A rigor,
no autoriza.
Como verificar a veracidade da proposio: todos os cisnes so brancos? Por
mais cisnes que tenhamos visto, que sejam mil, por exemplo, e todos brancos,
nada garante que o milsimo primeiro seja tambm branco. A proposio ,
portanto, inverificvel. Bastaria encontrar um nico cisne negro para que fosse
falsa.
O mesmo se passa com o bem e o mal. Quando julgamos que algum agiu
bem, logo nos damos conta da fragilidade de nosso juzo. A boa ao parece
sempre suspeita. O bem sempre duvidoso. Assim, dar algum trocado a um
pobre pode corresponder a inmeras motivaes egostas: aliviar algum peso de
conscincia, parecer generoso a terceiros, ser merecedor de alguma recompensa
transcendente, etc.
Em contrapartida, algum que rouba de pobres como no desvio de verbas
pblicas de programas de assistncia emergencial a vitimados por alguma
DEVER MORAL
Kant, na Religio nos limites da simples razo, comea por constatar que o
mundo mau. E que o homem mau. Ele joga luz sobre a assimetria entre o bem
e o mal moral. H quem no concorde. Quem considere o mundo maravilhoso.
No que me diz respeito, tendo a concordar com Kant 200% neste ponto.
No captulo O homem mau por natureza, Kant investiga sobre a origem do
mal moral. O homem teria conscincia do seu dever, da lei moral, e, na hora de
agir, daria um jeito de se afastar dela. Quando isto lhe conviesse. Haveria no
homem uma inclinao natural ao mal. Desejado livremente. Mal radical inato na
natureza humana. Para quem no est entendendo o que sugere Kant, basta olhar
em volta.
A primeira suposio, comentada por Kant sobre a tal origem do mal moral a
de que o homem seria mau por sua sensibilidade. Entenda-se por seus afetos,
inclinaes corporais, instintos, pulses. Poderiam estas ser a causa do mal moral?
Teria o corpo apetites que levariam o homem a agir de forma moralmente
inaceitvel? Estaria nas vsceras a inclinao natural para o mal? No caso de um
indivduo que lana mo de uma arma de fogo e dispara contra toda a sua famlia,
ou de outro que viola uma criana, agiriam simplesmente por raiva e apetite
ertico?
No, responde Kant. Porque se assim fosse, o mal moral seria dio. E, como
acabamos de dizer, moral no dio. Como tambm no amor. Se o homem
fosse simplesmente regido pelos instintos, seria bestial. No transcenderia a mais
estrita animalidade. Os animais no tm moral. Falta-lhes, para tanto, justamente a
condio de autonomia deliberativa. Um lobo, um javali ou um polvo no so
maus. So o que so. Esto fora da moral. E o homem no se confunde com eles.
Bem, j que a origem do mal no est nos apetites, onde mais poderia estar?
Na razo, talvez? Na instncia deliberativa? Adviria o mal de uma perverso da
conscincia moral? De um vcio da razo prtica? De uma vontade absolutamente
maligna? Optaria o homem pelo mal, na hora de agir, por uma caracterstica
intrnseca ao prprio pensamento?
Tambm no, dir Kant. Porque se assim fosse, no poderia haver conscincia
do mal. No haveria, em relao ao mal, nenhum recuo. Distanciamento.
Condio da conscincia. O homem, neste caso, seria o prprio demnio. Que
faz o mal pelo mal. O que tambm no o caso. Segundo Kant, o homem sempre
faria o mal visando algum tipo de bem ou vantagem para si prprio. Em defesa do
autor, sempre se poder argumentar que sdicos e perversos agem mal por que
tem algum prazer nisto. Se assim no fosse, seriam demnios, na categorizao
kantiana.
Bem, at aqui conclumos que o homem no nem animal nem demnio. Mas,
se a origem do mal no est na sensibilidade, coisa de corpo e de animal, nem na
razo prtica, coisa de alma e de demnio, onde poderia estar?
Preste ateno agora. Aqui est o pulo do gato. De acordo com a teoria
kantiana, a origem do mal estaria no encontro da sensibilidade, apetites e pulses
com a conscincia moral, com a razo prtica. E qual seria o problema nesse
encontro entre o que sentimos e o que pensamos? O mal estaria na inverso da
hierarquia legtima entre ambos. Numa defasagem entre o que deveria acontecer e
o que acaba acontecendo.
Comecemos pelo que deveria acontecer. Para Kant, qual seria a relao
hierrquica legtima entre a conscincia moral e os apetites do corpo? A
prevalncia da primeira, claro. Caso contrrio, no seria Kant. De tal maneira
que os ltimos devem ser satisfeitos dentro dos limites e das condies definidos
pela primeira. Em outras palavras: a satisfao deve ser buscada de acordo com a
lei moral. Se preferirem, a busca da felicidade deve estar subjugada ao dever.
Passemos, agora, ao que acaba acontecendo. A inverso desta hierarquia
legtima. Isto , na adequao indevida das normas aos apetites. No alinhamento
do dever aos interesses do momento. Na lei como trampolim para a felicidade.
Quando s deveramos aceitar o gozo e a felicidade na medida em que estivessem
conforme a lei moral, o que fazemos respeitar esta ltima nos limites e nas
condies que nos permitam gozar e buscar o mais eficazmente possvel a
felicidade. Perceba que nesta reflexo kantiana, a busca da felicidade pode ser o
prprio mal. Mas nem sempre os filsofos pensaram assim.
Se voc est com a sensao de dvida, de dispor de menos certezas sobre a
vida e sobre a convivncia do que contava algumas pginas atrs, o objetivo da
reflexo feita aqui j foi alcanado. Afinal, tica e moral tm mais a ver com
problematizao da nossa convivncia do que propriamente com um gabarito de
respostas certas apresentado por um professor.
Para explorar um pouco mais o tema, eis algumas sugestes, entre tantas
imperdveis: tica, de Adolfo Sanchez Vazquez, Kant e A religio nos limites da
simples razo, Marcel Conche e sua Orientao filosfica, Sponville e o captulo
Labirintos da moral, do Tratado do desespero e da beatitude.
LIBERDADE
A definio do homem e suas consequncias
LIBERDADE DE AGIR
O primeiro tem a ver com o que acabamos de mencionar, como a livre ao, com
o sentido fsico da liberdade. De agir, de fazer alguma coisa, de ir e vir, de pegar
a estrada, ir de helicptero, descer a escada rolante de dois em dois para conseguir
pegar aquele trem de metr que anuncia partida, de parar de correr para degustar
um pastel de feira e acompanhado de um copo de caldo de cana. De ficar
morgando. Liberdade de no se mover, simplesmente. Liberdade sem dvidas,
realidade comprovada todo o tempo pela experincia de cada um.
O mesmo raciocnio vale para a coletividade quando define sua prpria
trajetria. Sobretudo, quando recebe uma ajudinha de foras supracelestiais, por
exemplo, para abrir o mar. Liberdade de assentamento. De poder ficar. Mas
tambm de ser nmade. De atravessar fronteiras. Afinal, a liberdade poltica ,
antes de tudo, fsica.
Esta liberdade para agir o contrrio da obrigao. Ou da escravido. Ou
ainda, como observa Thomas Hobbes, a ausncia de qualquer impedimento que
se oponha ao movimento. A gua que se encontra num copo no livre. Porque
este ltimo impede seu movimento. O copo se rompe. E, ento, a gua recupera
sua liberdade. Da mesma forma, qualquer um de ns ser livre para agir quando
nada nem ningum impedir nosso movimento.
Esta liberdade, portanto, nunca nula. Nem absoluta. De um lado, porque
algum movimento sempre possvel. Mesmo com obstculos: retida no copo, a
gua se agita. Roupas apertadas esgaram com o tempo. E ainda, na cela, o
prisioneiro simplesmente age, comanda operaes de trfico ou mesmo uma
revoluo contra o poder do Estado. Enquanto h vida em seres ditos
moventes, nunca nula a liberdade de movimento.
Em contrapartida, esta mesma liberdade tambm nunca ser absoluta. Afinal,
ningum pode fazer, a todo o momento, tudo o que quer. A limitao pode ser a
condio fsica, como voar, sem o auxlio de algum meio propulsor externo ou
LIBERDADE DE PENSAR
Outro ponto de observao da liberdade pode se dar a partir do pensar. Liberdade
intelectual, que tem por objeto o pensamento. Condio de um livre pensador.
Liberdade do esprito, para alguns. Da parte superior da alma, para outros. Da
substncia pensante ou da mente. A histria do pensamento prdiga nas
nomenclaturas. Mas enquanto no for possvel identificar o que est por trs das
coisas que passam pela nossa cabea, ficar difcil saber quem goza desta to
cobiada liberdade.
O direito, nos estados ditos democrticos por intermdio das liberdades
pblicas garantidas constitucionalmente , j cuidou em parte do problema.
Afinal, esta liberdade de pensamento sobre a qual falamos muito correlata de
informao, de expresso, de culto, etc. Todos ns sabemos que livre o povo
que fala o idioma da sua cultura, que cultua os deuses de sua f, define o que
sagrado, materializa o absoluto em arte e faz suas escolhas. Delibera seus
caminhos e, assim, define seus pontos de chegada e o que quer vir a ser um dia.
Escolher o que queremos da vida pressupe pensamento livre,
responsabilidade e conscincia a respeito das prprias decises sobre a
importncia de agir com conhecimento de causa, como se diz. Toda escolha
resulta de um exerccio intelectivo, da aplicao de um critrio, ou de uma
mxima de conduta. Por isso, quando se pretende reduzir ou eliminar a
responsabilidade, tarefa recorrente de advogados de defesa, discute-se a plena
conscincia do agente no momento da ao. Ele no sabia direito o que estava
fazendo.
Mas, para alm da moral e da poltica, cabe perguntar: haver liberdade
intelectiva quando estamos em plena resoluo de um problema matemtico?
Destes que j tm uma resposta certa? No estaramos, neste caso, limitados por
uma resoluo que se impe a ns? No seria uma forma de escravido ter que
seguir certos passos para chegar a um resultado que no podemos contornar?
Como poderia ser livre o pobre do aluno que resolve um problema de geometria
LIBERDADE DE QUERER
At aqui falamos sobre dois sentidos para liberdade: a de fazer e a de pensar.
Mesmo juntos, ambos no do conta de enquadrar a provocao inicial desta
aula. Afinal, como vimos, no basta, para ser livre, fazer ou pensar o que
queremos. Ainda seria preciso ser livre para querer o que queremos. Aqui, o
sentido de liberdade muda sobretudo porque outro seu objeto.
No primeiro sentido, ser livre questo de poder agir. Seu objeto , portanto, a
ao. A liberdade fsica. De fazer ou no. No segundo sentido, ser livre
questo de poder pensar. Seu objeto , ento, o pensamento. A liberdade
intelectiva. De pensar ou no. Neste terceiro sentido, ser livre questo de querer.
E o objeto agora a vontade. A liberdade deixou de ser simplesmente fsica ou
intelectiva. Por isso, muitos a denominam metafsica. E at absoluta ou
sobrenatural.
Ser que somos livres para querer o que queremos? Voc optou pela leitura do
livro que tem em mos. Nada nem ningum o impediu. Tampouco o obrigou.
Voc veio ao encontro destas pginas livremente, movido pela prpria vontade.
Em algum instante teve vontade de vir. Mas, neste preciso instante, ter sido livre
para querer ler o livro? Liberdade de ter vontade? Perceba que estamos falando
de liberdades diferentes.
Uma coisa a liberdade de pegar o livro e tomar os ensinamentos que
transmito. Outra bem diferente a liberdade de querer ler. Algo do tipo a partir
de agora vou sentir uma vontade enorme de acompanhar as explicaes do
professor sobre liberdade!, ou ainda, quando algum perguntar por que voc
quer aprender sobre de filosofia, no lugar de um acanhado deu vontade!, a
resposta poder ser: porque sou senhor da minha vontade!
Posso supor no seu semblante algum desconforto. Tudo porque certamente
deve estar acostumado com o contrrio. Com um querer que se impe. Que
simplesmente surge. Com um impotente deu vontade, que acaba conferindo ao
cotidiano um novo rumo. Essa estria de ser livre para querer parece incompatvel
com as nossas experincias de vida.
Vejamos outro exemplo. Em uma eleio democrtica, quando respeitadas as
regras eleitorais e a oferta do mercado das candidaturas, cada cidado comparece
urna e vota, sem constrangimento. Tem total liberdade de ir votar. Ou at de
no ir, quando o voto facultativo. Liberdade fsica de apertar os botes
correspondentes ao candidato que considera mais adequado. De fazer parte de um
contingente que de fato eleger uma autoridade.
Votar tem a ver com reforar convices. Com a liberdade de pensar sobre o
futuro da prpria sociedade. Isso pressupe uma vontade anterior. Uma inteno
de voto. Mas, ainda assim, cabe a pergunta: ter havido liberdade de querer votar
neste ou naquele candidato? Ou ser o voto o simples resultado mecnico da
socializao poltica do eleitor que aprendeu, na famlia, classe ou cl a que
pertence, a definir suas escolhas com base em certos valores? Ou das inclinaes
emocionais de simpatia e antipatia patrocinadas pelo trabalho poltico de
apresentao miditica dos candidatos? Ou ainda da construo de identidade
prpria que nos leva ainda que cada vez mais raramente a posar socialmente
como sendo de esquerda ou de direita, liberal ou conservador, simpatizante ou at
militante deste ou daquele partido? Ou talvez de tantas outras variveis que
pretendam explicar cientificamente a inteno de voto? Neste caso, votar
livremente em quem queremos no implicaria estar refm de tantas condies que
nada teriam a ver com a nossa livre deliberao?
Esta liberdade metafsica de querer, de vontade, a que mais interessa
filosofia. A que mais intriga. E, por esta razo, a que mais mereceu ateno de
pensadores consagrados. Vamos recorrer a eles, como forma de mais uma vez
descolar do senso comum. Podemos comear com Plato porque para a maioria
das questes ditas metafsicas difcil fazer diferente.
A ASTCIA DE PROMETEU
Plato se serve com frequncia de mitos para expor suas ideias. H quem goste
dos deuses e de suas aventuras. Mas, num texto filosfico, no o que mais
importa. Trata-se de artifcio didtico, como os exemplos dados em aula que
dos animais. E deixaria os homens para o irmo, Prometeu, o mais antenado, que
pensava um pouco mais antes de agir.
Epimeteu recorreu a todos os recursos naturais disponveis para produzir os
animais. E o fez moda de Zeus. Buscando o equilbrio, criando uma verdadeira
biosfera. De tal modo que todos os animais pudessem dispor de algum recurso
para enfrentar as intempries e predadores. Assim, os mais pesados, os mais
velozes, os mais contundentes, os mais geis. Uns com couro, outros com
carapaa, outros com ferro, etc. Cada um na sua.
Preocupou-se tambm com o todo. Com a preservao de todas as espcies, do
entorno, do meio ambiente. Assim, por exemplo, carnvoros alcanam mais
rapidamente a saciedade do que herbvoros. A distribuio dos recursos naturais
alinhava naturalmente cada criatura ao cosmos definido por Zeus. Apesar de
Epimeteu ser Epimeteu, fez um trabalho de grande inteligncia.
A no ser pelo fato de ter deixado seu irmo na mo. Ao conceder aos animais
todos os bens naturais, note bem, TODOS, acabou condenando Prometeu a fazer
o homem sem nada, praticamente sem recursos. Lembro-me de meu primeiro
Chevette S. Nunca soube o que o S queria dizer ao certo. Simples, talvez.
Standard, diro os mais entendidos. Ou, S de sem nada. Nenhum acessrio.
Recurso zero. Nem couro, nem barbatana, nem muita fora, nem peso, nem faro
potente, nem mandbula, nem nada.
Atente para este nada. Vamos precisar dele mais tarde. Em pleno sculo XX.
Na hora em que o existencialismo de Jean-Paul Sartre for explicar o que entende
por liberdade em O ser e o nada.
Para compensar tanta carncia natural, Prometeu se viu obrigado a roubar, no
palcio de Atena, a astcia. Surrupiou tambm o fogo em outro lugar. Assim, o
homem, zerado de natureza, nadadizado de recursos, poderia, produzir com
prprio esforo tudo o que precisasse, as ferramentas que lhe fossem necessrias.
Poderia tambm fazer da vida o que bem entendesse. Sem as habilidades
garantidas por Epimeteu aos animais, o homem viu-se desobrigado de qualquer
alinhamento. Se a vida dependia da sua astcia, o homem no poderia ser nada
antes de us-la. Em outras palavras, a burrada de Epimeteu nos deixou num mato
sem cachorro. Porm, livres para viver do prprio modo. No nosso caso, alinharnos com o universo csmico uma questo tica. Uma escolha. Contingente.
Que exige saberes sobre ns mesmos e sobre o universo. Saberes que nem
sempre temos.
Ancestralidade pouco nobre, portanto, esta da liberdade. E, como se no
bastasse, os deuses ficaram furiosos. Prometeu foi castigado por Zeus. Amarrado
em um Rochedo, sofreu com o ataque das aves de rapina que queriam comer suas
vsceras. Crueldade redobrada se considerarmos que se tratava de um deus, que
no morria nunca. Prometeu acabou solto pela interveno do filho de Zeus. Vale
a pena a leitura do relato platnico. Sempre tendo em mente a problemtica
filosfica que lhe confere densidade. Esta reflexo sobre a liberdade acabou tendo
sequncia no pensamento moderno. Com Jean-Jacques Rousseau.
APERFEIOAMENTO CONTNUO
Alis, quando se fala em liberdade, a visita a Rousseau obrigatria. Temos um
texto forte de referncia: O discurso sobre a origem e o fundamento da
desigualdade entre os homens. Ttulo longo, texto curto e muito fcil de ler.
Se voc no tiver tempo de ler o texto todo, conclua ao menos as primeiras
pginas do texto onde Rousseau pretende apresentar o especfico do humano.
Aquilo que permite defini-lo ou distingui-lo dos demais viventes. Principalmente
dos outros animais. Trata-se de uma teoria do homem. Um exerccio de
antropologia que reflete uma preocupao comum a muitos contemporneos de
Rousseau. Por que ser que s na modernidade a filosofia precisou se debruar
imperativamente sobre esta questo do especificamente humano?
Como acabamos de ver, durante sculos o homem acreditou que o universo
seria csmico. E que esse Cosmos seria a grande referncia tica. Definidor do
certo e do errado na hora de escolher a vida. Com o pensamento cristo um
Deus transcendente, criador de tudo, inclusive do homem, tem para ns misso e
talentos e a referncia tica, passou a valer a vontade de Deus ou aquilo que ele
pretende para ns, com o eixo essencial do que ou no pecado na hora de
escolher a vida.
Estas duas referncias sofreram forte abalo no comeo da modernidade. Com a
revoluo cientfica, descobrimos que o universo no csmico. No
perfeitamente harmnico, nem ordenado. sem sentido, sem direo, sem
finalidades pr-determinadas. Quanto vontade de Deus, fragmentou-se nas
reformas religiosas.
E, quase no mesmo momento, o homem viu os parmetros sobre a tica,
outrora to firmes, simplesmente virarem fumaa. Neste momento, ao homem s
sobrou ele mesmo. E o outro ou os outros. A tal humanidade. E ele mesmo
tornou-se referncia, assumindo um protagonismo indito na histria. O sujeito
converteu-se na pedra de toque do bem viver. E do bem conviver.
Mas o que justificaria tal honra? O que teria o homem de to especial que
fundamentasse esse giro? Do eterno e absoluto espelhado no cosmos e em Deus
para o plano finito e parcial do humano? Veja porque passou a ser importante
investigar sobre a especificidade do homem. Para defini-lo e, fundar, assim, uma
nova moral: a do sujeito, no mais a csmica e nem a divina.
erudio. Alm do senso comum, pensadores legtimos, arautos da psmodernidade, consideram que um dos principais pontos de ruptura entre o ps e o
simplesmente moderno reside neste ponto, da universalidade moral.
Michel Maffesoli, representante reconhecido desta corrente ps-moderna,
afirma que a sociedade de hoje politesta, em relao sociedade moderna,
monotesta. E com este politesmo no revela somente a possibilidade de servir ou
seguir vrios deuses, mas tambm valores, formas de julgamento moral.
Mas, voltemos a Kant, que diz algo como: faa de tal maneira que a mxima
que preside a sua ao possa ser universalizada. Possa ser transformada em lei.
Eis a frmula do imperativo categrico. Perceba a tangncia entre esse
universalismo e o desinteresse. Afinal, toda pretenso de universalidade implica a
negao da prpria particularidade. A resistncia frente aos prprios interesses.
Ao egosmo. Para levar em conta o interesse geral, o bem comum, preciso
considerar o interesse dos outros. Descolar da prpria natureza egosta.
Importa lembrar aqui que esta considerao do interesse do outro no natural.
Exige esforo. Para ser livre, ter boa vontade, considerar o outro e buscar o
universal, preciso remar contra a corrente, ir na contramo, estar, a todo o
tempo, focado no respeito ao dever.
Desta forma, enquanto para os gregos a virtude corresponde atualizao dos
talentos naturais, realizao da natureza em ns, para o pensamento moderno de
Kant a virtude uma resistncia ou oposio a essa mesma natureza. A luta
contra a natureza em ns. Disposio que se aprende. Que se fabrica. Por no ser
inata, exige educao, porque a matria bruta sombria.
Igualdade, desinteresse e universalidade. Consequncias da liberdade,
fundamento da boa vontade e de todo edifcio moral de Kant. Parece atrativo.
Mas no to simples. A tal liberdade, fundamento de tudo, no muito fcil de
explicar. Torna-se tambm um problema de conhecimento. Tem a ver com os
prprios limites da razo terica. Para alm da razo prtica. Para Kant, a
liberdade est um pouco alm da fronteira do que podemos conhecer. Pensar
sobre ela nos leva a uma antinomia. A um conflito da razo com ela mesma.
Conhecer alguma coisa, explicar uma ocorrncia quer dizer apontar suas
causas. Porque todo efeito tem uma causa determinante, que o faz ser o que . Ou
o que s poderia ser. Assim, dadas certas causas, agindo sobre determinado
mundo, os efeitos sero inexorveis.
Como ocorre com todos os fenmenos naturais chuva que chove, o faz com
a intensidade, a temperatura da gua, a durao estritamente determinadas por
causas meteorolgicas. Ento, a nica pergunta que pode surgir no esprito de
vocs : se tudo no mundo estritamente determinado, por que o homem, ao agir,
poderia ser livre, escapando assim a esta rede de causalidades?
Guarde estas inquietaes. Nunca espere da filosofia mais do que ela pode
oferecer. Para respostas indiscutivelmente certas no faltaro gurus e dezenas de
livros nas estantes das livrarias. Aqui a pegada outra. Infelizmente fui longe
com Plato, Rousseau e Kant e quase no falei de Sartre e seu existencialismo.
IDENTIDADE
Quem somos ns?
COMPLEXIDADE CONCEITUAL
Toda definio denuncia alguma identidade. Algo que permanece naquilo que
estamos definindo. Porque se tudo nele se transforma a cada segundo, teramos
que ter uma nova definio para cada um destes segundos. E todas estariam
IDENTIDADE E SINGULARIDADE
Identidade toda manifestao pela qual um indivduo se atribui, prioritariamente
por intermdio de um relato, um sentimento de continuidade e de relativa
coerncia. Trata-se, portanto, de uma manifestao que permite ao seu enunciador
circunscrever-se e estabelecer uma diferena especfica, com pretenses de
permanncia, em relao ao que lhe externo. Objetiva-se em uma estrutura
narrativa em que a conscincia do eu uma interpretao da prpria trajetria.
Narrativa que, como observa Ricoeur, se serve tanto da histria quanto da
fico, fazendo da histria de uma vida uma estria ou, se preferirmos, uma
fico histrica, entrecruzando o estilo historiogrfico das biografias com o estilo
romanesco das autobiografias imaginrias.
Assim, os relatos identitrios no so s memria, como propunha Locke. So
mais do que simples reconstruo narrativa da percepo dos fatos da prpria
trajetria. memria do que efetivamente percebemos como vivido vem juntarse um apenas imaginado. A identidade, portanto, transcende a existncia prtica,
factual.
Mas as cincias sociais insistem em garantir que esta singularidade era ilusria,
que no h nem substncia nem substrato, mas um jogo mltiplo e indefinido de
estruturas diversas, fsicas, psquicas, sociais, lingusticas, que a alma no poderia
ser, em hiptese alguma, o sujeito, ou a causa, ou a soma, mas no mximo o
efeito. Ora, se o eu vrios outros, que resta do sujeito? Nada, sem dvida, a no
ser a iluso de si.
Essa falta de um substrato exige de ns a repetio exaustiva do relato
narrativo que nos define, para ns mesmos e para os outros. Relato das iluses
sobre si, sem objeto. Vazio ontolgico. O eu nada mais do que essas qualidades
que no so ele, como ponto de fuga para o qual convergem de maneira ilusria
paralelas annimas. Por isso, a identidade pessoal representa um desafio para os
que se opem a uma concepo no relativa da identidade.
Afinal, diante da transformao, a identidade, para garantir minimamente a
iluso do eu, deve resistir, permanecer ou, pelo menos, parecer permanecer
para si e para o outro.
Algo na identidade deve permitir uma apresentao de si repetida, que se
mantenha em face de qualquer nova condio objetiva de existncia. Algo que
habitualmente oferecemos ao mundo social como definidor de ns mesmos.
Satisfao de uma exigncia, tambm habitual, por parte de mltiplos universos: a
apresentao de um ou mais traos distintivos.
IDENTIDADE E RESPONSABILIDADE
A anedota de Epicrmio, indicativa do interesse que os estoicos j
demonstravam pela relao entre o tempo e identidade pessoal. Dois indivduos
conversam. Um deles argumenta:
Pense nos homens. Uns crescem, outros encolhem. Todos esto
constantemente em vias de mudana. Mas o que pela sua natureza muda e nunca
permanece fixo j deve ser diferente do que era antes de mudar. Voc e eu somos
diferentes hoje do que ramos ontem. Pela mesma razo, seremos diferentes no
futuro, no seremos nunca os mesmos. Seu interlocutor parece concordar com as
ponderaes.
O primeiro ento conclui que ele mesmo no o mesmo homem que contraiu
dvida ontem. Desta forma, dificilmente poder ser responsabilizado por ela.
O outro, ante esta inferncia, o golpeia com violncia. O agredido protesta.
Neste momento o agressor salienta que naquele instante ele outro homem,
IDENTIDADE E MEMRIA
Por isso, o critrio da identidade pessoal para Locke deve ser a memria. De
acordo com o que prope. Essa conscincia acompanha sempre nossas sensaes
e nossas percepes presentes. por a que cada um para si mesmo o que
chama de si mesmo. No consideramos nesse caso se o mesmo si mesmo
continuou na mesma substncia, ou em diversas substncias. Porque a
conscincia acompanha sempre o pensamento, e que esse que faz com que ele
possa se nomear a si mesmo, e possa se distinguir de qualquer outra coisa
pensante.
nisso e s nisso que consiste a identidade pessoal. Ou o que faz que um ser
racional seja sempre o mesmo. E to longe que essa conscincia possa se estender
sobre as aes ou os pensamentos j passados, to longe se estender a identidade
dessa pessoa. O si mesmo presentemente o mesmo que o que era ento. E essa
ao passada foi realizada pelo mesmo si mesmo que se remete a ela no presente
no esprito.
Permanncia: iluso exigida, portanto. Impasse entre a alienao de se crer
sempre o mesmo e a insanidade de se crer outro a cada instante. Da a tristeza
espinosana. fcil ver que ela nasce da opinio sobre si e do erro que dela
provm. Dentre as tristezas, a melancolia. Eliminao radical da alegria. Tristeza
pelo corpo inteiro. Tristeza necessria, no entanto. Cauo de pertencimento ao
mundo civilizado. Onde as pessoas devem crer que permanecem, ainda que na
contramo da vida.
Sem essa crena na permanncia estariam comprometidas as relaes sociais.
A fugacidade radical condenaria o interlocutor incerteza, absoluta ausncia de
referenciais. Seriam incoerentes de ofcio todas as expectativas sobre a conduta
alheia. Afinal, para esperar que algum aja de alguma maneira preciso que haja
algum. A reduo aparente da contingncia do outro, ilusria, mas securitria e
tranquilizadora, coloca sob os holofotes o mais habitual, garantindo, assim, aos
que se relacionam, alguma existncia. Como, por exemplo, enquanto um objeto
de posse: meu marido, meu pai, minha professora, meu amor, etc. Recorremos
literatura machadiana:
No era esta certamente a Marcela de 1822; mas a beleza de outro tempo
valia uma tera parte dos meus sacrifcios? Era o que eu buscava saber,
interrogando o rosto de Marcela. O rosto dizia-me que no; ao mesmo tempo os
olhos me contavam que, j outrora, como hoje, ardia neles a flama da cobia. Os
meus que no souberam ver-lha; eram olhos de primeira edio.
IDENTIDADE E AMOR
Pascal tambm reflete sobre a identidade a partir da problemtica do amor. Afinal,
em face das dificuldades de conceituar a pessoa, de atribuir-lhe uma identidade,
qual o objeto do amor? Meditao pascaliana que se segue: O que o eu?
Algum que ama algum por causa de sua beleza ama-o mesmo? No, porque a
varicela, que matar a beleza sem matar a pessoa, far com que ele no a ame
mais. E se algum me ama por meu discernimento, por minha memria, ama
mesmo a mim? No, porque posso perder essas qualidades sem me perder. Onde
est, pois, este eu, se no est nem no corpo nem na alma? E como amar o corpo
ou a alma a no ser por essas qualidades que no so o que faz o eu, pois so
perecveis? Pois amaria algum a substncia da alma de uma pessoa
abstratamente, quaisquer que fossem as qualidades que nela houvesse? Isso no
possvel e seria injusto. Portanto, nunca se ama ningum, mas apenas qualidades.
Ora, Pascal falando do amor e de seu objeto observa que, no que diz respeito
identidade pessoal, preciso distinguir entre uma norma fundamental que
garantiria a identidade de uma pessoa e seus ndices exteriores de
reconhecimento.
De inspirao pascaliana, o debate contemporneo sobre o critrio da
identidade permanece. Se os estoicos ou mais tarde os modernos buscavam os
critrios de identidade pessoal sem muito se preocupar com a natureza dos
critrios de identidade, o mesmo no acontece na filosofia contempornea. A
questo central sobre o que devemos entender por critrio de identidade.
Infelizmente no teremos tempo para visitar estes autores.
IDENTIDADE E NARRATIVA
A narrativa identitria, como todo discurso, encontra-se em circulao.
Redefinio incessante de si mesmo. A fala de quem pretende se definir o eu
falando de si mesmo apenas um momento dessa trajetria. Porque a
identidade o resultado sempre provisrio de um dilogo entre o social e o
sujeito, entre as mltiplas representaes enunciadas por esse ltimo e por ele
flagradas e a forma, sempre criativa e singular, pela qual as rearticula.
Assim, quando falamos de identidade referimo-nos no a uma espcie de alma
ou a uma essncia com a qual nascemos, no a um conjunto de disposies
internas que permanecem fundamentalmente iguais durante toda a vida,
independentemente do meio social onde a pessoa se encontra. Referimo-nos sim a
um processo de construo no qual os indivduos vo se definindo a si mesmos,
em estreita interao simblica com outras pessoas.
Por isso, a despeito da componente inventiva que caracteriza toda construo
IDENTIDADE E MORAL
Argumentos morais, objetivadores de uma identidade, e no caso dos
PODER
Uma arte de relaes e reaes
Nosso objetivo falar sobre poder de uma forma diferente. Trat-lo no somente
como um problema poltico, o que o mais comum, mas como uma questo de
relaes interpessoais nas quais o mandar em algum se d a partir de certas
condies. Para que o tema seja melhor compreendido, precisamos fazer algumas
consideraes iniciais. Em primeiro lugar, para que haja o que chamamos de
poder, preciso que concebamos as pessoas como social e politicamente
diferentes umas das outras. necessrio que, de alguma forma, aceitemos que as
regras e modos de tratamento dispensados a uns no valem para outros. Em suma,
devemos considerar as relaes sociais marcadas por desigualdades.
Em segundo lugar, considerado o modo particular como as pessoas se
desigualam como professor e monitor, patro e empregado, rei e sdito, etc.
preciso no s especificar essas diferenas, mas tambm legitim-las. Isso
significa dizer porque o rei merece a realeza, porque o desigual merece a sua
desigualdade. Estamos diante de duas questes, portanto. A primeira: quem e
como so os diferentes? A segunda: por que os diferentes merecem sua diferena
e modo diferenciado de tratamento, que marcam os saberes produzidos acerca do
poder? So os questionamentos que balizam uma epistemologia do poder.
Algumas reflexes, mesmo sem um aprofundamento no discurso filosfico, j
podem ser feitas aqui. Uma vez que o poder est baseado na desigualdade, no
toa que aqueles que o exercem desenvolvam toda uma esttica e rituais em
torno de sua pessoa e de seus iguais, procurando manter esse acervo com unhas e
dentes. a coroa do rei, a roupa de grife do empresrio, o gosto dito sofisticado,
etc.
Ao agir assim estigmatizam como inferior o que diferente, tudo o que
identifica os que no pertencem a uma elite qualquer. Como, por exemplo,
quando se diz que gostar de msica clssica uma qualidade e enquanto gostar
de funk demonstrao de ignorncia e mau-gosto.
Ainda como efeito dessa necessidade de destacar positivamente o que
distingue os poderosos possvel identificar a desqualificao, de forma mais
violenta e incisiva, das tentativas feitas no sentido da aproximao ou apropriao
indevida dos sinais de status. o caso das falsificaes de produtos, cujo uso
condenvel no s pelo aspecto ilegal, mas sobretudo por ser grotesco, no sentido
de configurar a tentativa de parecer, mas no ser.
Estas atitudes apontam para uma premissa sociolgica do poder, quando ele
o efeito de uma relao entre pessoas que interagem em condies de
desigualdade. Neste campo da interao, podemos destacar trs perfis. O
dominante, guardio e usurio legtimo dos smbolos de poder. O pretendente a
dominante, ou o dominado que acha que pode tornar-se dominante, o grotesco. E,
por ltimo, o dominado, o puramente dominado, o que se qualifica como no
esperar que resulte das deliberaes da agor a praa pblica na antiga Atenas
a vitria dos argumentos mais estpidos. O que esperar, afinal, de leis
produzidas por esta verdadeira reunio de idiotas? Nada alm de uma vida idiota
numa cidade idiota.
As leis deveriam nortear a todos para a vida boa e no o contrrio. Deveriam
conter a sabedoria do que bom para todos e no apenas o que bom para
alguns. No caso, o que bom para os que convenceram, pelas suas belas
palavras, o povo estulto de Atenas.
Veja que Plato acaba aceitando que h uma forma de poder que exercida
pela fora, cuja origem pode estar nas armas ou nas palavras, por meio do
convencimento ou seduo do pblico, o que era mais comum na Atenas de
ento. Mas este poder um mau poder, no deveria existir, merece
desqualificao e, comumente, no discurso filosfico e mesmo no senso comum,
ser chamado de dominao. Espelho de uma ascendncia ilegtima de uns sobre
outros.
Poder, para Plato e todos os que seguiram sua linha idealista de pensamento
que refletiram a questo do poder no a partir do que ele realmente e de como
realmente funciona, mas a partir de como tal poder deveria idealmente ser algo
diferente da dominao, que sempre condenvel, uma fora exercida sobre
outros de forma legtima. Podemos resumir assim: dominao fora ilegtima,
poder fora legtima sobre os outros.
J sabemos a razo que leva Plato a deslegitimar a democracia. Ele reconhece
nela mera dominao ou tirania de uma maioria despreparada. Ele acredita que, se
as leis forem produzidas com sabedoria no qualquer uma, por certo, mas a
sabedoria da vida boa, de acordo com a ideia do bem a governana da plis
ser boa. Ele legitima, portanto, pelo resultado: a vida boa ou a vida que valeria a
pena viver se pudssemos. Mas para fazer leis assim to boas e cheias de
sabedoria, seria preciso um legislador igualmente bom e cheio de sabedoria, mas
onde encontr-lo? Plato responde: aqui mesmo, na sua frente! Esto aqui os
filsofos!
Tais especialistas so os que, afetados de um tipo de amor, a philia amor na
presena buscam o bem em si mesmo, ou, mais precisamente, a ideia do bem.
Isto faz deles pessoas necessariamente mais conhecedoras que as outras da vida
boa a ser vivida e, portanto, dignos de comandarem as vidas alheias. E os nofilsofos? Agem bem quando obedecem ao filsofo, que sabe que a melhor vida
para ele a melhor vida para todos.
Desta maneira, Plato no descreve o poder tal qual ele exercido, mas como
deveria ser exercido ou, mais precisamente, por quem deveria ser exercido. Poder
legtimo do filsofo em contraponto ao poder ilegtimo dos no-filsofos de toda
espcie.
Ele foi o primeiro a arriscar algo nesta linha, mas no foi o nico. Filsofos e
filosofias legitimadores de alguma forma de poder foram uma constante no s na
Antiguidade como no medievo e em boa medida so encontrados com facilidade
ainda hoje. o caso do Policraticus, de John de Salisbury (1217), no qual,
reformulando doutrina aristotlica do poder como consequncia de uma causa
primeira, afirmava que o poder do soberano tem como causa eficiente um
contrato celebrado entre sdito e povo, tudo mediado por Deus.
Ou ento, como o deputado que diz: Tive um zilho de votos e por isso
minha palavra deve ser respeitada!. Ou ainda, no currculo que o professor
apresenta antes de uma aula, em que demonstra ter feito doutorado na
universidade de sei-l-onde e ps-doutorado em qualquer-coisismo na
universidade de onde o vento faz a curva. Ele demonstra seus ttulos, ainda que
objetivamente no queiram dizer muita coisa.
So formas de legitimao do poder a partir da demonstrao das justificativas
que credenciam determinada pessoa ou grupo ao merecimento de dominar os
demais. Isto porque so especiais ou diferentes, porque so mais dignos que
outros. Mas todos estes discursos tambm tm um mesmo pblico-alvo, um
target, como o pessoal da publicidade gosta de dizer. Os sditos. na crena dos
sditos que qualquer um destes discursos torna-se eficiente para fundamentar um
modo qualquer de exerccio do poder.
Assim, a realeza do rei que se diz escolhido por deus s efetiva se seu sdito
acreditar nas coisas do divino, tem-lo e igualmente acreditar que o prprio Deus
realmente escolheu o coroado para govern-lo. Da mesma forma, s a nossa
crena na democracia ou na eficincia das universidades que sustentam a
respeitabilidade e o poder de um deputado ou de um professor. Se voc acha,
como Plato, que a maioria dos eleitores idiota, tende a no respeitar tambm
nossos legisladores, da mesma maneira que no levar muito a srio o que diz um
professor se tambm no respeitar a universidade que o titulou.
H outro ponto em comum aos discursos de legitimao. Ao tratar o poder a
partir de quem o detm, acabam por apresent-lo como se fosse uma coisa, algo
que pudesse ser possudo e guardado no bolso. Ele tem poder!, costumamos
dizer, como se neste caso poder fosse um objeto e no uma relao. Sendo objeto
ou coisa, confunde-se no apenas com os seus possuidores, mas tambm com os
smbolos que o identificam.
Por exemplo, uma narrativa de desenho animado. Entre os mais conhecidos
dos anos 1980, como He-Man, Comandos em Ao e coisas do gnero. Quem
foi criana ou adolescente ou teve filhos nesta poca sabe do que estou falando.
Se no conseguir estabelecer a referncia, procure na internet, vai ach-los com
certeza.
Nestes desenhos, um mesmo enredo sempre repetido. No incio o bem,
representado por um heris ou grupo de heris fortes e com superpoderes. Seres
obviamente excepcionais. Gente que claramente possui algo que outros no tm e
que os habilita a dominar seus grupos. Divertem-se com algo boboca, alheios aos
planos malvolos do vilo. Este, por sua vez, apresenta em cenrio sinistro seus
planos de dominao do universo. Sempre megalmanos. Nestes planos,
frequentemente apresentado um objeto qualquer que tornaria o vilo imbatvel.
Que lhe daria mais poder que o mocinho forto. Algo como um diamante ou
espada do poder.
A ao tem incio quando algum denuncia para o mocinho as ms intenes
do vilo sim, h delatores em algum lugar. Ali dada a partida rumo ao
confronto. preciso evitar que o mal se aproprie de mais poder. Se ele tomar para
si o cetro do poder, o que ser da humanidade? Jamais jogaremos peteca
novamente! preciso evitar esta tragdia a todo custo!
O clmax se d quando o mocinho cai numa armadilha fantstica preparada
pelo vilo. Mocinho capturado, o objeto emanador de poder tomado pelas
foras do mal. geralmente nessa hora que vem o intervalo. Ser que o vilo
vencer? Conseguir o mocinho escapar da armadilha estpida? o que veremos
aps o intervalo comercial, repleto de anncios de brinquedos. Retomada a
histria, o mocinho escapa, geralmente de uma maneira to cretina quanto aquela
em que se deixou capturar. Antes, porm, bem e mal se enfrentam, diretamente.
O bem usa de todas as suas foras para vencer o mal. Pe em ao seu objeto de
poder. Sua espada justiceira, seu olho de guia, seu raio megablaster.
No confronto, o objeto disputado pelo vilo, sua nova fonte de poder,
destrudo. Trata-se de um poder grande demais para que algum o tenha. Na sua
destruio, o cenrio inteiro vem a baixo. um terremoto em meio a exploses.
O vilo aproveita para escapar, pela porta dos fundos, enquanto o mocinho foge
pela entrada principal.
No eplogo, a lamentao do vilo: No foi desta vez, mas eles no perdem
por esperar! Segue, ento, uma longa risada sinistra. O mocinho retoma sua vida
de paz e felicidade, geralmente com uma piadinha do personagem cmico. Uma
deixa para que todos os personagens do ncleo bonzinho da trama gargalhem
alegremente.
Diferente do que possamos considerar, o poder tratado como algo visvel, algo
de que se possa apropriar, no existe somente em desenhos pr-adolescentes.
Muitas vezes, as relaes de poder so representadas da mesma forma na mdia
ou em outras instncias sociais. Fulano fez alianas com beltrano e isso garantir
mais poderes para sua reeleio. No soa familiar? Outros exemplos: em
PODER DOMINAO
Nicolau Maquiavel percebeu isso na virada do sculo XV para o XVI. Ele no
pensou o poder a partir de uma perspectiva de legitimao, o que sob seu ponto
de vista no faria sentido, pois todo discurso de legitimao nada mais que uma
fala dirigida aos sditos e que torna possvel sua dominao. Esta forma de pensar
o poder rendeu-lhe no s a consagrao filosfica, como tambm uma
condenao moral histrica. Tornou-se adjetivo pejorativo. Maquiavlico ser
ardiloso, traioeiro, perigoso. Coisa de mafioso que usurpa poder para us-lo de
forma ilegtima.
Outro filsofo tambm pagou caro por contrariar, simultaneamente, todos os
discursos de legitimao do poder: Bento de Espinosa. No Tratado Teolgico
Poltico, ele afirma que todas as religies so apenas instituies polticas e que,
como tais, servem somente para legitimar formas de dominao. Lanou as bases
da moderna teologia, na qual os textos sagrados das religies so lidos como
discursos datados, de uma poca especfica, dirigidos para um povo especfico e
formulados por um lder. Por fora de suas ideias, Bento de Espinosa ganhou a
excomunho. Tornou-se maldito entre todas as grandes religies.
Abri um parntese rpido apenas a ttulo de acrescentar mais um dado, mas
preciso voltar a Maquiavel, primeiro a denunciar os discursos de legitimao
como enganosos. Em sua obra mais conhecida, O prncipe, ele diz:
[] como minha inteno escrever o que tenha utilidade para quem estiver
interessado, pareceu-me mais apropriado abordar a verdade efetiva das coisas e
Ela surgiu no final do captulo XVIII, num tempo em que Maquiavel tentava
responder se o prncipe deveria manter a palavra empenhada. Que os cavalheiros
deveriam faz-lo no havia dvida, mas e o prncipe? Maquiavel achava que no.
Para ele, as regras morais que valem para os homens comuns no se aplicam ao
soberano no exerccio do poder.
Pessoas comuns, por princpio, agem com liberdade. No momento em que
optam por uma religio ou dieta, cumprindo como norma de conduta moral os
seus princpios, o fazem porque assim desejam. So livres para fazer suas
escolhas. No caso do homem poderoso, as coisas se do de forma diferente.
Considere um soberano cristo, que teria por dever tico-religioso o oferecimento
da outra face quando esbofeteado. Tomaria um segundo tapa, mas estaria feliz
por ter seguido o princpio cristo do pacifismo. Mas no momento em que
transpomos este mesmo princpio para o dia a dia da gesto do Estado, isso pode
significar que se as fronteiras do norte forem invadidas, as do sul podem ser
desguarnecidas tambm.
Em nossa vida privada, podemos agir segundo princpios rgidos, escolhas
pessoais, pois ns que sofreremos as consequncias boas e ms de nossas
atitudes e iniciativas. Quando somos governantes, porm, no podemos nos dar
ao mesmo luxo. Devemos observar as consequncias de nossas aes, uma vez
que afetam outrem. A isto chamamos de responsabilidade.
responsabilidade que Maquiavel tenta chamar o prncipe, numa indicao
de que o poder a traz consigo. Hoje isso uma obviedade, mas no tempo de
Maquiavel no era. Os prncipes, crentes nos discursos que legitimam seu poder,
achavam-se acima das leis. Acreditavam que, se Deus havia lhes conferido poder,
ento somente a ele deviam obedincia e respeito. Isto era agir de forma
irresponsvel, sem respeitar tica do poder. Ali, os soberanos no percebiam
que seriam julgados, no por tribunais e leis, posto que eram os prprios prncipes
os homens legisladores, mas pelas consequncias de suas aes.
Tempos depois de Maquiavel, Weber disse o mesmo. Que existem duas ticas,
a da convico e a da responsabilidade. Ningum o chamou de capeta s por
causa disso. Maquiavel, por sua vez, teve a obra condenada como hertica pelo
Conclio de Trento.
Mas o que importa , em resumo, a perspectiva que Maquiavel inaugura sobre
o poder. Uma abordagem de cunho mais sociolgico e, consequentemente,
preocupada em demonstrar como o poder exercido a verdade efetiva das
coisas, como coloca o prprio Maquiavel. Discurso voltado para o soberano e
no para o sdito. Ao apresentar regras sobre como conquistar e manter o poder,
Maquiavel tambm deixa claro algo at ento indito, destacando que o exercer
este poder no propriamente um ato de liberdade.
DOMINAO
Disciplinados e submissos
cdigo ou algo parecido para participar de uma aula. Seria desnecessrio, uma
vez que o cdigo j est a, em voc. isso, esse saber do que ser um aluno que
torna o poder do professor possvel.
SABER E PODER
Um no existe sem o outro. S possvel que determinada relao de poder
acontea porque as condies de aceitao de seu exerccio j esto institudas e
absorvidas pelos sditos ou dominados. A questo central para que se possa
compreender o poder como uma relao no propriamente entender porque
algum manda, mas sim porque quem obedece acata. o fato de uma pessoa
estar submetida vontade de outrem e no a consagrao como soberano que
deve chamar nossa ateno.
Estes saberes dos sditos ou dominados sobre eles mesmos e a respeito tanto
da sociedade como de quem tem a prerrogativa de govern-los que delimitam as
possibilidades de qualquer exerccio do poder. So estes saberes que tornam a
guerra pela conquista e manuteno do poder um caminho sem liberdade, onde
so muitas as batalhas de discursos e saberes que impem limites.
Dizem por a que no amor e na guerra vale tudo. Isso mentira, claro; as coisas
no funcionam assim. V a um bar, por exemplo, e ao ver uma mulher bonita
pegue seu tacape e a atinja na cabea. Imediatamente, voc ver o quanto essa
estratgia ser ineficaz para assegurar a conquista amorosa. Provavelmente vai lhe
render cadeia e talvez at um linchamento. Talvez em outros tempos essa ttica
tenha dado certo. L, no tempo das cavernas e sob condies diferentes para a
concretizao de uma relao amorosa.
Na guerra ocorre o mesmo. Repare como que em cada momento da histria,
todos guerreiam de uma maneira, como se obedecessem a uma determinada regra.
Nas guerras napolenicas, franceses de uniforme azul pascoal e ingleses, do outro
lado do campo, com uniformes vermelhos, ambos com faixas brancas cruzadas
no peito, como um alvo. Mande um exrcito trajado assim para uma frente de
batalha atual e veja o massacre que vai ocorrer em segundos. Roupas chamativas
e marcha em campo de batalha talvez tenham sido recursos eficientes nos tempos
napolenicos, mas hoje s servem como alegoria em desfiles militares festivos e
outros eventos semelhantes.
H regras tanto no amor quanto na guerra. E na luta pelo poder no diferente.
Aquele que ignora as regras conhecer o fracasso, dizia Maquiavel. Com
Foucault aprendemos a compreender melhor tais regras, dentro do que o filsofo
definiu como genealogia do poder.
Tomando ainda o caso da guerra e de suas regras, podemos observar que, de
O DOMNIO EM AO
Aqui possvel fazer uma analogia com o poder. As regras que o condicionam
no so estipuladas previamente, mas constituem a compilao dos modos
disponveis em determinado momento de constranger a vontade de outros
nossa. Modos estes que so, como as tecnologias, renovados e reinventados a
cada instante. Para conhec-los, necessrio observ-los como um processo,
como normas que tm comeo ou gnese, uma forma especfica de
desenvolvimento e, finalmente, um perecimento. No por acaso, Foucault fala em
genealogia do poder, isto , da compreenso histrica de como determinados
saberes foram consagrados como condies de possibilidade de dominao de
uns sobre outros.
Em uma de suas obras mais conhecidas, Vigiar e punir, que tem como
subttulo a histria do nascimento das prises, o filsofo no apresenta
propriamente um livro de histria. Na verdade, Foucault s vezes chega a ser
impreciso quanto a datas e fatos. Mas em compensao, nos traz uma histria dos
saberes, de conceitos flagrados em relatrios e dossis, de processos identificados
em documentos produzidos como parte da ao de dominar. Foucault faz emergir
de documentos aparentemente chatos os saberes que tornam possvel a existncia
de determinada forma de exercer o poder.
Habilidoso em seu relato, ele nos mostra um painel de ideias que se estabelece
entre os sculos XVIII e XIX e que torna plausvel que a priso seja considerada
uma punio. A priso j existia desde muito antes dessa poca, mas,
curiosamente, at ento no era uma forma de punio. Funcionava como um
depsito. Deixava-se o sujeito ali enjaulado para no fugir, para aguardar a
verdadeira pena, que poderia ser um sacrifcio fsico, entre outras coisas
desagradveis do gnero, incluindo o extremo de uma execuo.
Para que a priso pudesse ser pensada como elemento de punio foi preciso
que algo se alterasse na dinmica da sociedade europeia. A mudana detectada
foi relativa ideia de disciplina. Os sculos XVIII e XIX foram os de
consagrao de uma espcie de ideologia disciplinar. E neste momento surgiram
Irm Doroteia respirou fundo. Fechou os olhos por um instante. Achei que ela
fosse bater naquele sujeito. Mas, ao final s disse, pausada e rispidamente:
Pai Ele no est de uniforme.
Mas o tnis dele azul marinho, exceto pelas trs listras. So apenas trs
listras!
Pai Se podem trs listras, por que no quatro listras? Se puderem quatro
listras brancas, por que no um tnis todo branco? Se puder um tnis todo branco
por que no um cabelo roxo? Se puder um cabelo roxo, por que no toda e
qualquer baderna?
Para encurtar a histria: naquele dia no entrei na escola. A f e a disciplina de
Irm Doroteia eram inabalveis. Aquele pai me levou para casa. Perdemos a luta
contra o sistema. O interessante aqui o discurso de Irm Doroteia. De acordo
com o argumento dela, as trs listras brancas do meu tnis eram uma ameaa
ordem universal. Essa a essncia da ideia de disciplina, a de que o mundo social
s uma ordem e s permanecer assim se nos esforarmos para tanto. Qualquer
desrespeito ordem imposta, por menor que seja, uma ameaa ao todo.
AS RELAES DE PODER
Veja, este um saber. Modo compartilhado com os demais membros de um
grupo social de representar as pessoas, a vida, o real, o todo. Que organiza no
somente o domnio do carcereiro sobre o presidirio, mas tambm o da freira
sobre o aluno, o do patro sobre o empregado e assim por diante. Em nome da
disciplina, tudo pode. Contra ela, nada lcito, nada faz sentido.
a histria do sistema de pensamento disciplinar, com suas consequncias nas
relaes de poder, que Foucault nos apresenta em Vigiar e punir. Isso no
significa que hoje todo poder s seja exercido na forma de disciplina. Longe
disso. Ns, brasileiros do sculo XXI, no somos e nem nunca fomos uma
sociedade disciplinar. Estamos mais para o desfile de carnaval do que para o
militar. A grande lio de Foucault sobre o poder no esse retrato de poca de
uma forma de exerccio de poder, mas o seu mtodo. Mais uma vez: a sua
genealogia do poder.
Foucault nos ensinou a olhar para outro lado quando se trata de compreender
as relaes de poder, a no prestar tanta ateno nos smbolos, rituais, liturgias,
personalidades, mas no que se faz e nas desculpas para fazer o que se faz quando
se domina. Ele nos indicou como observar e tentar compreender a forma como
pensam no os lderes, mas os liderados. na obedincia submissa do liderado
que o poder se sustenta.
Mas, ento, se o poder uma relao que tem como condio determinados
UM EXEMPLO FEMININO
Duas mulheres conversam. Uma amiga compra um vestido carssimo.
Experimenta e pede a opinio da outra: O que achou? Lindo, no ? Isso no
exatamente uma pergunta. Aquela que assiste a tudo v a empolgao da amiga.
Sabe que ela quer apenas aprovao. Reforo da prpria felicidade. No fundo,
achou o vestido horrvel, um lixo. Mas ela fala a verdade para a dona do vestido?
Dificilmente. Nessa hora, v a felicidade da amiga e mente: Est lindo! Mas a
moa percebe que algo est errado e insiste: Gostou mesmo? Aquela que tudo
assiste j foi longe demais. No h como recuar. Esfora-se no cinismo e com
exagerada empolgao tenta convencer a amiga da sua sinceridade: A-do-rei!
maravilhoso! Nunca vi um vestido to bonito!. Convencida, a outra quer
retribuir o carinho: Ento leva emprestado para voc ir naquela festa! Hora de
pensar numa fuga estratgica!
Coloque-se no lugar da mulher que mente. Por que isso acontece? Voc ama a
amiga. Tem por ela o amor philia, amor na presena. Seus afetos oscilam junto
com o dela, de maneira que a alegria da amiga a alegra e a tristeza a entristece.
Voc mente por amor. Para alegr-la e tambm alegrar-se. Voc sabe que quando
compartilha seu gosto com a amiga, ela se alegra. Tambm sabe o quanto voc
detesta os atributos de brega, de esquisita, de pessoa de mau gosto. Ter bom gosto
gostar do que todo mundo gosta. alinhar-se com o padro esttico dominante.
Mas tambm uma forma de estarmos rendidos ao saber que dita o certo e o
errado na hora de escolher o que vestir. E no caso da histria apresentada, uma
amiga se submeteu, feliz, moda e ao gosto da dona do vestido. Tudo por amor a
si mesma e/ou pela amiga.
Desta forma, exercitamos a dominao, alienados de suas consequncias, mas
plenamente consciente das regras do jogo. Assim, definida a moda, haver os de
bom e os de pssimo gosto, os in e os out, os dominantes e os dominados.
Acrescente-se aqui o fato de que quando um objeto ou prtica consagrado como
diferenciadora esttica do dominante e dominado, o acesso a ela passa a ser
objeto de disputa e de restries. Tanto o objeto quanto a prtica deixam de ser
franqueados a qualquer um. Podemos continuar com o exemplo da moda:
consagrado um estilo, roupas e acessrios que nele se encaixam tornam-se caros
e, portanto, privilgio para poucos. Considerados como luxo, comeam a ser alvo
de falsificao para alcanar maior pblico e acabam alcanando as camadas mais
populares. quando o chique migra para o brega e acaba cedendo lugar a uma
nova moda, a um novo luxo.
Ns, na maioria das vezes, como j mencionei, participamos destas relaes de
poder alienados de seus reflexos, mas conscientes das regras do jogo. Por outro
lado, h aqueles que, conscientemente, tentam dominar a todos pela imposio
universal de seus valores e modo de vida. Valorar os saberes e prticas como
certo e errado, bom e mau gosto e desqualificar os saberes e opinies contrrias
so as principais estratgias do jogo de imposio e de domnio.
de enfilos. No gosto de vinho, mas havia tambm um jantar, com comida farta
e gratuita e disso eu gosto. Fui colocado diante de trs garrafas de vinho. Rtulos
cobertos. Taas escuras. Prova s cegas!, definiu um sommelier mais
empolgado. Deram-me uma taa. No pude ench-la. Fui interrompido. Taa
errada. O vinho que eu servira era da regio de sei-l-onde, tinha que ser
degustado em taa bojuda. Costumo beber vinho em copo de requeijo
reaproveitado, imagina! Mas tudo bem, havia o jantar e obedecer aos rituais
parecia o preo a ser pago pelo saboroso programa. Troquei a taa. Enchi. Nova
interrupo. Antes, deveria sentir o bouquet do vinho, pois a ideia da prova era
ser uma experincia multissensorial. Enfiei o nariz na taa. minha volta, as
pessoas narravam aromas. Baunilha, carvalho. Sim, tons de carvalho.
Acentuados. Percebe? No, eu no percebia. Para mim, havia somente o aroma
de vinho. Ousei externar essa impresso e fui censurado com o olhar de quem
estava por perto. Recomendaram que eu apurasse o olfato. Doutor que sou, virei
analfabeto. Estava num grupo estranho. Ali eu no tinha poder. No dominava o
saber que todos cultuavam e com base no qual alguns eram admirados, ditos
conhecedores de vinho, grandes enlogos. Outros, como eu, eram absolutamente
desprezados como amantes reles de refrigerante.
O campo de batalha destas relaes de poder o conjunto de pessoas que vive
em torno de prticas e relaes compartilhadas, cujos sentidos e valores
especficos so conhecidos e comungados por todos que pertenam ao grupo.
Este era o caso dos enfilos.
No caso do universo fashion peo permisso para voltar a este segmento ,
comum falar em mundo da moda para nos referirmos quelas pessoas que
vivem em torno do mercado ou do consumo de itens especficos. Parece haver
um jargo prprio ao qual s os iniciados e credenciados no tal mundo
compreendem. Falam em tendncias, conceitos, em tons que vo com tudo.
Curtem um novo corte ou tecido. Enquanto isso, os que no so desse universo
particular, quando eventualmente esbarram com um evento de moda, ficam entre
a indiferena e a incompreenso. Em um paralelo, possvel constatar que a
exemplo do que acontece com a moda, h tambm o mundo do direito, da
medicina, do mercado financeiro, etc. Pierre Bourdieu, socilogo contemporneo,
deu nome a estes mundos, chamando-os de campo social.
um terreno frtil para a batalha que envolve disputas simblicas de poder.
Todo campo social hierarquizado, ou seja, h nele as figuras do dominante e do
dominado, dos que tm e dos que no tm poder. E, neste caso, ter poder
possuir conhecimentos, objetos e posies que so almejadas e valorizadas por
todos do campo. Para o estilista, um desfile exclusivo em um grande evento em
Paris o reflexo deste poder. Para o professor ter sua obra traduzida em vrios
PODER NO FORA
Pensar o poder a partir dos saberes que o tornam possvel significa represent-lo
no como uma violncia, no como uma exceo s relaes humanas, mas como
uma normalidade, uma regularidade. A excepcionalidade nas relaes a
violncia, a fora bruta que submete algum. Poder no fora. Em suma,
submisso de uns a outros que, por sua vez, s podem subjugar na medida em
que a submisso compreendida.
Para entender melhor os argumentos, veja por exemplo, o seguinte: dizem que
So Paulo e Rio de Janeiro so cidades violentas. Selva de pedra perigosa,
vulnervel ao de feras fora de controle. No o tigre ou o javali doido, mas o
assaltante, o sequestrador, o assassino. Voc vive na selva, mas nem todo dia
assaltado. No sempre que lhe rendem e dominam com a fora fsica. Se essa
dominao for algo recorrente, ento meu amigo, voc , no mnimo, muito
azarado. Para os que no so amaldioados com urucubacas deste gnero, essa
dominao excepcional, ainda que o receio que ela desperte seja constante.
Em contrapartida, regular e ordinariamente, voc respeita regras de trnsito. Ao
entrar no elevador, d preferncia aos que chegaram na frente e aos idosos, para
quem voc segura a porta. Voc paga pelo caf tomado e diz obrigado, mesmo
no se sentindo, realmente, obrigado a nada com relao a quem lhe serviu.
Enfim, obedece no somente a uma ou outra, mas a diversas normas de
comportamento. Regras cuja obedincia no acatada pelo constrangimento e
pela fora bruta constante que ameaa. O cumprimento se d pela sua prpria
vontade. Voc diz: sou uma pessoa gentil e educada!. Eis que no seu modo de
ser, na gentileza e na educao reside a alma da dominao, no a da fora
excepcional, mas a do poder. Sutil e doce, a moldar corpos dceis e submissos
uns aos outros neste bal de encontros e desencontros a que chamamos vida.
O assunto vasto e para seguir nele recomendo a leitura de Foucault, com
Vigiar e punir, e tambm de Pierre Bourdieu, em Questes de sociologia.
A JUSTIA E A LEI
Do sentimento ideia
ideia ou conceito. Sentimos algo ruim a que chamamos injustia e por isso
desejamos seu oposto, a justia. Pensamos nela como quem se pergunta como
cessar uma dor ou uma frustrao especfica Como o acontecido que me
entristeceu poderia desacontecer? Em suma, pensamos a justia como algo
que no temos, mas queremos. Estado desejvel de acontecimentos e de esprito.
Desejo provocado pelo oposto do objeto desejvel.
Mas se tudo o que chamamos de justia for ideia contrafeita de uma injustia
sentida, temos um srio problema: a dependncia das sensaes para pensar a
justia. Imaginem um acontecimento como o que eu narrei h pouco. Ele seria
injusto por ser essencialmente injusto, injusto nele mesmo, ou por apenas o
sentirmos como injusto? Seja qual for a resposta, ela problemtica.
Se algo for injusto em essncia, teramos pela frente a difcil tarefa de apontar
num conceito tal essncia do injusto. Uma ideia abstrata que uma vez bem
compreendida nos permitisse apontar com preciso caso a caso, acontecimento a
acontecimento, o que e o que no injusto. Este grau de preciso nos
julgamentos o sonho de todo jurista, que permanece como um sonho justamente
por no ter sido alcanado at hoje. Em respeito a este insistente esforo ao longo
da histria, podemos concluir, prematuramente, que nunca ser alcanado. Na
prtica, uma justia em essncia funciona como os sonhos, que existem na
medida em que se acredita neles. O problema que cada crente a v de um modo
diferente, mas a defende como se fosse uma realidade to concreta quanto as
paredes desta sala.
Mas nossa segunda hiptese no menos problemtica. Nem todo evento nos
afeta a todos da mesma maneira. Um mesmo acontecimento pode ser alegrador
para uns e entristecidos para outros. Os entristecidos diro que esto diante de
uma injustia e que o justo seria corrigir ou reparar os fatos e os sentimentos ruins
surgidos em consequncia deles. J os que se alegraram com os fatos tendem a
dizer que est tudo bem, que no h nenhuma injustia e que qualquer pretenso
de mudar os efeitos do que se passou que seria injusta.
As duas hipteses acabam caindo no mesmo problema, a falta de objetividade
e a possibilidade de que algum tome por universal uma ideia de justia que
apenas particular, ntima at. A justia no poderia ser apenas um sentimento
oposto ao da injustia e tampouco uma ideia que no fosse reconhecida por todos
como vlida. Eis o desafio que uma filosofia da justia prope: eliminar as
incertezas sobre o justo e o injusto, afastando a justia dos sentimentos e das
ideias particulares, ambos efeitos do modo singular de ser afetado por um evento
qualquer. Trata-se de substituir as emoes privadas por uma razo pblica sobre
o justo e o injusto.
nico bolo cinzento. Este bolo cinza o caos grego. Imagine agora que por uma
mgica ou cincia qualquer algum consiga, do bolo de massa cinza, extrair a
massa vermelha, a amarela, a azul e assim por diante. Eis o cosmos. Todas as
cores distintas novamente.
Esta histria o oposto do que aparece no livro do Gnesis, onde no princpio
era o verbo e o verbo era Deus imagine essa frase na voz de Cid Moreira, que
fica muito mais imponente. Sendo lgico, do nada se faz, exatamente, nada. A
criao tem que ter um ponto de partida, algo do qual se faa outra coisa, da o
caos como uma existncia material anterior, o momento do pr-ordenado.
Plato, no dilogo Timeu, tambm descreve um mundo como ordem, no caso,
uma rigorosa ordem matemtica. S para se ter ideia do quanto o conceito de
cosmos fundamental em Plato, o conhecimento matemtico linguagem que
permitiria a compreenso da ordem que compunha a sua filosofia profunda,
aquela que ele nunca escreveu e que apresentava apenas a seus poucos e
especiais alunos. Plato era um grande elitista. Acreditava que nem todos
nasceram para a filosofia. Para a multido, escreveu os seus dilogos. Estilo
popular de divulgao de suas ideias. J para os verdadeiramente vocacionados e
capazes, segundo seu juzo, seus ensinamentos profundos eram transmitidos
apenas oralmente. Eram poucos e havia ainda o risco de, uma vez escritos, serem
mal apropriados pelas mentes inferiores do populacho. Destas lies temos
conhecimento apenas pelos seus alunos, nos poucos textos que chegaram at ns.
O LUGAR DO HOMEM
Mas voltemos ao nosso problema. Em sendo o mundo um cosmos, qual seria o
lugar do homem? Fazer parte do cosmos significa ter uma vida enquadrada na
ordem do mundo. ter um destino, um nascer para alguma coisa, uma
trajetria de vida cujas realizaes, encontros e desencontros nada mais seriam do
que a realizao deste cosmos e no o resultado de nossas escolhas ou de alguma
outra forma de vida livre.
J ouviram a expresso nascer para alguma coisa? Como no caso daqueles
que, desde muito novos demonstram algum talento ou quando temos facilidade e
gosto por alguma coisa, como eu os tenho, por exemplo, para o cio. No fao
nada com uma facilidade e alegria impressionantes. Da a filosofia em minha
vida, efeito do cio.
H um dilema nisso: ou somos parte do cosmos e, consequentemente, no
seramos livres, ou ento no somos parte do cosmos e seramos realmente livres
e senhores de nosso prprio destino, mas por qu? Se optamos por acreditar no
cosmos, o problema explicar nossa liberdade, se optarmos por nos
deuses, mas pelos homens. Uma dimenso da ordem sem liberdade e outra da
liberdade catica, ainda que aparente.
Por outro, uma lei da cidade probe este mesmo ato. O que fazer? O que mais
justo? Ela decide, por amor e piedade, enterrar seu irmo. flagrada em
desrespeito lei e levada at seu tio, o rei de Tebas. Legislador e juiz da lei
violada.
Creonte lhe pergunta se no sabia do dito que proibia o enterro. Antgona
sabia, diz que no desrespeitou a lei de Creonte por ignorncia e nem o fez com
vergonha, apesar de sua situao de r. O fez com o orgulho de quem fazia algo
justo, pois para ela, justia agir de acordo com a mais bela e melhor das justias,
a justia divina. Justia natural.
J Creonte no pensa assim. Acha injusto que as leis da cidade se dobrem ao
que ele classifica como um capricho de mulher. Essa piedade teimosa para com o
irmo morto. Condena-a morte. Se tanto queria enterrar os mortos, ter o
mesmo destino, ser enterrada viva. Um belo exemplo de justia retributiva.
olho por olho, dente por dente, enterro por enterro.
A pea da para frente uma romaria de personagens que tentam alertar
Creonte da injustia que comete. Defendem, de modo diverso, a superioridade da
lei natural, dos deuses, com relao lei dos homens e que a justia como ao de
acordo com a lei dos homens inferior justia como ao em concordncia com
as leis naturais.
Creonte, tinhoso como s, num primeiro momento no lhes d ouvidos e
manda executar sua sobrinha. Depois se arrepende, mas j tarde. Ela est morta
e sua vida desgraada pela sua teimosia em achar que justia se mede com os
sentidos e no com a razo, que manda obedecer lei natural.
Dois mundos, duas leis, duas justias. O mesmo Plato que no Timeu descreve
o mundo como um cosmos criado em obedincia a rigorosas medidas
matemticas, tambm apresenta em Grgias o discurso de que existe uma justia
natural e outra dos homens, como o faz Sfocles. Por um lado, reafirmam o
mundo csmico, por outro, que o homem, de algum modo, escapa ao cosmos.
Soluo platnica para o conflito: h o cosmos, podemos nos afastar dele, mas
no deveramos faz-lo. Um terceiro dilogo esclarece melhor a sua posio e,
finalmente, nos permitir colocar a justia como uma consequncia de um
cosmos: o primeiro Alcibades.
Neste dilogo, Scrates dirige-se a Alcibades, jovem belo e de futuro
promissor, que est naquela fase da adolescncia em que se abandona o mundo
da infncia e se prepara para adentrar ao mundo adulto. Quando nasce seu buo.
Alcibades, filho de famlia influente e tutelado por ningum menos que Pricles,
o grande poltico, tido como predestinado a participar com destaque na vida
poltica de Atenas. Ser?
Scrates duvida de que Alcibades esteja realmente preparado. Por uma srie
VIRTUDE
O que faz o homem justo
Para uma boa reflexo sobre o tema da virtude, precisamos retomar a ideia de
Plato apresentada no captulo anterior: essa verdadeira tirania do referencial
nico da vida justa. Na verdade, Plato est novamente presente para podermos
apresentar, em oposio a esta sua ideia, a concepo de Aristteles filsofo
que nos ajudar a percorrer o caminho da virtude e suas escalas. Pois bem. Para
Aristteles, a metafsica ou o suprassensvel que d sentido ao mundo fsico no
outro mundo, como para Plato, mas um princpio de movimento e
transformao, um vir a ser algo que estaria embutido na prpria materialidade do
mundo.
Explico: Imagine uma semente. Semeada, vira planta. Para Aristteles, a planta
especfica que a semente vem a ser j existia antes da planta brotar e crescer.
Existia na forma de um vir a ser embutido na semente. Perceba que esta ideia
deixa de parecer absurda se pensarmos, por exemplo, em cdigos genticos. Pois
bem, o fato que, considerando a metafsica aristotlica no apenas as
uniformidades na natureza, mas tambm as particularidades das coisas, ento o
estado ideal de qualquer coisa no um modelo universal, mas algo particular. A
consequncia que, da mesma maneira que cada um de ns possuiria uma
essncia metafsica que lhe fosse particular, haveria um nico lugar justo para
cada um de ns na existncia. Forma nica e particular de viver justamente e no
um ideal universal de existncia justa.
Retomando o exemplo da semente. Se planto sementes de laranja, nascem
laranjeiras. Nascimento em conformidade com a natureza. Seria aberrao ou
antinatureza se plantadas sementes de laranja, nascessem acarajs. H uma ordem
natural a, portanto, mas tambm uma espcie de desordem, de singularidade, pois
observados de perto os vrios ps de laranja nascidos, eles no so iguais.
Pertencem a um mesmo gnero: ps de laranja, mas uns tm mais folhas, outros
do mais laranjas e outros, ainda, as mais doces, de maneira que no h dois ps
de laranja idnticos. Cada semente realizou o ideal de laranjeira que estava
metafisicamente predestinado a ser.
Estas duas perspectivas metafsicas diferenciadas levam a concepes tambm
diferentes de justia como vida ajustada. Se para Plato o ideal um s, ento o
justo e o injusto tambm seria um s sempre. Seria possvel condensar toda a tica
em leis, cdigos, gabaritos ou cartilhas da vida ajustada e, consequentemente,
bela e boa. Faria sentido o que livros de autoajuda propem. Vida feliz, boa e
justa em dez lies. Qualidade de vida pelo mtodo fcil ou descubra quem
mexeu no seu queijo e seja feliz. J para Aristteles as coisas no seriam to
simples assim, para a tristeza dos autores de autoajuda e dos tiranos da qualidade
de vida.
Em sendo o ideal particular e nico de cada ser, a vida ajustada, bela e boa. A
O HOMEM JUSTO
Em primeiro lugar, ela no algo que esteja fora de ns, em outro mundo, mas
est dentro de ns, no homem que age em conformidade com seu vir a ser. essa
ideia de justia como algo dentro do homem que leva Aristteles a afirmar que
justia aquilo que faz o homem justo. Parece uma afirmao besta, uma
tautologia, mas um interessante contraponto se imaginarmos que, para seu
mestre Plato, a justia no seria o que faz o homem justo, pois a justia no seria
algo intrnseco ao humana, mas algo ideal, de outro mundo.
Mas o que seria esse dentro de ns que nos faria agir justamente? A
metafsica aristotlica no uma instncia apartada do mundo fsico, mas algo
inerente, entranhado nele. fora ou princpio de ao imanente ao mundo fsico,
ainda que no possamos perceb-la sensivelmente. Imanncia e transcendncia
so dois conceitos filosficos irmos e antagnicos que procuram descrever as
relaes entre o mundo fsico e o metafsico. Para explicar como um mundo afeta
ou interfere no outro, como algo metafsico possa ordenar o mundo fsico de uma
determinada maneira. Se considerarmos a fsica e a metafsica como dois mundos
distintos, a interferncia da metafsica na fsica se daria por transcendncia, ou
abrigaria em seu interior, numa cavidade oca qualquer, a alma. A imagem mais
parecida com a de uma mistura entre dois lquidos de densidades prximas.
Chacoalhada a mistura, perceberamos trs partes. Na parte superior da mistura
haveria a maior concentrao do lquido A, menos denso. Na inferior, o contrrio,
maior concentrao de B. Haveria tambm uma terceira parte, intermediria, onde
a mistura seria mais equilibrada entre A e B. Assim seria nossa alma e corpo
misturados. No haveria nenhuma parte de ns, do dedo do p ponta do fio de
cabelo mais rebelde de nosso cocuruto, nenhum milmetro onde houvesse apenas
corpo ou apenas alma. Sempre a mistura, mas com graduaes diferentes.
parte mais superior de nosso corpo, chamaram de racional, mais inferior de
apetitiva, intermediria de ativa. Quanto mais alto em nosso ser, maior a
concentrao de nossa alma imaterial e menor a de corpo, de maneira que a parte
racional seria a do predomnio da alma e de menor interferncia do corpo. A parte
apetitiva, onde haveria mais corpo e menos alma, este quem dominaria. Na
parte ativa, intermediria, corpo e alma dispem conjuntamente as aes e
pensamentos.
Corpo material e alma tm, cada uma, sua forma prpria de dispor o homem a
agir e pensar. O corpo, essa carcaa material sempre carente de alguma coisa, tem
como condio fundamental a falta. Sua disposio de agir o desejo. J a alma,
ao contrrio, plena e imortal, sendo sua condio de ao a razo. Em resumo,
fundamentalmente agiramos movidos ou pelos desejos havidos no corpo ou pela
razo da alma, ou por alguma equao intermediria entre elas. Quando guiados
mais pela parte racional do que pelas demais, agiramos racionalmente. Quando
dominados mais pela parte apetitiva do que pelas demais, agiramos
desejantemente, passionalmente. J quando predomina a parte ativa, agiramos
impetuosamente, num misto de razo e paixes, pensamento e fria.
Cada uma delas tambm teria sua forma otimizada de funcionamento. Seriam
as virtudes. A boa utilizao da razo seria a sabedoria, para Plato, e a
prudncia, para Aristteles. Da parte ativa, a coragem. Da apetitiva, a
temperana, o controle dos desejos. Trs virtudes fundamentais, portanto: a
sabedoria, a coragem e a temperana. A diferena principal entre eles est na
virtude racional. Aristteles substitui a (sabedoria) por (hoje
traduzimos por prudncia). Ccero, tempos depois, traduziu a grega
como prudentia, uma contrao de providentia, que seria a ideia de providncia
ou saber eficaz. A diferena grande.
Se para Plato existe uma causa eficiente da ao justa, que seria a ideia do
bem, ser sbio significa conhecer o bem e us-lo como critrio de ao. Mas se
para Aristteles no existe uma justia em substncia, o bom uso de nossa razo
ou inteligncia se daria quando a ao fosse voltada para um resultado bom,
uma nota de cinquenta reais e entrega feirante. Aqui esto os vinte reais. A
feirante v a nota, guarda no bolso e lhe devolve de troco quinze reais.
Agradecem e despedem-se, tudo muito cordial.
Um tempo depois o ator volta, agora paramentado de jornalista. Pergunta
feirante se brasileiros so mesmo honestos. Ela diz que no, muitos so de fato
desonestos, mas que esse no seria o caso dela, que uma trabalhadora humilde.
Ele pergunta: Se um ceguinho viesse aqui e lhe desse uma nota de cinquenta
achando que fosse de vinte, a senhora lhe daria o troco certo?. Claro que sim!,
disse a feirante, convicta. O ator revelou que o ceguinho de antes era ele e a
feirante, sem nem titubear, lhe devolveu a diferena. Devo ter me enganado.
QUESTO DE EQUILBRIO
O exemplo mostra que conhecer a regra da justia no significa, necessariamente,
segui-la. Falta de represso dos desejos!, gritaria Plato de seu tmulo. Mas
Aristteles acreditava que essa represso no seria possvel. preciso ser justo
sendo ao mesmo tempo um ser desejante e racional. Para isso preciso ter no
apenas uma das virtudes, como a sabedoria ou, no seu caso, a prudncia, mas
todas elas ao mesmo tempo. preciso ser corajoso, prudente e temperado para ser
tambm justo.
Mas ter todas essas virtudes apenas, sem que houvesse entre elas um equilbrio,
no faria do homem algum que pudesse viver de forma bela e boa. Imagine
algum que tivesse muita prudncia, mas que fosse um covarde. Seria algum que
saberia exatamente o que fazer, mas no teria coragem para levar a cabo o que
sabe ser correto. Ou ento, imagine algum que tenha muita coragem, mas lhe
falte a temperana. Seria um truculento, um descontrolado que usaria a
brutalidade sempre que seus desejos e paixes fossem atiados.
Para viver de forma boa e bela, seria preciso uma quarta virtude, equivalente
ao equilbrio entre as outras trs, a justia. Seria justo, portanto, aquele que fosse,
ao mesmo tempo, prudente, temperado e corajoso. Justa seria a ao
simultaneamente prudente, temperada e corajosa. Justia, portanto, equilbrio,
no propriamente entre bens ou entre malefcios e benefcios, mas sobretudo o
equilbrio entre as virtudes. Equilbrio que, se mantido, torna o homem capaz de
bem reproduzi-lo no mundo, distribuindo e bem equacionando benefcios e
malefcios de forma prudente, corajosa e temperada.
Tanto numa quanto noutra concepo, algo em comum. Seja pela obedincia ao
ideal, seja pela ao do homem virtuosamente justo, o resultado da justia a
harmonia do cosmos reestabelecida ou no contrariada e essa harmonia que
perceberamos como bela e boa. Boa porque a vida em harmonia mais
Esta ordem cultural o gabarito do belo, bom e justo dos tempos ps-metafsicos
em que vivemos.
Para que no tenhamos dvidas, um exemplo. O pudor. um valor cultuado.
Mas um valor adquirido. Todos ns nascemos nus e andvamos pelades sem o
menor problema por qualquer lugar. Mas aprendemos que devemos usar roupas e
depois aprendemos que no podemos usar qualquer roupa em qualquer lugar.
Que a tanga inapropriada para velrios e que o terno e gravata igualmente o
para a praia. Tudo adquirido mas que curiosamente parece j fazer parte de nosso
DNA. Dizemos que no nos sentimos bem em comparecer de tanga em um
velrio. Manifestamos um constrangimento que nos parece invencvel. Coisa da
nossa carne e no coisa da nossa cabea. Convico adquirida.
Pois o pudor o resultado de uma dominao. No de um tirano, mas de uma
multido de tiranos. Dominao que, agora dominados, no sentimos como algo
ruim, mas como algo natural, correto, decente. De lei estranha tornou-se critrio
de julgamento do bom senso, do belo e do justo.
Assim como o pudor, muitos outros valores. Todos eles particulares de uma
sociedade, de um grupo. Valores que mudam, que no so eternos como os ideais
de Plato, mas que nem por isso so menos eficazes como gabaritos para nossos
julgamentos, para nossos justiamentos.
Participantes de uma torcida organizada de grande time de futebol, daquelas
que vo aos estdios aos gritos de vamos bater, fazer e acontecer. Com nis
ningum pode!, podem achar uma injustia serem barrados na entrada de um
estdio por motivos de segurana. Injustia!, gritaro enfurecidos. Sinceramente
indignados. No mesmo momento, a vizinha religiosa do estdio suspira aliviada.
Enfim, a justia, exclama sinceramente feliz.
Perspectiva sociolgica de justia, na qual a compreenso do justo e do injusto
no passa pela compreenso nem de virtudes, naturais ou desenvolvidas, nem
pela busca de regras ideais de justia, mas pela compreenso de como,
artificialmente, criamos uma ordem para nossas vidas. De como grupos sociais
criam, legitimam e conservam suas normas, valores e ideais precrios.
Justia como o critrio compartilhado por todos e que no apenas representa
uma ordem social qualquer, mas que a instaura e mantm. Princpio de
manuteno da prpria ordem social. Imagine que a vida comungada em
sociedade somente seja possvel se, pela fora das leis impostas pela fora das
armas ou por uma espcie de acordo tcito entre todos, algumas normas fossem
obedecidas. Toda sociedade as possui, por mais bagunada que parea. Mesmo o
trnsito de cidades italianas e indianas, por mais absurdo que parea, possui
normas sociais que nos tornam possveis, normas que no coincidem com os
respectivos cdigos de trnsito. A questo , o que as mantm? O que mantm a
justia?
Nietzsche responde a isso partindo da questo oposta: o que prejudicaria a
ordem? A resposta simples e coincide com a de Hobbes: os mais fortes. Uma
minoria que, destacando-se da massa, romperia com esse pacto social para
aproveitar-se dos agora submissos obedientes das normas que do coeso
sociedade, que a fazem existir. Quem poderia interessar-se em manter tal ordem?
Claro que no seria a minoria mais forte, mas a massa dos fracos e menos
potentes. Para Nietzsche, toda a moral e com a justia se d o mesmo
reativa. Reao do fraco contra o forte, dos impotentes contra os potentes. Reao
que torna a convivncia possvel.
O argumento bem mais elaborado que o de Clicles no dilogo Grgias. Para
Clicles a justia seria apenas aquilo que os mais fortes determinariam. Ele faz
parecer que toda dominao e toda ideia de justia imposio de conspiraes
de uns poucos fortes. Em Nietzsche no h conspirao dos fortes, mas
resistncia dos fracos. Isso explicaria porque no geral achamos mais justo e belo
que os fracos e desfavorecidos sejam ajudados enquanto os fortes e poderosos
devam ser vigiados.
Achou uma ideia de justia ressentida? Ento imagine o caso do estupro.
Plato diria que uma prtica injusta por natureza, mas se no acreditarmos em
justia por natureza, como explicar o fato de a maioria de ns condenar o
estupro? O argumento de Clicles tambm no parece explicar muito bem as
coisas. Para que o estupro fosse injusto seria necessrio que ele fosse condenado
pelos mais fortes, mas no o que acontece. Quem o repudia so as vtimas, a
parte fraca da relao de estupro. A maioria de ns, que no nem propensa a
estuprar e tampouco se percebe como vtima em potencial, deveria ser apenas
indiferente ao crime hediondo, mas tambm no o que acontece. Condenamos o
estupro em solidariedade vtima, parte mais fraca. Justia reativa, que
corrobora uma ordem onde a existncia do fraco torna-se vivel.
Justia que no objetivamente definida em leis, mas relacionalmente definida
por tomadas de posio havidas mais em funo de um sentimento do que da
razo. Nos posicionamos em favor do mais fraco sem nos darmos conta da regra
ou raciocnio que praticamos para isso. Ningum calcula benefcios e malefcios
pessoais para posicionar-se com relao a aes como estupro ou outras tantas
violncias que rotulamos como injustas. Simplesmente o fazemos. Tomamos
posio a partir do que sentimos como justo e nos aliamos massa dos que lutam
por manter o mundo bom. Com sua beleza e bondade confundidas com a ordem
que percebemos e qual nos acostumamos. Ordem da vida vivel.
Um sentimento de justia, que faz apelo no a uma teoria da justia, mas a uma
esttica da justia. Disposio de const Montaigne et la philosophie ruo de uma
vida bela e boa de se viver, na qual o sentido de beleza e bondade vai alm do
que egoisticamente se pode considerar como bom e belo, mas que, considerando
a impotncia que nos condiciona, faz da vida algo justo porque vivel para
muitos.
No caminho da vida boa e virtuosa, leituras sugeridas: Aristteles, com tica a
Nicmaco. Tambm vale a pena o livro A prudncia em Aristteles, de Pierre
Aubenque. Sobre Hume, seu Tratado da natureza humana e, por fim, Nietzsche
em Genealogia da moral: uma polmica.
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