Riqueza Das Nações e Progresso
Riqueza Das Nações e Progresso
Riqueza Das Nações e Progresso
Resumo
Atravs da recuperao dos pressupostos da teoria de Smith quanto origem e finalidade da
riqueza, o presente trabalho procura demonstrar a reduo, efetivada por este autor, do progresso
humano em geral ao progresso humano tal como ocorre no capitalismo. No se trata, porm,
de apontar uma naturalizao operada to somente pelo pensamento, e sim mostr-la enquanto
reflexo, no pensamento, da maneira naturalizada como a sociedade capitalista se apresenta.
Em certa medida, tal reflexo advm da forma como se apreende esta formao social. A breve
comparao entre o ponto de partida de Smith e o ponto de partida de Marx procura explicitar
esse aspecto.
Palavras-chave: Riqueza; Progresso; Adam Smith.
Abstract
Wealth of nations and progress
Through recovery of assumptions of Smiths theory about the origin and finality of wealth, this paper
demonstrates the reduction effected by this author, of human progress in general to human progress
as it happens in capitalism. It is not, however, claim that it is a naturalization operated solely by
thought, but show it as a reflection in the thought of as the naturalized capitalist society presents
itself. This reflection come of the form as thought capture this social formation. For explicit this, the
paper make a brief parallel between Smiths starting point and Marxs starting point.
Keywords: Wealth; Progress; Adam Smith.
Introduo
O presente trabalho procura se aproximar da seguinte questo: como o
capitalismo, apesar de ser produto da histria, parece ter abolido a historicidade
com sua instaurao? Em outras palavras, procura-se abordar como essa
sociabilidade uma sociabilidade que deveio, i.e., resultado da histria
(1) O autor agradece aos comentrios de Fbio Pdua dos Santos, Mestrando em Desenvolvimento
Econmico pela Unicamp, e aos comentrios dos pareceristas desta revista. Os eventuais erros e omisses
remanescentes so de responsabilidade do autor.
(2) Mestre em Economia pelo IE/Unicamp. E-mail: henri.braga@gmail.com.
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(riqueza) tm seus preos reais (valor de troca) constitudos por estas trs
fontes trabalho, terra e capital , porm, a medida do preo real, em ltima
instncia, o trabalho21.
Encontra-se, na observao acima, um ponto fundamental para esclarecer
a pergunta que anima o presente trabalho. A crescente gerao de riqueza (expanso
da riqueza) est associada subordinao do trabalho acumulao de terra e de
capital, entretanto, antes de se pensar em entidades abstratas, terra e capital
so meios concretos de produo que, no estgio de desenvolvimento social
analisado por Smith, so detidos e acumulados por particulares22. A exigncia
para uma produo crescente de riqueza, seguindo a argumentao do autor
acima exposta, um modo de organizao social no qual a forma predominante
de propriedade dos meios de trabalho e de seu produto seja a propriedade privada.
Existe, contudo, na argumentao do autor, uma causa anterior que justifica e
d origem, a propriedade privada, e sua acumulao, enquanto determinante do
crescimento da riqueza. Trata-se da diviso do trabalho.
o isolamento do produtor, com vistas ampliao da produo atravs
da crescente especializao, o mecanismo pelo qual a propriedade privada vem a
ser uma necessidade da estrutura socioeconmica geradora de crescente riqueza.
De um lado, porque a garantia de reconhecer a propriedade do produto do trabalho
do produtor privado trs consigo o direito dele de determinar o destino de seu
produto. Distinguem-se, desta maneira, os diversos produtores de acordo com os
produtos do trabalho que conduzem troca e, por que podem definir o destino
do produto, esto habilitados a alienarem-se destes produtos a fim de acessar
outros produtos do trabalho. A propriedade privada dos produtos do trabalho, por
conseguinte, viabiliza a troca.
O acesso aos demais produtos do trabalho atravs da troca, por outro
lado, atende a condio necessria especializao. porque o produtor pode
abdicar de seu prprio trabalho para satisfazer suas carncias e suas necessidades
(21) A passagem a seguir refora a afirmao: o valor real dos diversos componentes do preo
medido pela quantidade de trabalho que cada um deles pode comprar ou comandar. O trabalho mede o valor no
somente daquela parte do preo que se desdobra em trabalho efetivo, mas tambm daquela representada pela
renda da terra, e daquela que se desdobra no lucro devido ao empresrio (Smith, 1988a, p. 51) [WN, I.vi.9].
(22) Smith reconhece, e inclusive, afirma a propriedade privada como um estgio importante para o
crescimento da riqueza (Ibid, p. 49) [WN, I.vi.5].
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que ele est habilitado a dedicar todo o seu tempo de trabalho a um nico trabalho
ou momento do processo produtivo. O produtor pode, assim, recorrer riqueza
gerada (acumulada) para se manter na condio de produtor. A efetivao dessa
possibilidade significa, em uma palavra, a especializao23.
Nota-se, em Smith, um ciclo argumentativo, no qual a existncia da
diviso do trabalho pressupe um produtor isolado produzindo privadamente
com destino troca. A propriedade privada nesta argumentao dos produtos
do trabalho24 tem o papel fundamental de garantir o fechamento do ciclo
argumentativo do autor porque atravs da propriedade que o produtor garante
o direito de alienar o resultado de sua produo, bem como pode acumular, e
usufruir, do resultado da produo dos demais.
Destaca-se, por de trs deste ciclo argumentativo, outro aspecto da teoria
de Smith: a concepo de homem ou ser social advogada por ele. O produtor
isolado, cujo destino produzir para trocar, apresenta-se enquanto o modelo de
ser social do qual erguida a argumentao do autor. Modelo este que, convm
(23) Uma vez plenamente estabelecida a diviso do trabalho, muito reduzida a parcela de
necessidades humanas que pode ser atendida pela produo individual do prprio trabalhador. A grande maioria
de suas necessidades, ele a satisfaz permutando aquela parcela do produto de seu trabalho que ultrapassa o seu
prprio consumo, por aquelas parcelas da produo alheia de que tiver necessidade. Assim sendo, todo homem
subsiste por meio da troca, tornando-se de certo modo comerciante; e assim que a prpria sociedade se
transforma naquilo que adequadamente se denomina sociedade comercial (Smith, 1988a, p. 31) [WN, I.iv,1].
(24) Quando o trabalho deixa de ser, seguindo a argumentao de Smith, a fonte determinante da
riqueza, passando a terra e o capital (acumulados privadamente) a exercerem o papel central de fonte da
riqueza, a propriedade dos meios de produo a condio primordial para a efetivao da diviso do trabalho.
Por que a maior complexidade assumida pela estrutura social, diante desta transformao na fonte da riqueza,
engendra novas carncias e necessidades de produo, de modo a impor uma produo sempre em escala maior
e mais fragmentada. Para acompanhar estas exigncias, devem-se descobrir novos mtodos de produo, novas
mquinas, novos materiais, realizar melhorias nas construes, nos meios de transporte, etc, que implica, por
fim, a maior concentrao da propriedade, sem a qual no se faz possvel a realizao destas descobertas,
pois necessrio patrimnio ou capitais para comandar o trabalho necessrio s descobertas. At porque, a
prpria descoberta torna-se um novo ramo de trabalho, nas palavras de Smith: Com o progresso da sociedade,
a filosofia ou pesquisa torna-se, como qualquer ofcio, a ocupao principal ou exclusiva de uma categoria
especfica de pessoas. Como qualquer outro ofcio, tambm esse est subdividido em grande nmero de setores
ou reas diferentes, cada uma das quais oferece trabalho a uma categoria especial de filsofos; e essa subdiviso
do trabalho filosfico, da mesma forma como em qualquer outra ocupao, melhora e aperfeioa a destreza
e proporciona economia de tempo. Cada indivduo torna-se mais hbil em seu setor especfico, o volume de
trabalho produzido maior, aumentando tambm consideravelmente o cabedal cientfico (Smith, 1988a,
p. 21 grifo nosso) [WN, I. i.9].
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o progresso.
A seguir, sero recuperados os argumentos de Smith com respeito
origem e finalidade da riqueza. Mediante esta recuperao, pretende-se
reconstruir a concepo de riqueza na referida obra de Smith. Explicitado este
ponto, ser posto em tela a concepo de progresso que emerge da concepo de
riqueza do autor.
2 Diviso do trabalho e ser social
A investigao de Smith sobre as causas fundamentais da riqueza das
Naes iniciada pela procura dos princpios fundadores da expanso das foras
produtivas do trabalho. Ora, se a exposio quanto origem da riqueza inicia
pelo entendimento daquilo que amplia o trabalho ou a capacidade de despender
trabalho, um trusmo inferir que, para o autor, a riqueza est fundada no trabalho.
A primeira forma de ampliao do dispndio de trabalho da qual
tratar Smith o aumento da destreza e habilidade do trabalhador por meio da
especializao na produo de determinada mercadoria, segundo o autor:
O maior aprimoramento das foras produtivas do trabalho, e a maior parte
da habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho em toda parte
dirigido ou executado, parecem ter sido resultados da diviso do trabalho
(Smith, 1988a, p. 17)26.
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