Zanini - Historia Geral Da Arte. Volume 2
Zanini - Historia Geral Da Arte. Volume 2
Zanini - Historia Geral Da Arte. Volume 2
..,
HISTORIA GERAL DA
ARTE NO BRASIL
VOL. I I
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I
I
INSTITUTOWALTHER
MOREIRASALLES
FUNDAODJALMAGUIMARES
SoPaulo1983 BRASIL
SUMRIO
8
.
499
Introduo
501
DASORIGENSDOMODERNISMO
SEMANADE 1922
8.1
8.2
8.3
8.4
8.5
ARTE CONTEMPORNEA
Walter Zanini
502
507
511
513
520
8.6
8.7
8.8
533
528
530
EVOLUO
DOMODERNISMO,
DEPOISDASAM,AT1930
8.9
Desdobramentos e difuso do Modernismo
8.10 Deslocamentos dos artistas da Semana para Paris
8.11 Os primeiros anos de Segallno Brasil
8.12 Tarsila do Amaral: do pau-brasil antropofagia
8.13 Outros artistasde experincia europia
8.14 Goeldi, Nery e outros artistas ativos no Rio
541
547
55A
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8.15
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A INTEGRAO
NOCURSOINTERNAClON1\L
DAARTE
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ASVARI
VEIS ARTSTICASNAS LTIMASDUAS DCADAS
8.31
8.32
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O movimentoartsticodiversificado.
728
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CONCLUSO
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Notas
Bibliografia
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.,
"
II
I
4.
ARQUITElliRA CONTEMPORNEA
Carlos A. C. Lemos
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9.1
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Introduo
As primeiras obras modernas
825
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Notas
Bibliografia
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FOTOGRAFIA
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9.7
10
Boris Kossoy
it
Introduo
A inveno da fotografia
A descobena isolada da fotografia no Brasil
A chegada e a disseminao da daguerreotipia no Brasil
Os novos processosfotogrficos e a expanso
do retrato fotogrfico
A documentao fotogrfica
A fotografia no Brasilnas primeiras dcadas do sculoXX
Tec:nologianacional: uma tentativa
O "lambe-lambe"
O fotoclubismo no Brasil
A fotografia comercial nos meados do sculo
A fotografia impressa
A evoluo da fotografia nas ltimas dcadas: panorama
internacional e suas repercussesno Brasil
A opo pela fotografia: o modismo e a autenticidade
O ensino da fotografia
Exposies:a fotografia ganha maior espao. Avolumam-se
as mostras
A fotografia objeto de publicao e divulgao
Movimentos fotogrficos
Temas e tendncias: alguns exemplos significativosda
fotografia brasileira nos ltimos anos
Brasile Amrica Latina: uma problemtica semelhante
Fotografia e histria
Fotografia e a documentao do patrimnio cultural
O patrimnio fotodocumental brasileiro e a
preservaoda memria nacional
Notas
Bibliografia
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13.9
DESENHO INDUSTRIAL
Jlio Robeno Katinsky
915
Introduo
Antecedentes do An-Nouveau
A crtica inglesa
A expanso tecnolgica
A criatividade no institucionalizada
O An-Nouveau 1880-1914
Perodo entre guerras 1918-1940
Perodo da "guerra fria" 1945-1975
Brasil 191 0-1980
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918
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Bibliografia
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COMUNICAO VISUAL
Alexandre Wollner
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Bibliografia
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Introduo
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ARTESANATO
Vicente Salles
1035
Introduo
Empresa vitoriosa
Adestramento da mo de obra
A Corporao colonial
Rebaixamento e disperso do trabalho manual
Uma colnia fechada
Posicionamento conceitUal
Anesanato brasileiro - seuuniverso
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Notas
Bibliografia
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1073
ARTE EDUCAO
Ana Mae T avares Bastos Barbosa
1075
Introduo
AtUalidade da MissoFrancesa
Os liberais e o ensino de arte anti-elitista
Influncia deJohn Dewey
Arte para crianase adolescentes como atividade
extracurricular
Ane para liberao emocional
Notas
Bibliografia
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ndice Onomstico
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...,
Arte contempornea
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8
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Walter Zanini
500
ARTE CONTEMPORNEA
Asprimeira exposiesmodernistas
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Introduo
.
A perseverana da figurao
Aspectos da arte em capitais regionais
PARTE V
CONCLUSO
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501
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mas influente ainda o Art-Nouveau, cumprira-se uma etapa que revolucionava o entendimento aceito das linguagens plsticas que tm em
Picasso (1881-1973)
um nome maior. As artes plsticas, como a
I,iteratura e a msica, refaziam-se estruturalmente. Atravs do Expressionismo, do Cubismo, do Futurismo, das correntes abstratas e
construtivas, da pintura metafsica - as primeiras trs faces e a ltima j com um pice alcanado no limiar da guerra - haviam-se difundido cdigos visuais que projetavam um universo ajustado complexa
dinmica da realidade contempornea. Tratava-se de ruptura com critrios de representao herdados de longa data, ultrapassados pela
prospeco de conceitos de espao/tempo, equivalentes s formulaes cientficas ps-euclidianas. A dissidncia dialtica de Mareei
Duchamp (1887-1968), entretanto s ao alcance do futuro, com a sua
refutao da pintura retinal e a valorao primacial da idia na arte,
datava tambm do perodo de pr-guerra. Na anrquica postura Dada
dos anos de conflito mundial e logo aps, radicalizava-se uma problemtica nihilista na crtica feroz ao estab/ishment social e arte.
508
509
510
mordaz de Voltolino(1884-1926)
16
-/ibrisme de Paul Fort e da doutrina futurista iriam minar, embora lentamente, os elos que o prendiam ao Parnasianismo
- conscientizao
crescente de liberao, como atesta a carta de Monteiro Lobato de
1916, mencionada por Mrio da Silva Brit017 e a sua solidariedade a
artistas modernistas
o citadssimo artigo "Em prol de uma pintura
nacional", publicado em seu peridico no comeo de 191516. No texto, Oswald clamava contra os artistas pensionistas do Estado que viajavam para a Europa e que regressavam dracins19, opondo a eles o
,pintor Almeida Jnior (1850-99) como exemplo: "Creio que a questo
da possibilidade de uma pintura nacional foi, em So Paulo mesmo,
resolvida por Almeida Jnior, que se pode bem adotar como precursor, encaminhador e modelo"20. Esta opinio sobre o pintor de Itu ele no manteria a seguir ao critic-Io pela sua "mera documentao nacionalista"21.
Se o aluno de Cabanel no se prestava a servir de modelo
evoluo da arte, aqui ou em outro lugar, havia nele sem dvida, com
suas limitaes, a veracidade do regionalismo, da sua viso caipirista.
Neste sentido, ele precursor de um aspecto da pintura no Brasil
arraigapa aos estmulos imediatos do meio. Oswald, que se equivocava
totalmente ao dizer que os estgios no exterior serviam apenas
"aprendizagem tcnica", tinha razo ao condenar os famosos "prmios
de viagem", os quais desandavam quase sempre sob a presso da cultura plstica mais involutiva ensinada e divulgada em Paris.
Oswald se afigura assim como um dos introdutores do germe de
atualizao internacional no pas, pela via do verso livre e do Futurismo,
ao mesmo tempo em que se empenhava por uma arte afeita s sugestes locais, preludiando a prpria instaurao do nativismo de "Pau-Brasil", dez anos depois22, Ele que, no incio de 1918, no hesitar
em defender a pintora expressionista Anita Malfatti, na exposio que
levantava "as mais irritadas opinies e as mais contrastantes hostilidades"23, far proslitos, contribuindo para a formao da grei modernista que em muito trabalho seu, resultado da sua argcia de catalisador de talentos, embora viesse a ser mrito da rea no verbal a polarizao do movimento.
~
8.3 Asprimeirasexposies
modernistas
e~ropias.
511
Muitssimas referncias foram dedicadas a esses primrdios cronolgicos que alimentaram controvrsia j superada. A questo girava
em torno do mrito da introduo da arte moderna no Brasil. Indiscutivelmente, a mostr do pintor de Vilna antecipara-se de muito quela
fundamental, de Anita, em 1917-18 e tambm viera antes da primeira
individual da artista brasileira em 1914. Sega 11expusera - segundo o
prprio depoimento - "algumas experincias tpicas de arte expressio-
nista, ao lado de obras de um modernismo mais moderado" 27. Decidira-se, no entanto, por uma seleo centrada neste ltimo aspecto, de
fase anterior, onde predominava o acento impressionista. As de carter
expressionista j anunciavam a linguagem futura e o seu inerente carter humanista. Mas o ambiente no estava altura da mensagem e
em pouco ou nada reagiu. A receptividade crtica de alguns jornais
quase no ultrapassou o nvel dos lugares-comuns amenos, no raro
dispensados aos forasteiros. Segall foi passivamente absorvido e at
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I
>
Toda outra ' a histria da "exposio insurrecional" 34 de 1917-18, que demonstraria a convico expressionista de Anita Malfatti. Se
a residncia na Alemanha (1910-14) fora o instante da incubao nessa viso do mundo, atravs da cor, os quase dois anos passados nos
Estados Unidos (desde fins de 1914) e, em especial. os contatos com
as idias de Homer Boss (1882-1956). na Independent School of Art,
de Nova York - ambiente que incentivava a interdisciplinaridade potica e que lhe deu acesso pessoal a vrios artistas de primeira ordem,
traaram o perfil durvel da pintora, destinada a ser a fora inaugural
do Modernismo no Brasil35.
s descobertas precedentes que haviam formado a sua sensibilidade - o Impressionismo e o Expressionismo, o conhecimento de Van
Gogh (1853-90). Gauguin (1848-1903). Munch (1863-1944), Hodler
(1853-1918). Nolde (1867-1956) e outros pintores, na visita IV Sonderbund - associou-se a experincia existencial com Boss, mestre que
obrigava o aluno a um processo catrtico antes de consider-Io apto
ao trabalho artstic036. Essa aproximao foi determinante para a personalidade tmida de Anita, fazendo-a extravasar disponibilidades emocionais em desenhos e telas de enrgica instaurao. Sua conscientizao da dramtica Weltanschauung contida na assistemtica corrente
do Expressionismo - centrada na prospeco confessional da imagem,
que havia germinado sem pausa em seu esprito, concretizava-se desde 1915 em mltiplas obras de unitria organizao, onde se incorporam tambm outras influncias do internacionalizado meio novaiorqUInO.
Exemplos maiores da produo que assinala o clmax de toda a
trajetria da artista, em 1915-16, pertencentes a museus e colees
,de So Paulo, so as paisagens "Rochedos", "O Farol", "A Ventania";
as figuras "A Estudanta Russa", "O Homem Amarelo" (segunda verso), "A Boba", "A Mulher de Cabelos Verdes" e "O Japons" (todas
pinturas a leo), alm de "O Homem Amarelo", primeira verso e "O
Homem das Sete Cores" (ambos pastis). "Torso", realado a carvo e
pastel e vrios desenhos a carvo, entre eles "O Homem de Muita
37.
Superando convenes de forma, cor e percepo do espao, ainda visveis em obras de 1914 e dominando os cdigos tcnicos, a sua
linguagem verticalizara-se em todos os sentidos. Alta temperatura de
cor e tenso grfica equilibravam-se agora na conciso da imagem
subjetiva, onde o anmico enraizamento expressionista recorria a
esquemas de construo cubo-futurista.
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Na permanncia em Nova York, tivera a importantssima oportunidade de avizinhar-se de artistas e escritores europeus ali radicados ou
refugiados, como Mareei Duchamp, Juan GriS (1887-1927). Mximo
Gorki, Jean Crotti (1878-1958) , o empresrio dos bals russos Serge
de Diaghilev (1872-1929) e o cengrafo Leon Bakst (1866-1924). Em
depoimento de 1939, ela se referiu particularmente ao "bonito Mareei
Deschamps (sic). que pintava sobre enormes placas de vidro" e que
"fez uma dissertao engraadssima sobre a maneira de fazer a barba
num dia de tristeza" 40. 1915 o ano do incio da execuo do "Grande Vidro" e certamente Anita foi o nosso primeiro artista a ter conhecimento dessa obra antolgica do sculo XX, assim como de uma sua
performance. Mas o que imprescindvel de ressaltar a sua vivncia
na cidade sacudida pelo Armory Show (1913) - e fortalecida pela presena de algumas figuras fundamentais da arte revolucionria.
A Independent School of Art promovia exemplares contatos pessoais com esses e outros artistas. Isadora Duncan tambm aparece
nas citaes de Anita a propsito das aulas de desenho ao vivo junto
aos seus danarinos no Century Theatre41. No que diz respeito
evoluo do seu expressionismo, especificamente
no arcabouo
construtivo das figuras, parece-nos no descartvel a idia de que ela
tenha tirado proveito formal das prprias imagens do "dinamismo esttico" de Duchamp, cujo "Nu Descendant I'Escalier" (1912) era a mais
clebre pintura moderna existente nos Estados Unidos. Outras inferncias extradas dos artistas desse crculo sem dvida se tornaram sensveis em sua obra: "Eles S falavam no cubism042 e ns de macaquice
comeamos a fazer as primeiras experincias" - afirma Anita43. Ao
concluir a estada nos Estados Unidos, a pintora estava inegavelmente
de posse de grande segurana de recursos plsticos e de um iderio
que parecia inabalvel.
Os fatos que a envolveram ao regressar ao Brasil ("viagem no
tempo e no espao", como diz sua bigrafa Marta Rossetti Batista).
so por demais conhecidos. "Quando viram minhas telas, todos
acharam-nas feias, da~tescas ( . . J Guardei as telas" 44. Entrementes,
Anita participara de concurso promovido por Monteiro Lobato sobre a
representao do "Saci". A verso da pintora, entretanto, despertou o
esprito de chacota do prprio organizador do certame: "A sra. Malfatti
tambm deu sua contribuio em ismo" - dizia ele45. Foi nesse perodo que o ento jornalista e caricaturista Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976). visitando Anita, animou-a a expor, o que se deu depois de muita hesitao da artista, entre dezembro de 1917 e janeiro de 1918,
num salo da rua Lbero Badar. Anita selecionou mais de 50 obras
em tcnicas diversas (inclusive a gravura) e inseriu peas j produzidas
temtico
nacional
(e.g. 'Tropical")
48.
517
518
Houve dois aspectos relevantes e opostos entre si na mostra: um altamente positivo, o de provocar a idia da arregimentao de foras dispersas que se encaminhavam para uma nova cultura. Nesse sentido,
Anita foi o "estopim do modernismo", conforme a expresso de Mrio
da Silva Brit047. O outro aspecto inteiramente oposto, podendo-se
dizer que, s custas dessa contribuio, a artista tornou-se alvo de
comentrios violentos e insultuosos, e que interferiam desastradamente em seus principios estticos e na sua qualidade artstica. verdade
que, antes da exposio, j havia censuras sua pintura e que ela em
nada reagira s circunstncias adversas, mostrando-se temerosa de
exibir trabalhos. Em ltima anlise, a responsabilidade do retrocesso
que se anunciava e que se agravou com os ataques mostra, coube
sua prpria dificuldade de enfrentar no s o poderoso misonesmo
artstico do ambiente como certamente tambm outras formas de preconceito da poca, a exemplo das restries liberdade feminina.
A parcela de responsabilidade da crtica enorme, porm. A principal investida exposio veio do conceituadssimo escritor Monteiro
Lobato, cujo artigo "A propsito da Exposio de Anita Malfatti" era
acolhido na edio vespertina de O Estado de S. Paulo48 e depois ainda reproduzido no livro Idias de Jeca Tatu, sob o ttulo de "Parania
ou mistificao". No texto, Lobato, defensor da arte acadmica e ele
mesmo pintor pompier, embora paradoxalmente no se isentasse de
reconhecer o "talento vigoroso, fora do comum" de Anita e de perceber o quanto a "autora independente, como original, como inventiva", no a viu, finalmente, sen'o como algum que "penetrou nos
domnios dum impressionismo ~sic) discutibilssimo e (que) pe todo o
seu talento a servio duma nova espcie de caricatura". O seu raciocinio falhava na suposio de que a estrutura sinttica das obras que
condenava no era inseparvel da estrutura de sua significao. O
improvisado crtico - e isto no era exceo no Brasil - situava
temerariamente a artista como pertencente 'espcie' dos que "vem
anormalmente a natureza, e interpretam-na luz de teorias efmeras,
sob a sugesto estrbica de escolas rebeldes ( . . .)". "So produtos do
.~.LIOTECA
DA PUC-MO
519
689
r- -:-"
1.
520
Se o novo aporte entre os artistas plsticos era dos mais consistentes em Anita Malfatti, nas outras figuras que se projetavam
naqueles anos j prximos da Semana de Arte Moderna - essencialmente Victor Brecheret, Vicente do Rego Monteiro (1899-1970) e Di
Cavalcanti - a linguagem carecia da afirmao autntica adquirida
posteriormente. Era incontestvel, porm, sua evoluo em novas vias
de percepo, em torno de 1920-21. Este amadurecimento anterior
dos artistas e o entusiasmo que provocava nos escritores e poetas
mais abertos autorizam a acreditar na tese do empuxo exercido pelas
artes no modernismo das letras54.
Dos trs artistas, Di Cavalcanti aparecia como o menos afirmado.
Nascido no Rio, iniciara-se na arte atravs da caricatura, em 1914, na
revista Fon-Fon, praticando-a intensamente nos anos seguintes ao lado
de uma atividade de ilustrador. Paralelamente, exercia o jornalismo.
Em 1917 fez sua primeira exposio em So Paulo. Nesse mesmo ano
comeou na pintura junto a Elpons.Assinalava-o,sobretudo, uma inclinao tardia pelo Simbolismo e o acento art-noUlleau, visvel em
desenhos influenciados por Beardsley (1872-98) e telas de um 'penumbrismo' exteriormente prximo a Eugne Carrire (1849-1906) (o
paralelo com o simbolista francs de Ronald de Carvalho). Em 1921
ele realizou no Rio a srie de desenhos "Fantoches da Meia-Noite",
enfocando o mundo bomio da Lapa com a verve da caricatura. Mas
689 Di Cavalcanti
"Fantoches da
Meia-Noite", fev. 1922, Monteiro Lobato e
Cia. Editores. So Paulo.
690 Di Cavalcanti - "O Beijo", 1923,
tmpera s/tela. 90,4 x 62,3, col. MAC-USP.
691 Capa do catlogo da exposio da
Semana
de Arte
Moderna.
desenhada
por Di
Cavalcanti.
690
691
521
de So Paulo) comentava os
exemplares como sendo "todos extrados das nossas ingnuas lendas
indgenas, trabalhadas com uma tendncia mais do que pronunciada
para o descabido futurismo - eterno foco de coisas ridculas" 56, nota
que contrastava com a opinio de Nestor Pestana, em O ESlaao de S.
Paulo, para quem o artista no cara "nos exageros do futurismo ou do
cubismo", ressaltando a "forma individual. que revela aprecivel independncia de esprito e qualidade de inventiva" dos desenhos e
aquarelas57.
Monteiro Lobato tambm o viu com bons olhos, encontrando nos
p"
522
Fora diferente o pensamento do Fanfulla, que criticara a "incompatibilidade existente entre os temas mitolgicos brasileiros e o estilo futurstico das figuras" 59. Nada havia, em verdade, de 'futurista', nessa srie,
posteriormente ampliada para a nova exposio de 70 exemplares,
desta vez no Rio, em 1921, no Teatro Trianon, com outras figuras e
ambientes amaznicos imaginrios, ocasio em que Ronald de Carvalho dedicou-lhe uma apreciao motivada essencialmente pelo sentimento nacionalista, sugerindo o aproveitamento do tropicalismo de
Monteiro em bailados: "Na sua exposio, o que mais interessa, a
contribuio do pintor para os efeitos de uma grande arte cnica, de
carter profundamente nacional. A srie de bailados que sugeriram as
fbulas selvagens, como a do Corupira e o Caador, a de Pahy e
Tumar e a das Ikamiabas, mereceria ser aproveitada por um dos nossos musicistas, como Villa-Lobos. Com aqueles cenrios e a curiosssima indumentria que desenhou Rego Monteiro, poderamos ter alguns
bailados admirveis" 60.
Os desejos do escritor no se realizariam. Eles eram, alis, os do
prprio artista adolescente, cujo interesse tropicalista, ao que ele afirmou, se manifestara logo na volta de sua primeira viagem Europa.
Em 1918, Monteiro cogitara de organizar um bailado de lendas indgenas, ao assistir a espetculo de Anna Pavlova no Recife. Mas tudo
ficara nas intenes, enquanto Anita foi induzida pela vaga nacionalista
a valer-se de temas nativistas na exposio de 1917-18. No havia
nela a convico que assinala a obra de fundo indianista de Vicente, a
partir de 1919. Muito mais tarde, o pintor pernambucano reivindicaria
a condio de "um precursor do indianismo", razo de sua recusa em
aderir ao movimento antropofgico de Oswald de Andrade61.
Antes de comear a se impor como pintor, j em anos vizinhos da
Semana da Arte Moderna, Vicente do Rego Monteiro se havia concentrado momentaneamente na escultura. Estudando pintura, desenho
e escultura na Acadmie Julian, em Paris, ele (aos 14 anos) tivera
obras aceitas no Salon des Indpendants, em 1913. Adveio-Ihe dessa
poca o cognome de Le Petit Rodin62. No Brasil. entre 1914 e 1919, o
trabalho escultura I (ele tambm lecionou essa arte no Recife) traria
conseqncias definitivas para a sua pintura, onde a cor subalterna
ao desenho, traado com denso teor de estabilidade. Viajando pela
segunda vez Europa, em 1921, Monteiro confiou a Ronald de Carvalho algumas pinturas recentes, que seriam expostas na Semana. O
conjunto era bastante heterogneo. Entre outras peas, havia quadros
de influncia impressionista, como "Cabeas de Negras", uma
aquarela de acentos art-nouveau, seuratianos e matissianos ("Baile no
Assrio''), desenhos com estilizados motivos indgenas e retratos em
que idealiza os personagens, como no de Ronald de Carvalho, colocando-os por vezes frente da paisagem nordestina. Tudo isto alm de
telas de caracterizao cubista que marcavam "a evoluo do pintor
em direo pintura intelectual" 63.Evidenciava-se a deciso do artista
na escolha do procedimento pictrico: ele estava perto dos propsitos
expressivos que o salientaram na dcada de 1920.
Afora Anita Malfatti, entretanto, nenhum outro artista da primeira
leva modernista atraiu tanta ateno quanto Victor Brecheret. Nascido
em Viterbo (Itlia) em 1894 e emigrado para o Brasil em 190464 fizera
aprendizado no Liceu de Artes e Ofcios de So Paulo viajando para
Roma em 1913, onde estudou escultura com Arturo Dazzi (1882-1971). No retorno ao Brasil, em 1919, permaneceu meses entregue a
um trabalho solitrio. Em janeiro de 1920, esse isolamento foi quebrado pela visita de Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e o pintor e caricaturista Hlios Seelinger (1878-1965) ao atelier que improvisara numa
sala do Palcio das Indstrias. Logo em seguida, em artigos encomisticos, o prprio Monteiro Lobato (desencontrando-se com o que afirmara sobre Anita) e Menotti dei Picchia deram incio divulgao de
sua obra. Era o comeo da trajetria amadurecida depois de 1921, na
segunda viagem Europa. A escolha de Roma no havia sido acertada. Apenas no plano da material idade e da tcnica da escultura o tradicional Dazzi lhe poderia ter sido til. Brecheret, todavia, familiarizara-se
desde muito cedo com o modelado desenvolto de Rodin (1840-1917).
Houve, nessa estada europia, o contato admirativo com a obra do
iugoslavo Ivan Mestrovic (1883-1962), escultor ecltico, influenciado
por Rodin e Bourdelle (1861-1929). E a incidncia de aspectos da
escultura de pocas anteriores.
Por entre todas essas assimilaes, Brecheret j manifestava,
porm, em torno de 1920-21, refinamentos formais singulares confirmados na evoluo do seu estilo. Entre as peas executadas na Itlia,
"Eva", gesso de 1919 (transposta em mrmore no ano seguinte). apega-se a uma concepo nat,yralista que remonta no mnimo a "Despertar", de 1916. Em seus acentos musculares e na energia fisionmica
so visveis inflexes faciais e torses da linha serpentinada de Miguel
ngelo (e.g. "O Gnio da Vitria", do Palazzo Vecchio de Florena).
Nos exemplares paulistas de 1920-21, como os bronzes "Sror
Dolorosa", "Cabea de Cristo" e "Vitria", a composio art-nouveau
enquanto a matria sensibiliza-se em nuanas impressionistas derivadas de Rodin. A "Cabea de Cristo", estruturada simetricamente com
dureza arcaizante (a exemplo das demais peas da srie), de grande
tenso interior. Nessas obras j esto prenunciadas as constantes 'maneiristas' do escultor, enquanto em "Daisy", busto em mrmore de c.
1921, reaparece o movimento dramtico de "Eva", com registros anatmicos muito acusados, que ele eliminar no essencial da atividade
posterior. A sofisticao linear de Brecheret aparenta-se ao grafismo
da figurao escultrica do arquiteto Antonio Moya (1891-1949). de
origem espanhola, radicado em So Paulo e participante da Semana
de Arte Moderna, que conjugava esse elemento aos seus projetos de
edifcios fantsticos e tmulos.
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cal.
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!.
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O xito provocou desdobramentos: ele seria encarregado do projeto do "Monumento s Bandeiras", em meados de 1920, seguindo
uma conceituao de smbolos e alegorias68. A idia do complexo
escultrico/arquitetOnico surgiu no clima eufrico das festividades do
Centenrio, aplicando-se o escultor numa seqncia de desenhos e na
elaborao de uma maqueta composta essencialmente de uma massa
de ciclpicas figuras em movimento sobre alto podium, que sugerem a
'entrada' no serto, e de outras dispostas lateralmente. O estaturio
"seguia a linha mestroviciana de expressividade violenta, alm de se
subjugar s alegorias" 69. Havia sem dvida concesses naturalisticas.
O projeto no pOde ser levado adiante e s em 1936, aps remanejamentos vrios, que o apuraram, foi retomado e realizado em granito
(concluso em 1953).
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Ao escultor que em 1921 se fixaria na Europa para a fase decisiva, coube o mrito de selar a unidade do grupo sensvel s novas
idias. Oswald, que se refere a ele, em crnica de c. 1920, como "o
nosso nico escultor, mas que vale bem diversas geraes de modela- .
dores", defende-o dos que vem a arte apenas por critrios de cpia
do reaI70. Mrio de Andrade, em 1921, na partida do artista para a
Europa, chama-o de "amigo e irmo dos mais ntimos" e "a profecia
mais genial que o pas teve at hoje na escultura" 71. Muito mais tarde,
na conferncia de 1942, dir que "fazamos verdadeiras rvenes a
galope em frente da simblica exasperada e estilizaes decorativas do
'gnio'. Porque Victor Brecheret. para ns, era no mnimo um gnio.
Este o mnimo com que podamos nos contentar, tais os entusiasmos
a que ele nos sacudia" n Menotti, em fins de 1921, sabendo-o admitido no Salon d'Automne, em Paris, intitula-o "a bandeira dos futuristas
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o iderio futurista, fundamentado na necessidade de criar dimenses de linguagem compatveis com o avano tecnolgico e tendo
como divisa a rejeio concomitante das tradies acumuladas consciente das alteraes radicais que experimentava a estrutura j
fragmentada da sociedade contempornea - serviu causa modernista no Brasil, melhor dizendo de So Paulo, na fase mais aguda de sua
configurao (entre 1920-21). tornando-se instrumento crtico de combate s posies ultrapassadas e constituindo-se, no prprio mago da
confraria que se consolidava, em objeto de srias refregas, como ficou
demonstrado no desentendimento havido entre Oswald e Mrio de
Andrade,
Coube a Menotti dei Picchia e sua freima jornalstica, depois de
combat-Ios e de muitas hesitaes, sair a campo na defesa polmica
dos postulados futuristas, divulgando conceitos, traduzindo poemas de
Marinetti e Govoni e apresentando novos poetas que, sem enquadrar-se no sistema futurista, livravam-se parcialmente das estruturas verbais
metrificadas.
Houve identificao entre a cidade tumultuada pelo progresso
material e os novos poetas e escritores com a esttica que pregava a
"beleza da velocidade", "o movimento agressivo", "a insnia febril",
Mas as adeses ao Futurismo diversificavam-se com inseminaes
prprias do ambiente brasileiro, desfigurando as premissas italianas
originais. Se de parte dos adversrios dos modernistas havia, para
comear, incorrees esdrxulas no manejo do nome - o que alis
ocorreu tambm em outros pases, como a Rssia, onde o Futurismo
foi influente e por muito tempo denegrido - no grupo revolucionrio a
acepo 'futurista' era deliberada mente alargada e confundida com a
vasta dialtica do movimento modernista internacional, a exemplo do
que pregavam Menotti dei Picchia (desde fins de 1920). Oswald de
Andrade, Cndido Mota Filho e Srgio Buarque de Holanda, em artigos divulgados pela imprensa no ano de 1921, Estava-se todavia muito longe da profundidade de conceitos alcanada por futuristas de
outros centros europeus, O Futurismo, como demonstrou Mrio da Silva Brito, em alguns captulos do seu livro fundamental82, tornou-se em
So Paulo palavra de ordem e da moda para explodir nas prprias
mos dos modernistas em meados de 1921, no instante em que
Mrio de Andrade respondeu ao artigo "O meu poeta futurista" de
Oswald de Andrade83. O autor :Jueestrearia com Os condenados
impregnava o poeta ainda desconhecido de Paulicia desvairada, do
nome extremado que este repudiou altivamente, negando-se ao papel
de "reformador, revolucionrio, iconoclasta" 84, Ele duvidava da existncia de um "futurismo brasileiro, ou por outra de So Paulo" - que,
Oswald no definia - discordando sobretudo do materialismo futurista,
ao invocar sua condio de catlico e opondo-se renegao total do
passado, apoiado no seu marcado nacionalismo, que preza "nossas
tradies, poucas, mas ureas". Na sua resposta, Oswald no teve dvidas em reafirmar o que dissera: colocava-se "na larga viso de Pratelia" e considerava "que em relao ao acanhamento de esttica e ao
embrutecimento tradicional do nosso pas em coisas de arte, os versos
de Paulicia desvairada so do mais chocante, do mais estuporante, e,
para mim, do mais abenoado futurismo", Ele fala de "meu futurismo
sem as acrobacias tipogrficas de Marinetti nem as asnices intrujadas
de Max Jacob, nem as liberdades criadoras de Vicente de Carvalho"
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Graa Aranha aparecia como o autor da iniciativa no noticirio jornalstico que preparava a opinio pblica. Articulados os modernistas
de So Paulo e Rio, tomadas as providncias organizativas, onde se
destacou o escritor Ren Thiollier - "mais que um assimilador da "Semana", fui seu empresrio", diz ele98 - o evento teve lugar sob o
comando dos intelectuais. O acontecimento, em verdade, ganharia curso dentro e fora do recinto nobre da casa da pera de So Paulo. No
dizer da crtica Aracy Amaral: "A luta se deu no apenas durante os
dias 13, 15 e 17 nos programas divulgados, no Teatro Municipal de
So Paulo, alugado para a ocasio, como sobretudo atravs da imprensa, em textos dos modernistas apaixonados como de seus atacantes
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100.
que se desenvolvia precariamente e que atravessava fase de decadncia nos anos anteriores a 1922. O contexto das artes plsticas inclua
a arquitetura, a escultura e a pintura. A coordenao alcanada no
deixa dvida quanto lucidez desse ato cultural.
A Semana que seguia sua maneira manifestaes de grupos
europeus de vanguarda e que de alguma correspondncia com a
Armory Show, exposio que, em 1913, tambm pela via do escndalo, desencadeara as tendncias internacionais da arte nos Estados
Unidos (que decorrem paralelas s resistncias realistas locais), argamassava o Modernismo j slido de So Paulo, e o do Rio, mais recente e menos coeso.
As novas correntes interacionadas, como vimos, em suas variantes categoriais de expresso, foram, como j se verificara antes da
Semana, tachadas de 'futuristas'. Pretendia-se, alis, assumir o termo
tabu para a Semana, idia depois abandonada. O escopo principal era
obviamente a contestao e a provocao - o que se fez face a um
pblico ruidoso e que lotava o teatro, mas ao mesmo tempo diante da
indiferena das autoridades que encampavam as performances colocadas sob a gide de representantes da prpria classe dirigente.
Uma dissertao de Graa Aranha - "A emoo esttica da arte
moderna" - na linha de pensamento do seu livro A esttica da vida
(1921) - inaugurou a Semana. Com linguagem sentenciosa, prpria
da prxis acadmica, o escritor maranhense anunciou ao pblico os
"horrores" que o esperavam em pintura, poesia e msica, descartando
a noo do belo como "fim supremo da arte". Referia-se por outras
palavras, implicitamente, tese antolgica da multiplicidade das cate-
102.
Antes
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104.
Ferreira; 1892-1958) e Vicente do Rego Monteiro (pintura) 105. Permanecem algumas dvidas quanto presena de artistas citados por
outras fontes e que seriam hors catalogue, como Osvaldo Goeldi e Hildegardo Leo Velloso (1899-1966), Nada se sabe, por outro lado, do
envio de Martins Ribeiro mencionado na lista. Por haver colaborado na
feitura de col/ages de Almeida Prado incluiu-se automaticamente na
mostra o desenhista Antnio Paim Vieira (1895). Vicente do ReQo
Monteiro, Zina Aita, Martins Ribeiro e Hildegardo Leo Velloso compunham a delegao do Rio, organizada por Ronald de Carvalho e da qual o
primeiro - a bem dizer o representante pernambucano - constitua o
nico nome relevante. Os demais do elenco eram todos de So Paulo.
A incipiente catalogao das obras expostas, a incerteza do comparecimento de artistas mencionados em notcias dos jornais e a disperso de muitos dos trabalhos foram sempre fatores prejudiciais
reconstituio completa desse encontro nacional pioneiro da arte
moderna no pas. Muitas interrogaes permaneceram no ar, embora
certamente pouco de monta haja a acrescentar informao acumulada, sobretudo nos ltimos anos108. Seja como for, o que restou da
Semana mais do que suficiente para a avaliao do seu contexto. O
estado de paralelidade temporal em relao cultura plstica internacional, pretendida pelos modernistas, confirmava-se apenas parcial-
isolamento"
108
linguagem original ao reaproximar-se dos modernistas109. Sua exposio na Semana devia refletir essa instabilidade que levara Mrio de
Andrade a escrever pouco antes: "tinha-se a impresso dum artista
que tivesse perdido a prpria alma" 110. Somente atravs das obras de
1917-18 Anita Malfatti ainda era capaz de trazer uma mensagem vital
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120.
Graz, que em dezembro de 1920 expor suas pinturas "ao lado de trabalhos artesanais" de Regina Gomide Graz no saguo do Cinema
Central121,recebera uma citao de Oswald de Andrade no discurso do
Trianon. como vimos e ser includo na Semana com oito quadros.
todos feitos na Europa. No "Retrato do ministro G." (incio de 1917)122
.influenciado pelo expressionismo de Hodler. assim como por Czanne (1839-1906) nas paisagens que exibiu. mostradas tambm em
1919 na galeria do artista Moss em Genebra123. Denotam esses trabalhos expressionistas o pintor de bons recursos compositivos124, que
acentua os acentos formais geomtricos e esmera a cor nostlgica. A
respeito de sua presena na Semana de Arte Moderna, a testemunha
ocular Srgio Milliet afirma: "Eis, da esquerda para a direita. John
Graz. antigo discpulo de Hodler125. que nos apresenta telas de um
colorido vigoroso e de um simbolismo mstico simples, duro e ingnuo.
"A Descida da Cruz" , entre todas, o melhor exemplo. Nas paisagens
e nas naturezas-mortas essa mesma rudeza de expresso, que um
dos princpios de Hodler. "Paisagem de Espanha" uma tela magnfica"126. Desse momento data tambm "Ciprestes".
suas "oito telas bem modernas" 127. Milliet julgou a pintora "antes
bizarra que original", no deixando de apreciar-lhe a cor "moderna"
mas criticando o realismo do desenh0128. Zina encaixava-se entre os
brasileiros experientes da Europa antes de 1922, tendo estudado em
Florena mas no com suas personalidades mais vivas. Eram visveis
acentos art-nouveau nas obras da poca desta artista no desprovida
de qualidades grficas, que se enderearia para uma cermica pictrica anacrnica numa carreira desde 1924 transcorrida em Npoles.
Dos demais presentes seo de pintura (e desenho), ignora-se,
como se disse, o que apresentou Martins Ribeiro. Ferrignac, caricaturista e ilustrador colaborador da revista paulista Panplia, estivera
igualmente na Europa em duas oportunidades, dividindo o tempo entre
tarefas jornalsticas e a atividade grfica e plstica. Em 1919 ele vinha
de volta de viagem a Portugal, Espanha e Itlia trazendo numerosas
ilustraes a lpis, nanquim e aquarela. Uma crnica da poca situava-o como "muito moderno nas suas sensaes de artista", com obra
feita de "nervos e de sonho" (que) "tem sempre no trao, na sombra,
no colorido e no movimento, esse mesmo ritmo, essa mesma melodia
dos artistas 'decadentes', e toda a graa dos coloristas ingleses" 129.
Pelo que dele se conhece nada faz crer que o quadro "Natureza
Dadasta", exibido na Semana, tivesse algo a ver com a inteno do ttulo. O testemunho de Srgio Milliet esclarece tratar-se de "natureza-morta", informao a que acrescenta, no sabemos por qu: " a
extrema esquerda do movimento paulista" 130. Quanto participao
de Joo Fernando (Yan) de Almeida Prado (e do ilustrador, gravador e
ceramista art-nouveau Paim Vieira), de que no restou trao, ela se fez
com desenhos e collages de "contestao" humorstica ao esprito da
mostra, como confessou o futuro autor do polmico livro A grande
Semana de Arte Moderna131.
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