Pedagogia Progressista

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PEDAGOGIA PROGRESSISTA

O termo "progressista", emprestado de Snyders, usado aqui para designar as


tendncias que, partindo de uma anlise crtica das realidades sociais, sustentam
implicitamente as finalidades sociopolticas da educao. Evidentemente a pedagogia
progressista, no tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; da ser ela
um instrumento de luta dos professores ao lado de outras prticas sociais.

A pedagogia progressista tem-se manifestado em trs tendncias: alibertadora, mais


conhecida como pedagogia de Paulo Freire, a libertria, que rene os defensores da
autogesto pedaggica; a crtico-social dos contedos que, diferentemente das
anteriores, acentua a primazia dos contedos no seu confronto cor as realidades
sociais.
As verses libertadora e libertria tm em comum o anti-autoritarismo, a valorizao
da experincia vivida como base da relao educativa e a idia de autogesto
pedaggica. Em funo disso, do mais valor ao processo de aprendizagem grupal
(participao em discusses, assemblias, votaes) do que aos contedos de ensino.
Como decorrncia, a prtica educativa somente faz sentido numa prtica social junto
ao povo, razo pela qual preferem as modalidades de educao popular no-formal.
A tendncia da pedagogia critico social de contedos prope uma sntese superadora
das pedagogia tradicional e renovada, valorizando a ao pedaggica enquanto
inserida na prtica social concreta. Entende a escola como mediao entre o individual
e o social, exercendo a a articulao entre a transmisso dos contedos e a
assimilao ativa por parte de um aluno concreto (inserido num contexto de relaes
sociais); dessa articulao resulta o saber criticamente re-elaborado.

1. Tendncia progressista libertadora

Papel da escola - No prprio da pedagogia libertadora falar em ensino escolar, j


que sua marca a atuao "no-formal". Entretanto, professores e educadores
engajados no ensino escolar vm adotando pressupostos dessa pedagogia. Assim,
quando se fala na educao em geral, diz-se que ela uma atividade onde
professores e alunos, mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem
o contedo de aprendizagem, atingem um nvel de conscincia dessa mesma
realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de transformao social. Tanto a
educao tradicional, denominada "bancria" - que visa apenas depositar informaes
sobre o aluno -, quanto a educao renovada - que pretenderia uma libertao
psicolgica individual - so domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a
realidade social de opresso. A educao libertadora, ao contrrio, questiona
concretamente a realidade das relaes do homem com a natureza e com os outros
homens, visando a uma transformao - da ser uma educao crtica.

Contedos de ensino - Denominados "temas geradores", so extrados da


problematizao da prtica de vida dos educandos. Os contedos tradicionais so
recusados porque cada pessoa, cada grupo envolvidos na ao pedaggica dispem

em si prprios, ainda que de forma rudimentar, dos contedos necessrios dos quais
se parte. O importante no a transmisso de contedos especficos, mas despertar
uma nova forma da relao com a experincia vivida. A transmisso de contedos
estruturados a partir de fora considerada como "invaso cultural" ou
"depsito de informao", porque no emerge do saber popular. Se foremnecessrios
textos de leitura; estes devero ser redigidos pelos prprios educandos com a
orientao do educador.
Em nenhum momento o inspirador e mentor da pedagogia libertadora,
Paulo Freire, deixa de mencionar o carter essencialmente poltico de sua pedagogia,
o que, segundo suas prprias palavras, impede que ela seja posta em prtica, em
termos sistemticos, nas instituies oficiais, antes da transformao da sociedade.
Da porque sua atuao se d mais a nvel da educao extra-escolar. O que no tem
impedido, por outro lado, que seus pressupostos sejam adotados e aplicados por
numerosos professores.

Mtodos de ensino - "Para ser um ato de conhecimento o processo de alfabetizao


de adultos demanda, entre educadores e educandos, uma relao de autntico
dilogo; aquela em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram mediatizados
pelo objeto a ser conhecido (...). O dialogo engaja ativamente a ambos os sujeitos do
ato de conhecer: educador-educando e educando-educador."
Assim sendo, a forma de trabalho educativo o "grupo de discusso, a quem cabe
autogerir a aprendizagem, definindo o contedo e a dinmica das atividades. O
professor um animador que, por princpio, deve "descer" ao nvel dos alunos,
adaptando-se s suas caractersticas e ao desenvolvimento prprio de cada grupo.
Deve caminhar "junto", intervir o mnimo indispensvel, embora no se furte, quando
necessrio, a fornecer uma informao mais sistematizada.
Os passos da aprendizagem - codificao-decodificao, e problematizao da
situao - permitiro aos educandos um esforo decompreenso do "vivido", at
chegar a um nvel mais crtico de conhecimento da sua realidade, sempre atravs da
troca de experincia em torno da prtica social. Se nisso consiste o contedo do
trabalho educativo, dispensam-se um programa previamente estruturado, trabalhos
escritos, aulas expositivas, assim como qualquer tipo de verificao direta da
aprendizagem, formas essas prprias da educao bancria", portanto,
domesticadoras. Entretanto admite-se a avaliao da prticavivenciada entre
educador-educandos no processo de grupo e, s vezes, a auto-avaliao feita em
termos dos compromissos assumidos com a prtica social.
Relacionamento professor-aluno - No dilogo, como mtodo bsico, a
relao horizontal; onde educador e educandos se posicionam como sujeitos do ato
de conhecimento. O critrio de bom relacionamento a total identificao com o povo,
sem o que a relao pedaggica perde consistncia.
Elimina-se, por pressuposto, toda relao de autoridade, sob pena de esta inviabilizar
o trabalho de conscientizao, de "aproximao de conscincias". Trata-se de uma
"no-diretividade", mas no no sentido do professor que se ausenta (como em
Rogers), mas que permanece vigilante para assegurar ao grupo um espao humano
para "dizer sua palavra", para se exprimir sem se neutralizar.

Pressupostos de aprendizagem - A prpria designao de "educao


problematizadora" como correlata de educao libertadora revela a fora motivadora
da aprendizagem. A motivao se d a partir da codificao de uma situaoproblema, da qual se torna distncia para analisa-l criticamente. "Esta anlise
envolve o exerccio da abstrao, atravs da qual procuramos alcanar, por meio de
representaes da realidade concreta, a razo de ser dos fatos."
Aprende um ato de conhecimento da realidade concreta, isto da
situao real vivida pelo educando, e s tem sentido se resulta de uma aproximao
crtica dessa realidade. O que aprendido no decorre de uma imposio ou
memorizao, mas do nvel crtico de conhecimento, ao qual se chega pelo processo
de compreenso, reflexo e crtica. O que o educando transfere, em termos de
conhecimento, o que foi incorporado como resposta s situaes de opresso - ou
seja, seu engajamento na militncia poltica.

Manifestaes na prtica escolar - A pedagogia libertadora tem como inspirador e


divulgador Paulo Freire, que tem aplicado suas idias pessoalmente em diversos
pases, primeiro no Chile, depois na frica. Entre ns, tem exercido uma influncia
expressiva nos movimentos populares e sindicatos e, praticamente, se confunde com
a maior parte das experincias do que se denomina "educao popular". H diversos
grupos desta natureza que vm atuando no somente no nvel
da prtica popular, mas tambm por meio de publicaes, com relativa independncia
em relao s idias originais da pedagogia libertadora. Embora as formulaes
tericas de Paulo Freire se restrinjam educao de adultos ou educao popular,
em geral, muitos professores vm tentando coloc-las em prtica em todos os graus
de ensino formal.
2. Tendncia progressista libertria

Papel da escola - A pedagogia libertria espera que a escola exera uma


transformao na personalidade dos alunos num sentido libertrio e autogestionrio. A
idia bsica introduzir modificaes institucionais, a partir dos nveis subalternos
que, em seguida, vo "contaminando" todo o sistema. A escola instituir, com basena
participao grupal, mecanismos institucionais de mudana (assemblias,conselhos,
eleies, reunies, associaes etc.), de tal forma que o aluno, uma vez atuando nas
instituies "externas", leve para l tudo o que aprendeu. Outra forma de atuao da
pedagogia libertria, correlata primeira, aproveitando a margem de liberdade do
sistema - criar grupos de pessoas com princpios educativos autogestionrios
(associaes, grupos informais, escolas autogestjonrias). H, portanto, um sentido
expressamente poltico, medida que se afirma o indivduo como produto do social e
que o desenvolvimento individual somente se realiza no coletivo. A autogesto ,
assim, o contedo e o mtodo; resume tanto o objetivopedaggico quanto o poltico. A
pedagogia libertria, na sua modalidade mais conhecida entrens, a "pedagogia
institucional", pretende ser uma forma de resistncia contra a burocracia como
instrumento da ao; dominadora do Estado, que tudo controla (professores,
programas, provas etc.), retirando a autonomia.

Contedos de ensino - As matrias so colocadas disposio do aluno, mas no


so exigidas. So um instrumento a mais, porque importante o conhecimento que
resulta das experincias vividas pelo grupo, especialmente a vivncia de mecanismos
de participao crtica. "Conhecimento" aqui no a investigao cognitiva do real,
para extrair dele um sistema de representaes mentais, mas a descoberta de
respostas s ncessidades e s exigncias da vida social. Assim, os contedos
propriamente ditos so os que resultam de necessidades e interesses manifestos pelo
grupo e que no so, necessria nem indispensavelmente, as matrias de estudo.
Mtodo de ensino - na vivncia grupal, na forma de autogesto, que os alunos
buscaro encontrar as bases mais satisfatrias de sua prpria instituio, graas
sua prpria iniciativa e sem qualquer forma de poder. Trata-se de "colocar nas mos
dos alunos tudo o que for possvel: o conjunto da vida, as atividades e a organizao,
do trabalho no interior da escola (menos a elaborao dos programas ea deciso dos
exames que no dependem nem dos docentes, nem dos alunos)". Os alunos tm
liberdade de trabalhar ou no, ficando o interesse pedaggico na dependncia de suas
necessidades ou das do grupo.
O progresso da autonomia, excluda qualquer direo de fora do grupo, se d num
"crescendo": primeiramente a oportunidade de contatos aberturas, relaes informais
entre os alunos. Em seguida, o grupo comea a se organizar, de modo a que todos
possam participar de discusses, cooperativas, assemblias, isto , diversas formas
de participao e expresso pela palavra; quem quiser fazer outra coisa, ou entra em
acordo com o grupo, ou se retira. No terceiro momento, ogrupo se organiza de forma
mais efetiva e, finalmente, no quarto momento, parte para a execuo do trabalho.
Relao professor-aluno - A pedagogia institucional visa "em primeiro lugar,
transformar a relao professor-aluno no sentido da no-diretividade, isto , considerar
desde o incio a ineficcia e a nocividade de todos os mtodos base de obrigaes e
ameaas". Embora professor e aluno sejam desiguais e diferentes, nada impede que o
professor se ponha a servio do aluno, sem impor suas concepes e idias, sem
transformar o aluno em "objeto". O professor um orientador e um catalisador, ele se
mistura ao grupo para uma reflexo em comum.
Se os alunos so livres frente ao professor, tambm este o em relao aos alunos
(ele pode, por exemplo, recusasse a responder uma pergunta, permanecendo em
silncio). Entretanto, essa liberdade de deciso tem um sentido bastante claro: se um
aluno resolve no participar, o faz porque no se sente integrado, mas o grupo tem
responsabilidade sobre este fato e vai se colocar a questo; quando o professor se
cala diante de uma pergunta, seu silncio tem um significado educativo que pode, por
exemplo, ser uma ajuda para que o grupo assuma a resposta ou a situao criada. No
mais, ao professor cabe a funo de "conselheiro" e outras vezes, de instrutor-monitor
disposio do grupo. Em nenhum momento esses papis do professor se
confundem com o de "modelo", pois a pedagogia libertria recusa qualquer forma de
poder ou autoridade.
Pressupostos de aprendizagem - As formas burocrticas das instituies existentes,
por seu trao de impessoalidade, comprometem o crescimento pessoal. A nfase na
aprendizagem informal, via grupo, e a negao de toda forma de represso visam
favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres. A motivao est, portanto, no
interesse em crescer dentro da vivncia grupal, pois supe-se que o grupo devolva a
cada um de seus membros a satisfao de suas aspiraes e necessidades.
Somente o vivido, o experimentado incorporado e utilizvel em situaes novas.
Assim, o critrio de relevncia do saber sistematizado seu possvel uso prtico. Por

isso mesmo, no faz sentido qualquer tentativa de avaliao da aprendizagem, ao


menos em termos de contedo.
Outras tendncias pedaggicas correlatas - A pedagogia libertria abrange quase
todas as tendncias anti-autoritrias em educao, entre elas, a anarquista, a
psicanalista, a dos socilogos, e tambm a dos professores progressistas. Embora
Meill e Rogers no possam ser considerados progressistas (conforme entendemos
aqui), no deixam de influenciar alguns libertrios, como 12 Cf., a esse respeito, G
SNYDERS, para onde vo as pedagogias no-diretivas? Lobrot. Entre os estrangeiros
devemos citar Vasquez e Oury entre os mais recentes, Ferrer y Guardi entre os mais
antigos. Particularmente significativo o trabalho de C. Freinet, que tem sido muito
estudado entre ns, existindo inclusive algumas escolas aplicando seu mtodo.
Entre os estudiosos e divulgadores da tendncia libertria pode-se citar Mauricio
Tragtemberg, apesar da tnica de seus trabalhos no ser propriamente pedaggica,
mas de crtica das instituies em favor de um projeto autogestionrio. Em termos
propriamente pedaggicos, inclusive com propostas efetivas de ao escolar, citamos
Miguel Gonzales Arroyo.
3. Tendncia progressista "crtico-social dos contedos"
Papel da escola - A difuso de contedos a tarefa primordial. No
contedos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociveis das realidades
sociais. A valorizao da escola como instrumento de apropriao do saber o melhor
servio que se presta aos interesses populares, j que a prpria escola pode contribuir
para eliminar a seletividade social e torn-la democrtica. Se a escola parte
integrante do todo social, agir dentro dela tambm agir no rumo da
transformao da sociedade. Se o que define uma pedagogia crtica a conscincia
de seus condicionantes histrico-sociais, a funo da pedagogia "dos contedos" dar
um passo frente no papel transformador da escola, mas a partir das condies
existentes. Assim, a condio para que a escola sirva aos interesses populares
garantir a todos um bom ensino, isto , a apropriao dos contedos escolares
bsicos que tenham ressonncia na vida" dos timos. Entendida nesse sentido, a
educao "uma atividade mediadora no seio da prtica social global", ou seja, uma
das mediaes pela qual o aluno, pela interveno do professor e por sua prpria
participao ativa, passa de uma experincia inicialmente confusa e fragmentada
(sincrtica), a uma viso sinttica, mais organizada e unificada.
Em sntese, a atuao da escola consiste na preparao do aluno para o mundo
adulto e suas contradies, fornecendo lhe um instrumental, por meio da aquisio de
contedos e da socializao, para uma participao organizada e ativa na
democratizao da sociedade.
Contedos de ensino - So os contedos culturais universais que se constituram em
domnios de conhecimento relativamente autnomos, incorporados pela humanidade,
mas permanentemente reavaliados face s realidades sociais. Embora se aceite que
os contedos so realidades exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e no
simplesmente reinventados, eles no so fechados e refratrios s realidades sociais.
No basta que os contedos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados;
preciso que se liguem, de forma indissocivel, sua significao humana e social.
Essa maneira de conceber os contedos do saber no estabelece oposio entre
cultura erudita e cultura popular, ou espontnea, mas uma relao de continuidade em
que, progressivamente, se passa da experincia imediata e desorganizada ao
conhecimento sistematizado. No que a primeira apreenso da realidade seja errada,
mas necessria ascenso a uma forma de elaborao superior, conseguida pelo
prprio aluno, com a interveno do professor.

A postura da pedagogia "dos contedos" - Ao admitir um conhecimento relativamente


autnomo - assume o saber como tendo um contedo relativamente objetivo, mas, ao
mesmo tempo, introduz a possibilidade de uma reavaliao crtica frente a esse
contedo. Como, sintetiza Snvders, ao mencionar o papel do professor, trata-se, de
um lado, de obter o acesso do aluno aos contedos, ligando-os com a experincia
concreta dele - a continuidade; mas, de outro, de proporcionar elementos de anlise
crtica que ajudem o aluno a ultrapassar a experincia, os esteretipos, as presses
difusas da ideologia dominante - a ruptura.
Dessas consideraes resulta claro que se pode ir do saber ao engajamento poltico,
mas no o inverso, sob o risco de se afetar a prpria especificidade do saber e at
cair-se numa forma de pedagogia ideolgica, que o que se critica na pedagogia
tradicional e na pedagogia nova.
Mtodos de ensino - A questo dos mtodos se subordina dos contedos: se o
objetivo privilegiar a aquisio do saber, e de um saber vinculado s realidades
sociais, preciso que os mtodos favoream a correspondncia dos contedos com
os interesses dos alunos, e que estes possam reconhecer nos contedos o auxlio ao
seu esforo de compreenso da realidade (prtica social).
Assim, nem se trata dos mtodos dogmticos de transmisso do saber da pedagogia
tradicional, nem da sua substituio pela descoberta, investigao ou livre expresso
das opinies, como se o saber pudesse ser inventado pela criana, na concepo da
pedagogia renovada.
Os mtodos de uma pedagogia crtico-social dos contedos no partem, ento, de um
saber artificial, depositado a partir de fora, nem do saber espontneo, mas de uma
relao direta com a experincia do aluno, confrontada com o saber e relaciona a
prtica vivida pelos alunos com os contedos propostos pelo professor, momento em
que se dar a "ruptura" em relao experincia pouco elaborada. Tal ruptura apenas
possvel com a introduo explcita, pelo professor dos elementos novos de anlise
a serem aplicados criticamente prtica do aluno. Em outras palavras, uma aula
comea pela constatao da prtica real, havendo, em seguida, a conscincia dessa
prtica no sentido de referi-la aos termos do contedo proposto, na forma de um
confronto entre a experincia e a explicao do professor. Vale dizer: vai-se da ao
compreenso e da compreenso ao, at a sntese, o que no outra coisa seno
a unidade entre a teoria e a prtica.
Relao professor-aluno Se, como mostramos anteriormente, o conhecimento
resulta de trocas que se estabelecem na interao entre o meio (natural, social,
cultural) e o sujeito, sendo o professor o mediador, ento a relao pelica consiste no
provimento das condies em que professores e alunos possam colaborar para fazer
progredir essas trocas. O papel do adulto insubstituvel, mas acentua-se tambm a
participao do aluno no processo. Ou seja, o aluno, com sua experincia imediata
num contexto cultural, participa na busca da verdade, ao confront-la com os
contedos e modelos expressos pelo professor. Mas esse esforo do professor em
orientar, em abrir perspectivas a partir dos contedos, implica um envolvimento com o
estilo de vida dos alunos, tendo conscincia inclusive dos contrastes entre sua prpria
cultura e a do aluno. No se contentar, entretanto, em satisfazer apenas as
necessidades e carncias; buscar despertar outras necessidades, acelerar e
disciplinar os mtodos de estudo, exigir o esforo do aluno, propor contedos e
modelos compatveis com suas experincias vividas, para que o aluno se mobilize
para uma participao ativa.
Evidentemente o papel de mediao exercido em torno da anlise dos contedos
exclui a no-diretividade como forma de orientao do trabalho escolar, porque o
dilogo adulto-aluno desigual. O adulto tem mais experincia acerca das realidades

sociais, dispe de uma formao (ao menos deve dispor) para ensinar, possui
conhecimentos e a ele cabe fazer a anlise dos contedos em confronto c om as
realidades sociais. A no-diretividade abandona os alunos a seus prprios desejos,
como se eles tivessem uma tendncia espontnea a alcanar os objetivos da
esperados da educao. Sabemos que as tendncias espontneas e naturais no so
o tributrias das condies de vida e do meio. No so suficientes o amor, a
aceitao, para que os filhos dos trabalhadores adquiram o desejo de estudar mais, de
progredir; necessria a interveno do professor para levar o aluna a acreditarnas
suas possibilidades, a ir mais longe, a prolongar a experincia vivida.

Pressupostos de aprendizagem - Por um esforo prprio, o aluno; se reconhece nos


contedos e modelos sociais apresentados pelo professor; assim, pode ampliar sua
prpria experincia. O conhecimento novo se apia numa estrutura cognitiva j
existente, ou o professor prov a estrutura de que o aluno ainda no dispe. O grau de
envolvimento na aprendizagem depende tanto da prontido e disposio do aluno,
quanto do professor e do contexto da sala de aula.
Aprender, dentro da viso da pedagogia dos contedos, desenvolver a capacidade
de processar informaes e lidar com os estmulos, do ambiente, organizando os
dados disponveis da experincia. Em conseqncia, admite-se o princpio da
aprendizagem significativa que supe, como passo inicial, verificar aquilo que o aluno
j sabe. O professor precisa saber (compreender) o que os alunos dizem ou fazem, o
aluno precisa compreender o que o professor procura dizer-lhes. A transferncia da
aprendizagem se m a partir do momento da sntese,
isto , quando o aluno supera sua viso parcial e confusa e adquire uma viso mais
clara e unificadora.
Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser avaliado, no como julgamento
definitivo e dogmtico do professor, mas como uma comprovao para o aluno do seu
progresso em direo a noes mais sistematizadas.
Manifestaes na prtica escolar - O esforo de elaborao de uma pedagogia "dos
contedos" est em propor modelos de ensino voltados para a interao contedosrealidades sociais; portanto, visando avanar em termos de uma articulao do poltico
e do pedaggico, aquele como extenso deste, ou seja, a educao "a servio da
transformao das relaes de produo". Ainda que a curto prazo se espere do
professor maior conhecimento dos contedos de sua matria e o domnio de formas
de transmisso, a fim de garantir maior competncia tcnica, sua contribuio "ser
tanto mais seja eficaz quanto mais seja capaz de compreender os vnculos de sua
prtica com a prtica social global", tendo em vista (...) "a democratizao da
sociedade brasileira, o atendimento aos interesses das camadas populares, a
transformao estrutural da sociedade brasileira".
Dentro das linhas gerais expostas aqui, podemos citar a experincia pioneira, mas
mais remota, do educador e escritor russo, Makarenko. Entre os autores atuais
citamos B. Charlot, Suchodolski, Manacorda e, de maneira especial, G. Skyders, alm
dos autores brasileiros que vm desenvolvendo investigaes relevantes, destacandose Dermeval Saviani. Representam tambm as propostas aqui apresentadas os
inmeros professores da rede escolar pblica que se ocupam, competentemente, de
uma pedagogia de contedos articulada com a adoo de mtodos que garantam a
participao do aluno que, muitas vezes sem saber, avanam na democratizao
efetiva do ensino para as camadas populares.
4. Em favor da pedagogia crtico-social dos contedos

Haver sempre objees de que estas consideraes levam a posturas


antidemocrticas, ao autoritarismo, centralizao no papel do professor e
submisso do aluno.
Mas o que ser mais democrtico: excluir toda forma de direo, deixar tudo livre
expresso, criar um clima amigvel para alimentar boas relaes, ou garantir aos
alunos a aquisio de contedos, a anlise de modelos sociais que vo lhes fornecer
instrumentos para lutar por seus direitos? No sero as relaes democrticas no
estilo no-diretivo uma forma sutil de adestramento, que levaria a reivindicaes sem
contedo? Representam as relaes no-diretivas as reais condies do mundo social
adulto? Seriam capazes de promover a efetiva libertao do homem da sua condio
de dominado?
Um ponto de vista realista da relao pedaggica no recusa a autoridade pedaggica
expressa na sua funo de ensinar. Mas no se deve confundir autoridade com
autoritarismo. Este se manifesta no receio do professor em ver sua autoridade
ameaada; na falta de considerao para com o aluno ou na imposio do medo como
forma de tomar mais cmodo e menos estafante o ato de ensinar.
Alm do mais, so incongruentes as dicotomias, to difundidas por muitos
educadores, entre "professor-policial" e "professor-povo", entre mtodos diretivos e
no-diretivos, entre ensino centrado no professor e ensino centrado no estudante.
Ao adotar tais dicotomias, amortece-se a presena do professor como mediador pelos
contedos que explicita, como se eles fossem sempre imposies dogmticas e que
nada trouxessem de novo.
Evidentemente que, ao se advogar a interveiio do professor, no se est concluindo
pela negao da relao professor-aluno. A relao pedaggica uma relao com
um grupo e o clima do grupo essencial na pedagogia. Nesse sentido, so bemvindas as consideraes formuladas pela "dinmica de grupo", que ensinam o
professor a relacionar-se com a classe; a perceber os conflitos; a saber que est
lidando com uma coletividade e no com indivduos isolados, a adquirir-se a confiana
dos alunos. Entretanto, mais do que restringir-se ao malfadado "trabalho em grupo",
ou cair na iluso da igualdade professor-aluno, trata-se de encarar o grupo-classe
como uma coletividade onde so trabalhados modelos de interao como a ajuda
mtua, o respeito aos outros, os esforos coletivos, a autonomia nas decises, a
riqueza da vida em comum, e ir ampliando progressivamente essa noo (de
coletividade) para escola, a cidade, sociedade toda.
Por fim, situar o ensino centrado no professor e o ensino centrado no aluno em
extremos opostos quase negar pedaggica porque no h um aluno, ou grupo de
alunos, aprendendo sozinho, nem um professor ensinando para s paredes. H um
confronto do aluno entre sua cultura e a herana cultural da humanidade, en tre seu
modo de viver e os modelos sociais desejveis para um projeto novo de sociedade. E
h um professor que intervm, no para se opor aos desejos e necessidades ou
liberdade e autonomia do aluno, mas para ajud-lo a ultrapassar suas necessidades e
criar outras, para ganhar autonomia, para ajud-lo no seu esforo de distinguir a
verdade do erro, para ajudado a compreender as realidades sociais e sua prpria
experincia.
LIBNEO, Jos Carlos. Didtica, Corts, 1994
________________ Democratizao da escola pblica, So Paulo, Edies. Loyola,1985.

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