BOURDIEU, Pierre - O Campo Científico PDF
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Pierre Bourdieu
puramente
tcnica (conforme
vemos,
por
exemplo,
nos
usos
REIF, F. The competitive world of the pure scientist. Science, 15 dez. 1961, 134 (3494), p.
1957-62.
5
Como faz Kuhn, quando sugere que as "revolues cientficas" s aparecem aps o
esgotamento dos paradigmas.
6
Deve-se compreender, a partir da mesma lgica, as transferncias de capital de um campo
determinado para um campo socialmente inferior, onde uma competio menos intensa
promete lucro maior ao detentor de um determinado capital cientfico.
Fred Reif lembra que aqueles que, preocupados em ver seus trabalhos publicados o mais
rapidamente possvel, recorrem imprensa cotidiana, atraem a reprovao de seus paresconcorrentes, em nome da distino entre publicao e publicidade. Importantes descobertas
em fsica, por exemplo, foram, assim, anunciadas no New York Times. A mesma distino
orienta as atitudes com relao a certas formas de vulgarizao, sempre suspeitas de no
serem mais do que formas eufemsticas de autodivulgao. Basta citar os comentrios do editor
do jornal oficial dos fsicos americanos: "Por cortesia para com os colegas, os autores tm o
hbito de impedir toda divulgao pblica de seus artigos, antes de terem aparecido na revista
cientfica. As descobertas cientficas no so matrias de sensao para os jornais e todos os
meios de comunicao de massa devem ter simultaneamente acesso informao. De agora
acabaramos
nunca
de
recensear
os
exemplos
desse
14
Ver, por exemplo, MERTON, R. K. Science and technology in a democratic order. Journal of
Legal and Political Sociology, v. I, 1942. Reeditado em MERTON, R. K. Social theory and social
structure (ed. rev.) Nova York, Free Press, 1967. p.550-1, sob o ttulo "Science and democratic
social structure. Ver tambm BARBER, B. Scienee and the social order. Glencoe, The Free
Press of Glencoe, 1952. p.73 e 83.
15
O conceito
15
11
O modelo aqui proposto explica perfeitamente sem apelar para nenhuma determinante
moral o fato de que os laureados cedem o lugar de destaque mais freqentemente depois da
obteno do prmio e de que sua contribuio para a pesquisa coroada de xito mais
visivelmente marcante que a contribuio que eles tiveram em outras pesquisas coletivas.
12
13
14
22
Com efeito, toda carreira se define fundamentalmente pela posio que ela
ocupa na estrutura do sistema de carreiras possveis.24 Existem tantos tipos de
trajetrias quantas maneiras de entrar, de se manter e de sair da pesquisa.
Toda descrio que se limita s caractersticas gerais de uma carreira qualquer
faz desaparecer o essencial, isto , as diferenas. O decrscimo da quantidade
e da qualidade do trabalho cientfico com a idade, que podemos observar no
caso das carreiras "mdias" e que aparentemente se compreende se
admitimos que o crescimento do capital de consagrao tende a reduzir a
urgncia da alta produtividade que foi necessria para obt-lo, s se torna
completamente inteligvel se compararmos as carreiras mdias com as
carreiras mais elevadas, que so as nicas a conferir at o fim os lucros
simblicos necessrios reativao contnua da propenso a investir,
retardando, assim, continuamente o desinvestimento.
Ver REIF, F. e STRAUSS, A. The impact of rapid discovery upon the scientist's career. Social
Problems, inverno, 1965, p. 297-311. A comparao sistemtica deste artigo para o qual o
fsico colaborou com o socilogo com o que escrevia o fsico alguns anos antes, forneceria
ensinamentos excepcionais sobre o funcionamento do pensamento sociolgico americano.
Basta indicar que a "conceituao" (isto , a traduo de conceitos para o jargo da disciplina)
tem, como contrapartida, o desaparecimento total da referncia ao campo no seu conjunto e,
em, particular, ao sistema de trajetrias (ou de carreiras) que confere, a cada carreira singular,
suas propriedades mais importantes.
23
Ver GLASER, B. G. Variations in the importance of recognition in scientist's career. Social
Problems, 10 (3), inverno 1963, p. 268-76.
24
Para evitar refazer, aqui, toda a demonstrao, contento-me em remeter a BOURDIEU, P.
Les catgories de l'entendement professoral. Actes de Ia Recherche en Sciences Sociales, 3,
maio 1975, p. 68-93.
15
dizem os
economistas
recorrem a
estratgias
antagnicas
16
Sobre a ao de "filtragem" dos comits de redao das revistas cientficas (em cincias
sociais), ver CRANE, D. The gate-keepers of science: some factors affecting the selection of
articles for scientific joumals. American Sociologist, 11, 1967, p. 195-201. Tudo permite pensar
que, em matria de produo cientfica como em matria de produo literria, os autores
selecionam, consciente ou inconscientemente, os lugares de publicao em funo da idia que
eles tm de suas "normas". Tudo nos leva a pensar que a auto-eliminao, evidentemente
17
investimentos
propriamente
cientficos
sem poder
esperar
lucros
importantes, pelo menos a curto prazo, posto que eles tm contra si toda a
lgica do sistema.
Por um lado, a inveno segundo uma arte de inventar j inventada, que,
resolvendo os problemas susceptveis de serem colocados nos limites da
problemtica estabelecida pela aplicao de mtodos garantidos (ou
trabalhando para salvaguardar os princpios contra as contestaes herticas),
tende a fazer esquecer que ela s resolve os problemas que pode colocar ou
s coloca os problemas que pode resolver. Por outro lado, a inveno hertica
que, colocando em questo os prprios princpios da antiga ordem cientfica,
instaura uma alternativa ntida, sem compromisso possvel, entre dois sistemas
mutuamente exclusivos. Os fundadores de uma ordem cientfica hertica
rompem o contrato de troca que os candidatos sucesso aceitam ao menos
tacitamente: no reconhecendo seno o princpio da legitimao que
pretendem impor, eles no aceitam entrar no ciclo das trocas de
reconhecimento que assegura a transmisso regularizada da autoridade
cientfica entre os detentores e os pretendentes (quer dizer, muito
freqentemente, entre membros de geraes diferentes, o que leva muitos
observadores a reduzirem os conflitos de legitimidade a conflitos de gerao).
Recusando todas as caues e garantias que a antiga ordem oferece,
recusando a participao (progressiva) ao capital coletivamente garantido que
se realiza segundo procedimentos regulados de um dos contratos de
delegao, eles realizam a acumulao inicial atravs de um golpe de fora,
por uma ruptura desviando em proveito prprio o crdito de que se
menos perceptvel, ao menos to importante quanto a eliminao expressa (sem falar do
efeito que produz a imposio de uma norma do publicvel).
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"Em seu esforo de reflexo original", diz Lewis Feuer, "Einstein foi
apoiado por um estranho pequeno crculo de jovens intelectuais, cheios
de sentimentos de revolta social e cientfica prpria de sua gerao e que
formavam uma contracomunidade cientfica fora da instituio oficial, um
grupo de bomios cosmopolitas levados, nesses tempos revolucionrios,
a considerar o mundo de uma maneira nova".27
Superando a oposio ingnua entre habitus individuais e condies sociais
de sua realizao, Lewis Feuer sugere a hiptese, corroborada pelos recentes
trabalhos sobre o sistema de ensino cientfico,28 de que o fcil e rpido acesso
26
Veremos, adiante, a forma original que essa transmisso regulada do capital cientfico
reveste, nos campos onde, como na fsica de hoje, a conservao e a subverso so quase
indiscernveis.
27
FEUER, L. S. The social roots of Einstein's theory of relativity. Anals of Science, v. 27, n. 3,
set. 1971, p. 278-98 e n. 4, dez. 1971, p. 313-44.
28
Ver SAINT-MARTIN, M. de. Les fonctions sociales de l'enseignement scientifique. Paris-La
Haye, Mouton, col. Cahiers du Centre de Sociologie Europeenne, n. 8, 1971 e BOURDIEU, P. e
SAINT-MARTIN, M. de. Le systeme des grandes coles et Ia reproduction de ia classe
dominante, no prelo.
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20
tal mecanismo que tende a assegurar o controle das relaes com o universo exterior, com
os leigos. (Ver BoLTANSKI, L. e MALDIDIBR, P. Op. cit.)
30
No h dvida, com efeito, que a filosofia da histria da cincia proposta por Kuhn, com a
alternncia de concentrao monopolstica (paradigma) e de revoluo, deve muito ao caso
particular da revoluo "copernicana" tal qual ele a analisa e que considera "tpica de qualquer
revoluo maior da cincia" (KUHN, T. S. La rvolution copernicienne. Paris, Fayard, 1973.
p.153 e 162): sendo ainda muito fraca, a autonomia relativa da cincia em relao ao poder e,
em particular, em relao Igreja, a revoluo cientfica (na astronomia matemtica) passa pela
21
as
revolues
contra
ordem cientfica
estabelecida
diferentes
dos
que
so
comuns
ao
campo,
prprio
o do "dogmatismo
legtimo":32 o equipamento
cientfico
22
23
A cincia e os doxsofos
24
estabelecida
das
disciplinas),
formao
dos
agentes
O habitus primeiro produzido pela educao de classe e o habitus secundrio inculcado pela
educao escolar contribuem, com pesos diferentes no caso das cincias sociais e das cincias
da natureza, para determinar uma adeso pr-reflexiva aos pressupostos tcitos do campo
(sobre o papel da socializao, ver HAGSTROM, W. D. Sponsored and contest mobility..., cit.,
p. 9 e KUHN, T. S. The function of dogma in scientific research. In: CROMBIE, A. C., org.
Scientific change. Londres, Heineman, 1963. p. 347-69).
39
Vemos o que poderia tornar-se a etnometodologia (mas seria ela ainda uma
etnometodologia?) se ela soubesse que aquilo que ela toma como objeto, o taken for granted de
Schutz, a adeso pr-reflexiva ordem estabelecida.
40
No campo da produo ideolgica (do qual participam ainda os diferentes campos da
produo de discursos cientficos ou letrados), o fundamento do consenso na dissenso que
define a doxa reside, como veremos, na relao censurada do campo de produo do poder
(isto , na funo oculta do campo da luta de classes).
25
produzir
completamente
seu
26
efeito
ideolgico
conservando-se
particularmente
preciosa
para
legitimao
da
ordem
27
para
si
as
mais
revolucionrias
tradies
tericas)
traz,
28
ficarmos
completamente
convencidos
da
funo
ideolgica
justificadora que a histria social das cincias sociais preenche, tal como
praticada no establishment americano,45 bastaria recensear o conjunto dos
trabalhos direta ou indiretamente consagrados competio, palavra-chave de
toda sociologia da cincia americana que, na sua obscuridade de conceito
nativo promovido dignidade cientfica, condensa todo o no-pensado (a doxa)
dessa sociologia. A tese segundo a qual produtividade e competio esto
diretamente ligadas46 inspira-se numa teoria funcionalista da competio,
variante sociolgica da crena nas virtudes do "mercado livre". A palavra
inglesa competition designa tambm o que chamamos de concorrncia:
reduzindo toda competio a competio entre universidades ou fazendo da
competio
entre
universidades
condio
da
competio
entre
45
A filosofia da histria que persegue a histria social da cincia social encontra uma expresso
paradigmtica na obra de Terry Clark que Paul Vogt caracteriza sociologicamente, numa
resenha, com dois adjetivos: ''Terry N. Clark's long-awaited, much circulated in manuscript
Prophets and Patrons". (Ver CLARK, T. N. Prophets and patrons, the french university and the
emergency of the social science. Cambridge, Harvard University Press, 1973 e
CHAMBOREDON, J. C. Sociologie de Ia sociologie et intrts sociaux des sociologues. Actes
de Ia Recherche en Sciences Sociales, 2, 1975, p.2-17.)
46
Joseph Ben-David tem o mrito de dar a essa tese sua forma mais direta: o alto grau de
competio que caracteriza a universidade americana explica sua maior produtividade cientfica
e sua maior flexibilidade (BEN-DAVID, J. Scientific productivity and academic organization in
nineteenth century medicine. American Sociological Review, 25, 1960, p. 828-43); Fundamental
research and the universities. Paris, O. C. D. E., 1968; BEN-DAVlD, J. e ZLOCZOWER,
Avraham, Universities and academic systems in modern societies. European Journal of
Sociology, 3, 1962, p.45-84).
29
30
essa
retrica
de
cientificidade
atravs
da
qual
scientific research, cit., p.347-69 e The essential tension: tradition and innovation in scientific
research. In: HUDSON, L., org. The ecology of human intelligence. Londres, Penguin, 1970. p.
342-59).
50
Ver, por exemplo, GOULDNER, A. W. The coming crisis of western sociology, Nova YorkLondres, Basic Books, 1970 e FRlEDRICHS, R. W. A sociology of sociology, Nova York, Free
Press, 1970.
51
GELLNER, E. Myth, ideology and revolution. In: CRICK, B. e ROBSON, W. A., orgs. Protest
and discontent. Londres, Penguin, 1970. p.204-20.
52
Ver PARSONS, T. The structure of social action. Nova York, Free Press, 1968.
31
da
denegao
politicolgica.53
Mas
essas
estratgias
preenchem, alm disso, uma funo essencial: a circulao circular dos objetos
das idias, dos mtodos e, sobretudo, do reconhecimento no interior de uma
comunidade produz,54 como todo crculo de legitimidade, um universo de
crenas que encontram seu equivalente tanto no campo religioso quanto no
campo da literatura ou da alta costura.55
Mas preciso ainda evitar, aqui, dar falsa cincia oficial a significao
que lhe confere a crtica "radical". Apesar de sua discordncia sobre o valor
que eles conferem ao "paradigma", princpio de unificao necessrio ao
desenvolvimento de cincia num caso, fora de represso arbitrria no outro
ou alternadamente um e outro, para Kuhn conservadores e "radicais",
adversrios e cmplices, concordam de fato no essencial: pelo ponto de vista
necessariamente unilateral que eles tm do campo cientfico ao escolher, pelo
53
Ver BOURDIEU, P. Les doxosophes. Minuit, I, 1973, p. 26-45 (em particular a anlise do
efeito Lipset).
54
A sociologia oficial da cincia oferece uma justificao para cada um desses traos. Assim,
por exemplo, o evitar problemas tericos fundamentais encontra uma justificao na idia de
que, nas cincias da natureza, os pesquisadores no se preocupam com a filosofia da cincia
(ver HAGSTROM, W. D. Sponsored and contest mobility..., cit., p. 277-79). Pode-se ver sem
dificuldade o que a tal da sociologia da cincia deve necessidade de legitimar um estado de
fato e de transformar os limites a que est submetida em excluses eletivas.
55
Sobre a produo da crena e do fetichismo no campo da alta costura, ver BOURDIBU, P. e
DBLSAUT, Y, Le couturier et sa griffe. Contribution une thorie de Ia magie, Actes de Ia
Recherche en Sciences Sociales, 1 (1), jan. 1975, p.7-36.
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58
Sobre a necessidade de construir, enquanto tal, o campo intelectual para tornar possvel uma
sociologia dos intelectuais que seja algo alm de uma troca de injrias e de antemas entre
"intelectuais de direita" e "intelectuais de esquerda", ver BOURDIEU, P. Les fractions de Ia
classe dominante et les modes d'appropriation de l'oeuvre d'art. lnformation sur les Sciences
Sociales, 13 (3), 1974, p.7-32.
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