Bembé Do Mercado
Bembé Do Mercado
Bembé Do Mercado
CADERNOS DO IPAC, 7
Jaques Wagner
SECRETARIA DE CULTURA
Ftima Fres
Sumrio
9. APRESENTAO
PESQUISA ICONOGRFICA
Ana Rita Machado
21. INTRODUO
25. METODOLOGIA
INFOGRAFIA
Helder Vieira Florentino e Jamille Pizzani (estagiria)
REVISO
Itatismara Valverde Medeiros
IMPRESSO E ACABAMENTO
Empresa Qualigraf Servios Grficos e Ltda..
103. DEPOIMENTOS
VDEO DOCUMENTRIO
B135b
CDD: 299.69
PARECER TCNICO
Apresentao
Elisabete Gndara Rosa*
de venda dos produtos dos pescadores, homens que batiam o atabaque em homenagem aos Orixs.
por cantoria do povo pedindo que a mar esteja boa para permitir a entrega da oferenda.
Para os seguidores do candombl, o Bemb uma obrigao, que se no bater, alguma coisa ruim pode
acontecer. Por conta dessa crena a cidade de Santo Amaro se envolve e se mobiliza para que a cada
13 de maio os atabaques batam em homenagem liberdade e em respeito aos Orixs.
A realizao desta manifestao integra vrios terreiros de Santo Amaro e extrapola os limites dos
espaos sagrados levando s ruas a religiosidade africana trazida ao Brasil e escondida nas senzalas
por muito tempo. Este um dos elementos referenciais da singularidade desta prtica centenria.
Antes de chegar ao auge no Mercado, os terreiros participantes da Festa tm toda uma preparao dos
rituais sigilosos da religio de matriz africana.
O que acontece na rua o ritual permitido, em que o Povo de Santo reunido em um cercado fechado
acompanhado pela populao da cidade e visitantes que observam a celebrao pblica.
Outra importante cerimnia, que acontece durante a Festa do Bemb do Mercado, a oferenda do
presente principal aos Orixs das guas.
Alm disso apresentam as caractersticas e elementos relevantes da simbologia que compe o Bemb
do Mercado com seus rituais, sentidos e significados. Aqui tambm apresentado o espao onde tudo
acontece, o Mercado.
Na opinio dos estudiosos e participantes da manifestao cultural do Bemb do Mercado de Santo
Amaro importante restringir as interferncias que esto acontecendo no processo autntico, quando
palco, barracas e comrcios so inseridos, promovendo a descaracterizao da manifestao cultural.
O Registro Especial reconhece, mas somente a comunidade pode realmente preservar, com o apoio
institucional, a memria como elemento de formao social.
O cortejo que leva o presente para as guas, percorre locais simblicos da cidade e acompanhado
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Patrimnio Cultural
Imaterial, Afro-brasilidade e
a Poltica de Salvaguarda
Hermano Fabrcio Oliveira Guanais e Queiroz*
Uma Nao se formava sobre as lmpidas guas do Atlntico... O sol candente a aquecer corpos seminus e, vez por outra, a quebrar o silncio, o canto triste dos pssaros que se aninhavam e em bando
orquestravam as melodias harmoniosas que lhes embalavam o sono, aliviando dores, chagas na alma
e no corao: a saudade da Me frica.
Mais de trs sculos se passaram desde o apossamento do Brasil por Portugal. As bandeiras continuaram a rasgar as matas, rios e florestas de um Brasil de dimenses continentais, sempre procura
da fortuna incerta. O brao escravo, vtima da espria, ganncia que avilta por faltar-lhe brio, cada vez
mais explorado. Trabalho de sol a sol. O ltego, chamas na carne, o esprito destri.
O Brasil, que comeou na Bahia, tornou-se um territrio africano cada vez mais forte e resoluto,
expandindo-se pelos mais longnquos rinces ptrios. Essa nova Nao no se curvou, a duras penas, s imposies cruis da tortura, da barbrie, da tirania, do poder atroz que, sob a legitimao do
Estado, subjugava e matava inocentes, impondo a cultura branca pelo arbtrio, pela violncia, pela
dor. A cultura africana, ainda que sob frrea opresso, no cedeu aos ditames das tradies europeias,
catlicas, dos usos e costumes brancos, e nem mesmo ao imprio das leis reveladoras de uma cultura
preconceituosa, racista e segregadora.
A matriz africana j se percebia no Brasil por meio da sua influncia nos modos de viver, de ser, fazer,
saber e de falar. Por todos os cantos do Pas, a cultura africana ganhava capilaridade. Embora de diversos lugares da frica, comunidades se formavam e, sobretudo a partir da proibio de participao
dos negros nos cultos catlicos, ainda que houvesse diferenas quanto s divindades cultuadas, rituais
* Diplomado em Magistrio pelo CNMP; Bacharel em Direito pela Universidade Salvador-UNIFACS; Ps-graduado lato
sensu em Direito pela Escola de Magistrados da Bahia; Mestre em Direito e Preservao do Patrimnio Cultural pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional- IPHAN; advogado e Consultor Jurdico da Procuradoria do IPAC;
professor universitrio; palestrante e autor de diversos artigos jurdicos publicados em revistas nacionais.
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litrgicos, lngua ritual, entre outros, os povos de matriz africana instituram a sua religio num espao,
o Terreiro, adaptando-se s circunstncias e condies adversas da escravido.
A partir de 1888, com a abolio da escravatura, os toques dos tambores sagrados passaram a ser
ouvidos, embora a perseguio perdurasse. Eles contavam histrias de luta desses povos, anunciando
vida e morte.
Foi nesse contexto que surgiu o Bemb de Mercado, na cidade de Santo Amaro, na Bahia. Uma
forma de celebrao religiosa denominada Candombl, que saiu das dimenses at ento secretas,
dos muros que guarneciam o universo teolgico e simblico das comunidades de santo para as ruas,
em comemorao declarao oficial do Estado da condio de liberdade do povo negro. O toque
daqueles tambores sagrados dava dimenso vida e liberdade. Em meio aos batuques, cantos, oraes e danas, as pessoas se aproximavam e traduziam a alegria de poder demonstrar ao mundo a sua
crena, a sua f.
De 1888 a 1988, ano da instituio da atual Constituio Brasileira, decorreram exatamente 100 anos.
E em que pese a Abolio ter sido, de fato e de direito, o reconhecimento estatal da existncia dos
povos negros na condio de seres humanos, o silncio dos governos brasileiros permaneceu e conquistas quanto atribuio de valor s comunidades negras foram mnimas, pontuais.
No campo do patrimnio, o Estado manteve, na dcada de 1930, com a criao da legislao de
proteo ao patrimnio cultural, o Decreto-Lei 25/1937, a tradio de preservar as edificaes e
monumentos de excepcional valor histrico e artstico. A poltica de preservao que se estendeu at
a dcada de 1980 optou por manter uma ideologia cultural e sistemtica que privilegiasse a restaurao
de monumentos de elite, reforando a influncia europeia na arte e arquitetura. Sem dvida, esta foi
uma poltica socialmente limitada e muito pouco representativa, sobretudo num Pas com uma diversidade tnica e religiosa, com variadas classes sociais e regies diversificadas como o Brasil.
A nova poltica que foi se consolidando, com o ingresso de Alosio de Magalhes no IPHAN, na
dcada de 1970, e a ideia de se trabalhar com Referncias Culturais, nasceu dos movimentos criados
a partir de 1940, sobretudo em defesa do folclore e da cultura popular. Todas essas reflexes contriburam para que o Estado se voltasse mais atentamente para a cultura de povos e comunidades de
matriz indgena e africana.
Os questionamentos surgidos no perpassar dos fatos histricos giravam em torno da necessidade e
possibilidade de formulao de uma poltica de preservao que fosse culturalmente abrangente e
socialmente representativa, evitando a preservao elitista e regionalista, bem como diminuindo experincias culturais de apenas uma frao dos segmentos sociais. Buscava-se, como pretendia Alosio
de Magalhes, a constituio de uma poltica patrimonial para uma cultura mais somatria e inclusiva
e menos eliminatria e excludente.
Toda alterao desse quadro conjuntural eclodiu na dcada de 1980 e fez com que o IPHAN promovesse o Tombamento do primeiro terreiro de candombl do Brasil, o da Casa Branca, em Salvador.
Foi uma deciso difcil e que envolveu discusses acadmicas e jurdicas complexas. Passava-se de um
estado de rejeio histrica proteo dos bens culturais de matriz africana para o reconhecimento
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Foi, contudo, o advento da Constituio Federal de 1988 que, ao mesmo tempo em que previu a
proteo constitucional do patrimnio imaterial e criou a figura dos Registros, estabeleceu ao Estado
brasileiro o dever de proteger os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico,
arqueolgico, etc, garantindo a todos o pleno exerccio dos direitos culturais e a proteo s manifestaes das culturas populares, destacando a cultura afro-brasileira. (Art. 215 e 216 da CF/88)
Da por diante, no plano federal e em diversos Estados, o Registro foi regulamentado e eleito como
instrumento hbil proteo do patrimnio imaterial. O Estado da Bahia, ento, a partir disso, pioneiramente, vem aplicando o Registro Especial de Espaos a vrios terreiros de candombl. Essa
deciso est lastreada em muitas discusses internas no rgo estadual de preservao do Patrimnio
Cultural baiano, o Instituto do Patrimnio Artstico e Cultural da Bahia (IPAC).
O Registro um instrumento jurdico cuja consequncia imediata a identificao, o reconhecimento
e a valorizao do patrimnio imaterial, considerando que essa dimenso do patrimnio oriunda
de processos culturais de construo de sociabilidades, de formas de sobrevivncia, de apropriao
de recursos naturais e de relacionamento com o meio ambiente e que essas manifestaes possuem
uma dinmica especfica de transmisso, atualizao e transformao que no pode ser submetida s
formas usuais de proteo do patrimnio cultural. (SANTANNA, 2012, p. 9)
Deste modo, diversamente do Tombamento, que ato unilateral e fruto do jus imperii do Estado, e
que muito pouco conta com a participao das comunidades, o Registro tem como elemento preliminar e essencial a manifestao expressa da comunidade, a qual permitir ou no documentar, registrar,
guardar, inclusive fazendo filmagens dos cantos, ritmos, toques e das prprias falas, depoimentos,
para, ento, reconhecer que, dentre um conjunto de prticas ali vivenciadas, aquelas so especialmente
valoradas pelo grupo como patrimnio. O Estado, ento, depois dessa etapa, reconhecer o valor
cultural daquilo que foi apontado como relevante pela comunidade e no apenas delimitar quais os
aspectos culturais dignos de proteo estatal, como sempre ocorreu no Tombamento.
O fato que o trato conferido ao patrimnio imaterial diverge consideravelmente daquele imprimido
ao material, com prticas, aes e abordagens do meio cultural que este ltimo campo ainda no
absorveu completamente. O patrimnio cultural um s, mas ganha contornos e metodologias distintas, dai a Constituio Federal ter preferido dualizar o patrimnio cultural em material e imaterial,
no sentido de conferir-lhe tratamentos metodolgicos e didticos distintos, inclusive com relao
forma de abordagem legal.
Com o Registro, as responsabilidades do Estado crescem e h o dever de ajudar financeiramente os
detentores e produtores especficos com vistas sua transmisso, at divulgao ou facilitao de
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acesso a matrias primas, apoio sustentabilidade do bem, fomento, entre outras coisas.
Dentre as diversas funes e efeitos, o Registro tem como consequncia obrigar o Estado a construir
um plano de salvaguarda, o que a prtica do Tombamento no faz. Estrategicamente necessrio
fazer isso para alm das questes conceituais, patrimoniais, de reforo da ideia de valorizao de
prticas. esta uma das vantagens do Registro: o Estado fica comprometido a desenvolver um plano
de salvaguarda.
A partir de uma srie de discusses e diagnsticos, a salvaguarda vai apontar, de forma clara, as aes
pontuais ou emergenciais, desenvolvimento de aes integradas com outros rgos e pessoas, planos
de salvaguarda fundamentados na mobilizao de detentores e produtores de bens registrados, que
so de longo e mdio prazo. Vai ser aplicado a esse plano todo um instrumental de monitoramento
que est ai construdo com indicadores, para, depois de cinco anos, verificar se funcionou, se deu resultados (a garantia da continuidade e permanncia do bem cultural) e se resolveu os problemas que
devia resolver. Portanto, uma metodologia, uma sistemtica que vai muito alm do tratamento que
hoje dado ao patrimnio material.
Vianna (2014) aponta as vantagens da salvaguarda, sobretudo se houver a participao efetiva das
comunidades, e indica que, embora alguns bens no tenham sido contemplados ainda com os planos
de salvaguarda, aes de salvaguarda foram implementadas:
O plano de salvaguarda, em sntese, deve estabelecer objetivos e metas a serem alcanadas
no curto, mdio e longo prazo; as estratgias para a obteno dos resultados esperados, a
diviso das atribuies dos segmentos signatrios de um termo de cooperao, as ratificaes e retificaes peridicas na conduo da poltica e um monitoramento sistemtico
para efeito de avaliao. A concretizao de experincias nesse sentido de elaborao de
plano de salvaguarda - foi possvel inicialmente pela observao de procedimentos adotados e exigidos pela Unesco no tratamento dos bens por ela reconhecidos e que tambm
so Registrados como a Arte Kusiwa e o Samba de Roda.
O Registro do Bemb de Mercado pelo Estado da Bahia significa o reconhecimento do Poder Pblico de uma relevante manifestao cultural que se manteve ao logo do tempo, testemunho histrico
vivo da resistncia cultural das comunidades de matriz africana e de sua luta incansvel desde o
perodo escravagista at a contemporaneidade. a demonstrao da possibilidade de construo e
manuteno de espaos religiosos, at mesmo nas ruas, e de transmisso cultural da herana africana,
hoje afro-brasileira.
Como se pode observar, o processo de identificao, reconhecimento e valorizao do patrimnio
cultural imaterial o campo propcio para o exerccio de uma democracia cultural. E essa uma das
maiores razes pelas quais o Registro Especial tem sido bem sucedido na prtica. O envolvimento
e participao da comunidade, desde o pedido de Registro Especial at a construo dos planos de
salvaguarda, um dos elementos que legitimam ainda mais o processo de reconhecimento dos bens
culturais imateriais.
Com essa participao efetiva das comunidades, evita-se que o sistema seja formado apenas por
interesses corporativos ou por uma elite burocrtica, profissional, religiosa ou econmica. Esses
processos devem garantir a plena vivncia da cultura imaterial pelas comunidades, assegurando a
continuidade das suas manifestaes pelos grupos envolvidos, de modo que a herana cultural tem
de ser apropriada em sua dimenso pragmtica. O patrimnio imaterial s molda a identidade cultural, quando molda tambm a prtica cotidiana, de hoje e no apenas de ontem. (FALCO, 2001,
p.163-165)
A construo desse plano de salvaguarda , sem sombra de dvida, o grande diferencial que o Registro traz.
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Introduo
Ana Rita Machado*
...Yemanj, de dentro das guas, responde com o bem.
Minha me,
Que pode ser chamada para trazer prosperidade.
A que sorri elegantemente.
Voc minha senhora...
O objetivo do presente texto tornar pblica a pesquisa que instruiu o processo de registro especial
da festa religiosa Bemb do Mercado, que acontece na cidade de Santo Amaro, localizada no Recncavo Baiano. Essa Festa teve seu inicio em 13 de maio de 1889, quando Joo de Oba1 armou um
barraco, fincou um mastro com bandeira branca e bateu tambores em homenagem aos orixs, como
forma de rememorar as lutas pelo fim da escravido. A partir dessa Festa, podemos melhor compreender a memria social das comunidades que realizam o Bemb, bem como as estratgias e lutas
para reorganizarem suas referncias civilizatrias, numa sociedade marcada por forte hierarquia das
relaes sociais. igualmente importante perceber aspectos das diversas trajetrias das populaes
de africanos e afro-descendentes, na experincia das possveis liberdades e da reivindicao de direitos, diante do novo Estatuto de Cidadania, aps a promulgao da Lei urea. Tambm interessa compreender as disputas e sociabilidades na ocupao do espao pblico, no contexto do Ps-abolio.
O Bemb uma manifestao religiosa realizada pelas comunidades de africanos e afro-descendentes,
desdobrando-se nos membros dos terreiros mais antigos da cidade de Santo Amaro da Purificao.
Essa manifestao tambm est associada tradio dos pescadores em oferecer presentes Me
Dgua, para agradecer pelas pescarias.
A Festa compreendida pelos participantes como obrigao religiosa de agradecimento aos orixs
Iemanj e Oxum. Essa festa emblemtica, uma vez que ressignifica aspectos da experincia social
e cultural das populaes escravizadas, bem como fornecem referncias para uma maior compreen* Licenciada em Histria pela Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS e mestra em Estudos tnicos e Africanos
pela Universidade Federal da Bahia - UFBa. Professora auxiliar da Universidade do Estado da Bahia - UNEB.
Segundo pesquisa oral sugere-se que a designao Oba, est relacionada ao orix Xang, e no a yab Ob, uma vez que
Oba tambm significa Rei, soberano.
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so dos conflitos do Recncavo Aucareiro, experincia ainda pouco conhecida, na medida em que
reorienta os olhares sobre a memria social do Atlntico Portugus, cujas populaes de diferentes
origens, oriundas do continente africano, reconstituram suas experincias e construram a historicidade daquele local.
Precisamos igualmente salientar que tratar do Recncavo Aucareiro perceber de que modo as elites
do perodo denominado de Ps-abolio conseguiram se reorganizar, face aos novos tempos. Sabemos que uma das caractersticas mais marcantes dessa regio diz respeito organizao de poder e
resistncia dessa mesma elite ligada ao empreendimento da indstria aucareira (SCHWARTZ, 1995)
e sua capacidade de compreender o sentido e a importncia da abolio no contexto internacional
da segunda metade do sculo XIX.
As populaes que organizam e realizam o festejo, vivem nos bairros perifricos, em situao de
evidente vulnerabilidade. A realizao desse festejo pela liberdade evidencia atitudes inscritas numa
longa durao, em torno de estratgias de sobrevivncia, como tambm de certa autonomia, na busca
da constituio de laos identitrios, de solidariedade e de negao da excluso social, em favor de
referenciais de cidadania. Um dos objetivos mais significativos desse documento possibilitar a insero
da memria social (POLLAK, 1989) daquelas comunidades que vivem nos bairros perifricos, como
Pilar, Trapiche de Baixo e Avenida Caboclo. Salientamos que atinge uma nova viso epistemolgica, a
partir do trato das experincias histricas dos grupos, ditos como subalternizados, implicando novos
campos de abordagens para os historiadores contemporneos que definem como sendo a memria
coletiva articulao de um contradiscurso, a partir das experincias sociais e subjetivas dos mesmos
grupos.
Uma vez identificados alguns dos aspectos que fundamentam a importncia e a abordagem desse
texto, buscaremos, a partir do dilogo conceitual e metodolgico com a histria social da cultura e
a antropologia visual (PARS, 1997), compreender a Festa do Bemb do Mercado, um conjunto de
celebraes pela liberdade, acontecimento que est diretamente associado ao dia 13 de maio, que, em
sua originalidade, tambm guarda a histria da constituio dos terreiros mais antigos da cidade, bem
como sua institucionalizao na sociedade de Santo Amaro e, consequentemente, na Bahia.
Conceitualmente, as pesquisas revelam que o Bemb no um candombl de rua, pois esse conceito
se aplica aos afoxs, mas sim um candomb realizado para evitar infortnio e ampliar a ventura para
todos os habitantes da cidade, acontecendo em espao pblico, no Largo do Mercado. Naquelas
datas destinadas ao festejo, as comunidades de terreiro sacralizam alguns espaos da cidade, territorializando seus valores religiosos, a saber, as prticas sagradas do candombl, e constituem-se nos ritos
religiosos que caracterizam aquela celebrao.
O texto aqui apresentado contar aspectos da histria da Festa, quando comeou, os indivduos e
grupos envolvidos, bem como as relaes de poder e legitimao das comunidades dos terreiros.
Trataremos da cidade de Santo Amaro na rede urbana do Recncavo Baiano, na nova lgica do
Capitalismo Industrial do sculo XX. Realiza-se a etnografia, que descrever o processo ritual, que
se constitui em aproximadamente trs significativos ritos: a Ancestralidade, a Exu, Iemanj orix
homenageado da Festa e Oxum.
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Metodologia
Ana Rita Machado*
Esse Caderno tem como objetivo divulgar ao pblico parte da pesquisa que instruiu o Dossi para o
Registro Especial da Festa do Bemb do Mercado manifestao religiosa que acontece desde 13 de
maio de 1889, na Cidade de Santo Amaro da Purificao, Recncavo Baiano. Para a elaborao desse
texto algumas premissas nos orientaram. Tivemos preocupao em revisar o texto original, respeitando o pblico ao qual se destina essa edio. Buscamos uma linguagem mais direta, pois as teorias
acadmicas, s vezes, causam desconforto para o pblico no especializado. Todavia, mantivemos o
rigor, caracterstica imprescindvel nesse tipo de edies, bem como respeitamos as expresses e discurso dos interlocutores, o povo do Candombl do Mercado, gente que, por meio dessa publicao,
conta outra verso da histria de Santo Amaro. Nesse sentido, necessrio informar ao leitor que as
pginas que se seguem mostraro uma perspectiva silenciada sob a vida de pessoas comuns.
Devido ao carter da publicao, o texto foi compactado. Entretanto, os aspectos fundamentais da
Pesquisa sero encontrados pelo leitor, os aspectos histricos. Foram descritos e analisados o processo ritual, a viso da comunidade sobre o Treze de Maio, a institucionalizao da Festa, algumas
trajetrias de autoridades dos candombls mais antigos e destaques para importantes terreiros locais.
O caminho que percorremos para realizar o estudo sobre o Bemb foi diverso, desde a observao
participativa, a antropologia visual at tcnicas importantes da histria oral. Os dados qualitativos
revelaram mais nitidamente o significado dos gestos e sutileza do silncio. Afinal, o universo religioso
do Candombl guarda mistrios nos quais s o silncio e a observao atenta podem penetrar.
O trato com a pesquisa documental, levantamento bibliogrfico, as entrevistas com os interlocutores,
a pesquisa iconogrfica, as informaes e dados coletados foram analisados, tendo como parmetro
a memria coletiva e individual, bem como o cruzamento de algumas trajetrias e biografia daqueles
que realizam o festejo.
Como dissemos, devido natureza do Bemb, o Estudo foi orientado pelo mtodo de pesquisa qualitativa, considerando-se a forma de construo da memria social, os conflitos e as lutas individuais e
coletivas. A partir da oralidade, buscamos perceber os conceitos e significados que as comunidades de
terreiros atribuam quela manifestao; levamos em considerao a etimologia da palavra Bemb.
O etnotexto tambm fez parte do conjunto de tcnicas que orientaram a interpretao dos fenmenos. Foi o que possibilitou descrever e decodificar os componentes que do sentido ao processo ritual
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que compe o estudo desse festejo religioso. Tivemos que revisitar a lgica emprica e dimensionar
o campo de trabalho, para apresentar ao pblico o que significa o Bemb na lgica da histria das
populaes negras na Bahia e, por conseguinte, no Brasil.
Buscamos evidenciar os elementos que constituem o universo e concepes dos terreiros. Com isso,
vieram baila o significado social, esttico, histrico, bem como o sentido da territorializao de outra
forma civilizatria de percepo do mundo, outra lgica de pensar e manifestar-se no espao pblico.
Para delimitar a temporalidade, o recorte estabelecido foi do final do sculo XIX e inicio da dcada
do sculo XX, at a atualidade.
Considerando a historicidade dos personagens que realizam o Bemb, optamos pela descrio do
processo ritual. As falas dos interlocutores constituram elementos fundamentais para compor o quebra-cabea e amenizar as lacunas dos documentos escritos. Compreender a trajetria da manifestao
ao longo do perodo ajudou a melhor contextualiz-la, bem como a perceber suas diversas facetas.
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O Recncavo Baiano, uma das regies mais importantes do Pas, caracterizado pelas singularidades
socioculturais das populaes, sobretudo dos povos afro-descendentes, cujo processo cultural foi
marcado pela lgica dos processos histricos da colonizao e da escravido. Atualmente, as culturas
de matriz africana no Brasil tambm so afetadas pela globalizao, que tende a homogeneizar os ambientes e a fragmentar as identidades locais, permanecendo muitos valores tradicionais reinventados
(HOBSBAWM, 1984), como a religiosidade, a culinria (feijoada, acaraj, piro de galinha, manioba)
e o maculel. Nessa regio complexa, cujas referncias conceituais assumem diferentes aspectos e
caractersticas (SANTOS, M., 1978), que o municpio de Santo Amaro est localizado.
Dessa forma, o Recncavo expressa especificidades e, ao mesmo tempo, singularidades, dentro de
uma totalidade. Assim, refletir sobre o Recncavo pensar em uma configurao de um espao par-
Regio do
Recncavo
Baiano - 2011
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Regio do
Recncavo
Baiano - 2011
parte das sesmarias doadas para as famlias dos Ferreiras de Arajo e dos Dias Adorno.
A VILA DE SANTO AMARO DA PURIFICAO
Os vrios rios de diferentes tamanhos, como o Paraguau, Sergipe, Au, Suba e Traripe no somente
provocavam peridicas inundaes, como tambm proporcionaram a interligao das localidades da
regio e o escoamento dos produtos agrcolas, constituindo-se como demarcadores das ocupaes
e organizaes espaciais, territoriais dos povoados, vilas e cidades, nos primeiros sculos de colonizao. Os jesutas, contribuindo com o projeto colonizador, fundaram a capela Nossa Senhora do
Rosrio, em meio a conflitos com a populao indgena, o que resultou no assassinato de um dos
padres da mesma ordem, ao celebrar a missa. Diante desse acontecimento, o templo foi abandonado
e os colonos deslocaram-se para as margens dos rios Sergimirim e Suba, instalando-se em terras
pertencentes ao Conde de Linhares (LEAL, 1950).
ticular dentro de uma determinada organizao mais ampla na qual se articulam aspectos histricos,
socioeconmicos, polticos e ideolgicos, em estreita relao com as questes da paisagem e do territrio. Nesse sentido, a existncia do Recncavo foi definida pela lgica da colonizao, bem como
pela experincia da escravido, que forjou as relaes socioeconmicas dessa regio1.
Em termos geolgicos, o Recncavo compreende as terras ao redor da Baa de Todos os Santos,
constituindo-se em uma vasta trincheira onde solos do perodo Tercirio e Cretceo se acumularam
sobre o embasamento do litoral (SCHWARTZ, 1995). As terras ao redor da Baa eram midas e
baixas, elevando-se, suavemente, em tabuleiros, ocasionalmente recortados em uma topografia mais
acidentada2.
Podemos destacar a importncia socioeconmica do Recncavo, pois, segundo Mattoso (1988), intimamente ligada quela regio, a qual classifica como sua hinterlndia, a Capital necessitava do
Recncavo para obter alimentos, combustveis, como tambm servia de porto de exportao de acar, fumo e couro. Alm de os senhores de engenho realizarem, com frequncia, negcios na cidade,
ali tambm estavam localizadas importantes propriedades da elite aucareira baiana. Nesse sentido,
Santo Amaro da Purificao constitua um ncleo de povoamento fundamental na produo, em escala regional e internacional, do acar, possibilitando o fluxo de trocas humanas e comerciais, como
tambm em produtos de subsistncia. Entre as vilas do Recncavo, destacaremos Santo Amaro da
Purificao, na perspectiva de influente zona aucareira.
Segundo Costa Leal (1950), escritor local, em seu livro Histria e passado de Santo Amaro, em
1557, quando os primeiros portugueses chegaram s terras midas de massap3 travaram lutas com as
populaes dos abatirs e tupinambs. Estabeleceram-se, de incio, margem direita do Rio Traripe,
no espao conhecido como Pilar. As terras onde se localizava o primeiro ncleo populacional faziam
Dorival Caymmi e Jorge Amado no deixam de expressar uma viso romntica do passado da Bahia, da sociedade aucareira do Recncavo, da cidade colonial dos sobrados e casares, do fausto da casagrande, da escravido idlica e patriarcal,
das lembranas de donzelas do tempo do Imperador. Nesse sentido, a escravido constitui o Recncavo. Sobre o assunto,
ver Albuquerque Junior (1999, p.218)
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Definio que considera a regio nos aspectos fsicos.
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Tipo de solo encontrado no Recncavo.
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econmico voltado para a atividade rural, diferenciava-se da Vila de Cachoeira, que tinha aspecto de
maior fluxo e circulao de indivduos, delineando o seu perfil mais cosmopolita, mesma poca.
Devido a uma localizao que permitia circulao de transportes, dava acesso a outros povoados,
servindo de importante zona de escoamento do acar produzido5.
Tais aspectos acabaram possibilitando a formao de vrios povoados, compondo a formao de
ncleos, como Acupe, Amparo, Araripe, Bengu, Berimbau, Bom Jesus dos Pobres, Itapema, dentre
outros, que constituram a zona rural aucareira de Santo Amaro da Purificao. No obstante, tais
ncleos, onde viviam os africanos, crioulos escravizados e libertos, tambm se constituram como
cenrios das prticas religiosas e culturais daquelas comunidades6.
Uma das observaes do historiador Fraga Filho (2006), baseada em alguns inventrios de engenhos
do Recncavo, destaca que, nos ltimos anos do sculo XIX, aquela regio era economicamente uma
das mais importantes da provncia, como tambm a mais densamente povoada, nela concentrando-se
um significativo nmero de escravizados, ocupando a quarta posio em populao cativa do Imprio
do Brasil. O mesmo autor enfatiza que o declnio do trabalho escravo foi menos acentuado naquela
rea devido resistncia do setor aucareiro em se desfazer dos ltimos escravos (FRAGA, 2006).
sabido que a produo de acar dos engenhos do Iguape, Santo Amaro da Purificao, So Sebastio do Pass e So Francisco foi a atividade que sustentou a economia colonial na Bahia. Mas
devemos igualmente considerar que o plantio de artigos de subsistncia, como tambm o cultivo de
fumo, em vilas como Cachoeira, So Flix, Muritiba, Maragojipe e So Gonalo dos Campos, ligava
tais localidades ao comrcio de homens e mulheres, gerando fluxo contnuo de escravos jejes para essas zonas, contudo, no somente os dessa etnia. Antes deles, os bantos tinham sido trazidos. A ligao
entre a cultura do tabaco e o trfico era to importante que levou alguns senhores de engenhos e
fazendas a se envolverem diretamente nesse lucrativo negcio.
Considerando a anlise de Pars (2006), foi, portanto, na rea do Recncavo que se estabeleceram e
prosperaram as grandes famlias dos senhores brasileiros que viriam a constituir a elite latifundiria,
a mesma elite que, mais tarde, organizaria a Guerra de Independncia contra os comerciantes portugueses.
SANTO AMARO NA REDE URBANA DO RECNCAVO BAIANO
Livio Sansone (2007) aponta em pesquisa realizada na regio de So Francisco do Conde, antiga
zona aucareira do Recncavo, prxima a Santo Amaro que, nos ltimos 125 anos, ocorreram
poderosas mudanas. A primeira foi, evidentemente, a abolio. A segunda aconteceu com a chegada
da Petrobras, modificando as relaes trabalhistas, inserindo novos critrios contratuais no mundo
do trabalho. Conclui o autor que, segundo a anlise dos questionrios, foi possvel averiguar que,
Segundo pesquisa do Senhor Raimundo Artur, responsvel pelo Centro de Documentao de Santo Amaro, foram catalogados cerca de 237 engenhos, engenhocas e fazendas, todas ligadas ao cultivo da cana-de-acar. Ainda cabe considerar
a imensa rea de terras que constituam o territrio santo-amarense.
6
A Organizao Institucional dos Candombls de Cachoeira era mais proeminente, devido ao grande fluxo urbano, enquanto os candombls de Santo Amaro aconteciam de forma mais sigilosa e afastada do centro urbano. Sobre o assunto,
ver tambm Reis (1988, p.57-81).
5
34
nesse perodo, um conjunto de mudanas que comea a aparecer e as relaes que envolviam as
definies de classe e raa-etnia receberam outras definies. Enfim, as relaes raciais passam a ser
associadas aos aspectos de vulnerabilidade social e a outros fatores, como os culturais. Nesse sentido,
as concepes raciais no so fatores que acontecem de forma dissociada de uma srie de mudanas,
rumo a uma possvel modernidade. O autor observa, por exemplo, que os entrevistados associam o
termo negro a outras identidades e ao desejo de cidadania mais complexa. Isso porque a configurao e
constituio do Recncavo esto amplamente relacionadas perspectiva da escravido e consequente
formao do capitalismo, uma vez que a organizao do territrio estava intimamente relacionada
com trfico transatlntico. Em outras palavras, a escravido no s constituiu aquelas vilas e cidades,
como tambm condicionou as ideias e referncias civilizatrias da regio.
Na concepo de Pedro (1998), a pobreza que hoje prevalece no Recncavo parte de um complexo
processo de formao de capital e de urbanizao, que pode ser entendido quando colocado no espao-tempo da histria dessa regio baiana. Dessa forma que se devem compreender as condies
sociopolticas a que so submetidos os municpios da mesma regio, a exemplo de Santo Amaro, onde
se acentuou um ambiente de desigualdade e pobreza. Percebe-se que, ao longo dos anos em que se
seguiram ao Perodo Ps-abolio, poucas mudanas ocorreram na reorganizao dos acessos aos
bens fundamentais, como educao e sade.
A partir de 1950, a descoberta de combustvel fssil, primeiro em Salvador, depois nas cidades do
Recncavo, como So Francisco do Conde e So Sebastio do Pass, ocasionou o deslocamento
econmico, redefinindo a importncia econmica dos antigos centros de produo aucareira. Esse
contexto teve como principal desdobramento a construo da primeira refinaria de petrleo no Brasil, a Refinaria Landulpho Alves, localizada em So Francisco do Conde.
Todas essas profundas mudanas nas cidades do Recncavo abriram novas relaes de trabalho, reorientando o surgimento de diferentes modalidades de emprego e exigindo novo perfil no universo
do trabalho, porm, carente de planejamento urbano, bem como de projetos sociais que ajustassem
os impactos da industrializao sobre as populaes e cidades. Tal evento acarretou graves consequncias estruturais no Recncavo, uma vez que o veloz crescimento populacional contribuiu para a
desestruturao de muitas cidades.
Seguindo esse argumento, a intensificao do processo industrial teve como consequncia a desintegrao das pequenas propriedades rurais. Esse novo contexto de instalaes industriais em alguns
municpios do Recncavo, colocou outras cidades, a exemplo de Maragojipe, Cachoeira e Santo Amaro, em situaes de polos, onde uma das principais facetas seria oferecer mo de obra no qualificada, dificultando o acesso cidadania, submetendo sua populao vulnerabilidade nas condies
de sobrevivncia, pois priorizava as exigncias dos complexos industriais, inseridos na nova lgica
econmica do capitalismo.7
Observa-se que, com o processo de instalao das usinas e da industrializao, uma das populaes
mais afetadas foi a populao que vivia em Santo Amaro. A cidade perdeu com a nova configurao
espacial, uma vez que no houve uma urbanizao ou projees que assegurassem o desenvolvimento
Segundo anlise de Milton Santos, os velhos portos do Recncavo: Santo Amaro, Nazar e Cachoeira no s viram diminuir suas reas de influncia como passaram a desempenhar funes de novo tipo, na fisiologia regional.
35
aterro de ruas. Os moradores da cidade, seguindo o mesmo procedimento, tambm utilizaram tais
escrias para aterrarem os quintais das suas casas, contaminando grande parte da cidade. Consta que
a multinacional produziu e comercializou toneladas de liga de chumbo, deixando para a populao
local elevado grau de rejeitos e escria. A Empresa encerrou suas atividades em 1993, deixando para
trs destruio e doena.8
Como no podemos deixar de lembrar, os habitantes do municpio de Santo Amaro ainda convivem, na atualidade, com as dificuldades da contaminao do chumbo. Reafirmamos que os
estudos demonstram que praticamente quase toda a cidade foi contaminada. Os bairros localizados na periferia so os mais atingidos, agravando a vulnerabilidade social. O descaso poltico e a
falta de acesso aos meios adequados de assistncia sade, dentre outros fatores, intensificaram as
dificuldades de sobrevivncia das pessoas das comunidades, associados aos baixos ndices de desenvolvimento humano, que se traduzem com as altas taxas de desemprego, falta de saneamento bsico,
8
37
poucas unidades escolares, pssimas condies de sade, moradia e lazer. Esses so os aspectos que
caracterizam os bairros perifricos santo-amarenses: Pilar, Ilha do Dend, Trapiche de Baixo, Sacramento, Avenida Caboclo e Bonfim. Nos ltimos anos, a violncia assumiu, nessas comunidades,
ndices assustadores, corroborando com o aumento da criminalidade e do trfico de drogas. Esses acontecimentos ganharam, nos boletins de ocorrncias policiais, contornos perturbadores, contribuindo com a forma indigna com que tais bairros acomodam seus habitantes.
Essas populaes viveram no passado, e continuam vivendo ainda hoje em condies adversas de
Nesse contexto, as populaes negras daquelas cidades do Recncavo Baiano, apesar das difceis condies estabelecidas desde o perodo anterior abolio, tentavam instituir formas de interferir nos
projetos mais amplos de participao nos espaos urbanos. Para isso, utilizavam-se das manifestaes
que eram norteadas pelos novos e tradicionais valores e prticas. necessrio refletir sobre as diferentes memrias sociais, sobretudo aquelas constitudas como repertrio cultural sobre as populaes
negras (MATTOS, 2008). Nesse sentido, podemos considerar que a histria do Bemb se constitui
como uma das memrias sociais que nos conta sobre as formas de articulao das comunidades, para
realizao de suas prticas no espao da cidade. Compreendamos que as memrias so discursos e,
como tais, comportam conflitos e disputas em suas diferentes verses, assim como so capazes de
expressar os laos de solidariedade e afetos (MACHADO, 2009).
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39
Embora esses bairros sejam antigos, a exemplo do Pilar, a instalao da energia eltrica tem pouco
menos de trinta anos. Os rios e manguezais, que contribuam para a alimentao dos mais pobres,
hoje servem como depsito de lixo. Assim como a energia eltrica, o acesso gua encanada tambm
demorou a ser distribudo. Os esgotos vivem a cu aberto, no existindo rea de lazer. Em alguns
bairros, h carncia de escolas, postos policiais e de sade e, quando h posto, faltam mdicos.
O Bemb e suas
especificidades
Ana Rita Machado
Para uma compreenso do Bemb do Mercado, fundamental analisar os rituais, seus significados
e sentidos para a comunidade que o iniciou. Alm disso, de suma importncia evidenciar como as
comunidades de terreiro de Santo Amaro, por meio de suas prticas religiosas, organizam e celebram
o Treze de Maio, como tambm perceber os motivos que definem o Bemb como sendo um candombl que acontece no espao pblico e territorializa no mercado da cidade e/ou na rua, tambm nas
vias que do acesso cidade, e os rituais que envolvem a participao dos mais importantes e antigos
terreiros, os terreiros adjacentes e os da Capital.
O Bemb no est relacionado mesma lgica do catolicismo popular, a exemplo da Festa de Nossa
Senhora da Purificao, que acontece no dia 2 de fevereiro, em Santo Amaro, com procisso, missa
e cortejo da Santa at Igreja da Matriz, numa liturgia em tudo bastante semelhante aos demais
festejos religiosos baianos. Nesse sentido, o Bemb estabelece uma interface para a compreenso da
histria da constituio dos candombls na Bahia, enquanto instituio religiosa. Pode-se dizer que
essa Festa se constitui, de forma importante, como fonte historiogrfica para a compreenso da influncia dos congos, dos angolanos, na constituio dos candombls baianos, bem como possibilita
uma melhor compreenso das relaes estabelecidas nos momentos iniciais da experincia histrica
da Ps-abolio, embora, nas prticas litrgicas e ritos, o que caracteriza a Festa do Bemb sejam as
referncias dos candombls da nao Ketu.
O Bemb caracteriza-se pelos diversos significados do universo dos cultos dos orixs, coincidindo o
calendrio dos ritos pblicos com a semana do Treze de Maio. Nos primeiros dias que antecedem essa
data, comeam os rituais de preparao da Festa. Os rituais destinados aos ancestrais so realizados
em locais restritos e sigilosos, e os destinados a Exu so realizados nas vias que do acesso cidade.
Segundo os adeptos dos candombls, o objetivo desses rituais evitar complicaes, propiciar bons
acontecimentos e abrir caminhos. Esses rituais so restritos, pois as pessoas que dele participam
esto ligadas aos terreiros, que se responsabilizam pela organizao da Festa. H uma sequncia na
sua realizao, destacando-se o de Iemanj como um dos mais significativos, uma vez que a Festa do
Bemb em sua homenagem. Alm das oferendas para Iemanj, h tambm oferendas para Oxum.
40
41
O Bemb uma festa que demarca aspectos da memria coletiva das comunidades pobres que residem na periferia da cidade, demonstrando os aspectos conflitantes numa sociedade conservadora e
hierarquizada, pois os seus participantes, utilizando-se dos referenciais civilizatrios de matrizes africanas, buscaram justificar a pertinncia dos rituais nas comemoraes do Treze de Maio. Os referenciais de explicao do complexo infortnio/fortuna e ventura/desventura, altar/oferenda, baseiam-se
nas continuidades reinventadas das tradies do culto a Iemanj (PARS, 2006).
Etimologicamente, Bemb um termo Yoruba\fon, que significa uma espcie de tambor (CASTRO,
2001). Napoleo (2010) acentua que bmb um tambor comum, entre os gbs e gbds, usado
na cerimnia de Gld, culto de homenagens s ancestrais femininas. Em muitos lugares de Cuba
so comuns as celebraes que os cubanos denominam bemb. Tais celebraes acontecem nas zonas
rurais e urbanas. Conceituadas como cerco onde se canta e se dana em honra aos orixs, tambm se
relacionam com os tambores que so tocados durante tais celebraes.1
Em Santo Amaro, o Bemb est relacionado ao Treze de Maio, data emblemtica, que marca a extino legal da escravido, no ano de 1888, momento em que os africanos, crioulos escravizados, bem
como os libertos, se organizaram para celebrar suas lutas pela liberdade. Entretanto, desde 1808, festejos pblicos que envolviam africanos eram comuns nas ruas de Santo Amaro da Purificao. Como
bem analisa Joo Jos Reis (1991), Bemb uma festa realizada pelas comunidades de terreiro.
Segundo a tradio oral, a Festa comeou em 1889, quando Joo de Ob pai de terreiro2 reuniu filhos e filhas de santo e armou um barraco de pindoba3, enfeitando-o com bandeirolas, para
comemorar o aniversrio da abolio. A atitude de Joo de Ob relacionava-se tambm ao costume
dos pescadores em ofertarem flores e perfumes para a Me Dgua. Eles iam, de canoas e saveiros
enfeitados, at So Bento das Lajes, levar presentes para as guas. Esse ritual era acompanhado por
toques de atabaques. Chegando ao encontro entre o rio e o mar, um pescador experiente mergulhava,
para entregar as oferendas.
Os adeptos dos terreiros de candombls continuaram realizando os festejos do Bemb. Nas dcadas de 1920 e 1930, alguns assumiram as realizaes dos preceitos, a exemplo do og Menininho.4
Nesse perodo, os preceitos e rituais eram mantidos em sigilo, e somente as pessoas ligadas ao culto,
a exemplo de Toninho do Peixe5, sabiam dos fundamentos que caracterizavam o Bemb. Em razo
da represso pela qual passavam os candombls baianos, na dcada de 1950, era necessrio pedir
autorizao policial para a realizao da Festa,6 que sempre era concedida. Entretanto, em 1956, um
delegado7 da cidade proibiu a realizao dos festejos do Treze de Maio. Segundo depoimentos dos
Segundo Tudela (2008, p.201): El Bemb es el conjunto de esos tambores y el canto y baile que con tales tambores se ejecuta por los santeros,
sus cofrades e iniciados y familiares, en ocasin preferente de la celebracin de las festividades de los santos, que incluyen ofrendas de compromisos,
lo cual denominan comidas de santo.
2
Utilizo pai de terreiro, respeitando ressalvas feitas por alguns dos entrevistados. Eles dizem que, antigamente, os babalorixs eram conhecidos como pai de terreiro/ feiticeiros.
3
Palmeira, cuja taxonomia a classifica com o nome cientifico Attalea Oleifera, conhecida popularmente como pindoba,
que uma palha retirada de um coqueiro cujo fruto (coco) pequeno.
4
Jeovazio dos Santos, tambm chamado de Menininho, foi suspenso como og, mas no chegou a ser confirmado. Conhecia os cnticos da nao angola e se destacava nos candombls pelos seus conhecimentos.
5
Um dos pescadores que organizava a festa.
6
Essa informao foi cedida pela professora e escritora Zilda Paim, pesquisadora da cultura popular em Santo Amaro.
7
Segundo depoimento de Zilda Paim, em 6 de maro de 1997, o delegado que proibiu o Bemb foi o senhor Francisco
Veloso, casado com a madrinha da entrevistada. Cf. MACHADO, A., 2009.
1
42
moradores da cidade, ele e sua famlia sofreram um acidente automobilstico, sendo esse episdio
atribudo ao ato de proibio da Festa. Em 1958, aconteceu a exploso de duas barracas de fogos no
Largo do Mercado, na vspera de So Joo, fato que tambm foi associado pelos adeptos ao ato de
proibio do festejo do Bemb.
Passaram-se alguns anos sem a tradicional Festa do Mercado. No entanto, os documentos pesquisados sugerem que as perseguies policiais, brigas, enchentes e exploses foram alguns dos fatores
que fizeram as comunidades de terreiro, os grupos de capoeira e maculels reivindicar o Bemb
como uma celebrao imprescindvel na Cidade de Santo Amaro, como obrigao religiosa, cujas
liturgias esto relacionadas aos cultos afro-baianos. Fala-se que, mesmo com a proibio policial, os
pescadores continuaram a devoo de presentear as guas, por achar que as pescarias ficavam fracas,
quando no batia o Bemb. Dessa forma, ficou marcado, no imaginrio dos populares, que, devido
proibio da Festa, aconteciam catstrofes na cidade. Essas prticas ganharam conformaes polticas cujas conjunes simblico-culturais caracterizam as formas de luta numa dimenso de amplo
alcance social8.
Isso nos remete s disputas pela memria do Treze de Maio. Apesar da dimenso religiosa da Festa,
os personagens e grupos reorientavam lutas cotidianas no territrio do Mercado, buscavam recriar
prticas de apropriao discursiva sobre a memria do Treze de Maio entre os afro-descendentes.
As comemoraes ajudam-nos tambm a compreender como as pessoas dos candombls vivenciaram os conflitos e as solidariedades, num perodo de organizao das relaes sociais, uma vez que
se tratava de uma data que simbolizou o fim do Estatuto da Escravido no Brasil. Permitem, igualmente, a apreenso das relaes institudas, bem como dos aspectos das experincias dos moradores
dos bairros do Pilar, Ilha do Dend e Trapiche de Baixo.
significativo relacionar o conceito de memria social aos de territorializao, prticas culturais, territorialidade/memria e valores. Nesse sentido, a noo de territrio, segundo a definio de Muniz
Sodr, uma fora de apropriao exclusiva do espao resultante de um ordenamento simblico, capaz de engendrar relacionamento de aproximao e distanciamento. O territrio constitui-se em um
lugar necessrio formao de identidade coletiva/individual, ao reconhecimento de si por outros.
Assim, a interpretao das expresses culturais/religiosas engendraram lugares originrios de fora
ou potencial social para os grupos que experimentaram a cidadania em condies desiguais. (SODR,
1988b)9.
TREZE DE MAIO: RITUAIS, SENTIDOS E SIGNIFICADOS
As comunidades de terreiro de Santo Amaro, por meio de suas prticas religiosas, organizam e celebram o Treze de Maio. So essas prticas que definem o Bemb como um candombl territorializado
no espao do Mercado, envolvendo a participao dos mais importantes e antigos terreiros da cidade
e adjacncias, bem como de terreiros da Capital.
Concordo com a interpretao de que as prticas culturais negras se constituram como aportes para a construo de
estratgias de lutas por direitos e embates institucionais, na Bahia.
9
Segundo Muniz Sodr, a territorializao no se define como mero decalque da territorialidade animal, mas como fora de
apropriao exclusiva do espao (resultante de um ordenamento simblico), capaz de engendrar regime de relacionamento,
relaes de aproximao e distncia.
8
43
44
as obrigaes do candombl tm significado amplo para seus adeptos, mas a noo de sobrevivncia
e de dar continuidade existencial e material so aspectos de maior relevncia para aqueles que delas
comungam.
Na interpretao de Nicolau Pars (2006), um dos aspectos do significado das obrigaes consiste
em regenerar o ax das divindades e da congregao, tendo como princpio a troca, dar para receber.
Entretanto, esse princpio assume uma amplitude diferenciada da lgica das sociedades ocidentais,
medida que as trocas so experimentadas de diferentes maneiras e guardam diversos significados.
Tanto o oferecimento quanto o recebimento da ddiva ofertada tm dimenses restritas e amplas no
mbito do significado das prticas rituais do candombl.
Dar uma obrigao representa, de forma mais ampla, a garantia da existncia vital e psicolgica de
quem se oferece como iniciado, possibilidade que pode ser manifestada de diversas maneiras. A relao que as comunidades realizadoras do Bemb estabelecem atravs dos rituais est associada a vrios
princpios, mas o mais significativo o de renovar o ax, numa perspectiva de garantir a continuidade
existencial, evitando acidentes, pedindo pela sobrevivncia dos habitantes da cidade. Em suma, a
tentativa de, a partir das obrigaes, gerar a possibilidade de que nada venha a ocorrer, a ponto de
ameaar a vida das pessoas.
Nesse sentido, foi justificada a necessidade de atualizao da Festa. Observam-se, aproximadamente,
sete cerimnias que se constituram como sendo o processo ritual da Festa: os ritos para Egum, que
so realizados trs dias antes, no barraco; aps a sua realizao, so feitas as cerimnias para Exu, o
Pad. Essas acontecem, pelo menos, em trs locais diferentes e momentos distintos, mas com o mesmo sentido. Alguns desses ritos so restritos. Um dos ritos para Exu acontece nas encruzilhadas que
ficam localizadas nas estradas de acesso cidade. So os mais velhos e experientes que o realizam.
Tambm realizado o or do orix, que comporta rituais de fundamentos que tm como finalidade
reatualizar o ax do orix. Consiste em diferentes ritos, que vo desde a escolha das folhas litrgicas
aos sacrifcios votivos de determinados animais, incluindo cnticos e toques apropriados, que, em se
tratando da Festa do Bemb, so destinados para Iemanj e Oxum. Na sequncia do processo ritual,
e antes da cerimnia do or, necessrio levantar o mastro sagrado. Coloca-se o ix, poste central
que, simbolicamente, estabelece que o Barraco do Mercado seja um territrio sacralizado, portanto
apto para a realizao da festa litrgica. Para que acontea a sacralizao do barraco, realizam-se
cerimnias para plantar os elementos de fundamento correspondente ao inttu, e tambm o da
cumeeira13. A cerimnia do ix a preparao do cho, os axs. Os elementos que so assentados para
receber a cumeeira so, em geral, representaes dos orixs consagrados e que protegem o barraco.
No caso do Bemb, a cumeeira consagrada a Xang.
Os ritos de preparao do barraco visam atualizar o ax do Mercado, cujo nome O ax que nunca
morre. Nesse contexto ritual, acontecem os ritos para Exu, que consistem no pad, popularmente
conhecido como despacho. Na sequncia, h o que se define como a arrumao do Presente. Esse
ritual acontece no terreiro responsvel pela Festa; o babalorix, os ogs, equedes e demais pessoas do
terreiro retornam para o espao do Mercado, a fim de realizarem mais um rito para Exu.
13
Inttu uma entidade relacionada terra. Plantar o inttu enterrar os fundamentos que sustentam, de forma mstica,
constituir e fundar um territrio sagrado. A cumeeira est associada ao inttu e a parte de cima, que constitui o mastro.
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Essas cerimnias acontecem antes da chegada do Presente e incio do Xir14 da noite de doze de
maio. A festa do Bemb elaborada a partir de uma concepo que visa interao entre o mundo
da experincia cotidiana e aquele demarcado por um tipo diferenciado de experincias, que considera
os seres invisveis, as entidades espirituais. Portanto, os rituais constituem-se, pois, num conjunto de
prticas que so estruturadas, requerendo dos dois universos a comunicao interativa entre seres humanos e seres espirituais. As prticas religiosas ritualizadas na Festa do Treze de Maio so institucionalizadas, medida que fornecem mecanismos de interao social e assumem um carter normativo
e ordenador para aquela comunidade.
complexas, que inspiram cuidados. Em geral, tais rituais mantm os contedos semnticos intactos.
Mas podem assumir diferentes conformaes, a depender do terreiro que os realiza, podendo haver
sacrifcio votivos ou no. Conforme assinala o babalorix, o sentido dessas oferendas para Egum
reverenciar os mais velhos que iniciaram o Candombl do Mercado16.
O culto a Egum data do sculo XIX e ainda hoje, na Ilha de Itaparica, existem terreiros que se estruturam como destinados aos mistrios litrgicos desse tipo de culto. So cultos que fazem parte
do complexo religioso nag (SANTOS, 1976, p. 119-120), obedecendo a certos sistemas litrgicos.
Entretanto, o culto que acontece em Itaparica tem especificidades mais complexas, pois estruturado
como um sistema que segue princpios hierrquicos. Os ritos que so realizados no Bemb do Mercado, de forma privada, atendem a um processo ritual diferenciado: um ritual propiciatrio, que visa
a saudar os ancestrais em sinal de respeito aos que fundaram o candombl. Esse ritual marcante,
medida que acentua a importncia das pessoas que, no passado, desempenharam significativos papis
na fundao dos primeiros candombls. Nesse caso, a comunidade que realiza a Festa do Bemb
compreende que esses rituais tm a funo de manter viva a memria daqueles que desenvolveram
papis relevantes na hierarquia (BRAGA, 1995) daquela festa e comunidade.
Alguns dias antes da primeira semana do ms de maio, as lideranas dos terreiros da cidade e alguma
autoridade representante do poder pblico municipal renem-se para o sorteio. Geralmente realizado na Secretaria de Turismo e Cultura, tem como objetivo a escolha do babalorix responsvel
pelas cerimnias religiosas e pela organizao da Festa e, consequentemente, do terreiro onde iro
acontecer os ritos privados. Contudo, a Prefeitura responsvel pela logstica da Festa, financiando
os objetos e ingredientes utilizados nos rituais, fornecendo transportes, alimentao e colaborando
financeiramente com os terreiros que participam do Xir, no Largo do Mercado. Os sorteios foram
utilizados como critrio aps o falecimento de Tidu, um dos babalorixs que, durante quase trinta
anos, foi responsvel pelo Candombl do Mercado.
Nos anos de 2006, 2007 e 2008, o terreiro sorteado para a realizao das cerimnias privadas foi o Il
Ax Oju Onir. Em 2008, as manifestaes artsticas maculel, capoeira e nego fugido, que tambm
fazem parte dos festejos do Treze de Maio, no aconteceram, pois no havia verbas. S o Bemb foi
realizado, fato que reitera a compreenso de que os rituais relacionados ao Bemb so considerados
imprescindveis, uma vez que a Festa estruturada a partir de cerimnias que constituem as obrigaes do candombl.
Segundo Jos Raimundo,
[...] a festa do Bemb d incio com a alvorada. E, noite, tem o tradicional xir, t
entendendo? Mas antes tem os fundamentos do candombl, durante toda a semana: alimentao dos Eguns dos antepassados, depois alimenta Exu, que, no candombl, o
mensageiro dos orixs e, no ltimo dia, alimenta a dona das guas. (Jos Raimundo, numa
entrevista concedida em 1997).15
De acordo com as explicaes do babalorix, as cerimnias do Bemb comeam duas semanas antes
da semana do Treze de Maio, quando so realizadas as oferendas dos ancestrais que iniciaram o Candombl do Mercado, destinadas aos Eguns. Esse um dos rituais restritos aos iniciados, mas nem
todos os adeptos do terreiro dele participam. So os sacrifcios votivos para os ancestrais.
Jos Raimundo salienta que no permitida a participao de quem no iniciado nessas cerimnias
14
Ordem de procedncia na qual so cantados os cnticos e danas em louvor s divindades afro-brasileiras, que se inicia
por Exu e termina com Oxal. Em alguns terreiros no se canta para Exu, sendo suas obrigaes feitas antes das festividades.
15
Cf. MACHADO, A., 2009.
48
Alimentar Egum, como se refere o interlocutor, um rito complexo que consiste em cerimnias realizadas com deferncias e cuidados; os cnticos so entoados como espcies de oraes, cujos sentidos so
reverenciar e saudar aqueles que vivem no mundo do Orum.
Assim, os rituais feitos para Egum visam a reverenciar e reconhecer a trajetria dos antepassados que
fundaram o Bemb do Mercado. So uma busca para estabelecer laos de profundo significado com
os ancestrais, medida que se reconstituem elos de permanncia dos que no esto neste plano de
vida com o grupo, atravs dos ritos que solicitam a existncia simblica dos mesmos, e demonstram
os importantes requisitos de reconhecimento dos antepassados, bem como a atualizao de possveis
vnculos. Segundo as observaes, o sentido de alimentar Egum o mesmo de reconhecer o elemento
material e humano que motivou e originou a existncia daqueles que os alimentam. reconhecer a
existncia daqueles, num outro plano, o Orum.17
Nas cerimnias para Egum, h uma atmosfera mais solene, onde os participantes assumem uma postura mais contida, acentuando a respeitabilidade pelos mais velhos e prevalecendo certo mistrio.
Conforme as ressalvas feitas por Jos Raimundo, os cultos privados tambm se destinavam s Iamis,
as mes ancestrais (Iyami Agba) e que so de profunda importncia no sistema ritual da Festa. No sistema do pensamento religioso nag-iorub, elas ocupam posio semelhante a Exu, pois so entidades
ambivalentes, indispensveis ordem do panteo (CARNEIRO, 1983, p.1016). Essa ambiguidade que
as envolve deve-se aos caracteres primordiais e arcaicos de sua natureza, reportando-se a um universo
sem fronteiras ou limites definidos, onde o que conta a totalidade e, no, a diferena. Portanto,
conjugam em si mesmo todos os opostos: masculino, feminino, feitiaria e antifeitiaria, bem e mal.
Nos rituais para Exu existe uma aura mais descontrada, principalmente naqueles realizados no Barraco do Mercado, onde os feirantes e curiosos acabavam por observar.
16
17
No ano de 2007, foram realizados os rituais para Egum e Exu, nos dias 02 e 05 de maio.
Ver BRAGA, 1995.
49
O Pad de Exu acontece trs dias aps o rito para Egum, e ocorre em vrios momentos e lugares
diferenciados, muitas vezes no terreiro. H os sacrifcios votivos de animais nas estradas que do
acesso cidade, nos entroncamentos. Esse um dos ritos que exigem do babalorix muita ateno e
cuidado, pois:
[...] uma responsabilidade muito grande da pessoa que est fazendo a festa, que o candombl de uma cidade, de um povo, todavia, quando no faz o candombl do mercado,
tm muitos acontecimentos, ento alimenta-se Exu; por causa das brigas, das confuses,
das destruies. Alimenta Exu, pra ele ficar satisfeito e deixar a festa terminar em paz [...]
(Jos Raimundo, numa entrevista concedida em 1999).18
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O BARRACO DO MERCADO
O barraco uma construo feita em madeira e palhas de palmeiras, com cobertura de telha de eternit, medindo aproximadamente 10 metros de largura, por 20 metros de comprimento. erguido no
centro da Praa do Mercado. Segundo Jos Raimundo, esse barraco tem uma dijina, o ax que nunca
morre. Essa informao leva interpretao de que os diferentes terreiros, reunidos para celebrar o
Treze de Maio no Mercado, buscavam atualizar, a cada ano, a fora vital que deu origem ao barraco.
Segundo os interlocutores, a vivncia no mundo implica fund-lo, e isto feito atravs de preceitos
realizados no solo que se ir habitar. A construo do mundo constituda por meio de encontros que
Iemanj uma divindade que concretiza, segundo a lgica cosmolgica, um dos princpios geradores
Em 2007, esse ritual na instalao do mastro central aconteceu no dia 10 de maio, s 3h da madrugada.
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Local onde se celebram os cultos aos orixs.
Plantar o ax colocar em lugares apropriados um conjunto de elementos rituais, atravs de ritos especficos, que tm
por finalidade potencializar os espaos e os objetos.
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A cumeeira colocada geralmente no dia 10 de maio, antes do incio do primeiro Xir.
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da vida, o princpio simbolizado pela gua, que um dos aspectos de manifestao do poder vital.
Logo, relaciona-se Iemanj gestao existencial da fertilidade.
Na explicao dos participantes, o or um ritual de fundamento, e a finalidade dessa cerimnia ritual
reatualizar o ax do orix, com os toques e cnticos. As diferentes cerimnias realizadas, como as
sassanhas23 cnticos realizados pela pessoa especializada em colher e macerar as ervas consideradas
como sagradas, utilizadas nos rituais e destinadas ao processo dos propiciatrios e, ainda, os sacrifcios votivos so etapas que constituem o processo do or.
Esse ritual realizado pelo babalorix com a finalidade de manter atuante a fora dinmica do orix,
para propiciar proteo. A estrutura da Festa propriamente dita corresponde obrigao para Iemanj. Os orixs no incorporam no Barraco do Mercado, mas nas cerimnias privadas. Paralelo a
esse rito, os adeptos preparam as oferendas do Presente principal, a ornamentao e organizao do
Barraco do Mercado para a chegada do referido Presente, na terceira noite do Bemb.
O PAD: ANTES DA CHEGADA DO PRESENTE NO
BARRACO DO MERCADO (2007)
Logo que foram realizadas as cerimnias do Presente, no terreiro responsvel pela Festa, os adeptos
seguem para o barraco, com o objetivo de realizar mais uma cerimnia para Exu. Esse rito consiste
em sacrifcios votivos, na porta do barraco. Esse ritual propiciatrio realizado antes da cerimnia
pblica, que acontece noite.
Terminado o pad, no Barraco do Mercado, os adeptos retornaram para o terreiro, e sob a determinao do babalorix, os ogs tocaram para alguns orixs. Aps esse ato, as pessoas foram se organizar
para o Xir, que aconteceria naquela noite.
Os fogos de artifcios anunciam que o babalorix est conduzindo o Presente para o Barraco do
Mercado. No barraco, os adeptos aguardam a chegada do Presente. A I mor leva frente do barraco uma quartinha com gua, e outro adepto leva um alguidar com farofa de azeite de dend. Esse
rito acontece, enquanto o Presente percorre o trajeto at o Barraco.
Os fogos avisam que o Presente chegou ao barraco para o desdobramento do Xir, que vai at a
alta madrugada. Mas somente no dia seguinte que o Presente seguir em procisso at a praia de
Itapema. Nessa noite, todas as autoridades da cidade, prefeitos, secretrios municipais, autoridades
policiais e as lideranas dos terreiros da cidade e adjacncias prestigiam o Presente.
O Presente segue em procisso de carros pelas ruas da cidade. Muitos apreciam aquele desfile. Os
adeptos acompanham respondendo aos cnticos e oraes ritmados pelos atabaques e adjs. O carro
que conduz as oferendas percorre um roteiro longo: Rua Pedro Valadares, Conselheiro Paranhos,
seguindo pela Rua General Cmera, em direo ao Bonfim, o bairro onde fica situado o terreiro da
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ialorix Ldia, passando pela porta da casa da mesma. Retorna pela rua Dr. Dantas Bio, passando
tambm pela Rua Baro de Sergi. Passa pela Praa do Bonfim, em direo subestao, retornando
pelo Posto Quatro Rodas. Segue, ento, pela Rua Ferreira Bandeira. Saindo por trs da Rua Conselheiro Sodr, d trs voltas ao redor da Igreja da Purificao.
Um dos critrios do percurso passar com as oferendas por ruas onde pessoas que pertencem aos
candombls moram, ou tm erguidos os seus templos. Percebe-se que isso era demonstrao de respeito e reconhecimento aos babalorixs e ialorixs mais velhos que representam o candombl. A volta
que feita ao redor da Igreja da Purificao considerada parte significativa do ritual. Esse aspecto
pode ser compreendido como uma associao da Santa Iemanj. Vale lembrar que a festa de Nossa
Senhora da Purificao acontece no dia dois de fevereiro, com a procisso, dia em que, segundo a
tradio, igualmente se homenageia Iemanj. Porm, destaca-se que, apesar dessa suposta aproximao entre Nossa Senhora da Purificao e Iemanj, os rituais que so realizados no Bemb seguem os
critrios litrgicos do candombl.
O cortejo continua, desta vez seguindo pela Rua Marslio Dias, pela Rua do Comrcio at o Sinimbu,
no sentido da Rodagem, onde est situado o terreiro Oju Onir, indo at o Pilar, o bairro onde esto
localizados os terreiros Viva Deus e Erum-f, regido por Donlia, terreiro que foi, por quase
trinta anos, responsvel pela realizao dos ritos do candombl do Mercado.
O carro faz o retorno no Batalho, indo no sentido da Praa Treze de Maio, situada no bairro do
Derba, fazendo uma pequena volta pela via de cruzamento e retornando pela Rua do Sinimbu, depois seguindo pela Rua do Imperador e passando pela Igreja do Rosrio. Nessa igreja no realizado
nenhum ritual, tal como aconteceu na Igreja da Purificao. O cortejo segue pela Rua Padre Finelom
Costa, em direo BA 26, partindo para a praia de Itapema onde, finalmente, as oferendas so colocadas no mar.
Os cnticos ritmados pelos atabaques e agogs invadem o pequeno vilarejo de pescadores, que, nos
ltimos anos, cenrio para a cerimnia das oferendas de Iemanj. A mar, como se esperava, estava
cheia, pois um dos cuidados que se observa para que haja xito nos pedidos. Os adeptos se espalham pelas imediaes, enquanto os babalorixs e ialorixs realizam os ltimos ritos, com o propsito
de saudar as guas e autorizar os ogs a irem aos barcos levar as oferendas em alto-mar. Enquanto os
ogs se posicionam para encaminhar as oferendas at o mar, os demais buscam posies mais adequadas para observar o desenrolar do processo ritual.
Os adeptos sadam as guas, no rito de tocar a gua e lev-la sobre a fronte, com gestos onde as mos
se posicionam em movimentos sutis de estender a palma e as costas da mesma mo, com contrio e
reverncia. Depois desse ritual, levam as oferendas em direo ao mar. O Presente conduzido at o
barco pelo babalorix e pelos ogs. Ao som do atabaque, os adeptos cantam em pedidos a Iemanj.
Os fogos anunciam e celebram a entrega da oferenda. um momento de expectativa e devoo, pois
a ida dos ogs ao alto-mar requer por parte dos adeptos ateno. Eles esperam que as oferendas depositadas no mar sejam aceitas. a garantia de que a cerimnia foi realizada de maneira adequada e a
orix aceitou, de bom grado, as ofertas.
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Trajeto do Cortejo
do Presente Principal
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A relao entre o fim da escravido e a realizao do candombl expressa na narrativa desse depoimento, que, alm de acentuar as manifestaes de capoeira e maculel, deixa claro a importncia do
Bemb, ao afirmar que o candombl acontece em primeiro lugar. Portanto, em sua rememorao,
Felipe Santiago reitera que a celebrao do Bemb vista como uma obrigao religiosa, uma vez que os
transtornos poderiam acontecer, caso no se realizasse o Candombl do Mercado. Na lembrana do
mestre de capoeira, a realizao do Bemb foi associada aos pescadores. Possivelmente se refere aos
anos anteriores a 1958, quando aconteceu a exploso envolvendo as barracas de fogos.
tao da escravido, o discurso de Santiago sugere haver indcios de que as comemoraes realizadas
se instituam enquanto cdigos (mtico-religiosos) subjacentes s reelaboraes de ocupao do espao pblico. E esses cdigos, longe de serem uma continuidade das relaes anteriores ao fim da
escravido, pressupem constantes estratgias de sobrevivncia, como as que foram utilizadas pelas
comunidades de terreiros e que acabaram por justificar a retomada do Bemb.
A memria sobre a exploso do dia 23 de junho de 1958 tambm constituiu um importante construto
no imaginrio, uma vez que as marcas daquele acontecimento ainda se relacionam necessidade de
se realizar o Bemb. Como j assinalado, Zilda Paim afirma que esse acontecimento mobilizou as
autoridades, na tentativa de prestar socorro s pessoas que foram atingidas na exploso do Mercado.
Lembro muito, no foi um incndio, do ttulo de incndio, mas no foi. Foi uma exploso, duas barracas de fogos, que ficavam ao lado do mercado, onde hoje o Mercado
do Peixe [...] (PAIM, 1951)
Foi um dos acontecimentos que justificaram a pertinncia do Bemb no imaginrio do povo de santo,
e o que acentuou a necessidade de se manter a Festa. Felipe Santiago tambm faz comentrios sobre
a proibio do Bemb:
O Bemb era proibido porque tinha que ser registrada aquela casa, tinha que ir na polcia
tirar licena, para bater e tal, eles no faziam isso, por isso era perseguido. (Felipe Santiago, numa entrevista concedida em 1997)
Na interpretao do mestre capoeirista, a proibio do Bemb estava relacionada ao fato de os terreiros no serem registrados. Ele afirmou que havia terreiros no institucionalizados. Assim, a
memria do capoeirista menciona o perodo de represso aos candombls26. Os conflitos para manter
o Bemb geram verses sobre a represso aos candombls na Bahia, e relacionam-se com as estratgias desenvolvidas pelas comunidades de terreiro no enfrentamento da polcia. No s o Bemb, mas
a capoeira, segundo Felipe Santiago, passava pelas mesmas restries. Eram tempos difceis em que
preto em Santo Amaro era tratado sob a etiqueta da subordinao, da antiga relao entre senhores
e escravos. Ele relembra as investidas do famoso capoeirista Besouro27 nas ruas de Santo Amaro.
Naquela poca, o pobre era mesmo que cachorro para os ricos burgueses [...] Muitas
vezes diziam Besouro, acabou a feira. Besouro acabava a feira porque o burgus chegava,
apreava uma mercadoria, enquanto l, afastado no meio da feira, o pobre no podia se
aproximar; ficava parado em p, esperando ele, o burgus, reguingar. Somente depois que
o burgus comprava e saa, a ento o pobre poderia se aproximar, pegar a mercadoria.
Mas enquanto o burgus estivesse, o pobre no pegava a mercadoria, pois era um insulto
ao burgus. E aquilo que fervia o sangue de Besouro. Ele chamava um menino e dizia:
V ali, onde t aquele branco... Ali olhe! Faa que vai aprear aquela mercadoria e pise
no p dele. A o menino: Ah! V que eu t mandando! Pode ir que no tem nada com
voc. O menino ia. L chegando: Quanto isso? A pisava no p do branco. O branco
agarrava o menino pelos braos e dizia: Tenha educao, voc no est me vendo aqui,
no? Ainda pisa meu p, moleque! A, Besouro j estava perto. Dizia: Que , branco?
Outro aspecto que merece ateno na narrativa de Santiago a ressalva feita sua pertena ao grupo.
Ao dizer que quando os negros foram libertos da escravido, ento ns daqui, percebe-se que se
relaciona aos aspectos que o memorialista Costa Leal destacou sobre a forma como os africanos e
seus descendentes comemoravam o Treze de Maio. Na fala do capoeirista est implcito o que pode
ser interpretado como um efetivo distanciamento entre os moradores dos bairros do Pilar, Ilha do
Dend, Trapiche de Baixo e Rua da Linha, e aqueles que moram no centro da cidade, posto que, em
outras palavras, ele diz existirem os daqui, em contrapartida, certamente, existncia dos de l.
Refletir sobre essa expresso perceber que, alm das diferentes maneiras como se festejava a liberBater o Bemb significa fazer o Candombl no Mercado.
Entrevista realizada em abril de 1997. Felipe tinha 76 anos de idade. ferreiro de profisso e, ao que se sabe, no
adepto de nenhum terreiro de candombl da cidade, embora tenha laos de amizade com muitos adeptos do candombl.
Cf. MACHADO, A., 2009.
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Que foi que o menino fez? A tirava o menino. O povo ia tratando de correr, porque
quem ele encontrasse pelo caminho tomava cipoada, apanhava [...] (Felipe Santiago, numa
entrevista concedida em 1997).28
Aparentemente, a afirmao do mestre capoeirista Felipe Santiago sobre as atitudes de Besouro parece estar distante das reivindicaes que se faziam para a manuteno da tradio do Bemb. Entretanto, observando mais atentamente, sua fala evidencia que havia uma perseguio tanto capoeira
quanto ao candombl. As prticas culturais negras eram tratadas de forma pouco aprazvel por parcelas das elites, em Santo Amaro. No mesmo relato, diz que preto era tratado igual a cachorro. A
proibio do Bemb se dava em funo das disputas na reorganizao das relaes aps a abolio.
A relao que Santiago estabelece entre capoeira, maculel e candombl pode ser compreendida,
medida que muitos capoeiristas estavam ligados aos candombls, quer seja por prtica religiosa quer
por relaes de amizade, como era o caso do og Noca de Jac e Besouro.
Noca de Jac29 era amigo de Besouro, confirma Felipe Santiago, ressaltando uma das principais
caractersticas de Besouro: aquele que era um capoeirista mandigueiro [...] Besouro tinha a mandinga da capoeira e das oraes. Era preparado no patu, juntava uma coisa com outra, a dava para
ele fazer sucesso30. Sucesso quer dizer que Besouro desafiava a Polcia e as autoridades, uma vez
que se achava protegido pelas oraes e patus, embora a proteo de Besouro viesse do prestgio
que certamente construiu, quando servira ao Exrcito31. Um indcio da participao de Besouro no
Exrcito a nota do seu falecimento que saiu no peridico O Combate, cujo proprietrio era um
Capito do Exrcito. Besouro morreu em julho de 1924.
Na manh de 8 do corrente foi sorprenhendida a populao desta cidade com a notcia de que achava-se no porto do mercado uma canoa da villa de So Francisco com o
Cidado Manoel dos Anjos, vulgo Bizouro,[sic]espancado por 25 homens em Maracangalha - Usina Cinco Rios. Grande massa afluiu do local sendo transportado, Bizouro [sic],
pela policia, cerca de meio dia, quase morto, para Santa Casa, onde foi, a victima [sic],
que recebera de um dos referidos agressores em Marancangalha, no domingo, 5 mortal
facadas no umbigo, operado cuidadosamente pelo ilustre e muito competente Clinico
Dr. Virgilio Diniz Senna. Rapaz possante, muito valente, achava-se bastante fraco, o redem da parte de fora, [...] perdeu todo o sangue tal a demora do seu transporte (mais de
48 horas) a esta cidade que devia ser diretamente, em troly no mesmo dia. Horas aps
medicado falleceu, Bizouro, tendo o seu enterro grande acompanhamento [...] Bizouro
era valente e muito combate deu a polcia que sempre perseguia. No era perverso, no
era ladro e nunca matou. Foi assassinado covardemente e urge a policia apurar o crime
que no poder absolutamente, ficar impune! Mataram Bizouro!! Amanh chegara outro
esfaqueia, assassina, e... d-se sepultura ao corpo e nada mais. Apellamos para as autoridades, Dr. Juiz de direito e delegado de policia que, at agora, tem merecido do pblico
sensato, inteira confiana. Paz a alma de Manoel dos Anjos e psames a sua famlia. (O
Combate, 12 jul, 1924).
As atitudes de Besouro no foram atitudes isoladas, uma vez que esclarecem como as relaes entre
grupos distintos eram cotidianamente reelaboradas no espao da rua. O Mercado, enquanto espao
de sociabilidade, era compreendido tambm como territrio de demarcao das desigualdades. Assim,
as memrias do capoeirista permitem vislumbrar como a memria social se constitui num conceito
significativo para a construo dessa reflexo. Na proposta de Raphael Samuel (1997), a memria social um discurso construdo historicamente e est localizado em diferentes textos produzidos pelos
atores que compartilham referncias sociais e culturais. Ao invs de pensar em memria no singular,
deve-se inferir que os discursos produzidos sobre os eventos, fatos e acontecimentos so destacados,
evidenciados, a partir das lembranas e definidas como as memrias dos grupos que vivenciaram
conflitos e disputas.
As lembranas e rememoraes esto diretamente relacionadas s prticas culturais, pois h mltiplas
orientaes discursivas no mesmo contexto onde elas ocorrem (SODR, 2005, p. 8-56). Os discursos
institudos por meio das narrativas, tanto jornalsticas quanto as produzidas pelos entrevistados, sero
compreendidos como memrias sociais32. O que compe essas memrias o conjunto das experincias histricas dos indivduos e grupos que protagonizaram os conflitos, disputas, solidariedades, e
instituram referncias para as novas formas de sociabilidades.
Vale ressaltar que os batuques e outras prticas culturais africanas aconteciam muito antes do fim
da escravido. Segundo Joo Jos Reis (2002), em Santo Amaro, ocorriam encontros festivos entre
as diferentes etnias africanas, com o objetivo de comemorar, por exemplo, o Natal de 1808. E isso
dividia as opinies de setores das elites da poca. As prticas ldicas e religiosas manifestaram diferentes formas de reivindicaes. Essas festas pblicas, envolvendo negros e negras, demonstravam
o envolvimento e a participao de escravos de diferentes engenhos, conferindo-lhes aspectos de
reivindicaes de lutas polticas.
As distintas formas de ocupao do espao pblico serviram como lutas empreendidas pelas populaes negras. H que se compreender essas manifestaes culturais como mediaes que se desenrolavam no cotidiano das cidades, e perceber uma relativa autonomia na organizao do espao urbano.
Isso diz respeito s prticas de resistncias construdas no percurso da escravido, as quais serviram
como referncia para reconfigurar as relaes institucionais entre o poder pblico local e a instituio policial, por exemplo. necessrio ressaltar que as memrias de Felipe Santiago e a dos demais
entrevistados so construdas a partir da experincia comum dos grupos. Por isso importante dar
ateno sua narrativa, quando se refere aos sujeitos que comemoravam o Treze de Maio (os daqui).
As lembranas so constitudas a partir da experincia, e so as experincias no grupo que garantem
e possibilitam a apropriao do espao pblico.
A memria, enquanto discurso, obriga a mobilizao dos atores sociais, a ponto de ser reveladora
da posio que esse agente ocupa na tessitura social. O questionamento da memria oficial deu-se
por meio de prticas culturais, na perspectiva de subverter os padres normativos que pretendiam
disciplin-los, interditando a realizao das prticas que os identificavam. Essas prticas culturais, realizadas pelos atores, tinham o intuito de articular uma nova lgica social com o objetivo de construir
maiores possibilidades de participao no espao social.
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Refiro-me s entrevistas do Og Noca de Jac, Nicinha, Felipe Santiago, Donlia, Umbelina, Celino, Jos Raimundo,
Edite. Cf. MACHADO, A., 2009.
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um sobrado alugado, onde todos se reuniram para o sirum, quando da morte da finada
[Valria]. (Ernesto Ferreira, numa entrevista concedida em 1997)37
[...] O Bemb teve uma parada, foi uma bestagem ficou uns e outros falando coisas do
candombl. Mas no pode nem parar. [...] houve problema! Srio aqui na cidade. o
Bemb sempre treze de maio, esta festa antiga. [...] Muito antiga! Era uma senhora que
fazia, uma tia, eu ouo dizer assim, que era uma tia toda vestida de candombl, chama tia
da Costa, sei l, sempre pessoa de idade [...] Quanto a mim, faz pouco tempo que participo do Bemb. Pois, antes era aquela molecada, muita bebedeira, no era organizado, o
pessoal mal arrumado, mal vestido. Parecendo que era uma coisa feita de qualquer jeito,
a eu no ia, deixei at de ir olhar [...].
Conforme dona Edite, o Bemb passou por um momento crtico, uma vez que os rituais eram realizados sem seguir certos preceitos. Muitos dos entrevistados desenvolveram o mesmo argumento de
dona Edite, quando dizem que houve um tempo em que o Bemb era feito de qualquer jeito, ou
seja, sem que se levassem em considerao aspectos como resguardos de bebidas e roupas apropriadas aos festejos pblicos. Sabe-se que as indumentrias so um dos aspectos de grande relevncia para
as comunidades de santo, e, no Candombl do Mercado, no poderia ser diferente. Esse tempo a
que ela se refere anterior ao perodo em que Tidu, como babalorix, assumiu a responsabilidade
pela Festa.
[...] O Bemb sempre foi feito pelo povo do Santo, no pode ser feito por quem no
preparado. Pois, quem trabalhar no sabe o que vai fazer ali. Tem que danar para a rua,
fazer a Arrumao do Presente, oferendas, antes de comear o candombl. E quem no
preparado, no preparado; no vai saber fazer essas coisas. No . [...] (Dona Edite,
1998).34
Dona Edite acentuou sua experincia com o candombl35, enquanto o relato de Felipe Santiago ressaltou a experincia com a capoeira, mas ambos rememoram o Treze de Maio, relacionando-o s
celebraes do candombl. Percebe-se que a histria da proibio do Bemb se insere nas experincias dos pais e mes de santo com a histria dos candombls da cidade de Santo Amaro, ou seja, a
proibio do Bemb pode ser resumida na fala de Felipe, quando comenta que o Bemb era proibido
porque os terreiros no eram registrados.
Os rituais eram feitos de forma itinerante; poucos tinham casa de candombl. Faziam-se as obrigaes de tempos em tempos, e boa parte das ialorixs alugava casas para realizar certas obrigaes.
O og Noca de Jac,36 falando sobre as relaes de solidariedade estabelecidas na organizao do
candombl diz que:
[...] Valria era a mulher mais sabida pela natureza [...] Ela nunca teve o direito de Ldia,
porque no tinha uma casa para morar. Fazia candombl nas casas alugadas, ela tinha
Dona Edite, Ialorix, moradora do bairro do Bomfim, em entrevista realizada no dia 27 de janeiro de 1998. Cf. MACHADO, A., 2009.
34
Cf. MACHADO, A., 2009.
35
Dona Edite tinha 63 anos, quando concedeu a entrevista. Esclareceu que sua me de santo foi Valria, cuja nao era o
jeje. Comentou ainda sobre a relao dos candombls do Recncavo com Feira de Santana.
36
Ernesto Ferreira da Silva dizia ser feito na Pitanga, no Beiru; filho de Siriaco, Bernadino Bate Folha. Sua av de santo
era Maria Nen.
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A partir da, uma nova gerao comeava a assumir o candombl. Foi o momento em que, segundo
Noca de Jac, Ldia escolhida pelo vodum para ocupar o cargo que antes era de Valria. Em outra
entrevista, Celino38 conta um pouco da sua trajetria no candombl. Disse que, antes de ser iniciado
como Yao, atendia clientes e que sua participao nos festejos pblicos se deu devido a um afox que:
[...] botava na rua, desde os tempos de abi. H tempo, o Bemb era feito por um nico
terreiro39. Inclusive, quanto exploso que aconteceu no mercado, ele conta que [...] eu
estava pequeno, mas me lembro, eu ia morrer neste incndio, porque minha me matava
porco para vender, ento eu perturbava pedindo-lhe dinheiro para comprar fogos. Ela
disse: Eu no vou dar dinheiro nenhum. V ali, levar a carne, na casa de Dr. Joo, era um
engenheiro da Leste. Ento eu fui levar a carne [...], foi quando aconteceu a exploso. O
Bemb uma obrigao muito sria [...] esse Bemb uma coisa to velha que a gente
vive o tempo todo nele e no sabe o que [...] (Celino, numa entrevista concedida em
1997).
Na fala do babalorix, em alguns momentos, houve a impresso de que Celino confundia um terreiro
de candombl institucionalizado com a Festa do Bemb do Mercado. Interpretou-se que ele afirmava
a existncia de uma continuidade das prticas relacionadas ao candombl, medida que, efetivamente,
o Mercado se torna um terreiro, toda a semana anterior ao dia treze de maio. Inclusive, ele caracteriza
a Festa como Candombl do Mercado.
[...] Ah! O Bemb do Mercado. Esse Candombl do Mercado era feito pelos pescadores,
um candombl mesmo. S que ele tem origem com os pescadores, e esses pescadores eram
filhos de santo, alguns podiam at frequentar alguns terreiros, e muitos no eram de terreiro nenhum, mas como que se diz? Por causa deles, os pescadores, ento se fazia o
Bemb para presentear as guas, no ! Se faziam listas para pedir, nas portas qualquer
coisa para ajudar a fazer o candombl. (Celino, numa entrevista concedida em 1997).40
Celino acentua a participao da comunidade na Festa do Bemb e conclui [...] justamente e inclusive a Prefeitura tambm. Agora a Prefeitura nem sempre ajudou. Na organizao do Bemb, so
acentuados a tradio, a pertena, a solidariedade e os conflitos em torno da escolha do terreiro que
faria o Bemb. Como est presente na afirmao de Nicinha, lder do grupo de Samba de Raiz de
Santo Amaro41,
[...] saam boatos, saam fofocas. Donlia falou assim, ns temos que ajudar Celino, ele
sempre nos ajudou. Agora que ele o responsvel pelo candombl, pelo Barraco do
Mercado, [...] ento ns temos que ajud-lo. E, a todo mundo, Naldo, Vanda e todos do
37
Valria foi uma das responsveis pela iniciao de vrios dos zeladores, inclusive um senhor conhecido como Non da
Macumba.
38
Celino foi o responsvel pelo Bemb, em 1997. At onde se sabe, ele um representante da nao angola. A entrevista
foi realizada dia 7 de fevereiro de 1998. Cf. MACHADO, A., 2009.
39
Celino se referiu s dcadas em que o Bemb foi feito por Tidu, pertencente nao ketu.
40
Cf. MACHADO, A., 2009.
41
Nicinha estava presente no mesmo momento em que Celino foi entrevistado. Ela deu continuidade tradio do maculel de Pop. Cf. MACHADO, A., 2009.
69
Viva Deus, todo mundo ajudou. Ajudou, porque ajuda, no ! Eles tm que ajudar, pois
uma Famlia [...] (Nicinha, numa entrevista concedida em 1997).
Interpretar a fala de Nicinha na lgica do parentesco de santo no seria ilgico. Mas, a ajuda
a que ela se refere tambm inclui as relaes de solidariedade. A expresso equivalente seria aquela
utilizada por Felipe Santiago: ns daqui. Essa expresso ajudou, porque ajuda, revela os laos
estabelecidos nos momentos difceis, laos de apoio entre uns e outros. Tanto o terreiro que Donlia
lidera quanto o Viva Deus, liderado por Belinha, so de naes diferentes do terreiro que Celino
lidera. O primeiro de nao Ketu, o segundo se identifica como Nag-vodum, enquanto Celino da
nao angola, Tumba Junara.
Os discursos possibilitaram compreender as dimenses e significados do Bemb, realando os conflitos e as sociabilidades vivenciadas na organizao da Festa e dos rituais. Acentuo que as falas dos
entrevistados sugerem o imperativo de pensar a memria enquanto um discurso, medida que aponta
para a complexidade das relaes sociais. As palavras de Nicinha sugerem implicitamente que, apesar
da colaborao que os terreiros ofereceram a Celino, havia conflitos. Um deles dizia respeito escolha
do responsvel pelos rituais do Bemb42. No desenrolar da entrevista, percebeu-se que Nicinha dava
nfase implcita aos conflitos internos ao grupo que realizava a Festa.
OS FUNDADORES DO BEMB: PESCADORES, OGS E BABALORIXS
A Festa do Bemb sempre foi realizada pela comunidade. Eram os pescadores, vendedores ambulantes, pessoas que mercavam na feira, catadores de goiaba, lavadeiras, mulheres que faziam cabelos,
a ferro, dentre outros personagens. Muitas dessas pessoas eram participantes dos candombls. Geralmente, eram suspensos para ogs e equedes e, em sua maioria, moravam em bairros, como Trapiche
de baixo, Ilha do Dend, Pillar e Avenida Caboclo.
Os pescadores que realizavam as celebraes dizem que a devoo em oferecer presentes s guas
vem de longo tempo. Vrias pessoas das comunidades, no passado, ofereceram suas casas para a ornamentao do Presente Principal. Segundo Toninho do Peixe, um dos organizadores da Festa, sua me,
dona Virgnia Silva, oferecia sua casa para que se enfeitasse o Presente para Me Dgua. O pescador
Antnio Silva Santos, tambm conhecido como Toninho do Peixe,43 lembra que, bem antes de ele
nascer, j existia a devoo de fazer as oferendas do Bemb. uma tradio muito antiga, afirma
o pescador, que, aos 77 anos, debilitado pela doena, relembra sua atuao para a realizao daquela
devoo. Trabalhava no Mercado, e sua funo era organizar a Festa. Foi Presidente da Comisso
Organizadora e tambm ocupou a funo de tesoureiro.
A arrecadao de dinheiro e presentes era organizada. Eu saa nas casas, recolhendo as assinaturas,
todas as pessoas contribuam com a quantia que podiam; as mulheres e demais pessoas levavam
ofertas: perfumes, flores e outras oferendas para colocar no balaio, diz Toninho do peixe. O Livro
de Ouro44 era usado como controle dos valores e pessoas que ajudavam com dinheiro, geralmente
Aps a morte de Tidu, os critrios de escolha para a realizao do Bemb so os sorteios realizados pelas autoridades dos
candombls e o representante da Prefeitura.
43
Entrevista realizada no dia 14 de junho de 2011, na casa de Toninho. Cf. MACHADO, A., 2009.
44
Caderno onde os comerciantes assinavam e colocavam o valor de dinheiro destinado compra das oferendas.
42
70
donos de lojas, comerciantes que vendiam no Mercado e transeuntes que iam feira; essas pessoas
colaboravam todos os anos. O dinheiro arrecadado servia para comprar as oferendas: flores, balaios,
perfumes e outros produtos utilizados nos alimentos votivos.
Os pescadores tambm realizavam diversas atividades para conseguir dinheiro: corriam rifas, faziam
sambas. Naquele tempo, conta o pescador, no tinha barracas, a Festa no tinha o carter de festa
de largo. O objetivo era fazer a devoo e ofertar o Presente das guas.
Havia tambm outros pescadores. Alguns eram ogs que pertenciam a diferentes casas de candombls da cidade e arredores. Segundo os pescadores, o og Menininho foi quem assumiu, durante
muitos anos, a responsabilidade de realizar os ritos. Os antigos amigos o descreveram como sendo
um homem de profundo conhecimento no culto, que sabia importantes fundamentos, conhecedor
de cnticos sagrados e dos segredos de realizar as oferendas. Todos o respeitavam pela seriedade e
disciplina. Alguns comentaram como o og conduzia os processos do Ax, para realizar o Bemb
do Mercado.
Arimo Pereira Santos, tambm pescador, mais conhecido como Tingo, lembra que ajudava ativamente nos festejos. O pescador, afirmando que tambm tinha barraca na feira, lembra que, naquela
poca, ele andava com seus companheiros, alguns eram capoeiristas, muitos dos quais tambm
eram seus colegas de trabalho, pois vendiam no Mercado. Rememora ainda muitos dos colegas que
ajudavam na organizao do Bemb. Joel, que vendia peixe l no Mercado; Alosio, outro amigo e colega de profisso. Essas pessoas viviam em todas as festas de candombl da cidade, diz Tingo, onde
tivesse candombl e samba, eu e meus companheiros se prontificavam a comparecer. Nasci e me criei
na macumba, tenho f nas guas, e, desde jovem, acompanhava a tradio do Bemb.
Tingo, que morava no Bairro Trapiche de Baixo, relembra do passado e aponta que aconteceram muitas mudanas, ao longo dos anos, na realizao da Festa. Em seu modo de pensar, a Festa do Bemb
da sua poca tinha preceitos: pessoas antigas dos candombls da regio vinham prestigiar a sada do
Presente. No tinha bebedeira na hora dos preceitos; era tudo muito srio. No havia desrespeito nem
misturas.
Tambm lembra as brincadeiras: o samba, a capoeira, o maculel. Conta sobre as mulheres com as
quais namorava. Comenta que, por ser muito namorador, as mulheres brigavam entre si, disputando
seu afeto e ateno. Contudo, fez ressalvas para a postura e seriedade das mulheres e homens, que,
com devoo e respeito, apreciavam a entrega dos presentes s guas. Sempre beira do cais, pois,
poca, no tendo dinheiro, nem facilidade em arranjar carro, um pescador saa de barco, as pessoas
ficavam beira do rio, esperando a ida das oferendas na canoa. Geralmente, aquele que mergulhava
era algum j iniciado, que, alm de conhecer os ritos, sabia o local onde ia colocar as oferendas. Sempre era um og que gozava da confiana e prestigio do grupo, por conta do resguardo e interdies
exigidos pelo candombl.
Naquele tempo, chovia muito. Algumas vezes, o candombl acabava antes da hora, todos saindo
molhados, com a roupa suja do lamaal e do resistente barro vermelho. Tpico do solo comum na
cidade, esse barro grudava nas saias brancas das mulheres que iam danar. Havia, tambm, as duas
Zezs. Duas senhoras que colocavam suas guias de comidas e vendiam peixe assado e passarinha frita.
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72
73
Uma delas levava uma lata grande de flandres, conhecida como lata de querosene, onde escondia cuidadosamente as cachaas preparadas com folhas, razes e entrecascos de plantas, as quais ajudavam e
serviam como antdoto para suportar o frio, at terminar o ltimo cntico sagrado do Xir45.
Muitas vezes, a chuva era to forte que, quando terminava o candombl, os ogs precisavam refazer
os atabaques, pois molhava o couro e dificultava a afinao dos mesmos. No tinha carro para levar
as pessoas ou busc-las, o que obrigava a todos irem andando at as suas casas, nos bairros distantes
do centro, aonde chegavam molhados e com as roupas sujas do massap.
Nesse sentido, as pessoas envolvidas com a organizao do festejo construram formas de sociabilidade, no intuito de reorientar suas prticas religiosas. Elas elaboraram estratgias para reinventar
tradies na circulao e utilizao do espao pblico, como uma forma de territorializar os valores
de matrizes africanas, no Largo do Mercado. Quem participava do Bemb eram as pessoas dos terreiros, moradores da periferia da cidade. Alguns moradores das ruas centrais de Santo Amaro que no
participavam dos festejos falavam do barulho e sentiam-se incomodados com os dias de festas. As
mocinhas da cidade, filhas das famlias de elite e setores mdios, eram proibidas de ir s festas dos
pretos da cidade. Nesse contexto, o Bemb foi acontecendo sem muita divulgao, embora rarssimas excees ocorressem: alguma senhorita transgressora, por exemplo, que fugia para apreciar,
distncia, os festejos to mal vistos pelas famlias tradicionais46 da poca; ou um ou outro senhor
bem afeioado e comovido com as prticas dos negros da cidade e rapazes que circulavam com maior
liberdade nas ruas, quando se batia o Bemb. Mesmo assim, nem todos se sentiam estimulados a
apreciar.
Assim como o Bemb, todas as manifestaes e brincadeiras eram realizadas pela comunidade: o
Lindro Amor, os ternos que saam nos carnavais da cidade e outras manifestaes, como maculel e
capoeira. Segundo os interlocutores, quando Roberto Leone se tornou prefeito, em 1966, resolveu
financiar os festejos. Alguns se lembram da sua popularidade, e pessoas da comunidade falaram sobre
como ele incentivava as manifestaes dos bairros mais populares. O poder pblico comeou a interferir nos festejos do Bemb, cedendo carros e ajudando nas compras das oferendas. Os interlocutores
tambm lembram que houve um perodo em que outros prefeitos, ao colaborarem com o Bemb,
liberavam o carro que fazia a coleta de lixo, para levar o Presente at a praia.
Em alguns momentos, a oferenda para Iemanj era colocada em praias, como Cabu e Madre Deus,
mas, segundo os interlocutores, sempre acontecia algum evento que demonstrava a insatisfao dos
orixs. Por ltimo, decidiu-se colocar em uma praia que fizesse parte do municpio de Santo Amaro.
Dentre esses eventos, atribudos s proibies ou no permisso, que aconteceram a partir da dcada
de 1950, fala-se no acidente automobilstico que aconteceu, em 1956, com o delegado da cidade que
no autorizou o candombl, sob o pretexto de que se fazia muito barulho, incomodando as famlias conceituadas que moravam no entorno do cenrio da Festa47. Em 1958, o Bemb continuava
Conjunto de cantos e danas que ocorre nos dias do Bemb, quando se homenageia cada orix, seguindo uma lgica
mtica.
46
Maria Mutti conta em entrevista realizada no dia 20 de maio de 2011, que ia escondido com seu irmo pela beira do rio
apreciar, s escondidas, o Bemb. Cf. MACHADO, A., 2009.
47
Segundo entrevista com Zilda Paim, o delegado que probe a festa um senhor de nome Francisco Veloso, casado com
a madrinha da entrevistada. Cf. MACHADO, A., 2009.
proibido. Naquele ano foi registrada pelos jornais da Capital a catstrofe de 23 de junho de 1958, no
Mercado da Cidade.
Lembro muito, no foi um incndio, do ttulo de incndio, mas no foi um incndio,
foi uma exploso: as barracas de fogos que ficavam ao lado do Mercado, o mercado
grande, ali onde fica hoje o Mercado de Peixe. Armava-se uma barraca de madeira; era
de seu Raimundo Leite e mais um pouco adiante a barraca de Sr. Aristides, que ele fez
de cimento armado, ele armava para vender fogos. Ento ningum sabe, nem se chegou
a uma concluso, uns dizem que foi curto circuito na barraca, outros dizem que foi um
cigarro aceso que jogaram aceso para dentro da barraca, mas naquele tempo no tinha
tanta tecnologia para descobrir as coisas, no isso? [...] O fogo comeou na barraca de
madeira e imediatamente passou barraca de cimento armado. Foi ela que fez o maior
estrago, pois atingiu gente at o outro lado do rio, os pedaos de cimentos atingiram as
pessoas, morreram animais, todas as pessoas que estava naquela rea sofreu o impacto e
morreu. Morreu cento e tantas pessoas [...] (Zilda Paim, numa entrevista concedida em
maro de 1997)
Mediante esses acontecimentos, os adeptos atriburam tais fatos a no autorizao do Bemb e, por
conseguinte, dos preceitos que o caracterizam. A interpretao de que a no realizao das obrigaes estaria causando infortnios para as pessoas da cidade fomentava a ideia da necessidade de se
retomar as celebraes para a Me Dgua.
Mesmo diante desses argumentos, as autoridades mantinham os festejos proibidos, pois associavam
a interpretao acima a supersties e crendices dos populares. Assim, como lembra Zilda Paim (entrevista em 1997), em 1959, tambm no houve Bemb. Dessa vez aconteceu enchente, mais um fato
atribudo a no realizao do Bemb. Os comerciantes da cidade tiveram grandes prejuzos.48 Essa
proibio da Polcia em relao ao Bemb se deu at, mais ou menos, finais dos anos 1960, quando,
aos poucos, o Bemb vai se tornando uma obrigao imprescindvel para as comunidades de terreiros. Nesse contexto, Euclides Santos, o Babalorix consagrado a Yans Igbale,49 institucionaliza o
ritual por, aproximadamente, trinta anos, tornando-se o responsvel pelo Bemb do Mercado. Priorizaram-se o terreiro Il Erume-F, que j esteve sob a liderana de Tidu e, atualmente, regido por
Donlia, o Il Ax Omim JJarum, mais conhecido como terreiro Viva Deus de Santo Amaro,
um dos mais antigos da cidade, atualmente regido por Maria Umbelina Anjos Pinho e o terreiromatriz do Il Ax Oju Onir, que vem realizando a Festa desde 2005.
O INCIO DA CONSOLIDAO DO BEMB
O terreiro Il Erume-F foi cenrio dos rituais da Festa do Bemb por pelo menos trs dcadas,
at que seu regente, o babalorix Euclides Silva, morreu aos sessenta e um anos de idade. Pedreiro
de profisso, quando faleceu deixou o terreiro sob a liderana da ialorix Maria Donlia dos Santos,
consagrada ao orix Xang. Euclides Silva, mais conhecido como Tidu, era um homem polmico e
sedutor. Muitas mulheres o disputavam, sendo motivo de diversas contendas entre elas. Alguns res-
45
74
48
As enchentes so um acontecimento recorrente em Santo Amaro, trazendo prejuzo, desabrigo e infortnio para muitos
moradores da cidade e circunvizinhana.
49
Orix, yab, tambm conhecida como Oy-Igbale, que se caracteriza por conduzir os eguns. Suas vestes so brancas; bastante respeitada nos cultos Lesse-Egun; os filhos e filhas desse orix esto relacionadas ao mundo dos Igbals, lugares altos.
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saltavam seu temperamento audacioso e sua capacidade de resolver quaisquer assuntos relativos
macumba, enquanto outros acentuaram um perfil afetuoso e sua irrestrita paixo por Ians, orix
a que foi consagrado.
Nas narrativas, a trajetria de Tidu aparece relacionada mais diretamente a cinco pessoas, que so
consideradas importantes lideranas dos candombls em Santo Amaro: Non50 e Valeriana, Noca e
Ldia, e Umbelina. Essa ltima, anos mais tarde, seria escolhida como zeladora de seu orix. Contudo,
antes de se tornar filho de santo de Umbelina, Tidu foi og durante dezesseis anos. Consagrado a
Ians Bal, foi confirmado para og na casa de seu Agenor, tambm conhecido como Non da Macumba.
A casa de seu Non localizava-se no Trapiche de Baixo, onde, alm de atender seus clientes, cuidava
dos seus filhos e filhas de santo. Ele contava com o respaldo da afamada ialorix Valria. No entanto,
Valria no possua um terreiro prprio; ela alugava casa e l realizava seus trabalhos e cuidava de
pessoas, cumprindo as obrigaes daqueles que por ventura a procurassem, de forma itinerante. Ao
que parece, Valria, tambm conhecida como Valeriana, assumia um perfil de quem buscava cuidar
dos orixs dos seus aparentados e conhecidos que solicitassem seus servios. Isso decorria dos vastos
conhecimentos que possua. Para tanto, contava com a solidariedade de Noca de Jac e Epifnio Santa Rita, os quais a ajudavam na realizao dos ritos mais complexos, como as feituras e assentamentos
de orixs. A localizao da casa de Non facilitava a movimentao das pessoas do Pilar e de bairros
circunvizinhos. Situava-se em lugar distante do centro, num cenrio favorecido pelos manguezais,
vegetao tpica daquelas reas. O massap contribua para a extrao do barro para confeccionar
taipas e adobes, muito utilizados pelos moradores nas construes de suas moradias, em geral, feitas
de taipa e cho batido, embora j se observassem muitas daquelas casas construdas com tijolos.
Assim, o cenrio comportava aspectos que facilitavam as prticas sagradas e a realizao dos rituais.
Por outro lado, tambm protegia das inoportunas visitas das autoridades policiais. Por ser o Trapiche
de Baixo, no passado, um bairro distante do centro, eram comuns que para l fossem levadas certas
prticas antes repreendidas oficialmente, dentre essas, o candombl e a capoeira. L moravam muitos trabalhadores do cais: tanoeiros, pescadores, capoeiristas e pessoas que participavam da Irmandade do Bom Jesus dos Navegantes. Essa era sediada na Igreja Nossa Senhora do Rosrio, e muitos
daqueles irmos e irms ajudavam nas obrigaes da casa de Non.
interessante atentar para dois aspectos importantes: o primeiro diz respeito difcil tarefa em instituir um terreiro, sendo que as obrigaes eram realizadas de forma itinerante. Valria, mesmo sendo
conhecedora dos fundamentos do candombl, no possua os recursos para comprar sua prpria
casa. Talvez aquela conjuntura no tenha favorecido a compra de um espao para esse propsito. Esse
aspecto da histria dos candombls santo-amarenses est relacionado interpretao de Pars (2006),
quando afirma que as prticas religiosas baseadas no complexo altar-oferenda e sua extenso em
cerimnias pblicas com toques de tambor, danas e manifestaes de mltiplas divindades no corpo
dos seus adeptos, se bem pudessem ficar restritas ao mbito domstico, tendiam a se organizar em
espaos particulares, reservados para esses fins. A complexidade ritual e a manuteno desses espaos sagrados requeriam um dispndio maior de recursos e, consequentemente, a participao de um
50
maior nmero de pessoas. Embora Pars, em sua anlise, esteja se referindo a um perodo anterior
ao ps-abolio, possvel inferir que as condies de organizao do que ele denomina como complexidades rituais, em algumas reas foram acontecendo de forma lenta, medida que as comunidades
relacionadas s prticas religiosas foram construindo mecanismos para se reorganizarem, tanto material quanto estrategicamente, no intuito de legitimarem seus anseios em fixar esses espaos.
Nos anos da dcada de 1950, para que as comunidades vivenciassem tais prticas sagradas, era necessrio organizar as casas. Antes, as prticas eram realizadas sem exigncias externas, uma vez que
havia uma crescente urgncia em consolidar os terreiros e casas. Nesse sentido, os locais onde os
cultos aconteciam precisavam estar de acordo com os critrios exigidos. Casas de santo e terreiros
tinham que ser registrados. Entretanto, poucas, ou nenhuma, tinham o registro exigido. Foi neste
contexto que o Bemb passou por diferentes proibies, pois, no possuindo registros, as casas ou
terreiros eram impossibilitados de realizar os imprescindveis rituais do festejo do Bemb. Segundo
afirmou Zilda Paim que, poca, foi escolhida como delegada dos cultos , naquele perodo, as
casas e terreiros deveriam obedecer a certos critrios para serem reconhecidos; deveriam estar vinculados a um terreiro- matriz, devendo o zelador ou zeladora dos orixs ter seus terreiros registrados.
Tais exigncias garantiam que os envolvidos j teriam passado por uma iniciao, com apresentao
em uma festa pblica, a qual tivessem dado o nome ou dijina, ou orunc51. Esse ato constitua o reconhecimento do iniciado diante das comunidades, tornando legtima sua pertena a uma casa ou a um
terreiro de candombl.
At a dcada de 1950, antes da primeira proibio da Festa do Bemb, indivduos como Non viviam
suas prticas sagradas respaldados pelas pessoas da comunidade que ali iam buscar seus servios e
acalantos. Inclusive o Bemb, como j foi dito, era realizado pela comunidade, sendo os pescadores responsveis pela sua organizao, muitos dos quais tinham ntima relao com o candombl.
Considere-se o caso do og Jeovzio, que tambm era conhecido como Menininho. Embora fosse conhecedor dos fundamentos da nao angola, como tambm de outras naes, fugiu do terreiro onde
iria ser iniciado, no chegando a ser confirmado. No entanto, ele foi uma das pessoas que realizavam
os fundamentos do Bemb. Nessa poca, as oferendas eram feitas sem sacrifcios votivos de animais,
exceto os feitos para Exu. As oferendas eram comidas secas52, ofertadas tanto a Oxum quanto
a Iemanj. Mas havia a celebrao pblica, onde os adeptos danavam e cantavam e os populares
contribuam levando flores, perfumes, como tambm ajudavam nos livros de ouro, onde assinavam e
disponibilizavam certas quantias em dinheiro.
Entretanto, com as constantes proibies e interferncia das autoridades na realizao das comemoraes, era necessrio articular algumas estratgias, em contraposio aos argumentos utilizados pelas
autoridades e pelas famlias que residiam nas ruas centrais da cidade, que justificavam a proibio da
Festa, alegando que aconteciam situaes constrangedoras, pois as comemoraes eram realizadas
sem o devido respeito, as pessoas bebiam demais, mulheres de vida fcil circulavam nas ruas, tomadas de liberdade e expondo as famlias respeitosas. Descreviam a festa como um antro de bagunas e
bebedeiras e alegavam que os terreiros no possuam registros. Assim, para as cerimnias do Treze de
Maio acontecerem, a partir de 1950, foi necessrio atender exigncia do reconhecimento externo
51
Nome que os iniciados recebem ao serem apresentados para a comunidade, quando de sua primeira sada, aps suas
iniciaes.
52
Gros cozidos de acordo com o fundamento do orix.
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77
comunidade, o que significava dizer, que as casas ou terreiros deveriam estar devidamente registrados,
para realizar o Bemb.
As narrativas apontam para as redes de relaes estabelecidas que contriburam para a consolidao
dos terreiros e, consequentemente, para a manuteno da Festa. Um dos elementos, identificado na
narrativa da antiga delegada do culto, dizia respeito clandestinidade em que se praticavam os rituais sagrados. Em relato, Noca53 demonstra que sua aproximao de Ldia contribuiu para a consolidao de uma das casas significativas e que, por conseguinte, tambm influenciou para a retomada da
festa pblica do Bemb, tal como conhecemos hoje. O lao de solidariedade estabelecido entre o og
e a ialorix repercute, anos mais tarde, na trajetria de Tidu, quando ambos ajudavam, respaldando
os barcos recolhidos no terreiro de Tidu. Eles auxiliavam nos recolhimentos dos abis e tambm
participavam das feituras.
O casamento entre Tidu e Lurdes possibilitou que o primeiro tivesse acesso a um tipo especfico de
conhecimento em algumas prticas do candombl que s os mais graduados na congregao possuem. Ele organizava barcos, mesmo quando ainda era og, e, nessa tarefa, contava com a colaborao de Ldia. Umbelina comenta que Tidu, quando ainda era og, responsabilizava-se por muitas das
obrigaes do terreiro onde sua ex-esposa, Lurdes, tambm era ialorix. Muitos barcos,54 inclusive,
foram formados por ele, mas quem realizava as obrigaes de maior fundamento eram Ldia e Noca
de Jac. Comenta ainda que, aps dezesseis anos da sua confirmao como og, Ians Bal comeou a
se manifestar, exigindo que o mesmo fosse iniciado, s que, dessa vez, ele deixaria de ser og para ser
rodante55. Dessa forma, com esse atributo em manifestar o orix, Tidu poderia, como o fez, assumir o
posto de babalorix. Foi recolhido56 em seu prprio terreiro e Umbelinha foi a pessoa escolhida por
Tidu para cuidar de Ians. Belinha passou a ser sua zeladora. Houve a necessidade de nova obrigao,
s que, dessa vez, sua iniciao seria uma preparao diferenciada daquela quando de sua confirmao
para og.
Esse aspecto da trajetria religiosa de Tidu assunto delicado, uma vez que no comum nos candombls algum confirmado para og receber orix57. importante salientar que, segundo o modelo
das casas tradicionais, esse um dos aspectos que levaria um determinado terreiro de candombl a ser
questionado em seus critrios de seriedade. Nos candombls que reivindicam para si a to analisada
concepo de pureza (GIS DANTAS, 1982, p. 199), fenmenos como esses so sigilosos, no
ditos, ou tidos como motivo de questionamentos da seriedade do processo inicitico do individuo.
Entretanto, vale tambm salientar que no h um cnone rgido para o candombl. Acontecimentos
dessa natureza podem ser analisados a partir da experincia histrica do grupo e das circunstncias
nas quais os atores esto envolvidos. Tidu foi iniciado segundo os preceitos do Ketu, embora o terreiro Viva Deus, que Umbelina regia, fosse reconhecido como Nag-vodum. Tambm importante
Entrevista realizada em 1997, no Abaixadinho, local onde ele passava as tardes recebendo as pessoas que necessitassem
consultar os bzios que jogava. Cf. MACHADO, A., 2009.
54
Conjunto de pessoas que sero iniciadas no processo de feitura.
55
Algum que incorpora o orix.
56
Colocado no ronc, quarto sagrado onde se fica recolhido, por um certo tempo, para aprendizado dos segredos rituais, foi
submetido s cerimnias de iniciao.
57
Um dos critrios para ser og a no incorporao do orix, uma vez que as atribuies dos ogs realizar atividades
que exigem que eles no estejam em transe.
53
78
relembrar que Tidu j tinha seu prprio terreiro e, h algum tempo, trabalhava realizando ebs e outros
trabalhos. O que se pode conjecturar sobre a iniciao realizada por Belinha que, no candombl,
onde no h um cnone especfico que regule tais fenmenos, aspectos como esses podem ser interpretados como uma espcie de estratgia, uma vez que seria necessrio legitimar as prticas que Tidu
j realizava h tempos.
A feitura de Tidu e o registro de sua casa so algumas das referncias das redes de solidariedade estabelecidas pelo grupo. As prticas foram reelaboradas e ressignificadas. Em outras palavras, muitos
aspectos que serviam como referncias de critrios para aquela comunidade foram fenmenos que
suplantaram o modelo e as explicaes da conhecida concepo da pureza nag,58 porque foram
respostas dadas trama daquela realidade, e nem por isso aqueles homens e mulheres deixaram de
vivenciar, de forma rigorosa, sua religiosidade. A necessidade da feitura de Tidu e a explicao de
que Ians exigia que o mesmo fosse raspado, para ento cumprir um destino, tornando-se babalorix
merece uma reflexo. Acredita-se que um dos motivos da feitura de Tidu para se tornar babalorix,
dizia respeito sua manuteno, no campo religioso, ou seja, de legitimar o prestgio que j possua,
nos anos em que auxiliava Lurdes em sua funo de ialorix.
Manter-se no campo religioso (afirmar a legitimidade de continuar atuando) implicava continuar realizando as obrigaes, bem como preservar o terreiro sem a interferncia da Polcia e do poder pblico.
O imaginrio, presente nas justificativas e explicaes frente aos problemas, sinaliza que as estratgias
encontradas tinham como critrio a perspectiva mtica do sistema religioso e da relao com a viso
de mundo, que era instituda a partir das experincias com o universo do candombl, universo esse
que assumia contornos polticos, cujas consequncias foram a retomada da Festa do Bemb e consolidao dos terreiros. A sugesto que Tidu, alm dos atributos religiosos que possua, manteve um
trnsito social que influenciou de forma decisiva a preservao da Festa do Bemb.
Os fenmenos naturais, como as enchentes e o acidente que aconteceu na vspera do So Joo, no
Mercado, envolvendo duas barracas que comercializavam fogos, serviram como importante justificativa para reivindicarem a necessidade de se realizar a festa pblica do Bemb que, apesar da no
permisso, os pescadores continuavam a praticar, colocando suas oferendas ao mar. Nesse sentido,
as calamidades que envolviam a retomada do Bemb podem ser compreendidas como fazendo parte
das estratgias elaboradas para manter os festejos de acordo com os preceitos do candombl. Mas,
alm de estratagemas, essas atitudes precisam ser compreendidas como forma de relacionamento
daquelas pessoas com a realidade que experimentavam. Por isso, importante salientar que a tica
de compreenso tinha como base o sistema de explicao do mundo a partir da lgica concernente
aos candombls e, por essa lgica, as obrigaes so imprescindveis para a mudana do destino dos
adeptos, como tambm so importantes atributos para ampliao da ventura.
Em Santo Amaro, o perodo das dcadas de 1950 e 1960, em que o Bemb do Mercado passa por
diferentes proibies, est relacionado com o controle e represso sofrida pelos candombls na Bahia.
Como resultado das lutas para manter os candombls num contexto subsequente dos anos da dcada
de 1970, houve a organizao das coordenaes regionais dos cultos afros, e, para estar associado, era
Muitos dos trabalhos escritos sobre os candombls tomam como referncias fundamentais os modelos dos candombls
nags que esto em Salvador. Esses trabalhos acabam por reiterar um modelo especfico e, de certa forma, condiciona-nos
a perceber a lgica do candombl a partir de um tipo ideal.
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necessrio cumprir certos preceitos. Esse fato no deixa de ser importante para os candombls que
estavam fora do eixo da Capital, pois era a possibilidade de ter suas casas e terreiros socialmente reconhecidos. Esses candombls no tinham a anuncia de pessoas de destaque, no universo miditico.
Embora as articulaes com pessoas de prestgio social seja, sem dvida, um dos elementos que contriburam para a manuteno dos espaos sagrados, necessrio perceber as diferenciaes locais e as
circunstncias em que se deram aquelas articulaes.
Em Santo Amaro, as exigncias por parte das coordenaes dos cultos no eram feitas por algum
que fazia parte do candombl ou que tivesse a mesma perspectiva e viso de mundo das comunidades
onde esses candombls estavam situados. Dessa forma, os critrios para legitimar as prticas, com
suas casas e terreiros, sem a visita espordica da Polcia, que inibia as atuaes abertas a um pblico
mais amplo, passavam pela anuncia da visita da delegada do culto, que, no contexto do ano de
1976, era Zilda Paim. Numa anlise mais atenta para o sentido do termo delegada, pode-se deduzir
que os cultos passariam por certo policiamento. Isso pode explicar algumas das querelas que envolviam Tidu e a professora Zilda Paim. Eles viviam em constantes conflitos. Zilda considerava-se uma
espcie de representante da cultura afro de Santo Amaro, e Tidu certamente no se subordinava s
imposies que, possivelmente, poderiam advir do jogo de poder exercido pela professora Zilda. Ela
mesma admitiu que a relao entre eles era tensa:
[...] Tudo dele s fazia por dinheiro, da que no ano que o governo de Valter Figueiredo,
eu tomei a frente, tomei uma vez da mo dele, ele disse que ia me d a resposta, fazia l
no sei o qu, usou um termo, eu disse pode fazer, porque em mim nada pega, tu entendeu? [...] (Paim, numa entrevista concedida em 1997)
Devido ao trnsito que tinha na comunidade, Zilda foi escolhida para delegar o culto afro santoamarense, mesmo sem ter sido iniciada em nenhum dos terreiros da cidade. Um dos argumentos utilizados por parte do poder pblico para manter a Festa do Bemb proibida, era que a festa no estava
obedecendo aos critrios rigorosos exigidos nos rituais do candombl e, por isso, a festa era feita com
baguna, no se cumprindo os resguardos necessrios, ou seja, os candombls no eram registrados.
Isso comprometeria a seriedade do Bemb, bem como a dimenso financeira da Festa.
criterioso rigor que a delegada mencionara, pode-se suspeitar que houvesse certo controle sobre as
prticas, como tambm uma maneira de estabelecer possveis relaes de subordinao, que, sutilmente, os adeptos dos terreiros buscavam desarticular.
Zilda demonstrou, em sua narrativa, aspectos dos embates que teve com Tidu. Suspeitava de suas
atitudes; dizia que ele era capitalista e no ritualista; ele era og. E, dessa forma, ela questionava a legitimidade religiosa dele para a realizao dos rituais da Festa. Certamente Tidu viveu muitas querelas
para se fazer respeitar e para manter o Bemb, o que tambm no fez sozinho. Sendo assim, a feitura
e a reorientao de og para babalorix tm a ver com a legitimao de seu status e a possibilidade
de manter-se dirigindo seu candombl. Por outro lado, ao tornar-se delegada do culto afro em Santo
Amaro, certamente Zilda utilizava critrios e modelos alheios definio do grupo como argumentos
para coibir ou permitir a realizao dos festejos. No obstante os aspectos argumentados, naquele
momento foi estratgico estabelecer uma relao de dilogo com a delegada, pois isso poderia facilitar a realizao dos festejos nos candombls, medida que ela intermediava a relao com o poder
pblico.
A institucionalizao dos rgos regionais possibilitava a manuteno do culto e, de certa forma,
contribuiu para disciplinar e controlar as casas e terreiros da cidade. As estratgias dos pais e mes de
santo foram, certamente, no sentido de respaldar a casa de Tidu. Ele parecia reunir as condies para
liderar os embates vividos na manuteno do Bemb. Entretanto, necessrio analisar que, por trs
do prestgio de Tidu, havia o respaldo das ialorixs mais velhas e dos ogs mais respeitados. Ldia e o
og Noca estavam ligados a ele por laos de considerao e relaes religiosas. O og Noca afirmava
que sua av de santo era uma senhora conhecida como Maria Nen, que realizou obrigaes em
muitos dos sacerdotes e sacerdotisas, poca. Nesse nterim, terreiros como O Viva Deus de Santo
Amaro, que tinha como nao Nag-vodum, receberam profundas influncias da nao Angola, uma
vez que Epifnio Santa Rita, aps obrigao feita com ela, passou a incorporar um caboclo, Toco de
Coral. Mas a predominncia litrgica do terreiro eram os fundamentos do keto e do jeje. H uma longa
trajetria at a manuteno do Bemb, medida que o terreiro de Ldia era um dos poucos que podia
respaldar as obrigaes realizadas na casa de Tidu, que ainda era og. Havia tambm o Viva Deus,
onde Noca e Faninho, alm dos laos de amizade, possuam vnculos religiosos.
Eu fui a primeira delegada, fui quase oito anos. Quando precisava bater Bemb, tirava ordem comigo; eu como delegada quem autorizava. Era necessrio dizer qual era a festa,
ou seja, a homenagem a que orix, horrio de bater e dia. Se chegasse algum da Polcia
ali, eles tinham autorizao. Por causa disso era necessrio registro. (Zilda Paim, numa
entrevista concedida em 1997).
Os motivos que levaram Zilda condio de delegada do culto afro no foram explicitados. Ao que
parece, ela tanto tinha prestgio entre os adeptos dos candombls como tambm circulava nas esferas
do poder. Nesse sentido, o lugar de Zilda Paim na sociedade santo-amarense sugere os caminhos de
legitimao e respeitabilidade que as comunidades de terreiro deveriam percorrer. Os critrios que
ela apontava como forma de decidir quem iria se responsabilizar pelo Bemb diziam respeito a um
julgamento moral, segundo o qual era ela mesma quem definia os padres. Acreditava que muitos
esculhambavam a seriedade dos rituais, pois se vestiam de preto, bebiam e no respeitavam os preceitos do candombl. O mais interessante que ela prpria no viveu a experincia da iniciao no
candombl. Chama a ateno o fato de Zilda ser algum de fora do sistema religioso. Por trs desse
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Linha do tempo Da
Festa do Bemb do Mercado
No dia 13 de maio
acontece a primeira
celebrao do Bemb
do Mercado. Joo Ob
armou um barraco,
fincou um mastro
com bandeira branca
e bateu os tambores
em homenagem aos
Orixs, como forma
de celebrar o fim da
escravido, quando foi
realizada a entrega do
presente me dgua,
na localidade de So
Bento das Lajes.
Fundao do Terreiro
Il Ax Omin JJarrum,
mais conhecido como
Viva Deus, na cidade de
Santo Amaro da Purificao pelo Babalorix
Epifanio Santa Rita.
1887
1888
1889
Atrs de Besouro,
O tenente mandou a cavalaria
No estado da Bahia
Morte da Princesa
Isabel na Frana.
(autor desconhecido)
1920
1921
1924
1940
1956
1958
1959
(continua)
Zilda Paim
88
Morte de Besouro
Mangang.
Felipe Santiago
89
1960
1966
1970
1976
A Festa do Bemb
do Mercado tornase patrimnio do
Estado da Bahia
atravs de Decreto
n 14.129/2012.
O Babalorix Jos
Raimundo dos Santos (Pai Pote), foi o
responsvel pelos
festejos do Bemb,
e nos dois anos que
se seguem.
Ialorix Donlia.
1988
1993
1995
2006
1998
2012
(continua)
Ldia filha de
Oxal, com a digina
Bandacuenum, ns
estamos precisando
de voc para decidir a
responsabilidade que
Valria filha Nana
e Oxal, deixou esse
cargo para voc!
Fundao da organizao
das Coordenaes Regionais
dos cultos afro brasileiro em
Santo Amaro.
Noca de Jac.
Fundao do Terreiro Il
Ax Oj Onir do Babalorix Jos Raimundo dos
Santos (Pai Pote).
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91
Neste ano, um
dos organizadores
do Bemb foi o
Babalorix Gilson
do Terreiro Il Ax
Omorod Oluai
2013
2014
Incluso da Festa do
Bemb do Mercado
no Livro de Registro
Especial de Eventos e
Celebraes. Neste ano
tambm se comemora o
125 de realizao desta
Celebrao, nica em
todo territrio nacional.
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Conta Belinha que sua vida foi marcada por trabalho rduo. Comeou desde cedo, aos oito anos de
idade, quando trabalhava na roa, na Usina Santa Elisa. Foi lavadeira, costureira e realizou servios
domsticos. Tambm trabalhou em um local chamado Bananeiras. Casou-se com um ferrovirio. A
ialorix diz que a famlia do seu esposo no aceitava aquela unio. O fato de ser negra e do candombl foi, para Belinha, o principal motivo que a impediu de ter reconhecido o seu direito a penso,
aps a morte do seu cnjuge. Durante muito tempo sobreviveu fazendo cabelos, utilizando um ferro
especial. Essa prtica representou uma das principais fontes de renda de muitas mulheres pobres da
cidade.
A biografia dos personagens demonstra, de certo modo, como suas vidas de mltiplas formas podiam
manifestar a constituio de um imaginrio e, consequentemente, uma explicao do mundo, a partir
das referncias construdas no mbito da cultura do universo mtico religioso do candombl.
Donlia regia o terreiro Il Erumi-f e, aps a morte de Tidu, continuou a realizar a Festa do Bemb,
nos anos 1995, 1996 e 1997. Afirmou que o candombl era limpo, era na raiz do Ketu, sem azeite,
tudo branco. Os rituais eram realizados sem azeite, sem matanas nas ruas, o Presente saa do terreiro (DONLIA, 2008)59. Ressalta ainda que foram trs anos na mesma origem.
Nos anos que se seguiram morte de Tidu, ficou estabelecido que os terreiros passassem a ser escolhidos atravs de sorteios, determinando-se, assim, o lugar de todos que iriam participar. Esses
sorteios ainda so realizados, nos quais tambm so estabelecidas as condies de realizao da Festa.
Em 1998, quem realizou a Festa foi Celino.
Foi neste contexto que a comunidade decidiu pela participao de todos os terreiros no Xir da festa.
Nicinha comenta que o Bemb estava passando por dificuldades; contava com pouca gente. Diante
dessa situao, a comunidade decidiu que, embora um nico terreiro seja o responsvel pelas cerimnias litrgicas, todos os outros deveriam participar, pois uma s famlia. Sob a liderana dela e de
Pote, eles retomaram a participao dos demais terreiros.
Noca de Jac, av de santo de Ldia, decidiu entrar para o candombl aps uma famosa briga com
um dos seus amigos, por causa de uma mulher. Assumiu, assim, o que considerava a nica herana
recebida do seu pai biolgico, esse tambm zelador de terreiro, que atendia clientes tanto de Santo
Amaro e arredores, quanto os vindos do serto. Noca de Jac tinha como nome de batismo Ernesto
Ferreira da Silva. Era neto do africano Bojo e da africana Vitalina e diz ter herdado do pai, Jac, alm
do apelido, a responsabilidade com os orixs. Conta que foi recolhido num terreiro na Pitanga, mas
fugiu do ronc, antes de ser iniciado como og. Ele argumentou ter sido um homem de temperamento
difcil, dado a brigas. Resolveu assumir o orix aps ter sobrevivido a um tiro, resultado da briga
com um homem conhecido como Baiano, por causa de uma mulher que morava no Beco do Rocha.
Noca concluiu que o candombl mudou sua atitude, diante da vida. Logo depois do falecimento da
ialorix Valeriana, sua aparentada na famlia do candombl, ele se responsabiliza pela integrao da
nova herdeira, a ialorix Ldia. A herdeira da casa de Valria, segundo o if indicava, era uma pessoa
de Oxal. Dessa forma, ele, o og Noca de Jac, foi at o lugar onde Ldia trabalhava, para traz-la,
com o intuito de que ela assumisse aquilo que seria sua misso.
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poucos que podia respaldar as obrigaes realizadas na casa de Tidu, que ainda era og. Havia tambm o Viva Deus, onde Noca estabeleceu laos de amizade, como tambm de parentesco espirituais com Faninho.
O IL AX OJU ONIR
Jos Raimundo, tambm conhecido como Pote, consagrado ao orix Ogum, 45 anos, vinte anos de
iniciao no candombl, alega ser da 4 gerao do terreiro Il Ax Omim JJarum, fundado em 1887,
por Epifnio Santa Rita. Quem o iniciou foi a zeladora Umbelina Santos Pinho, tambm consagrada
para o orix Ogum, a mesma que iniciou Tidu e lhe deu o dec, cargo que um indivduo recebe, aps
alguns anos de iniciado, cujo critrio fazer os sete anos de obrigaes. Belinha, como tambm conhecida, a sacerdotisa e regente do terreiro Viva Deus, aps o falecimento da antiga responsvel,
Avelina Cardoso dos Santos, e da equede Etelvina. Jos Raimundo foi o babalorix responsvel pelo
Bemb desde 2006 e continuou nos anos posteriores. Seu terreiro Il Ax Oju Onir, de nao Ketu,
foi o cenrio dos rituais de fundamentos da Festa do Treze de Maio, que, por sua vez, so fechados
aos no iniciados.
Ldia, filha de Oxal, com a digina Bandacuenum, ns estamos precisando de voc para
decidir a responsabilidade que Valria, filha de Nana e Oxal, deixou esse cargo para voc!
(Noca de Jac, numa entrevista concedida em 1997)
Nesse contexto, no qual Ldia escolhida para assumir as responsabilidades deixadas por Valria,
que se conjugam laos importantes entre Noca e Ldia. Em meio a valha-me Deus e as Aves Marias,
que Ldia pronunciava, assustada com as responsabilidades que lhe eram atribudas e pela pouca idade
que tinha, Noca a apaziguou:
Ag! Vocs escutem o que vou responder para Ldia, filha de Oxal, Bandacuenum. Ldia,
filha de Oxal, Tata Regi og de cavungo de Amungongo, o que vou prometer a voc; se
eu tomar leite voc toma, se eu comer farinha voc come, se eu beber gua voc bebe, se
eu passar fome eu passo junto com voc, se eu ir para beira do passeio eu to junto com
voc. (Noca de Jac, numa entrevista concedida em 1997).
Foi assim que Ldia assumiu o cargo: com a colaborao irrestrita de Noca, em decorrncia da sua
relativa boa condio econmica. Trabalhou na Cooperativa da Bahia como tanoeiro, cortando a
madeira para montar barris, vivia no cais e era conhecido dos pescadores. Tempos depois, foi trabalhar com Simes Lopes de Almeida. Referia-se a esse senhor com deferncia e dizia que, graas ao
trabalho que desenvolvia no armazm de fumo de Simo, ele tinha construdo as condies materiais
que possua. Trabalhava cortando e prensando o fumo para comercializar, chegou a orientar alguns
homens, ocupando a funo de supervisor.
A construo do terreiro Il Ia Oman foi o desdobramento da herana recebida por Ldia. um dos
aspectos importantes dos laos que foram estabelecidos por ambos. Uma vez que o prprio Noca
comentou, de forma pesarosa, que Valria no conseguiu as condies para ter seu prprio terreiro
em vida, a consolidao do seu ax concretizada pela interveno de Noca, ao contribuir para a
construo do candombl do Bonfim.
O terreiro Oju Onir foi fundado nos anos noventa. Pote afirma que, quando criana, j fazia parte
da Festa, ajudando Tidu e, posteriormente, Ldia, quando essa se responsabilizara pela organizao
da Festa, alguns anos aps a morte de Tidu. Explica que a Prefeitura assumiu a logstica da Festa,
financiando a compra dos bichos e gros que seriam ofertados aos orixs e destinando uma pequena
ajuda de custo para os terreiros que participam da Festa, como tambm disponibilizou os carros e a
alimentao dos adeptos que levam as oferendas para o local onde sero entregues os presentes.
RESSIGNIFICAO E
APROPRIAO DA FESTA
Na trajetria do Bemb, o ano de 2009 pode ser considerado um marco, pois foi quando a Festa
foi redescoberta, a partir de seu potencial mercadolgico. Com a introduo da lgica da produo
cultural, foram elaborados projetos destinados a rgos pblicos federais e estaduais, buscaram-se
patrocinadores, organizaram-se palestras, e os grupos polticos e de movimentos sociais perceberam
o potencial poltico dos festejos. Pde-se observar que, em palcos armados, artistas locais e regionais realizaram shows, sob o pretexto de que, se no fosse desse modo, as pessoas no iriam para os
festejos. O desdobramento dessa movimentao toda em torno da Festa foi o lanamento de livros
na Frana, dentre outros aspectos, que no convm comentrios. Observe-se que as comunidades
realizadoras da Festa os terreiros j reivindicaram que no se armassem palcos, pois isso nada
tem a ver com a devoo religiosa do grupo. Os interlocutores dizem que a Festa, no passado, era
composta por: trs barraco, um para o maculel, capoeira, samba de roda, o barraco onde acontecia o Candombl, ou Xir.
H uma longa trajetria at a manuteno do Bemb, medida que o terreiro de Ldia era um dos
Na avaliao dos integrantes dos terreiros, uma medida necessria seria a organizao da Comisso da
Festa, pois, desse modo, poderiam garantir sua autonomia na definio de como seriam os festejos.
Por outro lado, admite-se que os acontecimentos de 2009 possibilitaram maior visibilidade da Festa,
o que resulta, inclusive, no pedido de registro especial da mesma, como forma de preserv-la, bem
como de direcionar seu potencial em favor das diversas comunidades que dela participam.
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Entretanto, ressalta-se que, nas narrativas, que comeavam com os motivos pelos quais os terreiros
se renem para realizar os festejos do Treze de Maio, o Bemb aparece como uma comemorao que
indica o pertencimento dos moradores do Pilar, Ilha do Dend, Trapiche e da Avenida Caboclo a uma
lgica de explicao do mundo, cujas referncias se encontram no sagrado e no religioso.
As lembranas dos entrevistados servem como referncia importante para a compreenso de como
aquele grupo traduziu em seu cotidiano os valores que orientavam suas prticas. Nesse sentido, podese deduzir que, antes da abolio, manifestaes equivalentes ao Bemb j existiam. Inclusive, para
as pessoas que realizam os festejos, Bemb claramente sinnimo de Candombl. A associao da
Festa ao emblemtico Treze de Maio tambm nos permite perceber que tal data foi utilizada como
marco pelos adeptos do Candombl, como forma de comemorar a liberdade e as constantes lutas
que seus ancestrais tiveram que travar nas lutas contra o cativeiro, como tambm de imprimir suas
prprias cores aos festejos da ps-abolio. Outro aspecto diz respeito perspectiva de ressaltar as
experincias das comunidades que tendo como referncia o Treze de Maio como data emblemtica
para relembrar as lutas pelo fim da escravido buscam traduzir, nessa data, as referncias de uma
memria que pudesse ser resgatada e acionada, tendo em vista as referncias civilizatrias que aproximavam as comunidades das lgicas que conferem sentido s suas experincias no mundo onde viviam
e vivem. Era uma forma de posicionamento num mundo que pretendia hostiliz-las, interditando
as lgicas segundo as quais as comunidades dos terreiros evidenciavam e conferiam sentidos s experincias que construram com o fim da escravido.
O Bemb do Mercado forneceu elementos para compreender a consolidao simblica da organizao e estruturao do grupo, medida que a proibio da Festa estava intimamente ligada aos
aspectos da intolerncia das elites santo-amarenses ao conjunto de prticas relativas ao culto religioso.
A proibio do Bemb foi uma das tentativas para reorganizao e controle, por parte das elites e
do poder pblico, sobre as manifestaes religiosas no interior da Cidade. O argumento utilizado
para que o Bemb fosse proibido era de que, l no Mercado, a Festa acontecia em meio a desordens,
e as pessoas responsveis pelos rituais se vestiam de preto, com chapus de cor na cabea. Na contramo desses argumentos, os adeptos passaram a organizar a Festa realizando os atos e fundamentos
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prprios ao culto dos orixs, fato que representa um divisor temporal que respaldaria a realizao do
Bemb de forma institucionalizada e reconhecida pelo poder pblico.
O Bemb foi realizado durante quase trinta anos pelo terreiro de Tidu. Os conflitos travados entre
esse e Zilda, de algum modo, refletiam as situaes que envolviam a manuteno da Festa. A noo
ritualstica reclamada por Zilda pode estar associada figura de Joo de Ob, de quem no h confirmao ou reconhecimento de laos de parentesco nas comunidades de terreiro, tampouco notcias de
pessoas que j tenham vivido sob sua proteo no mbito espiritual.
A Festa tambm se relaciona prtica dos pescadores em colocar presentes no mar, para homenagear
Iemanj. Desse contexto, deve-se ainda levar em considerao que os universos dos pescadores e do
candombl so intimamente relacionados; alguns pescadores eram do candombl, ocupando cargos
de og, ou eram amigos de pessoas da religio. o caso de Menininho que, na dcada de 1930, foi
organizador do Bemb, correndo na comunidade um Livro de Ouro, com objetivo de conseguir
recursos para comprar as ofertas que iriam no balaio destinado Me Dgua.
Quando aconteceu o acidente envolvendo as barracas de fogos no Mercado, o Bemb j estava proibido. Esse um dos fatos que, na memria dos adeptos, estava profundamente associado proibio
da Festa. Discutir a relao de troca do Bemb com a sociedade mais ampla implica compreend-lo,
levando em considerao dois aspectos fundamentais: um que diz respeito memria sobre o tempo
em que no era permitido utilizar o espao da rua, como cenrio para vivenciar as prticas culturais
negras; outro, que se refere ressignificao e apropriao poltica da Festa, por parte de diferentes
setores dominantes da sociedade.
Nesse sentido, a vida dos moradores, seus dramas e explicaes, diante das adversidades que viviam,
foram elementos demonstrativos das lutas que tiveram numa sociedade que lhes negava e continua negando seus direitos bsicos. Entretanto, suas aes encontravam, nas justificativas religiosas,
a adequada orientao. Algumas das lembranas narradas acentuam as escolhas desses atores, como
tambm as suas aes.
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Depoimentos
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tem outra. Ento, quem faz o candombl o respeito, a f que a pessoa tem [...].
Matana
[...] cortamos para Exu, em primeiro lugar, que, para orix, sem a gente cortar para Exu, o orix no
come, Egum no come, Exu no come, templo no come. Tudo tem que ser o Ex primeiro. Da Deus quem vai
continuando para, depois que cortar para os orixs, depois corta para templo, porque tudo isso vivo e precisa do
candombl, nasceu do candombl, apesar que tem muita gente que no acredita, mas existe.
Instrumentos e comidas
[...] os instrumentos so os atabaques, os agogs, os adj, os instrumentos do candombl. Agora, as comidas: Egum come. Voc tem que botar comida para Egum. A comida dele, tudo branco, Exu tambm come, mas
j Exu diferente de Egum. As comidas de Exu, ele pega tudo, topa tudo. Com ele no tem isso, j templo tudo
branco.
Outras manifestaes
[...] capoeira pode participar do candombl, sabe por qu? Porque a capoeira tem quase o mesmo toque do
candombl, no tem diferena, entendeu? E uma festa tambm, e o Maculel tambm. A so quase parentes. E o
samba de roda participa tambm; no um candombl, mas participa, porque o samba de roda para alegrar, para
o povo se distrair. Agora s no pode danar, partir para a dana garrado. A por fora.
Reconhecimento Oficial
Bom, eu acho que o candombl, sendo reconhecido, ele t tendo mais valor que o que tem, porque antigamente o candombl no tinha valor. Quando tocava, a policia vinha para porta atacar os pais de santo e prendia.
Teve um filho de santo que foi levar um eb em certo lugar, para no dizer o lugar, e o filho de santo foi pegado, preso,
apanhou, levou para cadeia, teve que panhar os atabaques do pai de santo, que eu no sei o nome mais, mas foi aqui
em Santo Amaro.
Incndio no Mercado
[...] quando a gente viu, foi o pipoco, a cidade ganhou fogo, o Mercado que vocs to vendo. Aquele
candombl ganhou fogo que matou muita gente; matou gente at c fora que recebeu a bombada do fogo e ia morrer c
perto da ponte. Foi muita morte que teve ento.
CELINO DA PURIFICAO
DA SILVA
Babalorix
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Samba de Roda
Eu tenho um grupo de samba e ns fundamos em 78, todo organizado, registrado, tudo direitinho. Ns
temos maculel, ns temos capoeira, ns temos afox. J viajei muito com esse grupo [...].
Bemb do Mercado
[...] j dancei muita macumba, j tomei muita cachaa nesse Treze de Maio, porque um Bemb que
s existe aqui em Santo Amaro. Esse Treze de Maio, meu filho, eu sei sim, eu lembro de 5 anos. A partir de 5, 6
anos, minha me j me levava era debaixo de chuva, era muita chuva; no tinha cobertura, no tinha barraca [...]
era peixe frito, era passarinha, era caranguejo, era siri, era tripa de porco assada, as cachaa de todo tipo dentro
de lata de gs, dentro da gua, era 3 barraco que fazia: um de capoeira, um de candombl, outro de samba, de
maculel. A festa era essa [...] Sempre participei do Bemb do Mercado com Menininho, com Tidu, hoje com Pote,
e minha vida foi aqui nessa rea, Pilar e Ilha. Tidu fez esse Candombl do Mercado muitos anos. Ento pegava as
pessoas daqui, as meninas, as mocinhas, as senhoras que levava para o Candombl do Mercado.
Modificaes
O Candombl do Mercado quem fazia era os pescadores e o Presente que ia em cima da caamba e isso a
j t ficando melhor, porque antigamente descia de canoa, e no todo mundo que ia para So Bento das Laje com
pescadores [...] no tinha som. Era candombl, maculel, capoeira e samba de roda. No tinha outra atrao. Hoje
em dia tem reggae, tem isso e aquilo.
Shows
Por mim tira, fica atrao que candombl, samba, capoeira e maculel, mas diz que quer que sexta-feira
no tenha candombl; no tem candombl para ter samba! Tem associao de sambadeira para botar 10 samba, 20
samba, 30 samba, se quiser, at de manh. Cada qual faz meia horinha, eu para mim tou assim, a minha opinio,
no, deixa as bandas para o fevereiro, deixa as bandas para o So Joo, d uma oportunidade ao samba; tem muito
samba aqui em Santo Amaro, que antigamente voc procurava e no achava. Hoje voc acha muito. Se voc tomar
uma topada samba, qualquer coisa samba. Hoje tem a Associao de Sambadores, ento tem muito samba, ento
pe samba, gente, pe capoeira, pe maculel!
H quanto tempo acontece o Bemb
[...] acho que tem mais de cento e tantos anos, porque minha av j falava, minha bisav j falava desse
Bemb do Mercado [...].
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Tragdias
[...] vou dizer uma coisa a voc: se no tiver o Bemb do Mercado, tem uma tragdia aqui em Santo
Amaro. 58 [1958] disse que no ia fazer o Candombl do Mercado. Teve um incndio que morreu no sei quantas
mil pessoas. Em 89 disse que no ia fazer o Candombl do Mercado. Teve uma enchente em Santo Amaro; teve que
fazer o Candombl do Mercado. Isso uma tradio; ali no uma brincadeira no; o Bemb do Mercado. Mas ali
tem preceitos, tem respeito, ali tem tudo que um candombl e tem que fazer mesmo, porque ali um candombl no
meio do pbrico [...].
Participao da comunidade
, graas a Deus esse Bemb do Mercado virou uma histria. Hoje nosso candombr, nosso Bemb do
Mercado virou atrao, maravilha. Voc v que Jesus to bom e maravilhoso que choveu anteontem, choveu ontem,
mas hoje vai melhorar, voc vai ver hoje e amanh que maravilha! Voc vai ver a chegada do Presente naquele Barraco. Se voc no se segurar, voc chora [...].
Reconhecimento Oficial
Demorou, meu filho, porque eu pensei que eu ia morrer e no ia alcanar. Tudo que a gente pede ao tempo
tem tempo e vem vitria, porque demorou, porque eu quero amanh. Depois meus filhos, meus netos alcana alguma
coisa melhor, porque a gente t alcanando, cada vez mais melhorando, mas tem meus filhos e tem meus netos para
ver coisas melhores. Demorou. Bemb do Mercado Bemb do Mercado; s tem em Santo Amaro.
MARIA MUTTI
Pesquisadora
Santamarense acima de tudo, nascida e criada aqui, fui para Salvador apenas para fazer faculdade e
voltei, fiz artes, fiz Direo Teatral na UFBA e, depois, fiz Ps- graduao em Recursos Humanos, tambm pela
Escola de Administrao da UFBA, mas sempre fui apaixonada desde a infncia pela cultura popular de
minha terra, por conta de um trabalho de pesquisa que a professora mandou fazer, a professora Elvira Queiroz
[...].
Santo Amaro
[...] Ns temos 2 Santo Amaro: o de ontem, nico e peculiar, o Santo Amaro de ontem seno D.
Pedro no ia visitar Santo Amaro, terra de Manoel Querino, de Assis Valente, Teodoro Sampaio, Jos Silveira,
Monsenhor Sadoc, para falar dos mais antigos, porque hoje as pessoas s se situam em Caetano, Bethnia, Emanuel
Arajo[...] (aqui dentro se fala tambm Jos Silveira e Monsenhor Gaspar Sadoc); e o de hoje, que, em relao ao
Santo Amaro de ontem, a terra do j teve. Hoje ns estamos falidos, hoje coitadinhos de ns! Sinto dizer isso, no
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Shows
[...] a me pareceu um produtor cultural para interferir no processo. O produtor cultural pensa acima de
tudo ganhar dinheiro sobre, n, aquele trabalho. Eles, ingenuamente, se deixaram envolver, porque j encontravam
a infraestrutura montada, no mais que de repente eu estou vendo isso de uns 9 anos para c, talvez 10 -, at
palco para cantor se apresentar, em detrimento at do prprio ato religioso, porque, no ano retrasado, por exemplo, o
pessoal do Bemb estava esperando o show acabar para comear, certo? Ento ai que est a interferncia do processo
cultural autntico do Bemb do Mercado, que a nica expresso de comemorao da abolio da escravatura e que
s acontece em Santo Amaro, desde 1889. preciso que algum realmente de cultura, envolvida com a Prefeitura,
barre esse tipo de procedimento.
Outras manifestaes
[...] com o passar do tempo, nesse mesmo espao, para no ficar s o fato da religiosidade, acabava o
ritual, as pessoas continuavam l. A trouxeram as apresentaes das artes afro, s africanas: maculel, capoeira,
samba de roda, burrinha, nego fugido e tambm petiscos do Recncavo, peculiares da cozinha do negro, muito
peculiar do Recncavo, como a frigideira e a moqueca do maturi, coisas assim, bolinho de estudante feito do aipim do
carim, essas coisas. S tinha esse tipo de coisa, e a bebida, uma ou outra, era a garrafa de foia, era a cachaa com
foia [...]
Continuidade
Pode e tem que ter continuidade, sim, ou o pessoal de santo no se respeita. Eles precisam se respeitar, se
impor e tomar conta de uma festa que deles, s deles. Eles me convidaram para fazer uma palestra tera-feira, na
Cmara de Vereadores de Santo Amaro. Eu disse isso l para quem quiser ouvir: ou vocs assumem, tomam conta
de sua festa e se esquecem de lucro ou no vale a pena. Eu vou desacreditar da religio de vocs, que uma religio
belssima, que representa a cultura negra desse Pas de forma linda autntica e verdadeira, que se impe diante
das pessoas e que o Bemb a nica manifestao no Pas que comemora a abolio da escravatura com dignidade,
atravs da religio do candombl, que vocs esto permitindo que produtores culturais no me interessa quem so
- se envolvam e envolvam vocs tambm com presentinhos, e vocs permitem que eles baguncem com a autenticidade
do Bemb do Mercado de Santo Amaro. Fui aplaudida pela comunidade de pessoas do candombl que estavam na
plateia, na sua maioria. Ento espero realmente, com o tombamento [Registro], que vocs deem o respaldo de que eles
precisam para levarem a coisa com a seriedade que a cultura merece e a cultura do Bemb do Mercado requer.
Reconhecimento Oficial
Se para tombar, se o governo est trazendo pessoas doutas conhecidas do fato, que conhecem o fato, tem
que preservar a sua autenticidade, a seriedade da proposta inicial e manter essa coisa autntica da religiosidade na
sua forma mais original possvel - eu no estou falando em primitivismo -, at que se valesse a pena manter mais
a originalidade, a autenticidade, a simplicidade, o singular dele, do Bemb do Mercado. Seria bom vocs, quando
tombassem [Registro], pudessem determinar alguma lei, alguma coisa que no viesse a sofrer interferncia de pessoas
outras que no pertencem ao meio da cultura negra, que sequer so negros, que nunca conheceram, que esto chegando
agora porque viram ali uma chance, uma possibilidade de ganhar dinheiro, e, se o governo permite isso, quem merece
apanhar o governo, porque muita coisa que acontece em relao a isso o governo tem culpa, porque o governo libera o
dinheiro sem fiscalizar, sem acompanhar o processo, sem trazer algum de cultura na rea para acompanhar [...]
Propostas para Salvaguarda
Eu no sei se seria o caso de se promover uma oficina, porque se trata de uma religio. Agora poderia
ter oficinas no sentido de cuidar dos instrumentistas. Os meninos que tocaram tera-feira do um show no atabaque;
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esses meninos deviam fazer escola, esses rapazes que estavam l, porque quem vai dar continuidade a esse show de
percusso que eles deram l na palestra de tera-feira eu s olhando para eles e dizendo isso: Meu Deus, quem
vai cuidar disso? Agora no tem como fazer oficina de Bemb, que religio, preceito. A no pode eles l, agora
oficina no sentido da percusso do toque das batidas permitidas para festa, os toques da batida da religio, para
os meninos aprenderem para aplicarem l mesmo no terreiro de cada um deles. Cad o levantamento dos terreiros
existentes na cidade, com nome, endereo e nmero de telefone, para contactar essas pessoas, para verificar e entrevistlos? Os pais de santo dos ditos 40 terreiros que existem na cidade, cad? Quem fez essa pesquisa, quem fez esse
levantamento? Quem pode fazer isso o governo, por que ouvir s um pai de santo que est coordenando o Bemb, no
momento; por que no ouvir outros tantos?
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pessoas que esto l envolvidas no candombl, o seguinte, so pessoas que j tm os seus terreiros, ento tm roupa
que t ali, que j usada, que j foi em outro terreiro, que tem que ir para outro terreiro e no vai usar mais aquela
roupa igual a pessoa que trabalha e tem que mudar de roupa [...]
Bemb do Mercado
[...] lugar nenhum tem Bemb com candombl na rua. Santo Amaro tem esse privilgio de ter, dizem os
historiadores no os historiadores [...] que diz que na frica normal ter esse Bemb de rua, mas s aqui tem
esse Bemb de rua. s vezes tem Bemb de rua assim, tem terreiro que vai para praia, faz o Bemb l na rua e vai
entregar o Presente, mas para fazer essa obrigao do Bemb de rua s em Santo Amaro.
Naes dos terreiros
Nao ketu, os terreiros que participam do Bemb, Santo Amaro tem muito a ver com bantu, [...] muito
angola, muito bantu, tem terreiro em Acupe que angola. Eu fiz meu orix, meu oled, eu fiz no nag vodum [...].
H 30, 40 anos atrs, as naes se uniam o jje, angola, ketu com jex com mixicongo, s que os terreiros aqui de
Santo Amaro tem ketu, tem angola, tem muito giro de caboclo, [...] ento, o Candombl do Mercado tem muito giro
de caboclo, umbanda, ketu com nag, angola e nag-vodum.
Quando comeou o Bemb
[...] eu tenho 46 anos. Eu ia pro Bemb desde os 7, 8 anos, mas quando chegou 15, 16 at 25 anos eu
no tinha noo de quantos anos tinha. Eu estava ali por t, como tem pessoas que t sabendo que 122 anos, porque
est colocando no folder, no cartaz de divulgao, marketing que chama, mas ningum tinha noo de quantos anos
tinha o Bemb, [...] mas a gente do candombl no tinha noo de nada como uma religio e uma manifestao
religiosa passada de pai para filho, de amigo para amigo. O candombl no explica nada [...]
Significado do nome Bemb
[...] o importante que Bemb Bemb e vem do Candombl e um fundamento que muito bonito,
muito forte, e acho que isso que d vida e fora e, quando eu entro no Barraco de Bemb, eu sinto muita fora,
qualquer Candombl que eu for de amigo me d aquela fora aquela energia muito boa e, seja l o que for, estamos
aqui h 122 anos.
Indumentria
Os gastos fsicos do Bemb, das roupas - claro que estamos no sculo XXI -, ningum vai para l todo
lascado, como antigamente, de havaiana velha para danar. Sabe que vocs esto l olhando, quer fazer o possvel
para botar uma roupa melhor, mas antigamente era de qualquer maneira: saco de camamao, saia de prstico as
baianas se vestia com os sacos de acar que vinha do engenho, lavava, lavava naquele cho em pedra e fazia na
goma grossa amarela para vestir as saia de chito. Hoje todo mundo tem condio de comprar suas roupa, porque as
112
Modificaes
Teve muita modificao; tem muita coisa modificada. A gente agora pode fazer o que quiser; agora a gente
tem direito de culto. Na verdade, ali tem uma matana que faz na porta do Barraco que com galo. para On
qualquer babalorix sabe disso, que tem que ter para dar caminho a isso que vocs esto fazendo aqui. Naquele
tempo se fazia escondido porque ia preso. No pode matar na frente das crianas. Ento a gente pode fazer: enrola
o galo no pano, segundo a fartura t muito hoje todo mundo pode ter -, bota fruta... O candombl mudou. Na
verdade seguinte: eu acredito at eu j alcancei isso, porque, quando eu fiz santo mesmo, no tinha sanitrio, no
tinha papel higinico, no tinha gua, no tinha muita fruta. A fruta que bota para a obrigao de santo diferente
da de ontem. Ningum tinha dinheiro para comprar ma, quem tinha melo? Qual o terreiro que tinha melo?
Qual o terreiro que tinha uva? Hoje a gente bota uva porque sabe que coisa boa; bota as uvas l para os orix.
Sabe que prosperidade, ento a gente aumenta o ax: coisas positivas como gro de bico, lentilhas, coisas boas para
prosperar, como para gente como para as pessoas que esto em volta. H modificao sim. [...] mas no prejudicou o
ax que t l. Tanto no prejudicou que no eu sozinho. Se eu colocar alguma coisa ali errada, tem 44 babarolixs
que poderiam fazer a revoluo, [...]
Trajeto do Presente
[...] o balaio saa, ia pelo rio Suba at So Bento de Atar, pelo rio. No tinha trajeto de carro no.
Depois colocou as pontes, mudou, porque virava as canoa, as mulheres caam dentro do rio; era aquela agonia.
Ento tirou de So Bento de Atar, que l virou cidade, So Francisco do Conde. Como as guas de So Francisco
do Conde no em Santo Amaro, colocamos em Cabuu. Em Cabuu era uma agonia, porque o trajeto para ir
para Cabuu mudou o trajeto obviamente - no era mais de canoa. A cidade no tinha estrutura de carro como
tem hoje; tinha 2 caambas de lixo, lavava aquela caamba e colocava o balaio em cima, e as pessoa ia, no ia todo
mundo; ia 10, 15 pessoas segurando o balaio. Algumas pessoas que tinham carro acompanhava, e as outras ficavam
esperando no prprio Barraco do Mercado e voltar para l para se fazer a festa. Depois tirou de Cabuu, e Saubara
se emancipou tambm. A vamos agora para Itapema. L na Itapema se serve o almoo; esse almoo tambm tudo
novo e realmente est tendo condio. A Prefeitura comeou a ajudar, dava almoo gente, refrigerante. No tinha
nada disso; tudo isso era pedido, e at mesmo os pais de santo levava cada um levava comida, seu almoo, seu po. A
gente comia passarinha, no tinha cerveja; bebia era folha de milome, folha de figo, a rom. No tinha barraca; tinha
tabuleiro. Eu ainda alcancei os tabuleiros de acaraj. s vezes o Prefeito vinha, j trazia cerveja, guaran, mas os
presentes ia com os pescadores, os pescadores faziam moqueca, faziam peixe frito para comer com farofa. Parava o
candombl para comer; no tinha essa organizao que tinha hoje. Era meio diferente. Em termo de roupa ningum
tinha roupa; tinha roupa referente quela poca, mas ningum tinha muito tempo de roupa. s vezes o calado era
feio, o toro tambm era velho, e foi essas coisas velha, toalha, que d fora at hoje.
Reverncias
A reverncia do trajeto como se faz em qualquer terreiro: ir cantando - so para as guas -, msicas
para Iemanj ficar de braos aberto mais Oxum, para receber os presentes.
Conitos
[...] os confrontos do Bemb confronto que no tem nada a ver com o Bemb. Como assim? o seguinte:
se as pessoas de Santo Amaro, do Bemb, - assim como Salvador, como outra cidade qualquer: ali tem vrias pes-
113
soas de vrios bairros: tem da invaso da Cadolndia, tem do Trapiche de Baixo, tem da minha comunidade, voc
sabe que as drogas esto demais; quando eles bebem e um j tem raiva do outro, comea as brigas. por isso que se
faz as matanas para acalmar esse povo, porque no nem do candombl [...] Ento por isso a gente pede a Exu que
guarde aquilo ali e graas a Deus esses trs dias t guardando. Vamos ver de sbado em diante.
Instrumentos musicais
Os instrumento utilizados so os 3 atabaques, o agog e o xer de Xang. Xang o nico orix que,
para chamar ele, para encantar, diferente de todos os orixs. Chama com aquele 3 funis ou 1 funil que o adj,
mas Xang o chefe do mundo; um orix da justia, orix justiceiro; o orix que d caminho escrita, que d
caminho a tudo. A gente roda parece uma zoada de trovo para poder representar ele [...]
Autossustentao
[...] a gente no faz questo do dinheiro no. Se ele entregar o Bemb aos terreiros, se dividir trs dias de
Bemb cada dia, quinze terreiros que toma conta de um dia, o Bemb sai dobrado. Me de santo e pai de santo
que est participando do Bemb no fazia questo de dinheiro. Voc dizia vai ter Bemb ali, eu mesmo j participei
pedindo nas barracas, aos pescadores, aos comerciantes. Ns fazamos o Bemb tipo esmola. Hoje, claro, a Prefeitura
est ajudando. Tambm a gente faz uma coisa bonita para as pessoas visitarem. Ele sabe que obrigao dele; mais
obrigao nossa [...] se ele no der dinheiro, a gente faz o Bemb. Pode perguntar a qualquer pai de santo que est
envolvido, no s a mim. Se ele no der o dinheiro, a gente faz o Bemb, como que a gente faz o Bemb.
Envolvimento dos terreiros
[...] o Bemb de antigamente s se fazia um terreiro. A aquela pessoa que fazia o Bemb chamava os
filhos de santo da prpria pessoa para fazer o Bemb. Quem quisesse ir, ia. De vez em quando naquele Bemb, as
pessoas dos outro terreiros iam olhar o Bemb, mas no participavam em massa como t hoje. Comearam a participar em massa. Foi eu que fiz uma reunio. Me chamaram mesmo eu sendo o mais novo, me chamaram para colocar
os terreiros tudo l dentro. Eu fiz uma reunio com o pessoal e coloquei l dentro os 44 terreiros para poder unir a
fora dos terreiro dentro da cidade, e ficou mais bonito, mas era s um terreiro que tomava a direo.
Gastos
[...] naquela poca tinham trocas. O pai de santo ganhava os bodes e criava bode. Quando ia botar o
Presente, tinha gente que vendia o feijo de acaraj, dava o feijo. Tem pessoas que participa do Bemb que vende
azeite; tem baiana que vende o azeite e vai dar o azeite. Hoje o Bemb, em termo de matana, - eu falo claro, em
filmagem e tudo. Um babalorix, qualquer ialorix sabe que cinco bode o preo de um boi. Se voc comprar um
bode de R$ 100, cinco bode quinhentos; se voc compra, se voc compra dez bode, dez bode mil. R$ 1.000 um
boi de dez arrobas, mas para gente no prevalece boi; prevalece o bode. Ento o Bemb, em torno do fundamento do
Bemb no valor, no mnimo, de R$ 15 a 20 mil para o fundamento do Bemb porque tem alimentao - se no
tiver dinheiro, a gente faz. Os instrumentos para comprar, para levar, que antigamente no tinha carro para levar,
levava nas costas. Chovendo, os atabaque, quando chovia, os tambores ficava dom dom dom, mas ningum ligava.
Se hoje tocar errado a percusso, o pessoal vai embora. meio complexo falar disso, mas que gasta, gasta, mas se a
gente faz sozinho, no precisa dinheiro. O problema no dinheiro. O problema que t falando a religio da gente;
o problema ai os 122 anos. O problema ai no a cultura perder, o problema ai no o dinheiro. O dinheiro
essencial como falei a vocs. Agora no adianta mandar dinheiro para a mo das pessoas erradas. No quero que
mande dinheiro para mim; tanto que no quero dinheiro em minha conta. Agora, que bote uma pessoa que faa os
editais, que coloque l dentro do edital quem deve participar com as cartas de anuncias das pessoas que, quando voc
for l fazer o tombamento [Registro], coloque o que se deve fazer do Bemb. Sem isso no adianta. Os gastos tambm
so assim. Se eu sou um babalorix e tem uma ialorix que me de santo, naquela casa tem cinquenta filhas de
santo, mas, se voc observar, ali no todo mundo que est bem vestido e t bem vestido que t servindo a gente, voc
vai ver ali pano de R$ 5 de colcha. um lenol que comprou de R$ 5 no Mercado, fechou e fez uma saia. Antigamente tinha as pessoas que fazia richelieu aqui na cidade; todo mundo tinha saia de richelieu. Hoje est se resgatando
a cultura do richelieu. Ento a gente gasta muito, no s quem est fazendo o Bemb pelo sacrifcio no se pode
botar uma baiana de qualquer maneira, feia, a partir de agora tem que comprar uma roupa. Voc v que a baiana
mais de 20 peas: so 3 angua,1 anquinha, tem o short, o cossolo, 3 angua ou 4 ou 5, de acordo que a baiana
quiser botar, e tem terreiro que gasta com transporte, tem terreiro que mora distante. Vai vim andando para danar
a noite toda? Tem pessoas que mora aqui no distrito quer vim e no tem carro. Tudo carro para vim, termina 3
horas, 4 horas. Ento s vai os moderno que aguente ou as veias que tm a fora do orix para est l com a gente.
Participao da comunidade
[...] tem pessoas que vai com f porque gosta. Como aqui em Santo Amaro tem muito terreiro de Candombl, ento somando os terreiros, mas tem pessoas que vai ali para observar, pessoas para pesquisar. O pblico aumentou,
porque quase todos os colgios da cidade esto envolvidos no Bemb, por causa da Lei 10.639. A vo para pesquisa.
Essa semana vem gente para saber do Bemb, colgio daqui, com as crianas com umas perguntas boas para saber
do Bemb, saber o que est acontecendo e saber como acontece o Bemb, e tem pblico que vai ali por questo de ir, que
no tem f em nada e est ali no meio. E tem gente que vai porque gosta; tem uns que vai porque os orixs levam; tem
pessoas que esto ali porque esto trabalhando, [...], para mim pessoalmente eu estou ali com f e com amor [...].
Arrumao do Presente
A arrumao do Presente se comea na sexta-feira com a decorao do balaio. O balaio feito de cip.
Uma filha de santo faz um balaio enorme, mas como as coisas esto mudada! Antigamente o balaio era forrado
com os panos. A gente agora forra, decora, faz uma ornamentao mais bonita. Iemanj e Oxum, Oxum dono do
ouro, Iemanj dono da prata. Depois de forrado, o balaio arriado em cima das folhas, a gente comea a cantar os
cnticos das nossas naes invocando os orixs. A a gente amanhece de manh cozinhando. Todas as comidas bota
ao redor do balaio e a dentro do balaio tem uma jarra ou um pote, que ali dentro faz outra matana, mas no com
bode, que para bicho dentro dgua no pode colocar bode. Se mata ali bicho que voa: pombo, paturi, pata. Se corta
Comidas
As comidas inhame assado para Ogum, feijo mulatinho com milho de galinha torrado com camaro
e cebola temperado para Ogum, feijo fradinho torrado com azeite doce e sal para Oxssi, o milho de galinha
cozido bem mole para Oxssi, folha de fumo com quebra-queixo para Ossaim. Xang come Amal com carne de
cabea, com rabada com quiabo, camaro e cebola, as comidas dos orixs. A vem os dib, que o milho branco com
camaro e cebola, ou coco com cebola pura e azeite, que a comida de Iemanj. A gente tambm coloca peixe frito.
As comidas que oferecida para gua tm que ser uma comida bem feita, como se fosse para uma pessoa; no pode
ser crua. Tem orix que come cru os gros, tem orix que come torrado, tem orix que ferventado, tem orix que
cozido, tem uns que temperado dentro do candombl porque tudo se torna orix, tanto faz a pessoa que j morreu
lessiorix. Tem mais de mil tipo de comida que em si so diferentes. Tem orix que at o modo de cortar os galos,
cortar os bodes, cada orix de uma maneira diferente; no tudo igual no.
Restries
Tem restries. As pessoas que est participando no pode, antes de terminar, sentar na barraca para
beber cerveja, nem para conversar. A pessoa que t danando no pode largar nem para conversar com o prprio
marido. As pessoas ficam de resguardo, e as pessoas do meu terreiro que esto fazendo o or, que o sacrifcio. A
responsabilidade de resguardo de quem est fazendo qualquer matana, qualquer sacrifcio.
114
115
ali a matana no pote, pedindo que aquele balaio tenha fora de ser recebido pela Me Dgua, pela me natureza.
A depois, ali os bichos temperado com camaro, cebola e azeite, colocado tudo em cima das comidas dos orixs
ali dentro. Por ltimo, a gente coloca o sabonete, as outras coisas. um or normal, de forma diferente. um or
de forma diferente, porque ali no pega bode. A depois coloca as flores, mas antes de armar o balaio, se joga o obi.
No se faz mais nada no candombl sem o obi, que aquele fruto que corta que vocs viram a me de santo cortar
para comear o balaio. Qualquer candombl, qualquer religio do candombl corta o obi, porque obi que conversa
tudo, coloca tudo da matana aqui, tudo que se vai fazer para Iemanj aqui. Ia comear o candombl ali no Bemb
do Mercado, se cortasse o obi. Ele caa quatro partes virada, sinal que tem que se olhar. Parava tudo tinha que ver
o que ia acontecer ou adia o candombl. Eu tinha que vim olhar por que o obi caiu 4 partes virada. Quatro partes
morte, Iecu que responde, mas voc viu que me de santo jogou o obi e caiu aberto as partes. Tirou at uma foto. Se
voc olhar caiu aberto dizendo que sim, e comea o candombl. Ento os orixs esto satisfeito, gente.
Shows
[...] no meu pensamento e dos terreiros de Santo Amaro, pelas reunies que j teve o Bemb, s era para
ter o Bemb, a capoeira, o samba de roda e o maculel. A gente termina o Bemb meia-noite, uma hora, mas se a
gente quiser ficar ali e tocar, no pode, porque tem que tocar as bandas e o espao da banda. Ns achamos que no
deve ter banda, nem palco, nem barraca de cachaa, s coisa ligada ao candombl. A capoeira ligada ao candombl
sim, porque as pessoas que saram dos terreiro era da capoeira, os ogs que tocavam atabaque era da capoeira, [...]
as manifestaes culturais tambm so coisas boas para participar do Bemb, que no empata, porque pode ser pela
tarde. As pessoas que participam so crianas, pessoas idosas, at para mostrar mesmo a cultura da cidade, mas que
palco jamais tenha.
Continuidade
[...] eu estou com segurana de fazer o Bemb porque fui desde cedo. Ento aquelas crianas so o futuro do
Bemb; importante ter criana para o Bemb [...], e eu estava observando, tem mais criana que adulto, elas danando,
116
as velhas senta, e elas fazem o Xir todinho. E tem criana ali que no nem iniciada no candombl, mas j sabe danar. o costume, mas da que vem o costume do candombl; a gente tem que trabalhar com a educao do candombl.
Reconhecimento Oficial
O Bemb j patrimnio, mas precisa ser reconhecido pelo Estado, com a proposta que deve ser bem
analisada para tambm no prejudicar o Bemb [...]. Acredito eu na importncia do Bemb como reconhecimento
para outras pessoas de outros estados, porque o Estado o poder maior do mundo. Se o Estado t conhecendo que
aquilo patrimnio, se o Estado t conhecendo, ningum vai desfazer do Estado. O Estado o poder maior. Ento
as pessoas passa a valorizar cada vez mais. Na verdade, as pessoa ouvem falar em Bemb, mas no tem a coisa
especfica. Depois que o Estado reconhecer que um patrimnio, as pesquisas vo aumentar, vo se interessar mais.
Existe as pessoas que no gostam do Bemb na cidade. O Estado reconheceu, vo bater em cima, se o estado o
poder maior. Faz parte da identidade da cultura santamarense.
Propostas para Salvaguarda
[...] Nem o meu terreiro nem o de ningum seja responsvel pelo Bemb; o Bemb do mundo de Deus
e dos Orixs; o Bemb da cidade. Eu acho que no deve botar Edital pro Bemb, porque vem pessoal l de outro
estado, de outra cidade, de outro lugar. At uma pessoa da prpria cidade bota Edital, ganha, se manda. Eu acho
que deve ser o qu? Se uma pessoa ou uma associao, seja l qual for faculdade, SESI, Prefeitura fizer o Edital,
se faa uma reunio com os terreiros antes, para se conseguir Carta de Anuncia, para prest conta tudo direitinho,
que se passe at assinatura do Edital, o cheque tudo junto com 2, 3 pessoas atrs, porque esse Bemb da uma coisa
muito melindrosa [...]. Eu acho que tem ser muito estudado, muito pesquisado, entrevistado muitas pessoas dentro
do Bemb, fazer um Conselho com as pessoas envolvidas que queiram defender o Bemb [...], editais com curso de
confeces de atabaque, curso para confeco de roupa, curso de informtica, curso de iorub, de bantu, palestra em
iorub, dana afro, o teatro de negro, que no tem, capoeira, samba de roda; isso importante. Tem que ter dinheiro
para o Bemb, as federaes no dar dinheiro. Tombar o Bemb sem aes tambm, antes no tombar. Tem que ter
aes afirmativas com as religies e demais matrizes africanas.
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Lembranas do
Treze de Maio
Nvea Alves dos Santos*
Longe da terra de seus antepassados, homens, mulheres e crianas, libertos ou escravos comemoravam o feito. Um som surdo vinha de longe, das vrias plantaes de cana de acar e fumo, das
senzalas, das fazendas de engenho daquele lugar. Esses sons se multiplicavam com o passar do tempo.
Gritos, choros, lamentos, dor, alegria e incertezas se misturavam as ltimas noticias. Naqueles dias
as ondas do mar que banham as terras do Recncavo se movimentavam em consonncia ao som de
cnticos e o toque dos atabaques, em harmonia com o sentimento de alegria pela conquista da liberdade. Era o som da Liberdade. Foi o Treze de Maio.
A noticia da abolio foi bastante festejada nas senzalas dos engenhos e nas cidades, mas tambm
contestada, pelos senhores que viam neste evento, o prejuzo para suas lavouras, com a falta da mo
de obra cativa. Segundo Fraga (2006),
[...] os festejos do 13 de maio transformaram-se em grande manifestao popular e isso
refletia em grande medida a amplitude social do movimento antiescravista na Bahia. As
manifestaes impressionaram os observadores da poca, pela quantidade de pessoas
que ocuparam as ruas.1
Ao longo desses 126 anos este ato de libertao ainda lembrado e comemorado pelos descendentes
daqueles libertos. As comemoraes, os presentes a me dgua, a festa em agradecimento a Xang,
o Rei da justia que ouviu, enfim, os lamentos e as preces de seus filhos. Iemanj e Oxum as mes
que acolhiam e acalentavam diante do impedimento de serem livres, agora so reverenciadas. Assim,
nasce o Bemb do Mercado, pensado sob a lgica da Escravido e do anseio por Liberdade, no Largo
do Mercado, na cidade de Santo Amaro da Purificao.
O Bemb do Mercado, ganha atravs dos tempos, uma conotao religiosa e poltica. Afinal o mercado o espao de sociabilidades, de trocas, de vivncias, de reivindicaes, de dilogos. No contexto
* Mestre em Estudos tnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia UFBA/CEAO e Analista Tcnica do IPAC.
1
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da Liberdade. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006. P 126.
118
119
africano no mercado o lugar de Aizan, o guardio e senhor daquele lugar, o protetor da cidade, o
dono da terra, um ancestral.2
da liberdade dos escravos. Para outros, a singular manifestao de rua que reflete o sentimento de
pertena a uma origem ancestral, cujas matrizes aqui foram denominadas por candombl.
Portanto, o Bemb no seria apenas saudar o Treze de Maio, mas tambm resignificar o cotidiano.
Buscar atravs de seus rituais e prticas sagradas, a proteo diante de possveis tragdias e a fortuna. Enaltecer seus antepassados, festejar a memria daqueles que aqui chegaram na condio de
escravizados, neste ritual de congraamento, cantando e danando para suas divindades. No Bemb
do Mercado as vrias comunidades religiosas se renem dando lugar a comunicao entre indivduos
e seus deuses que ora so evocados atravs de seus Orikis3.
Ork fn Yemonj
Yemoja mo pe
Yy awon eja mo pe
Deve-se pensar o Bemb, que acontece no Mercado, como resultado da manifestao de um coletivo,
que por anos foi cerceado dos seus direitos, silenciado da sua voz, negado da sua identidade, que teve
o seu corpo marcado pela violncia e preconceito, e sua alma ferida com a mais profunda das chagas,
a invisibilidade. Reconhecer essa manifestao tambm perceber sob o ponto de vista do outro a
natureza do perdo, mas jamais o esquecimento.
No dia 13 de maio, as embarcaes que os trouxeram do outro lado do Atlntico, agora saem de volta
para este mesmo mar, levando as esperanas, para serem depositadas nas profundezas das guas da
Baa de Todos os Santos, onde a Me dgua aguarda ansiosa os presentes ofertados por seus filhos.
Da praia de Itapema possvel ver ao longe as ondas se multiplicando, a espuma branca batendo forte
na embarcao. O presente recebido e mais uma vez, o vinculo renovado. Iemanj e Oxum esto
Bemb, palavra de origem fon (bmb)5, que significa uma espcie de tambor, aqui ganhou outro
significado. Para alguns, seria a corruptela do nome da Princesa Isabel, aquela que assinou o destino
VERGER, Pierre Fatumbi. Notas sobre o Culto aos Orixs e Voduns na Bahia de Todos os Santos, no Brasil e na Antiga
Costa dos Escravos, na frica. 2 ed. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2012, p 553.
3
http://meuorixa.wordpress.com/2012/08/08/oriki-de-yemanja/ acesso 07/10/2014 s 12:29h.
4
CASTRO, Yeda Pessoa. Falares Africanos na Bahia: Um vocabulrio Afro-Brasileiro. Rio de Janeiro, Academia Brasileira
de Letras, 2 ed., 2005, p 173.
2
120
121
GALERIA DE FOTOS
As interfaces da Festa do
Bemb do Mercado
122
123
laroi!
Oferenda a Ex e Intot
124
125
126
127
Odoy!
Ora y y !
Trajeto e entrega do Presente
Me Dgua no Mar
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129
O bemb em movimento
Indumentrias, especificidades e
gente que fez e faz a festa
130
131
Patrimnio,
reconhecimento e
bens aSSOCIAdos
Maculel, Samba de Roda,
Ngo Fugido e Capoeira
132
133
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Discografia:
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Tradies Orais:
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Anexos
Parecer Tcnico do Bemb
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Glossrio
Decreto N 14.129/2012
Alab Tocador: Chefe dos atabaques, geralmente og, iniciado para essa funo.
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Xir: Ordem que so tocadas e cantadas e danadas as invocaes dos orixs. Festejar.
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