Anais2015 PDF
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Formatao
Roberto Rodrigues Campos
Caio Vinicius de Souza Brito
1076 p.
ISSN: 2357-9021
COMISSO DOCENTE
Ana Maria Lisboa de Mello (PUCRS)
Elizabeth Gonzaga de Lima (UNEB)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB)
Luciana Sacramento Moreno Gonalves (UNEB)
Lynn Rosalina Gama Alves (UNEB)
Mrcia Rios da Silva (UNEB)
Maria do Socorro Silva Carvalho (UNEB)
Maria Zlia Versiani Machado (CEALE / UFMG)
Marly Amarilha (UFRN)
Sayonara Amaral de Oliveira (UNEB)
Verbena Maria Rocha Cordeiro (UNEB)
SECRETARIA EXECUTIVA
Caio Vinicius de Souza Brito (UNEB/UNIJORGE)
Juan Muller Fernandez (UNEB/PPGEL)
Maximiano Martins de Leireles (UNEB/PPGEDuC)
Milena Guimares Andrade Tanure (UNEB/PPGEL)
Ricardo Horacio Piera Chacn (UFBA)
Rita de Cssia Lima de Jesus (UNEB/CONFHIC)
Rita de Cssia Oliveira Carneiro (UNEB/PPEDuC)
Roberto Rodrigues Campos (UNEB/UNIJORGE)
Sara Menezes Reis de Azevedo (UNEB)
Comit Cientfico
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Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
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Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
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Eixo I
Leitura e Literatura nas
Redes
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
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UMA TRAVESSIA MACHADIANA ENTRE LIVROS, PERSONAGENS E LEITORES
accacordeiro@hotmail.com
RESUMO
Este trabalho discute o livro como um tema da prosa machadiana tomando como base o
seguinte corpus: os romances Helena (1976) e Quincas Borba (1891) e o conto Casa Velha
(1885). Para tanto, selecionou-se trs categorias para se refletir sobre o livro como a mdia
mais prestigiosa do sculo XIX: livro como venerao, distrao e mercadoria. Para tanto,
fundamentou-se nos trabalhos de Roger Chartier (1994), Robert Darnton (2010), Fischer
(2006), Umberto Eco (2011), Silviano Santiago (1982), Marisa Lajolo e Regina Zilberman
(2002) e John Gledson (2003). Nesta discusso, a imagem do livro encontra-se atrelada s
classes sociais que detinham os privilgios da cultura letrada no contexto do Brasil
oitocentista. A apropriao de livros como bens culturais aparece representada nesses textos
ficcionais de Machado de Assis que se inserem no contexto do sculo XIX, seja pelo tempo
cronolgico ou pelo tempo da narrativa, os quais oferecem uma imagem do livro como um
objeto de distino para os personagens que detm a sua posse. No romance Helena (1876),
por exemplo, os livros figuravam no interior de um lar burgus, sob a posse do Conselheiro
Vale, quem ocupava um lugar de distino na sociedade e na residncia do padre Melchior,
um representante do clero. No conto Casa Velha (1885), cujo enredo se desenrola em torno
de uma biblioteca particular, mais uma vez a posse de um conjunto de livros, algo que no
era comum no contexto histrico em que se insere, justificada pela posio social do
proprietrio. nesse contexto que o livro adquire o status de objeto sagrado, cuja
importncia simblica acentuada pela reverncia prestada por determinadas personagens.
O livro assume essa condio ao se tornar motivo de adorao dos leitores. No que diz
respeito ao romance Quincas Borba (1891), o objeto livro tambm est associado a uma classe
social em ascenso, porm, o sentido outro em relao ao que se observou em Helena e
Casa Velha, pois o personagem principal no mantm com os livros uma relao de
encantamento, apenas reconhece o seu poder simblico no seio social em que vive. Neste
caso, o livro apresentado como um objeto material que, em razo do valor de mercado,
figura como parte de uma herana, mostrando assim que a condio de mercadoria por ora
prevalece sobre o seu status cultural. Nesse romance, pode-se contemplar tambm a leitura
como forma de passatempo. no contexto dessa narrativa que o livro tratado como um
meio de entretenimento, considerando a prtica de leitura desenvolvida pelo personagem
principal. O que se verifica, ento, que diferentemente de Helena e Casa Velha, em Quincas
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Durante dous dias no saiu ele de casa. Tendo recebido alguns livros
novos, gastou parte do tempo em os folhear, ler alguma pgina,
coloc-los nas estantes, alterando a ordem e a disposio dos
anteriores, com a prolixidade e o amor do biblifilo. (ASSIS, 2006, v.
1, p. 304-305)
Estcio queria estar sempre rodeado dos familiares e de seus livros, no gostava de se
ausentar da residncia, de onde se sentia senhor. V-se essa caracterstica do personagem
na passagem em que Estcio viajou a Cantagalo com a famlia de Eugnia, sua noiva, no
sem muita insistncia dela. Estando fora da Corte, ele escreve uma carta a Helena, sua
suposta irm, contando sobre a solido e a tristeza que o afligiam naqueles dias: Quando
esta carta te chegar s mos, estarei morto, morto de saudades de minha tia e de ti. Nasci
para os meus, para a minha casa, os meus livros, os meus hbitos de todos os dias. (ASSIS,
2006, v. 1, p. 332). Dentre os costumes de Estcio, cabe destacar o de ler diariamente:
Como diz Jorge Lus Borges (2011), o livro no uma extenso do corpo, como o
telefone que a extenso da voz, mas, sua singularidade estaria no fato de ser uma extenso
da memria e da imaginao. Assim, pode-se associar essa singularidade do livro com o que
vivencia Estcio, pois, de acordo com sua viso, os livros serviriam de auxlio para que ele se
ambientasse em um lugar estranho, pois o fariam lembrar dos seus e representariam um
refgio diante da saudade do lar.
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Outro personagem que possua livros em sua residncia era o padre Melchior. Trata-
se de um homem solitrio, recluso e que passa a maior parte do seu tempo lendo [...] amava
sobretudo estar separado dos homens. Nessas horas, que eram a maior parte do tempo, lia
ou meditava, esquecido ou estranho a todas as cousas do seu sculo (ASSIS, 2006, v. 1, p.
345). Na descrio da casa do padre, por exemplo, Machado destaca a presena material do
livro, em seus antigos formatos in-flio, do latim folium (folha), dobrada uma vez, e in quarto
(formando quatro quadrados), dobrada duas vezes:
A Casa Velha que d ttulo ao conto descrita como uma edificao slida e vasta.
Segundo John Gledson (2003), trata-se de uma aristocrtica casa nos arredores do Rio,
tomando por base a descrio que lhe atribuda, com sua imponente solidez e sua
autossuficincia. Tanto a casa quanto a biblioteca so apresentadas no conto como espaos
suntuosos e ambas exalando um cheiro de vida clssica (ASSIS, 2006, v. 2, p. 1.001).
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nesse contexto que o livro adquire o status de objeto sagrado, cuja importncia
simblica acentuada pela reverncia prestada por determinadas pessoas que habitam a
casa. Dentre elas, cabe destacar a personagem D. Antnia, herdeira da Casa Velha e da
biblioteca do marido, que mantinha o condicionamento patriarcal da casa. Em relao aos
livros deixados pelo marido, guardava-os como objetos muito valiosos [...] mas que livros
e papis esto l em grande respeito. No se mexe em nada que foi do marido, por uma
espcie de venerao, que a boa senhora conserva e sempre conservar (ASSIS, 2006, v. 2, p.
999).
23
Era uma vasta sala, dando para a chcara, por meio de seis janelas de
grade de ferro, abertas de um s lado. Todo o lado oposto estava
forrado de estantes, pejadas de livros. Estes eram, pela maior parte,
antigos, e muitos in-flio; livros de histria, de poltica, de teologia,
alguns de letras e filosofia, no raros em latim e italiano. (ASSIS, 2006,
v. 2, p. 1.003).
O fato de a biblioteca se manter fechada parece ser justificado pela morte do ex-
ministro, pois, como disse D. Antnia, ningum [...] mexe em nada que foi do marido
(ASSIS, 2006, v. 2, p. 999). como se a morte do dono marcasse tambm a morte da biblioteca
como espao em que se l e se instrui. tambm pela ausncia definitiva do proprietrio que
a aura desse espao se eleva, tornando-se ainda mais sublime e, por isso mesmo, intocvel.
No que diz respeito ao tamanho dos livros, a personagem admite, de certa forma, que
no teria pacincia de l-los, referindo-se apenas ao seu aspecto fsico. Isso implica
reconhecer uma relao entre a materialidade do livro e o ato de leitura. Considera Roger
Chartier que os formatos do livro interferem nos gestos de leitura:
vlido dizer tambm que, assim como outros objetos, os livros envelhecem. E nesse
processo de envelhecimento no se desvencilham das marcas de seu tempo. por isso que se
pode afirmar que a materialidade do livro representa um tipo de memria. Segundo
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Umberto Eco (2011, p.20): memria que o livro transmite, por assim dizer, de propsito,
acrescenta-se a memria da qual emana, enquanto coisa fsica, o perfume da histria de que
ele est impregnado.
Adotando essa formulao de Umberto Eco (2011), pode-se dizer que o padre
encontra-se com o ex-ministro, dono da biblioteca e tambm nico leitor que tinha pleno
acesso aos livros, posio que nem a morte lhe furta, pois a viva se refere biblioteca do
marido em um estado sempre presente. Esse encontro virtual marcado pela seguinte
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interpelao do padre ao ex-ministro: Ests morto. Gozaste e descansas; mas eis aqui os
frutos podres da incontinncia; e so teus prprios filhos que vo trag-los (ASSIS, 2006, v.
2, p. 1.033). interessante observar que o narrador se dirige ao finado em discurso direto, o
que possibilita analisar essa passagem como um dilogo, ou seja, um encontro.
At esse episdio, pelo que lhe informou D. Antnia, o padre pensava que era Lalau a
filha do relacionamento extraconjugal do pai de Flix, motivo que a exclua definitivamente
da possibilidade de se casar com este, uma vez que seriam irmos por parte de pai. O padre
continua seu trabalho na biblioteca e, ao folhear um livro em busca de uma nota que acabara
de fazer, descobre um bilhete escrito pelo ex-ministro para a me de Lalau, no qual h
meno a uma criana que foi fruto da infidelidade conjugal, mas que j se encontrava
morta. Com a certeza do bito da criana, o padre pensa que a situao estaria resolvida, mas
o que ele ainda no sabia era que D. Antnia tinha inventado a possvel consanguinidade
entre Flix e Lalau para afast-los, sem jamais cogitar da traio do marido.
curioso notar que na prpria biblioteca que D. Antnia recebe a notcia de que
fora trada: [...] e foi na sala dos livros, enquanto Flix estava fora, que lhe contei o que
acabava de saber (ASSIS, 2006, v. 2, p. 1.041). D. Antnia, que criou a histria de uma
26 possvel infidelidade do marido, foi surpreendida pelo padre com a confirmao de que fora
de fato enganada. Esse episdio se configura como uma quebra da aura, profanando o que
at ento estava inclume, a integridade do defunto e, por conseguinte, a da biblioteca.
Quanto reao de D. Antnia, o narrador a descreve da seguinte forma:
V-se que o segredo da famlia se mantinha guardado nos livros, sem que isso lhe
afetasse, mas o avivamento da biblioteca na figura do novo leitor, o padre, fez com que os
livros falassem, ou seja, mostrassem as trilhas deixadas pelo seu antigo leitor. No conto,
parece que Machado de Assis no s escolhe a biblioteca como palco privilegiado para o
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enredo, mas, propositadamente, esconde o segredo da famlia nos livros para que um
leitor fosse o responsvel pela revelao. De acordo com Jean Marie Goulemot (2011), existe a
crena em um segredo que toda biblioteca dissimula, segredo este que no cessa de se
esquivar, lembrando o caso clebre do romance O nome da rosa, de Umberto Eco, no qual o
livro da comdia de Aristteles no deveria ser aberto para que seu contedo jamais fosse
revelado.
Mas, por uma espcie de ironia, o padre, narrador dessa histria, parece escutar as
vozes dos livros, que se descrevem como pacificadores, totalmente isentos dos conflitos da
casa.
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possvel dizer, portanto, que Machado de Assis faz uso da metfora da biblioteca
como um entrecruzamento de vozes entre os livros. Essa mesma metfora fornecida por
Jean Marie Goulemot (2011), lembrando Anatole France, em La chemise (A camisa), que evoca
a biblioteca como um barulhento concerto ensurdecedor de vozes vindo dos livros:
Tanto em Helena como em Casa Velha, embora o livro no ocupe a posio central na
histria narrada, ele ajuda a compor o cenrio, configura-se como um objeto que ocupa um
lugar especial no contexto da casa. Trata-se de um objeto que, a partir da sua relao com os
personagens, vai-se destacando como um bem simblico no contexto da primeira metade do
sculo XIX. Se considerarmos a poca em que se passam ambas as narrativas, poder-se-ia at
afirmar que a referncia ao livro documental, pois demonstra como se tratava de um objeto
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que, cada vez mais, fazia parte dos lares de uma classe mdia que comeava a se consolidar
nos centros urbanos do Brasil ps-joanino. Como afirmam Marisa Lajolo e Regina Zilberman
(2002), apenas no sculo XIX que se originam as primeiras formas de um pblico leitor,
embora ralo e inconsistente inicialmente.
No que diz respeito ao romance Quincas Borba, o objeto livro tambm est associado a
uma classe social em ascenso, porm, o sentido outro em relao ao que se observou em
Helena e Casa Velha, pois o personagem principal no mantm com os livros uma relao de
encantamento, apenas reconhece o seu poder simblico no seio social em que vive. Neste
caso, o livro apresentado como um objeto material que, em razo do valor de mercado,
figura como parte de uma herana, mostrando assim que a condio de mercadoria por ora
prevalece sobre o seu status cultural. o que se pode perceber atravs da trajetria de
Rubio, personagem principal, que enriquece com a herana deixada por Quincas Borba:
importante frisar nessa passagem outro aspecto associado valorao dos livros,
itens que poderiam compor o rol dos bens listados em uma herana. De acordo com Robert
Darnton (2010), os diversos usos que as pessoas fazem dos livros, tais como: seu uso em
juramentos, troca de presentes, concesso de prmios e doao de heranas fornecem
indcios de seu significado para diferentes sociedades. Ao comparar o livro com outros
materiais impressos, tais como folhetos, gazetas e cartas manuscritas, Andr Belo (2002) diz
que os livros eram merecedores de inventrio, ao passo que esses outros objetos escritos, por
serem mais frgeis, eram considerados de pouco valor econmico para vender e, por isso,
no eram registrados, chamando a ateno para o fato de que, entre os sculos XV e XVII, as
publicaes no se resumiam ao livro impresso, circunstncia que deveria ser levada em
considerao em pesquisas sobre a leitura.
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Na narrativa, Rubio pensa, de incio, em obter lucro com a venda dos livros
herdados, o que j demonstra sua relao fugaz com os livros:
No entanto, em sua necessidade de, cada vez mais, impressionar as opinies dos seus
convivas, sobretudo de Sofia, mulher pela qual se apaixona ainda que fosse esposa do seu
amigo Palha, muda de ideia, desiste de vender os livros e resolve mant-los em sua casa, por
motivos to somente de ostentao. Com a instalao definitiva na Corte, ele passa a dialogar
com os bens simblicos da classe burguesa, entre eles: bronzes, quadros, bandejas de prata,
clices, charutos importados e livros; alm de adquirir alguns hbitos, tais como: assinar
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jornais (mesmo sem os ler) e ir ao teatro (mesmo sem gostar):
quando o faz, desiste por qualquer trivialidade; ele um tpico leitor de folhetins, e sua
leitura se constitui mais como uma maneira de se entreter.
importante frisar que o tipo de leitura representado em Rubio, como uma espcie
de distrao, est atrelado ao que se convencionou chamar de literatura de entretenimento,
ou aquela destinada cultura de massa. A partir da leitura que faz de Umberto Eco (2004)
sobre a cultura de massa e de seus nveis de elaborao, Jos Paulo Paes (1990) traa um
panorama da literatura de entretenimento, desde o seu surgimento at a sua consagrao,
partindo de um contexto mais amplo at se chegar ao Brasil. O autor brasileiro afirma que o
surgimento dessa literatura em nvel mundial se deu em fins do sculo XVIII, e sua
consolidao definitiva ocorreu durante o sculo XIX:
Ainda segundo o autor, foi esse gnero o responsvel pelo surgimento paulatino de
novos leitores em diversos pases, inclusive, no Brasil, vindos do proletariado urbano e do
campesinato, os quais contavam tambm com os avanos da instruo pblica.
A partir das observaes de Jos Paulo Paes (1990), pode-se dizer que o tratamento do
livro como um meio de entretenimento comeou a surgiu no contexto da segunda metade do
sculo XIX brasileiro, o que pode ser contemplado em Quincas Borba, romance publicado em
1891, cujas aes se passam no contexto brasileiro das dcadas de 60 e 70 daquele sculo,
considerando sobretudo a prtica de leitura desenvolvida por Rubio.
Nessa mesma linha, Alessandra El Far (2006), ao tratar das estratgias de alguns
livreiros no contexto brasileiro do final do sculo XIX, os quais apostaram nos mais variados
gneros da literatura e tambm em livros baratos, de leitura fcil e atraente, diz que esses
comerciantes contriburam tanto para diversificar o mercado livreiro quanto para ampliar o
pblico consumidor de livros, para alm das camadas abastadas e ilustradas da sociedade.
Dessa forma, os setores menos favorecidos economicamente passariam a ter acesso a esse
objeto impresso e, ao mesmo tempo, ter-se-ia aflorado um pblico cujo tratamento destinado
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
ao livro passaria pelo passatempo e pela diverso. E era assim que Rubio se comportava
como leitor:
Pode-se inferir tambm que Machado de Assis, por meio de seus personagens, alude
massificao do livro como uma mercadoria de consumo para o escasso pblico leitor do
sculo XIX. Alm disso, demonstra conhecimento de que os escritores teriam que submeter
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as suas obras s leis de mercado, o que implica tambm ter que escrever algo que agradasse
ao pblico, como acontecia com as publicaes em folhetins lidas por Rubio e por Nogueira.
O escritor conseguia, dessa forma, discutir o processo de mudana que os livros estavam
sofrendo com o advento da postura de transform-los em objetos de mercado, os quais no
perdiam o carter de fetiche tambm.
Isso implica reconhecer uma mudana na percepo de Machado de Assis no que diz
respeito relao dos leitores com os objetos impressos e tambm uma modificao da
imagem pblica do livro, que no estaria atrelado apenas ideia de suporte do saber e da
32 cultura, mas tambm de um importante meio de entretenimento.
Referncias Bibliogrficas
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2006. 3v. v.1: Romance; v.2: Conto; Teatro: v.3: Poesia; Crnica.
BELO, Andr. Histria & livro e leitura. Belo Horizonte: Autntica, 2002.
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CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis: historiador. So Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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DARNTON, Robert. A questo dos livros: passado, presente e futuro. Traduo de Daniel
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Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
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ECO, Umberto; FEIST, Hildegard. Apocalpticos e integrados. Traduo de Prola de Carvalho.
6.ed. So Paulo: Perspectiva, 2004.
EL FAR, Alessandra. O livro e a leitura no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
FISCHER, Steven R. Histria da leitura. Traduo de Claudia Freire. So Paulo: Editora
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GLEDSON, John. Machado de Assis: fico e histria. Traduo de Snia Coutinho.
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NEEDELL, Jeffrey D. Belle poque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro
na virada do sculo. Traduo de Celso Nogueira. So Paulo: Cia das Letras, 1993.
PAES, Jos Paulo. A aventura literria: ensaios sobre fico e fices. So Paulo:
33
Companhia das Letras, 1990.
SANTIAGO, Silviano. Vale quanto pesa. In: ______. Vale quanto pesa: ensaios sobre
questes poltico-culturais. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 25-40.
NAS ENTRELINHAS DO FACEBOOK: LEITURA MULTIMODAL DOS
GNEROS DIGITAIS
RESUMO
Este trabalho surge com a proposta de analisar os textos imagticos, com linguagem
verbal e no verbal, compartilhados no Grupo PIBID/UNEB (Campus XXII) - PIBID
XXII - presente na rede social Facebook, mediante os estudos dos Gneros Textuais, no
que concerne basicamente Multimodalidade. A multimodalidade um trao
constitutivo dos gneros textuais, visto que, desde o discurso oral at a composio
escrita, estes apossam-se dos mais diversos recursos semiticos para que os textos
possam ser facilmente entendidos pelos sentidos. Assim, o objetivo motivador desse
artigo perceber como a concatenao dos diversos recursos semiticos, nas
postagens compartilhadas pelos integrantes do referido grupo, auxiliam para a
construo de sentidos dos textos multimodais, da mesma maneira que contribuem
para o trabalho do professor em sala de aula, pois os avanos tecnolgicos
modificaram as relaes socais, por conseguinte, essas modificaes impactaram
inevitavelmente o nicho educacional. Dessa maneira, este artigo sustenta-se com base
nos estudos acerca dos gneros textuais, com maior enfoque no que se refere aos
textos multimodais. Ademais, o trabalho motivado pelo Subprojeto do PIBID
(Conhecimento, criao e reflexo sobre prticas de leitura e escrita nas escolas
euclidenses: dos formatos tradicionais aos novos suportes), bem como pelo Projeto
de Extenso (Multiletramentos: O Trabalho com Leitura e Escrita por meio de
Projetos de Prticas de Letramentos locais envolvendo as TICs), uma vez que
ambos os projetos possuem como tema norteador a leitura e procuram refletir sobre
suas prticas. Como metodologia para a presente pesquisa, adotou-se o mtodo
qualitativo, cunhado coleta de dados de carter etnogrfico, no qual a participao
e observao do pesquisador necessria, visto que para ter acesso ao material para
anlise se fez necessrio ser parte integrante da rede Facebook. Para percorrer o trajeto
de anlise textual, volveu-se Lingustica Sistmico-Funcional, de Halliday, e a
Semitica Social, bem como teoria da multimodalidade, de Kress & Van Leeuwen a
partir da percepo de Dionsio & Vasconcelos (2013, 2014). Ainda sobre
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
1 APRESENTAO
anlise se fez necessrio ser parte integrante da rede Facebook. Nesse seguimento,
Marli Eliza D. A. de Andr proporciona o seguinte esclarecimento:
41
Figura 1:<https://www.facebook.com/groups/pibideuclides/>
Numa anlise da primeira imagem percebe-se que a escrita em caixa alta (letra
basto) demostra a inteno do autor em transmitir a mensagem com facilidade e
para um grupo inespecfico, pois a letra de caractersticas impressas conhecida por
diversos sujeitos. O alinhamento esquerda possibilita a compreenso de um texto
pautado na informalidade, visto que o texto formatado em justaposio comumente
utilizado para produes formais (artigos acadmicos, reportagens etc.), desvelando,
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
44
produo quanto a recepo, como afirma Costa Val (2004, p. 5). Por fim, a imagem,
em sua publicao na rede virtual, ainda acompanha uma pequena introduo (200
anos e a reflexo: evolumos ou regredimos?) que convida o internauta a refletir antes
mesmo de adentrar no contedo proporcionado pelo texto multimodal.
CONSIDERAES FINAIS
Referncias Bibliogrficas
ANDR, Marli Eliza D.A. de. Etnografia da Prtica Escolar. Papirus. eISBN 978-85-
308-1058-0, 1995.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
BARROS, Diana Cruz Pessoa de. Cor e sentido. In: Texto ou Discurso? Beth Brait e
Maria Ceclia Souza-e-Silva (Orgs.). So Paulo: Contexto, 2012. p. 81-109.
CUNHA, Marta Anglica da. SOUZA, Maria Medianeira de. Transitividade e seus
contextos de uso. So Paulo: Cortez, 2011. (Coleo leituras introdutrias em
linguagem, v.2).
OLIVEIRA, Ilza Carla Reis de. MULTILETRAMENTOS: o trabalho com leitura e escrita por
meio de projetos de prticas de letramentos locais envolvendo as TICs. Anais do IV LEMEL/
III SEPEXISS 22363815. UNEB, 2014.
faolis@ig.com.br
RESUMO
1. INTRODUO
O presente artigo divide-se em trs sesses. A primeira intitulada tecendo o
PIBID discorre sobre como se d a organizao do programa em sua esfera maior.
Ressalta a configurao do PIBID no mbito da Universidade do Estado da Bahia,
analisando a implementao das aes do PIBID no mbito do DCHT Campus XVI
Irec, que teve incio ano de 2012.
Na segunda sesso nomeada de o impacto do PIBID na prtica da leitura,
50 estabelece-se um dialogo com os autores Ferreiro (2011), Jolibert (1994) e Martins
(2007) para promover embasamento terico sobre as vivncias de observaes das
bolsistas, estudantes de licenciatura em pedagogia. Neste panorama aborda-se o
ldico no processo de alfabetizao das crianas como elemento favorecedor do
despertar das mesmas para o universo da leitura.
A terceira e ltima sesso recebe o nome de fortalecimento da formao
docente. Trata das contribuies do PIBID para a formao dos estudantes tendo em
vista que as bolsistas servem como disseminadores das prticas proporcionadas pelo
programa, pois as mesmas se inserem na escola desde os primeiros semestres do
curso, relacionando a teoria com a prtica docente de sala de aula, alm de contribuir
diretamente para a promoo de discusses sobre as inovaes pedaggicas com os
supervisores, professores regentes da escola bsica, em uma dialtica constante em
que as leituras vo sendo realizadas como forma de atualizao de conhecimentos.
Ademais, o artigo, ancora-se nas concepes tericas de Freire (1996) e Paiva (2010),
focalizando o lugar dos processos de formao do professor.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
2. TECENDO O PIBID
pois o que se tem pela frente um exemplo do qual se pode separar os atos
desnecessrios que no trouxeram nenhum benefcio ao aluno dos atos eficazes, que
deram certo e contriburam para a aprendizagem dos estudantes e futuramente no
exerccio do nosso ofcio poder continuar produzindo novas formas e estratgias
daquilo que na escola se faz e que d certo.
Com isso o PIBID est a colocar o estudante frente sua futura profisso
levando-o a experincia de conhecer as atividades a serem desenvolvidas, os
obstculos a serem ultrapassados e os caminhos a serem seguidos, contribuindo
assim para o esclarecimento dos altos e baixos da docncia e evitando uma posterior
decepo, coisa que na maioria dos casos s so descoberta ao final do curso de
licenciatura, quando geralmente a escola conhecida pelos estgios.
Atravs do PIBID podemos conhecer a escola no seu interior, as discusses
pedaggicas, o conselho de classe, o trabalho da gesto e coordenao pedaggica.
Tudo isso passa a ser objeto de anlise e de compreenso, permitindo que o processo
formativo seja ancorado pela realidade escolar e por toda a sua complexidade e
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
58 alguns exemplos que podem confundir a criana, ou seja, os alunos por estarem
inseridos em um territrio eminentemente rural, s vezes se perdem com assuntos
que so voltados para a realidade urbana, geralmente do sul do pas. Quando a
supervisora est aplicando alguma atividade fica bastante visvel que ela usa
exemplos de coisas do conhecimento das crianas, exemplo, que so internos ao
territrio de Irec e isso muito importante para a aprendizagem dos alunos desta
localidade, que se reconhecem diante do assunto abordado pela professora.
importante tambm para as bolsistas que ao observ-la esto aprendendo a
universalizar/localizar o assunto para torn-lo mais acessvel aos seus futuros
alunos, mesmo sabendo que no exerccio da profisso um dos maiores recursos ainda
ser o livro didtico. Freire (1996) defende que o professor deve levar em conta os
conhecimentos prvios dos alunos e a sua realidade cotidiana.
Este contato com os livros faz com que a criana desperte seu interesse pela
leitura, motivada a faz-la a partir dos aspectos de ser tambm produtor de sentidos. 59
A criana no busca ler o que est posto mecanicamente, mas assume uma posio de
criao de sentidos, realizando inferncias e criaes prprias, idealizadas pela sua
imaginao e motivao. Ao se observar essa prtica da professora de colocar livros
de leituras diversas ao alcance dos alunos, esto (alunos, professora e bolsistas)
aprendendo conjuntamente e fortalecendo o nosso processo de formao.
A referida escola localiza-se em Irec, territrio agrrio onde a maioria dos
habitantes se mantm com o trabalho rural. O servio que os alunos desta escola
conhecem com apropriao certamente ser o da roa. Podem at conhecer a
engenharia, medicina, advocacia, mas provavelmente no tero segurana para falar
do assunto, no entanto se forem questionadas com relao ao trabalho agrcola
podem at dar aula sobre. Isso se d devido ao contato que os alunos tm com tal
servio, ou seja, ao falar de atividades da roa esto falando de algo seu que visto e
vivido cotidianamente. Quando esses exemplos so trazidos para a sala de aula o
aluno aprende com mais facilidade, pois j tm noo sobre o que est sendo
discutido.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
60 enquanto sujeitos participantes das vivncias escolares e que por isso desenvolvem
uma compreenso das dinmicas da escola, que do sentido ao fazer pedaggico,
objeto de seus estudos no curso de Pedagogia. Neste sentido, a participao no PIBID
permite aos bolsistas a falarem de suas experincias vividas na Educao Bsica,
compartilhando assim toda sua experincia adquirida na escola com os colegas que
no fazem parte desta vivncia. Ora esta fala solicitada pelo professor de uma
disciplina da faculdade, ora ela vem espontnea no decorrer de uma conversa.
Propagando e contribuindo para implementao e formao da massa universitria
atravs de relatos de vivncias.
Para um estudante de licenciatura se tornar um bom professor ele necessita
tanto dos conhecimentos tericos vistos na academia quanto do treino da prtica
docente, formando assim uma prxis em que a teoria est vinculada prtica.
Devido ao modelo de formao tratar as coisas isoladamente, tende-se a dissociar
teoria de prtica, em que na verdade por trs de uma boa prtica sempre existe uma
teoria que muitas vezes foge do nosso conhecimento. Por isso o PIBID torna-se
eficientemente formador de professores completos, exatamente por proporcionar
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
participao em experincias prticas, que faz ressignificar, ou no, toda uma teoria
de aprendizagem aprendida noa anos das licenciatura na universidade..
Alm de contribuir para a formao continuada do professor supervisor, que
tem a oportunidade de est atualizando os seus conhecimentos acadmicos em uma
parceria com os bolsistas de ID traando uma relao dialtica entre ambos, o
programa aproxima a realidade formativa vista no Ensino Superior com as
dimenses reais da Educao Bsica. Sem utopias, sem devaneios, e sem ideologias.
O foco o tempo real da escola em suas condies normais de temperatura e de
presso.
5. CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
JOLIBERT, Josette. Formando Crianas Leitoras. Artes Mdicas. Porto Alegre, 1994.
MARTINS, Maria Helena. O que leitura. 74. ed. So Paulo: Brasiliense, 2007.
PAIVA, Nbia Pereira. Era uma vez uma poesia. Coleo Ciranda. Irec- BA, 2010.
http://www.uneb.br/pibid/files/2010/09/edital_prograd_pibid_uneb_n.065_02.08.
2012.pdf (acessado em 12/08/2013)
FERNANDO BONASSI E OS MODOS DE SE LER LITERATURA NA
CONTEMPORANEIDADE
RESUMO
1 APRESENTAO
S
Se eu soubesse o que procuro com esse controle remoto... (BONASSI,
2001, p. 30). 67
68
Dirige direto. Saiu de So Paulo no meio da tarde de sexta, domingo
mal amanheceu e Cuiab j ficou pra trs h muito tempo. Voa sobre
os buracos da BR 262. S pra pra comer, uma vez por dia e pra ir
ao banheiro, sempre que em vontade. No pensa em descansar. Vai
em frente, ver at onde agenta (BONASSI, 1996, p. 73).
CONSIDERAES FINAIS
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
75
MILTON HATOUM: UM AUTOR CONTEMPORNEO NA LITERATURA
BRASILEIRA
RESUMO
condenada, o autor se manifestaria como aquele que est para alm do seu texto,
anterior a ele e, na mesma medida, responsvel por sua escrita: autor e livro no se
situariam na mesma linha de tempo, pois ele precederia a obra, alimentando-a o
autor seria o deus do seu texto.
Mas, evoca Barthes como soluo para esse engano, o scriptor moderno
figura por ele proposta suplanta o autor, enterrando-o. Para este, a obra acontece
concomitante sua performao: escritor e obra se fazem juntos. No momento em
que a escrita comea, o autor condenado prpria morte, pois um texto no
escrito linearmente, com significado unvoco, ele um compsito de citaes e ideais
de outros que no o escritor. Por isso, o seu gesto de escrita nunca original: o
escritor apenas mistura as palavras, contrapondo-as ou apoiando-se nelas para
construir novas ideias, as quais chamar de suas. Logo, para Barthes (2004), a escrita
esse neutro, esse compsito, esse oblquo para onde foge o nosso sujeito, o preto-e-
branco aonde vem perder-se toda a identidade, a comear precisamente pelo corpo
que escreve.
Com a morte do autor e a ascenso do leitor, este ltimo assume, ento, um 79
lugar de fulcral importncia, segundo as concepes barthesianas. Uma vez que o
escritor no possui sentimentos, paixes ou opinies e apenas repete, mesmo que
inconscientemente, as palavras que j foram ditas, a linguagem adquire posio de
honra nessa perspectiva do processo de escrita: o corpo que escreve o do escritor, e
este no existe de fato fora do texto. Portanto, se atribuir um autor para determinado
texto significa explic-lo e, sobretudo, fech-lo, na figura do leitor, o qual deve
encontrar seu horizonte de expectativas dentro da obra lida, que a escrita dever
reencontrar o seu devir; mas para que esse leitor onipotente possa nascer, o autor j
deve estar morto.
Com a postulao da morte do autor, elege-se a linguagem como a fonte
primeva dos estudos textos: a partir dela e para ela que uma obra deve ser
apreendida. Esse desaparecimento da figura autoral, todavia, deixa lacunas que,
sozinho, o mecanismo da linguagem no consegue preencher plenamente. Em
virtude dessa falta que resulta da supresso do autor, Foucault (2002) prope a
funo-autor, no enquanto explicao da origem do texto literrio, mas como um
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Lejeune (2008) diz que, no sculo XXI, a aura de mistrio que outrora envolvia o
leitor e o autor no existe mais. O leitor de antes no conhecia o autor de um texto e
tinha, na verdade, dificuldades at em reconhec-lo atravs de retratos, os quais eram
raros mesmo nas edies dos livros. Hoje, esse espao vazio que era preenchido com
a imaginao do leitor se esvai, pois ele est em contato constante com a imagem
especular do escritor, s vezes numa apresentao anterior mesmo ao contato com a
obra em si, seja nas fotos to comuns nos encartes dos livros, nas revistas
especializadas, ou ainda com sua voz e gestos exibidos na televiso: a imagem do
autor se tornou corriqueira nos dias de hoje.
A projeo de si que feita no mercado pelo autor subverte ainda alguns
modelos antigos dessa relao leitor/autor. Outrora, o interesse pela figura autoral se
dava a partir do conhecimento e interesse que se tinha pela obra: algum lia um livro
e se interessava pela pessoa capaz de t-lo produzido, buscando a partir da dados
biogrficos, imagens, outras obras etc. Na contemporaneidade, todavia, no assim
que o processo se d. O autor se torna uma figura ativa e atrativa no mercado
83
O autor que se subtrai a essa nova realidade, fica aqum das flutuaes que o
mundo atual impe. A ele no cabe mais o papel de ser um corpo que escreve e,
depois desse processo, lega sua obra para vidos leitores. Revivificado, o autor
aglutina para si novas tarefas: a ele compete no apenas criar, mas tornar essa criao
o mais prxima possvel do real; e o que dar um novo tom a essa realidade ser a
sua prpria projeo na mdia: blogs, entrevistas, palestras e conferncias. Dessa
forma, ali, frente quele ser supostamente onipotente, o leitor almejar corrigir todas
as lacunas que supunha encontrar na obra. Esse talvez seja o momento crtico desse
novo lugar em que colocaram o autor: nesse pedestal, sua voz detm um peso muito
maior do que supostamente deveria; ento, cabe a ele construir um ethos, um modo
de operao de discursos, a fim de que a sua fala no destrua a possibilidade plural
de significaes que o texto j conquistou. Para ser bem sucedido nos circuitos
literrios, o autor contemporneo deve figurar na mdia e no mercado editorial, e
para isso, ele tem que se inventar.
Proliferar a mxima que defende o retorno do autor, sem, contudo, encontrar
dispositivos que possam auxiliar na compreenso de quem ele , se mostra um tanto
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
De fato, houve uma grande alterao no mundo desde a Segunda Guerra Mundial e a
Guerra Fria. Esses eventos funestos alteraram drasticamente a sociedade e sua forma de
encarar os eventos circundantes. Coadunando com essas mudanas, a globalizao e a
disseminao rpida de informaes atravs de meios de comunicao de massa e ligados
rede digital colaboraram para transformar a sociedade de um modo ainda mais incisivo,
onde se mistura o que pertence esfera pblica e ao domnio privado. A internet limita os
poderes da censura e proibio institudos pelos governos e d mais autonomia aos cidados
contemporneos. Mesmo sendo controversa essa realidade, h que se encarar esse mundo
novo de frente, ao invs de meramente perpetuar antigos valores e concepes.
permeado pela pluriculturalidade. Segundo ele, toda cultura est ainda passando por um
processo de autodefinio, por isso, ele incorpora um humanismo avesso ao cnone
quando esse termo refere-se ao que execra tudo o que esteja fora do tradicionalismo
exclusivista de uma cultura elitista e se esquece de outras culturas e tradies. Humanismo
no apenas uma consolidao daquilo j foi sentido e experimentado, mas antes uma crtica
ao que vem sendo desenvolvido a fim de evitar uma massificao arbitrria. Essa nostalgia
dos tempos passados equivaleria a um pensamento anacrnico; humanismo nesse mundo
democrtico crtica, revelao, descoberta: e no retraimento ou excluso. Na esteira desse
pensamento, ele aponta direcionamentos mais epistemolgicos, como o elo histrico entre
humanismo e crtica, em que se pode comprovar como toda ao pautada em grandes feitos
humansticos teve um componente de aceitao do novo. O tradicional, cannico no deve
ser oposto s inovaes contemporneas.
No sculo XXI, o tradicional e o novo sempre se encontram nem tudo o que j foi
deve ser descartado, e nem tudo o que vir pode ser dispensado: aqui que o cnone se abre,
no para perder a sua unicidade, mas compreendendo que sem uma concepo histrica,
social e econmica, um trabalho de Ssifo manter-se voltado apenas para o passado, sem
abraar as novas concepes literrias. Assim, necessrio que haja certa reflexo e ao, 85
extinguindo o pessimismo que tende a se instalar num mundo povoado de insatisfaes dos
radicais, que relutam em aceitar o novo, e dos reacionrios, que se impacientam por solues
imediatas para a aceitao de suas verdades.
Tomando por base esses pressupostos humanistas encabeados por Said (2007),
reaparece o questionamento do papel dos escritores e intelectuais nessa nova conjuntura. Em
suas palavras:
O conceito mais primrio de escritor seria o de algum a quem se atribui certa aura de
criatividade e uma capacidade quase sacrossanta de ser original. Mas, essa perspectiva tem
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
mudado bastante nos ltimos anos e o escritor vem assumindo gradativamente papis que
antes eram reservados apenas aos intelectuais e crticos. Entre essas novas atribuies, cabe
ao escritor contemporneo papis que o inserem na sociedade, como ser o porta voz da
verdade para o poder, testemunhar a perseguio e sofrimento de um grupo e apresentar-se
como figura dissidente nos conflitos com as autoridades. Logo, o escritor contemporneo no
pode permanecer aqum da problemtica social que est representando: ele ser a voz que
denuncia e os olhos que se abrem para o povo.
86
a sua obra, o qual dispe, inclusive, de fotos e informaes de contatos das editoras
que a publicam no Brasil e em terras estrangeiras. Alm disso, ele participa de
congressos, feiras e conferncias literrias para debater a literatura, sua obra ou
mesmo o seu processo de criao. Vdeos e entrevistas do autor so tambm
facilmente encontrados disponveis na internet, denotando que a figura autoral de
Milton Hatoum no se projeta como um mistrio para qualquer interessado em
conhec-la com mais acuidade.
O autor contemporneo precisa se inventar para transitar pelos espaos
miditicos, pois a subjetividade inerente ao sujeito faz com que ele desempenhe
funes sociais especficas a depender do contexto. Os escritores mentem muito,
diria o prprio Milton Hatoum, afirmando no acreditar nos autores que propalam a
ideia de que simplesmente escrevem, sem um roteiro especfico prvio. Todavia, essa
sua assertiva traz implicaes muito complexas, afinal, quando um escritor diz, a
forma que aquele dito deve ser interpretado bastante relativa. qual verdade
discursiva, portanto, devemos associar o autor contemporneo? de seus romances?
escrita formal. No que isso seja condio sine qua non para a compreenso da obra,
pois, como j mencionado, sabe-se que, depois de escrito, um texto no pertence mais
a quem o escreveu, sendo o prprio autor, ao coment-la, apenas mais um leitor dela.
Porm, para o leitor cauteloso e interessado em desvendar as significaes mltiplas
que a linguagem permite, ouvir a percepo de quem escreveu o texto pode ser um
exerccio bastante produtivo.
Para Hatoum, literatura se faz a partir de uma tradio de escrita e da
experincia do prprio autor, tudo isso permeado, em primeira instncia, pela
linguagem. Sua escrita paciente ensina que a pressa no uma boa amiga do
romancista: ele deve costurar suas ideias com tempo, aliando-se arte de cortar os
excessos e reescrever em busca de uma esttica saudvel. Ampla produo e
publicao no so, necessariamente, para ele, a marca de um bom escritor: sem o af
de produzir demasiadamente, ele se especializa em escrever com esmero.
A fortuna crtica de Milton Hatoum , de certa forma, inacessvel em sua
amplitude, pois a cada dia novos artigos, resenhas, dissertaes e teses esto sendo
publicadas no mbito acadmico. Notcias, tweets, entrevistas, vdeos e pginas de 89
grupo nas redes sociais so desenvolvidos diuturnamente no mbito dos meios de
comunicao. Sua produo literria ainda est em expanso, j que ele est
escrevendo um novo romance que dever ser brevemente publicado, o qual gerar
uma nova onda de textos acerca de sua histria e da relao que o autor mantm com
ela, entre outras fabulaes. Alm disso, suas narrativas Relato de um Certo Oriente,
Dois Irmos e rfos do Eldorado j obtiveram direitos de imagem e esto em processo
de adaptao para a televiso e o cinema, advento que o autor considera bastante
favorvel. Dessa forma, ele presenteia o leitor conectado aos novos moldes virtuais
que a literatura abrange, alegando ainda confiar no profissionalismo daqueles que
esto a cargo desse trabalho pacificando, com sua aprovao, os temores do leitor
mais arraigado aos moldes tradicionais, de que tal transfigurao de gnero possa
prejudicar a qualidade da sua obra.
Assim, Milton Hatoum se apresenta como um autor acessvel para o seu leitor,
seja ele convencional ou no. Preocupado em ser respeitado em todos os crculos nos
quais transita, ele j obtm notoriedade e considerado um dos maiores nomes da
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Literatura nos dias de hoje, sem para isso, precisar se corromper aos ditames de um
capitalismo devorador ou da volatilizao dos meios virtuais de comunicao.
Mantendo-se firme em seus preceitos esttico-literrios, ele se atualiza e se conecta.
Ele , tambm por isso, benquisto pelo pblico e pelos pares.
Milton Hatoum uma figura exponencial nesse fazer literrio com qualidade
esttica digna do cnone, mas com projeo mundial e espao cativo no mercado
editorial, pois sua atuao nos campos de visibilidade d ao pblico a sensao de
estar diante de um cone literrio mais acessvel, uma vez que ele prefigura a
contemporaneidade conforme postulada por Agamben (2009).
Assim como o autor, seus narradores passam pela problemtica de enfrentar a
transio dos sculos. Nos romances Cinzas do Norte (2005) , Dois Irmos (2000) e
rfos do Eldorado (2008) todos os narradores enfrentam a difcil travessia temporal
para analisarem suas vidas.
2 CONSIDERAES
90
Questionar a qualidade literria que circula nos tempos hodiernos uma tolice
infundada. A facilidade de divulgao que os meios no-impressos possibilitam para a
produo em massa so uma via de mo dupla, pois, ao mesmo tempo, auxiliam para que a
boa Literatura produzida possa ser disseminada. A internet e os meios digitais favorecem a
convivncia do leitor com o autor, criando espaos de dilogo e interao bastante favorveis
para a revitalizao de um pensar literrio mais democrtico. Nesse processo dialgico,
lucram o leitor, pela riqueza de experincias que absorve, e o prprio escritor, pela
possibilidade de fazer sua obra conhecida, lida e comentada obtendo ainda a aprovao e a
consagrao do pblico no seu prprio recorte diacrnico. Milton Hatoum uma figura
exponencial nesse fazer literrio com qualidade esttica digna do cnone, mas com projeo
mundial e espao cativo no mercado editorial, pois sua atuao nos campos visibilidade d
ao pblico a sensao de estar diante de um cone literrio mais acessvel.
Referncias Bibliogrficas
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
BARTHES, Roland. A morte do autor e Da obra ao texto. In: ______. O rumor da lngua.
So Paulo/ Campinas: Brasiliense/ Ed. Da Unicamp, 1988.
FOUCAULT, Michel. O que um autor? In: ______. O que um autor? 3ed. Lisboa:
Passagens, 1992.
SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2008.
A Sociologia e a Arte:
Repensando o nacionalismo e a diversidade cultual no ensino mdio.
RESUMO
Introduo:
O estudo de como as festas juninas e a Copa do Mundo interfere para a mudana nas
relaes sociais do brasileiro e na formao cultural deste povo, foi motivo de intensa
interatividade durante a teleaula com essa temtica, por esse motivo essa foi a aula escolhida
para ser socializada esse artigo. Utilizou-se a metodologia de relato de experincia e pesquisa
bibliogrfica, com aporte terico de Linhares (2001), Gidens 2005 entre outros para descrever
as estratgias utilizadas durante a teleaula de forma pormenorizadas, ao tempo que
fundamenta as estratgias apresentadas, relatando um pouco sobre o papel da Sociologia
como disciplina na matriz curricular do ensino mdio.
A Sociologia esteve ausente dos currculos do Ensino Mdio Brasileiro durante trinta
anos e o seu retorno foi gradativo a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
n 9394/ 1996(BRASIL, 1996) e posteriormente tornou-se obrigatria a incluso da Sociologia
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
como disciplina nas trs sries do Ensino Mdio diante disso os professores encaram o
desafio da reapresentao da Sociologia.
Nessa perspectiva entende-se por currculos no como contedos prontos para serem
96
repassados para estudantes, mas como construo e seleo de conhecimentos e prticas
sempre expostos a novas dinmicas, sociais, polticas, culturais e intelectuais dos contextos
em quem esto inseridos. Em concordncia com as teorizaes mais recentes sobre currculo
admite-se, ainda, a perspectiva que trata o currculo como instrumento de poder, de modo
que, o ato de selecionar um tipo de conhecimento, conferindo-lhe privilgio em relao a
outros, representa um modo de exercer o poder.
espao reservado para o posicionamento dos estudantes, sendo um grande diferencial para
as aulas de Sociologia a distncia. O uso de vdeos, imagens, reportagens jornalsticas, textos
comerciais e msicas tem servido de estmulo para a participao efetiva dos estudantes do
EMITec. Todas as salas virtuais fazem questo de expressar a sua opinio, bem como
contribuir com as suas participaes.
Segundo Silva (2005), esta interatividade pode ser entendida como a possibilidade do
receptor transformar as mensagens e, no simplesmente receb-las passivamente. Trata-se de
ter a uma coautoria da mensagem tanto do emissor como do receptor, uma construo em
conjunto. Desta forma, a interatividade consegue dinamizar a educao a distncia tornado-a
prazerosa, instigante e possvel de desenvolver uma aprendizagem significativa, com
qualidade e de forma responsvel facilitando os deslocamentos to necessrios ao
conhecimento.
Esta aula foi desenvolvida durante o perodo em que acontecia a Copa do Mundo no
Brasil em 2014, com estudantes do 1 ano do Ensino Mdio. O tema da aula foi: A Cultura
Brasileira nos festejos juninos e na Copa do Mundo, tendo como objetivo geral, analisar a
importncia dos festejos juninos e da copa do mundo na formao cultural do povo
brasileiro e como objetivos estratgicos: proporcionar uma reflexo sobre o momento em que
a paixo do brasileiro pelo futebol faz aflorar o sentimento nacionalista da populao
brasileira; repensar sobre a diversidade cultural do Brasil e do Nordeste. Com esse escopo
foram pensadas as aulas interdisciplinares de Sociologia e de Artes.
Dividir a sala em duas equipes e solicitar que cada equipe pesquise letras de
msicas de forrs.
Nesta etapa foram propostas brincadeiras relacionadas aos festejos juninos e exibidas
msicas juninas, comercias da copa alm de reportagens jornalsticas em que mostravam um
pouco da cultura nordestina. Ao final da aula as professoras videoconferencistas provocaram
o alunado levantando alguns questionamentos:
Aps realizar a anlise proposta na etapa 4, foi recomendado aos alunos que
assistissem ao vdeo oficial da Copa do Mundo no Brasil 2014. Em seguida, orientou-se
que os estudantes respondessem aos seguintes questionamentos, com a finalidade de serem
postados pelos professores mediadores no chat:
Aps o vdeo e respostas aos questionamentos solicitou-se que a classe fosse dividida
em 5 equipes. Cada equipe produziria um slogam ou frase de efeito que corresponde a frases
de fcil memorizao usada em contexto poltico, religioso ou comercial como uma
expresso repetitiva de uma ideia ou propsito. Os slogans como o tema Copa do Mundo ou
Seleo Brasileira deveriam ser afixados no mural da escola e tambm serem divulgados
pelos professores mediadores no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).
Consideraes Finais
[...] o impacto das transformaes de nosso tempo obriga a sociedade, e mais especificamente os
educadores, a repensarem a escola, a repensarem a sua temporalidade [...]. E ainda acrescenta que:
Vale dizer que precisamos estar atentos para a urgncia do tempo e reconhecer
que a expanso das vias do saber no obedece mais a lgica vetorial. necessrio
pensarmos a educao como um caleidoscpio, e perceber as mltiplas possibilidades
que ela pode nos apresentar, os diversos olhares que ela impe, sem, contudo,
submet-la tirania do efmero (SILVA, 2001, p.37).
REFERNCIAIS
______. Lei n9349/96 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional.
Dispe sobre as diretrizes e bases da educao nacional. Braslia, 1996.
CLARK, R.E. Media are Mere Vehicles: The Opeing Argument, em Richard Clark,
Learning from Media: Arguments, Analysis, and Evidence, Conecticut. p.125-136.2001.
DIMENSTEIN: Gilberto e outros. Dez lies de Sociologias para um Brasil cidado. Vol.
nico. So Paulo. FTD, 2008.
MORAN
RESUMO
Este artigo discute sobre a importncia do uso das TIC nas aulas de Literatura, mais
especificamente as miditicas, trazendo a concepo de blog, como um dispositivo
capaz de despertar o prazer dos alunos em ler e analisar textos literrios, bem como
estabelecer uma relao de parceria e construo em rede, a partir da cooperao e
colaborao. Procurando despertar o interesse dos discentes pelas obras literrias,
enfatiza a importncia do blog literrio que possibilita o prazer em ler e socializar as
ideias, uma vez que a leitura linear no corresponde mais a nica forma de
conhecimento sobre determinadas obras e contextos. Assim, traz uma reflexo sobre
a empregabilidade do blog como um dispositivo capaz de agregar e subsidiar o
ensino de literatura, em que a leitura passa ser vista como uma prtica multilinear,
capaz de promover rupturas nas conjunturas tradicionais da leitura linear. Alm
disso, o contexto atual requer alm da manipulao, o processo de interao. Hoje
temos o que podemos denominar de espao de interao ou cibercultura, o qual
propicia o desenvolvimento do letramento digital, onde se do as relaes entre o
campo miditico e o literrio. O foco principal do presente artigo est na capacidade
de promover reflexes que impulsionem novo pensar sobre o fazer pedaggico
construdo com mais envolvimento entre campo docente e atuao discente. Vale
destacar que na construo de um blog literrio mister agregar associao de
manifestaes literrias das ltimas dcadas, uma linguagem clara, com formatos
miditicos e envolventes. Neste pensar, tambm se prope abordar a linguagem
miditica como um dispositivo literrio, situando-a no como uma linguagem
subliterria. Outro ponto discutido a abordagem da expresso do verbal literrio a
partir do suporte miditico, destacando-se as manifestaes construdas com o uso
da hipermdia ou do hipertexto. A linguagem literria verbal ganha um sentido mais
amplo com os processos miditicos, uma vez que cada conexo possibilita a
apresentao de expresses que, muitas vezes, no foram capazes de serem
demonstradas, como o caso das performances utilizadas no momento da leitura, a
qual passa a incorporar fruio com participao fsica e da encenao. Por fim,
discute que a linguagem do cnone no se restringe ao conhecimento construdo nos
moldes do tradicionalismo dos textos escritos. Dentro da concepo da arte literria,
a mdia, a exemplo do blog, tambm consegue conectar e estruturar produes
dentro de uma concepo cannica e atual. Como aporte terico para construo
destas ideias, foram utilizados autores como Rojo (2002), Gomes (2010), Goodson
(2007), alm de ngela Kleiman(2005), Magda Soares(2004) e outros.
1 APRESENTAO
Este artigo objetiva discutir sobre o uso das TIC nas aulas de Literatura,
despertando o prazer dos alunos em ler e analisar textos literrios. Procurando
despertar o interesse dos alunos pelas obras literrias, enfatiza a importncia do blog
literrio como ferramenta que possibilita o prazer em ler e socializar as ideias.
Ao fazer uso das mdias na sala de aula, o professor de Literatura pode criar,
junto com seus alunos, um blog para socializar os contedos construdos durante as
aulas e divulgar os textos literrios analisados. Essa ferramenta, que ter a interao
de todos, permitir a socializao de conhecimento e incentivo de leitura de textos
107
diversos, inclusive os imagticos. Assim, o professor poder explorar a
multimodalidade de textos durante as suas aulas.
Neste pensar, Moita Lopes (2006, p. 27) diz que uma Lingustica Aplicada
transdisciplinar ou indisciplinar precisa contemplar questes de tica e poder, o
que configura a necessidade de um trabalho de realizao e no de sofrimento para
todos os envolvidos no processo que histrico e cultural. Conforme os autores
Azevedo Neto e Sousa (2006), a informao deve ser considerada como o principal
elemento na agregao de valor aos mais variados produtos e servios nos diversos
campos do saber e da produo. Com isso, pode se afirmar que o conhecimento
fruto da obteno da informao, e quando fazemos uso deste conhecimento,
estamos de fato exercendo o processo de letramento, pois conseguimos direcionar
108 para as prticas sociais, uma das mais importantes ferramentas utilizadas na
aquisio do conhecimento que so a leitura e a escrita.
Lvy (2000), afirma que novas maneiras de pensar e de conviver esto sendo
formadas no mundo das telecomunicaes e da comunicao. A aquisio e
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
111
CONSIDERAES FINAIS
Hoje cada vez mais comum o uso das novas tecnologias de informao e de
comunicao, as quais so usadas na comunicao social. Elas esto cada vez mais
interativas, em que os usurios se comunicam em tempo real, alm de agregarem
recursos que lhes permitem criar novas alternativas e aberturas. Os programas de
multimdia, como o vdeo interativo, os chats, os fruns so considerados alguns dos
mecanismos construdos nos blogs que conseguem promover o intercambio entre os
indivduos e o conhecimento. Por meio desses programas, os educandos podem
ressignificar as obras literrias, construindo videoclips, socializando vdeos com
dramatizaes das obras lidas, expondo imagens, realizando enquetes e,
principalmente, interagindo com outros colegas sobre o texto literrio analisado.
ps-colonial, foi preciso desenvolver um modo de pensar que tem como objetivo
atravessar/violar limites ou tentar pensar nos limites ou para alm dos limites,
que levem a resoluo de situaes-problemas da prtica social.
Referncias:
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Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
114
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
115
Eixo II
Literatura, Experincia e
Memria
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
116
A TELA, O ESPELHO, O POEMA:
Um estudo do autorretrato na poesia
RESUMO
POESIA E PINTURA
118 eloquens pictura a ele remetida traz a ideia de que a pintura uma poesia silenciosa e
a poesia uma pintura falante. (MELLO, 2010, p. 222) Simnides pe as duas artes
em relao de igualdade. O mesmo faz Horcio com a expresso conhecida por ut
pictura poesis, cuja traduo remete a como a pintura, a poesia.
Assim, pretende-se compreender o conceito de autorretrato mantendo o
dilogo que existe entre poesia e pintura, pensando-se que possvel perceber a
poesia na pintura, bem como enxergar as imagens que a poesia evoca lembrando
que as duas se olham atravs do mesmo espelho.
O AUTORRETRATO
119
A pintura feita em 1629 retrata Rembrandt aos seus 23 anos e de 1669 aos 63
anos, feita no ano de sua morte. As obras mostram as marcas que o tempo deixou no
rosto do pintor, mas ainda permitem leituras a respeito da busca do artista pelo
autoconhecimento. Outra caracterstica particular, j observvel no quadro de 1629,
como a luz se configura nestas obras (e em diversas outras do pintor); como se
houvesse uma nica fonte de ou uma mais intensa de um dos lados e uma mais fraca
do outro, tcnica que inspirou um efeito na fotografia e leva o nome do pintor,
conhecido por Luz Rembrandt1.
1Tcnica utilizada em estdios fotogrficos, conseguida atravs de um refletor e uma fonte de luz ou
duas. Uma luz mais potente posicionada em um ponto mais alto e uma menos potente, mais abaixo,
do outro lado, formando um contraste de luz e sombra. efeito formado por um tringulo de luzes
que se forma abaixo da linha dos olhos da pessoa retratada.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Talvez ocorra que, pelo fato do autorretrato ser feito enquanto o pintor
observa o seu reflexo no espelho ou sua imagem captada em uma fotografia, a
tendncia seja reproduzir o que ele v: caractersticas fsicas, a pose escolhida, a luz
naquele momento.
Novaes (2007) diz que O auto-retrato um instantneo do momento em que
o sujeito se encontra, mas no por muito tempo, e isso talvez dialogue com a prtica
incessante do autorretrato para Rembrandt. Mas olhando para o autorretrato feito
por Leonardo da Vinci em 1512, em que o artista se retrata muito mais velho do que
120
estaria no momento em que fez o desenho, talvez seja possvel ver o autorretrato
alm do papel definido de instantneo do momento e que exista muito mais a conhecer
do que o retrato externo.
Auto-retrato (1887) e Auto-retrato com chapu de feltro (1887), Vincent Van Gogh
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
122 pintura, se pode pensar como seus quadros so reflexos de sua vida.
Egon Schiele (1890), tambm considerado um dos mais conhecidos pintores a
utilizar o autorretrato, dono de um trao muito significativo e pessoal.
Auto-retrato com as mos no peito (1910) e Auto-retrato com a cabea baixa (1912), Egon Schiele
cores suaves (vrios tons de amarelo) e traos sutis que formam o cabelo e os que
contornam o rosto e as mos. Do outro, o artista de olhar profundo, as cores
sobrepostas, escuras (quase no se v o uso de branco, mas tons de trigo e creme e
uso excessivo de preto e castanho), num ritmo que parece perdido, possvel ver as
marcas do pincel e camadas de tinta em alto-relevo. So cores to prximas que a
certo ponto a imagem parece se fundir, dissolver, como se a qualquer momento ela
fosse se tornar uma mancha. O exagero nas formas anatmicas uma caracterstica
peculiar do pintor. Ele se apropria da liberdade artstica tanto em relao
superfcie, quanto ao seu mago interpretativo, sugerindo leituras sobre si que talvez
no pudessem ser expostas de outra forma.
Alguns artistas decidem se autorretratar de modo a no se reproduzirem do
ponto de vista da realidade, mas reinventam-se. Um exemplo desta temtica o
quadro Autorretrato blando con bacon frito (Autorretrato mole com bacon frito) do
pintor espanhol Salvador Dali (1904).
123
Tal como o pintor que, ao se pintar, manipula as cores e as formas que iro
fazer parte da composio do quadro, o poeta conduz as palavras que iro retrat-lo
no poema. A imagem no poema pode ser totalmente oposta refletida no espelho,
mas diante dele, em palavras, est o seu reflexo. possvel que nem o prprio poeta
saiba como e porque chegou quela imagem, mas provvel que se reconhea
retratado nela, assim como diz Rosa Maria Martelo, o autor que se retrata que h-
de ficar parecido com o seu auto-retrato e no o inverso. (2004, p.14).
A pintora mexicana Frida Kahlo (1907) produziu vrios autorretratos durante
a sua carreira, em situaes diversas.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
o texto tudo far para dificultar esta distino, sugerindo ao leitor que
precisamente o sujeito biogrfico que descrito na obra, quando, na
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
No est dentro, no nosso interior, nem atrs, como algo que surge de
repente no limo do passado, mas est, por assim dizer, adiante: algo (ou
melhor: algum) que nos chama a ser ns mesmos. E esse algum nosso
prprio ser. (PAZ, 2012, p. 186)
Mia Couto d imagens que no fim sero a sua prpria imagem; ora gro de
rocha, ora o prprio vento que desgasta a rocha; ora plen; ora areia que
sustenta o sexo das rvores; elementos muito ligados ao ambiente africano, alm
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
das metforas prprias de seu povo: a rvore, como origem, com razes fincadas, mas
cujos galhos crescem para fora. Aqui, ele a prpria terra que sustenta as rvores,
sua origem no uma s.
O poeta s reconhece sua prpria existncia a partir da existncia de outro e
talvez o espelho proporcione esse momento de encontro; aqui, sou um, no espelho,
sou outro. O poeta Manoel de Barros (1916) tambm acredita ser mais de um, como
ele escreve em Os dois: Eu sou dois seres [...] O primeiro est aqui de unha, roupa,
chapu e vaidade. / O segundo est aqui em letras, slabas, vaidades e frases.
(BARROS, 2013, p. 405); tanto um, quanto outro possui vaidades, embora o
primeiro seja feito de elementos materiais (unha, roupa, chapu) e o segundo
seja feito de seus principais produtos enquanto poeta (letras, slabas e frases).
Mia Couto e Manoel de Barros fazem um movimento que, para Octavio Paz,
inevitvel, quando observa a necessidade do homem em ser outro, sugerindo que
seu ser sempre o leva para alm de si (PAZ, 2012, p. 187), como Manoel de Barros em
Retrato do artista enquanto coisa, farto de cumprir sua funo de homem-social (No
aguento ser apenas um sujeito que abre / portas, que puxa vlvulas, que olha o 127
relgio, / que compra po s 6 horas da tarde, que vai l fora, / que aponta o lpis,
que v a uva etc. etc.), declara: Perdoai / Mas eu preciso ser Outros. (BARROS,
2013, p. 347-348)
Se na pintura, ao se autorretratar, o artista busca nas cores e nas formas uma
maneira de tornar visvel a sua prpria imagem, na poesia o poeta se habilita das
palavras e das metforas para formar a si mesmo. Em Retrato, a poetisa Ceclia
Meireles (1901) d ao leitor pistas de como a sua imagem, sugerindo ao mesmo
tempo como era a sua imagem no passado, numa espcie de reflexo diante do
espelho:
2Analogia ao livro de James Joyce, Um retrato do artista quando jovem, que por sua vez tem relao
(mesmo que no intencional) com o autorretrato de Jacques-Louis David, Retrato do artista (1794).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
GUISA DE CONCLUSO
REFERNCIAS 129
130
EXPERIMENTO DE LEITURA NA ESCOLA: UM OLHAR PARA A LITERATURA
FEMININA
RESUMO
INTRODUO
contedo seja explorado que nos propomos realizar esse trabalho diferenciado na
perspectiva de mediar o processo de aprendizagem com relao temtica de
gnero. Para atingir nosso objetivo priorizamos a utilizao de recursos pedaggicos
diferenciados e ldicos. ORLANDI (2000) defende o uso da ludicidade, e afirma que
esta facilita a produo de sentido na aprendizagem. De acordo com SOARES (2009)
a escolha das leituras deve ser feita tomando como critrio bsico a possibilidade de
que a leitura precisa ser feita de maneira prazerosa, sedutora, que tenha o poder de
levar a descoberta do prazer de ler. Nesta leitura o novo deve se fazer presente,
pois a leitura traz novas descobertas, provocando o fascnio por um universo
encantado da literatura Infantil e Juvenil.
Este trabalho procurar mostrar parte do projeto Memria das escritoras
brasileiras na escola realizado na UESB campus de Jequi o qual leva para as escolas
pblicas obras das escritoras brasileiras, a saber: Zlia Gattai, Marina Colassanti, Ana
Maria Machado, Adriana Falco e Silvia Orthof. Todas essas escritoras tm uma
literatura voltada para as discusses feministas, mostrando as varias faces da mulher
A FORMAO DO LEITOR
134 necessidades das turmas e que tocasse nas questes do feminino de uma maneira
agradvel e de simples entendimento.
infncia, quando morava em solo Italiano e foi ganhadora de vrios prmios como:
Prmio Jabuti de Poesia por Rota de Coliso (1993). As obras infantis da escritora,
sempre trazem uma reflexo feminina, muito pertinente para que as crianas
aprendam desde pequenas a importncia de se respeitar as mulheres e os seres
humanos em geral.
Para estudar a autora com alunos de uma escola pblica do interior da Bahia,
escolhemos as obras: Oflia, a ovelha e Moa tecel. Essas obras tm uma
sensibilidade muito grande, a primeira trata da aceitao fsica da mulher e sua
necessidade de mudana, e a segunda obra trata dos desejos e decepes de um
casamento vivido por uma mulher independente. So obras bem ilustradas de
linguagem essencialmente fcil que promove o entendimento do aluno e o gosto pela
leitura. Em tempos de tantas mutilaes femininas na busca da eterna juventude
achamos oportuno ler Oflia, a ovelha, fbula que reflete as inquietudes femininas
e suas descobertas atravs da experincia de assumir uma nova identidade, que
buscava a aceitao pessoal:
135
Ele no podia saber, como sabia Oflia, que aquela ovelha no era a mesma
que havia partidos. Continuava talvez um pouquinho sem graa, uma pouco
sujinha como todas as outras. Mais tinha andado sozinho pelo mundo. E
agora, embora ovelha entre ovelha, era nica, diferente de todas as outras.
(COLASSANTI, 2003, p.16)
identidade. Por conta da nova identidade, Oflia correu muitos perigos e quase
morreu, pois foi confundida com uma raposa e os fazendeiros da regio tentaram
mat-la. Aps uma longa caminhada, Oflia sentiu saudade do rebanho e do pastor.
Prosseguiu a caminhada e sentiu sua pele escorregar do corpo. A ovelhinha
reencontrou o seu antigo rebanho, mais ela j no era igual s outras, pois tinha
andado pelo mundo sozinha adquirindo experincias diferentes em lugares
diferentes.
A segunda obra trabalhada foi Moa tecel da escritora Marina Colasanti.
Essa obra, conta a histria de uma jovem que gostava do tear, tecia belos tecidos
durante o dia. Em um belo dia aps refletir a vida, percebeu que necessitava de um
companheiro, ento continuou a tecer seus tapetes e de repente bateram na porta, ela
nem precisou abrir, pois o moo foi entrando em sua vida. A moa comeou a pensar
como seriam os filhos que teria com o rapaz, mais este se pensou em ter filhos, logo
esqueceu.
O marido conheceu o poder do tear, e logo foi fazendo exigncias com: casa
136 maior, palcio, cavalos... E a moa tecia dia e noite os caprichos do marido. E pensou
como seria bom estar sozinha novamente. E quando anoiteceu a moa sentou ao tear,
enquanto o marido dormia comeou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as
carruagens, o palcio e por ltimo o seu marido, e se viu novamente na vida simples
e tranquila em que vivia. A moa tecel usou de sua autonomia, para decidir o que
era melhor para sua vida, percebeu que permanecer casada no a estava fazendo
feliz.
Nas duas obras, percebemos que a mulher o personagem principal, o ser
pensante, que tem sentimento apesar dos relances de fragilidade o ser forte em
busca de mudanas. As duas personagens retratam muito bem a figura da mulher do
sculo XXI: determinada, forte, ousada e idealista. Essas leituras devem fazer parte
da rotina das crianas, pois ir fortalecer o combate ao machismo que ainda ronda a
cabea de homens e mulheres. As escritoras brasileiras j enfrentaram bastante
preconceito e no tinham sua literatura reconhecida e no eram aceitas em espaos
pblicos, antes frequentados por homens.
Essas primeiras escritoras sentiram bem a excluso da mulher do espao
pblico, quando comearam a receber a censura da critica literria
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Fig.1 Fig.2
138
ovelha negra amava a sua aparncia e com o passar do tempo as suas amigas
queriam ser como ela: bonita, ls brilhantes e bem pateadas e com a estima em alta.
Na oficina intitulada: A Moa Tecel: um olhar feminino,2015, trabalhamos
com a obra Moa tecel e depois de realizada a contao de histria, discusso e
brincadeiras, solicitamos que os estudantes escrevessem um novo final para a o conto
A Moa Tecel e ilustrassem o texto. A seguir, apresentamos os resultados da
proposta.
Texto 1
139
A moa tecel
No final a moa tecel se transformou em uma princesa, ela fez um castelo bem
bonito de cores: rosa, roxo, amarelo, branco e vermelho. Depois ela casou-se e teve
trs filhos e ai virou uma rainha. (Karine)
Texto 2
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Texto 3
140
A moa tecel ficou com o marido e teve muitos filhos, depois teve que fazer uma
viagem, deixou as filhas com o marido. Ela nunca mais volta, o marido ficou muito
triste. A moa tecel no quis mais voltar para casa, pois quis ser muito rica. O
marido construiu um castelo com os filhos e vivero felizes para sempre. (Tatiana)
Texto 4
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Eles podiam viajar, e se no querem ter filho tambm podem ser felizes para
sempre (Emilly)
No texto 1 observamos que o novo final dado a histria foi baseado nos contos
de fadas antigos, onde a mocinha casa-se com o mocinho e vive feliz para sempre.
Ela tambm ilustra uma famlia tradicional com pai, me e filhos. Sabemos que as
novas famlias fogem a esse padro social, muitas crianas hoje no so criadas pelo
pai e sim um padrasto, novo companheiro ou companheira da me. Muitos avs
tambm assumem o papel de pai e me das crianas do sculo XXI, entretanto essas
famlias no apareceram na produo dos alunos.
No texto 2 outra estudante descreve que o marido era egosta e por isso a Moa
Tecel deveria romper com esse marido e casar-se com outra que a fizesse feliz. Esta
analise j foge aos modelos tradicionais da sociedade, pois a estudante prope um
novo casamento para que a personagem fosse feliz e tivesse os filhos que tanto
sonhou. A ilustrao foi uma casa simples, relembrando a primeira casa da Moa
Tecel. J no texto 3 o final dado pela aluna levemente tradicional e no seu fim
rompe com as tradies familiares. A personagem casa e tem filhos, porem decide ir 141
embora em busca de um enriquecimento e decide no voltar. Este texto reflete uma
realidade de Muitas mulheres de hoje que ficam divididas entre se doar para famlia
ou seguir carreira profissional em busca de sua independncia financeira. No texto 4
e ltimo a estudante Emilly continua com uma proposta um pouco fora dos padres
tradicionais, a aluna sugere que os personagem se casem, porem que no tenham
filhos, rompendo com os ensinamentos cristos,que prope que todo casal deve
gerar filhos para dar continuidade a sua descendncia, portanto a estudante prope
um casamento com expectativas diferentes, mais que busca no final a felicidade.
Com os novos finais para o Conto Moa Tecel, foi notria a boa influencia
que a literatura feminina causou nas estudantes. De acordo com BARBOSA, ,
portanto, essa vertente dos estudos literrios sinaliza o papel da literatura como
espao de representaes de identidade de gnero , sobretudo, de resistncia, luta e
renovao social. (BARBOSA, 2011. P.95). A literatura sempre vai contribuir com a
renovao social, atravs dos estudos de gnero muitas barreiras e preconceitos sero
vencidos, portanto cabe aos profissionais da educao, escolher uma literatura que
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
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CRISTINA, Ramalho. Literatura e feminismo proposta tericas e reflexes crticas.
Rio de Janeiro. ELO Editora e distribuidora, 1999.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
143
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
144
BIBLIOTECA ESCOLAR:
espao e tempo para o letramento literrio
RESUMO
APRESENTAO
Por ser mltipla e diversa, a leitura um territrio vasto para ser explorado.
Por meio dela os sujeitos interagem na comunidade em que vivem. No presente
trabalho, exploraremos a leitura da literatura infanto-juvenil, suas possibilidades e
contribuies para fortalecer o letramento de meninos e meninas de 5 Ano do
Ensino Fundamental I, inseridos numa escola municipal do municpio de Feira de
Santana. Este trabalho visa ainda reconhecer a importncia da literatura no ensino de
lngua materna, objetivando encontrar novos caminhos para um uso significativo do
espao da biblioteca escolar.
Dar visibilidade biblioteca da escola como espao de letramento impe aos
envolvidos no processo de aprendizagem ressignificar os espaos que compe uma
unidade escolar. A sala de aula no o nico espao de aprendizagens, e a biblioteca
juntamente com os outros ambientes da escola, mais um espao potencial para
146
incrementar as mltiplas possibilidades de aquisio de novos saberes atravs dos
mltiplos letramentos.
As atuais discusses em torno da competncia leitora apontam para uma
retomada de posicionamento no que diz respeito s prticas de ensino. Discute-se de
quem a responsabilidade pela formao do leitor competente; h o debate sobre
como se deve ensinar a ler e, ainda, o porqu do fracasso do ensino de leitura em
larga escala.
Discutir as prticas de ensino implica tambm discutir o processo de
alfabetizao que, visto como processo contnuo, no abarca apenas a leitura do
cdigo, mas tambm a relao que essa decodificao tem com a leitura do mundo, o
que chamamos de letramento. necessrio discutir a demanda de que o usurio da
lngua deve assumir uma postura ativa em relao ao seu prprio processo de
aprender, checando no cotidiano as vrias possibilidades das aprendizagens
conquistadas. Pensar o letramento como um direito ao acesso dos bens culturais
presentes na sociedade papel de todo e qualquer educador. Nessa perspectiva, o
letramento se torna condio fundamental para meninos e meninas em busca de
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
2 LEITURA(S) E LETRAMENTO(S)
Quantas leituras cabem no mundo? Tantas quantas os nossos sentidos nos 147
possibilitem. Lemos o cu e lemos a terra; lemos os gestos e o infinito; lemos com os
olhos e com o nariz; lemos silncios e ausncias. Ler com os sentidos nos possibilita
avanar na leitura dos sinais convencionados pela sociedade moderna, porque a
leitura vai muito alm de decifrar a escrita que a produziu, ler ver e sentir. Sendo
uma habilidade to prpria da vivncia humana, a leitura deve ser ampliada a fim de
possibilitar ao indivduo o sentimento de pertencer ao mundo letrado, mas tambm a
condio de se perceber como construtor das histrias que compem a Histria.
Em geral, ao falarmos de leitura direcionamos o nosso discurso e a nossa
ateno aos ndices de aprovao e reprovao dos exames nacionais (Inaf, Prova
Brasil) e internacionais (PISA) que sinalizam para os nossos graves problemas. Mas
importante lembrar que ler uma atitude de interpretao do mundo que nasce com
o indivduo e que vai muito alm de decifrar cdigos convencionados para reger
uma sociedade. por meio do ato de ler que concebemos o mundo, o recriamos, e
dele tomamos posse para outras leituras ao longo da vida. Ler na escola uma das
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
muitas leituras que realizamos no cotidiano porque ler est sempre alm do papel,
ver, sentir, ouvir e estabelecer novas relaes e interpretaes.
O desafio de unir a leitura escolar leitura de mundo tem sido tema de muitas
discusses, como as importantes contribuies de Yunes (2002; 2009) e Antunes
(2009). Apesar dos avanos nas discusses e estudos, a distncia entre teoria e prtica
continua sendo sentida no cotidiano das agncias formais de ensino.
s prticas que priorizam metas para alm da leitura pela leitura e que
capacitam o indivduo para agir no mundo e reagir a ele, denominamos letramento
apesar de que a palavra letramento no est ainda dicionarizada (Kleiman, 2006).
Alm disso, importante compreender que, nessa perspectiva, o letramento se inicia antes
mesmo de as crianas serem alfabetizadas. Dele lanamos mo para a compreenso de
uma sociedade que passa continuamente por uma evoluo nas formas de dizer o
mundo. Mas o que e como se faz o letramento? Segundo Kleiman (2006, p. 19),
Uma criana, um texto, livros. Folheia, visualiza, brinca de ler. Os textos e suas
magias. Seus encantos nos levam para muitas e tantas outras formas de leitura. Ler
imagens, ler palavras; refletir, indagar, criar, recriar. Eis o papel primordial da
leitura: permitir a reflexo, suscitar a imaginao, analisar as construes da lngua e
perceber as infinitas possibilidades da linguagem.
Dentre as muitas leituras, a leitura de literatura nos agua a apreciar a vida
por trs do espelho. a literatura que nos permite uma contra-leitura do real e as
inmeras possibilidades de ler uma mesma realidade. Mas de qual literatura estamos
ns aqui a nos pronunciar?
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
O termo literatura pode nos remeter aos escritos que tratam de reas
profissionais especficas como literatura mdica ou jurdica. Neste trabalho, a
literatura (ou o texto literrio) em pauta diz respeito quela que se relaciona direta e
exclusivamente com a arte da palavra.
De acordo com Proena Filho (1986), o que difere o texto literrio do texto no
literrio o fato deste ltimo se caracterizar pela transparncia, por objetivar
diretamente a informao. O texto literrio uma criao artstica e sua principal
caracterstica a marca da opacidade: abre-se a um tipo especfico de descodificao
ligado capacidade e ao universo cultural do receptor (PROENA FILHO, 1986, p.
8).
A linguagem especfica da literatura o seu principal aspecto de distino
entre outros textos (mas importante sinalizar que h a possibilidade de se encontrar
traos literrios em textos no literrios: um discurso de paraninfo de uma turma de
formandos elaborado em forma de cordel (Oliveira, 2010) pode ser tomado como um
exemplo dessa ocorrncia), pela linguagem a literatura almeja alcanar aspectos
Mas qual o lugar da biblioteca escolar? Para Silva (1999), a biblioteca escolar
pode ser comparada Bela Adormecida. Fechada em si mesma. Contemplada,
atravs das frestas ou dos vidros das janelas, como sendo um artefato de museu,
inerte mas (ainda que alguns ignorem) detentora de parte da Histria. Quem poder
155
despert-la do seu sono profundo? A quem recair a incumbncia de beij-la e trazer
de volta o seu encanto? Que seja uma Sherazade, para lhe dar as devidas honras de
princesa, herdeira de muitos tesouros.
Quase invisvel e muitas vezes marginalizada no espao escolar, a biblioteca
um potencial no que se refere ao ensino/aprendizagem, pois viabiliza a circulao
do conhecimento cientfico, a divulgao de informaes e a ampliao de prticas
de leitura com fins a consolidao dos mltiplos letramentos. um espao de trocas
e de descobertas, portanto, conceber a biblioteca como espao de silncio vai de
encontro s prticas reais de produo do conhecimento que ocorrem nas interaes
sociais que se instauram no compartilhamento de ideias.
Distante de cumprir suas reais funes, a biblioteca no faz parte da realidade
da maioria das escolas (Silva, 1999), mas alimenta o imaginrio das crianas que
julgam encontrar ali as mais belas histrias de mocinhos e princesas e os grossos e
pesados livros de pesquisa para fortalecer seus vnculos com os estudos e estabelecer
novos crculos de amigos leitores, ouvindo e se fazendo ouvir nas muitas trocas
sobre leituras realizadas.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Dar voz a estes sujeitos situados no espao escolar, alm de confirmar o direito
de falar e de se fazer ouvir, lana as potenciais sementes a germinar numa sociedade
to carente em dar sentidos palavra recepcionada atravs da leitura de literatura. A
biblioteca escolar, alm de espao para o letramento informacional, digital e tantos
outros, o lugar onde o tempo pode e deve ser tecido em funo do pensar e falar
sobre a literatura.
Para promover a ampliao da compreenso leitora no cotidiano escolar
propomos atividades organizadas em sequncia didtica entendendo tratar-se de
uma organizao que visa a progresso de conhecimentos sobre determinado objeto
de aprendizagem, aqui leitura de crnicas literrias, at que se alcance um saber
fazer. Segundo Dolz (2004 p. 51), a sequncia didtica :
Cosson (2014) e Sol (1998). no espao da biblioteca escolar que se pretende, com o
auxlio das propostas de estratgias de compreenso leitora elaboradas por Sol
(1998) compreendidas como pr-leitura (previses sobre o texto), leitura (leitura
compartilhada/independente do texto) e ps-leitura (resumo/avaliao do texto
lido), intervir de modo que as atividades da SD sejam aplicadas, observadas,
adequadas realidade e s necessidades da turma e avaliadas percebendo os
desdobramentos de cada ao proposta. Nesse sentido, Baldi (2009, pp. 17-18) aponta
caminhos para a dinamizao da biblioteca:
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
BALDI, Elizabeth. Leitura nas sries iniciais: uma proposta pra formao de leitores de
literatura. Porto Alegre: Editora Projeto, 2009.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
COSSON, Rildo. Letramento Literrio: teoria e prtica. 2 ed. So Paulo: Contexto, 2014.
OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de portugus precisa saber.: a
teoria na prtica. So Paulo: Parbola Editorial, 2010.
YUNES, Eliana. Tecendo um leitor: uma rede de fios cruzados. Curitiba: Aymar, 2009.
159
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
160
ENTRE O PROFESSOR E A PRTICA PEDAGGICA DE LEITURA
LITERRIA:
a voz do leitor no ensino de literatura
RESUMO
1. APRESENTAO
162
A leitura literria est alm da sala de aula, sendo que, na escola, os docentes
do Ensino Mdio focam as suas escolhas na grande literatura cannica e
desconsideram a leitura em outros espaos. A literatura, como afirma Cosson, o:
do Ensino Mdio, para demonstrar que a leitura foi feita e que foi possvel conectar a
historiografia literria estudada no ensino de literatura.
Nesse sentido, tratando do lugar da leitura literria na escola, Zilberman
(2003, p. 265) apresenta a seguinte assertiva: a leitura de fragmentos de textos
literrios presentes no livro didtico no forma o leitor do livro, que onde
materialmente se apresenta a literatura. Como enfatiza Cosson (2014, p 12, grifo
nosso), a situao do ensino de literatura na escola no deixa dvida para o que se
pode esperar da formao do leitor literrio ou mais precisamente da ausncia de
formao do leitor literrio.
Muitas vezes a literatura mantm presena priorizando leituras curtas, como a
poesia, o conto, a crnica, e no trmino da unidade didtica, o livro aparece para
complementar o contedo trabalhado, para culminar uma escola literria. A leitura
do livro no espao pedaggico, a depender do conceito de leitura de cada docente,
distancia tanto o leitor/aluno quanto o leitor/professor que no prioriza esse ato de
ler no seu dia a dia. Ser que podemos esperar o tempo em que, como bem intensifica
Zilberman a literatura est em parte alguma? 163
Diante das diversas prticas pedaggicas, a mediao do professor
fundamental para direcionar a protagonizao da leitura literria no ensino de
literatura. O que lido? Que escolhas sero feitas? Para quem as escolhas sero
feitas? Quem o leitor? Que outras leituras fazem parte do seu dia a dia? Qual o
objetivo da leitura realizada? Quais as estratgias que sero utilizadas para mediar a
comunicao entre os elementos da leitura: autor, texto, leitor e contexto (COSSON,
2014, P. 37)? Essas indagaes so pertinentes no processo de interveno docente e
contribuem no desenvolvimento de prticas que valorizem o leitor literrio.
necessrio que o professor interaja com a leitura que permeia os entrelugares do
espao docente. Isso se contrape intensa manuteno do cnone inserido no
espao acadmico, nos livros didticos, nas revistas literrias, impondo a sua
padronizao, presente na interpretao textual, nas citaes de obras literrias, nos
fragmentos ilustrativos, nas releituras, em outras linguagens. Assim montada a
tessitura, a trama em que a literatura est submersa no espao pedaggico.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
164
O leitor entra em cena. Qual o seu posicionamento diante das prticas de
leitura literria? Como leitor, a sua atitude deveria ser, de acordo com o significado
do termo - o sujeito atuante ou que escolhe o livro a ser lido (no espao extraescolar
ou escolar) ou atua de acordo com a indicao de outrem. Ao escolher, o leitor utiliza
diversas estratgias correspondentes ao seu contexto social, s suas idiossincrasias. A
escolha pode ocorrer, atravs de elementos diversos, desde a capa e/ou ttulo do
livro, exposies sucintas na orelha do livro, comentrios de outros leitores. Em
contraparte, h, no processo de escolarizao, imposies que buscam a to
desejada formao do leitor atravs da seleo de livros lidos por unidades e que
precisam ter um produto da leitura para provar que ela foi realizada (resumos,
avaliaes, produes escritas e artsticas).
O que imposto, na escola, no garante a realizao do ato de ler, no processo
de aprendizagem, e gera uma busca para burlar as prticas pedaggicas para
conquistar a to desejada nota. Mesmo propondo leituras, os professores sabem da
possvel negatividade desse ato. A prtica pedaggica de leitura garante que o livro
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Esta pesquisa foi realizada em uma escola pblica situada no alto serto
baiano, no municpio de Guanambi - BA. Foram observadas duas turmas de Ensino
Mdio, 2 A e 2 B, especificamente as aulas de literatura. O foco da pesquisa
direcionou-se para leitura literria na sala de aula e como se d a compreenso
responsiva do leitor. A pesquisa foi qualitativa, seguindo uma abordagem
etnogrfica, e utilizou dos seguintes instrumentos de coleta de dados: observao das
aulas, registro de campo, questionrio semiestruturado com os alunos.
Para a observao das aulas foram necessrias seis semanas, em cada turma
cinco aulas foram utilizadas para desenvolver a pesquisa. No decorrer da
observao, era de conhecimento do pesquisador que o livro O Xang de Baker Street, 167
de J Soares, fora escolhido para ser trabalhado na unidade. Nesse nterim, o
professor trouxe a leitura do box informativo (CEREJA; MAGALHES, p.330, 2010)
sobre o livro proposto e uma aluna (2 A) fez uma solicitao: que a professora
passasse o filme para apreciao. Em um dos momentos da aula, a professora
comentou rapidamente o que contm cada parte do livro. Em contrapartida, era
visvel que outros livros (Ladres de raios, Fazendo meu filme) estavam sendo lidos
pelos alunos no decorrer da aula e nos corredores da escola, sendo que no havia
uma interferncia, nem interao do professor durante este processo.
Aps o desenvolvimento da atividade Domin Literrio, foi realizado um
questionrio semiestruturado com 33 alunos das duas turmas pesquisadas. A escolha
dos alunos foi aleatria e no houve critrios para decidir quem participaria da
pesquisa. Os resultados foram analisados e convertidos em grficos no editor de
planilhas Microsoft Excel para melhor visualizao das respostas. Apesar de outras
questes terem sido feitas aos alunos, para esta pesquisa foram selecionadas as que
faziam referncia atividade supracitada.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Outro fato apresentado pelos leitores consiste nos trabalhos escolares, vistos,
na fala dos alunos, como algo que ocupou o tempo que poderia ser dedicado
leitura. A leitura feita na escola perfaz o caminho da escolarizao e traz consigo
traos que no priorizam o leitor literrio nem o processo de formao desse leitor.
Nesse sentido, o que se encontra na sala de aula so artimanhas para a no realizao
da leitura. 169
170 e uma aluna disse que Gosta das obras do escritor. (ALUNO 2),
A posio dos leitores perante a leitura, em contrapartida, esboou um
contrassenso nas respostas dos alunos, visto que eles no apreciaram a totalidade da
leitura do livro. Alguns que informaram ter gostado do livro, expuseram, na
justificativa da questo, que: Li o livro pela metade para fazer a avaliao (ALUNO
3), Estava no meio da leitura e decidi assistir ao filme (ALUNO 4). Esse fato
demonstra que boa parte dos entrevistados desistiu da leitura do livro aps
assistirem ao filme, considerando que o filme foi utilizado para o desenvolvimento
da atividade, um gnero substituto do outro.
Outros afirmaram, ainda, no terem gostado do livro sem mesmo o terem lido.
H no leitor uma viso de que a literatura proposta pela escola s traz livros
tediosos (ALUNO 5). Como considerar que algo no me agrada sendo que o
desconheo? Abaixo, no grfico, segue o posicionamento dos alunos/leitores:
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ANEXO
3. Que meio voc utilizou para fazer a leitura do livro (celular, computador, livro
impresso, outros)?
4. Como voc considerou a atividade realizada na aula de literatura sobre livro lido
atualmente?
5. Voc considerou o livro interessante? O que ficou evidente no momento da leitura?
Voc considera que a escolha do professor foi pertinente?
6. Para os alunos que no leram o livro, a atividade realizada pela professora
incentivou a leitura? Por qu?
176
A IMPORTNCIA DA LITERATURA INFANTOJUVENIL COMO DISCIPLINA
PARA O CURSO DE LETRAS VERNCULAS
1 APRESENTAO
(1993), Mortatti (2014) entre outros, alm de pesquisas recentes sobre essa temtica
como as de Cerqueira (2007), Castilhos (2013), Oliveira (2015) e Arajo (2015).
fundamentao terica? Como o curso tem preparado esses professores que, em tese,
formaro leitores?
Tais questionamentos so salutares porque se acredita que importante para a
formao do graduando ter contato com discusses tericas em torno da literatura
infantojuvenil, mas tambm ter momentos de vivncia literria, a fim de que
posteriormente possa desenvolver uma prtica pedaggica com embasamento.
Afinal, ele ser um mediador de leituras, caber a esse profissional selecionar, indicar
obras literrias. Oliveira (2010) corrobora tal posicionamento:
180
3 ENTRELAANDO DISCUSSES
Com base no que foi exposto, sero brevemente apresentadas trs histrias de
leitura realizadas para a pesquisa que compe a Dissertao, bem como a anlise
inicial dessa coleta de dados, como uma forma de melhor elucidar a importncia da
Literatura Infantojuvenil como disciplina para o curso de Letras Vernculas. 181
Como percurso metodolgico optou-se pelo mtodo qualitativo, sendo
instrumentos de coleta de dados a Pesquisa Bibliogrfica, Documental e a Entrevista
semiestruturada. O lcus escolhido foi o campus XXII, da Universidade do Estado da
Bahia, situado na cidade de Euclides da Cunha.
Os sujeitos da pesquisa so seis estudantes egressos do referido campus,
professores das sries finais do ensino fundamental. Entretanto, como a pesquisa
encontra-se em andamento, sero brevemente apresentados aqui apenas os relatos de
trs entrevistados. Buscando preservar suas identidades, os nomes que os
representam so fictcios.
Ana (35) e Lvia (36) so naturais do municpio de Tucano e lecionam h dez
anos na rede pblica de Quijingue, cidade do interior da Bahia, situada a 333
quilmetros da capital, Salvador. Ambas tm em comum a alfabetizao tardia
foram alfabetizadas apenas aos dez anos de idade.
Ana nasceu no Povoado Casa Nova pertencente a Tucano, Bahia, e at os dez
anos, a nica referncia de leitura que se recorda de uma tia que lia as cartas que
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
182
Veja s, hoje a gente tem que ter um olhar direcionado, tentar ajudar
o aluno a perceber isso e vamos supor, eu vou trabalhar com o conto
tradicional, esse conto tradicional e uma outra verso. E como essa
outra verso? Ter esse olhar, a partir de algo, de uma situao tentar
ver de outra forma, ter esse olhar crtico. Eu acho que nesse sentido
de reflexo mesmo, de o aluno perceber que em alguns momentos
pode inferir, que atravs daquela leitura ele pode opinar, dizer eu
acho, eu no concordo com esse autor, ele poderia ter feito de tal
maneira. Eu acho que ela (a disciplina) ajudou nesse sentido, desse
olhar crtico, de anlise, de observao.
mas tudo trazia pra o meu aluno e a sentia a necessidade de trabalhar a leitura, e
isso me deu oportunidade de trabalhar outros livros com os alunos.
Observando, pois as histrias de vida dessas professoras possvel notar a
relao existente entre leitura, literatura e prticas culturais de leitura. Sua histria
leitora e sua qualificao profissional se inter-relacionam e se refletem numa prtica
pedaggica que busca despertar o encantamento, a fruio, o encontro significativo
com a leitura literria.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 5 ed. So
Paulo: Contexto, 2010.
JOUVE, Vincent. A leitura. Trad. Brigitte Hervot. So Paulo: Ed. Unesp, 2002.
OLIVEIRA, Ana Arlinda de. O professor como mediador das leituras literrias. In.:
PAIVA, Aparecida; MACIEL, Francisca; COSSON, Rildo (Coord.). Literatura: ensino
fundamental. Braslia: Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica, 2010,
p. 41-54 (Coleo Extrapolando o Ensino).
188
JORNAIS BAIANOS E REMINISCNCIAS:
LEITURAS SOBRE A DITADURA MILITAR
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre as memrias da censura s obras
artsticas historiadas em jornais baianos, que apresentam os registros de momentos
vividos pelos sujeitos na ditadura militar e o movimento repressivo que marca esse
regime ditatorial, em especial considerando o fato de que a censura tentou bloquear a
circulao de ideias tidas como perigosas para a sociedade armada. A pesquisa, que
se desenvolve a partir da leitura e da anlise de registros dos regimes ditatoriais em
jornais baianos, tem por objetivo ressaltar a importncia dos textos localizados e que
apresentam vestgios da represso e da censura. A reflexo ocorre a partir da
consulta aos jornais baianos, em especial A Tarde e Jornal da Bahia, constantes no
acervo da Biblioteca Pblica do Estado da Bahia, localizada nos Barris, com o fim de
considerar a leitura dos relatos sobre a violncia e sobre a vigilncia, que no foram
silenciados durante esse perodo histrico. Para tanto, foram necessrios alguns
aportes tericos referentes s questes sobre acervos documentais, memria, regimes
ditatoriais e censura, entre os quais Le Goff (1996), Soares (1988), Brettas (2010) e
Arajo (2015). Os jornais viabilizaram o resgate dos arquivos e das memrias, mesmo
com a censura, cumprindo seu papel de dispositivo de manipulao ideolgica
referente aos interesses da sociedade armada. Este fato fica claro nesta pesquisa, j
que alguns jornais investigados esto em circulao at hoje, como os que foram
objeto da pesquisa, enquanto outros no suportaram a presso da poca visto que a
censura no teve o mesmo efeito sobre os diferentes tipos de jornais e revistas,
comprometendo alguns relativamente pouco e condenando outros ao fechamento.
preciso lembrar que, muitas vezes, o mecanismo de represso do governo nem
precisava chegar a anular a publicao de uma matria pronta, pois os prprios
editores e jornalistas sabiam que tipo de notcia poderia inflamar os nimos dos
representantes do regime. Nesse contexto, em alguns casos, antes da notcia ser
divulgada, era comum que os censores enviassem bilhetes ou fizessem ligaes,
determinando s notcias que no iriam para as pginas de jornal, j em outras
situaes, a visita de um censor empreendia um controle ainda maior. Por fim, vale
ressaltar que, apesar da imprensa ter sido alvo da censura durante a ditadura
instaurada pelo golpe civil-militar de 1964, seu papel enquanto testemunho, isto ,
tudo aquilo que pode evocar o passado histrico, continuou sendo de grande valia
para o resgate e a leitura de parte da histria de silenciamento e de represso dos
sujeitos na ditadura militar.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
1 APRESENTAO
Este artigo consiste em dar notcias sobre a pesquisa com o mapeamento dos
vestgios de memrias da ditadura militar presentes nos jornais baianos, durante as
dcadas de 60-70, que tem sido desenvolvida desde 2014, com o auxlio de bolsa de
IC da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado da Bahia FAPESB, no curso de
Letras da Universidade Federal da Bahia - UFBA.
A pesquisa est vinculada ao projeto intitulado Arquivos culturais e
construo do lxico: a vigilncia nos regimes ditatoriais, coordenado pela Profa.
Dra. Eliana Brando (UFBA) que tem, entre outros, o objetivo de ler e reavaliar fontes
testemunhais, histricas ou ficcionais, presentes em jornais brasileiros, que divulgam
relatos sobre a memria da violncia e da vigilncia, durante a vigncia da ditadura
militar, entre as dcadas de 60 80 (1964-1985).
2 DITADURA E CENSURA
193
197
A partir da seleo e organizao dos dados coletados nos jornais, entre 2014-
2015, com os jornais A Tarde e Jornal da Bahia, constantes no acervo pblico da
Biblioteca Central do Estado da Bahia, foi composto um catlogo informatizado,
permitindo assim reflexes acerca da importncia das fontes documentais.
Entretanto, por se tratar de uma poca de censura, muitos jornais foram examinados,
porm sem xito quanto ao achado s informaes relevantes para a pesquisa.
Alguns nmeros dos jornais de 1968 e 1969, no foram disponibilizados para
leitura no acervo da Biblioteca Central do Estado da Bahia, devido a no existirem ou
por estarem em um estado degradado e por isso sem ter a possibilidade de consulta
por parte dos leitores. Foram os casos dos exemplares do jornal A Tarde, do ms de
dezembro de 68 e dos meses de janeiro e fevereiro de 69. O Jornal da Bahia
apresentou uma condio de conservao melhor do que a do jornal A Tarde, no
entanto observou-se que o referido jornal foi menos ousado e no registrou, no
perodo analisado, tantas matrias que servissem para a leitura da vigilncia e da
violncia no mbito artstico e cultural.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
REFERENCIA: A Tarde. Poltica e polticos, segunda coluna. Bahia, Salvador, sexta-feira, 08 de maro de 1968,
n 18586, p.3. Acervo da Biblioteca Pblica do Estado da Bahia.
Livro do escritor baiano foi Produo literria Poltica e Texto escrito acompanhado de
apreendido em Ilhus. censurada Raio X polticos imagem e sem crditos
de uma Cidade de autorais.
Creso Coimbra
IMAGEM DIGITALIZADA
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
199
DESCRIO DO JORNAL
Recorte de Jornal. Ao centro, ttulo da matria, Raio X de um cidade, constante na seo Poltica e polticos.
Texto em duas colunas, contendo 20 linhas na primeira e 17 na segunda coluna, constando ao todo um total de
37linhas.
RESUMO DA MATRIA
O livro Raio X de uma cidade, de autoria de Creso Coimbra, lanado em Itabuna, Salvador e Ilhus, foi
apreendido pelo subdelegado de polcia federal de Ilhus, sob a alegao de ser imoral, pois continha palavras
pornogrficas.
A apreenso ocorreu na segunda-feira, num depsito pertencente ao encarregado pela distribuio do livro,
em Ilhus. Cem volumes foram apreendidos pelos prepostos da subdelegacia de polcia federal, os quais no
deram recibo da apreenso. Os policiais mantiveram clima de apreenso no seio da populao, ameaando
com priso a quem vendesse ou comprasse o livro.
TRANSCRIO DA MATRIA
Livro de escritor baiano foi apreendido em Ilhus
O livro Raio X de uma cidade de autoria de Creso Coim-
bra, lanado, recentemente em Itabuna, Salvador e Ilhus, foi
apreendido pelo subdelegado de Polcia Federal de Ilhus sob
a alegao de que amoral pois contm palavras pornogrficas.
A apreenso ocorreu na se- dncias contra a arbitrarieda-
gunda-feira, num depsito per- de praticada pelos policiais.
tencente ao encarregado pela Falando reportagem de A
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
acervo quanto ao modo de utilizao correta dos jornais antigos que rasgam com
facilidade. Uma possvel soluo para driblar as perdas de jornais presentes em
acervos pblicos a digitalizao destes jornais antes que se percam por completo e
seja impossibilitada a sua leitura por parte dos leitores.
http://www.jornalgrandebahia.com.br/2014/04/biblioteca-publica-da-bahia-
recebencontro-de-escritores.html. Acesso: 30 de julho de 2015.
BERG, Creusa de Oliveira. Mecanismos do silncio: expresses artsticas e censura no
regime militar (1964-1984). So Carlos: EdUFSCar, 2002.
BRETTAS, Aline Pinheiro. A biblioteca pblica: um papel determinado e
determinante na sociedade. In: Biblos: Revista do Instituto de Cincias Humanas e da
Informao, v. 24, n.2, p.101-118, jul./dez. 2010. Disponvel em:
http://www.seer.furg.br/biblos/article/viewFile/1153/1030. Acesso: 30 de julho de
2015.
GONALVES, Eliana Correia Brando. LXICO E ARQUIVO: a questo da violncia
nos regimes ditatoriais. In: HORA, Dermeval da, PEDROSA, Juliene Lopes R.,
LUCENA, Rubens M. (Orgs.). ALFAL 50 anos: Contribuies para os estudos
lingusticos e filolgicos. Joo Pessoa: Ideia, 2015, p. 544-573.
Imprensa Livre. Dia do jornalista: a censura do governo petista em Belo Monte, 2011.
Disponvel em: http://luctasocial.blogspot.com.br/2012/04/dia-do-jornalista-
Cludio do Carmo
Universidade do Estado da Bahia/UNEB;
claudiodocarmog@gmail.com
RESUMO
devemos lembrar tambm que na maioria das memrias existem marcos ou pontos
relativamente invariantes, imutveis. Desta maneira, o afastamento temporal ou
espacial da memria original, nos leva a ambiguidade de ter algo que em nada se
parece com memria e ao mesmo tempo conserva traos que sublinham uma
estrutura memorialstica.
Pode parecer estranha a afirmao, se estamos falando de memria, e estamos, que
embora a memria se abastea do passado e seu principal repertrio gire em torno
deste passado, cabvel a suposio da inexistncia do passado. Se assim, o acesso
a suas fulguraes se d no mbito das representaes. Da supor, que a memria
constitui uma reconstruo em termos atuais deste passado e que, por sua vez, se
ancora e se abastece na atual crise do presentismo (CANDEAU, 2014).
A categoria memria, ento, submetida a uma srie de percalos que a atualizam,
dentre estas ganha forma uma expresso esttica intitulada vintage. O termo no
novo e tem sua origem, francesa, expressa na ideia de deslocamento da experincia
vivida, que empurrada para um tempo posterior, embora permanea com
elementos fundamentais de um tempo remoto, numa espcie de transtorno da 205
memria que ascendeu principalmente nas ltimas duas dcadas.
O vintage apropriado por geraes que no o viveram e esta a tnica de sua
especificidade, pois assenta-se numa aplicao carregada de ressignificao, cuja
esttica inadequada legitima seu pertencimento ao ser retomada por tempos
contemporneos. Tal esttica, vintage, sentida em narrativas as quais buscam
retomar um repertrio que se esmera nas argumentaes consolidadas, ao referir-se a
enredos que dialogam com o tempo contextual, mas que no precisamente ao
contexto contemporneo e sim ao passado, como se o tempo vivido estivesse sendo
retomado e recuperado ( sem erros) na atualidade. Nesse sentido, a geografia do
texto literrio caracterizada pelo lugar de interseo entre espaos empricos
constitudos e aqueles imaginados, constitui o entre-lugar que produz relatos e
representaes das mais constantes, emergindo e fazendo emergir da uma memria
de contornos imprecisos, j que se situa num passado que inexiste e somente tem
alcance imaginrio. O passado que se faz ausente, ao mesmo tempo que
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Uma vez adquirida, a histria, ela estar, por fora do hbito presentificada nas aes
continuamente. Esta aquiescncia, envolve variados sentidos e formas de
experincia, tais como a bagagem intelectual, o conhecimento e mltiplos aspectos da
vida social e comportamento. Aprendemos pelo corpo e atravs dele que as
injunes sociais regulares se apresentam, atravs de ritos que tendem a inscrever os
sexos nos corpos. A prpria distino entre masculino e feminino, uma das mais
notrias atividades do corpo que age de maneira a marcar explicitamente, em que
O estudo parte da narrativa Fim de Fernanda Torres, cuja temtica sugere a ideia
de gerao e a preciso fronteiria entre memria e identidade. Tal obra parece
traduzir realidades em que a competncia discursiva a transforma no somente em
representao urbana como lugar de vivncia ficcional, ou seja, espao de encenao
real ficcionalizado, mas tambm como lugar imaginado que se faz real a partir da 209
fico, na medida em que interpela este mesmo real. Uma literatura de condio
esttica vintage, por ser o territrio do encontro, do entre-lugar de tempos e espaos,
vale dizer, h um encontro entre as teorias que informam a memria e suas
formulaes literrias, estejam elas nos textos, nos autores, na esttica dos livros, na
vida cultural.
Vamos encontrar esse entendimento em narrativas literrias contemporneas, que
sugerem um rompimento entre geraes, como o caso do romance intitulado Fim
de Fernanda Torres, publicado em 2013, cuja temtica sugere a ideia de gerao e a
preciso fronteiria entre memria e identidade. Tal obra parece traduzir realidades
em que a competncia discursiva a transforma no somente em representao urbana
como lugar de vivncia ficcional, ou seja, espao de encenao real ficcionalizado,
mas tambm como lugar imaginado que se faz real a partir da fico, na medida em
que interpela este mesmo real. Uma literatura de condio esttica
contempornea, cujo teatro da memria se movimenta em um territrio de encontro,
do entre-lugar de tempos e espaos.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
A memria por tabela se situa no mesmo campo semntico do vintage, ou seja, uma
memria de segunda ordem, herdada, em que o tempo passado se confunde e
apropriado pelo presente. Irene ento se move tambm nesta perspectiva externando
uma ruptura sentimental e a um s tempo vivenciando uma memria por adeso.
Com isto, a fico literria contempornea, qual o caso de Fim, se assenta na
perspectiva da reconfigurao do tempo, da qual a noo de vintage uma das
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
REFERNCIAS
213
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
214
HISTRIA DE LEITURA DE PROFESSORES E SUAS IMPLICAES NAS
AULAS DE LITERATURA NO ENSINO MEDIO
RESUMO
Este artigo intitulado Histrias de leitura de professores e suas implicaes nas aulas de
literatura no Ensino faz parte de minha pesquisa de Mestrado sobre histrias de
leitura de professores egressos do curso de Letras vernculas, da infncia fase
adulta, na condio de docentes do Ensino Mdio. O objetivo investigar como se
constituram estas histrias de leitura na vida e profisso desses professores e quais
as implicaes na atividade docente no ensino mdio para a formao do leitor. A
pesquisa fundamenta-se na ideia de que a leitura literria um direito do ser
humano e que a formao leitora dos professores contribui para fazer deste um
mediador de leitura que estimula nos alunos o hbito e gosto pela leitura literria. De
natureza qualitativa, o trabalho utiliza-se da abordagem autobiogrfica na
perspectiva de Ferraroti (2010) e Souza (2006, 2008), dentre outros, como mtodo de
investigao e para isto faz uso da entrevista narrativa para a coleta dos achados da
pesquisa. A base terica desse trabalho constituda por autores que abordam a
Sociologia da leitura e as suas prticas culturais, dentre e fora da escola, tais como
Chartier (2011), Lafarge e Sagr, (2010); Abreu (2006). Para a concepo de literatura
e do ensino da Literatura, elege-se, Cndido (1995), Todorov (2010) Paulino
(2008,2004), Cosson (2014) e Lajolo (2001). E para a discusso sobre a formao
docente ampara-se em Nvoa (1989-1995 e 2010), Tardif (2012,2014) e Antunes (2011).
1. APRESENTAO
216 entender que a trajetria de leitura dos docentes contribui para torn-los
profissionais mais preparados e seguros ao ensinar literatura e transformarem suas
prticas educativas e a formao do leitor na escola bsica.
Assim, frente a esta realidade, h de se preocupar com a forma como os
professores constroem ou podem construir propostas para as prticas e acessos
leitura literria na escola bsica, especialmente no ensino mdio. Tambm faz parte
deste estudo verificar se a formao universitria do professor e os saberes advindos
da sua histria de vida e de leitura, tm lhes ajudado na busca por metodologias,
estratgias e prticas inovadoras de incentivo ao gosto e hbito da leitura literria,
sem terem de apenas obrig-la aos alunos, mas ensinando maneiras de ler e de gostar
de ler a estes jovens, de forma a transformarem o ambiente da sala de aula em local
adequado a ao estimuladora do ato de ler.
Aponta Bresson (2011, p 35) que a aprendizagem da leitura requer ensino,
mesmo em sociedades alfabetizadas como a nossa. Para ele, o ensino da leitura o
meio de transformar os valores e os hbitos dos grupos sociais que so os seus
hbitos. Portanto, no ensinar nas aulas de Lngua Portuguesa a leitura literria
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
como uma arte esttica retirar dos alunos um bem cultural e social de extremo
significado para suas vidas. Conforme Abreu, (2006, p 82), a literatura pode ajudar a
escapar das armadilhas da alienao e padronizao do mundo, assim como
pode manter a conscincia das injustias e da necessidade de combat-las.
Portanto, se no a famlia o espao em que esses valores so transmitidos a muitos
dos alunos, na escola onde se pode iniciar a gostar de ler, atravs do incentivo dos
professores leitores, especialmente professores de literatura.
Como resultado deste estudo, busco contribuir de alguma maneira para
repensarmos as inquietaes relacionadas formao do professor, especialmente do
profissional de Letras, mediador da leitura literria e, consequentemente, da forma
como tem levado para a sala de aula o incentivo leitura das obras literrias,
contribuindo para a formao do gosto pela leitura.
2. PRESSUPOSTOS METODOLGICOS
219
Todos ns, independentemente de gostarmos ou no de ler, do poder
aquisitivo ou da escolaridade, temos a nossa histria de leitura. Orlandi em Discurso e
leitura afirma (1999, p 41/43) que todo leitor tem sua histria de leitura, assim como
toda leitura tem sua histria. Os variados perfis de leitores e leituras surgem desde
quando se constituiu a histria dos sujeitos leitores. E leitor somos todos nessa
sociedade globalizada, informatizada e cercada de possibilidades de leitura em
sentido amplo, tanto a leitura verbal quanto a no-verbal. No entanto, busco analisar
a histria do leitor de obras literrias, representados aqui na figura do professor-
leitor, j que relaciono as histrias de leitura destes com o seu fazer pedaggico nas
aulas de literatura/leitura literria no ensino mdio.
A maneira como nos foi apresentada, na famlia e na escola, a leitura e os
objetos de leitura a ela associados como livros, textos, cadernos, lpis, desenhos,
gravuras, inscries marcam de forma particularizada a cada um de ns, a cada
famlia, a cada sujeito que pode diferentemente ressignific-los ao longo de sua
prpria histria de vida.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
220 licenciatura (op. cit. p 166), isto , de quando comearam a se relacionar com a
escola, as aprendizagens leitora neste espao, assim como a relao com seus
professores. Tambm, a forma como os professores agem frente leitura pode estar
respaldado nos seus antigos modelos de leitores que os inspiram na sua prtica.
H uma compreenso nas pesquisas acadmicas que as histrias de vida e
de formao dos professores no podem ser dissociadas de sua prtica em sala de
aula, da a importncia, aqui, de se pesquisar como os professores foram iniciados na
famlia e na escola na atividade leitora e como ao longo de sua histria de vida e de
formao essa leitura significou a sua trajetria pessoal e profissional. Quando os
professores refletem, rememoram sobre sua formao, eles ressignificam suas aes
pedaggicas, suas escolhas as quais passam a ter um carter formativo. Para Chaves,
2006, p 162) a histria de vida pessoal indissocivel da histria de vida
profissional dos professores, entendendo ambas as dimenses como elementos
constitutivos das prticas, condutas, opes e posturas assumidas.
Para Hbrard, apud Horellou e Segr (2010, p 81-82), a criana aprende a ler
ao impregnar-se precocemente dos diferentes tipos de escrito que lhe so lidos pelos
adultos que a cercam. Assim de forma natural, a criana vai familiarizando-se com
os livros, os diversos gneros textuais, naturalizando a relao dela com os objetos
livros. E assim completam os autores que as histrias em quadrinhos continuam
sendo as leituras preferidas das crianas que tem dificuldades com o escrito.
A professora Lrio, mesmo j sendo alfabetizada, j mocinha curiosa por
revistas proibidas, atribui a sua descoberta pela literatura, pelo prazer de ler, a seu
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
primo, a partir do momento em que ele a inicia nessas leituras literrias. para ele
que ela guarda as melhores recordaes de algum que foi importante na sua
iniciao pelo gosto e desejo de ler.
Eu sempre fui encantada por ler. Eu lembro que na poca a gente no era
muito aconselhada, as mocinhas a lerem essas revistas. E eu pegava as
revistas e lia, ento todo livro me fascinava. Mas eu acredito que assim, a
minha formao leitora mesmo, foi graas a um primo... chamado Ivo, ele
morava em So Paulo e depois ele veio pra c...e ele tinha uma biblioteca, que
era um tanto ambulante, ele trouxe de So Paulo pra c esses livros todos, e
ai eu lembro que tinha um armariozinho de madeira cheio de livros, e eu li
todos os livros dele, eu li a coleo de Jos de Alencar inteira, eu li todos os
romances na poca, ai depois eu fui lendo outros, eu lembro que eram os
Irmos Corsos que contavam a histria de dois irmos gmeos, bem
fantstico. E a partir da eu nunca mais parei de ler.
222
especialmente nos adolescentes e crianas que nem o tempo as apaga.
As histrias de leitura dos professores so marcadas por poucos livros em
casa ou completa ausncia deles, poucos recursos financeiros na famlia,
analfabetismo de familiares e sensibilidade de outros de iniciar a criana no universo
fabulosos da literatura.
Os professores Sol, Catarina e Vitoriano no tiveram a sorte que muitas
crianas tm/tiveram de terem mes, pais ou parentes que as incentivam nas
primeiras leituras. Sol e Vitoriano vieram de origem de pais sem livro e sem leitura.
A me de Catarina, mesmo sendo leitora, como ela afirma, talvez por desinteresse,
desconhecimento, ou mesmo por achar que leitura para quem j sabe ler como os
grandes, no a estimulava leitura, no a cobrava que lesse, pelo menos o que
recorda em suas memrias. Assim, ela expressa: No tenho ningum que me espelhou
na formao leitora. Que eu j tenha pensado nisso no. . Esse ningum, entendemos
como um membro familiar, papel que teria ficado para a escola, mas que,
infelizmente, esta tambm deixou a desejar na sua funo de estimuladora do hbito
e gosto pela leitura. Catarina continua a afirmar que tanto na infncia quanto na
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
adolescncia no foi incentivada nem pela escola nem pela famlia, mesmo com a
me alfabetizada e leitora. E assim, relembra:
...eu tive uma carncia muito grande, no por meus pais serem to afastados
da leitura, so pessoas alfabetizadas, so pessoas mais ou menos esclarecidas,
mas eu no tinha essa cobrana da leitura e nem na escola tambm eu
percebo que a gente no tinha essa cobrana de ler, do incentivo. Minha
me, ela sempre lia... mas eu no tive isso...
Os autores Horellou e Segr (2010, p 80e 81) nos trazem que a iniciao
leitura um longo processo que pressupe, antes da iniciao escolar, o contato
precoce da criana pequena com o mundo do escrito. Complementam tambm que
necessrio que o texto escrito esteja inserido no universo familiar da criana desde
a mais terna idade. Portanto, quando a criana chega escola com um dficit de
leitura advindo de seu ambiente familiar, a dificuldade de acompanhar as normas
escolares e cdigos escrito bem maior para ela, mas isto no significa que os
professores no possam e no devam apresentar a criana a literatura, o universo da
fico e tornar esse aluno um leitor em potencial.
Antunes (2011, p 26), ao dialogar com Nvoa (1992), afirma que: Muitas das
lembranas da forma como o docente era tratado, enquanto ainda era aluno do EF
(Ensino Fundamental) na maioria das vezes, influenciaro na maneira como ele
tratar seus alunos, ou seja, para a autora a escola dos antigos mestres influenciar
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
esse aluno, quando ele for exercer a sua funo docente. Assim complementa: Esses
aspectos iro auxiliar no conhecimento e nas caractersticas das etapas profissionais,
vivenciadas ao longo da carreira docente (p. 26)
O professor Vitoriano, que na infncia foi alfabetizado na zona rural, onde
no havia livros em casa, j que os pais eram analfabetos, passou pela educao
infantil sem memria de leitora literria, assim como a professora Sol. Ele lembra que
somente no Ensino Mdio que foi apresentado literatura, ao livro literrio
propriamente: Cheguei at a segunda srie do ensino mdio sem nenhuma indicao de
livros, sem nenhum professor solicitar nenhuma leitura de nenhuma obra literria ou de
qualquer outra ordem. Suas memrias de leitura na escola bsica vo de uma fase de
ausncia da leitura literria, antes do ensino medio, para uma fase de apresentao e
descoberta desse universo no ensino mdio: Na segunda srie do ensino mdio, o
primeiro livro que li por indicao de uma professora de literatura e a partir desse momento,
que foi As Pupilas do Senhor Reitor, foi despertado o prazer e o gosto pela leitura, at uma
fase de ampliao e encantamento pela literatura, do aluno que se deixou ser levado
pela magia das palavras como arte, esttica, plurissignificao como a literatura 225
H tambm nas memrias da leitura escolar, as boas lembrana da me no
papel da professora, da famlia como continuadora e estimuladora da leitura no
contexto da escola, ou seja, famlia e escola como instituies iniciadoras na formao
leitora da criana. E assim diz a professora Cristal A gente estudou no incio numa sala
multiseriada....e minha me foi minha primeira alfabetizadora e ai depois a gente comeou a
estudar aqui na cidade
Horellou, e Segr (2010, p 122) sentencia que s vezes a descoberta da
leitura se faz ao longo de um avano escolar, ao sabor de uma relao calorosa
estabelecida com um professor. E quando esse professor faz parte da famlia
consangunea e afetiva, como a me da professora Cristal, com certeza estas
lembranas so muito agradveis e duradoras, pois associa famlia e escola numa
relao de afeto.
226
[...] na graduao em si mesmo a gente estuda muito mais os crticos, os
tericos do que a prpria obra. A leitura mesmo em si dos textos literrios
acaba sendo algo ou por sua motivao, por interesse. Voc no comea a
trabalhar, pelo menos ns no comeamos a trabalhar na universidade atravs
da obra literria; voc comea da crtica literria, das escolas literrias. (Profa
Lrio)
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ANTUNES, Helenise Sangoi. Ser aluna e ser professora: um olhar para os ciclos de
vida pessoal e profissional. Santa Maria:UFSM, 2011. 229
GIARDINELLI. Mempo. Voltar a ler: propostas para ser nao de leitores. So Paulo:
Ed Nacional, 2010. (Traduo de Victor Barrionuevo)
NVOA, Antnio. O passado e o presente dos professores. In: ___ (Org.). Profisso
professor. 2 ed. Lisboa: Porto, 1988.
Resumo:
Este trabalho objetiva apresentar dados referentes primeira etapa do projeto de pesquisa
Dos registros das memrias formao do leitor: uma proposta de anlise e de prticas leitoras a partir
do estudo das memrias de leitura da comunidade acadmica da UESB/Jequi. Para tanto, partiu da
orientao do mtodo biogrfico (LEVI, 2006; ROSENTHAL, 2006), do conceito de memria
(PCHEUX, 2007; ROUSSO, 2006) e das discusses de leitura propostas por Geraldi (1999),
Lajolo (2002) e Zilberman (1991). Constatou-se, na anlise das memrias de leitura,
elementos que indiciam questes relacionadas com a formao de professores que atuam
na Educao Bsica, permitindo assim, a sinalizao de novos traados para uma didtica
que renove o trabalho com leitura em sala de aula.
Contextualizao da pesquisa
(Campus Jequi). Destaque-se que o CEL5 iniciou suas atividades a partir das
experincias do Estao da Leitura (ESTALE) que desde 1991 desenvolve trabalhos de
pesquisa e extenso do Laboratrio de Memria (LM) do Departamento de Cincias
Humanas e Letras (DCHL) da UESB.
Desse modo, nesta primeira fase, seguimos o percurso dos seguintes objetivos
especficos: analisar as memrias de leitura da comunidade acadmica do Campus
da UESB/Jequi; extrair, das memrias coletadas, elementos capazes de permitir a
organizao de novos traados para uma didtica que renove o trabalho com a
leitura em sala de aula; constituir um banco de dados com os elementos extrados
dessas memrias.
5 www.celeitura.com
6 Banco de dados do Centro de Estudos da Leitura (CEL).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
DA ESCOLHA TERICO-METODOLGICA
43 36 70 19 39 39
ocorrncias ocorrncias ocorrncias ocorrncias ocorrncias ocorrncias
de prazer ou desprazer com a leitura; aluso para que o processo de formao de leitores se
constitua no espao escolar) da Tabela 1 o ponto de partida para a constituio da
nossa anlise que, por sua vez, subsidia o objetivo do projeto de pesquisa que, a
partir da anlise das histrias de leitura da comunidade acadmica do Campus da
UESB/Jequi, enseja elaborar um novo constructo terico no campo da Pedagogia da
leitura, para intervenes em escolas pblicas de Jequi e microrregio.
embrulhados com sabo, carne, etc [...]. Como no havia ningum que
soubesse ler, me contentava, apenas com as figuras. Minha irm ou, s
vezes, minha me eram as pessoas que me contavam algumas histrias
(principalmente de caadores e lobisomem) nas noites de cu estrelado
para que no dormssemos to cedo, j que no tnhamos tambm,
acesso energia eltrica. E, finalmente, aos sete anos de idade, j
morando na cidade com o propsito de estudar, tive meus primeiros
contatos com os livros, mas no suportava os livros que no havia
figura (principalmente os dicionrios, riscava todas as suas pginas). O
primeiro material impresso que possu (e gostava porque era repleto
de letras) foi uma cartilha que a pedido da professora minha me
mandou comprar em uma outra cidade, pois no havia e no h
livrarias nem biblioteca na cidade onde moro. Assim foi a minha
infncia inteira, quase sem nenhum contato com livros ou at mesmo
com revistas e gibis [...]. Mas meu primeiro livro foi Chapeuzinho
Vermelho que encontrei no lixo da escola e, o segundo, foi um
presente de uma tia evanglica que me deu uma bblia e um livrinho
com cnticos da igreja. Foi nessa poca que resolvi ser evanglico [...].
Finalmente, no segundo grau, li um livro de Jorge Amado A morte e a
morte de Quincas Berro Dgua que me emprestaram e depois no
devolvi pois marquei o livro inteiro para no esquecer de algumas
falas dos personagens que me chamava a ateno. A leitura do livro foi
uma exigncia da professora e escolhi este livro porque era de poucas
pginas e as letras eram gradas. Mas foi s durante a leitura do livro 237
que pude perceber todo o fascnio da leitura na vida de uma pessoa
[...]. Passado este episdio s me reencontrei com um livro no ltimo
ano de ensino mdio, tambm a pedido de uma professora (por sinal
foi por causa dela que escolhi o curso de Letras). Foi nesse ltimo ano
que participei do nico evento proposto pela escola com o objetivo de
mostrar a importncia da leitura, pois at ento todos os eventos da
escola que eu havia estudado eram as gincanas que tinha como tarefa
recolher livros, alimentos e s [...]. Na minha famlia ningum gosta de
ler, exceto minha irm que foi criada por minha av em outra cidade e
por sinal foi a nica dos irmos que conseguiu cursar uma faculdade.
Ela sempre me incentivou nos estudos, mas no na leitura. Por meus
pais no serem letrados, a leitura nunca foi assunto nas nossas
conversas. [...] Resumidamente, no sou um bom leitor, ou melhor, no
tenho esse bom hbito de ler. Na verdade, no incorporei ainda. [...] ao
fazer este relatrio de leitura pude refletir sobre o meu papel como
futuro incentivador de leitores que o professor de Lngua Portuguesa.
A partir dessa reflexo, constatei que seria melhor trocar de curso
[Curso de Letras], do que no ter o poder de mudar a relao de
centenas de alunos que talvez no tenha um incentivador por perto
para que essa triste trajetria no se repita.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
De acordo com a autora, tais questes so suscitadas pelo fato de ocorrer uma
indagao se a autobiografia constitui-se como uma fonte boa ou m. Inferimos que, para alm
238
de tais questes, consideramos a autobiografia como artefato simblico, o qual pode trazer
experincias de um eu na sua inter-relao com o mundo, o que para ns pode ser
concebido como uma memria coletiva.
Em seguida, afirma:
espao. Desse modo, no desconsideraremos que o professor como aquele que lida
diretamente com os alunos, pode ser um fomentador de uma prtica leitora na sua sala de
aula. Mas, chamamos a ateno que, alm de estratgias internas no espao escolar, a
formao de leitores diz respeito poltica de popularizao do livro e da leitura que de
responsabilidade do poder pblico, na medida em que este que, numa sociedade que se
deseja democrtica, representa a maior parte das pessoas de uma nao (ZILBERMAN,
1991).
REFERENCIAS
PCHEUX, Michel. Papel da Memria. Traduo Jos Horta Nunes. Campinas, SP:
Pontes, 2007.
242
QUEBRANDO O SILNCIO COM A LEITURA DO VOCABULRIO DE
TORTURAS E TORTURADOS DE MRCIO MOREIRA ALVES
RESUMO
O trabalho tem por objetivo refletir sobre a leitura do vocabulrio presente no livro
Torturas e Torturados de Mrcio Moreira Alves que explicita as relaes de violncia
e de vigilncia registradas nessa fonte e produzida em um regime ditatorial. Alves
foi um jornalista e poltico brasileiro que lanou Torturas e torturados, em 1966, no
intuito de denunciar e documentar fatos e registros de torturas ocorridos no perodo
militar no Brasil, de forma bem detalhada, sem esconder nada e sempre concluindo
os relatos com observaes pessoais ou depoimentos fidedignos, a fim de sensibilizar
a conscincia da sociedade. O livro foi proibido e recolhido pelo Governo Federal e
tambm usado como argumento para a tentativa de impugnao da candidatura de
Alves a deputado federal. Naquele perodo, a censura interditou o livro do escritor,
no s pelo mesmo ser denunciativo, mas porque a censura impedia a expresso dos
fatos pelos sujeitos, a utilizao de espaos, a tomada de posturas, bem como
cerceava as rememoraes. Posteriormente, a obra foi liberada pela justia, em julho
de 1967, ano em que saiu sua segunda edio. Assim, preciso ressaltar que o livro
trata de fatos e de pessoas retratadas por um observador e no por uma vtima, pois
fato que a tortura foi uma forma de violncia utilizada pelos militares para silenciar
os sujeitos, intimid-los e, por esse motivo, faz-se necessria leitura dos itens
lexicais do vocabulrio que compe essas relaes, visto que essas unidades lexicais
podem ser lidas e refletidas na produo do escritor. Dessa forma a proposta
refletir sobre a pesquisa com a leitura dos dados lexicais constantes nesse livro, visto
que, segundo Gonalves (2014), diante de um regime em que h a impossibilidade de
falar e escrever com liberdade de expresso, o resgate dos testemunhos tambm o
resgate dos ecos das vozes desses sujeitos, que tiveram suas histrias e memrias
silenciadas. Portanto, a leitura da violncia nos regimes ditatoriais decorrente das
questes de silenciamento e do no dito, posto que a censura reflete a proibio e a
liberdade de expresso, fazendo-se necessria a seleo e o uso de unidades lexicais
que representam as marcas de uma memria silenciada. Por fim, a anlise da
dimenso dos aspectos lxico-semnticos, verificados no testemunho documental,
apresenta modos de explicao de fenmenos que podem ser verificados em textos
produzidos na ditadura militar, demonstrando que o lxico de uma lngua
carregado de marcas importantes em relao aos aspectos polticos, sociais, histricos
e culturais.
1 APRESENTAO
28), Silva (2013, p.28) e Santos (2013, p. 28). Dessa forma, a identificao de lugares
de memria relacionados a esse perodo to marcante do nosso tempo torna-se
fundamental como fonte de conhecimento, estudo e ensino.
Diante de um regime em que h a impossibilidade de falar e escrever com
liberdade de expresso, o resgate dos testemunhos tambm o resgate dos ecos das
vozes desses sujeitos que tiveram suas histrias e memrias silenciadas pelos
regimes ditatoriais. (GONALVES, 2015)
Os relatos de tortura nas instituies totais, como presdios, hospitais
psiquitricos, faculdades, teatros etc. mostram como a prtica no apenas era
tolerada, mas naturalizada como forma de controle e punio de corpos deformados
de cidadania e direitos. A discusso da tortura no se debrua apenas na lembrana
de um passado, mas ainda se revela como prtica persistente no cotidiano brasileiro,
retocada pelas condies do tempo presente. (VANNUCHI, 2010, p.8)
A tortura comum no Brasil desde sempre e para Soares (2010), essa prtica
uma herana maldita trazida pelos portugueses educados nos mtodos da dita
democrtica. Arajo (2013, p. 28), Silva (2013, p.28) e Santos (2013, p. 28). Denunciar
atos passados que nunca sequer foram conhecidos, dar passos firmes para
fortalecer um modelo de sociedade cada vez mais ativa e exigente com respeito aos
direitos humanos.
Consoante Mau (2011, p.51), em 1964 surgiram s primeiras denncias de
torturas, que deram origem, em 1966, ao primeiro livro de denncia desses fatos:
Torturas e torturados de Alves. No ano de lanamento, o livro foi recolhido e
proibido pelo governo federal e ainda foi usado contra a negao da candidatura do
jornalista e autor como deputado federal. Apesar disso, em 1967, de acordo com
Maus (2011), a obra foi liberada pela justia em sua segunda edio.
247
248 presentes nesse texto e mostrar dessa forma que a temtica no interessa apenas a
nossa prpria histria, como tambm interessa a histria do mundo moderno.
251
Vale ressaltar que a anlise de fenmenos lingusticos por meio da
escolha dos itens lexicais, presentes nos discursos dos textos escritos,
que representam acontecimentos vinculados violncia da censura,
opresso e morte, possibilita o resgate dos arquivos e das memrias
daqueles que, diante de tais acontecimentos, viram suas vozes
silenciadas, vetadas suas palavras e seus ditos devido ao contexto
poltico dos regimes ditatoriais que denunciam as atrocidades que
vitimaram esses sujeitos. Desse modo, parte-se da reflexo de alguns
itens lexicais que revelam a censura, parcial ou total, e, tambm
aqueles divulgadores e portadores de denncia diante de um quadro
poltico e militar de veto, de opresso e de indignao.
(GONALVES, 2015, p. 545)
Sendo assim, a partir da seleo, descrio e anlise dos itens lexicais, por
meio de consultas a obras lexicogrficas, os dados foram organizados na ficha-
REFERNCIA:
ALVES, Mrcio Moreira Alves. Tortura e torturados. 2 ed. composto e impresso nas oficinas da Empresa Jornalstica PN,
S.A. Rua Luiz de Cames, 74 - Rio GB: Rio de Janeiro, 1966. Disponvel em:
http://www.dhnet.org.br/verdade/resistencia/marcio_alves_torturas_e_torturados.pdf. Acesso: 26 de outubro de
2015.
UNIDADE DICIONRIOS ABONAO OBSERVAO
LEXICAL
HOUAISS (2011) FERREIRA (1986) CUNHA (1996)
[Agredir] Agredir v. (1818) Agredir. [Do lat. Agredir vb. A idia de que O item lexical
1t.d praticar Agrgredere.] v.t.d. 1. atacar, brigar, torturas inserido no texto
agresso contra Atacar, assaltar assaltar, / 1871, estivessem de Alves est na
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
258
FUXICOS BIOGRFICOS
Experincias vividas e narradas de alfabetizadoras do serto
RESUMO
antes de tudo, uma prtica de interao e comunicao, que prima pelo dilogo entre
todos os participantes. Este trabalho procura evidenciar, portanto, o modo como os
Fuxicos Biogrficos permitiram que os sujeitos envolvidos em sua realizao
retomassem e reconstrussem, por meio da memria, as vivncias e experincias
ocorridas em seus processos formativos e em suas atuaes profissionais, envolvendo
as singularidades do contexto sertanejo, alm de abordar os prprios sentidos que os
sujeitos participantes atribuem s aprendizagens construdas ao longo deste processo
formativo.
INTRODUO
ainda, como formativo por ser uma construo prpria do sujeito que tem a
possibilidade de produzir uma mudana qualitativa, pessoal e profissional,
engendrada por uma relao reflexiva com sua histria (DELORY-MOMBERGER,
2014, p. 96).
A experincia formativa deu-se aps mapeamento docente do ciclo da
alfabetizao no municpio de Tucano-BA, quando obtivemos um quadro de 110
professores alfabetizadores que atuam, em 2015, em turmas de 1, 2 e 3 anos, alm
de turmas multisseriadas que envolvem este segmento. Realizamos um recorte desse
quadro e, por intermdio da Secretaria Municipal de Educao, enviamos convites a
24 professoras alfabetizadoras que atuam em turmas de 1 ano do Ensino
Fundamental para participar de um encontro de socializao da proposta de
investigao-formao e para efetivao das inscries.
O encontro de socializao/inscrio foi um momento importante para a
compreenso do trabalho, os objetivos e dispositivos a serem efetivados ao longo dos
Fuxicos, sendo, imprescindvel, neste momento inicial que, apresentssemos,
brevemente, a essncia do mtodo (auto)biogrfico e da fonte biogrfica que seria 263
produzida: os memoriais de formao.
Partimos, ento, de leituras literrias, com textos poticos que traziam noes
(auto)biogrficas, aspectos da memria e da escrita de si, a exemplo dos textos:
Infncia, de Carlos Drummond de Andrade (1999); Retrato, de Ceclia Meireles (2001);
Auto-retrato, de Manuel Bandeira (1996); Auto-retrato falado, de Manoel de Barros
(1993); Grande Desejo, de Adlia Prado (1999); e Minha Culpa, de Florbela Espanca
(2002), entre outros textos e autores que, em sua poesia, trazem elementos desse
universo da escrita de si ou de um eu-potico que reflete sobre a prpria existncia.
Neste encontro, foi posto um quadro de inscrio com 12 vagas, com o intuito
de que se inscrevessem alfabetizadoras que atuassem em diversas localidades do
municpio de Tucano, construindo um conjunto favorvel conduo das atividades,
maior envolvimento e trocas intersubjetivas entre elas.
Os Fuxicos Biogrficos foram realizados em seis encontros com a participao
efetiva de nove das doze alfabetizadoras inscritas; duas professoras optaram por no
dar continuidade ao trabalho, e uma professora, aps ter sofrido acidente que trouxe-
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
264 trabalho.
Os Fuxicos Biogrficos foram apresentados na perspectiva da autoformao
delineada por Pineau (2010), com o entendimento de que, neste movimento de
investigao-formao esto implicadas as aes do outro (heteroformao) e do
meio vivido (ecoformao), de modo que houvesse a compreenso de como sua
realizao proporcionaria a apropriao do poder de formao pelas alfabetizadoras
que, ao tomar este poder nas mos, tornam-se tanto sujeito quanto objeto de
formao para si mesmo e para o outro.
Na perspectiva apresentada por Pineau (2010), autoformar-se consiste na
dinmica de diferenciar-se dos outros sujeitos/objetos, refletir-se, emancipar-se e
autonomizar-se, tendo a conscincia histrica de como as aes do outro e do meio
so significativas para a formao de si prprio, atravs das relaes estabelecidas.
A leitura literria ganhou espao de destaque, mais uma vez, em nosso
primeiro encontro, tanto a partir de um trecho do texto potico retirado do livro Dias
e noites de amor e de guerra, de Eduardo Galeano (2014), quanto da leitura da narrativa
Foram muitos, os professores, de Bartolomeu Campos de Queiroz (1997). A literatura foi
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Foi uma oportunidade para pensar nas escolhas que fazemos na vida
e o poder dessas escolhas nos traados da nossa histria. Momentos
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Vale destacar que, assim como a professora Esther apresenta em sua avaliao,
os Fuxicos Biogrficos se configuraram como um espao de valorizao profissional e
pessoal. Sendo levadas a refletir sobre suas trajetrias, as professoras se reafirmaram
na profisso e resinificaram suas prticas.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
ARAJO, Miguel Almir de. Sertania: sabenas de uma saga agridoce. Feira de
Santana: UEFS Editora, 2013.
BANDEIRA, Manuel . Obra completa: volume nico. 4. Ed. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1996.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
BARROS, Manoel de. Livro das Ignoras". Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,
1993.
GALEANO, Eduardo. Dias e noites de amor e de guerra. Porto Alegre: L&PM, 2014.
272
HERDAR, EXPERIENCIAR, NARRAR:
Percursos singular-plural.
RESUMO
Das muitas orfandades que sofri, uma das mais fortes foi no ter
herdado uma biblioteca familiar. [...] Eis aqui um escritor de pais sem
livros e sem leitura, que no encontrou vizinho, professor ou
bibliotecrio para adot-lo e que frequentou bibliotecas e livrarias
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
A professora Luza, que escolheu esse nome por gostar e pela beleza que ele a
transmite, tambm teve influncia familiar na sua constituio leitora e aprendeu no
seio dessa instituio a valorizar e respeitar o objeto livro.
279
Quando minha irm retornava para casa, eu a observava sempre
lendo, escrevendo, anotando livros e me recordo que meus pais
tinham vrios guardados na estante, quando eles no estavam por
perto eu os pegava e escrevia neles. Aprendi a valoriz-los no
momento em que minha me e meu pai diziam: livro no se risca,
no rasgue os livros e tomando-os de minhas mos guardava-os
outra vez. (Excerto da Entrevista Narrativa 2012)
Apesar de sua sede por livros clssicos, no defende que esse seja o caminho
ideal na constituio de um leitor, mas que o critrio de escolha de uma leitura seja
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
um imperativo interior, que torna urgente ler um clssico hoje, um romance amanh.
E s lemos plenamente com o que somos, jamais apenas com o que adquirimos,
embora a bagagem ajude na decodificao do texto.
Tardelli (2001) e Moraes (2001) desenvolveram pesquisas com a preocupao
de desmistificar o discurso sobre a crise da leitura sustentado em um modelo que
defende uma prtica nica de leitura, um leitor ideal, o que desqualifica e/ou
exclui outras possibilidades de leitura para alm dos cnones. Ao buscar o que
revelavam as narrativas sobre as histrias de vida e leitura de professores,
perceberam a pluralidade de leitura desses sujeitos, a partir da interao com pessoas
e objetos distintos. Isso revela a necessidade de a escola rever seu papel enquanto
instituio formadora de leitores, deixando de validar apenas uma nica forma dessa
prtica.
Sobre as prticas desenvolvidas na escola, Sanches traz forte contedo crtico,
quando acentua que a biblioteca foi o primeiro espao livre que frequentou, pois nela
elegia suas leituras, o que o fazia se sentir dono de suas prprias escolhas e o
280 certificava de que nela se formou leitor. O autor define a escola como lugar
paralisante, onde somente as informaes capazes de manter a imobilidade social
dos sujeitos so difundidas, capazes de conform-los a se manterem como submissos
na cadeia produtiva. Nessa escola gastei minha infncia [...] Fui um desses pardais
que sonhavam com alturas e no com migalhas cadas no cho. E o lugar onde pude
exercer este projeto foi a biblioteca pblica. Nela, no havia contedos predefinidos,
nem o desejo de me moldar (SANCHES, 2004, p.17).
A narrativa da professora Ione revela sua crtica ausncia do incentivo e
valorizao do livro e da leitura por parte das famlias na realidade da qual a escola
onde atua faz parte, o que aumenta a responsabilidade da escola em despertar o
interesse pela leitura. Foi o encanto da primeira professora, que se dedicava a
aprendizagem de seus alunos e aos quais dirigia muita ateno, o motivo para
escolher como pseudnimo o nome Ione, sua pr da alfabetizao: os primeiros
professores marcam muito, professor de alfabetizao marca muito, professora Ione
marcou muito.
Os meninos daqui s vezes chegam no grupo 4 e no sabem nem
manusear um livro, ento nossa preocupao da alfabetizao e do
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
REFERNCIAS
BERTAUX, Daniel. Narrativa de vida: a pesquisa e seus mtodos. Natal, RN: EDUFRN;
So Paulo: Paulus, 2010.
CORDEIRO, Verbena Maria Rocha. Com quantas histrias se faz um leitor? In.:
SOUZA, Elizeu Clementino e MIGNOT, Ana Chrystina Venacio. Histrias de vida e
formao de professores. Rio de Janeiro: Quartet: FAPERJ, 2008, p. 197-211.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
DOMINIC, Pierre. O que a vida lhes ensinou. In: NVOA, A.; FINGER, M. (org.). O
mtodo (auto)biogrfico e a formao. Natal, RN: EDUFRN; So Paulo: Paulus, 2010. P.
189-222. (Coleo Pesquisa (auto)biogrfica & Educao. Clssicos das Histrias de
vida).
SANCHES NETO, Miguel. Herdando uma biblioteca. Rio de Janeiro: Record, 2004.
NVOA, Antnio (org.). Profisso Professor. 2 ed. Porto: Porto Editora, 1999.
O ARCO RETESADO DE UMA CAADORA ERRANTE: GUA VIVA E A
ESCRITA REPETIDA DE CLARICE LISPECTOR
RESUMO
1 INTRODUO
[...] tu que me trazes uma lembrana machucada de coisas
vividas que, ai de mim, sempre se repetem, mesmo sob
formas outras diferentes (Clarice Lispector, gua viva, p.
52).
288 se como sujeito que se arvora a tocar um ideal por meio da linguagem. Nessa luta
com a vibrao ltima, o Ideal no se deixa ver, apenas oferece sombras de sentido,
espectros de uma possibilidade. H muita coisa a dizer que no sei como dizer.
Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem j devem dizer o
que se consegue dizer e o que proibido (LISPECTOR, 1998a, p. 29). H entre o
desejo e o objeto, entre o sujeito e o Ideal uma defasagem capaz de manter o
indivduo na existncia. A obra clariciana de modo geral resulta nessa luta mtica,
tenso contnua e contumaz com a palavra. [...] a coisa muito mais do que
consegui dizer, ento na verdade eu fiz muito: eu aludi! (LISPECTOR, 1998b p. 177).
Essa contenda, uma tarefa trgica por excelncia, que tambm de preencher o
vazio de Deus, aclamar sua gloriosa insubordinao com o pecado da arte e entre o
fascnio e a suspeita perante o signo (GUIMARES, 2012, p. 148). H em Lispector
a conscincia do empobrecimento da palavra, ainda que esta seja a nica via de
representao. Mas ao mesmo tempo essa condio linguageira, esta finitude
humana, se muitas vezes ela faz a infelicidade do filsofo, ela constitui entretanto um
trunfo para o artista: sua fraqueza a sua fora, seu fracasso ser sua glria
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
290
Tinha que existir uma pintura totalmente livre de dependncia da figura o
objeto que, como a msica, no ilustra coisa alguma, no conta uma
histria e no lana um mito. Tal pintura contenta-se em evocar os reinos
incomunicveis do esprito, onde o sonho se torna pensamento, onde o trao
se torna existncia (LISPECTOR, 1998a, p. 07)
se tornar o Sol, sua irm o astro das noites (BACHS, 2005, p. 97). acompanhada
por feras em suas caminhadas que simbolizam os instintos, inseparveis do ser
humano.
Diante desses smbolos associados deusa Diana, podem-se ler na narrativa
de Lispector alguns desses traos. O primeiro dele o da caa acima destacada. A
narradora a que perambula pela floresta dos signos em busca de alimento para sua
escrita, munida com seus instrumentos de guerra procura de elementos para sua
composio que no se fecha. Ela Diana fracassada em sua procura, perdida no
bosque onde os animais so escassos, apanhando apenas ossadas, restos de uma caa
farta, sinais de uma abundncia agora no mais possvel. Tal como a deusa, a voz
central do texto encontra sinais, simulacros de uma coisa deriva nesse encontro
faltoso, nessa captura frustrada. Se Diana, a de arco-de-ouro do Longe-vibrador
irm fragueira (HOMERO, 2008, p. 705), recusa os restos e prefere continuar sua
empreitada busca de animais dceis e frescos, a personagem-narradora de gua
viva, ao contrrio, prefere alimentar-se dessa sobra, opta por arriscar-se nessa floresta
292 de smbolos vagantes e vacilantes, na certeza de que a caa ideal jamais ser
capturada: [...] Insetos, sapos, piolhos, moscas, pulgas e percevejos tudo nascido
de uma corrupta germinao mals de larvas. E minha fome se alimenta desses seres
putrefatos em decomposio (LISPECTOR, 1998a, p. 49). Entretanto, semelhante
filha de Zeus, ela tambm aposta na procura, insiste na empreitada, fazendo disso
uma situao de prazer, mesmo quando os animais almejados j esto sob o reino da
decomposio: [...] Na minha viagem aos mistrios ouo a planta carnvora que
lamenta tempos imemoriais: e tenho pesadelos obscenos sob ventos doentios. Estou
encantada, seduzida, arrebatada por vozes furtivas (LISPECTOR, 1998a, p. 49).
Iconograficamente, Diana representada com vestes curtas, pregueadas, com
os joelhos descobertos, maneira das jovens espartanas. seguida por uma matilha
de ces mais velozes que o vento, e das ninfas suas companheiras. De forma
semelhante a seu irmo Apolo, carrega o arco e a aljava cheia de setas temveis e
certeiras. Arqueira como Apolo, a deusa usa das mesmas armas para combater ou
castigar (Brando, 1991). Essa imagem da deusa guerreira e caadora aparece na
narrativa clariciana sob duas formas: metonimicamente, quando se faz referncia aos
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
294 rtemis (Diana) foi identificada com a Lua, devido ao carter ambivalente desse
satlite. A Lua-rtemis surge na mitologia com um trplice desdobramento, o que se
pode chamar de deusa triforme. Inicialmente a Lua era representada por Selene, mas,
dada a ndole pouco determinada de Selene e as diversas fases da Lua, foi a Deusa-
Lua desdobrada em Selene (que corresponderia mais ou menos Lua Cheia);
rtemis (Quarto-Crescente); e Hcate (Quarto Minguante e Lua Nova). Cada qual
age de acordo com as circunstncias, favorvel ou desfavoravelmente. Percorrendo
as vrias fases, manifestam as qualidades inerentes a cada uma delas. No Quarto-
Crescente e Lua Cheia, normalmente boa, dadivosa e propcia; no Quarto
Minguante e Lua Nova, cruel, destruidora e malvola. Como smbolo da Lua, a
narradora de livro em questo aquela que repete, que no cessa de dizer, no
termina sua histria porque ela no se fecha, tensionada por um ciclo infinito. Antes
de mais nada, ela o smbolo da transformao, da metamorfose e do devir. a que
conhece o nascimento e a morte constantemente no seu ato de narrar, nessa tarefa de
paradoxos, de tenso e de aleluias, como fica claro no trecho a seguir:
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
um vaso, objeto feito para representar a existncia do vazio no centro do real que se
chama a Coisa (LACAN, 1997, p. 153).
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
BACHS, Jean-Louis. rtemis. In: BRUNEL, Pierre (Org.) Dicionrio de mitos literrios.
4 ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2005, p. 95-9.
BORELLI, Olga. Clarice Lispector: esboo para um possvel retrato. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1981.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
FERREIRA, Teresa Cristina Montero. Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice
Lispector. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
NOLASCO, Edgar Czar. Clarice Lispector: nas entrelinhas da escritura: uma leitura
(des)construtora dos processos de criao das escrituras de Uma aprendizagem ou o
livro dos prazeres e gua viva. 1997. 266f. (Mestrado em Letras: Estudos Literrios)
Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 1997.
RESUMO
1 APRESENTAO
2 DESENVOLVIMENTO TERICO
8Este caderno elaborado pelo CREA - Centro de Investigao em Teorias e Prticas de Superao
de Desigualdades da Universidade de Barcelona.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
304 visa municiar no somente graduandos de diversas IES, mas professores das diversas
reas do conhecimento com mais um recurso didtico que poder ser empregado nas
vrias atividades de leitura formais ou no formais. Vale ressaltar que esse enfoque
educativo democrtico, uma vez que o sujeito no precisa ser alfabetizado
competente para poder interagir com os demais participantes da TLD. De acordo
com Mello (et al., 2004, p. 02) pode-se aplicar a TLD em grupos de pessoas de vrias
nveis de alfabetizao: ... Atuamos junto a homens e mulheres de uma turma de
EJA e de duas turmas da Universidade da Terceira Idade.
Os minicursos que ocorrem atravs das vrias aes extensionistas
implementadas e realizadas pelo referido campus da UNEB visam instrumentalizar
sujeitos envolvidos com a democratizao do saber que multiplicaro esse mtodo de
prtica leitora nos incontveis cenrios sociais desmistificando a leitura dos livros da
literatura clssica universal e dos textos que registram conhecimentos cientficos
engendrados h sculos pelos homens. Em conformidade com essa afirmao,
a Tertlia Literria Dialgica uma atividade cultural e educativa
desenvolvida a partir da leitura de livros da Literatura Clssica
Universal. gratuita, aberta a todas as pessoas de diferentes coletivos
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
3 PERCURSO METODOLGICO
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
3 REVELAES A PESQUISA
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
310 GIROTTO, Vanessa Cristina. Tertlia Literria Dialgica entre Crianas e Adolescentes:
conversando sobre mbitos da vida. 2006. 161 f. Dissertao (Mestrado em Educao)
- Centro de Educao e Cincias Humanas, Universidade Federal de So Carlos, So
Carlos, 2007.
MELLO, Roseli Rodrigues; Batel, Thas Helena; Bogado, Adriana Marcela; Hori,
Tiago. Tertlia Literria Dialgica, Anais do 2 Congresso Brasileiro de Extenso
Universitria Belo Horizonte, 2004.
RESUMO
1 APRESENTAO
Para iniciar uma reflexo sobre o papel da memria coletiva na construo
da obra Luces y virtudes sociales e a maneira pela qual se insere na categoria de
literatura sapiencial, faz-se necessrio realizar um breve apanhado biogrfico acerca
do legado de Simn Rodrguez, auxiliando a compreenso da formao de tal obra.
Simn Narciso Rodrguez nasceu em Caracas, no ano de 1771, poca em que
a atual capital da Venezuela vem sendo tomada pela ilustrao advinda dos ttulos
de Castilla, ao mesmo tempo em que est dominada pelo quadro de escravido para
a produo de cacau. Neste contexto, Simn Rodrguez e seu irmo Cayetano,
considerados de personalidade dspares, so educados em parte pelo seu tio Jos
Rafael Rodrguez, sacerdote, e em parte pelo sistema de ensino pblico oferecido em
312
Caracas.
Ambos, Narciso e Cayetano, bebem da mesma educao, mas tomam rumos
totalmente diferentes: Simn representa a figura do rebelde, revolucionrio viajante
do mundo, enquanto Cayetano o polido catlico exemplar que nunca saiu de seu
pas. O fator contribuinte para a formao intelectual do jovem Simn Narciso a
chegada de livros na Colnia, em especial, a entrada clandestina de obras francesas
para os venezuelanos, e para os americanos em geral, fazendo de Simn aquele que
desembocar no obstante, en la mar de lo innovador ideolgico, de lo aglutinador
sociolgico, de lo educador puro (GONZLEZ, 2006, p. 10) e em quem todos los
valores de entonces, universitarios o no, hicieron su ruta erudita por personal
esfuerzo, auto educndose, leyendo (ibidem).
Da sua experincia na escola pblica brota o cerne de sua crtica educao
precria, de currculo pobre oferecida pela Metrpole Colnia, impedindo a
ilustrao dos homens nessa sociedade, garantindo assim, o poder pela dominao
dos saberes ou do conhecimento advindo das Luzes.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
2 ANLISE
No fomento do processo de independncia da Amrica Latina, nota-se
fortemente no planejamento revolucionrio da educao, a presena do princpio de
igualdade, que preconiza os ideais da Revoluo Francesa e do Iluminismo, em
Simn Rodrguez, como apontado anteriormente, e em seus contemporneos, a
exemplo o Licenciado Miguel Jos Sanz.
Nomeado curador ad litem o menino Bolvar, o Licenciado Miguel Jos Sanz
tambm estabelece profundas relaes com os revolucionrios republicanos e critica
arduamente a educao fornecida populao caraquenha, assim como Rodrguez,
baseado nos princpios roussenianos. Sua tese crtica educao venezuelana est
baseada no ensino rudimentar, e, por conseguinte, no pouco conhecimento do povo
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
norteador da escrita do texto. atravs dessas maneiras que Luces y virtudes sociales
se insere no campo da literatura sapiencial que
sabio) y se les debe hablar as, porque para ellos las sentencias son palabras
(RODRGUEZ, 1840 apud. AYACUCHO, 1990, p. 205).
A frmula de sentenas presente em vrias partes do texto recorre a seu
carter popular, permitindo a compreenso dos poucos ilustrados, j que o povo
dotado de sabedoria (advinda das tradio da cultura popular), exemplificada nos
seguintes fragmentos: hagan bien lo que han de hacer mal sin que se pueda remediar (
faam bem o que ho de fazer mal sem que se possa remediar); nadie va a la guerra
sin armas, porque pesan (ningum vai guerra sem armas, porque pesam; errar y
padecer hasta que haya quien conozca que la necesidad no consulta voluntades (errar e
padecer at que haja quem conhea que a necessidade no consulta vontades) ; no es
querer saber ms que todos el desear que todos sepan lo que deben ignorar (no querer
saber mais que todos desejar que todos saibam o que devem ignorar) ; curiosos que
desean aprender para saber son estudiantes (curiosos que desejam aprender para saber,
so estudantes).
Nota-se nessas sentenas, o carter das palavras de sabedoria, inscritas no
318 caso apresentado, no campo dos provrbios com criaes originais de Simn
Rodrguez. Em Consejos de Amigo al Colegio de Latacunga, o maestro advoga pela
originalidade da Amrica Latina de maneira enftica, assim como em outros de seus
escritos, sendo assim, acredita-se que em certa medida, inserir dentro do campo da
tradio suas criaes, seja uma das maneiras de fincar a originalidade do latino-
americano pela instncia da escrita.
Rodrguez enfatiza na obra a ideia do educar como uma arte, com a
finalidade de trabalhar as virtudes do homem, ou seja, para que atravs da educao
o homem possa gozar da sua existncia [na Repblica]. Reiterando assim, sua viso
de educao com funo para a vida e no somente com a ideia de conhecer
determinados saberes escolares, chegando a destacar a pureza com a qual se deve
educar, mantendo a luz e elevando a educao s condies de verdade, princpios
justificados por Rohden, em A educao do homem integral (2007).
Fica clara a defesa da Repblica na obra atravs dessa afirmao: El
Gobierno Republicano es protector de las Luces Sociales, porque sus Instituciones
saben que sin las luces no hay virtudes (RODRGUEZ, 1840 apud. AYACUCHO,
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
1990, p. 199). Sendo assim, a Repblica a maneira pela qual se chega educao
verdadeira e, portanto, liberdade. A mesma sentena tambm refora a ideia de
confiana na Repblica, pois atravs dela que ser garantida a harmonia para a
promoo do bem-estar de todos.
As virtudes do homem republicano estariam baseadas na Instruo Geral,
firmada em quatro pilares: social, corporal, tcnico e cientfico. Esses pilares seriam
responsveis por ajudar a construir uma sociedade apta a aprender e ensinar em
unio, assim como para trabalhar sob as regras de um governo prudente, formando:
uma nao forte disposta a lutar pelos ideais do governo, que passariam a ser seus
prprios ideais; especializada, para que cada um possa desenvolver suas
capacidades, que juntas sero uma unidade; pensadora, uma sociedade consciente
para entender e aplicar os princpios ideolgicos da Repblica.
CONSIDERAES FINAIS
aprendizagem e pelo que deseja aprender, assim como, carrega a funo de propagar
as luzes adquiridas atravs da educao sociedade. As aulas esto estruturadas em
formato de conferncia, pois, segundo o Rodrguez, professor e estudante esto em
constante troca de interpretaes dos saberes.
Por fim, o autor demonstra a sua conscincia em relao ao impacto de sua
formao intelectual na sua memria, e possivelmente, o que suas obras produziriam
na memria coletiva latino-americana, considerando a leitura uma atividade de
compreenso, j que, para ele, ler no nada mais que articular memrias. Sobre isso,
registra em Luces y virtudes sociales: cada sentido tiene sus recuerdos: y, juntndose
los de los unos con los de los otros, forman la memoria. Disponerlos, por sus
conexiones, es un arte que los antiguos llamaron mnemnica. Memoria es, pues, un
conjunto de recuerdos (RODRGUEZ, 1840 apud. AYACUCHO, 1990, p. 221). V-se
a a importncia do ler e do registro literrio para recuperar as memrias e mant-las
vivas.
11Nesta texto, em diferentes momentos, os personagens desse romance so referidos como capites
da areia, numa assumida adeso perspectiva do narrador.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
326 como cenrio de uma das investidas do grupo dos capites. Trata-se do assalto casa
do Comendador Jos Ferreira, apresentado na narrativa como um dos mais
abastados e creditados negociantes da cidade. O fictcio Jornal da Tarde, no prlogo
que compe o romance, narra a cena nos seguintes termos:
ASSALTO
LUTA
devido a um talho que tem no rosto. Na sua inocncia, Raul ria para o
malvado, que sem dvida pensava em furt-lo. O jardineiro se atirou
ento em cima do ladro. No esperava, porm, pela reao do
moleque, que se revelou um mestre nestas brigas. E o resultado que,
quando pensava ter seguro o chefe da malta, o jardineiro recebeu
uma punhalada no ombro e logo em seguida outra no brao, sendo
obrigado a largar o criminoso, que fugiu ( p. 10-11).
A extensa citao serve para perceber como as tticas narradas por Jorge
Amado so apresentadas no confronto entre a imponncia do suposto clima de
segurana do rico casaro e a pobreza articulada com a destreza dos capites da
areia. Nesta cena do romance, o saber prtico adquirido nos treinos de capoeira com
o amigo Querido-de-Deus valeu a Pedro Bala a esquiva, o certeiro contragolpe e, por
fim, a fuga. Como se v, a capoeira, uma prtica considerada tipo penal at 1937,
uma das astcias valorizadas pela narrativa. Talvez uma forma encontrada pelo
autor para, de um lado, denunciar o absurdo da proibio e, de outro, expressar seu
apreo aos amigos capoeiras.
Vale dizer que os empreendimentos das tticas s podem ser pensados em
Capites da areia, se remetidos ao tecido cultural pelo qual se enredam os 327
Gostava de saber coisas e era ele quem, muitas noites, contava aos
outros histrias de aventureiros, de homens do mar, de personagens
heroicos e lendrios, histrias que faziam aqueles olhos vivos se
espicharem para o mar ou para as misteriosas ladeiras da cidade,
numa nsia de aventuras e de herosmo. [...] o treino dirio da leitura
despertara completamente sua imaginao e talvez fosse ele o nico
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
que tivesse uma certa conscincia do heroico das suas vidas. Aquele
saber, aquela vocao para contar histrias, fizera-o respeitado entre
os Capites Areia, se bem fosse franzino, magro e triste, o cabelo
moreno caindo sobre os olhos apertados de mope. (p.30)
Quero que tu leia pra eu ouvir essa notcia de Lampio que o Dirio
traz.Tem um retrato.
Deixa pra amanh que eu leio.
L hoje, que eu amanh te ensino a imitar direitinho um canrio.
O Professor buscou uma vela, acendeu, comeou a ler a notcia do
jornal. Lampio tinha entrado numa vila da Bahia, matara oito
soldados, deflorara moas, saqueara os cofres da Prefeitura. O rosto
sombrio de Volta Seca se iluminou. Sua boca apertada se abriu num
sorriso. E ainda feliz deixou o Professor, que apagava a vela, e foi
para o seu canto. Levava o jornal para cortar o retrato do grupo de
Lampio. Dentro dele ia uma alegria de primavera. (p. 46-47)
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Volta Seca um dos capites que mais odiava a polcia. Toda vez que sabia do
assassinato de algum soldado pelo bando de Lampio era tomado por uma imensa
felicidade. O grande dio decorre da tarde em que soldados o pegaram. Na ocasio
ele tinha 16 anos. Os agentes o torturaram e ele xingava todos, inclusive o delegado.
Ele no soltou um grito enquanto apanhou. Oito dias depois o puseram na rua, e ele
saiu quase alegre, porque agora tinha uma misso na vida: matar soldados de
polcia (p. 237). O dio do personagem estava impresso no seu rosto sombrio, nas
marcas que o sistema penal deixara no seu corpo.
Mas no era s dio que Volta Seca possua, tinha tambm um grande talento
em imitar animais os mais vrios, sobretudo os do serto. Essa astcia foi o que
rendeu ao Nhozinho Frana, proprietrio do velho carrossel instalado em Itapagipe,
o lucro decorrente do largo acesso das crianas atradas pelo chamariz das imitaes
do personagem.
Na Chefia de Polcia quisemos ouvir Pedro Bala. Mas ele nada nos
disse, como tampouco quis declarar s autoridades o lugar onde
dormiam e guardavam seus furtos os "Capites da Areia". S
declarou seu nome, disse que era filho de um antigo grevista que foi
morto num meeting na clebre greve das docas de 191..., que no
tinha ningum no mundo. (p. 193)
o n resistente que deu ele aprendera com o Querido-de-Deus. Aps lanar a corda,
Pedro acelera a debandada.
Com essa disparada de Pedro Bala para a liberdade, a narrativa expe o modo de uso
das tticas. A espera da ocasio, a rapidez para se valer do momento oportuno, e a
percepo aguada so os ingredientes necessrios para a escapada. O que se viu na
ao do personagem foi a elaborao de tticas constitudas a partir do uso de meios
e instrumentos marginais, isto , o rolo de corda, o punhal, o bilhete trocado e o
aprendizado do n. Todos estes artifcios laterais ao cotidiano regrado da casa de
custdia.
336
As pequenas tticas urdidas pelos capites da areia nas brechas deixadas pelo
Estado repressor so como minsculas mquinas de guerra que se multiplicam no
decorrer do romance. Essas fagulhas microfsicas, esses diminutos focos de incndio
so como nfimos estgios de eroso capazes de causar, em seu conjunto, colapsos
nas engrenagens do poder estabelecido. Era por intermdio dessas pequenas astcias
cotidianas que os capites da areia partiram para enfrentar os condicionamentos
impostos pelas armadilhas de opresso social.
Eis a maneira como lutam os fracos contra as estratgias do Estado. A histria de
uma guerrilha empreendida por crianas desprovidas de amparo social o que se
pode ler em Capites da areia. Um escrito de combate contra um contexto social e
jurdico insensvel pobreza e infncia abandonada. Uma narrativa escrita com
aqueles que, atravs de prticas cotidianas transgressoras, enfrentam as autoridades
estabelecidas e trapaceiam as rgidas relaes de poder de um arranjo social injusto e
desigual.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
REFERNCIAS
CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: artes de fazer. 3. Ed. Petrpolis, RJ:
Vozes, 1998.
FOUCAULT, Michel. Sobre a justia popular. In: Microfsica do poder. 13 ed., Rio de
Janeiro, Graal,1998, p.39-68.
337
NARRATIVA DE APRENDIZAGEM DE UMA LNGUA ADICIONAL
RESUMO
Nesse trabalho, prope-se identificar e refletir sobre os principais componentes que
constituem o processo de aprendizagem em uma narrativa de aprendizagem da
lngua adicional, extrada da coletnea de narrativas que compem o projeto
coordenado pela Professora Vera Menezes (UFMG), Aprendendo com Memrias de
Falantes e Aprendizes de Lngua Estrangeira AMFALE, o qual rene
pesquisadores que visam investigar aspectos diversos dos processos de aquisio e
de formao de professor de lnguas estrangeiras atravs de narrativas de
aprendizagem. A narrativa estudada trata-se de um relato minucioso sobre a
trajetria das experincias da sua autora durante o processo de aprendizagem da
lngua inglesa como lngua adicional. Segundo Paiva (2011), a aquisio da segunda
lngua (doravante, ASL) desenvolvida atravs de interaes dinmicas e constantes
entre os subsistemas, alternando momentos de estabilidade com momentos de
turbulncia. A autora destaca que motivao, identidade, e autonomia so elementos
cruciais para conexes socioculturais bem sucedidas e a consequente evoluo do
sistema de ASL e que uma vez interligados, atuam como um combustvel potente
para colocar o sistema em movimento, contribuindo para seu desenvolvimento e
mudana. A motivao, na perspectiva de Paiva (2011), atua como uma fora
dinmica, que envolve fatores sociais, afetivos e cognitivos, e que se manifesta em
desejos, atitudes, expectativas, interesses, necessidades, valores, prazer e esforos.
Quanto autonomia, Magno e Silva (2008) explica a autonomia aprendente uma
capacidade a ser incentivada em variados contextos de aprendizagem da ASL. Essa
capacidade, conforme Benson (2001), multidimensional, e assume diversas formas
para diferentes indivduos, e at para o mesmo indivduo em diferentes e contextos e
pocas. Segundo Gibson (1979), as affrodances, tambm um forte aliado para o
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
339
Palavras-chave: Aprendizagem; Lingua Inglesa; Narrativa.
1. INTRODUO
Espera-se com esse trabalho poder contribuir com a ampliao das discusses
340
sobre o processo de ensino aprendizagem da lngua inglesa, embora o volume do
corpus em anlise seja insipiente para garantir grandes reflexes e, consequentemente
contribuies para literatura.
Ainda sobre esses sistemas, a autora observa que Lewin (1992, p. 20) 341
argumenta que [A] maioria dos sistemas complexos exibe [...] atratores, os estados
em que o sistema finalmente se acomoda, dependendo das propriedades do sistema".
Esses atratores, definidos como caticos, configuram-se rotas percorridas pelo
sistema dinmico, apresentando-se em trs tipos: atrator ponto fixo, conhecimento
previamente adquirido por onde perpassam todas as trajetrias de aprendizagem; o
peridico que seria a cognio; o catico conhecido como atratores estranhos, por se
tratar dos diversos fatores que interferem na aprendizagem (interao, input,
materiais, output, etc.). Esses atratores mudam frequentemente. Eles mudam, as
possibilidades dinmicas mudam medida que o meio ambiente muda (LEWIN,
1994, p. 93 apud PAIVA, 2005).
Motivao
A autonomia
Identidade
explicita a identidade como o modo como uma pessoa compreende sua relao com
o mundo, como essa relao construda ao longo do tempo e do espao, e como a
pessoa compreende possibilidades para o futuro. A autora ainda acrescenta que a
identidade no se trata de uma experincia unificada de pertena, mas sim um
conjunto de mltiplos pertencimentos em uma dimenso fractal. Por no tratar desse
processo nessa anlise, no se ater nesse estudo maior aprofundamento sobre o
mesmo.
Affrodances
Alm dos processos acima citados por Paiva, deve-se elencar como elemento
importante que envolve a aprendizagem de um lngua adicional, o affrodance, termo
criado por Gibson (1986), intencionando apresentar o mutualismo, a
complementaridade entre o indivduo e o ambiente, espao que significa, para o
agente, aquilo que ele percebe. Segundo ele, affrodances, tambm um forte aliado para
o processo do sistema ASL, referem-se ao relacionamento recproco entre um
344
organismo e uma trao particular do seu ambiente. Esse ambiente de
aprendizagem repleto de linguagem que promove ao aluno ativo e participante
oportunidades de aprendizagens.
Para o autor, os affordances so o produto das relaes entre estruturas fsicas do
ambiente e o intelecto dos seres vivos. Esses affordances do meio so propiciados por
objetos fsicos e reais do ambiente e dependem de como so percebidas na
subjetividade/singularidade e compartilhamento social das percepes.
Michaels e Carello (1991) mencionam que o agente e o ambiente se adaptam como
peas de um quebra-cabea, explicando que tal complementaridade pode ser
visualizada atravs de conceito ecolgico de nicho, entendido por Gibson (1977,
1979) como cenrio de caracteres ambientais apropriados aos animais que se ajuntam
adequadamente. (OLIVEIRA e RODRIGUES, 2006, p. 125)
345
A histria de aprendizagem de cada pessoa singularmente
construda por eventos, desejos, decises, estratgias, crenas, aes, e
percepes individuais. A escrita de nossas histrias nos permite
refletir sobre essas foras e nos torna conscientes de nossa parte na
construo de nossa histria. Essa conscincia meta-cognitiva nos
capacita a ter mais controle sobre o futuro de nossa aprendizagem.
(minha traduo) (Paiva, 2008)
Vale notar, que a seleo da narrativa se deu de forma livre, sendo, portanto, a
primeira encontrada aps o acesso ao site do projeto. Em sua narrativa, o informante
faz um relato reflexivo sobre suas experincias de aprendizagem da lngua inglesa no
espao escolar, desde as sries iniciais ao seu acesso ao nvel superior. A anlise se
desenvolveu mediante uma leitura minuciosa, onde foi possvel perceber dentre
outros, os elementos em foco nesse estudo, visto que os mesmo so internconectados
na ASL.
Motivao
A motivao do aprendiz fator determinante e tambm fundamental para
garantir o sucesso na aprendizagem de uma lngua adicional. Assim, necessario
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Autonomia
Affrodances
4. CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
350
FATO E FICO NA OBRA DE DANILO KI:
UMA LEITURA DE UM TMULO PARA BORIS DAVIDOVITCH
INTRODUO
352 174-5)
interessante perceber como esta afirmao pode valer para entendermos um
pouco a prpria trajetria literria de Ki. Nascido em Subotica pequeno municipio
localizado na antiga Iugoslvia Danilo Ki foi, durante boa parte de sua vida,
rechaado pela crtica local e pelos seus conterrneos escritores, sendo reconhecido e
elevado categoria de grande autor nacional somente aps a sua morte, em 1989.
A verdade que Ki sempre esteve interessado em explorar diferentes
temticas a partir de um olhar muito diferenciado e deslocado do apresentado por
outros escritores da Europa Oriental, ainda muito conectados a uma literatura
conservadora, que se compreendia como suficientemente poltica ao agregar ao seu
discurso um forte teor nacionalista. Como aponta Susan Sontag (2001):
Isso, no entanto, no faz com que o projeto literrio do escritor se distancie das
questes e das problemticas tpicas da sua terra e de sua poca. Pelo contrrio: ainda
que tenha encontrado resistncia por parte dos seus conterrneos contemporneos,
tenha vivido um bom tempo fora da Europa Oriental tendo lecionado em
universidades na Hungria e na Frana -, e que tenha sido traduzido para vrios
idiomas como o francs e o ingls, ganhando considervel respeito em crculos
literrios da Europa Ocidental e da Amrica do Norte, principalmente aps a
publicao de Um tmulo para Boris Davidovitch, Ki jamais se afastou do que Sontag
chama de sentido exarcebado do lugar do escritor e da responsabilidade do escritor
que, literalmente, vinha com o territrio. (SONTAG, 2001, p.126) Se o trabalho de Ki
pertence, como nos alerta o bigrafo Mark Thompson, a todas as lnguas, seus livros,
assim como os seus restos mortais, pertencem, porm, a um nico lugar.
(THOMPSON, 2014)
353
Lugar este historicamente marcado por guerras, pela opresso, pelo medo,
pela perseguio poltica e por ideologias perversamente segregacionistas, sendo
todo este caldeiro turbulento uma marca bastante presente no projeto literrio de
Ki. Ao mesmo tempo, h na constituio deste projeto um interesse quase obsessivo
pelo valor da forma e da estrutura da enciclopdia, o que conduz parte de sua fico
a ser marcada pela organizao de elementos fragmentrios e aparentemente
dispersos, o que nos leva a concluso de que a trajetria ficcional de Danilo Ki
assume a forma de um arquivo. (SOARES, 2008, p.1) Uma das obras de Ki em que
particularmente essas caractersticas so bem latentes justamente a que nos
propomos a analisar: Um tmulo para Boris Davidovitch.
diferentes, encontram conexes entre si, como nos revela o sugestivo subttulo da
edio brasileira do livro, publicada pela Companhia das Letras em 1987: Um tmulo
para Boris Davidovitch Sete captulos de uma mesma histria.
As conexes entre os sete captulos se do no apenas na temtica o cenrio
de todas as histrias e as vidas de seus protagonistas permeado pelo terror, pela
perseguio poltica, pela opresso e pelo sofrimento mas tambm pelo fato de que
um personagem de uma histria comumente citado ou aparece como coadjuvante
em outra: A.L Tcheliustnikov, por exemplo, correspondente de um jornal local,
caracterizado como dono de botas cor de framboesa, cintilantes (KI, 1987, p.38), e
que torturado e preso ao final do captulo intitulado Os Lees Mecnicos, e sua
amante, Nastasia Fedotievna M, so citados no captulo seguinte, O Crculo Mgico
das Cartas:
[...] bastava que Korchunidze exprimisse esse desejo com uma
palavra ou mesmo um olhar, para que as botas cor de framboesa do
antigo tchekista Tcheliustnikov resplandecessem nos ps do novo
proprietrio (Kostik), ou ento, graas amabilidade e benevolncia
354
do cozinheiro, ex-assassino e gigol, era fornecida uma rao
generosa mulher do ex-secretrio do Comit Regional, a branca
Nastasia Fedotievna M, que depois era conduzida a Kostik, pois o
Artista gostava de mulheres bem fornidas, brancas e redondas, o
que h de melhor em matria de mulheres russas. (KI, 1987, p. 63)
Seis dos sete relatos encenam-se durante a dura opresso assumida pelo Estado
stalinista. Presos polticos, homens injustiados, figuras que se opuseram (ou foram
tradas) pelo governo ganham, ento, destaque nestes captulos. Um captulo em
especial, Ces e Livros, retorna ao ano de 1330 para falar da opresso da Igreja contra
os judeus durante o perodo da Inquisio.
Para realizar a organizao e a unio destas histrias to dspares, Danilo Ki
recorre a um procedimento tambm utilizado pelo escritor iugoslavo em outra obra,
Enciclopdia dos Mortos, o princpio da lgica das coincidncias. (SOARES, 2008, p.
2) Segundo Soares (2008), torna-se comum na bibliografia de Ki aglutinar elementos
e vozes distintas a partir do estabelecimento de um princpio analgico. Se em
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Enciclopdia dos Mortos, o que une todos os relatos e ajuda a manter a aparncia de
uniformidade temtica do livro a morte, em Um tmulo para Boris Davidovitch, a
opresso e a perseguio em sua forma mais crua que funcionam como um mdulo
organizador de todas as sete histrias que compem a obra. De uma forma bem clara,
todos os personagens de Um tmulo para Boris Davidovitch encontram-se sufocados,
seja pelas mazelas provocadas pela violncia do Estado ou das prprias condies
sociais (como nos captulos A porca que devora sua ninhada e Os lees mecnicos), seja
pelas mazelas provocadas pela Igreja e pelas condies oriundas da religio (neste
caso, o captulo Ces e Livros).
Neste ponto, haveria uma similaridade muito forte entre Um tmulo para Boris
Davidovitch e Histria Universal da Infmia, de Jorge Lus Borges, obra em que sete
diferentes relatos so construdos tendo como mdulo organizador o carter
infame de seus protagonistas. Como veremos depois, esta no a nica
coincidncia entre a obra de Ki e o trabalho de Borges. Em ambos os livros h uma
tenso muito marcada entre fato e fico, com a presena de procedimentos
tradicionalmente classificados como biogrficos mesclando-se a utilizao de 355
diversas armadilhas ficcionais. So obras que se configuram como um catlogo de
infraes: hibridao genrica, metadiscursividade, finais abertos ou conjeturais,
especulao, elipses narrativas. (PREMAT, 2010, p.4) A especulao que improvisa a
partir de referncias factuais, a utilizao de dados apcrifos e de fontes no
verificveis, a insegurana no papel de bigrafo, a incluso de notas de rodap,
enfim, todos estes elementos que ajudam a constituir os relatos, estabelecem a tenso
entre fato e fico, fazendo parte desta obsesso de Ki pelo documental, que ir
condicionar a sua obra e dar sentido aos mltiplos ns das malhas da memria das
catstrofes que o preocupam. (SOARES, 2008, p. 2)
Na tentativa de atribuir veracidade ao que est sendo contado, o escritor acaba
por assumir o que Premat (2010) chama de posio de falsrio, afinal Danilo Ki
brinca, ao por exemplo, fazer passar por reais, personagens que no encontram
referentes em nosso mundo temos Oscar Blum, socialista austraco que teria
conhecido Novski, protagonista do captulo que d nome ao livro e a utilizao de
personagens histricos interagindo com personagens ficcionais temos o poltico
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
douard Herriot sendo guiado pelas ruas de Kiev pelo ator e mais tarde prisioneiro
do Estado A.L Tcheliustnikov no captulo Os Lees Mecnicos. A potica de Ki tende
a forjar um narrador quase sempre incerto, frequentemente adepto da especulao e
da omisso de informaes e fontes, como se pode perceber nos seguintes trechos,
presentes no captulo Um tmulo para Boris Davidovitch:
Depois de uma brecha bvia em nossas fontes (e que no queremos
impingir ao leitor, para deixar-lhe o prazer enganoso de pensar que
se trata de uma histria que, como de hbito, confunde-se, para maior
felicidade do escritor, com o poder de sua imaginao). (KI, 1987, p.
92)
aparece um referncia falsa: Die Vernichtung der Rose (port. O Nome da Rosa),
revelando o jogo criativo do escritor argentino.
Compondo um elo mais recente nessa genealogia, Ki tambm , como vimos,
responsvel por enquadrar em uma disputa esttica e poltica os artifcios que
caracterizam esse subgnero. Sua produo, assim, ao mesmo tempo que recupera
procedimentos de seus antecessores, no se limita emulao do j realizado: conduz
a novas inquietaes, e nos convida a examinar mais minuciosamente as implicaes
e desafios crticos apresentados pelos gneros hbridos ou imprecisos.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
BORGES, Jorge Lus. Histria Universal da Infmia. Traduo de Jos Bento. Lisboa:
Assrio e Alvim, 1982.
KI, Danilo. Um tmulo para Boris Davidovitch. So Paulo: Companhia das Letras,
1987.
__________. Homo Poeticus: essays and interviews. Edited and with an Introduction
by Susan Sontag. United States: Farrar Straus & Giroux, 1995.
A Tertlia Literria uma proposta de atividade de leitura que rene pessoas das
mais diversas formaes com o intuito de promover um dilogo entre os
participantes de determinado grupo a partir da leitura de um texto. Nosso intuito
com essa prtica no grupo de pais dos estudantes desmistificar a leitura -
demonstrar que esta pode favorecer queles que no possuem formao acadmica -
e sua prtica como troca de saberes e de experincias vividas. A tertlia a proposta
de uma atividade de leitura sem obstculo social, e tem como base o dilogo com as
diferentes esferas da vida, onde a aprendizagem efetiva-se nos diversos espaos que
o homem convive, na conversa com os amigos, na troca de experincias com os
parentes e colegas. As bases terico-metodolgicas da Tertlia Literria como
aprendizagem dialgica esto pautadas em Paulo Freire para a rea de Educao, e
Habermas para a Sociologia. Nesse sentido todas as falas so respeitadas igualmente,
as diferentes manifestaes de linguagem so consideradas a partir da validade dos
argumentos, e no pela imposio de poder de um sobre o outro, oportunizando a
todos indistintamente o dilogo na exposio de suas ideias. O presente projeto
acontece numa escola da rede estadual de Feira de Santana com os pais de estudantes
da escola visando despertar nestes o gosto pela leitura de variados gneros textuais,
de maneira que os mesmos possam desenvolver um olhar crtico e investigativo
acerca da realidade em que vivem, destinando-se a promover uma aproximao
destes com a leitura de textos considerados simplrios at a leitura dos clssicos da
literatura universal. A concretizao da proposta acontece por meio de encontros
quinzenais de leitura entre pais e educadores, cuja leitura seja realizada
antecipadamente pelos membros do grupo e tambm em conjunto, de forma
compartilhada. Na sequncia ocorre a manifestao dialgica das impresses do
texto, destacando os aspectos que mais se evidenciam a partir das experincias de
vida de cada um. A partir das discusses que so suscitadas em razo de cada
leitura feita, os membros tm a oportunidade de expor suas vivncias e expectativas
de vida, fazendo com que o grupo se torne mais integrado, favorecendo aos
educadores uma aproximao maior do contexto social, histrico e cultural em que
vivem os estudantes e suas as famlias. A cada encontro, uma nova leitura ser
sugerida, a qual dever ser realizada no ambiente familiar, em conjunto e, com isso, o
hbito de leitura poder ser despertado tambm nos demais membros da famlia,
inclusive nos estudantes.
Palavras-chave: TERTLIA; PAIS; DILOGO; APRENDIZAGEM
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
1. APRESENTAO
A leitura uma atividade que, para alm da decodificao, possibilita ao ser humano
a oportunidade de enveredar por caminhos impensados, se autoconhecer, bem como
compreender a sua funo no contexto social, histrico e cultural do qual faz parte.
Sabemos que muitos fatores levam a essa realidade, mas escola, cabe a tarefa de
buscar estratgias para tentar dirimir as dificuldades e propiciar aos estudantes a
364
oportunidade de alcanar nveis de aprendizagem mais elevados e satisfatrios. Nesse
sentido, Girotto (2007) considera que a leitura torna-se uma
Pensamos num projeto de leitura que fosse significativo para os pais, a leitura
de uma forma competente, onde as particularidades fossem respeitadas, focando a
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
365
O texto literrio prope uma ao na esfera imaginativa, criando uma
nova relao entre situaes reais e situaes de pensamento,
ampliando, assim, o campo de significados e auxiliando na formao
dos planos da vida real (MAGNANI, 1989, p. 104)
366 No transcorrer da histria, o contato com a leitura sempre pertenceu aos que
detinham o poder. No perodo medieval, por exemplo, a leitura era privilgio de poucos,
especialmente do Clero. Somente a partir da ascenso da burguesia, em virtude do
atendimento ao mercado de trabalho que ento se formava, a leitura comeou a se
popularizar, ainda que com um carter fortemente moralista. Infelizmente, ainda hoje,
sabemos que a leitura no faz parte do cotidiano dos brasileiros, como tambm conhecemos
as razes que levam a esse lamentvel fato.
(1984, p. 27) a leitura que vem trazer a possibilidade de ruptura com a ideologia
dominante para o jovem e a criana que tem a expectativa, e espera atravs do ensino
tornar-se um sujeito consciente e atuante, gerando assim a sua integrao no contexto
socioeconmico e cultural.
Nossas escolas, no entanto, tm atendido muito mal a essa questo, haja vista os
nmeros escabrosos de leitores fteis e de no leitores. Sendo assim, fica explcito, que o
papel dos profissionais da educao no vem sendo cumprido com eficcia no sentido de
desenvolver aptides ou gosto pela leitura, o que implica em uma sociedade desinformada e
desatenta para questes que a cercam, e que, poderiam ser alteradas se tivssemos cidados
esclarecidos e politicamente ativos.
Ser leitor, segundo Cordeiro (2004, p. 100) significa ter tido ao longo da vida,
oportunidades de prticas leitoras, capazes de desenvolver hbitos e gosto pela
367
leitura, alm de condies materiais de acesso aos livros.
Nosso intuito, como professores de lngua portuguesa, com a tertlia literria
favorecer um processo de perspectiva de vida para alm de uma partilha de
opinies, mas promover s pessoas que estavam ali uma perspectiva de leitura como
criao de sentido na expanso de suas culturas, vinculando literatura e mundo,
parafraseando Freire literatura e leitura de mundo.
E Maciel (2011) refora nosso pensamento dizendo que
A tertlia literria dialgica parte do principio de que a leitura deva ser compreendida
como parte de um processo mais amplo, o letramento - queles das camadas populares que no
tiveram acesso, ao menos parcialmente, ao mundo letrado - que um processo mais
abrangente no processo de apropriao dos usos das diferentes prticas de leitura nas mais
diversas prticas sociais, traz uma dimenso de emancipao ao indivduo, pois estes que
possuem um saber que no valorizado pelas classes mais abastadas da sociedade, entre outras
coisas, daria oportunidade a estes ltimos. Conforme Freire, possuem um conhecimento que
ultrapassa as fronteiras das letras, o conhecimento da vida, as experincias sofridas pela
368 excluso.
Para Zilberman (1984, p.26) ler possui um vnculo com a linguagem, pois, o ato
de ler se configura como uma relao privilegiada com o real, j que engloba, tanto
um convvio com a linguagem, como o exerccio hermenutico de interpretao dos
significados, em que, nas vivncias do dia-a-dia o leitor vai construindo uma
representao mental do mundo, o leitor intervm de modos diversos com o texto,
interage , preenche lacunas, constri sentidos.
Na Tertlia Literria h a partilha da leitura da realidade de cada um, em que
so expostos e respeitados seus depoimentos do que a leitura partilhada pde lhe
lembrar ou relembrar, ou que a leitura fez-lhe emergir na prtica diria. Seus dizeres
das lutas de um povo que foi abortado o direito de estudar em detrimento da
necessidade financeira ser preponderante para sobrevivncia. So depoimentos de
suas lutas para alm das paredes daquele espao que acontecem, so dizeres que
remetem s relaes histrico-sociais. essa populao que teve excludo os direitos
bsicos da existncia humana e dos princpios da formao de sujeitos crticos.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
nesse sentido que este trabalho mostra-se pertinente, haja vista a necessidade de
que sejam tomadas medidas interventivas que visem, sobretudo, oferecer subsdios para a
formao de leitores competentes, que consigam penetrar em um texto, desvendando-lhe as
ideias subjacentes, que desenvolvam a sua criticidade e se tornem ativos na sociedade da
qual fazem parte.
3. CONSIDERAES FINAIS
REFERENCIAS
________. Teora de la Accin Comunicativa II: Crtica de la razn funcionalista. Madrid: Taurus,
2001.
FLECHA, Ramon. Compartiendo palabras - El aprendizaje de las personas adultas a travs 371
del dilogo. Barcelona: Paids, 1997.
MACIEL, Karen de Ftima .O pensamento de Paulo Freire na trajetria da educao
popular. Educao em Perspectiva, Viosa, v. 2, n. 2, p. 326-344, jul./dez. 2011 .
disponvel em:
http://www.seer.ufv.br/seer/educacaoemperspectiva/index.php/ppgeufv/article/
viewFile/196/70 . Acesso: 22/102015
372
AS VEREDAS DO SENSVEL NA CONSTITUIO DO LEITOR-PROFESSOR
RESUMO
O artigo busca interrelacionar inspiraes tericas e fruies estticas que nos levem s
veredas do Sensvel na constituio leitora. O texto emergiu de dilogos iniciais entre
orientando-orientadora no percurso investigativo da construo de uma tese de doutorado que
tem como objeto de estudo o Sensvel na formao leitora e docente. A investigao se
localiza entre dois eixos temticos leitura e formao em dilogo com referenciais tericos
no campo da autobiografia, do saber sensvel e da experincia. De nossa perspectiva, a
constituio do leitor-professor se inscreve numa histria de vida, em uma trajetria pessoal,
social e cultural: passa por um retorno do sujeito sobre si o ver o olhar para si mesmo,
para suas vivncias, acontecimentos; o rever relembrar fatos, contextos, acontecimentos e
situaes; e o transver ver-(se) de outro modo, reinventar-(se), transformar o vivido em
experincia, mudar percepes, concepes e o sentimento de mundo; criar e recriar-se. No
dizer do poeta (Manoel de Barros): O olho v, a lembrana rev, e a imaginao transv ou seja,
pensar a formao do sujeito como um movimento que perpassa pelo ver (o olhar), o rever
(relembrar) e o transver (imaginar). Interessa-nos pensar a constituio leitora como um
processo que envolve sentidos, lembranas, memrias, acontecimentos e afetos, demarcando
trnsitos e deslocamentos entre o texto lido e o contexto do sujeito, entre a experincia
provocada pelo texto e a prpria experincia do leitor-professor. A perspectiva de investigar
como o sensvel constitui e afeta o leitor-professor nos remete ao Elogio da Razo Sensvel
(MAFFESOLI,1998) no sentido de um paradigma de cincia que agrega a sensibilidade, o
cotidiano, a narrativa, a metfora e o imaginrio. Assim, a leitura se mostra como experincia
da singularidade e da pluralidade, como abertura ao desconhecido, ao acontecimento da
existncia, processo nem sempre possvel de racionalizar, ou seja, de deixar de fora emoes,
memrias e devaneios. O devaneio, na perspectiva de Bachelard (2009), seria esse gesto de
voar fora do real, de sair da rotineira noo de tempo e realidade, de suspender as certezas e
de se deslocar para outras dimenses afetivas, temporais e imaginrias. Esses movimentos
podem potencializar o aprofundamento da prpria existncia, no modo como a leitura
repercute na constituio do sujeito e nas ressonncias que produz na reinveno de si e da
realidade.
375
380 A leitura seria, nesse contexto, um meio, uma possibilidade formativa para o
sujeito pensar e sentir por si mesmo, de maneira mais singular e autoral; ou ainda
como espao de formao e transformao das sensibilidades; um encontro consigo
ou com a alteridade que o constitui (LARROSA, 2011).
O sensvel na formao leitora pode se caracterizar, nesse contexto, como uma
forma de resistncia ao excesso de informao e contra o desperdcio da experincia
que constituiu a modernidade. Cabe ressaltar que a leitura enquanto experincia
sensvel no se d em todas as formas e atos de ler, at porque a leitura consiste
numa atividade com vrias facetas; complexa, plural e se desenvolve em vrias
direes (MANCINI, 2013). Sendo assim, no configura todo o processo de formao
do leitor, mas parte constitutiva da subjetividade leitora, potencializadora do
devaneio, do pensamento inventivo.
A perspectiva de investigar como o sensvel constitui e afeta o leitor-professor
remete ao Elogio da Razo Sensvel (MAFFESOLI,1998) no sentido de um paradigma
de cincia que agrega a sensibilidade, o cotidiano, a narrativa, a metfora e o
imaginrio. Assim, a leitura se mostra como experincia da singularidade e da
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
REFERNCIAS
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CORDEIRO, Verbena Maria Rocha. De caso com a leitura. Letras de Hoje, Porto
Alegre, v. 43, n. 2, p. 75-78, abr./jun. 2008
DUARTE JUNIOR, Joo Francisco. O sentido dos sentidos: e educao (do) sensvel.
Curitiba: Criar Edies.
RESUMO
APRESENTAO
384 exemplo, representa o incio de uma trajetria ficcional, conforme afirmou Ribeiro
(2002, p.229) em texto de exposio da srie Com a palavra o escritor: Muito tempo
antes de sequer sonhar em ser um escritor, eu j construa naquele espao acanhado
do apartamento, no Taboo, a minha obra, que era o meu prprio mundo, um
mundo de horizontes largos e luminosos [...]. A esse mesmo espao que revisitado
e recriado em tantas de suas narrativas, Ribeiro retornou anos depois e a ele custou
crer que naquele local decadente de paredes e ptios sujos coubessem tantas
maravilhas.
Ao relatar essa melanclica lembrana, Ribeiro (2002) faz aluso a uma
passagem do livro Terra dos homens, de Exupery, na qual se retrata o parque em que
se costumava brincar quando criana e se constata a impossibilidade de se voltar
quele espao, uma vez que seria preciso no retornar ao parque, mas prpria
infncia. por essa impossibilidade de reviver os espaos e experincias de um
tempo passado, representados em muitas de suas memorialsticas narrativas, que
Ribeiro (2002, p.229) afirma:
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Ribeiro (2002) relata que, no meado dos anos 1960, quando sua famlia se
mudou para o bairro de Itapu, comeou a fazer as primeiras anotaes em cadernos
nos quais registrava vivncias do dia-a-dia. As fantasias e realidades do mundo dos
homens se faziam representar no papel, assim como as paixes amorosas que vieram
e, de modo ainda embrionrio, a realidade poltica e social do pas. Nesse sentido
Ribeiro (2002) afirma que nesse perodo ainda no tinha conhecimento das
atrocidades oriundas da ditadura militar e acreditava que o Brasil era um pas que
vai para frente1. Somente anos depois o escritor se deu conta que era ele tambm
vtima de um massacre silencioso, uma vez que teve de enfrentar, assim como grande
parte de sua gerao, um inimigo mais insidioso: a alienao e ignorncia impostas
por aquele sistema opressor.
385
Como formao profissional, aos 17 anos, no pensava em ser escritor, mas
tinha a noo de que o seu futuro se atrelava ao uso da palavra (RIBEIRO, 2002).
Optou por cursar jornalismo na Faculdade de Comunicao da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), tendo concludo a graduao em 1981. Em toda sua narrativa
possvel perceber o modo como o ficcionista marcado pela sua constituio de
jornalista, sendo por esse motivo que o escritor, amigo e confrade de Academia,
Aleilton Fonseca (2002, p.222-223) afirma:
Nesse sentido, vlido sinalizar, ainda, que suas narrativas esto permeadas
de aspectos memorialsticos que perpassam tanto por memrias individuais quanto
coletivas. Cabe pensar, portanto, de que forma se apresenta para o leitor de Carlos
Ribeiro uma escrita da memria que subjetiva, mas tambm coletiva, uma vez
sendo uma escrita da memria da cidade de Salvador.
nesta cidade privilegiada, nesta cidade que amo como se cada uma
das suas curvas, ptios, varandas, colinas, sacadas, praias, dunas,
rvores e esquinas, de alguma maneira misteriosa, fizessem parte de
mim, que me flagro como algum que subitamente percebe ter vivido
muitas vidas. De cada uma delas pode-se trazer uma imagem: um
quarto minsculo e infinito, num velho apartamento do Centro
Histrico, iluminado por rstias de luz, num remoto final de tarde, no
qual um menino encontra-se, solitrio, entre chuvas de flechas e
rpteis pr-histricos vagando entre as moblias da sala de estar; um
mar noturno, numa das 1001 noites mticas do bairro de Itapu, de
onde sopra um vento fresco que sacode os coqueirais numa noite
qualquer dos anos 60; dunas alvas, to remotas e improvveis, nas
quais ns, heris e prncipes de um reinado sem dono, nos
lanvamos em aventuras mortais por entre tneis de mato e repastos
de cajus e pitangas, mangabas e tamarindos (RIBEIRO 2007, p.3, grifo
nosso).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
390 simbolicamente os espaos urbanos. Nesse retorno ao passado, por sua vez, tem-se
tanto a mistura entre o menino que j se deixou de ser e os espaos urbanos de
outrora, quanto o sujeito contemporneo que, recordando espaos da memria,
apresenta ao leitor os tecidos urbanos que constituem suas lembranas.
Tais lembranas, uma vez tratando de prticas e lugares socialmente
compartilhados, no dizem respeito, nica e exclusivamente, a memrias
individuais. Percebe-se, ainda, que a representao dessa relao entre a memria
coletiva e as memrias subjetivas recupera caractersticas singulares dos espaos
fsicos capazes de torn-los significativos ou retratar o quanto significativo so ou
foram.
392 cidade marcado pelo tom nostlgico. No conto O visitante invisvel, primeiro de
Contos de Sexta-feira (2010), o tom nostlgico se faz emblemtico. perceptvel na
narrativa que a viso do eu formada por uma emotividade que tenta, pela
memria, recuperar as suas vivncias da infncia, uma reaproximao espao-
temporal com aquilo que foi significante.
No que tange ao uso do termo nostalgia na anlise aqui feita, vlido
destacar que Marcos Piason Natali (2006), em sua obra A poltica da nostalgia: um
estudo das formas do passado, apresenta tal categoria enquanto conceito que passou por
processos de transformaes, mas que teve a sua origem relacionada aos estudos
mdicos. Ao tratar do modo como os estudos da medicina objetivavam explicar
sensaes e caractersticas h muito conhecidas, Natali (2006, p. 18) afirma que, em
1688, o mdico suo Johannes Hofes, a fim de descrever a dor que era provocada
pela impossibilidade de se voltar para casa, fez a unio das palavras gregas nostos
(voltar para casa) e algos (sofrimento, uma condio dolorosa). Desse modo, percebe-
se que, a partir da necessidade de nomear uma determinada entidade clnica,
inventou-se a palavra nostalgia.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
no incio e no final da narrativa: Escuta. Faamos de conta que voc possa tornar-se
invisvel. E que possa fazer uma viagem no tempo. Voc desce, agora, a ladeira do
Pelourinho, v? um dia qualquer de 1963 (RIBEIRO, 2012). A repetio nos remete
a um eterno retorno aos espaos que j no mais so como no passado.
Nas primeiras passagens do conto, possvel perceber a existncia de um eu
ficcional que, marcado por um sentimento de nostalgia, tenta reconstituir as
vivncias deixadas para trs pelas mudanas da vida e os lugares afetivos corrodos
pelas transformaes da cidade. A princpio, no incio do conto, apresenta-se para o
leitor o espao a ser desvelado pelo retorno ao passado, o centro antigo da cidade do
Salvador.
Escuta. Faamos de conta que voc possa tornar-se invisvel. E que
possa fazer uma viagem no tempo. Voc desce, agora a ladeira do
Pelourinho, v? um dia qualquer de 1963. O cu tem uma intensa
luminosidade avermelhada. Uma menina, com um vestido amarelo,
toca acordeom na janela de um sobrado. Um bbado dorme na
calada prxima Igreja de Nossa Senhora do Rosrio dos Pretos. Os
casares so velhos e desbotados. Homens vestem roupas brancas.
Sinos tocam nos ares finos da velha Salvador. Voc passa pela banca
de revistas. Desce a Rua Silva Jardim, no Taboo. Chega em frente ao
394
Plano Inclinado do Pilar. Um homem, com grande bigode grisalho,
bebe grapetti com o filho no bar que fica no andar trreo do edifcio
Bola Verde. Ele compra doces e chocolates. sbado e ningum,
seno voc, carrega um passado que ainda no existe. [...] Talvez por
isso quase se possam ouvir sussurros nas varandas e nas sacadas dos
casarios. (RIBEIRO, 2012, p. 21)
infncia. Gomes (1994, p. 65) nos apresenta uma importante afirmao ao citar a
colocao de Bolle (1984, p. 3-5) sobre a memria e a cidade: Recuperar o passado
significa: construir o sentido e o presente, tendo como arma de resistncia a memria
afetiva, por meio da memria topogrfica. Em Ribeiro (2012), o que se coloca
exatamente essa tentativa de se recuperar o passado por meio dos espaos que
constituem os tecidos da memria urbana e do personagem-narrador.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
RIBEIRO, Carlos. J vai longe o tempo das baleias. Fundao Cultural do Estado da
Bahia, 1981.
_____. Com a palavra o escritor. Salvador: Fundao Casa de Jorge Amado, 2002.
_____. O visitante noturno: contos. Salvador: SECULT, 2000. FUNCEB, EGBA, 111
p.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
398
A LEITURA DE MUNDO E A FORMAO DE LEITOR QUE FORMA LEITOR
Uma experincia de reflexo sobre a formao do sujeito leitor no curso de
pedagogia
RESUMO
Este trabalho visa relatar a minha vivncia como leitora, tendo em vista que a leitura
vai alm dos cdigos lingusticos, considerando a leitura de mundo um dos
primeiros atos de ler. Esse texto memorialstico fruto da atividade de uma prtica
referendada desenvolvida pela professora Rosemary Lapa de Oliveira, no
Componente Curricular do curso de Pedagogia Referencial Terico Metodolgico de
Lngua Portuguesa. Por meio dele, pude refletir sobre minha formao como leitora,
assim como sobre minha futura prxis pedaggica. Diante disso, o presente relato
aborda desde a compreenso da leitura de mundo que ocorre antes da decodificao
dos cdigos lingusticos, em um processo de escuta das lendas contadas por meus
familiares no interior da Bahia sobre o homem que se transforma em lobisomem e,
depois, a percepo do que era narrado e os contextos de acontecimento do texto:
tanto o real quanto o virtual. As leituras realizadas entre as lendas e o contexto social
foram essenciais no momento de aprender a ler, pois hoje percebo que considerava a
leitura dos cdigos lingusticos um complemento da interpretao que j tinha do
meu contexto. Aprendi a reconhecer as letras com o subsdio da minha me, isso
refora a importncia da famlia no processo de ensino e aprendizagem das crianas,
j com o conhecimento dos cdigos lingusticos, nasceu o interesse pelas leituras das
revistas de histria em quadrinhos. Logo, ao perceber o meu encantamento pelos
gibis, por ter enredos que faziam parte da minha infncia, a minha me
disponibilizou-me as colees dessas revistas, o que possibilitou conhecer
personagens que expressavam os mesmos sentimentos e emoes que eu tinha. Essas
histrias em quadrinhos me estimularam a buscar outras obras literrias como os
romances que fizeram parte da minha adolescncia, sendo que nesse perodo os
acessos aos livros ocorriam por causa da presena das bibliotecas comunitrias
localizadas nos bairros, as quais disponibilizavam aos seus frequentadores o
emprstimo as variadas obras que para mim foi mais um incentivo no processo de
formao como sujeito leitor. Assim, nesse processo de recordao dos meus
momentos de leituras, percorrendo desde a infncia at o incio do curso de
Pedagogia, pude refletir sobre a relao do ato de ler com a minha futura ao como
pedagoga. Logo, quando adentrei no curso de licenciatura em Pedagogia, tive um
encontro com as ideias defendidas por Paulo Freire que desvenda uma pedagogia
que posiciona o sujeito como autor de sua histria, contribuindo para a formao
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
crtica sobre a realidade que o cerca e tambm com as tcnicas de ensino de Clestin
Freinet, cujas propostas so vivenciadas dentro do ambiente escolar, como as aulas
passeios, que so pautadas na convivncia dos educandos com a sua comunidade.
1. APRESENTAO
uma leitura de mundo atitude que as crianas conseguem realizar antes da leitura
de palavras. J com o domnio dos cdigos lingusticos, a interpretao dos fatos do
cotidiano passa a contribuir para ampliao do conhecimento e como em um ciclo
essas leituras das palavras escritas possibilitam a ampliao do conhecimento de
mundo em um processo de enleituramento, segundo destacou Oliveira (2015). Nesse
circuito da leitura, o sujeito quanto mais contatos com variadas formas de textos,
maior ser seu conhecimento de mundo, sendo que a medida que for praticando o
ato de ler, ativa os saberes j adquiridos em situaes anteriores e com isso
constroem experincias com leitura.
402 (2010), a leitura de revistas em quadrinho pode contribuir para formao de leitores,
desenvolvendo hbitos de leitura de outros gneros. Visto que, ao iniciar a leitura
por texto que consideram agradveis, como as HQs, as crianas podem sentir mais
interesse por buscar leituras de variados livros e em outras revistas.
Aps alguns anos, retornei a Salvador e imediatamente tive contato com as
bibliotecas comunitrias que se localizavam no bairro em que residia, as quais foram
essenciais para o meu desenvolvimento enquanto leitora das obras literrias
brasileiras na adolescncia, pois foi ocasio em que tive boas experincias de leitura
com obras de fico e os mais belos romances, hbito que adquiri com as leituras das
revistas em quadrinhos na infncia que revelam ser de grandes valia nesse perodo
da minha vida.
Essas bibliotecas comunitrias ficavam to prximas minha casa que eu
podia ir andando at cada uma delas. A primeira localizava-se ao lado de uma escola
pblica e era administrada por uma igreja e a segunda, a biblioteca Jorge Amado,
ficava localizada no caminho que eu passava para ir escola. Fui informada da
existncia dessas bibliotecas por colegas da sala de aula, logo me inscrevi para
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
receber a carteira de emprstimo para livros e me tornei figura assdua nesses locais.
Diante disso, considero que a mediao dos meus colegas de classe mostrandome o
caminho para esses espaos de leitura contribuiu para minha constituio enquanto
leitora, pois ampliaram meus conhecimentos sobre a literatura.
Em relao escolha dos livros, apreciava variados tipos de obras literrias, j
que durante a leitura de histrias em quadrinhos tive acesso a informaes diversas,
o que colaborou para torna-me uma leitora flexvel e disposta a conhecer outros
autores atravs de suas obras. Isso para mim foi mais um incentivo no processo de
formao enquanto leitora.
No entanto, na fase em que cursava o primeiro ano do ensino mdio, a escola
pouco contribua para o incentivo leitura, pois os professores raramente faziam
indicaes de livros e a direo da escola no oferecia um local adequado para
promover o acesso aos livros disponveis. Segundo Oliveira (2011, p.20),
Diante disso, percebe-se que a escola deixava de cumprir seu papel de letrar,
ao impossibilitar que os alunos frequentassem a biblioteca, visto que no ofertava um
espao de leitura, porque os livros que deveriam estar disposio dos estudantes,
ficavam em um quarto trancado no fundo da escola, distante do acesso dos alunos e
mesmo quando eu e outros poucos alunos iam pedir livros emprestados, no havia
funcionrios para receber os estudantes que se encontravam vidos por ler.
Assim sendo, o meu processo como sujeito leitor ocorreu com muito incentivo
da minha famlia, colaboradora fundamental, que forneceu as bases, quando na
infncia contavam lendas e, depois, com as revistas em quadrinhos concedidas pela
minha me. Portanto, percebe-se que a famlia assume uma posio essencial no
processo de desenvolvimento na aprendizagem e consequentemente na formao
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
enquanto leitor. Assim, foram essas situaes familiares que mediaram a minha
constituio como leitora tanto do mundo quanto de obras literrias.
Outra contribuio que considero importante em minha experincia de leitora
foi com as bibliotecas comunitrias do bairro em que eu morava, as quais
disponibilizavam os livros para emprstimo, estimulando a leitura e valorizando o
interesse que eu e os meus colegas frequentadores desses espaos tnhamos pelo ato
de ler. Do mesmo modo, fica evidente para mim, a importncia de meus colegas de
sala de aula, como mediadores, que me levaram e indicaram o caminho para
encontrar as bibliotecas do bairro.
404 Freinet, enfim consegui analisar como gostaria de atuar como formadora de leitores,
pois acredito que a leitura comea pelo ato de ler o mundo e se desenvolve pelo
enleituramento.
Portanto, em uma reflexo sobre a minha prtica docente, pretendo utilizar o
dilogo para construir as aulas, tendo em vista que os alunos j possuem os
conhecimentos prvios adquiridos em suas relaes sociais. Diante disso, no processo
de ensino e aprendizagem, estarei aprendendo e ensinando com os educandos em
sala de aula, concordando com o que diz Freire (1987, p.68),
Com essa expectativa de dar valor ao contexto social do aluno, almejo fazer
uma integrao entre a comunidade e a escola e, com isso, conduzir meus alunos a
encontrarem espaos de aprendizagens que so disponibilizados em seus bairros.
Assim como promover a autonomia dos educandos, seguindo as ideias defendidas
por Freire (1996) em uma pedagogia da autonomia em que o professor deve respeitar
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
406 direciona para uma pedagogia em que so respeitados os saberes dos educandos
assim como o conhecimento do docente, pois no h docncia sem discncia como
declara Freire (1996), logo esse formato de ensino acontece de maneira horizontal,
pois existe a reciprocidade de ambas partes em um processo de construo da
aprendizagem.
Diante disso, busco, enquanto estudante, essa vivncia atravs da pesquisa
para que quando graduada possa ser em sala uma professora e pesquisadora, unindo
teoria cientfica a prtica e contribuindo para formao de leitores crticos.
Para isso, como estudante, procuro investir em minha formao enquanto
leitora, dedicando-me pesquisa cientfica como uma maneira de ampliar meus
saberes sobre o incentivo leitura em sala de aula. E foi por meio dessa procura que
no perodo da rememorao na prtica referendada pensei no tema sobre as revistas
de histrias em quadrinhos, tendo em vista que um recurso que ainda no
amplamente utilizado pelos professores nos anos iniciais.
Essa ferramenta pedaggica que so as HQs que por divulgaes
preconceituosas, como salienta Vergueiro (2010), ainda so pouco utilizadas em sala
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
408
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica docente. So
Paulo: Paz e Terra, 1996.
RESUMO
INTRODUO
416
Imagem 3 Texto sobre literatura de cordel. Imagem 4 Textos produzidos pelos alunos.
417
Imagem 8 Apresentao de jogral feita pelos alunos sobre a famlia e a importncia dos laos
familiares.
419
acontece porque o aluno sabe de onde se fala e para quem e o porqu se fala. nesse
sentido que Bakhtin (2003) afirma que:
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
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ENTRE LIVROS E HISTRIAS:
memrias de leituras, formao do leitor e pesquisa (auto)biogrfica
RESUMO
A ampliao do campo de discusso da pesquisa com histria de vida, as narrativas
de si, a biografia e autobiografia tem entrecruzado espaos para investigao de
questes relacionadas tambm com a literatura e os processos de formao leitora,
aspecto este bastante frutfero, principalmente por proporcionar um outro olhar
sobre algumas concepes construdas pelo senso comum a respeito do conceito de
leitura e leitor. Aliadas esta questo, as investigaes sobre as experincias de
leitura de professores tm contribudo para redefinir o conceito de leitor atribudo a
este sujeito. O presente artigo resultante das discusses tericas produzidas no
semestre 2014.2, no mbito da disciplina Abordagem (Auto)biogrfica Formao de
Professores-Leitores, do programa de Ps-Graduao em Educao e
Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia e as contribuies
proporcionadas por estas leituras para a minha formao enquanto pesquisadora. A
proposta da disciplina foi de nos fazer refletir sobre as perspectivas terico-
metodolgicas da abordagem (auto)biogrfica com nfase nas histrias de leitura, e
suas implicaes na formao, para levar-nos a compreender a partir de narrativas
de vida e de leitura (biogrficas e ficcionais), as relaes entre prticas culturais de
leitura e de formao. Neste texto procuro estabelecer relaes entre as leituras
realizadas na disciplina, o campo da pesquisa (auto)biogrfica e a formao do
professor-leitor, bem como sua contribuio para o estgio de construo atual da
minha pesquisa, memrias de leitura apontadas no relato de uma das professoras, e
minhas prprias memrias de leitura, entendendo a importncia do campo da
memria e da pesquisa (auto)biogrfica para a compreenso dos percursos e
trajetrias da leitura e da constituio dos leitores nos diversos espaos educativos.
Ao buscar estabelecer uma ponte entre a minha pesquisa e a disciplina, o fiz a partir
do que temos de mais prximo: a pesquisa (auto)biogrfica voltada para a
investigao de processos formativos, no caso desta investigao, das professoras
leigas.
1- INTRODUO
425
Com relao ao texto de Figueiredo (2013), sua leitura foi extremamente rica
pois nos remeteu busca de outros textos que, lidos concomitantemente, ampliou a
compreenso da temtica da autobiografia, agora voltada para a literatura e a fico,
e no rol dessa leitura foram includos os textos de M. Foucault, O que um autor?;
e o texto de Roland Barthes, A morte do autor. Figueiredo nos leva ao universo da
biografizao ficcional, da biografia como gnero literrio produzindo uma discusso
da temtica com uma extensa referncia que sustenta suas argumentaes. Deste
texto suscita-me o desejo de aprofundar-me em dois conceitos cunhados por Roland
Barthes que aparecem neste texto: o de biografema e o de punctum, tal como
aponta Figueiredo (2013, p. 20) estes dizem respeito no a completude de uma
histria, no a foto toda, mas pequenos detalhes, algumas inflexes, que emocionam
numa biografia ou numa foto, pois acredito que podem ser importantes para o meu
trabalho.
Das conversas iniciais gravadas com quarto professoras, apenas uma delas faz
referncias aos livros que tinha acesso e aos modos de leituras. Foi com esta
professora, tambm, que encontrei vrios livros escolares alguns do seu processo
de escolarizao primria alm de cadernos de apontamentos do perodo dos
cursos de formao e aperfeioamento (PAMP). O relato feito pela professora tem um
trao religioso forte, pois suas referncias de leituras so de textos religiosos, da
Bblia ilustrada comprada pelo pai, e que este lia aos domingos pela tarde, no que ela
chamou de escolinha bblica. Alm dessa leitura a professora M.A. se referiu a
outros livros de histrias que de alguma forma tinham um fundo moral, que trazia
ilustraes que ela disse recordar-se.
Benjamim (1996, p.198) que para ele Uma das causas desse fenmeno bvia, as
aes da experincia esto em baixa, e tudo indica que continuaro caindo at que
seu valor desaparea de todo. H poucos espaos hoje para a contao de histrias
em famlia, aqueles momentos em que todos se reuniam na cozinha em torno da
mesa ou na sala para ouvir causos e histrias.
uma delas faz referncias s suas leituras e modos de partilha dessas leituras , a
disciplina faz suscitar as possibilidades desses olhares para as prximas entrevistas
com estes professores e com as que no foram ainda contatadas. Isto no significa a
mudana no foco da pesquisa, mas estar atenta ao surgimento de elementos novos
que podem redimensionar as perspectivas na anlise dos dados.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
432
CATANI, Denice Brbara; BUENO, Belmira O.; SOUSA, Cynthia Pereira de; SOUZA,
Maria Ceclia C.C. de. Histria, memria e autobiografia na pesquisa educacional e
na formao. In CATANI, Denice Brbara... et al (Orgs) Docncia, memria e gnero:
estudos sobre formao. 4. ed. So Paulo: Escrituras Editora, 2003.
434
UMA VOZ PORTUGUESA COMO TESTEMUNHA DA GUERRA COLONIAL
EM ANGOLA: EXPERINCIA, TRAUMA E REPRESENTAO
RESUMO
APRESENTAO
Os romances que fazem parte do corpus desta pesquisa direcionam-se
historicamente Guerra Colonial e ao seu fim, bem como o inevitvel fim de um
mundo burgus, marcado por valores tradicionais. Os anti-heris dos seus romances
so pessoas que exercem profisses liberais, oriundas de boas famlias, refletindo a
prpria disfuncionalidade familiar do autor. E nesse sentido Os Cus de Judas constitui
436
um bom exemplo, alm de vrios outros romances escritos por ele, em que os
personagens/narradores cruzam suas vozes nesses dois espaos: Portugal e Angola.
O objetivo deste artigo, que tem como tema Uma voz portuguesa como
testemunha da guerra colonial em Angola: experincia, trauma e representao
analisar trs conceitos importantes entre si, que esto relacionados descrio do
testemunho da experincia do escritor portugus Antnio Lobo Antunes, por meio
de seus trs primeiros romances publicados nos anos de 1979 e 1980, mencionados
anteriormente. Esses romances fazem parte de sua trilogia autobiogrfica que
marcou a vida deste escritor para sempre.
O centro de nossa ateno no que diz respeito ao conceito de memria gira em torno de
dois autores, Henri Bergson que se preocupa com o dentro da memria e Maurice
Halbwachs que se volta para o fora da memria. Cada um, a partir de suas abordagens em
torno da teoria da memria, possui importncia decisiva nesta pesquisa, pois toda memria se
ancora nessas duas dimenses temporais e espaciais: o exterior e o interior. A memria o
recurso mximo de conformao da escritura, o princpio mobilizador do ofcio da
representao (PINTO, 1998, p. 22).
Enfim, esses e outros autores so citados aqui para tornar vivel um dilogo
interdisciplinar, capaz de direcionar nosso foco em torno da memria traumtica que
se faz presente no testemunho do sobrevivente do trauma de guerra: Lobo Antunes.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Por que colocamos a palavra experincia antes das palavras trauma, corpo,
voz e representao neste ttulo? Porque acreditamos que por meio dela que os
sujeitos adquirem representaes e necessrias condies para falar, de seu
respectivo lugar, sobre o que lhes aconteceu. Assim, sem experincia no h
438
narrativa, nem tampouco representaes, testemunhos, memrias. Segundo Beatriz
Sarlo:
A narrao da experincia est unida ao corpo e voz, a uma
presena real do sujeito na cena do passado. No h testemunho sem
experincia, mas tampouco h experincia sem narrao: a linguagem
liberta o aspecto mudo da experincia, redime-a de seu imediatismo
ou de seu esquecimento e a transforma no comunicvel, isto , no
comum. A representao inscreve a experincia numa temporalidade
que no a de seu acontecer (ameaado desde seu prprio comeo
pela passagem do tempo e pelo irrepetvle), mas a de sua lembrana.
(2007, p. 24-25).
A autora traz tona, com exatido e clareza, o que esta pesquisa acredita,
como j mencionamos anteriormente. No entanto, Benjamin em seu livro Magia e
tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura (1994),
especificamente em seus captulos Experincia e pobreza e O narrador.
Consideraes sobre a obra de Nikolai Leskov, afirmou que com a guerra mundial
tornou-se manifesto um processo que continua at hoje. No final da guerra,
observou-se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha no mais
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
ricos, e sim mais pobres em experincia comunicvel (1994, p. 198). Beatriz sarlo
discorda deste pensamento benjaminiano, acreditando que a experincia enriquece
os sobreviventes. O sujeito no s tem experincias como pode comunic-las,
construir seu sentido e, ao faz-lo, afirmar-se como sujeito (SARLO, 2007, p. 39).
Os autores/sobreviventes/personagens/narradores jamais conseguiriam
escrever o que os seus olhos viram, seno por meio do imaginrio. Sem este
importante recurso que subjetiva a voz humana, no seria possvel falar dos traumas
oriundos dessas grandes catstrofes.
A condio dialgica estabelecida por uma imaginao que,
abandonando o prprio territrio, explora posies desconhecidas em
que possvel surgir um sentido de experincias desordenadas,
contraditrias e, em especial, resistentes a se render ideia simples
demais de que elas so conhecidas porque foram suportadas.
(SARLO, 2007, p. 41).
Foulcault, em seu livro A ordem do discurso (2008), faz meno a trs grandes
sistemas de excluso que atingem o discurso: a palavra proibida, a segregao da
loucura e a vontade de verdade. Mas no terceiro sistema de excluso que ele mais
chama a ateno: a vontade de verdade. Conforme Foucault, trazendo agora a ideia
de disciplina, afirma que ele um princpio de controle da produo do discurso
Ela lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma
reatualizao permancente das regras (FOUCAULT, 2008, p. 36). E
complementando ainda as ideias em torno do controle dos discursos, o autor faz a
seguinte reflexo:
Desta vez, no se trata de dominar os poderes que eles tm, nem de conjurar
os acasos de sua apario; trata-se de determinar as condies de seu
funcionamento, de impor aos indivduos que os pronunciam certo nmero
de regras e assim de no permitir que todo mundo tenha acesso a eles. 441
Rarefao, desta vez, dos sujeitos que falam; ningum entrar na ordem do
discurso se no satisfazer a certas exigncias ou se no for, de incio,
qualificado para faz-lo. Mais precisamente: nem todas as regies do
discurso so igualmente abertas e penetrveis; algumas so altamente
proibidas (diferenciadas e diferenciantes), enquanto outras parecem quase
abertas a todos os ventos e postas, sem restrio prvia, disposio de cada
sujeito que fala. (2008, p. 36-37)
No a linguagem que tem a primazia; o nico objeto imanente que pode ser
submetido analise o discurso: no discurso atualizado em frases que a lngua se
forma e se configura (COQUET, 2013, p. 112). Ainda segundo Jean Claude Coquet
Lobo Antunes tem a sua vida abalada, se sente ameaado pelo passado e
inseguro com o devir, gerando, com isso, um desconforto diante da realidade, uma
crise de identidade, como bem sinaliza Stuart Hall ao afirmar que esta crise
vista como parte de um processo mais amplo de mudana, que est deslocando as
estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de
referncia que davam aos indivduos uma ancoragem estvel no mundo social [...]
Esta perda de um sentido de si estvel chamada, algumas vezes, de deslocamento
ou descentrao do sujeito. Esse duplo deslocamento-descentrao dos indivduos
tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos constitui uma
crise de identidade para o indivduo. ( 2006, p. 7- 9)
[...], encontrei uma mulher numa cama e uma criana num bero
dormindo ambas na mesma crispao desprotegida feita da
fragilidade e abandono, e fiquei parado no quarto com a cabea cheia
ainda dos ecos da guerra, do som dos tiros e do silncio indignado
dos mortos, a escutar, sabe como , os sonos que se entrelaavam
numa rede complicada de hlitos, um tornozelo da minha mulher
sobrava, pendente, dos lenis, e eu comecei a afag-lo de leve at ela
acordar, afastar os cobertores sem nenhuma palavra, e me receber
inteiro na cova morna do colcho. (ANTUNES, 2008, p. 86)
Assim, podemos dizer que o narrador narra porque pressente que algo de
fundamental foi esquecido; mas, enquanto no poder eliminar esse esquecimento, s
poder narrar tomado por forte sentimento de desorientao, de angustiante
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
450
FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES: vises docentes
sobre o processo formativo vivenciado no programa Pr-letramento
RESUMO
APRESENTAO
Estamos vivendo em uma sociedade que exige cada vez mais respostas
inovadoras aos diferentes e complexos problemas apresentados. So novas
demandas que trazem consigo novos desafios para todos os segmentos que a
constituem. No setor educacional, as atuais discusses apontam para a necessidade
de repensar o sistema educativo, na expectativa de que este se constitua, segundo
Nvoa (2009), em um novo espao pblico para a educao. O que significa assumir
uma nova funo frente sua complexidade, reconhecendo os limites da educao
na transformao poltica da sociedade, porm, consciente de que atravs da
educao que podemos compreender segundo Freire (1986), as relaes de poder
estabelecidas na sociedade, bem como preparar e participar de programas na
perspectiva de promover mudanas.
452
Nessa perspectiva, O novo espao pblico da educao chama os
professores a uma interveno tcnica, mas tambm a uma interveno poltica, a
uma participao nos debates sociais e culturais, a um trabalho continuado junto s
comunidades locais. (NOVA, 2009, p.24). O que explicita a importncia e a
complexidade do papel do professor na contemporaneidade, fomentando a urgncia
na construo da identidade da profisso, o que perpassa sobretudo pela necessidade
em investir em uma concepo de formao continuada de professores que promova
conhecimentos terico-prticos, possibilite um trabalho qualificado, logo a sua
condio de intervir no mundo.
Assim, torna-se imprescindvel compreender o contexto atual da formao
de professores, inicial e contnua, desenvolvidas pelos sistemas municipais em
parceria com o governo federal, luz da teoria, tendo em vista s necessrias
mudanas. Nessa perspectiva, esta escrita tem o desejo de socializar alguns
resultados que emergiram do processo de desenvolvimento da pesquisa intitulada O
Pr-letramento e as suas Implicaes na Formao do Professor Leitor, do
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
456
Em meados da dcada de 90, registra-se no Brasil um investimento acentuado
destinado formao continuada de professores na rea de linguagem. So projetos
e programas desenvolvidos pelo governo federal, atravs do Ministrio da
Educao- MEC, a exemplo Programa de Formao de Professores Alfabetizares-
PROFA, GESTAR, o Pr-Letramento, dentre outros.
Como uma das polticas de formao do governo federal em convnio com
estados e municpios, o programa de formao continuada de professores da
educao bsica, intitulado Pro-Letramento - Mobilizao pela Qualidade da
Educao - um curso, na modalidade semipresencial, que prev a melhoria da
qualidade de aprendizagem de leitura, escrita e matemtica nos anos ou sries
iniciais do ensino fundamental. ( Guia do Pro-Letramento/ BRASIL, 2012, p.1),
resultado da parceria entre Ministrio da Educao e as universidades que
integram a Rede Nacional de Formao Continuada de Professores, criada pelo MEC
em 2004, com a seguinte constituio
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
467
ENTRE MAPAS, REVISTAS E LIVROS: PRTICAS CULTURAIS DE
ESTUDANTES-PROFESSORAS DO PPGEDUC/UNEB16
RESUMO: Esta comunicao fruto das reflexes e leituras realizadas pelas pesquisadoras, e de
um recorte da dissertao intitulada "E assim nos fizemos leitoras": histrias de vida e de leitura de
estudantes do PPGEduc no perodo de 2005 e 2010, desenvolvida no mbito do Programa de Ps-
Graduao em Educao e Contemporaneidade (PPGEduc) da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB). O objetivo dialogar sobre em que medida as prticas culturais de leitura dessas estudantes
implicam diferentes processos formativos pessoais e profissionais. Verificaram-se, a partir das
histrias de leitura dessas mulheres, as concepes em torno do ato de ler, os usos sociais de leitura,
marcas e prticas constitudas dentro e fora dos espaos formais. Entrecruzamos as contribuies da
Histria Cultural e da Formao docente, articulando-as aos estudos de Chartier (1990, 2001, 2004),
Cordeiro (2006), Passegi (2011). Utilizamos Histrias de Vida, pois possibilitam maior entendimento
dos percursos formativos e leitores das colaboradoras. A anlise dos dispositivos formativos
elencados possibilitou maior visibilidade s histrias de vida e de leitura das colaboradoras. Os
escritos retrataram as trajetrias leitoras e os percursos formativos experienciados. Participar do
movimento de (auto) formao proporcionou s estudantes- professoras reflexes e ressignificaes
para as suas vidas pessoais e prticas docentes.
16 Este artigo uma verso ampliada e revisada do artigo intitulado Dilogos sobre docncia, leitura
e leitores: histrias de prticas culturais de leitura de estudantes-professoras do PPGEduc/Uneb,
apresentado no VI Congresso Internacional de Pesquisas (Auto)Biogrficas (CIPA), ocorrido entre os
dias 16 e 19/11/2014, no Rio de Janeiro.
17 Licenciada em Pedagogia, especialista em Alfbetizao e Letramento (FAMA) e Mestre em Educao
usos sociais de leitura, repertrios, marcas e prticas constitudas dentro e fora dos
espaos formais.
Duas vertentes terico- metodolgicas foram entrecruzadas: as contribuies
da Histria Cultural e da Formao docente, articulando-as aos estudos de Chartier
(1990, 2001, 2004), Cordeiro e Souza (2007), Passegi (2011), dentre outros. O trabalho
fez uso das Histrias de Vida, por estas possibilitarem um maior entendimento dos
percursos de formao e de leitura das colaboradoras.
Compreendendo a notoriedade dos estudos realizados com as Histrias de
vida, Jean Poirier (1999, p.12) revela que elas [...] querem fazer falar os povos do
silncio, atravs de seus representantes mais humildes. Assim sendo, analisar as
histrias de vida de estudantes possibilitou-nos o conhecimento de suas prticas
culturais de leitura [antes (des)conhecidas ou (des)valorizadas] e a implicao destas
no seu cotidiano docente.
O entendimento sobre as prticas culturais de leitura na perspectiva de
Roger Chartier (2011) assinala diversos modos de ler (coletiva ou individualmente,
herdadas ou inovadoras, pblicas ou ntimas) e por representaes que os sujeitos 469
possuem sobre o que seria o leitor ideal. No se trata apenas de saber ler ou no,
mas dos usos e manuseios desta leitura, das suas finalidades, das diversas maneiras
de ler, do que ele chama de prtica cultural (CHARTIER, 2011, p.105).
A cada leitura realizada dos escritos das estudantes- professoras, o que foi
lido muda de sentido, torna-se outro, ganha novo significado. A anlise dos
Rascunhos de Mim e dos Memoriais possibilita a produo desse escrito, atravs do
qual busco dar visibilidade s histrias de vida e de leitura das colaboradoras.
Dois dispositivos formativos produzidos entre os anos de 2005 a 2010 foram
tomados para efeitos desse estudo Memoriais e Rascunhos de mim - para se
investigar as prticas culturais de leitura empreendidas por estas estudantes e qual a
implicao daquelas em sua prtica cotidiana. Tais escritos retratam suas trajetrias
leitoras e os percursos formativos experienciados na docncia, revelando que a
possibilidade de transcrever suas histrias, e participar do movimento de formao e
autoformao proporcionou reflexes e ressignificaes para s suas vidas pessoais e
prticas docentes.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
2011, p.20). Os excertos que aparecero no prximo espao desse texto, so de dois
memoriais acadmicos, escrito para fins de ingresso no Mestrado e no Doutorado em
Educao e Contemporaneidade, do PPGEduc.
O dispositivo denominado Rascunhos de Mim18 cunhado ao longo do
componente curricular Abordagem (Auto)Biogrfica e Formao de Professores e
Leitores desde o ano de 2005. Ao longo da disciplina, os estudantes que dela
participam so convidados a construir e refletir sobre as suas histrias de leitura.
Para Cordeiro e Souza (2007), os Rascunhos de Mim constituram-se:
[...]Como escritas de si, nas quais cada um abriga suas memrias de
leitura, atravessando tempos e espaos reais e imaginrios, cujos
gestos e prticas culturais de leitura encontram um sentido que se
abrem compreenso de que as histrias de leitura se constroem por
caminhos os mais imprevistos. (CORDEIRO e SOUZA, 2007, p.223)
18Este texto foi includo como um dos dispositivos formativos utilizados na disciplina Abordagem
(Auto)Biogrfica e Formao de Professores e Leitores, ministrada pelos professores Dra. Verbena
Cordeiro e Dr. Elizeu Clementino de Souza.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
19 Escolhidos pelas professoras que colaboram com este estudo, os pseudnimos respeitam o que
preconiza o Conselho de tica em Pesquisa com Seres Humanos, por meio da portaria 196/96, que
delimita os marcos dos trabalhos realizados com pessoas. importante destacar que os nomes
elencados por elas tem ligao emocional: so nomes de mes e professoras.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Santos, Josu de Castro, Roberto Correia Lobato, Selma Garrido Pimenta, Ilma P.
Veiga, Paulo Freire, Cipriano Luckesi,20 emergem como os primeiros exemplares da
recm-inaugurada biblioteca da docente.
Em um momento em que no era possvel adquirir os livros, Nilza relata sua
filiao a um Crculo. Isso permitiu a ela ler e trocar exemplares diversos. Esse
movimento validado por Ana Alcdia Moraes (2000), quando lembra que em alguns
casos preciso que os leitores articulem outras estratgias: emprstimos,
encomendas, crculos de leitura.
Nilza tambm relata que a sua consolidao enquanto pesquisadora uma
oportunidade de (auto) reflexo, pois ela descreve a leitura como responsvel por
esse movimento. possvel perceber esta constatao no momento em que produziu
o Memorial de seleo para o Doutorado, no ano de 2010, descrito por ela como
decorrente das suas inquietaes enquanto professora em constante processo de
formao e, tambm das vivncias, lembranas e aprendizagens da/na sua trajetria
pessoal e profissional.
20So tericos que versam sobre temas diversos ligados Geografia e Pedagogia, denominados pela
prof. Nilza como seus iniciadores no campo dos estudos tericos sobre a docncia.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
bebendo nessas fontes diversas que discorremos sobre a relao ntima que
entrecruza a leitura e a docncia na vida das colaboradoras. Nos seus escritos,
verificamos que trata-se de uma relao indicotomizvel.
Revisitando as leituras realizadas na docncia na vida das estudantes
pesquisadas, depreendemos que, ao entrar em contato com o texto, o leitor depara-se
com questes polticas, histricas, sociais e econmicas. Isso descaracteriza a suposta
neutralidade da leitura.
Por outro lado, possvel perceber o que esclarece Roger Chartier (1994,
p.13): aqueles que so capazes de ler textos no o fazem da mesma maneira. Os
21 O Programa Nacional de Incentivo Leitura (PROLER) teve sua atuao consolidada em alguns
municpios no pas nos anos 1980. O seu surgimento est atrelado s pesquisas realizadas na dcada
de 80, no mbito da leitura, que revelavam a necessidade de se estabelecer uma Poltica Nacional de
Incentivo Leitura com metas e estratgias claras. Sua realizao estava condicionada s parcerias
com as prefeituras, universidades e outras instituies locais. Seu papel foi de fomentar a realizao de
encontros, seminrios de formao de recursos humanos para a promoo da leitura (LIMA, 2008).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
locais de origem dos jovens com os quais ela trocava cartas e as peculiaridades das
suas culturas locais a levaram a um tipo outro de prtica cultural de leitura, essencial
para a sua constituio enquanto professora de Geografia:
480 indiscutivelmente, leitoras, leitoras de sua vida, de suas necessidades, de seu entorno
sociocultural, enfim, leitoras.
REFERNCIAS 481
ARAJO, Jorge de Souza. Letra, leitor, leituras: reflexes. Itabuna, Bahia: Via
Litterarum, 2006.
LIMA, Rita Breda Mascarenhas. Nas malhas da leitura: perfil leitor e prticas
culturais de leitura de professores e professoras rurais da comunidade de
Arrodeador - Jaborandi - Bahia. Dissertao de Mestrado. UNEB, 2008.
RICOEUR, Paul. Teoria da interpretao. Trad. de Artur Moro. Lisboa: Edies 70,
483
1996.
PROFESSOR LEITOR: UM PROCESSO EM CONSTRUO
RESUMO
O trabalho que ora se apresenta teve como propsito analisar como as prticas de
leituras vivenciadas pelas estudantes/professoras (egressas no curso de
Letras/UNEB Campus II) no processo de sua formao docente tm contribudo
para a formao do professor leitor. O mesmo representa um desdobramento da
pesquisa desenvolvida no Programa de Mestrado em Crtica Cultural da
Universidade do Estrado da Bahia (UNEB), cujo intuito se sustenta em uma reflexo
entorno das prticas de leituras e a formao de professores-leitores, reflexo essa
que em plena contemporaneidade, requer pensar a noo de leitura de uma forma
plural, rizomtica, que transgrida o conceito tradicional de leitura - a decodificao
dos signos lingusticos. Visibilizando as diversas prticas de leituras que a ps-
modernidade possibilita ao sujeito leitor. O que nos permite configurar o ato de ler
como objeto de cultura, elemento constituinte na formao do sujeito, e sendo este
sujeito uma professora de Lngua Portuguesa, o estudo das prticas culturais de
leituras dessas professoras de Lngua Portuguesas perpassando pelo vis das suas
experincias cotidianas, possibilita uma reflexo a partir da noo do sujeito histrico
e social, pois como sabido o/a professor/a de Lngua Portuguesa apresentam
histrias de vida distintas, assim como as suas histrias de leituras, o que equivale
dizer que, a prtica cultural de leituras de cada sujeito est atrelada a sua condio
social de sujeito, como afirma Cordeiro (2008) s prticas culturais devem ser
entendidas a partir do lugar social de cada sujeito. Neste sentido, tm-se uma
pesquisa que ancora-se na (auto)biografia e que tem as narrativas de formao como
dispositivos de anlise, uma vez que a abordagem autobiogrfica possibilita ao
pesquisador descrever e analisar fatos que marcam a vida e a formao dos sujeitos,
experincias essas situadas dentro de um contexto scio-histrico e cultural, como
bem coloca Josso (2007), pois medida que o sujeito narra um fato biogrfico, faz
uma interpretao do que foi vivido, do que foi experienciado por ele, uma ao
dupla vivenciada pelo sujeito narrador, cabendo ao pesquisador que trabalha com o
mtodo autobiogrfico fazer a interpretao e compreender o que foi narrado pelo
sujeito colaborador na pesquisa. Nestas perspectivas, busca-se utilizar as narrativas
das histrias de vida de professoras de Lngua Portuguesa, visto que os relatos
descritos apresentam, em geral, um estilo informal, narrativo, ilustrado por figuras
de linguagem, citaes, exemplos e descries que nos revela os processos formativos
na transio de sujeito-leitor a professora-leitora, permite-nos assim, desenhar a
genealogia das suas formas de ler a partir das suas narrativas e o significado cultural
da leitura na vida desse professor/leitor.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
APRESENTAO
Pensar a leitura apenas como a decodificao dos signos negar a sua funo
social, ir de encontro s teorias que a definem como uma prtica social que valoriza
os saberes experienciados do indivduo. Alm disso, se fundamentar na grande
diviso, uma concepo que Street (2014) qualifica as modalidades de lngua oral e
escrita do sujeito de acordo com as suas habilidades cognitivas. Este mesmo autor
critica esta concepo, por negar as inmeras prticas de leituras na qual o indivduo
est inserido, estabelecidas pelas estruturas culturais e de poder de uma sociedade.
Martins (2006) nos afirma que aprendemos a ler a partir do nosso contexto
pessoal. E temos que valoriz-lo para poder ir alm dele. Dentro desta concepo
que discorro este artigo, com a finalidade de analisar as prticas de leituras no
processo de formao docente realizadas no curso de Licenciatura em Letras do
Campus II da universidade do Estado da Bahia, de modo a perceber como elas tm
485
contribudo para a formao do professor leitor, pois:
486
A vida contempornea exige o constante exerccio da leitura, j que esta
ao considerada um requisito de incluso social e uma ferramenta
indispensvel para a convivncia nesta sociedade, bem como para o
delineamento de novas fronteiras do saber, j que toda e qualquer atividade
humana est relacionada com o uso da lngua, atravs de enunciados, orais ou
escritos, provindos de todo ser humano, independentemente de sua classe
social, uma vez que o domnio da leitura e da escrita fundamental para que o
sujeito saiba atribuir significados a cada processo por qual vivenciou,
ressaltando que este sujeito um ser social que interfere no seu meio,
posicionando-se criticamente.
Mas, afinal, o que a leitura? o modo como se interpreta um conjunto
de informaes impressas? a ao de decodificao e codificao dos signos?
No contexto da contemporaneidade, esta pequena palavra leitura , rompe
com a dicotomia de apenas reconhecer e sonorizar as letras, com o passar dos
tempos, assim como outras palavras, ela se ressignificou e carrega consigo um leque
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
De fato, a leitura envolve certa dinmica, como nos assegura Cruz (2012), pois,
ao ler, preciso que o leitor compare o que foi lido com sua bagagem de
conhecimento mundano, ou seja, requer sua interpretao acerca do que est escrito
nas linhas e nas entrelinhas para se inferir sentido, questionando-o, assim analisar a
leitura significa se interrogar sobre o modo de ler um texto, ou sobre o que nele se l
(ou se pode ler), como diz Jouve, (2002, p. 13).
Concomitante a isso, a leitura objeto de conhecimento, instrumento para
novas aprendizagens e entretenimento, pois o seu discurso desperta no leitor algo 487
que costuma denominar de prazer e possibilita ao indivduo que faz a leitura uma
viso ou interpretao pessoal das condies sociais, polticas e econmicas de um
povo em um dado momento de sua histria, uma vez que o ato de ler , j em si
prprio, fortemente subjetivo (JOUVE, 2002, p. 18).
No entanto, para se tornar um sujeito crtico na era contempornea,
indispensvel o domnio das prticas de leitura, leitura essa marcada cada vez mais
pelas presenas de imagens, sons e palavras que tm como suporte a televiso, o
vdeo, o cinema, o computador, implicando assim, novas formas de ler e novas
formas de interferir no mundo da cultura tecnolgica, pois:
Corroboramos com Herbrand (2011) quando coloca que cada leitor vivencia o
que l a partir de suas representaes concretas e simblicas e essas experincias
ganham sentido quanto o sujeito se transforma e aprende a partir das suas marcas
scio-histricas.
[...] ele tem tambm o poder de produzir efeitos sobre aquilo que relata.
nesse poder de agir do relato que se baseiam as propostas de
formao que se valem das histrias de vida para dar incio a
processos de mudana e de desenvolvimento nos sujeitos. (DELORY-
MOMBERGER, 2012, p. 529).
Esse relato da professora Aline demarca o seu encontro com o mundo abstrato
da leitura, um indivduo capaz de compreender o significado dos diversos objetos e
sujeitos que se manifestavam no seu espao. Ela lia o mundo como o mesmo se
492
mostrava para si, o ato de ler era materializado pelas ressignificao das coisas que a
colaboradora os davam, a leitura no estava representada por meio da escrita, e se da
sua arte, dos cheiros, da sua capacidade de imaginar.
A professora Aline possui uma experincia prpria, cotidiana e pessoal,
tornando a leitura nica, incapaz de se repetir, e este o seu grande encanto. Da
porque as histrias de leituras devem ser compreendidas entre a subjetividade e o
lugar social de cada indivduo, com seus diferentes ritmos, formas de ler, tempos e
espaos de leituras os mais inusitados (CORDEIRO, SOUZA, 2010, p. 224).
O domnio da leitura e da escrita possibilita o indivduo compreender a sua
razo de ser no mundo, buscando cada vez mais novos conhecimentos sobre a
realidade a qual pertence. Insere-se na realidade, nas histrias registrando os
processos decorrentes, acumulando-os na memria devido ao fato de ser leitor e
escritor, despertando no sujeito leitor uma reflexo no s naquele contexto em que
est situada a histria, uma leitura que proporcione ao leitor compreend-la em
outros contextos (res)significando-a.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Mas foi na quinta srie que eu comecei a ter acesso a livros que eu no tinha
acesso antes, eu li a..., voc conhece A ilha perdida, o Menino de asas,
Menino de engenho conhece? Eu li tudo isso...da quinta oitava srie eu li o
Menino de asas, eu li Menino de engenho , eu li A ilha perdida, eu li o
Escaravelho do diabo, eu li..., o que mais que eu li..., eu li tanta coisa
bacana....eu li o Escaravelho do diabo, A ilha perdida o que eu li mais
Zuleide. Eu li a Moreninha..., eu li muita coisa nessa poca que me marcou,
eu li...tambm....meu p de laranja lima, eu li um bocado de coisa bacana
nessa poca, que hoje os meninos no ler. [...] (Aline Entrevista
narrativa, 2011). 493
Neste excerto narrativo da professora Ktia fica ntido que a mesma vivenciou
duas prticas de leitura com a mesma obra literria, sendo em tempo e espaos
diversos, assim como as propostas curriculares, o primeiro momento enquanto aluna
do ensino mdio em uma instituio particular, e no segundo momento como aluna
494 do curso de Licenciatura em Letras.
Quanto s prticas de leituras vivenciadas no espao da academia, vale
ressaltar que o espao acadmico foi o mesmo para ambas, apenas em tempos
diferentes, pois tanto a professora Aline, como a professora Ktia vivenciaram
prticas de leituras significativas que am de encontro com as ideologias das prticas
de leituras escolares.
A professora Aline afirma que fez:
Assim, neste fragmento, Sanches (2004) nos prope conceber o ato de ler com
um momento de se aventurar-se no desconhecido, descobrindo e construindo
mundos, um mundo no qual criamos um sentimento de pertena. Permitindo-nos
vivenciar diversos eus, rompendo com a lgica e a historicidade do tempo,
possibilitando-nos vivenciar um devir. E, deste modo, a professora Aline vivenciou
496
todos os seus livros.
Para Cruz (2012), as prticas de leitura, sejam elas cannicas ou no, permitem
uma juno de cultura, o encontro do mundo autor e do leitor em um nico
cdigo/lngua, um discurso em que o leitor se envolve, elaborando um ponto de
vista, no qual interpreta de acordo com a sua vivncia no/do mundo, uma vez que
Ler nos forja a alma e nos insere no tecido cultural que envolve a frgil e forte
existncia humana, nos assegura Hazin (2006, p. 64).
Sendo assim, as prticas de leitura guardam a identidade de cada leitor, o
modo com se constituiu ou est se constituindo, a partir do espao da
escola/academia, dentre outros, que possibilitem a leitura e o tempo dedicado a essa
prtica so fatores inerentes construo do sujeito professor-leitor.
As experincias aqui rememoradas pelas duas professoras colaboradoras nesta
pesquisa, evidenciam que as prticas de leitura esto ligadas s questes culturais e
no apenas com a imposio escolar, embora este espao e tempo, qual seja, a escola
e os percursos de escolarizao tenham influenciado a sua identidade leitora, apesar
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
do gosto pela leitura j existir, o que lhe faltava no caso da professora Ktia era
apenas uma ressignificao da prtica que lhe foi apresentada no espao escolar.
Quanto professora Aline, o fascnio pela aventura promovida pela leitura,
ainda menina, no lhe permitiu conhecer a ideologia escolar para com a leitura. Do
mesmo modo, conhecer as histrias de leituras de duas alunas egressas do curso de
Letras da UNEB/Campus-II nos leva a refletir o valor significativo que essas prticas
vivenciadas nos espaos escolares e educativos, como a escola e a academia
contriburam significativamente para a construo de uma identidade leitora.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Ins Barbosa. Uma histria da contribuio dos estudos
do cotidiano escolar ao campo de currculo. In. LOPES, Alice Casimiro; MACEDO,
Elizabeth (Orgs). Currculo: debates contemporneos. So Paulo, SP, 2002. P.78-100.
CORDEIRO, Verbena Maria Rocha. Com quantas histrias se faz um leitor? In:
SOUZA, Elizeu Clementino de, MIGNOT, Ana Chystina Venncio (Orgs.) et all.
Histrias de Vida e Formao de Professores. Rio de Janeiro: Quartet: FAPERJ, 2008.
SANCHES, Neto Miguel. Herdando uma biblioteca. Rio de Janeiro: Record, 2004. 499
500
PINTANDO POESIA:
1 APRESENTAO
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
22 Pintando Poesia. Livro de Poesias Pintadas, da artista plstica e escritora baiana Ada Brito. O
livro est registrado na Biblioteca Nacional Rio de Janeiro, 01 de junho de 1990.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
23Ada Paiva da Rocha e Brito (13 nov. 1940) Nascida em Salvador/BA Graduada em Artes Plsticas
pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Alm da pintura, Ada Brito dirigiu o
Departamento de Artes Plsticas da Hora da Criana.
24O Teatro de Tteres da Hora da Criana recebeu, por sua participao especial, uma Medalha de
Prata, no I Salo de Arte Visual, realizado no Ministrio da Educao e Cultura do Rio de Janeiro, de
17 a 24 de novembro de 1975.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Poema em S
O poema em S foi o primeiro poema e trouxe inspirao para a produo do
livro. (fragmentos do Poema em s)
Se sentimento silencioso
Se sentisse...
Seria seu...
Slfide sublime
Sonho supremo
Sem subterfgios Pintura Poema em S Rio de Janeiro, 1984
Semblante singular
Poema em X
O poema no possui verbo e para ela, foi o mais difcil de produzir. O poema
em X foi Inspirado num jogo de xadrez, sendo composto de:
1 verso 4 palavras disslabas;
2 verso- 4 palavras trisslabas;
3 verso- 4 palavras polisslabas.
Xale
Xadrez
Xod
Xerez
Xerife
Ximbica
Xereta
Xixica
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Xeque mate
Xadrezista
Xingamento
Xirimbabista.
Vale ressaltar que os poemas apresentam palavras que para uma turma de 6 ano
seria de difcil compreenso, mais isso no foi empecilho para que a turma observasse mais a
sonoridade e a composio dos poemas (toda iniciada pela mesma letra). Poucos foram os
alunos que perguntaram o que significava determinadas palavras. O encanto pela imagem e
a sonoridade despertou muito mais o interesse da turma.
Essa experincia foi desenvolvida com uma turma do ensino fundamental II, em
uma turma do 6 ano de uma escola pblica estadual. A turma era composta por 22 alunos
com faixa etria entre 10 a 11 anos.
No primeiro momento foi apresentada uma pintura de Monet para que os alunos
contemplassem a pintura e realizassem uma leitura do que viam e sentiam na imagem. Em
seguida, alunos e professora criaram um pequeno texto escrito literrio para representar a
pintura. Escrevendo na loua, a professora deu incio ao texto e os alunos completavam seu
texto. Esse momento foi marcado pela integrao e criatividade dos alunos. Aps essa
motivao, foi apresentado turma o livro Pintando Poesia.
Foi notvel o encantamento dos alunos pelos poemas e, em especial, pela pintura.
Segundo momento:
Vamos tentar?
Quem se habilita?
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
No segundo momento, a turma foi convidada e motivada para produzir seus textos
verbais e pictricos. Algumas produes foram inditas e acompanhadas de ilustraes
tambm produzidas pelos alunos, outras preferiram copiar poemas extrados do livro
didtico e criaram imagens para ilustrar esses poemas.
Nos trabalhos dos alunos, foi possvel perceber que h uma relao ente o verbal e
pictrico. Todos os trabalhos demonstraram uma relao entre a mensagem escrita e as
imagens criadas. A criatividade nas ilustraes e coerncia com o texto verbal foram os
primeiros registros anotados. Outro aspecto observado foi a motivao de grande parte da
turma na produo de imagens para seus textos escritos.
Em um dos nossos encontros para realizao dessa atividade, em uma conversa com
um grupo, um aluno disse que ao fazer as imagens parece que o texto ganha mais sentido.
Esse fala do aluno revela que desenhar, colorir seu texto no apenas um recurso didtico
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
para mera distrao, mas que pode permitir ao professor observar a linguagem e as
hipteses de leituras dos alunos.
CONSIDERAES FINAIS
De incio, esse estudo foi mais uma proposta da minha prtica pedaggica,
motivada por um interesse pessoal de encantar a turma com uma proposta de dilogo entre
o texto verbal e o pictrico. No entanto, percebi que foi uma experincia bastante exitosa e
que merecia um estudo mais fundamentado. A motivao dos alunos, revelada nas suas
produes, me fez refletir e repensar sobre as prticas de leituras, gneros textuais e
formao de leitores, levando-me a repensar a minha prtica em sala de aula.
No que tange aos objetivos traados nesse estudo, posso afirmar que foram
alcanados, entretanto, vale ressaltar que ao verificar as produes dos alunos, percebi que
507
havia outras possibilidades de explorar uma atividade dessa natureza, por essa razo
pretendo retomar s minhas investigaes buscando responder as seguintes questes: a) Em
que medida a leitura de textos literrios e pictricos poderia funcionar como recurso
didtico, no meramente como distrao, mas que permitiria ao professor observar a
linguagem e as hipteses de leitura dos alunos? b)Como a leitura de textos literrios e
pictricos em sala de aula pode se constituir um instrumento para uma ao reflexiva do
aluno sobre si mesmo e sobre o mundo a sua volta?
Acredito que um estudo dessa natureza trar contribuies para os estudos acerca
das prticas de leitura e escrita no contexto escolar, bem como permitir a continuidade da
minha investigao sobre o tema e minha formao docente.
REFERNCIAS
BORGES DA SILVA, S. B. As mltiplas faces da formao em leitura. In. Figueiredo, D.; Bonini,
A.; Furlanetto, M. M.; Moritz, M. E. W. (orgs.). Sociedade, Cognio e Linguagem
Apresentaes do IX CELSUL. Florianpolis: Insular, 2012.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
KLEIMAN, Angela. Preciso ensinar letramento? Campinas: CEFIEL / IEL / Unicamp, 2005.
MENDES, Edleise; CASTRO, Maria Lcia S. Lngua, cultura e formao de professores: por uma
abordagem de ensino intercultural. In: Saberes em portugus: ensino e formao docente.
Campinas-SP: Pontes, 2008.
ROJO, Roxane. Letramentos mltiplos, escola e incluso social, So Paulo: Parbola editorial,
2009.
509
LEITURAS E LEITORES NO ALTO SERTO DA BAHIA:
casas de cultura em lugares rurais
RESUMO
Este trabalho objetiva discutir constituio leitora, na zona rural, Alto Serto da
Bahia. Atravs do Projeto Casa de Cultura: nossas leituras e outros mundos, que visa
desenvolver encontros de leitura para pensar a constituio leitora de comunitrios
que vivem em lugares onde funcionaram as antigas escolas multisseriadas, zona
rural da regio, construmos proposta de trabalho para discutir narrativas pessoais e
sociais caracterizadoras da constituio leitora. Desde 2010, estamos com
experincias de trabalho na regio. A Iniciao Cientfica vem favorecendo apoio. No
momento, as bolsistas Joice Gomes Xavier e Marlia Nunes da Silva tm sido muito
importantes para o desenvolvimento das atividades. Planejamos e realizamos
encontros de leitura, pela abordagem autobiogrfica, que foram registrados, em
forma de dirios, levando-se em conta as histrias de leitura de cada colaborador da
pesquisa. Em contato com memrias, o processo identitrio foi sendo identificado,
falando da constituio leitora, desde as primeiras leituras, experincias de si e as
sociais. O aporte terico tem sido realizado pela juno de vrias reas do saber,
indicando necessidade de integrao das leituras, muito alm dos impressos. Dessa
forma, outras formas de ler so acolhidas, principalmente, as que esto, nos lugares
empricos, cujas marcas tm a oralidade como predominncia e indicadora de
histrias vivenciadas nesses lugares rurais da regio, bem como as brincadeiras, os
fazeres e saberes. Isso tudo est sendo registrado para apoiar leitores na organizao
de casa de cultura no lugar onde eles vivem e ajud-los na continuidade discusso
das leituras culturais. Os vrios textos, verbais ou no, as experincias leitoras
reveladoras de si e da comunidade tm contribudo, para que os leitores sintam
prazer em trabalhar com histrias e reconhecer suas influncias culturais e
experincias vividas. Isso se fez importante no sentido de realizamos discusso dos
aspectos culturais, fazendo o entrelaamento das histrias de leitura, as trajetrias
individuais e sociais. Nesse sentido, estamos buscando parcerias com aes do
Museu do Alto Serto da Bahia MASB, projeto que est sendo implantado na
regio. Tambm, com outras propostas afins, propiciando dilogo com a cultura
atravs da constituio das narrativas leitoras. Estamos na organizao de
mecanismos junto aos leitores, no sentido de articulao para gerir casas de cultura
nas comunidades em que realizamos os encontros de leitura. Nesses lugares, alm
dos instrumentos de leitura, como livros, os dirios escritos pelos alunos, revistas,
dentre outros, estamos acolhendo outros acervos, como fotografias, objetos da
cultura local e ainda instrumentos eletrnicos. Enfim, tudo que poder ajudar leitores
ao desenvolvimento das leituras culturais. Assim sendo, dessa interveno, a
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
APRESENTAO
[...] ler com a vida assim bem poderia ser uma estratgia para escapar ao
conservadorismo imutvel das letras, do j-sabido e do j-visto que nos roubam a
versatilidade de criar (YUNES, 2003, p.13).
A ideia de ler com a vida, de fato, nos revelou projetos de leitura que esto em
desenvolvimento, no Alto Serto da Bahia, regio, como acena Neves (1998),
caracterizada pela morfologia da vegetao e posicionando-se ao curso do rio So
Francisco na Bahia.
O nosso propsito tem sido o de desenvolver encontros de leitura para pensar
511
constituio leitora, em lugares onde funcionaram as antigas escolas multisseriadas,
zona rural.
Assim, o projeto Casa de Cultura: nossas leituras e outros mundos apoia
comunitrios com narrativas leitoras, pessoais e sociais, mas no apenas com isso,
auxilia na organizao de casa de cultura para continuidade das prticas culturais em
lugares rurais, buscando valorizar leitores em formao.
As leituras, oriundas da oralidade cultural, tm sido indicadoras da falta de
impressos, nessas localidades da regio. O apoio recebido pelas bolsas da Iniciao
Cientfica, no entanto, ora vinculada ao Programa Institucional de Iniciao Cientfica
da UNEB PICIN, ora pelo Fundo de Amparo Pesquisa do Estado da Bahia
FAPESB, passou a ser uma possibilidade para o desenvolvimento das atividades
propostas.
A pesquisa aplicada vem exigindo aporte terico com reas diversas, uma
integrao de leituras propiciadoras de aes dinmicas, nos locais, previamente,
mapeados pela necessidade de escolher os que sero eleitos para desenvolvimento
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
512 Pelas narrativas de leitura, que podem ser entrelaadas com outras histrias
de vida, tem-se favorecido leituras para leitores diversos, muito alm dos impressos,
apresentando outras formas de ler, principalmente, as que so referenciadas pela
oralidade regional, s vezes, indicadoras das manifestaes culturais que so
realizadas em momentos de festa, religiosa ou no, favorecendo o contato com
histrias, msicas, danas, brincadeiras e tantos fazeres e saberes que se integram
pela possibilidade de realizao das prticas culturais.
a leitura entrelaada com outras reas do saber e inscrita aos estudos de
tericos como Chartier (2001), Lacerda (2003), Abreu (2007), dentre outros ligados
Histria Cultural, campo de investigao mais alargado, favorecendo pensar a
constituio leitora imbricada com leitura, cultura e sociedade:
514 outros espaos escolhidos pelos leitores, respeitando a adeso ao projeto, afinal sero
eles os continuadores da proposta. Criar essa expectativa se faz importante de forma
que novas prticas leitoras venham acontecer, ampliando os trabalhos na
comunidade.
continuidade das leituras culturais, atravs do apoio para construo do que estamos
chamando de casa de cultura:
Essas casas podem ser entendidas como reais e fictcias, porque podemos
reconhec-las nessas situaes. Nelas, memria e imaginao se entrelaam e podem
convidar outras reas que couberem, transformando esses lugares, que esto
localizados, na zona rural do municpio de Caetit, e um, at o momento, no
municpio de Igapor Bahia.
Para maior conhecimento de cada espao em desenvolvimento, a seguir, uma
apresentao, desses lugares rurais, um pouco das pessoas, leitores, colaboradores da
pesquisa. 515
O primeiro local rural identificado foi Riacho da Vaca, em 2008, Escola Janir
Aguiar, antiga multisseriada. Na poca, com apoio da Casa Ansio Teixeira,
especificamente, a Biblioteca Mvel Ansio Teixeira BMAT, em Caetit/BA, no s
a realizao dos encontros de leitura, com 25 leitores, mas tambm o processo da
Casa de Cultura, inclusive conquistando incluso digital.
Para a iniciao cientfica, no Departamento de Cincias Humanas, campus
VI, Universidade do Estado da Bahia UNEB/Caetit, importante foi o perodo
entre 2010 a 2011, a primeira experincia e o desenvolvimento do Projeto Fazendo
Histria, o propsito de pensar e desenvolver narrativas de leitura do sujeito em
formao, um dilogo com leitores ligados ao campus VI/Caetit/BA e ao Instituto
de Educao Ansio Teixeira IEAT, escola de ensino fundamental e mdio, local que
recebe muitos alunos que vm da regio.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Em contato com essas narrativas, surgiu essa ideia de realizao dos encontros
de leitura nos locais em que esses alunos comearam seus estudos, ou seja a zona
rural da regio. Com projeto na mo, definimos pela comunidade rural de Angu.
Consideramos o fato de ser relativamente perto da sede da cidade de Caetit e, para
realizar encontros de leitura, continuamos contando com parceria da Biblioteca
Mvel Ansio Teixeira. Aps cadastro dos leitores, a Associao de Amigos do
Angu passou a se inserir aos encontros de leitura e muito nos ajudou com as aes
realizadas.
As experincias vividas e partilhadas pelos leitores indicaram a necessidade
de valorizar a cultura da comunidade, expressando costumes dos leitores mais novos
que integraram ao grupo. Os idosos relembraram com saudade os fazeres que eles
tinham, um tempo de forte luta pela sobrevivncia da famlia. No momento, falaram
das dificuldades de vida, trabalhos cotidianos de lugares rurais, como relatou D
Helena, uma colaboradora da pesquisa:
Como ponto de ligao entre os leitores, apesar das distncias entre si, as suas
narrativas expressaram aspectos relacionados ao trabalho caracterizador de uma vida
sofrida, porm de muita dedicao vivncia familiar e social, mas tambm
indicaram momentos de diverso, as brincadeiras da infncia, as festas religiosas e
outras aes culturais da localidade.
No perodo do final de 2012 a 2013, duas comunidades quilombolas foram
selecionadas para realizao dos encontros de leitura. A comunidade de Sambada e
a de Pau Ferro do Juazeiro, ambas na zona rural de Caetit e distantes uma da outra.
Em Sambaiba, como revelou um dos colaboradores da pesquisa, as mudanas foram
muitas, evidenciando dificuldades de sobrevivncia:
Ns levantava trs horas da manh pra poder moer cana para fazer
rapadura, [...], ia para a rua de p, e de hoje em diante tem moto, tem
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
carro, hoje est fcil, [...]. De primeiro a chuva era curta ns tinha que
abrir uma cacimba, tinha que panhar gua num pote de barro.
CONSIDERAES FINAIS
518
Quando denominamos o projeto de casa de cultura, mais que criar ideia de
um lugar repleto de instrumentos culturais e de muitos livros, pensamos na
relevncia dos leitores conquistarem um lugar para reunio e promoo de prticas
culturais de leitura.
A iniciativa tem sido de relevncia, possibilidade para mediar essas leituras e
apoiar leitores nesse processo de desenvolvimento cultural, no se importar em ler o
que aparece, a exemplo das placas sinalizadoras, rtulos de latas, mas tambm
buscar mecanismos de conquista de outras formas do ato de ler. V-los interessados
pela formao do leitor deixou-nos animados a levar em frente essa ideia das leituras
possveis, deixando de lado dificuldades, como amplitude do espao rural da regio
e as necessidades de investimentos na formao continuada.
Essas distncias nos desmotivaram, mas tambm nos convidaram a pensar o
que se faz oportuno. De acordo com nossas possibilidades, prosseguimos com os
trabalhos, enfatizando essa ideia de continuidade, tambm, com os leitores que j
estiveram no processo. Ainda mais, quando fomos identificando os que
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
REFERNCIAS
520
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
521
Eixo III
Infncia, Juventude e
Literatura na
Contemporaneidade
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
522
LEITORES E MEDIADORES DE LEITURA:
Uma experincia de extenso universitria
RESUMO:
mediadores de leitura e com o pblico envolvido. Uma sntese dessas aes, de sua
metodologia e dos resultados alcanados o que se apresenta aqui, na certeza de
que, atravs da divulgao do projeto, ser possvel trocar experincias e incentivar
novas iniciativas que compartilhem os objetivos do projeto.
contexto de recepo abrimos uma possibilidade muito grande de sentidos. Por outro
lado, necessrio estarmos atentos a esttica textual. O leitor precisa ser despertado
para perceber as estruturas exploradas na linguagem literria, cuja caracterstica
marcante ter uma carga conotativa maior que outros textos, considerados no
literrios ou mais denotativos.
Entretanto, sabemos que toda sociedade ou cultura tende, com diversos
graus de clausura, a impor suas classificaes do mundo social, cultural e poltico.
Essas classificaes constituem uma ordem cultural dominante (HALL, 2003, p. 374) e
a escola um local marcado por impor esta ordem. Cabe ao professor que deseja
tornar-se um mediador de leitura romp-la ou promover rasuras atravs da
explorao de sentidos que podem emergir das leituras dos (as) estudantes,
estimulando a exposio de pensamento, o compartilhamento de ideias e impresses,
visando constituio de sujeitos leitores mais crticos, pois:
Texto quer dizer Tecido; mas, enquanto at aqui esse tecido foi sempre
tomado por um produto, por um vu todo acabado, por trs do qual
se mantm, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), ns
acentuamos agora, no tecido, a ideia gerativa de que o texto se faz, se
trabalha atravs de um entrelaamento perptuo; perdido neste
tecido nessa textura o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que
se dissolvesse ela mesma nas secrees construtivas de sua teia. Se
gostssemos dos neologismos, poderamos definir a teoria do texto
como uma hifologia (hyphos o tecido e a teia da aranha) (BARTHES,
2003, p. 74-75, grifo do autor).
diferentes encontros com os textos lidos, onde eles sintam-se confortveis a ponto de
deixar emergir seus sentimentos e emoes, sentido prazer e/ou fruio.
Por outro lado, importante considerar o texto literrio (oral e escrito) nesse
processo de leitura e constituio de sentidos como uma produo cultural to
relevante quanto outras manifestaes culturais, com as quais o professor/mediador
pode estabelecer relaes intertextuais, ampliando possibilidades de constituio de
sentidos. Composies musicais, pinturas, grafites, charges, esculturas (entre outras)
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
528 (ROLNIK, 2011, p.5). Ele pode mediar permitindo que mundos sejam criados a partir
das leituras de seus alunos, que os afetos deles possam emergir e ganhar audincia,
saindo do silenciamento por vezes imposto em sala de aula.
Permitir que nesse contexto, ele e os leitores em formao possam se deparar
com o inesperado e este possibilite reinventar-se enquanto professor mediador de
leitura ao tempo em que seu aluno/sua aluna acesse o mundo interior e olhe
criticamente o mundo ao seu redor em busca de construir e reconstruir sentidos.
Estes sentidos, uma vez partilhados, no devem ser concebidos como verdade
estabelecida, mas podem abrir possibilidades de criao de novos sentidos, a partir
da troca incessante no espao coletivo.
preciso ter claro nesse processo que no h receita pronta para o fazer do
professor mediador de leitura. Entretanto, ele deve sair da sua confortvel atuao
seguida por anos e aventurar-se, fazendo da sala de aula um espao criativo,
desafiador, em que ambos, alunos/leitores e professor/mediador/cartgrafo,
possam interagir sem demarcar limites e hierarquias: no h a palavra final
daquele que sabe mais. Quando trouxemos a imagem do cartgrafo, segundo
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
3 ASPECTOS METODOLGICOS
534 leituras que desenvolvemos no local. Apesar das dificuldades encontradas pela
comunidade para construir a biblioteca, as obras j iniciaram e nela teremos um
longo trabalho de construo de aes de leitura tendo como parceiros a populao
que se faz protagonista na resoluo de seus problemas.
Entretanto, no fcil despertar o interesse pela leitura em jovens que no
tiveram experincias leitoras significativas na famlia e na escola. Alguns tm
dificuldades com a decifrao do cdigo escrito, mesmo cursando sries finais do
ensino fundamental. Os avanos vm lentamente, por outro lado, as dificuldades
tornam cada conquista uma vitria a ser comemorada. Por isso aceitamos o desafio
constante de atuarmos em espaos no acadmicos, reafirmando continuamente o
compromisso social e acadmico, revitalizados pelos depoimentos colhidos ao final
de cada ao, como estes: Eu aprendi sobre Jorge Amado, sobre sua histria, cultura
e at mesmo pelo seu sonho que era combater o preconceito (L. O.). [...] consegui
vencer minha timidez ao exercitar a leitura em voz alta e em pblico (A. R.). Achei
muito interessante o trabalho em equipe, que mostrou o quanto precisamos uns dos
outros em nossa vida (J. R.). O que foi mais importante, foi [sic] os textos que lemos
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
535
5 CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
537
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
538
LEITURA E RELEITURAS: Um fazer literrio num universo desconhecido
RESUMO:
O presente texto tem por objetivo ampliar as reflexes sobre leitura e leitor e
apresentar uma proposta de incentivo leitura em sala de aula a ser desenvolvida
com alunos do 6 ano do Ensino Fundamental na Escola Municipal Amlia Ribeiro,
Jequi. Tomamos como corpus o livro O gato Malhado e a andorinha Sinh (1981),
de Jorge Amado. Tal projeto est inserido no projeto de extenso continuada
Pginas Formando Leitores, que vem atuando desde 2006 na promoo de novos
leitores e mediadores de leitura na UESB, campus de Jequi. Essa parceria de total
importncia, j que a equipe executora formada por professores, pesquisadores,
graduandos e egressos dos cursos de Letras dessa universidade. Seguindo a proposta
de que a leitura transforma a vida humana, tomamos como base terica os autores
Vincent Jouve (2002) e Eni Pulcinelli Orlandi (1993). Orlandi (1993) afirma que um
texto pode ter vrias leituras a depender do leitor e da poca de leitura, preciso
compreender que ler no apenas reproduzir o que est escrito, o leitor tem um
papel ainda mais envolvente dentro do texto; o de expressar o que pensa, e assim,
evidenciar a sua viso de mundo. A autora pontua ainda, que a leitura pode ter
vrios sentidos e formas, por esse motivo, o texto literrio deve ser trabalhado em
sala de aula de maneira que o estudante consiga identificar as diferenas que os
qualificam. Sendo assim, como que o professor, pode orientar seu aluno nesse
descobrimento? Toda criana j traz um conhecimento, mesmo antes de comear a
estudar, mas para que o mesmo se desenvolva, a escola precisa estimular
acrescentando na sua metodologia um espao para atividades que envolvam a
leitura. Nesse sentido, propomos um trabalho ldico, no qual os alunos possam
conhecer esse universo literrio, sem perder de vista a sua independncia enquanto
leitor crtico e ativo. As atividades sero desenvolvidas em oficinas de leitura, nas
quais pretendemos instigar os estudantes leitura e oportunizar a construo de
sentidos e o debate de ideias. Visamos ressaltar algumas temticas sugeridas pelo
livro, entre elas: o preconceito e as diferenas sociais. Tais temas precisam ser
repensados e a sala de aula um local propcio para o debate.
540 mesmas intenes do projeto no qual nos inserimos. Algumas das reflexes,
compartilhamos aqui. Seguindo a proposta de que a leitura transforma a vida do
homem/mulher, Orlandi (1993) afirma que um texto pode ter vrias leituras a
depender da pessoa e poca de leitura. Por esse motivo, reconhecemos que essa
prtica deva ser uma ao contnua em nossa vida, estando ou no, inseridos em um
espao escolar.
A maneira como um texto interfere na vida das pessoas muito maior do que
imaginamos. A leitura no somente o ato de decifrar o cdigo escrito, mas sim a
forma como interpretamos e compreendemos o texto e o contexto de produo da
obra. No podemos perder de vista que o ato de ler estabelece uma relao entre
autor, texto e leitor, leitura interao e o outro importante na constituio dos
sentidos. A escola tem um papel muito importante, neste processo, a de formar
leitores crticos e autnomos, capazes de criar uma viso crtica de mundo. No
entanto, no bem isso que acontece. A educao no um ato indiferente repleto
de interesses e valores para toda a sociedade, alm de ser um dos assuntos mais
importantes, o qual nos permite exercer nosso papel de cidado. Uma educao
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Leitura, vista em sua acepo mais ampla, pode ser entendida como
atribuio de sentidos. Por outro lado, pode significar concepo,
e nesse sentido que usada quando se diz leitura de mundo. No
sentido mais restrito, acadmico, leitura pode significar a
construo de um aparato terico e metodolgico de aproximao de
um texto: so as vrias leituras de Saussure, as possveis leituras de
um texto de Plato, etc. Em sentido ainda mais restritivo, em termos
542 agora de escolaridade, pode-se vincular leitura alfabetizao
(aprender a ler e escrever) e leitura pode adquirir ento o carter de
estrita aprendizagem formal. (ORLANDI, 1993, p. 07)
podemos observar que o autor nos transmite uma ideia, mas o que uma pessoa
interpreta pode ser diferente do que outra pessoa venha a interpretar. Da mesma
forma, quando lemos um livro, imaginamos o que o autor estava fazendo ou qual foi
a sua inteno quando resolveu abordar aquela questo, no entanto, no
conseguimos ter certeza, pois a partir da sua criao, o texto ganha vida prpria,
permitindo assim, uma relao imprevisvel entre obra e leitor. Isso mostra que a
leitura pode ser um processo bastante complexo que envolve muito alm das
habilidades de ler, podemos dizer que um texto se caracteriza pelo reconhecimento
de sentido, ningum l apenas por ler, a leitura de um texto literrio diferente de
um texto cientfico, da mesma forma que um filme no igual a um livro, um quadro
ou fotografia. Cada um apresenta sua legibilidade, ou seja, podemos ver qual foi a
historicidade, ideologia, que nos permite associar o contexto a toda a estrutura que a
leitura tem a nos oferecer. Para compreender o impacto da leitura no sujeito preciso
estabelecer a relao existente entre ambos, nesse sentido Jouve (2002) destaca:
Essa distino permite entender por que a relao do leitor com o 545
texto sempre receptiva e ativa ao mesmo tempo. O leitor s pode
extrair uma experincia de sua leitura confrontando sua viso de
mundo com a que a obra implica. A recepo subjetiva do leitor
condicionada pelo efeito objetivo do texto. (JOUVE, 2002, p. 127)
546 de que os alunos trazem para sua experincia leitora todas as formas de linguagens.
Fazendo isso, desconstroem as experincias discursivas e crticas dos alunos. bom
lembrar, que o aluno convive em seu cotidiano com diversas formas de linguagem, o
que garante a ele uma viso alm dos assuntos abordados dentro da sala de aula.
Sendo assim, a oralidade pode e deve ser reconhecida como uma forma de avaliar o
estudante, tanto na sua capacidade dentro do contexto escolar, quanto no
crescimento como leitor assduo. Seguindo esse pensamento, Orlandi (1993, p. 38)
levanta um questionamento: Qual a imagem de leitor que a escola produz?
religiosas, sociais etc. Jorge Amado foi um escritor bastante criticado devido forma
como escrevia as suas obras, em O gato Malhado e a andorinha Sinh, nos prope
uma narrativa infanto-juvenil, na qual, no primeiro momento, parece-nos uma
histria de contos infantis. Entretanto, sendo estudada e analisada de maneira
particular, percebemos que por traz de uma histria de amor at um pouco
absurda, isso se olharmos para a lgica biolgica das espcies, pois Jorge Amado
retrata uma relao entre animais de espcies diferentes (gato e andorinha); o autor
defende de maneira sutil e divertida os relacionamentos entre pessoas diferentes,
instigando-nos a analisar as diferenas entre sexo, religio, idade, raa ou classes
sociais; evidenciando com clareza as imposies e crticas que muitos sofrem na
convivncia em uma sociedade discriminatria e muitas vezes injusta.
Para o desenvolvimento dessas atividades e discusses, utilizaremos outros
meios de linguagens. Sero aplicadas algumas atividades que permitiro aos alunos
relacionar a leitura do livro com a confeco de cartazes ou textos produzidos por
eles. Alm das msicas O gato na voz de Martnlia, Atirei o pau no gato verso
552 Galinha pitadinha, tambm utilizaremos relaes textuais, como o texto Conto
Azul, de Mario Quintana. Posteriormente, os alunos no s ilustraro as suas ideias
com imagens de acordo a receptividade da leitura de cada um, mas tambm, tero
um espao para discutir e expor as opinies relacionadas aos temas propostos. Ao
final das oficinas pretendemos assistir o filme Pequeno milagre do diretor Mark
Steven Johnson, o qual apresenta a histria de Simon Birch e seu amigo, o fiel Joe.
Apesar das diferenas e dificuldades, os dois personagens do filme vivem juntos
aventuras divertidas e algumas vezes tristes, enfrentando altos e baixos. A
amizade dos garotos vai se transformando numa ligao forte e eterna, deixando em
evidncia o amor de uma amizade verdadeira. A inteno do momento Cinema
observar como os alunos conseguem perceber na produo do filme as mesmas
questes tratadas no livro e tambm poderemos avaliar a receptividade de cada
aluno durante as apresentaes das atividades sugeridas.
Finalizaremos as oficinas realizando uma pequena confraternizao com a
coordenao do projeto, as ministrantes das oficinas, pais, estudantes, coordenadora,
professores da escola e a Associao Cultural Arte Viva, parceira do projeto Pginas
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
formando leitores, que atua no mesmo bairro onde a escola est situada. no
espao da associao que ser realizado o encerramento. Alm das demonstraes
das atividades produzidas pelos alunos durante o perodo das oficinas, teremos
tambm um coral que os mesmos iro apresentar inspirado nas leituras e discusses
realizadas.
5 CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
AMADO, Jorge. O gato malhado e a andorinha Sinh. 7. ed. Rio de Janeiro: Record,
1981.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e Leitura. 2ed. So Paulo: Cortez, Campinas, SP.
UNICAMP. 1993.
JOHNSON. Mark Steven. Pequeno Milagre. [Filme]. Direo: Mark Steven Johnson.
Roteiro: Mark Steven Johnson. Pas: Canad / Estados Unidos, 1998. Longa-
metragem, 110min. Trilha Sonora: Mark Shaiman.
PRODUO E LEITURA LITERRIA INFANTOJUVENIL
Uma anlise sobre a fico e a realidade na obra O Reizinho Mando, de Ruth
Rocha.
RESUMO
1. CONSIDERAES INICIAIS
560 apelaram para a traduo de obras estrangeiras, bem como para a adaptao de
obras destinadas aos adultos e, ainda, buscaram na tradio popular histrias que
poderiam agradar s crianas, visto que estas estavam habituadas a ouvir histrias
parecidas, contadas pelas mes ou amas-de-leite.
Por muito tempo, o que predominou na literatura infantojuvenil produzida no
Brasil foi o que Coelho (2000) chama de realismo pedaggico, com a publicao de
obras destinadas a atender s demandas escolares. Contudo, a partir de 1950/1960 a
Literatura Infantil passa por uma ruptura e redescobre a fantasia, principalmente
atravs da fuso do Real com o Imaginrio.
A grande mudana ocorrida com o gnero em questo se deu a partir dos
anos 70 do sculo XX, na poca do milagre econmico, auge da ditadura militar,
em que h o incio do boom da literatura infantojuvenil, o qual atingiu seu pice nos
anos 80, quando comeou a florescer vasta produo dirigida aos jovens, alm de
uma vertente da crtica destinada a estudar esses novos ttulos. No se tratava mais
do surgimento de um ou outro autor de destaque, mas de uma produo em massa
em parte bastante revitalizada destinada aos mais novos.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Este carter social da obra de arte est relacionado aos valores ideolgicos
utilizados pelo artista em suas temticas e o modo como estes causam impacto ao
serem apresentados ao seu pblico. Assim, a completude da obra dar-se- apenas no
momento de interao artista/pblico, quando seus efeitos se fizerem sentir neste
ltimo. Yunes e Pond (1988, p. 10) corroboram com estas ideias ao afirmar que, um
dos papeis da arte na vida social hoje [...] a formao de um novo homem, uma
nova sociedade, uma nova realidade histrica, uma nova viso do mundo.
A literatura infantojuvenil desempenha o seu papel social quando o seu
contedo exerce influncia sobre o leitor transformando-se, ento, em um poderoso
instrumento de mobilizao social. A sua funo social facilitar ao indivduo
compreender e emancipar-se dos dogmas que a sociedade lhe impe. Isto possvel
pela reflexo crtica e pelo questionamento proporcionado pela leitura. Zilberman e
Magalhes (1987), ao trazerem o posicionamento de Jauss, corroboram: Hans Robert
562 Jauss considera a funo social determinante da literatura a emancipao do homem
de todos os laos naturais, religiosos e sociais que o impedem de superar os conceitos
fixos de sua situao histrica (p. 53-54).
Se a sociedade buscar a formao de um novo homem, ter de se concentrar
na infncia para atingir esse objetivo. Neste sentido, pode-se dizer que o movimento
da literatura infantojuvenil contempornea, ao oferecer uma nova concepo de texto
escrito, aberto a mltiplas leituras, transforma a literatura para crianas em suporte
para experimentao do mundo. Dessa maneira, as histrias ao apresentarem as
dvidas da criana em relao ao mundo em que vive, abrem espao para o
questionamento e a reflexo proveniente da leitura.
Assim, a literatura infantojuvenil contempornea configura-se enquanto uma
obra emancipatria. Aquela que, segundo Zilberman e Magalhes (1987, p. 54), ...
mais do que uma mimese do real, pois ela forma e modifica a percepo ensinando
algo, ou seja, estas obras referidas no se estabelecem apenas enquanto
representao de lugares-comuns, estticos e ideolgicos, nem muito menos a partir
da retratao e conservao de experincias adquiridas, mas, conduzem o leitor ao
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
A autora, num clima de presso e opresso, inicia sua luta contra os abusos de
poder, contra os mandos e desmandos, articulando-se a um movimento cultural
564 amplo de resistncia a tais prticas ditatoriais, tendo como arma a literatura para
crianas.
As metforas presentes no livro so mecanismos lingusticos utilizados com o
intuito de evitar a represso que poderia existir autora, caso criticasse a realidade
de forma direta, resultando na censura de suas obras. Como estratgia, reforava
sempre, no texto, a mensagem de que no era sobre o Brasil que a histria tratava,
ficando, ainda, evidenciado o trao irnico com que a autora constri sua narrativa,
ao declarar que os fatos narrados no tratam da realidade brasileira:
(...) para cada pea proibida, o artista escreve mais trs, se a censura,
portanto, no afeta, em termos quantitativos, a produo artstica, ela,
no entanto, pode propiciar a emergncia de certos desvios formais que
acabam sendo caractersticos das obras do tempo. (PLNIO MARCOS
apud SANTIAGO, 1982, p. 52):
fazia era pro bem do povo" (p.7). Esse artifcio deixa subjacente um paralelo entre a
realidade e a fico, a Histria e a estria, ao mesmo tempo em que promove o
distanciamento do real, lanando a narrativa no espao da emoo.
Em O Reizinho Mando, a autora retoma, a princpio, o arqutipo do rei
bonzinho dos contos de fadas, uma imagem construda no inconsciente coletivo, por
meio de um imaginrio de inspirao romntica, que definiu o padro esttico de rei,
sempre bom, justo e velho. Vai que esse rei morreu,/ porque era muito velhinho
(p.7), como conta a histria, deixando o trono para o seu filho, o prncipe. Agora, a
autora rompe com o padro de rei estabelecido historicamente, mediante a
apresentao do prncipe pelo narrador como um sujeito mal-educado e mimado,
que foi transformado no rei daquele pas:
O prncipe era um sujeitinho muito mal-educado,
Mimado, destes que as mes deles
Fazem todas as vontades, e eles
Ficam pensando que so os donos do mundo.
Eu tenho uma poro de amigos assim. (ROCHA, 1995, p. 8)
4. CONSIDERAES FINAIS
568 que imperava no perodo do governo militar. Seu livro O Reizinho Mando, assim
como todo o quarteto real permite criana uma viso de que o poder est muito
prximo sua realidade cotidiana e deixa claras as possibilidades que esta tem para
enfrent-lo, uma vez que:
Referncias 569
ROCHA, Ruth. O rei que no sabia de nada. Rio de Janeiro: Salamandra, 1980.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2005.
570
A IMPORTNCIA DO ATO DE LER A OBRA LOBATEANA NO ENSINO
FUNDAMENTAL
EMLIA VAI ESCOLA: EXPERIMENTOS COM PRTICAS DE LEITURA DA OBRA
LOBATEANA NO ENSINO FUNDAMENTAL I
ABSTRACT: This work shows to scientific community the Project Emlia goes to
school: experiments with Lobatean work practices of Reading in elementary school
to be developed between September 2015 and July 2016. To support this presentation
of the project we establish a reflect based on ideas proposes by Freire (1994) about the
importance of the reading, talking about the importance of execution of reading
practices of individuals in literacy process, considering for that, the historicy of the
learner, their culture, reality, society, economic situation, geograph context, its social
and education demands, among other things. In order to carry out such practices was
chosen the work of Monteiro Lobato, because it is one of the largest children's
literature writers around the world, despite the numerous issues that permeate his
writing. The choice of Lobato's work was due to the playfulness, the literary wealth
and the universality of his writings. From Lobato literature and the desire to
implement workshops of reading practices with students of primary school in the
572
city of Jequi / BA, he developed the Emilia project goes to school: experiments with
lobatean work practices of reading in elementary school. This project comes to
develop workshops with reading practices of the Monteiro Lobato work, with
students from 1st to 4th grades of elementary school, investigate the reception, the
dialogue with texts by an intervention proposal drawn up from the results of the first
stage of this research, the diagnostic framework outlined by the investigations of
2008/2009. In this sense, this study is justified by the fact that it proposes to carry
out experiments where new practices will be developed in order to promote dialogue
among readers and researched and literature in question. In the belief that this search
will provide teachers, researchers, finally, the field of education scholars and others
interested in the topic, subsidies to elaborate on the meaning to read Lobato in the
spaces of formal education and their place in training of readers, throws this purpose
of this investigation. Although the framework conditions and practices found in the
search field does not favor access to the Yellow Woodpecker Site, Lobato's work was
verified through questionnaires and oral interviews, students' interest in learning
about his biography and read their works. In the second stage it is proposed to
observe the reception of the Yellow Woodpecker Ranch texts between those students
and to describe the results of the workshops / experiences, raising reflections on the
meaning of those readings formal education spaces. The research is theoretical
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
foundation FREIRE (1994) LAJOLO (1984), SOL (1998), SILVA (1995), BRANDO
(1985), BAJARD (1992), MACEDO (2010), ZILBERMAN (1998), among others.
INTRODUO
Nessa mesma esteira, SOL (1998) afirma que para ler necessrio dominar
habilidades de decodificao e aprender as estratgias que levem compreenso.
Com essa finalidade, essa tese tem tambm em mente um leitor que seja um
processador ativo de texto, um leitor agente de uma leitura prospectiva, isto ,
um processo constante de emisso e verificao de hipteses que se desdobrem em
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
produo de sentido. certo que, para garantir esse leitor e essa leitura, se faz
necessrio um espao preparado.
Por isso, aprender a ler e ler para aprender precisam ser assegurados como
funo primordial da escola. Assim entendendo, esse projeto toma a escola como
lugar, por excelncia, para aprendizagem da leitura e escrita instrumentos bsicos
para o desenvolvimento da capacidade de aprender apropriar-se dos bens culturais,
historicamente construdos pela humanidade e essenciais para a insero do sujeito
na sociedade do conhecimento, exercendo cidadania.
Para tanto, recorremos a um dilogo com lie Bajard, cujos estudos vm
constituindo base terica para os interessados no assunto. Com o intuito de evitar
que a escola se perca na nfase dos aspectos mecnicos da leitura e da escrita,
transformando-as em um fim em si mesmas e perdendo-se em sua funo scio-
poltica. O autor discute os usos da lngua escrita no contexto escolar. Toda sua
argumentao fundamenta-se na inexistncia ou na raridade de textos utilizados ou
mesmo expostos em sala de aula, o que evidencia um paradoxo entre a escola e
outros espaos sociais efervescentes de signos grficos. Partindo desse ponto, o autor 577
analisa as razes sociais/pedaggicas dessa ausncia, relacionando prticas escolares
e prticas sociais.
Ao enfocar seu olhar para dentro da escola, Bajard aponta problemas que uma
poltica de formao de leitores enfrenta nesse espao: falta de investimento em
material, raridade de bibliotecas, pobreza dos exerccios que privam os alunos das
surpresas e encantamento com os textos. A propsito do lugar de Lobato na
formao de leitores, este projeto volta-se para o discurso memoralstico, onde se
encontram as referncias da importncia de Lobato na (auto) descoberta do leitor e
seu lugar, muitas vezes, iniciador.
Todos os relatos de aprendizado de leitura retirados das memrias de leitores
de ontem, escritores de hoje, depem quanto ao lugar de destaque do Stio na sua
histria pessoal com livro. As pesquisas da primeira etapa do Emlia vai Escola o
comprovam, mas verificam sobre os leitores de hoje uma reduo: eles se limitam a
conhecer o Stio da TV, embora desejem os livros. nesse cabedal de informaes
que os estudos desse projeto que se apoiam para experimentar prticas de leitura do
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
578 resultados dessa pesquisa podero oferecer aos professores, pesquisadores, enfim,
estudiosos da rea da educao e demais interessados no tema, subsdios para a
reflexo sobre o significado de ler Lobato nos espaos da educao formal e de seu
lugar na formao dos leitores, lana-se a proposta desta investigao. Desse modo,
reconhecendo a contribuio da literatura lobateana para leitores de outras pocas, o
presente projeto destaca a importncia da realizao de pesquisas de campo nessa
rea de estudos para que se possa pensar e discutir, fora do campo das suposies, a
(s) didtica (s) de leitura do Stio para os leitores de hoje. Quem sabe, com essa
interveno, Emlia vai Escola oferecer recursos humanos e materiais para que
estudantes e professores se vejam de modo diferente enquanto produtores de sentido
e vejam no Stio um espao para uma (re) construo de significados?
Esta pesquisa de campo do tipo etnogrfico se prope a um trabalho de
documentao direta, sem desprezar, na sua execuo, o dilogo com outras
modalidades de investigao cientfica, como: a pesquisa experimental, a pesquisa
ao, a etnopesquisa, pesquisa participante... Trata-se, pois de uma pesquisa
predominantemente qualitativa que poder recorrer a dados quantitativos apenas
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONCLUSO
Quem sabe assim, com este tipo de iniciativa que pe holofotes sobre um
autor que sobrevive ao cerceamento da informao cultural e ilumina uma obra
estranhamente alijada da vida escolar, possamos contribuir para uma melhor
formao de nossos estudantes e, consequentemente, quem sabe, para uma melhoria
na qualidade de vida no pas, tornando-o mais humano e melhor para se viver.
REFERNCIAS
BARBIER, Ren. A pesquisa ao. Traduo: Lucie Ddio. Braslia: Liber Livro
Editora, 2007.
BAJARD, lie. Afinal, onde est a leitura? In: Caderno de Pesquisa. So Paulo, n. 83,
p.29-41, nov. 1992.
DA MATA, Roberto. O ofcio do etnlogo, ou como ter antropologial blues. In: NUNES
582
(Org.) Aventura Sociolgica. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
FOUCAMBERT, Jean. Para uma poltica de leiturizao dos 2 aos 12 anos. In:
Caderno de pesquisa. So Paulo, (71): 62-71, nov. 1989.
MAUSS, Marcel. As tcnicas Corporais. In: Sociologia e Antropologia. So Paulo: EPU, 583
1974, Vol. 3, pp. 212-33.
584
PERCORRENDO AS CIDADES INVISVEIS DE CALVINO DECIFRO MEU
LUGAR: Literatura e Geografia para apreenso do espao urbano pelos estudantes
hrsouza@uneb.br
RESUMO
5 APRESENTAO
O escritor italiano Italo Calvino (1923 - 1985), no livro As cidades invisveis, nos
convida a viajar e conhecer dezenas de cidades, todas elas invisveis e imaginrias.
Atravs de uma narrativa detalhada, ele nos proporciona uma viagem geogrfica
fascinante, levando-nos a conhecer a paisagem, os detalhes e smbolos dos lugares
visitados; as pessoas, gostos e costumes; o cotidiano, as singularidades e as
contradies existentes em cada cidade. Apesar de serem imaginrias, as cidades de
Calvino tm grande significado, medida que nos fazem pensar sobre muito daquilo
que somos e/ou queremos. Assim, como espelhos em negativo, como afirma o
prprio autor, tais cidades nos levam a refletir sobre nossa vida e tambm sobre o
nosso lugar.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Assim, sabido que os lugares, atravs dos seus usos, signos, valores,
sentimentos, memrias, informaes e contradies, fundamentam nossa identidade
e tambm nossa viso de mundo, como destaca o trecho inicial do poema VII - O
Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, heternimo de Fernando Pessoa:
[...]
Mas que imagem temos da cidade? Como ler e decifrar a cidade, que
carregada de smbolos, conceitos e associaes? Como tal leitura e interpretao da
cidade influenciam na nossa percepo da realidade? Qual o papel da escola, da
Geografia e da Literatura em tal processo?
Lefebvre (2001, p. 61), ainda nos diz que [...] sim, l-se a cidade, pois ela se
escreve, porque ela foi escrita. Entretanto, no basta examinar esse texto sem recorrer
ao contexto. Nesse sentido, devemos ir alm de uma leitura simples e superficial da
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Dowbor (2009) enfatiza que para uma apropriao plena do espao vivido
pelo cidado imprescindvel o conhecimento do lugar/cidade para que se possa
tomar o destino nas mos e transformar a realidade, pois somente os moradores de
um lugar, quando apreendem a realidade, que podem encaminhar as mudanas
necessrias. Sendo assim, consideramos que a leitura, interpretao e apreenso
plena da cidade e do urbano, na escola e nas aulas de Geografia, fundamentam um
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
caminho para uma cidadania mais participativa e envolvida com a gesto do espao
vivido, ou seja, uma ao para a reapropriao de nossas vidas e do direito cidade.
E como ensinar a nossos alunos do Ensino Bsico a fazer uma leitura mais 589
Por fim, possvel e desejvel uma integrao entre tais campos do saber, a
fim de que possamos empreender em uma anlise mais plena e reflexiva da
realidade, dando oportunidade ao aluno de viajar, conhecer e refletir sobre os lugares
e sua produo, a partir das obras literrias: textos, romances, contos, poesias etc.
[...] Embora fossem leituras diversas, tambm via essas obras com
olho de gegrafo. [...] Eu via a Geografia atravs dos romances
(ABSABER, 2007, p. 47).
590
Kaercher (2007, p. 31) confessa que: [...] desejo a aproximao com a leitura
pelo risco deliberado de dar asas imaginao [...]. Tal sonho tambm
compartilhado por outros inmeros gegrafos brasileiros, que anseiam por uma
reaproximao entre a Geografia e a Literatura. Um reencontro no apenas vlido,
mas necessrio, a fim de resgatar outros modos de conhecer e analisar o mundo.
sabido que os literrios, apoiando-se na realidade vivida, e utilizando a percepo, a
imaginao e a fantasia, descrevem o espao geogrfico em determinado perodo.
Maia (2011, p. 161), destaca que [...] de fato, os romances, as poesias e os contos,
alm de elucidarem realidades vividas pelos autores em tempos passados e tambm
contemporneos, revelam a leitura do espao vivido, mesmo que por meio de fices
[...]. Nessa perspectiva, as produes literrias podem proporcionar a percepo do
mundo pelos alunos a partir de ngulos diferentes, despertando assim a curiosidade,
a criatividade e a reflexo sobre a realidade, especialmente quanto (re)construo
do espao geogrfico. Moraes e Callai afirmam:
[...] O autor possui sim estruturas que o permitem construir o seu
mundo de imaginao. Mas, esta no surreal porque o autor sempre
discorre sobre situaes e problemas da humanidade. [...] A 591
Literatura uma experincia que nos permite sentir, experimentar e
ver a vida pelos olhos de outrem, o que faz com que possamos v-la
de um ngulo diferente ao que estamos habituados, e sendo assim,
possibilita refletir sobre o indivduo e a sociedade (MORAES;
CALLAI, 2013, p. 135/137).
Ver a realidade com outros olhos, observar de ngulos diversos daqueles que
estamos acostumados, despertar mltiplas sensaes, incitar nossa percepo,
curiosidade, ao criativa e imaginao, ampliar nosso senso crtico e reflexivo, ou
seja, desenvolver outras formas de conhecer e refletir sobre o mundo. Cremos que
tais caractersticas, presentes nas produes literrias, servem, indiscutivelmente,
para unir a Geografia e a Literatura no Ensino Bsico. Pontuschka et al enfatizam
que:
[...] em qualquer disciplina, tambm em Geografia, possvel orientar
os alunos para a melhor maneira de estudar um texto, desenvolvendo
a capacidade de lidar com essa forma de comunicao e ampliando a
possibilidade de compreender a realidade social com maior
profundidade (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007, p.
219).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
[...] Todas as vezes que descrevo uma cidade digo algo a respeito de
Veneza. [...] Para distinguir as qualidades das outras cidades, devo
partir de uma primeira que permanece implcita. No meu caso, trata-
se de Veneza (CALVINO, 1990, p. 82).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Nesse sentido, Cavalcanti, tambm nos esclarece que devemos olhar a cidade
a partir de outros parmetros:
onde se desenrola nossa vida, um encontro de histrias, relaes que mantemos com
outros indivduos e com a prpria cidade.
ndria foi construda como tal arte que cada uma de suas ruas segue
a rbita de um planeta e os edifcios e os lugares pblicos repetem a
ordem das constelaes e a localizao dos astros mais luminosos.
Antares, Alpheratz, Capela, as Cefeidas. [...] Mediante minuciosa
regulamentao, a vida da cidade flui com a calma do movimento
dos corpos celestes e adquire a necessidade dos fenmenos no
sujeitos ao arbtrio humano. Aos cidados de ndria, louvando-lhes a
laboriosa fabricao e bem-estar do esprito, fui levado a declarar:
- Compreendo bem como vocs, sentindo-se parte de um cu
imutvel, engrenagens de um meticuloso mecanismo, evitem fazer
em sua cidade e em seus costumes a mais ligeira mudana. ndria a
nica cidade que conheo qual convm permanecer imvel no
tempo.
Olharam-se pasmos.
- Mas por qu? E quem disse? E conduziram-me at uma rua
suspensa recentemente aberta sobre um bosque de bambus, um
teatro de sombras em construo no lugar do canil municipal, agora
transferido para os pavilhes do antigo lazareto, abolido por estarem 597
curados os ltimos empestados, e, recm-inaugurados, um porto
fluvial, uma esttua de Talete, um tobog.
[...] Do carter dos habitantes de ndria, duas virtudes merecem ser
recordadas: a confiana em si mesmos e a prudncia. Convictos de
que cada inovao na cidade influi no desenho do cu, antes de
qualquer deciso calculam os riscos e as vantagens para eles e para o
resto da cidade e dos mundos (CALVINO, 1990, p. 136-137).
[...] Pelas ruas de Ceclia, cidade ilustre, uma vez encontrei um pastor
que conduzia rente aos muros um rebanho tilintante.
Enfim, destacamos que trabalhamos outras cidades invisveis, mas por conta
do espao no foram aqui destacadas como as demais: Isidora, Maurlia, Valdrada, 599
Rassa, Aglaura, Zenbia, Sofrnia e Zemrude. Cada uma dessas cidades trouxeram
discusses urbanas variadas e foram muito importantes para o desenvolvimento da
capacidade reflexiva e imaginativa dos alunos. Sendo assim, salientamos que
percorrendo as cidades invisveis e imaginrias de Calvino os alunos puderam
apreender melhor a sua cidade e a si mesmos.
Referncias Bibliogrficas
600
ABSABER, Aziz Nacib. O que ser gegrafo: memrias profissionais de Aziz
AbSaber em depoimento a Cynara Menezes Rio de Janeiro: Record, 2007.
MAIA, Doralice Styro. Uma leitura geogrfica da obra de Jos Lins do Rego:
aproximando a literatura do ensino de geografia. In: REGO, Nelson.
CASTROGIOVANNI, Antonio C. KAERCHER, Nestor A. (Orgs.). Geografia:
prticas pedaggicas para o ensino mdio Volume 2. Porto Alegre: Penso, 2011, p.
161-174.
ORTEGA, Any Marise. PELLOGIA, Alex Ubiratan G. SANTOS, Fbio Cardoso dos.
A Literatura no caminho da Histria e da Geografia: prticas integradas com a
Lngua Portuguesa. So Paulo: Cortez, 2009.
602
UMA PROPOSTA DIALGICA PARA FORMAO DE LEITORES DE TEXTOS
LITERRIOS
Joo Valci dos Santos Novaes (Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC) /
joaovalci@hotmail.com
Elaine Teixeira Novaes (Secretaria Municipal de Educao de Jequi) /
eteixeiranovaes@gmail.com
temticos afins que possam, concomitantemente, dialogarem entre si pelo vis dos
aspectos dialgicos, mesmo que sejam de pocas, autores, gneros e estilos
diferentes.
O que se pode perceber que existe uma discrepncia enorme entre o que se espera do
ensino de literatura e, o que de fato, realizado em sala de aula. Na atual conjuntura
pedaggica do ensino literrio no mbito escolar, ainda bastante influenciado pelos
direcionamentos dos livros didticos de literatura que, em sua maioria, ainda esto
amplamente fundamentados nos tradicionais subsdios da contextualizao historiogrfica,
acabam por limitar tanto o gosto e o prazer pela fruio da leitura do texto literrio quanto
pelo desenvolvimento intelectual e humano que pode ser adquirido, neste caso, pelo contato
visceral com a prpria leitura literria.
Portanto, faz-se necessrio uma nova concepo metodolgica de ensinar
literatura nas instituies educacionais do ensino mdio, procurando diminuir a
606
contradio entre o que proposto na teoria com o que se tem, de fato, conseguido
realizar na prtica de sala de aula.
SEQUNCIA DIDTICA
ESTRUTURA CURRICULAR
Modalidade\Nvel de Ensino
1 Ano do Ensino Mdio
COMPONENTE CURRICULAR
Literatura
TEMA
Uma proposta dialgica para o ensino de literatura por meio do letramento literrio.
OBJETIVOS
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONTEDOS
Leitura do texto literrio;
O texto literrio como patrimnio artstico, cultural, histrico e poltico da
sociedade.
DADOS DA AULA
Durao da aula
Dois horrios de 50 minutos.
Estratgias:
Recursos:
Computador/data show/caixas de som;
Xrox dos textos literrios selecionados para a aula.
SITUAO DIDTICA
1 Etapa
609
Questionar aos alunos como seria possvel descrever poeticamente por meio
de um texto literrio um acontecimento to trgico na histria da humanidade?
2 Etapa
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
3 Etapa
610 com os alunos a msica. Aps escutar a msica, questionar sobre o poder do
dinheiro na sociedade atual. Algumas das inferncias possveis so: o dinheiro pode
de fato comprar a felicidade? Quais os preconceitos que uma pessoa pobre enfrenta?
Entre ser branco e pobre ou ser negro e rico em que situao nos depararamos com
um caso de maior preconceito?
4 Etapa
Por ltimo, questionar aos alunos de que maneira os textos lidos podem
contribuir de forma significativa para formao do leitor literrio?
Atravs dessa Sequncia Didtica pretendo demonstrar que o ensino de
literatura no precisa, necessariamente, ficar refm da historiografia literria, sendo,
portanto, perfeitamente cabvel outras possibilidades didticas para a fomentao do 611
processo de ensino e aprendizagem por meio do texto literrio
Por isso, compreendendo que o ensino de literatura pode ser conduzido por
caminhos diferentes, mas que levam invariavelmente a um pressuposto comum, a
saber: a formao do leitor literrio que seja capaz de compreender sua prpria
relao com o mundo, com o outro e consigo mesmo. Por isso, no aleatoriamente,
escolhi para essa Sequncia Didtica, partir de um texto literrio capaz de trazer
profundas reflexes tanto sobre o sentido da vida quanto da prpria funo da
importncia do fazer literrio como registro de um dado momento histrico. Nessa
perspectiva, o primeiro texto literrio justamente Rosa de Hiroshima (1954), de
Vincius de Moraes
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
615
Tio Patinhas (1947), o Pato mais Rico do Mundo por Carl Barks.
Referncias bibliogrficas
BARKSLER, Carl. Tio Patinhas: o pato mais rico do mundo. Disponvel em:
https://www.google.com.br/search?q=Tio+Patinhas+(1947),+o+Pato+mais
+Rico+do+Mundo+por+Carl+Barksler.blogspot.com. Acesso em: 17 mai. 2015
617
BRASIL (Ministrio da Educao e Cultura). Diretrizes Curriculares Nacionais do
Ensino Mdio. Braslia: 2013. Disponvel em: http:/ /portal. mec.gov.br/seb/
arquivos/pdf/res0398.pdf. Acesso em: 31 mai. 2015.
______. Matriz de Referncia Para o Enem 2009. Braslia: 2009b. Disponvel em:
http://www.enem.inep.gov.br/pdf/Enem2009_matriz.pdf. Acesso em: 30 mai. 2015.
618
LIMA, Luiz Costa. A literatura e o leitor. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
619
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
620
LITERATURA NO ENSINO MDIO:
DESAFIOS E CONTRIBUIES NO CONTEXTO DO PIBID
RESUMO
628 por exemplo. Para o aluno o texto apenas um texto, vazio de qualquer significao.
Sua funo ali na sala de aula preencher as fichas de leitura preestabelecidas.
Depois disso, pode ser descartado, esquecido e arquivado nas prateleiras da escola.
O ensino escolar no tem garantido a literatura como uma matria educativa,
ou seja, essa disciplina tem sido esvaziada pelo mal uso feito pela escola e o seu
papel fundamental de humanizadora e emancipadora tem-se perdido, ou melhor,
no tem sido conhecido.
Em Letramento literrio, Rildo Cosson (2006) coloca essa relao literatura e
educao em questo. Para o autor, muitos entendem que a literatura s se mantm
na escola por fora da tradio e da inrcia escolar, uma vez que a educao literria
um produto do sculo XIX que j no tem razo de ser no sculo XXI (p. 21).
Parece que a m escolarizao da literatura que tem causado essa resistncia ao
ensino de literatura.
Cosson citando Magda Soares:
630 professores de escolas atendidas pelo PIBID esto presos a modelos de ensino
tradicionais e descontextualizados com a realidade dos estudantes. Porm,
justamente nesse confronto entre contribuies e desafios que se encaixa a proposta
do programa.
Vera Teixeira de Aguiar (2011) em A formao do leitor, discute a presena da
leitura na sociedade brasileira do sculo XIX e apresenta perfis de leitores com base
na relao que cada um desses perfis tem com a leitura. A autora destaca o no leitor,
o leitor apressado, o leitor superficial, o leitor compulsivo, o leitor tcnico, o leitor
escolar, o leitor profissional e o leitor diletante (AGUIAR, 2011, p. 110).
Com base nas definies dadas a cada denominao acima mencionada e nas
observaes feitas atravs do PIBID pode-se afirmar que muitos professores de
literatura tm se deparado com o no leitor, que nas palavras de Aguiar (p. 110)
aquele sujeito com uma histria de vida distante dos livros desvalorizados pela
famlia na primeira infncia, apresenta um comportamento avesso leitura literria.
Esse perfil de leitor aquele que vem de um contexto em que h ausncia de leitura
de livros, pois, na maioria das vezes, a famlia no detm poder aquisitivo, os pais
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
632 leitura no conseguir cumprir o seu papel cultural, social, ideolgico e intelectual.
Haver uma barreira entre o estudante e o prazer de ler o texto, enquanto sua leitura
for entendida apenas como suporte de preenchimento de espaos estabelecidos (as
fichas e os roteiros).
Consideraes finais
programa se depara com a falta de interesse dos estudantes pela literatura, a escassez
metodolgica que cerca os professores, a estrutura de ensino que se preocupa mais
com notas do que com a aprendizagem, tem se articulado para oferecer uma
perspectiva de ensino diferente daquela que j acontece. Atravs de suas propostas
de interveno, da troca de saberes entre supervisores e bolsistas de iniciao
docncia, do dilogo entre a universidade e a escola, da construo coletiva e
dialogada.
O PIBID tem trabalhado para que o ensino de literatura esteja pautado no
exerccio da palavra, ou seja, na interao da literatura e linguagem, em que o
estudante interage com o texto literrio, produzindo sentidos e inferindo
informaes. Nesse sentido, a literatura deixa de ser vista como uma pea que precisa
ser encaixada, formatada e posta num quebra-cabea.
Sua funo passa a ser a de uma folha escrita pela metade, em que a parte
preenchida representa o sentido que o texto literrio j traz e a metade branca do
papel representa a interao que o estudante leitor vai estabelecendo com o texto e
assim vai (re)lendo, (re)escrevendo e (re)produzindo sentidos e significados, e, nesse 633
exerccio, o estudante leitor vai tambm vivendo a experincia literria e
preenchendo a metade em branco do papel.
REFERNCIAS
BAGNO, Marcos. Por que tratar da variao lingustica? In: Nada na lngua por acaso:
por uma pedagogia da variao lingustica. So Paulo, 2007. p. 27-57.
COSSON, Rildo. Literatura: modos de ler na escola. In: Semana de Letras da PUCRS, 11.,
2011, Porto Alegre. Anais eletrnicos... Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011.
Disponvel
em<http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/XISemanaDeLetras/index.htm>.
Acesso em: 19 jul. 2015.
LAJOLO, Marisa. Livro didtico e Lngua Portuguesa na escola: parceria antiga e mal
resolvida. In: Do mundo da leitura para a leitura do mundo. So Paulo: Editora tica,
2001. pp. 55-66.
634
TRAVESSIAS DE UMA DAMA:
O Serto Ribeirinho de Carlos Barbosa
RESUMO
638 vrzea do Fundo floresce exuberante. Sua variada e colorida floragem contribui
positivamente para a afirmao do nome do lugar (BARBOSA, 2002 p. 38).
No recuo da cheia que deixa a terra frtil, a vrzea ganha um colorido especial,
um jardim natural brota em meio vegetao da caatinga. A terra de muitas flores
renasce a cada cheia. Em meio paisagem se entremeiam os dramas humanos de
seus habitantes. O romance A dama do velho Chico conta a histria da adolescente
Daura que desperta paixo no irmo Missinho, no tio Avelino e no vaqueiro Agenor.
Tais paixes iro transformar a vida da pobre moa, ocasionando tragdias que
envolvero toda a sua famlia. Nas terras de Bom Jesus da Lapa, Agenor mata o pai
de Daura, Dualdo. Com a morte de Dualdo, a famlia volta a Bom Jardim em
companhia de Avelino, que se aproveita da situao para assumir o lugar do irmo e
se aproximar de Daura. Avelino conviveu um bom tempo com a famlia de Izaulina,
me de Daura. Seu desejo em possuir a sobrinha aumentava a cada dia. Louco de
paixo, no resiste mais, e acaba agarrando-a a fora. Missinho presencia a cena e
ataca-o com um porrete, matando-o. Missinho foge; Izaulina enlouquece e morre; e
Daura no se sabe ao certo para onde foi.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Essa idealizao perpassa o espao do romance e se estende ao serto que ele deseja
representar. Uma vez que o fascnio desperto pelos vapores constantemente
relatado por ribeirinhos que viveram na poca do apogeu desses grandes barcos.
Ao pensar no romance de Barbosa como espao no qual o serto ribeirinho
representado, retomamos as ideias de Leyla Perrone Moiss em seu livro Flores na
Escrivaninha (1990). Para a autora a obra literria tem o real como horizonte e essa
relao entre o real e a literatura por ser mediada pela linguagem, faz com que a
literatura sempre falhe ao tentar reproduzir o real, mas nessa falha que
revela outro mundo mais real do que aquele que se pretendia representar.
O serto ribeirinho vai aos poucos se desenhando, ganha suas singularidades
e se diverge de outras representaes sertanejas ao longo da literatura brasileira.
Durval Muniz de Albuquerque Jnior, em seu livro A Inveno do Nordeste e Outras
Artes traa um panorama da construo imagtico-discursiva do nordeste ao longo
do tempo em diversas obras. Em meio a esse panorama surge o serto enquanto
parte deste nordeste que se constri. Para apresentar o espao sertanejo o autor traz
640 em um primeiro momento, o livro Os Sertes de Euclides da Cunha: Com ele teria
iniciado a busca da nossa origem, do nosso passado, da nossa gente, da nossa terra,
dos nossos costumes, das nossas tradies (ALBUQUERQUE, 2011, p. 66). Esta
produo euclidiana apresentada como um marco no sentido de traar os
elementos que comporiam a nossa identidade nacional.
Euclides da Cunha ao trazer o serto como espao no qual se esconde a
nacionalidade, se torna ambguo na construo de discursos regionais que oscilam
inicialmente entre os opostos: paulista e sertanejo. Ora o sertanejo visto como o
heri nacional, a chama viva da nossa nacionalidade, ora o foco se volta para o
paulista considerado a base sobre a qual se ergueu a nao. Alm do oposto:
paulista versus sertanejo, Cunha apresenta o serto oposto a litoral. O litoral como o
espao da colonizao que sofre as influncias europeias, j o serto o esconderijo
da nacionalidade, livre das influncias estrangeiras. Essa dicotomia entre serto e
litoral sempre excludente, uma vez que est embutido nessa viso a ideia de
mundo civilizado versus o mundo brutalizado. Nesta perspectiva o serto visto
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
como parte da imaginao de Daura, aquele vapor era pura fantasia. Ficamos
diante deste grande barco que idealizado, emerso da realidade sertaneja, alheio
quela paisagem seca e rida do serto. Um habitante do mundo fantasioso e
imaginrio.
O fascnio despertado pelo vapor to intenso que a sertaneja recria-o em sua
imaginao. Essa admirao pelos grandes barcos se estendia a toda populao de
Bom Jardim e pelos demais portos por onde o vapor atracava. Barbosa recria o
deslumbre dos ribeirinhos pelo vapor apresentando a quebra da rotina dos
beiradeiros. No importava a idade ou o que estivessem fazendo, tudo era deixado
para traz. O porto era o destino de todos. O apito que anunciava o atracamento
servia como um chamariz.
beira do rio a dama contempla a beleza das guas, sentia febre s de pensar
na chegada do vapor. Livre do devaneio que a faz ficar submersa em uma imagem
de um vapor que se materializa em seus pensamentos, Daura volta sua rotina de
moa beiradeira: o carreto de gua do rio at sua casa. Pegou a lata vazia. Com o
fundo da lata executou uma srie de movimentos concntricos revolvendo o leito do
rio. Afastando sujeiras, limpando a gua. Mergulhou a lata no rio (p. 15 e 16). O
devaneio se quebra com a nascer da manh e traz Daura de volta sua realidade, a
me aguardava a gua para os afazeres domsticos. Sobre a cabea coloca a rodilha e
sobre esta a lata dgua.
Com a lata dgua na cabea inicia-se a travessia da beira do rio at a sua casa.
Nesta travessia outros elementos sertanejos vo se revelando. Tomou decidida o
caminho de casa. O andar oscilante, como se executasse malabarismos circenses para
no deixar a lata cair. [...] No instante em que Daura assomou no alto do barranco ele
a viu (p. 17). Da casa de Daura at o rio se faz uma travessia diria entre a
necessidade e o perigo. Um dos trs homens que a desejava possuir seu corpo a
observava. O vai e vem da lata na cabea, onde o corpo se contorce para a lata seguir 643
quieta, representa uma linha inconstante que Daura, mesmo sem saber, atravessa
quase que diariamente.
Nesta travessia Daura ter seu caminho interrompido. De longe est sendo
observada por um dos trs homens que a desejam. O andar oscilante e a busca pelo
equilbrio da lata sobre a cabea representam as incertezas do caminho. O corpo se
entorta para a lata ficar reta. Em meados da travessia, aterrorizada pela figura que se
apresenta sua frente, Daura deixa a lata cair: A lata bate no cho de uma s vez.
Pou! Em seguida, ouviu-se um chu ligeiro no esparramar da gua pela terra. P. 29.
A queda da lata e o derramar da gua como se fosse a quebra definitiva do
devaneio no qual Daura estava envolvida. Ao cair da lata, que apenas cerca e no
leva a gua, Daura se depara com uma ameaa sua frente: Avelino desejoso por seu
corpo. O tio louco e apaixonado, no contm o desejo que o invade. [...] a enchente
apaixonada que o tomava transbordaria e avanaria sobre a nica pea preciosa que
reconhecia existir em Bom Jardim. E a destruiria, inevitavelmente. (p. 24). O desejo
de Avelino comparado a uma enchente que sem controle inunda e leva destruio
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
por onde passa. Daura seria a grande vtima dessa enchente de desejos que toma
Avelino.
Enquanto subjugada loucura do tio, Daura deseja retornar ao vapor:
Ento talvez fosse melhor escorregar para trs. Voltar para o rio, se atirar nas guas.
Quem sabe pegar o vapor, viajar no sonho (BARBOSA, 2002 p.30). No momento em
que se v em apuros o rio, as guas, o vapor que surgem como meio de salvao.
Os elementos sertanejos se colocam como aqueles que fazem partem do imaginrio
do ribeirinho, sendo desejados, almejados. Jean Chevalier no Dicionrio de Smbolos
apresenta a gua com trs possveis significaes simblicas: fonte de vida, meio de
purificao, centro de renascimento. Aqui vemos a gua enquanto um elemento
desejado que possibilite o renascimento de Daura atravs do mergulho no So
Francisco e um embarque no vapor. O rio seria seu refgio, o vapor a levaria de volta
a um sonho e as guas a fariam renascer. Muitas so as travessias de Daura por esse
serto, a cada uma delas se revela partes deste espao geogrfico e imaginrio.
O vapor traz a ideia do levar, do sair desse espao, dessa travessia perigosa
644 onde o prazer a substncia prima dos desejos de Avelino. O desejo de Daura ir
com o vapor, pelas guas caudalosas do rio. Assim, ela realizaria seu desejo de viajar
em guas, e deixaria para traz o perigo do desejo de Avelino. O serto e o rio
representam a maior travessia de Daura, entre o seco, escasso e as guas do desejo.
Daura faz travessias que emolduram os desejos de trs homens, desejos esses que
fazem Daura mudar seu porto.
Desta maneira, o espao que se constri no primeiro romance de Carlos
Barbosa se faz nas idas e vindas de Daura e sua famlia. Neste espao abordamos
apenas parte dessas travessias, uma vez que o trabalho est em fase de construo e
aos poucos se tece. O serto ribeirinho que ressurge na escrita barbosiana, se difere
de outras representaes sertanejas construdas ao longo da literatura brasileira.
Podemos concluir que so muitos os sertes que formam o espao sertanejo. Mundos
diversos com suas singularidades surgem por entre barrancos, veredas, caatingas;
com seus costumes e crenas; com seus mistrios e lendas. Para alm do regional, o
serto o mundo, o mundo o serto e de ser to grande o serto se universaliza.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Referncias
BARBOSA, Carlos. A dama do velho Chico. Rio de Janeiro: Bom texto, 2002.
PICARDI NETO, Joo Rafael. O nascer de um rio. In: So Francisco patrimnio mundial,
Braslia, jun. 2001.
SILVA, Wilson Dias da. O Velho Chico: Sua vida, suas lendas e sua histria. [S.l.]:
Winten/Codevasf. s.d.
645
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
646
TRNSITO E LITERATURA: DISCUSSES E REFLEXES COM
ADOLESCENTES LUZ DA GESTALT-TERAPIA
Lgia Santos Costa
Secretaria de Educao do Estado da Bahia - SEC
lisancosta@yahoo.com.br
RESUMO
O interesse pelo trabalho surgiu no planejamento anual de atividades a serem desenvolvidas
junto a alunos do 3 ano do Ensino Mdio. Assim, foram escolhidas temticas pertinentes aos
interesses desses adolescentes. Em face do interesse desses adolescentes sobre as relaes
dentro do trnsito, nasceu a oficina: Adolescncia em Trnsito, na qual se propunha levantar
as opinies sobre causas dos inmeros acidentes e possveis posturas transformadoras
dentro do trnsito. O processo da oficina foi dividido em cinco encontros, um por semana de
uma hora e meia, ao longo de um ms e uma semana, tendo como recurso disparador as
crnicas. Nos encontros a proposta era discutir percepes e opinies de adolescentes de 15 a
17 anos sobre posturas inadequadas no trnsito. Alm da necessidade de se estabelecer uma
discusso junto a esses adolescentes, face essa insero precoce, era importante tambm
ouvir, informar e debater com adolescentes, sem a tutoria de maiores. Ento a Literatura nos
encontros da oficina foi o fio condutor para que, em crculos de leitura, subtemas como: a
existncia e uso de passarelas, a alta incidncia de acidentes com motociclistas entre outros
fossem discutidos juntamente com os adolescentes. O trabalho se deu num Colgio Estadual
de Ensino Mdio da cidade de Salvador, com 45 adolescentes de 15 a 17 anos, em trs grupos
de 15 pessoas. Neles o interesse foi a promoo de discusses reflexivas, atravs da
Literatura, junto a adolescentes sobre a percepo e opinio deles frente posturas
inadequadas no trnsito, compondo um panorama de opinies. O trabalho se deu por trs
ticas: a da Psicologia do Trnsito, a da Gestalt-Terapia e a da Literatura. A Psicologia do
Trnsito por um desejo de renovao/ampliao do seu campo de atuao que em carter
urgente necessita olhar o trnsito em sua complexidade, ultrapassando os atestados de
aptido ou inaptido de indivduos para a conduo de veculos, a partir da utilizao de
instrumentos de testagem psicolgica; a Gestalt-Terapia como uma abordagem psicolgica
que embasou a conduo e a compreenso das discusses, sob a crena na tomada de
conscincia como um caminho que indivduos, inclusive condutores, precisam seguir para
assumir uma postura responsvel frente s interaes estabelecidas dentro do trnsito; e a
Literatura como arte que promove a sensibilizao humana ao revisitar de forma potica
realidades sociais.
Palavras chave: LITERATURA. PSICOLOGIA DO TRNSITO. ADOLESCENTES.
GESTALT-TERAPIA.
1. O PERCURSO
O interesse por desenvolver esse trabalho surgiu aps um convite para
desenvolver uma rodada de oficinas com adolescentes, estudantes do terceiro ano do
ensino mdio em um colgio da cidade de Salvador. Seguido ao convite era preciso
escolher temticas pertinentes aos interesses desses adolescentes e dentre os assuntos
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
norteadores das oficinas surgiu a questo: Por que o ndice de vtimas no trnsito tem
crescido tanto?
Em face do interesse sobre as relaes dentro do trnsito, nasceu a oficina:
Adolescncia em Trnsito, na qual se propunha levantar as opinies sobre causas dos
inmeros acidentes e possveis posturas transformadoras dentro do trnsito.
Contudo era preciso definir o ponto de partida para as discusses, que, se no
estivesse bem relacionado ao processo de aprendizagem dos adolescentes poderia
perder-se em falas e constataes repetidas pelo senso comum, porm pouco efetivas
na mudana de comportamentos.
A oficina foi desenvolvida em turno oposto s aulas das disciplinas bsicas do
grupo participante, esta foi dividida em cinco encontros, quando foram realizados
crculos de leituras, tendo como recurso disparador as crnicas.
O trabalho se props discutir percepes e opinies de adolescentes de 15 a 17 anos
sobre posturas inadequadas no trnsito. A legislao brasileira sob o registro do
Cdigo de Trnsito Brasileiro CTB, no Captulo XIV, Art. 140 determina que
J que a proposta era discutir e refletir, a fim de que fosse possvel a mudana
de um comportamento arriscado e nocivo, por um comportamento responsvel e
defensivo, preciso admitir que a inteno dos crculos tambm era a promoo de
aprendizagem.
Em funo disso que o prprio colgio foi concebido como o ambiente ideal, para
acontecer os crculos. No que esse espao seja entendido como nico para a
viabilizao de aprendizagem, porm por ser a escola, um lugar institucionalizado,
em que foi possvel encontrar e agrupar um maior nmero de adolescentes.
Portanto o trabalho se deu num Colgio Estadual de Ensino Mdio da cidade
de Salvador, quando 45 adolescentes de 15 a 17 anos, participaram de crculos de
leitura, com a inteno de discutir sobre subtemas relacionados temtica maior que
era o trnsito.
Ocorreram cinco encontros, um por semana, de uma hora e meia, portanto os
crculos de leitura aconteceram ao longo de um ms e uma semana, entre os meses de
julho e agosto. Neles se objetivou a promoo de discusses reflexivas, atravs da
650 Literatura, junto a adolescentes sobre a percepo e opinio deles frente a posturas
inadequadas no trnsito, compondo um panorama de opinies sob duas
perspectivas:
Adolescentes acreditam que esto preparados para se inserir no trnsito e responder
a todas as demandas que esse espao exige dos condutores e tambm de pedestres?
Como adolescentes tm se posicionado frente a conflitos, acidentes com vtimas fatais
ou no ocorridos nas estradas?
O trabalho se deu orientado por trs ticas: a da Psicologia do Trnsito, a da
Gestalt-Terapia e a da Literatura. A Psicologia do Trnsito por um desejo de
renovao/ampliao do seu campo de atuao que em carter urgente necessita
olhar o trnsito em sua complexidade, ultrapassando os atestados de aptido ou
inaptido de um indivduo para a conduo de veculos, a partir da utilizao de
instrumentos de testagem psicolgica; a Gestalt-Terapia pela crena na tomada de
conscincia como um caminho que indivduos, inclusive condutores, precisam seguir
para assumir uma postura responsvel frente s interaes estabelecidas dentro do
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
2. PERSPECTIVAS
sedento por novidade e desafios que o caracterizem como pessoa e o afastem, num
processo de diferenciao, de seus pais. Principalmente entre garotos, grande tem
sido a incidncia de acidentes ao dirigirem alcoolizados, movidos pelo desejo de
consolidar, junto s garotas, sua masculinidade. Entretanto elas no esto fora das
estatsticas, seduzidas e atradas por um comportamento de rebeldia e liberdade,
lcool e velocidade as tm vitimizado assustadoramente.
Essa dinmica tambm foco de estudo da Psicologia do Trnsito, pois
representa comportamentos humanos no trnsito carregados de intenes que
interferem num todo maior.
Segundo (ROZESTRATEN, 2003, p. 30) a Psicologia de trnsito nasceu em
1910 com Hugo Musterberg, aluno de Wundt. Musterberg foi o primeiro a submeter
motoristas de bonde de Nova York a baterias de testes de habilidade e inteligncia. O
autor a define como:
Uma rea da Psicologia que estuda, atravs de mtodos cientficos validos, os
comportamentos humanos no trnsito e os fatores e processos externos e internos,
conscientes e inconscientes que provocam ou os alteram. 653
Para o autor, o objetivo da Psicologia do trnsito estudar e analisar todos os
comportamentos relacionados com o trnsito, e em seu sentido restrito, o
comportamento dos usurios: o do pedestre, do motorista, do ciclista e do
motociclista. Todas as pessoas so alvos e podero ter seus comportamentos
estudados pela Psicologia do trnsito j que todos so sujeitos do trnsito.
O comportamento estruturado por condies internas e externas ao
indivduo. a experimentao do novo e numa tomada de conscincia que
possvel fazer escolhas. Se assim acontece, um comportamento nocivo como
irregularidades no trnsito pode se transformar num comportamento saudvel e
seguro.
Premissas da Gestalt-Terapia por Frederick Perls e demais idealizadores da
abordagem fundamentaram a perspectiva de uma educao para o trnsito mais
consciente e responsvel na oficina de leitura. A princpio pensar o indivduo como
um ser em constante relao, logo a sua ao sempre resultado do seu contato com
o outro, acarretando a transformao deste, por fazer contato com a ao daquele.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
4. A nossa estao
"E assim, ns, passageiros dessa viagem chegamos a nossa estao. (F. 16 anos)
Foi Assim que uma adolescente traduziu o fim dos nossos encontros na oficina
de leitura sobre o trnsito. Os demais do grupo concordaram com ela.
Em sua melhor forma, o grupo no s uma pequena comunidade coesa, na qual as
pessoas se sentem recebidas, aceitas ou desafiadas, mas tambm um lugar e uma
atmosfera em que elas podem se tornar criativas juntas. (ZINKER, 2007, p. 178)
As discusses e reflexes propiciaram aos adolescentes a conscincia de
pertencimento tambm nesse espao que o trnsito, mesmo que ainda no como
condutores, como pedestres reconheceram responsabilidades compartilhadas no
apenas para um trnsito melhor, mas tambm para um mundo melhor
A potencialidade para mudar mxima para a Gestalt-terapia, (AGUIAR,
2014, p. 53) destaca:
A possibilidade de mudana e transformao acompanha o homem por toda a sua
vida, contrariando a perspectiva de desenvolvimento como algo que acontece 661
durante certo perodo ou somente at determinada idade.
Possivelmente, depois dessa experincia, nenhum desses adolescentes estar
no trnsito de forma automatizada por um comportamento sem implicamento,
perigoso e individualizado. Como multiplicadores, estaro disseminando em lares e
tantos outros espaos o sentido de coletividade como uma semente que brotou em
falas de constataes e indignao, quando se discutia, por exemplo, sobre
desrespeito e falta de gentileza nas vias. A educao assim, pode at ser mais difcil
de ser traduzida em nmeros de estatsticas, pois nos alcana primeiro por outros
sentidos, talvez menos privilegiados do que a viso, porm to reveladores, quanto
se possvel ver.
REFERNCIAS
AGUIAR, L. Gestalt-terapia com crianas: teoria e prtica. So Paulo: Summus,
2014.
BALBINO, V. do C. R. Consumo de bebidas alcolicas no Brasil: uma realidade
assustadora, 2007, p. 188. In Psicologia e psicologia escolar no Brasil Formao
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
662
LITERATURA E FORMAO DO LEITOR
Jovens entre teorias e prticas
RESUMO
1. APRESENTAO
Nessa direo, pode-se dizer que a Teoria da Esttica da Recepo foi a grande
responsvel pelo surgimento de discusses que acendem o papel do leitor em torno da
construo de sentido do texto, haja vista abertura de outras possibilidades de leitura e
da constituio desse sentido. Com isso essas novas proposies suplantam teorias que
sempre primaram pela negao da leitura e da contribuio do leitor no que concerne aos
aspectos do processo de significao do texto literrio. Assim, embora ainda de forma
lenta e gradual, a figura do leitor vai conquistando seu espao com maiores perspectivas
de que h uma maior abertura e uma relativa liberdade frente ao texto.
Dessa forma, como objetivo primeiro busca-se relacionar neste trabalho alguns
levantamentos tericos e prticas recorrentes de leitura, contemplando, principalmente os
resultados obtidos atravs das discusses sobre prticas de leitura de jovens na disciplina
Literatura e formao do leitor, ministrada em uma turma do 4 semestre do curso de
Letras da Universidade do Estado da Bahia, Campus I, no semestre correspondente a
2014.2.
alunos comearam a levar textos, a seu gosto, para serem lidos antes do incio das aulas.
Essa dinmica permaneceu no decorrer das aulas.
No eixo temtico I, foram selecionados e discutidos textos que apresentam a funo
social da leitura e a especificidade do texto literrio e textos que tratam da representao
do leitor e da literatura na contemporaneidade, o leitor espectador e internauta em
diferentes lugares de produo e recepo. Na oportunidade, foi realizado um panorama
histrico e social da leitura atravs dos sculos at a contemporaneidade. Textos como
Diferentes formas de ler (2001) de Mrcia Abreu, Modos de apropriao da leitura
(2010) de Lafarge e Segr, o leitor: entre limitaes e liberdade (1998) de Chartier fizeram
parte das discusses. Nesse eixo houve tambm, a exibio e discusso do filme O leitor
e como avaliao os alunos produziram um texto em que relacionaram os aspectos da
leitura e escrita tratados no filme relacionando com a teoria trabalhada em sala de aula.
Nesse bloco temtico, alm da realizao de um percurso histrico das distintas
formas de ler no decorrer dos tempos as discusses se concentraram em torno das vrias
possibilidades de sentidos do texto, ressaltando que a leitura sempre renovada pela
descoberta do leitor e que os sentidos do texto no unvoco, mas plural. Entretanto,
667
apesar da liberdade dada ao leitor dentro dos novos estudos da recepo vlido enfatizar
que essa uma liberdade restringida, ou seja:
Toda histria da leitura supe, em seu princpio, esta liberdade do leitor que
desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Mas esta liberdade leitora
no jamais absoluta. Ela cerceada por limitaes derivadas das capacidades,
convenes e hbitos que caracterizam, em suas diferenas, as prticas de leitura.
(CHARTIER, 1998, p. 77).
discusso, os textos escolhidos para estudo foram compostos por O que est em jogo na
leitura hoje em dia (2008) de Michele Petit, A literatura reduzida ao absurdo (2012) de
Todorov, Reflexes sobre prticas de letramento literrio de jovens: o que permitido ao
jovem ler? (204) de Marta Pinheiro. Como critrio de avaliao para esse eixo incluiu-se
prova escrita dividida em duas partes: a primeira mais terica e crtica utilizando os textos
estudados, e a segunda, mais literria, de carter mais livre e criativo.
A discusso erigida nesse eixo levou os futuros professores formadores de leitores
a refletirem sobre a funo da leitura na vida dos jovens, levando-os ainda a pensar de
que forma ela auxilia na emancipao do sujeito e de que forma a leitura pode impactar
positivamente o futuro desses jovens. Sobre esses aspectos Petit (2008), endossa que a
leitura capaz de modificar e transformar o destino de jovens, para ela isso possvel
atravs da efetivao da democratizao da leitura a qual propicia dentre outras coisas, o
acesso ao saber, a apropriao da lngua, a construo de si mesmo e um maior crculo de
pertencimento.
No terceiro e ltimo eixo temtico em que se prioriza a discusso da constituio do
gosto pela leitura, entre escolhas e imposies, os textos de Egon de Oliveira Rangel
669
Letramento literrio e livro didtico de lngua portuguesa: os amores difceis (2003) e
Da crtica de admirao leitura scriptivel (2013) de Houdart-Mrot foram
fundamentais para convalescer a discusso.
Nesse eixo as reflexes se detiveram em analisar e pensar o papel da instituio
escolar enquanto entidade norteadora dessas novas concepes de leitura, e como ela se
faz presente no incentivo e na promoo das condies de produo e consumo dessa
literatura. Do mesmo modo, os textos possibilitaram debater acerca de discusses que
prope polticas para uma educao literria e os usos da literatura na escola e em outros
espaos sociais. Os textos foram propcios e favoreceram para as discusses propostas, os
alunos puderam se posicionar indicando alguns entraves os quais so preciso evitar e outros pr-
requisitos bsicos que devem ser preenchidos pela escola para que a leitura de fato possa
desempenhar de forma eficaz o seu papel de formadora de leitores.
Ainda no que se refere ao terceiro eixo temtico, aconteceram dois seminrios
internos os quais contriburam de forma significativa para acrescentar e ampliar o
panorama das discusses at ento: A primeira participao foi com o professor e
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
670 participantes dispostos em um crculo, realizavam leituras em voz alta de textos literrios,
em seguida aconteciam s discusses acerca do que foi lido. Em cada crculo uma dupla de
alunos ficava responsvel por conduzir e mediar as discusses, a dupla tambm era
encarregada por escolher e levar as cpias impressas dos textos para os demais colegas.
importante destacar que dentre os contos lidos nos crculos alguns deles eram de autoria
dos prprios alunos. Alm de proporcionar uma relao mais prxima com a literatura e
ampliar o repertrio literrio dos alunos, os crculos de leitura possibilitaram a interao
prazerosa com a leitura. Ademais, os alunos compartilharam suas experincias leitoras e
de mundo, estabelecendo relaes com outras leituras j realizadas, com outras pocas e
diferentes lugares. Os crculos possibilitaram tambm, o confronto entre vises diferentes
dos alunos fortalecendo o poder de argumentao sobre seus pontos de vistas. Assim,
entende-se que os crculos de leitura foi uma atividade fundamental para a disciplina. Essa
proposta precisa ser colocada em prtica em espaos formais e no formais de educao,
sobretudo no ambiente escolar, uma vez que a atividade prope criar momentos de leitura
no cotidiano da escola, fazendo com que o aluno valorize a leitura como uma fonte de
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES
comum atribuir ao jovem um modelo de resistncia ao socializadora, uma vez
que ao buscar seu reconhecimento e pertena social ele encontra uma sociedade com seus
671
espaos j preenchidos e os conhecimentos j constitudos. Contudo, preciso considerar
que a leitura estimula a incluso social. Ainda que a maioria no valorize suas prticas de
leitura, os jovens, leem. A anlise das relaes das prticas de leitura demonstra que o
jovem l e reconhece o potencial da leitura. Apesar disso, na instituio escolar que se
encontra a maior dificuldade em ter acesso ao saber, em desconstruir barreiras sociais e
desmistificar esteretipos atravs dessas prticas de leitura. Como bem afirmou Mrcia
Abreu Tem sido enfrentados falsos problemas e tem-se deixado de lado questes
fundamentais. No parece necessrio fazer campanhas para divulgar a ideia de que ler
um prazer, de que ler faz bem para as pessoas, pois elas demonstram que j acreditam
nisso. Mas preciso criar condies sociais para que o desejo de ler torne-se realidade.
(ABREU, 2001, s/p).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
REFERNCIAS
ABREU, Mrcia. Quem lia no Brasil colonial? In: INTERCOM - Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicao. XXIV Congresso Brasileiro da Comunicao
Campo Grande /MS setembro 2001
ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito esttico. So Paulo: Editora
34, 1996.
PETIT, Michle. O que est em jogo na leitura hoje em dia. In: _________. Os jovens e
a leitura: uma nova perspectiva. Trad. Celina Olga de Souza. So Paulo: Editora 34,
2010, p. .
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
673
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
674
PELO VERSO DA PGINA:
7 INTRODUO
Segunda Guerra Mundial, conhece, como parte do labor de cuidar dos escassos livros
com os quais, clandestinamente, conta a biblioteca montada no barraco 31 pelo lder
judeu Freddy Hirsch, vrios volumes humanos de histrias clssicas; volumes que
faziam reverberar as vozes de narradores proibidos, pela sua fora de representao,
num espao em que a palavra perdera temporariamente a autorizao para se fazer
ideia, se fazer sentimento, se fazer empatia.
676 vezes, no cansavam de ouvir uma e outra vez as aventuras do menino Holgerson.
Parece ser que as histrias menos do que perder valor ao serem diversas vezes
contadas, acabam, pelo contrrio, adquirindo uma maior fora de representao a
cada vez que so narradas. Ao invs do que frequentemente acontece com as
vivncias, a experincia da narrativa ouvida ou lida se acrescenta na sua repetio,
ganhando em cada novo leitor uma possibilidade de renovao. A voz, que reverbera
na narrao, empresta, porm, tambm a sua fora fala que vai timidamente
aparecendo quando se cria uma atmosfera em que o principal protagonista a
conversao literria.
Dessa necessidade de no apenas contar ou ler histrias para crianas e
jovens, mas ainda de ler com eles e conversar a respeito que surge, ento, este
artigo, o qual fruto da minha pesquisa de Mestrado, em que tentei ouvir, pelo verso
da pgina, as vozes de umas juventudes leitoras. Pelo verso da pgina, pois muitos
so os trabalhos que se debruam sobre a leitura das juventudes, mas poucos aqueles
que trazem as suas vozes, de jovens que leem e conversam sobre o que leem.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
677
Importa, pois, essa noo exposta sobre valor esttico, diante da possibilidade
que, assim, se levanta de pensar-se em outras significaes e outros alcances para o
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
escolar, para poder ter a sua leitura, a sua construo de sentidos validada. Mas, se a
contemporaneidade traz como uma de suas peculiaridades mais acentuadas a de
democratizar as hierarquias, para transformar desigualdades, que distinguem o que
certo do que errado, em diferenas, que enriquecem a vida cultural e, dentro
dela, a cadeia da leitura, claro , pensa-se, ento, na possibilidade de desvendar
novos cdigos: aqueles que algumas juventudes, que leem, constroem e utilizam para
as experincias estticas que, baseadas em ticas que lhes so prprias, vivenciam no
encontro com os produtos da Literatura.
Antes de chegar, no entanto, a essas vozes que particularizam uma tica e uma
esttica da leitura literria de algumas juventudes, tentarei o esboo de um retrato
delas. Quem so esses jovens? Qual o ambiente de leitura que vivenciam nas suas
famlias de origem? Que relao eles mantm com o mundo do imaginrio? Quais as
suas histrias de leituras?
Dessa forma, Alice, Luce, Maylisel, Nolias, Oceano, Sophia, Toph e Tory so os
nomes que compem as identidades desse grupo de colaboradores. Compem, de
compor, de formar a partir de vrias arestas, pois, alm dos nomes que os atraem,
existem outros elementos que ajudam a configurar as suas personalidades e, da
mesma maneira, as suas leituras literrias: o ambiente familiar de leitura e, quem
sabe, as suas prprias histrias de leitura.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Mas essa estrutura, como toda ordem, pode apresentar brechas, fendas pelas
quais se filtram outros fios no imperiosamente os da conectividade virtual que
podem vir a compor o tecido, por meio do qual se cobre o sujeito, tornando-se, com o
tempo, a prpria pele que este habita: um tapete de cores e formas diversas. Leitores
em formao precisam de encontros com mediadores que os mantenham dentro do
682
campo da leitura literria, ampliando seus horizontes de expectativa, seu cabedal
cultural e de leituras. Alguns dos colaboradores conseguem identificar pessoas que,
na vida deles, cumpriram esse papel fundamental. O Crculo de Leituras est entre as
vivncias marcantes por eles citadas nesse vis.
portanto, entender que a leitura literria possa integrar um conjunto de prticas que
venham enriquecer a vida e o imaginrio dos jovens. Torna-se um imperativo para
essa empreitada se se quiser sair do etnocentrismo com que as classes dominantes,
dentre elas a classe dos intelectuais, costumam olhar para os subordinados tentar
compreender o que que constri o sentido e o valor da leitura literria para as
juventudes colaboradoras da pesquisa, ouvindo as vozes que emergem dos crculos
de leitura de A menina que roubava livros e de O dirio de Anne Frank.
Comearei essa seo com a ideia sugerida por Gabriel Periss, na perspectiva
de que:
683
Esttica, no sentido grego de aiesthesis, sensibilidade, diz respeito a
um estado susceptvel de percepo e de reao ao que se nos
apresenta. Reaes de espanto, de surpresa, de ternura, de revolta, de
admirao so sinais de que a obra sensibilizou, despertou, comoveu .
(Periss, 2015).
Comearei com ela, pois nessa mesma direo que se pretende encaminhar a
anlise e interpretao da leitura literria que esses jovens realizam. Defende-se em
muitos trabalhos acadmicos o argumento de que, no contato com professores
especializados na arte de ler Literatura, as juventudes aprenderiam a apreciar a
linguagem, o texto potico em toda a sua dimenso. Todavia, entende-se, neste
trabalho, que essas juventudes j apreciam de alguma forma singular, prpria, esses
produtos da arte da palavra e precisamente essa forma que interessa colocar, a
partir dessa(s) vida(s) que com os textos literrios se defrontam e dialogam, sem
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Esse medo a que Nolias parece aderir quando fala do sentimento expresso
pela Morte muda de feio, no entanto, quando Sophia, referindo-se a Rosa
Hubermann, a durona me adotiva da ladra de livros, diz: voc vai entendendo aos
poucos, no incio, quando a me de Liesel estava xingando ela, eu fiquei pensando:
que monstra! Depois, entendi. Toph, a esse respeito, opina: mas o modo de
amar a pessoa. E Luce arremata, sentenciando: ela ama Liesel; quando eles vo
enrolar cigarros perto do rio, ela diz: olha leva o casaco, porque l frio! Isso uma
forma de cuidado; ela grossa, mas ela tem uma forma diferente de passar o afeto.
Nolias, depois de ouvir, comenta: uma forma bem diferente, mas existe.
mostrar que por trs de um aspecto fsico assustador e de umas maneiras grosseiras
pode se esconder uma alma sublime . E Nolias, no uso do advrbio bem, esclarece
a concesso de que lana mo para aceitar que o amor, embora no como ele o
idealizaria, existe.
Assim, pode-se ler no grupo um romance que todos j leram, exceto uma
colaboradora, e a anedota deixa de ser o foco principal, servindo como pano de
fundo de outras descobertas, pois se admite que desde o incio o spoiler j estava
instalado. Comeam a perceber os colaboradores que, na verdade, a maioria dos
livros que se l, se esquece, e que cada leitura deles uma nova leitura; que em cada
uma delas poder-se-o encontrar emoes, detalhes e belezas sintticas que no se
descobriram em leituras anteriores.
CONSIDERAES FINAIS
690
Com o passar do tempo, apoiados pela experimentao da vivncia dos
crculos, vo adquirindo, porm, certa familiaridade com a conversao literria que
lhes permite ir, timidamente, se aventurando na construo de um pensamento que
reverbera nas vozes e nos corpos no somente de cada um deles, mas do grupo como
um todo.
cuja eventual falta seja medida pela paralisao total de uma corrente que no
deveria parar. Uma mediao centrada na conversao literria, pois conversando
sobre o que se l que se concretiza plenamente a leitura. E conversando sobre o que
se l que se aprende a conversar sobre o que se l.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
BARTHES, Roland. La cmara lcida: nota sobre la fotografa. Trad. para o Espanhol
Joaquim Sala-Samahuja. Barcelona: Editorial Gustavo Gili S.A., 1982.
TODOROV, Tzvetan. A Literatura em perigo. Trad. Caio Meira. 4. ed. Rio de Janeiro:
DIFEL, 2012.
ZUSAK, Markus. A menina que roubava livros. Trad. Vera Ribeiro. 3. ed. Rio de
Janeiro: Intrnseca, 2013.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
692
LEITURA LITERRIA DE POESIA:
UMA PRTICA PARA A VIDA
RESUMO
Este trabalho prope um questionamento sobre o lugar da literatura nas disciplinas
de Portugus e/ou Literatura no Ensino Mdio, em especial, o cuidado dado leitura
de poesia. Em suma, o quadro recente marcado por certa negligncia com o poema,
tanto da parte discente, quanto da parte docente. Isso decorre por algumas razes,
por exemplo, a precria formao docente; o material didtico utilizado; a
metodologia empregada, os pressupostos tericos; alm da falta de tempo, de espao
propcio e a grade com poucas aulas. Este quadro delineado pelos estudos de
Maria Amelia Dalvi e Neide Luzia de Resende, principalmente. Em termos
internacionais, as concepes de Jos Augusto Cardoso Bernardes e Annie Rouxel
tambm apontam a situao referida e mostram que se trata de um problema
tambm presente em naes europeias. O objetivo defender a leitura de poesia
como um carter formativo, uma vez que a interpretao atividade fundamental
nesta etapa escolar, no s para a literatura. Ao ler poemas, o potencial interpretativo
do aluno exigido de forma aprofundada, uma vez que no poema muito h, em
termos de sentido, para se completar. Alm disso, o ganho pode se dar no aspecto
lingustico, histrico, cultural, social e simblico. Da a necessidade do leitor emprico
e, mais ainda, da formao deste, s possvel com o hbito, a fim de incutir no aluno
o convvio necessrio pra desenvolver esta prtica, a fim de torn-lo um leitor que l
melhor, porque l mais, inclusive, porque l poemas. Nesse sentido, para muitos
adolescentes o letramento tarefa a se iniciar, afinal poucos conseguem xito na
leitura de poemas. Por isso, a metodologia que desenvolvo est pautada na ideia de
que mister outra concepo didtica para a leitura literria, conciliando-a com a
teoria crtica recente, por exemplo, os postulados acerca do processo de leitura que
defendem uma semi-imerso num ambiente que propicie a leitura de poemas, de
uma obra integral, durante um longo perodo de tempo. Tal mediao de leitura
contraria a maneira usual como a leitura de poemas realizada. A partir desta
mudana, o quadro poder ser revertido, pois este expresso de um modelo
utilitarista de sociedade e est suplantado por escolhas polticas dos indivduos que o
compem, podendo, por isso, ser questionado e repensado.
1 APRESENTAO
Ler tarefa das mais difceis. Ler, interpretar e compreender, mais ainda. As
trocas simblicas advindas do processo de leitura nem sempre se realizam de
maneira eficiente, de modo que muito do que se l, no adentra o campo das
inferncias, tampouco das relaes propostas no dilogo com o horizonte de leituras
do sujeito ledor. Em se tratando de Ensino Mdio, a questo agrava-se, pois os
indivduos esto em formao, para estes o processo interpretativo ainda novo ou
inexistente, salvo as pequenas excees cada vez menos comuns, diante da atual
conjuntura de discentes que trazem interiorizada a prtica ledora, estimulada em
casa e tornada hbito ao longo da educao escolar. A ideia de hbito, aqui
destacada, necessria para o desenvolvimento dos postulados posteriores. Santo
Agostinho, citando o mdico Galeno, afirma que o hbito uma segunda natureza.
694 Com esta mxima, pretende o filsofo mostrar o amoldamento do ser humano s
prticas diversas, a mudana marcada pela reiterao de aes sucessivas que ao
longo do tempo parecem at naturais, porque foram interiorizadas. Parece lgico e
de fcil didtica tal assero, mas no o que ocorre na educao, com a leitura
literria. Pode-se afirmar que em termos prticos as metodologias esto pautadas na
ideia de facilidade e de velocidade, o que levaria a pensar que para a maioria dos
programas vinculados ao Ensino Mdio e nos mais diversos mtodos, o fcil uma
segunda natureza. A questo do tempo se mostra, ento, um fator negativo, pois o
tempo de leitura implica o de reflexo, uma desacelerao que destri a eficincia
dinmica da massa...(VIRILIO, 1996, p.21), ou seja, a leitura est contra a celeridade
com que a realidade est engendrada, de modo que o aluno no ato da leitura
levado a mudar seu ritmo dirio e congnito, marcado pela hiperatividade, esta, por
sua vez, instaurada pela cultura miditica.
muito pouco, e dentre este pouco, a poesia o tipo de texto literrio menos presente.
A professora e pesquisadora Neide Luzia de Resende alerta para o fato de que
a) Leitor literrio:
698
b) leitor no literrio
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
As modas vm, as modas vo. Difcil vencer seus traumas, ou apagar suas
marcas. Parece um crime se falar em ensino de portugus a partir da literatura, mas
possvel. Alis preciso mais que isso: insisto na criao de uma disciplina de Leitura
Literria, para que essa semi-imerso vire mtodo corrente e no esforo isolado
incomum. Se para muitos a literatura no tem mais espao ou possui um lugar
aqum de sua especificidade mister devolver-lhe sua excelncia e aprofundamento.
Se os alunos lessem poemas desde as sries iniciais, seriam grandes leitores em sua
adolescncia, mas a verdade que poemas o que menos se l. Radicalizo esta
afirmao e penso que a disciplina deveria ser Leitura de Poemas, cuja especificidade
e rigor construram um sujeito-ledor pleno, afinal no h texto em que a o raciocnio,
a cognio, a sensibilidade e a cultura sejam mais exigidos. Somos um pas com 14%
de analfabetos funcionais e talvez com um nmero cinco vezes maior em leitura
literria.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
medida que os alunos evoluem em sua leitura de mundo e nas leituras que
fazem, ir se compondo um paideuma pessoal, de modo que se tenha um ser
humano crtico e ledor, formado a partir de um sujeito-leitor de poemas.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Adverte Jos Anaio a seu companheiro Joaquim Sassa que deixe l, quando
os homens forem todos poetas param de escrever versos. Esta expresso presente
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
b) a expresso esta outra ilha, a ibrica, que era pennsula e deixou de o ser,
vejo-a eu como se, com humor igual, tivesse decidido meter-se ao mar procura dos
homens imaginrios expressa por Joaquim no intuito de ilustrar o drama que
vivem naquele momento, porm as ideias de homens imaginrios e de ilha que
procura homens produz estranhamento.
homens no sero todos poetas, e se o forem sero poetas sem versos. O pesquisador
Philip Davis, da Universidade de Liverpool, relata que a leitura de poesia estimula a
parte do crebro ligada memria e emoo, pois permite que os voluntrios
reflitam sobre suas vidas. De fato, talvez esteja a a razo para o amor de alguns e o
dio de outros: a necessidade de reflexo. Para se ler poesia preciso pensar e pensar
incomoda. Some-se a isto, o imediatismo da vida cotidiana e se ter mais uma razo
para o descrdito que a poesia ocupa no cotidiano escolar e social.
Poesia o voo fora da asa, de que nos fala Manoel de Barros. a sugesto no
entregue, proposta nos poemas da fase madura de Mallarm, os quais exigem um
aprofundamento e burilamento do raciocnio em certo sentido rduo numa primeira
leitura, porm compensador quando realiza sua exegese. Est em Cames, est nos
poetas concretistas. A cada um, a cada momento literrio, sua maneira, com suas
idiossincrasias, porm em todos h um apelo sensibilizao do mecanismo cerebral
que leva o indivduo a reelaborar o pensamento, ou ainda, a interpretar. Esta
possibilidade de criao o leitor coautor do texto uma das mais belas
utilidades deste objeto to intil, o poema. Este ler e, por conseguinte, entender,
proporcionam o prazer esttico que marca no ser humano uma de suas habilidades
mais humanizantes. Neste sentido, o lugar do poeta numa sociedade de no-poetas,
708
de pouqussimos poetas, se estabelece: construir versos, que por sua vez, construiro
raciocnios e, por sua vez, homens. Agora se todos os homens os fizerem, cessa essa
necessidade cognitiva, princpio de prazer, mediada pela reflexo, na e a partir da
linguagem. Leminski dizia: vai vir o dia quando tudo que eu diga seja
poesia(LEMINSKI, 2014, p. 77).
BIBLIOGRAFIA
ALVES, J. H. P. O que ler? Por qu? A literatura e seu ensino. In: Leitura de
Literatura na Escola / Maria Amlia Dalvi, Neide Luzia de Resende, Rita Jover-
Faleiros (orgs.) So Paulo: Parbola, 2013.
BERNARDES, J. A. C. e MATEUS, R. A. Literatura e Ensino de Portugus.
Fundao Manoel dos Santos: Lisboa, 2013.
BORGES, Jorge L. O livro de areia. 8 ed. So Paulo: Globo, 1999.
DALVI, Maria Amlia. Literatura na Escola Propostas Didtico-Metodolgicas. In:
Leitura de Literatura na Escola / Maria Amlia Dalvi, Neide Luzia de Resende, Rita
Jover-Faleiros (orgs.) So Paulo: Parbola, 2013.
FURTADO, F. F. F. A literatura na cena finessecular. In: LOBO, L. Globalizao e
Literatura Discursos Transculturais. v.1. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 1999.
JOUVE, Vincent. A leitura. So Paulo: Edunesp, 2002.
LEAHY, C. Educao literria como metfora social. Niteri, EDUFF, 2000.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
710
Eixo IV
Oralidades: Tradio e
Contemporaneidade
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
712
A FREIRA SEM CABEA
Mediao e remediao da oralidade
RESUMO: A Freira sem Cabea uma das muitas lendas urbanas da cidade de Belm do
Par. Conta-se que uma freira costuma assombrar os corredores do Colgio Gentil
Bittencourt, localizado na Avenida Magalhes Barata. Antes de tornar-se um colgio, quando
a Avenida ainda se chamava Ipiranga, o espao era um antigo internato de onde vinham
moas de todos os cantos do Estado para se tornarem freiras. A verso que utilizo para esta
anlise foi coletada pelo projeto IFNOPAP (O Imaginrio nas Formas Narrativas Orais
Populares da Amaznia Paraense) no ano de 1993 e deu origem verso presente no CD-
ROM Caleidoscpio Amaznico: uma aventura em imagens e cores, produzido em 1999 com
recursos da UNESCO (O nome da sigla) e um esforo conjunto de profissionais de diversas
reas. Analiso, portanto, o percurso movente (ZUMTHOR, 1996) desta narrativa admitindo
como percurso movente no apenas a variao em tempos e espaos to distintos mas essa
pequena variao que ocorre entre uma mdia e outra , desde a coleta at o produto final
que o dispositivo eletrnico, sempre levando em considerao que cada etapa desse
processo uma remediao (BOLDER; GRUSIN, 2000) de processos de mediao anteriores,
desde a emisso oral no seio da comunidade at a verso ltima em que se acrescentam
outros sons, imagens e movimentos e que afasta cada vez mais o arqutipo do Etnotexto
(PELEN, 2006) de onde ele provm provocando, com isso um desenraizamento desse
Etnotexto que acaba por se transformar em etnotexto (com e minsculo).
PALAVRAS-CHAVE: Etnotexto; Narrativa; Silenciamento; Remediao; Desenraizamento
714 segundo o qual, as mdias subsequentes a outras ao mesmo tempo em que concorrem
e rivalizam entre si rendem homenagem s anteriores, tal qual o jornal impresso e os
sites de informao. Os segundos rendem homenagem aos primeiros quando
utilizam estrutura similar ao daqueles ao mesmo tempo em que concorrem pelo
espao de leitura na vida das pessoas. Essas novas mdias procuram curar
(remediar) as anteriores a partir das novas tecnologias que vo surgindo. Dessa
forma, o problema de atualizao das notcias que antes tinham que esperar o
lanamento de outra tiragem curada no novo suporte que tem a seu favor o
imediatismo da tecnologia das redes de computadores.
Entretanto, fao uma ressalva a essa abordagem em relao s mdias devido
ao fato de que essas novas modalidades nem sempre ou no exclusivamente
trazem apenas vantagens. Elas podem retomar problemas anteriores ou agregar
novos problemas ao uso das mdias.
Tomando como exemplo o livro impresso e o digital, o primeiro tinha como
desvantagem a questo do espao, ao passo que o segundo quase que acabou com
esse problema. Todavia o livro digital trouxe de volta pelo menos nos primeiros
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Segundo Paulo Silva Pereira a edio eletrnica permitiu incluir materiais que
at ento deviam circular em suportes distintos tendo em vista que o arquivo
manifesta elevado potencial de expanso pela agregao de elementos diferentes e
pelas suas propriedades hipertextuais que se traduzem nas funcionalidades de
interface e no modo como utilizadores interagem com ficheiros (PEREIRA, 2015: 22-
23).
O Caleidoscpio Amaznico por ser um objeto digital que agrega muitas mdias
distintas e links de hipertexto proporciona uma leitura radial (MCGANN, 1991) do
seu contedo por no se limitar ao linear ou espacial. No h hierarquia entre os
30 Grande cruz de madeira que ainda hoje existe em alguns bairros de Belm. comum as pessoas
acenderem velas no local para os seus mortos ou santos de preferncia.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
links, qualquer usurio pode acessar o boto que quiser, inclusive o das histrias,
sem prejudicar a leitura. As imagens, sons e movimentos fac-similados advindos da
recriao de narrativas tradicionais acaba sendo uma profuso de transposies
intersemiticas que existem para explorar as potencialidades desse meio at ento
ainda novo nos anos 90.
A recriao
As imagens
720
Abaixo, temos links que levam a verses em ingls, francs e espanhol, alm de
um boto, com uma nota musical que serve para diminuir ou aumentar o volume
tanto da msica de fundo quanto das narraes. H tambm, no canto inferior
esquerdo, um link que leva at os crditos.
Clicando em "As narrativas" tem-se outro menu que exibe as cinco primeiras
narrativas alm de botes, representados por botos da Amaznia, que levam, de
maneira cclica a outras cinco narrativas tanto adiante quanto para trs. Abaixo, um
boto de retorno ao menu inicial.
O boto Freira sem cabea leva imediatamente narrativa que possui uma
barra de rolagem estilizada, um boto de retorno ao menu anterior e um boto com
uma nota musical tal qual o do menu inicial, mas que, quando clicado d inicio a
narrao na voz grave de rsula Vidal. O terceiro boto com a imagem de uma
cmera de vdeo d inicio animao propriamente dita.
Da maneira como est organizado, a leitura do CD-ROM uma opo do
leitor. Cabe a ele decidir se vai apenas ler o texto escrito, escutar simultaneamente ou
assistir a animao em que se escuta e l o texto concomitantemente.
Os sons
O boto de udio aciona o mecanismo que inicia uma narrao de udio fiel ao
texto escrito. Sobre a voz de rsula importante ressaltar que mesmo tendo nascido
no Par, a pessoa que empresta a sua voz para a narrao dificilmente seria
caracterizada como nativa do Estado. Sua voz trabalhada, de quem durante quatro 721
anos foi narradora do programa Fantstico da Rede Globo de televiso, pouco
lembra qualquer dos sotaques tipicamente paraenses.
Fiz algumas perguntas por email Vidal. Dentre elas: Quando comeou a
trabalhar como narradora voc fez algum curso ou preparao para "apagar" ou
amenizar determinados traos de regionalidade? Ao que respondeu:
Os movimentos
724
passo que a imagem da freira vem de trs e vai ganhando destaque. Os olhares se
cruzam no meio da tela e o marinheiro d lugar a freira que some ocupa posio de
destaque na narrativa visual.
A moa desenhada com suas vestes vocacionais, todavia, dois detalhes
chamam ateno: os olhos e os lbios. Os olhos semifechados sugerem um olhar
apaixonado e os lbios contrastam com as vestes porque foram pintados num
vermelho intenso, o que pode representar a prpria noo de pecado.
Na sequncia seguinte:
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
725
imagem inicial e outra final que o sistema se encarrega de fazer a transio de uma
para outra como a da freira e da rosa.
Para finalizar, houve, no processo de criao do CD-ROM, em relao aos
elementos que o precedem, uma remediao que reformou as narrativas, seus udios
e suas transcries em um produto novo chamado Caleidoscpio Amaznico: uma
aventura em imagens e cores que o todo, um elemento completo que, relacionado aos
processos anteriores descritos por mim neste artigo , por si s, uma mdia
reformada.
Ainda que, como disse de incio, o Caleidoscpio represente uma viso
acadmica fac-similada das poticas orais da Amaznia paraense, a prpria estrutura
e materialidade do formato escolhido unido a cultura do registro ampliada pelas
novas possibilidades de armazenamento que se tornaram populares nos findos dos
anos noventa apontam para uma pretensa democratizao do conhecimento.
Os exemplares do CD foram enviados Frana na ocasio do lanamento,
houve um esforo dos membros do projeto pela divulgao do material no prprio
726 Estado do Par. Tanto que a prefeitura da cidade de bidos, no Mdio Amazonas,
naquela ocasio comprou mil cpias e as distribui s escolas do municpio naquele
ano.
Entretanto, pergunto-me se o produto final ainda tem o mesmo sentido para
os membros da comunidade amaznica paraense. Se fora do contexto Etnotextual, o
etnotexto mantem sua fora de legitimao. A resposta, arrisco-me a dizer, no. Por
outro lado acredito que ela mantenha um identificao e qualquer pessoa da regio
que escute aquelas lendas e mitos recriados em outro formato reconhecer neles o
arqutipo.
REFERNCIAS
MCGANN, Jerome (1991). The textual condition, Princeton, New Jersey, Princeton
University Press.
NELSON, Thedor H. (1965). A File Structure for the Complex, the Changing and the
Indeterminate. Association for Computing Machinery: Proceedings of the 20th
National Conference, 84100. Ed. Lewis Winner.
VIDAL, rsula (2015). Perguntas. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <
ursulavidal01@gmail.co> em [18 fev.2016].
WEIL, Simone (1996). A condio operria e outros estudos sobre a opresso. 2. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra.
728
TRAVESSIAS POTICAS:
Saberes do rio e da mata em narrativas da Ilha Grande/Belm - Par
RESUMO
Memria, Esquecimento, Corpo, Voz, Recepo, estudados por Paul Zumthor (1993,
2010).
9 NA PROA
flora amaznicas foi determinante para a formao das culturas aqui encontradas,
mas h vozes silenciadas neste curso de rio, sons que atravessam temporalidades e
territorialidades e mostram-se indizveis no percurso das travessias tantas vezes
feita.
A comunicao apresentada parte da pesquisa com as poticas orais na ilha
Grande em Belm do Par, uma das aproximadamente 43 ilhas que compem a parte
insular da cidade. A dinmica de Belm e dos demais municpios que se localizam s
proximidades pautada na relao com os rios, e assim criam uma conexo entre
eles atravs dos portos, comunicao cotidiana que se insere na sustentabilidade da
economia, nas atividades sociais e culturais.
O modo de vida das populaes das cidades amaznicas possui como
caracterstica a diversidade, as trocas econmicas, culturais, sociais etc., que so
efetivadas diariamente atravs dos caminhos do rio, o ir e vir das embarcaes
provoca a tessitura da rede complexa de vida da Amaznia.
No percurso dos rios que banham Belm, aportamos na comunidade
ribeirinha da ilha Paulo da Cunha Grande, mais conhecida como Ilha Grande, s 731
margens do rio So Benedito. Ela ocupa 929,16 ha., est situada a 12,2 km ao sul de
Belm, margem esquerda do rio Guam. Sua populao estimada em cerca de 400
habitantes divididos aproximadamente em 70 famlias.
Os saberes que circulam so quase sempre expressos na oralidade. A trama de
smbolos e sentidos que representam as histrias experincia de comunicao entre
grupos. Sendo assim, experincia de cultura mediada pela voz. Segundo Zumthor
(1997, p.139), A voz potica assume a funo coesiva e estabilizante sem a qual o
grupo social no poderia sobreviver. Cada grupo possui um acervo de narrativas
que so repassadas de boca em boca, como registro, testemunho, da maneira de se
colocar no mundo. Ouvir tal acervo envolve a percepo da complexidade, das
tenses em se ver a histria a partir de outra tica, um movimento das margens para
o centro, aprender com a escuta dos sujeitos. Com a palavra, o homem se faz
homem. Ao dizer a sua palavra, pois, o homem assume conscientemente sua
essencial condio (FREIRE, 1987, p.13).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
732 histrias. Aqui nas pginas desta pesquisa, ele ser chamado de intrprete, termo
usado pelo crtico literrio e historiador da literatura Paul Zumthor, para designar os
que se utilizam da oralidade com o propsito de semear e nutrir a memria viva. O
intrprete o indivduo que se percebe na performance, a voz e o gesto, pelo ouvido
e pela vista (ZUMTHOR, 2010, p.239). Ainda sobre o intrprete: so os portadores
da voz potica [...] os detentores da palavra pblica; sobretudo, a natureza do
prazer que eles tm a vocao de proporcionar: o prazer do ouvido; pelo menos, de
que o ouvido o rgo (ZUMTHOR, 1993, p.57).
O intrprete, o narrador, o contador de histrias, nomenclaturas para dizer
dos que enredam a comunidade pelos fios da voz e que esto presentes entre ns
desde os tempos antigos a testemunharem o poder da palavra dita:
Pela boca, pela garganta de todos esses homens (muito mais
raramente, sem dvida, pelas dessas mulheres) pronunciava-se
uma palavra necessria manuteno do lao social,
sustentando e nutrindo o imaginrio, divulgando e
confirmando os mitos, revestida nisso de uma autoridade
particular, embora no claramente distinta daquela que assume
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
nos saber se encontraro solo frtil entre os educadores, j que os alunos recontam as
histrias contadas pelo intrprete e fazem circular as palavras poticas. E tudo o
que temos:
Os textos que circundam atravs da voz nos rios, nas matas, nas
estradas, retratam o cotidiano das comunidades amaznicas e
se comparam queles ditos nas praas ou nas feiras pelos aedos
clssicos, ou nos seres medievais pelos vassalos, ou ainda mais
tarde pelas classes populares. No caso das populaes mais
pobres, na maioria das vezes, essas narrativas so uma das
poucas formas de convvio com o potico. Um esttico envolto
em magia e em sangue marcado pelo difcil cotidiano (FARES,
2010, p.95).
porque tem gente, assim como tem moas, tem rapaz que viram
bicho e no sabem, saem pra malinar, porque tem pessoas que j vem 737
na veia... A Matinta Perera, por exemplo, no sabe, vem saber tempos
depois... E esse que me atacou era um rapaz, que virava lobisomem...
A gua, nossa casa primeira, refgio, abrigo, proteo, o elemento que nos
constitui, nutrindo, hidratando, deixando fluir a vida. As guas para os amaznidas
significam corpo vivificado, presente nos dilogos entre seres viventes e o cotidiano,
o rio est em tudo, serpenteando a prpria existncia.
Conhecer os ditames das guas amaznicas, seus desejos e caminhos , para as
populaes desta regio, questo de sobrevivncia. Compreender o fluxo das mars,
a geografia hdrica, com seus furos, igaraps etc., faz parte dos saberes adquiridos
desde a infncia. As crianas aprendem logo cedo a reverenciar o rio, nadar to
importante quanto comear a dar os primeiros passos.
O tempo medido pelo ir e vir das guas, elas ditam os espaos e tempos de
habitao, as cheias dos rios impelem a reinveno do cotidiano, o rio, sem pedir
licena, passa a morar nas casas dos ribeirinhos, quando no, toma como emprstimo
740
a pequena casa de palafita e passa a viver at seu corpo fluido e corrente encontrar a
calmaria.
Neste cenrio de imensido e propcio ao devaneio, encontramos, nas histrias
contadas por Seu Simeo, os mitos ligados s guas, da considerarmos tais textos
como verdadeiras aquonarrativas para usar o conceito elabora por Paulo Nunes
acerca da obra do romancista Dalcdio Jurandir (2001) , o Boto, a Cobra Grande, a
Preguia Gigante, os Poraqus e a Uiara.
O Boto se vira em pessoa, j vi ele em terra, j de branco, chapu, se
vira... A na pontinha eu vi ele me olhando, tudo de branco... A eu
no mexi com ele, mas quando foi uma noite ele me carregou nas
costas... Olha eu vinha da casa dela, tava namorando ainda com ela, a
tinha um lugar que eles s viviam l, nunca tinha passado por l,
quando foi nessa noite eu resolvi passar por l, a eles entraram, dois,
ai eu passei nessa beira e eles iam voando tambm, rapaz, pintaram o
sete e eu s faltei morrer, a quando foi uma noite eu vi eles em p, me
olhando, tudo de branco... O Boto uma coisa incrvel, na gua ele se
joga, aqui ele tomava banho, subia no pau, se jogava igual uma pessoa,
parece uma pessoa se jogando na gua... Agora o que eu fiquei muito
incrvel foi que, eu vou contar pra vocs, se lembra quando o Diquinho
morreu ali, tava s eu e meu genro na ponte, minha senhora tava pra
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
A Uiara revelada por seu Simeo no entoa canes, como costumeiramente 743
observado nas narrativas, ela toca tambor, uma espcie de batucada segundo o
intrprete , conserva os longos cabelos como nos arqutipos femininos da seduo
das sereias, nereidas e ondinas, ao mesmo tempo em que no permite que vejam seu
rosto, quem tiver visto seu rosto uma nica vez jamais poder esquec-lo, pode at,
no primeiro momento, resistir-lhe aos encantos por medo ou precauo. No entanto,
mais cedo ou mais tarde acabar por se atirar no rio em sua busca... (LOUREIRO,
1995, p.261):
Uiara tem sim, aqui tinha, ali no igarap perto de onde o Raimundo
morava, eu pescava, quando eu era mais novo, ela idntica uma
pessoa, fica batendo um tamburinho... A eu era novo, n, essas
pequenas eram tudo nova tambm, andavam no igarap... A um dia
eu ia andando de tarde, umas quatro horas, eles vinham na batucada,
entrando pra tentar ver, quando se aproximou de mim o batuque,
passou e eu no vi nada... Era ela, meu Deus... Eu disse pro meu
cunhado, olha o nome desse Igarap Uiara porque ela ainda a por
dentro...
Isso, s ouvia... Agora l no Itaqu, quando eu era moleque l, tinha
um igarap, perto da casa do Eduardo, tinha um lugar bonito l que
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
ficava uma sentada, ele s no deixa ver o rosto dela, mas ela muito
linda, um cabelo na costa, ela no olha pra pessoa...
Tem, no, no, elas no cantam, ela s batia o tambor, batucando, isso
era certo... Elas cansaram de ver tambm, bate tambor igual uma
pessoa, muito tamburinho, o cara ficava assim, eras, parece uma
banda... A Uiara, mas se ela quiser judiar da gente ela judia, fica
olhando pra pessoa, at a pessoa ser viva ela no pega, mas ela
mundia...
Os saberes aqui mapeados pela voz do intrprete fazem parte das culturas
praticadas pelos povos amaznicos. O universo mtico em que habitamos confronta-
se com a feroz e devastadora modernizao, das mais agressivas s mais sutis formas
de dominao a que somos confrontados e at violentados, que concorrem para
modificaes em vrios campos, inclusive no modo de vida do amaznida. No
entanto, o imaginrio se mantm vvido, ocupando um lugar de grande importncia
dos que habitam essa regio, com toda a fora e a beleza das encantarias, dos seres
que transitam entre os mundos.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. Trad. Amlio Pinheiro; Jerusa Pires Ferreira. So
Paulo: Companhia das Letras, 1993.
______. Introduo poesia oral. Trad. Jerusa Pires Ferreira et al. Belo Horizonte:
UFMG, 2010.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
746
A LITERATURA DE CORDEL ENVEREDANDO O ESPAO DA SALA DE
AULA
RESUMO
11 APRESENTAO
748 com a substituio da leitura da obra literria por fragmentos de textos literrios,
informaes bibliogrficas dos autores e fatos histricos que tenham acontecido no
mesmo perodo literrio estudado.
Sabemos que a escola, ainda, a principal instituio responsvel pelo
agenciamento da capacidade leitora dos indivduos na sociedade moderna, mas tem
falhado na sua ao precpua que ensinar a ler e escrever. Logo, percebemos que a
escola continua ainda presa a um currculo arcaico e elitista, mesmo que os
Parmetros Curriculares Nacionais condenem o mero ensino de historiografia da
literatura, mas essa prtica continua tendo nfase nos livros didticos e ainda
encontramos muitos professores adeptos dessa prtica.
A leitura, na escola, ainda est presa representao da literatura cannica, e
como sabido, esta literatura pertencente burguesia. Portanto, se ler atribuir
significados, logo, pressupe-se uma re-construo do texto que nos representado,
inscrever-se na experincia vivida. O que se observa que os textos trabalhados na
escola esto muito distante do universo dos alunos. Por essa razo, os alunos
pertencentes s camadas populares da sociedade, no avanam nos estudos porque
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
no conseguem dar significado ao que lhes atribudo. Por mais que se fale em
diversidade na academia, por mais que isso possa parecer repetitivo, a escola
continua tradicional. Estamos recebendo alunos do sculo XXI com a escola presa ao
sculo XX, pois a sala de aula o espao de variedades mltiplas, com tipos de
sujeitos diversificados, consequentemente, prticas culturais distintas.
Por conseguinte, a proposta justamente no negar ao aluno a experincia
com o cnone. necessrio que o educando tenha experincias com prticas de uma
literatura mais complexa, que favorea vrias reflexes, mas que tambm o educador
considere o contato com outras leituras, pertencentes ao contexto do educando, e
promova a ampliao do seu horizonte como leitor, assim, nos parece ser o melhor
caminho a seguir.
tempo de preparar suas aulas. Surge, na dcada de 70, o manual didtico que
norteou a linha terica e metodolgica a serem seguidas nas aulas de literatura.
Como j preconizava Walter Benjamin (1983), em seu artigo A obra de arte na era da
reprodutibilidade tcnica, h uma corrida desenfreada pela difuso em srie de
bens culturais para satisfazer os anseios de um pblico cada vez mais vido por
novas leituras, que por sua vez, aciona uma nova indstria: a da cultura. A escola
contribuiu bastante para essa nova indstria, pois como sabido a leitura propiciou
muitos ganhos ao mercado das editoras, ou seja, a leitura de livros tornou-se o meio
mais aceito de adquirir a cultura. Consequentemente, o Iluminismo gera uma viso
errnea da funo da cultura ao colocar no topo o livro como seu elemento
imediatista.
necessrio tecermos esses esclarecimentos, concernentes a leitura, deixando
claro que no a prtica de ler, mas a poltica que envolve sua expanso, que deve
ser questionada quando se fala de leitura.
Nesta medida, o indivduo, ao alfabetizar-se, ingressa na cultura dominante,
750 por intermdio dos livros que so produzidos para atender aos interesses da
burguesia. Segundo Zilberman (1986), a criana depende muito do adulto para
ajud-la a decodificar o mundo a sua volta e, quando adulto no tem instrumentos
intelectuais suficientes para questionar a ideologia do colonizador encontrada no
livro didtico, que tende a incorporar, pacificamente, a cultura do dominador.
O que acontece com esse indivduo depois que adquire a habilidade de ler,
tornando-se alfabetizado, traduz muitas vezes o fracasso da escola, pois pode ser
explicado o motivo de muitos estudantes permanecerem no meio do caminho, ou
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
seja, afasta-se de qualquer leitura, principalmente dos livros, porque foi mal
alfabetizado ou porque a mensagem que foi veiculada no livro no foi significativa.
Segundo Ezequiel Theodoro da Silva (2009), depois da revoluo de 1964
que os livros, aqui no Brasil, tornam-se cada vez mais imprescindveis na escola e,
por isso, vo sendo editados maciamente a fim de responder a uma demanda
altamente previsvel, a um mercado altamente rendoso, lucrativo e certo (SILVA,
2009, p. 40).
Por conseguinte, a escola adquire mais livros e os alunos no leem esses
livros. Instaura-se, assim, uma crise de leitura, consequentemente, uma crise da
escola, pois a escola ainda o local de aprendizado da leitura. Aludimos assim, que a
escola precisa encerrar com essa cultura de ter apenas como sua nica fonte de saber
o livro didtico, preciso unir os contedos selecionados pela escola com o mundo
vivido do estudante. Somente assim as aprendizagens escolares podero ganhar o
estatuto de significativas, equilibrando, em termos de programas, os elementos da
cultura elaborada com a histria dos grupos de estudantes(SILVA, 2009, p. 45).
Corroborando com este pensamento, Gomes (2011) pontua: 751
preciso colocar a leitura como um andaime para uma efetiva reflexo social
que leve o educando formao e ao exerccio da cidadania. Trata-se ento de ver a
obra em uma cultura ativa no s no seio da literatura, mas na relao
literatura/realidade (ROUXEL, 2013, p. 159), pois a forma como a literatura est
sendo trabalhada na escola apenas fortalece a resistncia do alunado perante o texto
literrio.
Neste contexto, e por compreendermos a sala de aula como um espao aberto,
percebemos a importncia em utilizar textos variados, sejam eruditos ou oriundos do
povo, como a Literatura de Cordel, um gnero marginalizado pela hegemonia da
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
que cita dois personagens que praticam o pecado da simonia: O padre e o bispo. O
terceiro cordel de autoria desconhecida. A histria traz os matizes do imaginrio
medieval que impregna a obra de Gil Vicente, outra evidente fonte de Suassuna.
Maria (Nossa Senhora) a advogada, Jesus o Juiz e o Diabo o acusador
(HAURLIO, 2010, p. 70). Constata-se, tambm uma grande aproximidade com o
desfecho do auto da compadecida.
Outro autor que busca inspirao na cultura popular Mrio de Andrade,
grande nome do modernismo brasileiro, que em suas viagens etnogrficas pelo
Brasil, para conhecer os jeitos dos brasileiros, suas palavras, sua entonao, elaborou
vrios trabalhos resultados desse interesse pela cultura popular (ABREU, 2006,
p.55). Trazemos o prprio depoimento do autor de Macunama:
Esse gosto por essa Literatura popular foi ficando cada vez mais apurado,
tornando-se um leitor exmio dessa arte, e posteriormente fazendo cordel de forma
muito atuante, despontando hoje como um grande cordelista na Bahia, por seus
poemas voltados para a educao e cotidiano.
Ao ingressar no ensino pblico na cidade de Salvador fez da sua arte de
cordelista uma experincia pautada no ensino, utilizando-se do cordel como um
instrumento pedaggico eficaz para tecer suas aulas. Esse fazer pedaggico foi sendo
divulgado pelos prprios alunos, levando-o a ser conhecido fora da escola onde atua,
a ponto de ser hoje convidado para fazer oficinas, palestras etc. A educao est to
arraigada na vida deste cordelista, que apresentamos a seguir algumas estrofes do
Cordel feito em homenagem a Paulo Freire:
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
ABREU, Mrcia. Cultura Letrada: Literatura e leitura. So Paulo: Editora UNESP,
2006.
758 CEREJA, Roberto Willian. Uma proposta dialgica de ensino de literatura no ensino
mdio. Tese de doutorado. So Paulo: PUC, 2004.
CEVASCO, Maria Elisa. Dez lies sobre os estudos culturais. So Paulo: Boitempo
Editorial, 2008, p. 38.
GOMES, Carlos Magno Estudos culturais e crtica literria. Revista Ampoll, v.1,
nmero 30, 2011, p. 28.
RESUMO
13 APRESENTAO
esto presentes programas conhecidos como Universidade para Terceira Idade que
visam possibilitar alternativas de atividades para os idosos.
Paralelo a este crescimento, tambm cresceram as discusses a respeito da
necessidade de garantir direitos a populao idosa, e estes direitos foram
assegurados com a aprovao do Estatuto do Idoso Lei n 10.741 - em 2003, que
atribui obrigaes a famlia, a sociedade e a poderes pblicos para garantir aos idosos
direitos como a liberdade, o respeito e a dignidade, alimentos, sade, educao,
cultura, esporte, lazer e turismo, profissionalizao e trabalho, previdncia social,
assistncia social, habitao e transporte.
De acordo com o Estatuto do Idoso, art. 2,
Mas, mesmo com todo respaldo legal, a garantia desses direitos ainda no 761
762 Distrito de Maria Quitria que fica a 10,96 km de Feira. Alm das oficinas, so aes
da UATI diversas atividades realizadas, quinzenalmente, no Centro Universitrio de
Cultura e Arte - CUCA. Integram essas atividades palestras de temas diversos
ministradas por profissionais da rea de sade, educao, entre outros;
apresentaes culturais, como teatro, corais e dana. Durante o ano tambm
acontecem eventos como a Feira de Sade, Exposies de artesanato, Olmpiadas
esportivas, Festas juninas e Festa natalina.
A leitura, seja ela qual for, pode tornar uma pessoa alegre ou
deprimida, despertar a curiosidade, estimular a fantasia,
provocar descobertas, lembranas, libertar emoes, levar as
pessoas a outros tempos e lugares, imaginrios ou no,
provocar satisfao, promover a compreenso do indivduo e
do mundo.
Apesar disso, podemos conceber, como sugere Myrian dos Santos (2003), que
as recordaes so diferentes entre os indivduos porque as experincias de vida so
individuais e as combinaes com os quadros sociais so diferenciadas entre os
766
indivduos.
O passado, que retomado pelo ato de rememorar, pode no ser um elemento
de fuga da velhice, mas um momento para repensar os rumos da vida e refletir a
respeito do futuro. Simone de Beauvoir (1990) afirma que h na lembrana uma
espcie de magia qual somos sensveis em qualquer idade (BEAUVOIR, 1990, p.
445). Mas no resta dvida que na velhice esse resgate da lembrana se torna mais
significativo e frequente, tendo em vista que o passado faz com que o idoso no
perca a sua identidade e a sua construo individual e social.
CONSIDERAES FINAIS
Alm do que a pessoa que j traz muitas histrias prprias compartilhar essas
experincias e conhecer tantas outras uma forma de ganhar vivncia e de se
entender como parte de um universo maior e mais complexo, ainda a ser explorado.
O mais importante oportunizar a populao idosa acesso a servios de
qualidade para que possam usufruir de um envelhecimento bem sucedido. Assim,
aes que os oportunizem o ato de rememorar so fundamentais, porque tirar dos
idosos esse direito o mesmo que tirar-lhes o direito de ser sujeito.
Os idosos relatam que a oficina uma oportunidade de rememorarem
acontecimentos em suas vidas, alguns deles de grande relevncia e outros que
aparentemente insignificantes, revelam as mais profundas recordaes e
sentimentos. Tambm atribuem a oficina a oportunidade de trocarem experincias,
de falarem sobre suas histrias e ter quem os escute com ateno e interesse. Bem
como destacam a discusso sobre temas da atualidade, o que para eles ocasiona um
importante aprendizado, a possibilidade de estabelecer novas amizades e
consideram que na oficina tm oportunidade de socializao com outras pessoas da
mesma faixa etria. Outro aspecto que salientam o fato de sentirem-se muito a 767
vontade para expor suas produes, ideias e opinies.
Vale ressaltar que no decorrer desses anos de trabalho na UATI observo que
alguns alunos comeam a perder o receio em compartilhar seus escritos e suas
histrias de vida. Considero isto um resultado positivo porque o acanhamento em se
expor, presente no incio, desapareceu no decorrer do tempo. Alm disso, melhoram
a oratria e ficam lisonjeados por ter pessoas que os escutem atenciosamente e
valorizem suas falas.
Referncias Bibliogrficas
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Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
COSTA, C.B.G.d., & BORTOLIN, S. A terceira idade e as aes de leitura dos bibliotecrios
de duas instituies. In II Seminrio em Cincia da Informao - UEL, Londrina, 2007.
Disponvel em: http://eprints.rclis.org/handle/10760/13267 (acesso em 02.09.2012)
KLEIMAN, ngela. Oficina de leitura: teoria e prtica. 10 ed. Campinas: Pontes, 1992.
SILVA, Irlana Jane Menos da. Projeto Poltico Pedaggico da Universidade Aberta
768 Terceira Idade. Feira de Santana/BA, 2011.
RESUMO
1 APRESENTAO
O presente artigo apresenta reflexes a respeito de uma pesquisa que discute a
tradio de cantar versos que marcou o Povoado Monte Alegre, em Rio Real/BA. O
municpio de Rio Real uma pequena cidade do interior da Bahia que faz divisa com
o estado de Sergipe. Conhecida como a terra da laranja, a cidade vem sofrendo
mudanas culturais at mesmo nas produes agrcolas. Daqui a algumas dcadas,
passar a ser conhecida como a cidade do milho, pois as plantaes velhas de laranja
esto sendo substitudas por milharais, os quais so realizados totalmente com os
equipamentos agrcolas, desde o preparo do solo colheita dos gros.
Monte Alegre um pequeno povoado do Municpio, constitudo por famlias
de lavradores, os quais durante muitas dcadas sobreviveram da agricultura
familiar. Era comum, nessa comunidade, as pessoas trabalharem em forma de
mutiro, em que a cooperao era exercita de forma recproca entre as diversas
famlias no s da comunidade como tambm das localizadas nos arredores. Ao se
770 reunirem para ajudar uns aos outros no trabalho de cultivo das lavouras, na
construo de habitaes, as pessoas desempenhavam suas tarefas cantando. Era
uma forma de prestar ajuda mtua como tambm um motivo para realizar um
encontro com pessoas da comunidade. Manifestao esta que faz referncia ao nome
da comunidade Monte Alegre, cujo nome retrata a alegria das pessoas, sempre
com o sorriso no rosto para recepcionar e ajudar.
Esses trabalhadores, ao passo que executavam suas tarefas agrcolas, tambm
se divertiam com aquela cantoria. Ao final do trabalho, eles combinavam um
encontro noite, na casa de um deles, para dar continuidade roda de versos. Esses
encontros eram verdadeiras confraternizaes, recheadas por comidas tpicas como
arroz doce, mungunz, bolos e mingaus, alm de um caf feito dos gros de caf
produzidos e processados no trabalho artesanal da comunidade. Tratava-se tambm
de um momento oportuno para que os jovens se enamorassem, os quais criavam
estratgias para que os pais no percebem, uma vez que no aceitavam a
aproximao dos filhos sem antes o seus consentimentos. O cooperativismo existia
desde o preparo do solo colheita, alm de auxiliar os compadres nas cerimnias de
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
versos. Assim, por meio das informaes coletadas, a arte de cantar versos foi sendo
reconstruda e registrada.
Ao pesquisarmos sobre essa manifestao cultural, buscamos entender o
sentido que a arte de cantar versos tinha para a comunidade, como tambm o sentido
que elas tm hoje. No decorrer da pesquisa, temos a pretenso de coletar essas
cantigas para registr-las num livro e grav-las em um CD para que elas no caiam
no esquecimento, uma vez que esto guardadas apenas na memria.
Por meio desses registros, a gerao atual e a futura tero oportunidade de
conhecer e valorizar as produes poticas que marcaram a comunidade rural em
estudo. Ser uma forma de dar visibilidade a uma tradio do passado.
772 canes ritmadas em forma de ciranda. Essas cantigas so denominadas por eles
como cantigas de roda. Segundo relatos, a diverso da moada era danar roda.
Como essas canes eram cantadas durante a execuo de trabalhos braais, elas
tambm podem ser chamadas de cantigas de trabalho. Para Mrio de Andrade (1989,
p. 108), essas canes so Cantos usados durante o trabalho e destinados a diminuir
o esforo e aumentar a produo, os movimentos seguindo os ritmos do canto.
Esses trabalhadores que encantavam o seu trabalho com as cantigas podem ser
denominados tambm como formigas-cigarras. Usamos esse termo emprestado da
autora Edil Costa (2010) ao afirmar que:
curioso o fato de, nas comunidades narrativas, os
trabalhadores serem formigas-cigarras, pois cantam e narram
causos e contos tambm durante seus afazeres, seja uma
atividade individual, seja coletiva (COSTA, 2010, p. 121).
A melodia das cantigas suavizava a execuo do trabalho cansativo. Com
isso, os trabalhadores esqueciam o cansao e a alegria era contagiante. Na cano que
segue, podemos identificar a atividade de peneirar a farinha.
Peneirou, peneirou, peneirou, gavio
Nos ares para voar
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
A saudade matadeira
De quem no tem alegria
Meu amor, se eu pudesse
Eu te via todo dia.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
4 A ORALIDADE MEDIATIZADA
A oralidade um fator determinante para disseminao dos saberes de uma
cultura. Zumthor (2010) considera como oral toda comunicao potica em que o ato
776 de transmitir e o de receber, pelo menos, passem pela voz e pelo ouvido. Ao falar de
oralidade e escritura, ele salienta a importncia de cada uma delas, sem compar-las
ou julg-las. A oralidade no se define por subtrao de certos caracteres da escrita,
da mesma forma que esta no se reduz a uma transposio daquela (Zumthor, 2010,
p. 34). Segundo ele, em cada poca, homens de oralidade e de escritura coexistem e
colaboram. Nesse caso, o registro pode ser um fortalecimento da poesia oral. A
completude de uma modalidade a outra pode ser explicada com o seguinte
argumento:
Em princpio, qui de fato, a mensagem oral se oferece a uma
audio pblica; a escritura, pelo contrrio, se oferece a uma
percepo solitria. Entretanto, a oralidade s funciona no meio
de um grupo sociocultural limitado: a necessidade de
comunicao que a distende no visa espontaneamente
universalidade... enquanto a escrita atomizada entre tantos
leitores individuais, encurralada na abstrao, s se movimenta
sem esforo no nvel geral, ou melhor, universal. (Zumthor,
2010, p. 41).
indiscutvel que a oralidade mediatizada pode ser vista como mecnica, por
se diferenciar no tempo e no espao, mas no podemos desconsiderar que essa
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
uma releitura que permite rememorar. No caso das cantigas, torna-se um aperitivo
para que as pessoas que viveram essa cultura possam relembrar outros versos que a
memria poder trazer tona. Alm disso, esses novos suportes possibilitaro que
novas geraes possam ressignificar a cultura ali expressa, apropriando-se ou no
dos saberes nela presentes.
Ao registrar as cantigas por meio da escritura ou outro suporte, a pretenso
no resgatar uma cultura que no tenha mais sentido para a gerao atual, mas sim
dar possibilidade de que esses textos possam ser revisitados. Trata-se de dar
visibilidade a uma manifestao cultural que expressou a identidade local num
determinado perodo.
CONSIDERAOES FINAIS
Assim como o texto escrito expressa um conhecimento, o texto oral tambm o
apresenta, porm de outra forma. No que seja necessrio compar-lo para nome-lo
como melhor ou pior, mas reconhec-lo como outra forma de expresso do saber.
Referncias:
ANDRADE, Mrio de. Dicionrio Musical Brasileiro. Belo Horizonte: Editora
Itatiaia, 1989.
COSTA, Edil Silva. Narrativa, testemunhos e modos de vida. In: Lima, Ari. Estudos
de Crtica Cultural. Salvador: quarteto, 2010.
http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/10730/7962. Acesso em 06
mar. 2014.
ZUMTHOR, Paul. Introduo poesia oral. Trad. de Jerusa Pires Ferreira. Belo
Horizonte: Editora: UFMG, 2010.
780
______________. Os intrpretes. In: A letra e a voz: a literatura medieval. So
Paulo: Cia das Letras, 1993.
A VOZ MBYA-GUARANI NO DOCUMENTRIO MOKOI TEKO PETEI
JEGUAT: DUAS ALDEIAS, UMA CAMINHADA.
Resumo
A voz um objeto de experincia, e situa-se no centro de um poder que representa o
conjunto de valores responsveis pela fundao das culturas. Alm de ser criadora
de inmeras formas de arte, possui um valor simblico, abstrato e alcana uma
dimenso material. um modo vivo de comunicao potica que vai se firmando ao
longo dos sculos, uma herana cultural que transmitida pela linguagem e outros
cdigos, por meio dos quais os grupos humanos constroem suas significaes e se
reelaboram cotidianamente. A imagem da voz emerge nas profundezas do vivido e
foge a qualquer tipo de amarra ou frmulas conceituais, da aquilo que se destaca
como dimenso material est expressa na existncia humana, e suas complexas
formulaes que ultrapassam todas as suas manifestaes particulares. Em outras
palavras, na sua evocao, a voz faz vibrar em ns, a nos dizer que realmente no
estamos sozinhos. A partir disso, urge que se team breves reflexes acerca da voz
dentro da cultura guarani. Este artigo pretende analisar a voz, enquanto objeto de
experincia, e a auto-representao, como elemento de legitimao de uma alteridade
indgena. Para tanto, utilizaremos como corpus o documentrio Mokoi Teko Petei
Jeguat: Duas aldeias, uma caminhada. O texto dividido em 2 momentos: 1) breves
consideraes acerca do conceito de voz, em que enfocaremos a voz guarani 2) A
16 APRESENTAO
Das manifestaes humanas, a voz um objeto de experincia, o querer
dizer e a vontade de existncia. Situa-se no centro de um poder que representa o
conjunto de valores responsveis pela fundao das culturas, alm de ser criadora de
inmeras formas de arte; possui um valor simblico, abstrato e alcana uma
dimenso material. um modo vivo de comunicao potica que vai se firmando ao
longo dos sculos, uma herana cultural que transmitida pela linguagem e outros
cdigos, por meio dos quais os grupos humanos constroem suas significaes e se
reelaboram cotidianamente. A imagem da voz emerge nas profundezas do vivido e
foge a qualquer tipo de amarra ou frmulas conceituais, da aquilo que se destaca
como dimenso material est expressa na existncia humana, e suas complexas
formulaes que ultrapassam todas as suas manifestaes particulares. Em outras
palavras, na sua evocao, a voz faz vibrar em ns, a nos dizer que realmente no
782
estamos sozinhos (ZUMTHOR,2010). A partir disso, urge que se team breves
reflexes acerca da voz dentro da cultura guarani.
36 Memria, aqui, nos interessa quando relacionada ao conceito de voz, como lembrana, recordao e,
por isso, no nos deteremos numa anlise mais profunda do conceito.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
37Dirigido por Germano Beites, Ariel Duarte Ortega, Jorge Ramos Morinico, membros das duas
comunidades Mbya-Guarani: Aldeia verdadeira, em Porto Alegre (RS), e Aldeia Alvorecer, no
municpio de so Miguel das Misses (RS).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
784 fundamentais para construo dos valores que legitimaro seu status como expresso
cultural.
Nesse caso, este seria muito mais do que o produto de uma construo prprio
da autoria, a despeito da centralidade da figura do autor/diretor, j que a prpria
noo de autoria estaria circunscrita dentro de um sistema que abarca sua realizao
em produto cultural; esboaria uma espcie de autoria perceptvel na relao
desenvolvida entre os membros da comunidade e a ideia de uma representao
coletiva Mbya-Guarani. De antemo, poder-se-ia perceber e apontar para o carter
representacional desenvolvido pelo sentido de autoria no cinema indgena. Desta
forma, a maneira como o filme se organiza, dentro de uma lgica da tenso dialtica
em suas estruturas, afeta o olhar daquele que, por alguma razo, se prope a
38 Criado em 1986, Vdeo nas Aldeias (VNA) um projeto precursor na rea de produo audiovisual
indgena no Brasil. O objetivo do projeto foi, desde o incio, apoiar as lutas dos povos indgenas para
fortalecer suas identidades e seus patrimnios territoriais e culturais, por meio de recursos
audiovisuais e de uma produo compartilhada com os povos indgenas com os quais o VNA
trabalha.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
O documentrio Mokoi Teko Petei Jeguat Duas aldeias, uma caminhada comea
com uma apresentao dos aspectos que marcam a ideia de auto representao. Para
compreender este conceito nos apoiamos nas contribuies de Gonalves e Head que
afirmam a ideia de que tal noo surge como um modo legtimo de apresentar uma
auto-imagem sobre si mesmo e sobre o mundo que evidencia um ponto de vista
particular, aquele do objeto clssico da Antropologia que agora se v na condio de
sujeito produtor de um discurso sobre si prprio (ALMEIDA, 2013, p.32). Constri-
se, dessa maneira, uma busca pelo papel determinante dos ndios Mbya-Guarani,
como construtores e defensores de suas narrativas.
Nesse aspecto, a imagem do jovem que detm a cmara e a desloca na
comunidade, como um personagem da tribo, fundamental. Os planos so
construdos, em sua maioria, como recurso da cmera na no. Os movimentos
orgnicos da cmera parecem ressaltar o carter representativo, ao reforar a
extenso do local e do espao como interao de quem filma, reveladora dos aspectos
caractersticos da tribo, que ganha fora, tendo por base os atributos do povo em
39 Posio da cmera que resulta na construo de um plano de baixo para cima em direo ao objeto
filmado. Pode ser percebida no filme, pelo posicionamento da cmera no cho, o que resulta em uma
relao desigual ao objeto filmado. No filme, tal posicionamento tambm resultado em uma maior
profundidade de campo, que explorado como forma de evidenciar constantemente o que est sendo
filmado e o que no filmado.
40 Alterao na distncia focal da lente durante uma tomada, o que d ao espectador a impresso de
aproximao ou afastamento do objeto filmado, dentro de um mesmo plano.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
41 Como afirma Ramos (2001), A circunstncia de tomada, para sermos mais especficos, algo que
conforma a imagem-cmera de um modo singular no universo das imagens. Por circunstncia da
tomada entendemos o conjunto de aes ou situaes que cercam e do forma ao momento que a
cmera capta o que lhe exterior, ou, em outras palavras, que o mundo deixa sua marca, seu ndice
de, no suporte de cmera ajustada para tal.
42 O cinema no ficcional voltado para o instante da tomada, para o transcorrer da durao na
tomada e para a maneira prpria que este transcorrer tem de se constituir em presente, que se sucede
na forma do acontecer . Idem, p.8-9.
43Segundo Ramos (2001), um dos aspectos fundamentais da imagem documental para Ferno Pessoa
Ramos a relao que a imagem documentrio desenvolve ao relacionar a presena intermediada pela
cmera em uma imagem dotada de sentido, transferindo para imagem uma presena, capaz de ser
percebida por meio da construo imagens que se relacionem de alguma maneira com o modo como
essas imagens foram tomadas, sua circunstncia de tomada. A imagem documental seria assim uma
articulao entre as caractersticas prprias do espao e do tempo onde se daria a mediao da cmera,
e capacidade do documentarista em transferir para a imagem, pela intermediao da cmera, as
caractersticas desse espao onde se dar a capitao. Dessa forma, o documentrio, tem na tomada, na
forma que essa ocorre, uma caracterstica que a distingue substancialmente dos protocolos de registros
comuns ao gnero ficcional. RAMOS, F. P. O que documentrio?.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
44 A Lenda da Cobra Grande, surgiu com o trmino das Misses Jesuticas no Rio Grande do Sul.
Atravessou o tempo na boca do povo dizendo que na guerra contra os invasores, os ndios,
comandados pr um grande guerreiro Sep Tiaraju, lutaram bravamente mas acabaram sendo
vencidos. A maior parte deles foi dizimada ou feita prisioneira. Na Misso de So Miguel ficaram
apenas os velhos, mulheres e crianas, que to logo tivessem alguma serventia eram levados pr
estrangeiros como escravos. Pr consequncia, o mato foi crescendo e avanando, invadindo a Misso.
Com o mato veio a Cobra Grande, que subiu as escadas do templo e se alojou na torre da igreja.
Quando sentia fome, enroscada nas cordas que pendiam do alto, atirava-se a badalarbadalar
Carlos Carvalho ( in: http://cbtij.org.br/mboiguacu-lenda-da-cobra-grande/)
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
sua descendncia, ao mesmo tempo em que narra, revive sua memria, atualizando-a
quando diz: Eles nos levavam, quando no nos matavam faziam a gente trabalhar sem
comer. Se a gente adoecia, eles matavam, e nem enterravam. Ao mesmo tempo em que
conta ele invoca as vozes silenciadas e dizimadas de seu povo, os Mbya-Guaranis,
fazendo ressurgir, desta maneira, uma outra histria, que questiona um lugar de fala,
usurpado dentro da conjunta social dominante. Ou seja, por meio da lenda ele
desconstri discursos hegemnicos e assim, como pela seduo das palavras, faz fluir
os sons encantatrios carregados de potica e modos de vida que corroboram suas
tradies e as legitimam: Mas uma pessoa escapou, e eles no conseguiram pegar. Quando
no se ouvia mais nada por aqui, ele voltou pra c. E ficou sentado no ptio com algumas
crianas. Por esta perspectiva, se a histria oficial tenta apagar as vozes dos ndios,
deixando-as margem, por meio da lenda, pelo contar que o povo Guarani
reinventa seu papel no contemporneo, ao remontar a tradio, buscando trazer para
o centro os dilemas presentes em sua histria.
Pode-se dizer que o enfoque documental da lenda, carrega a vocalidade, como
afirma Zumthor (1993)45, porque em suas origens h uma criao coletiva e oral das 791
vozes do passado, vozes estas que so trazidas para a contemporaneidade. As
mediaes que circulam os dias atuais so carregadas de novos artifcios,
modernidades, adaptaes, contudo, a fora das histrias contadas se sustenta na
memria vocalizada, trao este que no se perde mesmo ao longo dos sculos. Tal
fato compe um processo germinal muito grande: esse movimento de transferncia e
complementao, oferecido ao pblico atual, atravs da captao audiovisual num
compasso entre oralidade viva para a oralidade mediatizada, e esse movimento que
d vida obra.
45 Zumthor (1993) descreve vocalidade como a historicidade de uma voz: seu uso. Uma longa tradio
de pensamento, verdade, considera e valoriza a voz como portadora da linguagem, j que na voz e
pela voz se articulam as sonoridades significantes. (p. 21).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
46 MOKOI TEKO PETEI JEGUAT. Documentrio, drama. Direo: Germano Beites, Ariel Duarte
Ortega, Jorge Ramos Morinico. Tecnologia digital. Colorido, estreo. 63 min. Brasil, 2008. (VDEOS
NAS ALDEIAS, 2007/2008, 2m 51s).
47 Idem.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
794 movimento de ir e vir que evidencia um repertrio composto por pontos de vista e
ideologias. Nesse sentido, o documentrio est a servio de comunicar e registrar as
realidades vividas pelos membros da comunidade, mas tambm por outras pessoas,
seja no presente ou de outrora. Assim, a lenda ganha notoriedade e se faz presente
no apenas em seu contexto de produo, mas de toda uma populao que possa ter
acesso ao vdeo, hoje disponvel em canais de youtube e/ou distribuda em DVDs.
A todo instante da narrativa, o realizador indgena est presente, mediando a
relao de sua cultura com o exterior. Como algum que constitui um elo entre dois
mundos, os Mbya-Guaranis trazem para o plano da representao documental,
aspectos de sua cultura, manipulando as ferramentas audiovisuais com o intuito de
inserir-se nos espaos da comunicao de massa. No gesto de reafirmao de sua
natureza, ao dialogar com o campo e antecampo, estaria subjacente um certo carter
afirmativo do poder dos ndios como porta-vozes de um processo de esquecimento
vivido na histria, reposicionando-os frente a cultura de massa. diante do processo
de constituir vozes esquecidas, que o filme desenvolve seu processo de filmagem.
Dessa forma, as lendas e o falares dos ndios esto completamente ligados ao
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
796
CIRANDEIROS DA PALAVRA E OS SEGREDOS DA ARTE DE CONTAR
HISTRIAS NA AMAZNIA DO SCULO XXI.
INTRODUO
Eu devo dizer que tomei emprestado de Cornelia Funke, em seu livro Corao
de Tinta (2006), o nome de Lngua Encantada, para assim chamar o grupo Cirandeiros
da Palavra, enquanto Contadores de Histrias e, nessas linhas, o nome escolhido ir
ganhar foras suficientes para lhes fazer entender, a razo da minha escolha.
Se me perguntassem, que sentido tem falar de uma causa perdida? Falar de
tradies que foram inundadas, devastadas pela ps-modernidade: que v nascer
imaginao nas crianas sem nunca, a bem dizer, examinar como ela morre na
generalidade dos homens? (BACHELARD, 2009, p,11.). Eu lhes responderia, que
trago o sentido de algum que ainda respira sem aparelhos, sem protetores nasais,
porque aprendeu a maravilhar-se pela imagem potica que a Arte de contar Histrias
planta em cada um dos seus ouvintes. E, de repente, o meu gosto pela literatura, se
tornou hbito. Foi assim, que eu cheguei s margens da Literatura Oral e da
Literatura Escrita e mergulho, vez por outra, nas profundezas desse mar.
E assim que vejo o Lngua Encantada, ele para mim um leitor em potencial,
um leitor que l com e para os ouvidos, um leitor que se lanou, ou vive a se lanar
no mar das histrias que ouviu, ou leu, e desde ento, viver para ele, representa estar
permanentemente inundado por essas guas. O grupo Cirandeiros da Palavra ou
Lngua Encantada tambm, sem qualquer hesitao, um leitor literrio, ou leitor-
lince, assim uma vez, em um outro texto, chamei o nosso bom leitor literrio, e ele foi
assim chamado porque ultrapassa o limite do que foi entendido at ento como
leitura, e parte para a grande aventura do corpo, voz e memria criando uma
linguagem forte e capaz de resistir tempo e tempos.
quem ele naquele momento. Para esse exerccio de troca de roupa a cada novo
encontro com os ouvintes, o Lngua Encantada precisar manter a memria em
constante exerccio.
Eu sei, e no segredo, que o fio da memria humana se rompe
gradativamente pelo tempo. Eu sei, tambm, que esse fio se rompe em tempo muito
mais veloz quando no exercitamos. E mais ainda, eu sei, no por acaso, que a
imagem simblica, ou imaginao criante, assim chamada por BACHELARD (2009),
age em nossa memria como um heri que se lana para vencer o tempo marcado
pelas leis da cincia e cabe a ele, o Lngua Encantada, nosso heri, avanar cada vez
que a memria nutrida por imagens criadas no momento de ouvir ou de contar
histrias, no momento preciso e precioso de chamarmos de volta a nossa imaginao
simblica. E esse momento acontece quando ouvimos os sons e vemos o corpo do
Lngua Encantada em movimento, sendo lanados para bem dentro de alguma
histria, e depois, talvez, para bem dentro de cada um ns.
quando somos pegos pela emboscada de certas palavras que dormem nos
798 livros. E, apesar de tantos esforos para tentar fugir, a literatura nos pega em uma
das esquinas desta vida e nos diz da cegueira branca da qual, em tempos de ps-
modernidade, somos prisioneiros por vontade e, estupidamente abatidos, nos
deixamos levar por ela, como nos prevenia no seu Ensaio sobre a cegueira (1995), o
mago Jos Saramago: No sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razo. Queres
que te diga o que penso, Diz, Penso que no cegamos, penso que estamos cegos,
Cegos que veem, Cegos que vendo, no veem. (1995, p. 310).
Mas se, por acaso, ou destino, fizermos da literatura nossa irm e com ela
permitimos uma boa convivncia, Clo Busatto anuncia o prximo ato, quando as
cortinas no mais se fecham e a cegueira se faz curada, a literatura Acaricia e acolhe.
Quando se leva a palavra para ouvintes disponveis a receb-la, ela se torna palavra-
fora. (BUSATTO, 2010, p.16)
Devo dizer que esse estado possvel, desde que o encontro seja marcado pela
identificao do ouvinte com a histria lida e contada para o ouvido, e quando o
ouvinte ou leitor da voz do contador se diz:
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Ah, quem dera essa imagem que acaba de me ser dada fosse minha, verdadeiramente
minha, que ela se tornasse apogeu de um orgulho de leitor obra minha! E que glria de
leitura se eu pudesse, ajudado pelo poeta, viver a intencionalidade potica. (BACHELARD,
2009, p. 4;5).
A chama viva das histrias serve para aquecer a alma de quem as ouve e o contador
de histrias, ao cont-las, ouve-as tambm, permitindo que sua alma se aquea, se
modifique, cresa. Tornando-se dono e coautor das vozes que legaram as histrias que
venceram o tempo, as areias do tempo, tornam-se eternas, perptuas, atravs do mundo, das
fronteiras, atingindo a todos por onde passam. A voz que l, em outro mundo, outro tempo,
emitiu pela primeira vez as palavras mgicas Era uma vez... - perdeu-se na evoluo do
mundo. Enganam-se os que pensam assim pois aquela voz que pela primeira vez engravidou
os ouvidos que a ouviram dizer, na lngua que fosse (o sotaque no importa): Era uma
vez... permanece soando, ecoando pelo mundo todas as vezes que um contador de histrias
as repete. (Giuliano TIERNO (org), 2011, p. 122).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Esse estado de esprito, o ouvir, que pede quietura interna, qualidade seminal para a
audio plena foi substitudo pela pressa e pelo agastamento tpico de quem j detm a
informao suficiente para viver. (2007, p.20).
802
A arte assume acessoriamente a tarefa de conservar o ser, at mesmo de dar um
pouco de cor a representaes extintas e empalidecidas, quando cumpre essa tarefa, tece um
lao em volta de diferentes sculos e faz reaparecer os espritos [...], mas pelo menos por
instantes desperta mais uma vez o velho sentimento e o corao bate a uma cadncia de
outro modo esquecida. (p.65)
porque est intimamente envolvido, preso, por vontade na trama ouvida, ou lida
pelo ouvido, e reconhece que ter que transferir a herana recebida.
sabido que a Literatura Oral me da Literatura Escrita e que delas nascem
alguns seguidores. Mas o cenrio atual parece querer apag-las e, assim, podemos
arriscar dizer que haver um embate entre nosso heri, o Lngua Encantada, e a tropa
armada da ps-modernidade que avana vorazmente.
Mas, haver um tempo em que me e filha tero que se encontrar e juntas com
o Lngua Encantada, no mesmo espao, uma contribuir para a existncia e
permanncia da outra. E esse tempo, parece ter chegado.
Por isso, seria de bom tom dizer que, essa histria que lhes conto baseada em
fatos reais. E, portanto, o heri aqui vivido por duas mulheres e um homem, e
juntos do vida ao grupo Cirandeiros da Palavra, composto por Antnio Juraci
Siqueira, Andra Cozzi e Snia Santos. importante ressaltar que alm de
contadores de histrias da regio Amaznica, eles atendem as ilhas nos arredores da
capital, as escolas, creches e praas pblicas sempre que solicitados. E para alm de
contadores de histrias, parte integrante e importante do corpo de Literatura Oral da 803
Amaznia, eles tambm tem livros publicados contando histrias. Os livros
Apanhadores de histrias: contadores de sonhos vol. I (2012) e vol. II (2012) so
livros sob a organizao de Andra Cozzi e Snia Santos e que trazem um apanhado
de contadores da regio para o registro escrito. Importante tambm dizer que esses
livros fazem parte das leituras obrigatrias da maioria das escolas da regio. Ressalto
ainda que os Cirandeiros da Palavra por amor s histrias ouvidas, entraram no
campo da guerra tecnolgica em defesa da nossa imaginao simblica e, fizeram a
regio Norte acordar do feitio lanado pela era tecnolgica, pela pressa, pela
suposta falta de tempo para silenciar e poder ouvir a voz do outro lhes falar de um
modo novo.
"Sejam bem-vindos entre ns, vocs que chegam enfim ao prazer da
literatura!" (2013, p.30). Assim Roland BARTHES convoca os verdadeiros leitores, no
seu "Prazer do texto", assim tambm, nosso heri o Lngua Encantada convoca os seus
ouvintes para acordar, e fazer acordar, as palavras que dormem nos livros. Para
tanto, nosso heri, ou Cirandeiros da Palavra, ou o Lngua Encantada prope uma
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
nova simetria entre a tradio da Arte de Contar Histrias e as novas propostas para
o que pensamos ser a nossa imaginao simblica. E contar de um modo novo em
pleno sculo XXI, o pretendido pelo grupo, que se mantm sabedores de que: Para
encontrar um significado mais profundo, devemos ser capazes de transcender os
limites estreitos de uma existncia autocentrada e acreditar que daremos uma
contribuio significativa para a vida (BETTELHEIM, 2007, p.10).
Atentos ao compromisso do prazer do texto e sabedores da luta contra o
avanado mundo tecnolgico, o grupo Cirandeiros da Palavra se dispe s inovaes
e, costura um novo jeito de contar e encantar. Desta vez, a tradio se renova e traz
uma nova forma de contar e para cada pblico a frmula se constri. Quando os
adultos so seus ouvintes, o espao preenchido por canes e poemas costurados
entre as linhas do enredo das histrias contadas. Quando as crianas so a pesca
desejada, as cantigas de roda e os poemas, ditos infantis, o grupo enche o espao de
graa e se entrecruza nas histrias e todos so presos por vontade no amor pela
palavra contada e ouvida.
Coza, coza, queime, queime! Afasta-te, mal, aqui no entre!... Eu o acorrento, amarro-
o, entrego-o ao Gila que chamusca, queima, agrilhoa, que elimina as feiticeiras... como esta
pele de cabra, seja consumida pela chama do fogo ardente... assim terminaro todas as
maldies, os encantamentos, os tormentos, todo tipo de doena, dores, pedados, delitos,
morte, e sofrimento do meu corpo, como esta pele de cabra, seja consumida! Que hoje a
chama flamejante o aniquile...(1993, p.102; 103).
CONSIDERAES FINAIS
E por tudo isso que reservo um tempo do meu pensamento para a antiga
Arte de Contar Histrias, numa aproximao com o que vem fazendo na Amaznia o
grupo Cirandeiros da Palavra que atravessa as guas das nossas ilhas para atender
ao chamado do povo de l e segue para banhar com a palavra literria os nativos das
ilhas. Ou escuta em outros pontos da regio o chamado para resistir com as histrias
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
na ponta da lngua e do corao. Esse foi, talvez, o maior segredo que me foi revelado
e que parece ser a chave de resistncia dos segredos da literatura oral.
E olhando para o tempo em que as crianas eram chamadas para ouvir
histrias e acreditando que no deveria ser s para acalmar os seus coraes e faz-
las dormir, mas para que nelas o fogo, a vida fosse acesa e a conscincia delas
despertasse num novo amanhecer, posso afirmar que a antiga tradio do Lngua
Encantada ou Contador de Histria, ainda respira, tem vida e graa, porque nem
mesmo a velocidade da ps-modernidade rompeu o elo que a mantinha na escuta
afetiva e efetiva, porque sempre favoreceu o bom desenvolvimento humano, e assim
sempre ser. Porque as histrias so Gaia, para o contador, a terra para onde ele quer
retornar. Gaia, o ventre onde a eternidade concebida. para l que o contador quer
ir, e dela que ele quer tambm sair sempre que for chamado.
Quanto a mim, no imagino a existncia de um tempo que a literatura no
possa estar. No imagino a existncia de uma mesa que no possa servir literatura
aos que dela tm fome. No imagino a existncia de um s jardim onde a literatura
REFERNCIA
BACHELARD, Gaston. A potica do devaneio. 3. ed. So Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2009.
BARTHES, Roland. O prazer do texto; [traduo J. Guinsgurg. So Paulo;
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BENJAMIN, Walter. O narrador: consideraes sobre a obra de Nikolai Leskov.
Magia e tcnica, arte e poltica: ensaio sobre literatura e histria da cultura. So
Paulo: Brasiliense, 1994.
BETTELHEIN, Bruno. A psicanlise dos contos de fadas. Traduo de Arlene
Caetano So Paulo: Paz e Terra, 2007, 21. Edio revista.
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BUSATTO, Clo. Prticas de oralidade na sala de aula. So Paulo: Cortez, 2010.
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2.ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2007.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
807
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
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DOM SEBASTIO, A CONSTRUO DE UM MITO LUSITANO: ALGUMAS
REFLEXES SOBRE O SEBASTIANISMO DOS PRIMEIROS RELATOS AO
CONQUISTADOR, DE ALMEIDA FARIA
Letcia Raiane dos Santos
(Mestranda em Teoria da Literatura UFPE)
(Fernando Pessoa)
1. Introduo
810 Sebastio (PIZZINGA, 2015). O destino final do jovem rei suscita dvidas e, at hoje,
sua existncia permeada de mistrios que ainda habitam fortemente o imaginrio
lusitano.
Em torno da dvida do real paradeiro de Dom Sebastio nasce, no final do
sculo XVI em Portugal, o Sebastianismo, crena ou movimento proftico milenarista
que anuncia o retorno do rei, visto como uma espcie de redentor, capaz de trazer
paz, justia, felicidade e estabilidade poltica aos portugueses. Do seu surgimento em
diante, o Sebastianismo esteve de tal modo arraigado imaginao do povo lusitano
que, at hoje, podemos observar que esse assunto ainda pauta de grandes debates
no s entre acadmicos, mas tambm em meio ao povo em geral. Em 2007, por
exemplo, foi divulgada uma notcia via internet que relatava o esforo de dois
historiadores Carlos dAbreu, de Portugal; e Emlio Rivas Calvo, da Espanha - que
defendiam a ideia da abertura do tmulo onde estariam ou no, segundo os ditos
populares as possveis ossadas do rei, com a finalidade de realizar uma anlise para
confirmar se ali realmente estava sepultado o monarca, no intuito de, como
afirmaram eles numa entrevista publicada no site portugus Pblico, acabar de vez
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
com o mito sebastinico 48. Como se pode observar, h ainda, em pleno sculo XXI,
um desejo de solucionar de uma vez por todas o mistrio que est em torno do
suposto rei desaparecido.
De uma existncia cercada dos desejos e expectativas alheias, Dom Sebastio
consagrou-se como uma espcie de mito que tomou conta do reino portugus desde
o seu surgimento e que foi transmitido de gerao em gerao at os dias de hoje. O
Sebastianismo , talvez, em Portugal um dos fortes expoentes do que podemos
chamar de uma memria coletiva lusa. Do rei esperado e destemido ao messias
redentor, El-Rei faz parte de um conjunto de experincias em parte vividas no que
se refere queles que foram espectadores oculares do que sucedeu ao monarca - e por
outra, mitificadas e transmitidas pelo povo ao longo de cinco sculos.
Recontado, recriado e, at em certo sentido, readaptado, o mito que cerca Dom
Sebastio ganha fora no decorrer dos anos, atravessa o dito Mar Portugus
pessoano, chega ao Brasil e dilui-se, em grande parte no Nordeste, por meio,
principalmente, de relatos orais e tambm da literatura. Em Portugal no diferente.
Circulando, a priori, pela oralidade, no demora muito para que surjam textos 811
historiogrficos e religiosos, a exemplo da Histria do Futuro e do Sermo de So
Sebastio, ambos de Padre Antnio Vieira, no somente relatando as crenas do
Sebastianismo, mas tambm lhes dando veracidade.
Na literatura portuguesa, no difcil encontrar obras que se relacionem direta
ou indiretamente com o Sebastianismo. Do Romantismo em diante, temos obras,
como o Frei Lus de Sousa, de Garrett e Mensagem, de Fernando Pessoa que tocam
nessa crena to cara a Portugal. Tendo em vista a fora do Sebastianismo enquanto
memria coletiva at os dias de hoje, pretendo discorrer um pouco aqui acerca da
presena desse relato mtico na literatura lusa, focando, principalmente, no romance
O Conquistador (1990), de Almeida Faria, que dialoga, do incio ao fim, com o mito do
rei perdido.
812 1572, quando o rei tinha dezoito anos, incita o regente, nos primeiros versos do
primeiro canto a lutar pelo bem do imprio, pela expanso da f crist e a combater
os mouros. Nota-se na pica camoniana a sobrevivncia do ideal da Cruzada que, de
certo modo, influencia o jovem monarca em sua empreitada em terras africanas:
E vs, bem nascida segurana
Da Lusitana antiga liberdade,
E no menos certssima esperana
De aumento da pequena Cristandade,
Vs, novo temor da Maura lana,
Maravilha fatal da nossa idade,
(Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
Pera do mundo a Deus dar parte grande); (CAMES, 2010, p. 12)
Evocando-o como um o novo temor da Maura lana (Canto 1:6), Cames
confere a Dom Sebastio a misso de tornar-se, de fato, um combatente da ameaa
territorial e religiosa dos povos rabes. Estaria o rei, assim, destinado a ser tambm
um guerreiro, defensor da f crist e dos interesses do seu reino, um verdadeiro
mata-mouros, tal como fora Don Jhernimo no Poema de Mio Cid.
Ao sair rumo frica em 1578 com seu exrcito, o monarca estaria envolto de
um ideal de cavalaria crist especfico, que se constri, como afirma Flori (2005),
particularmente na Pennsula Ibrica e que defende a luta contra os rabes,
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
cognominados os infiis e vistos como uma ameaa de carter quase diablico a ser
extirpada. Tomando para si essas noes e no intuito, da mesma forma, de conseguir
um maior apoio poltico e recursos para sua empreitada, o rei solicita ao Papa uma
bula de Cruzada, a qual no s legitima a misso do squito do rei, mas tambm
concede a Dom Sebastio benefcios como a quantidade de cento e oitenta mil
cruzados, partes das rendas eclesisticas, alm de outro valor parte dado, do
mesmo modo, pela Igreja (GODOY, 2009).
A fatdica batalha de Alccer Quibir se deu na manh de 4 de agosto 1578,
contudo, a notcia da derrota chegou em Portugal, conforme Marcio Honorio de
Godoy (2009), semanas depois e com relatos de vrias naturezas. Uns afirmavam que
o corpo do rei nunca havia sido computado entre os mortos e prisioneiros feitos na
batalha, outros diziam que ele teria conseguido fugir e que estava apenas esperando
o momento certo para retornar e livrar o trono portugus do domnio estrangeiro.
Enfim, a partir do momento do anncio de sua morte, diferentes verses do que
poderia ter acontecido a Dom Sebastio vm tona e so transmitidas pelo povo
oralmente. 813
Conforme Godoy (2009), a crena de que o rei continuava vivo ganhou
destaque entre o povo lusitano no apenas pelo fato dele ter sido um nobre herdeiro
da coroa, mas principalmente pelo que simbolizava para a histria do pas. O
domnio de Castela sobre Portugal aps a morte do Desejado alimentou ainda mais
entre os portugueses a esperana no retorno do monarca. Nesse nterim, inclusive, de
acordo com o autor, tem-se notcias at hoje de quatro figuras histricas que,
contando com o apoio de uma parcela da populao, tentaram se passar, sem muito
sucesso, pelo soberano desaparecido no perodo da ocupao espanhola 49.
49 Segundo Rodolfo Domenico Pizzinga (2015), o primeiro falso Desejado apareceu em Penamacor,
fronteira entre Portugal e Espanha em 1584, relatando diversas histrias sobre a batalha de Alccer
Quibir. Um ano depois, Mateus lvares, o falso rei da Ericeira natural da Ilha Terceira, tentou se
passar pelo rei, chegando at a coroar a filha de um lavrador, Ana Susana, com o diadema de uma
imagem de Nossa Senhora. O terceiro Encoberto, Gabriel de Espinosa, conhecido como o pasteleiro
do Madrigal, reclamou para si a identidade do rei em 1594 e contou com o apoio do Frei Miguel dos
Santos. Finalmente, o quarto pseudo-Sebastio foi Marco Tulio Castizone, em 1598. Calabrs por
nascimento, ele ignorava totalmente o idioma lusitano, mas, mesmo assim, espalhou em Veneza a
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
notcia de que era D. Sebastio. Ao ir a Portugal, o falso rei tentou convencer os portugueses de que
teria feito um voto de no falar portugus por um tempo.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
escreve sua obra, inserindo-a na categoria de uma construo literria imersa num
psiquismo individual e coletivo.
O eterno retorno de Dom Sebastio, enquanto rei messinico e encantado,
configura-se e afirma-se, ao longo do tempo, como um elemento da memria coletiva
portuguesa em constante circulao e perpetuao. O Sebastianismo surgiu,
sobreviveu e foi conservado at hoje na memria popular portuguesa, sendo
transmitido de gerao em gerao. Por mais que muitos no deem tanta
credibilidade a essa crena tal como os portugueses de sculos atrs, esse
conhecimento e as narrativas que envolvem a vida e a volta do Encoberto continuam
se perpetuando. De acordo com Schmidt e Mahfoud (1993):
Na memria coletiva o passado permanentemente construdo e
vivificado. Neste sentido, a memria coletiva pode ser entendida como uma
forma de histria vivente. A memria coletiva vive, sobretudo, na tradio,
que o quadro mais amplo onde seus contedos se atualizam e circulam entre
si. (pp. 292-293)
Coutinho e sua esposa Dona Madalena de Vilhena, mulher muito supersticiosa e que
perdera supostamente seu primeiro marido, Dom Joo de Portugal na peleja no
combate liderado pelo rei Dom Sebastio. Durante toda a trama, Madalena recusa-se
a aceitar qualquer relato messinico da volta do monarca desaparecido, temendo
que, assim como o Encoberto, seu marido tambm pudesse voltar e acus-la de
deslealdade. Tudo isso porque, se o que o povo dizia fosse verdadeiro, seu
casamento e, principalmente, o fruto gerado por ele seriam considerados ilegtimos.
Ao contrrio dela, Maria e Telmo, o qual havia sido fiel servidor de Dom Joo de
Portugal, afirmam veementemente a validade do mito sebastianista. Entretanto,
mesmo na negao de Madalena em aceitar qualquer coisa que estivesse relacionado
ao Sebastianismo como verdade h uma aceitao, pois ela teme e sente-se ameaada
o tempo todo pelo possvel retorno seu antigo marido.
No segundo ato, chega cidade um Romeiro, a priori, desconhecido por
todos, pedindo hospedagem a Madalena e desejando contar-lhe algo. No decorrer da
pea, descobre-se que esse estranho homem , na verdade, Dom Joo de Portugal,
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
que havia retornado. Esse fato desestabiliza toda a famlia, principalmente Maria
que, ao descobrir a verdade, morre envergonhada e tambm afeta o prprio Joo que,
aps vinte e um anos, j no pode mais retomar sua vida tal qual era antes.
Dom Joo de Portugal como um personagem que, alm do prprio Sebastio
tantas vezes evocado durante o drama, simboliza igualmente a figura de um heri
messinico que regressa ptria, tal qual nos prega o Sebastianismo. No obstante o
retorno do marido de Madalena fosse desejado por muitos, a exemplo de Telmo, sua
volta no traz alegria para ningum, muito pelo contrrio. Todos tm as suas vidas
afetadas negativamente, at mesmo o fiel servidor de Joo, pois, j no pode ter o
amo, que resolve partir, ao seu lado como h anos atrs. Em Frei Lus de Sousa v-se
que o regresso do heri messinico esperado por alguns e temido por outros, ao
invs de sanar todos os males, cria outros, uma vez que, ao tentar encaixar-se numa
sociedade que j se conformou com sua ausncia, ele j no encontra o mesmo espao
de antes.
Outra obra literria que traz em si as marcas do Sebastianismo e que tratarei
818 aqui Mensagem, de Fernando Pessoa. Publicado em 1934, o livro est dividido em
trs grandes partes: Braso, Mar Portugus e O Encoberto. Na primeira parte
do livro, temos poemas dedicados s principais figuras, que estiveram presentes,
mitolgica ou historicamente, na histria da formao do pas. Nela h, inclusive, um
poema intitulado D. Sebastio rei de Portugal, o qual reproduzo aqui:
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a no d.
No coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal est
Ficou meu ser que houve, no o que h.
partir, sua imagem distante e incerta. Ao chegar, o mistrio e uma atmosfera pouco
ntida ecoa.
A terceira parte do livro O Encoberto a parte de tom mais sebastianista
dentre todas as outras, como o prprio ttulo, que faz uso de um dos eptetos
destinados ao rei, j anuncia. Nela h avisos, profecias para o futuro e a constatao
da melancolia presente. Dado o estado em que Portugal se encontra na modernidade,
d-se a ideia de que somente um milagre, como a volta do rei poderia salvar a nao
do declnio. Dos treze poemas que compe esse terceiro momento da obra, dez
relacionam-se direta ou indiretamente com o mito do Desejado. So eles: D. Sebastio,
Antnio Vieira, O Quinto Imprio, O Desejado, As Ilhas Afortunadas, O Encoberto, Escrevo
meu livro beira-mgoa, Noite, Calma e Antemanh.
No raramente a imagem de Dom Sebastio evocada em Mensagem como a
de um rei escondido em algum lugar misterioso, dormindo espera de ser
despertado e que se encontra encoberto e pronto para ser um dia descoberto e, a
partir da, salvar Portugal de toda a crise existencial, poltica e econmica . Em
outros momentos, ecoam questionamentos como: voltaria de fato o rei? E esse 819
retorno seria mesmo suficiente para salvar o pas? Em relao a isso, vejamos um
trecho do poema Escrevo meu livro beira-mgoa:
Quando virs a ser o Christo
De a quem morreu o falso Deus,
E a dispertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Cus?
[...]
Jos Benigno Mira de Almeida Faria, conhecido na literatura apenas pelos seus
ltimos dois sobrenomes, nasceu em Montemor-o-Novo, no ano de 1943. Sua obra
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Sebastio relata que as semelhanas com o Desejado vo alm do nome, pois sua
aparncia fsica, como fisionomia, cor de olhos e de cabelo era idntica do rei
perdido. Alm de tudo, o rapaz tambm possua seis dedos em um dos ps, tal como
o monarca. H vrios momentos no texto em que o narrador refora para o leitor as
estranhas semelhanas entre ele e o heri mtico do Sebastianismo. Como se a
aparncia no bastasse, Sebastio tambm afirma ter, com frequncia, sonhos que lhe
trazem imagens de catstrofes e de batalhas, nas quais ele luta com figuras esquisitas
que, inexplicavelmente, parecem-lhe muito familiares:
Durante noites e noites seguidas, como num livro de muitos captulos,
vinham at mim amostras do que ser o inferno, se existir. Mesmo que no
exista, haver um qualquer limbo, zona turva de onde saem estes terrores no
vividos, ou esquecidos. Convencido de que uma ordem obscura se oculta sob
o caos noturno, escapam-me as razes destes pavores: a carne queimada, o
cheiro a p e a plvora, fumo escuro ardendo nos meus olhos, o pnico da
dor, um tipo de cara repugnante, coberta por pstulas e lceras que lhe do o
aspecto de um lobo com febre. A recorrncia deste sonho tornou-se para mim
mais inquietante ao encontrar, anos mais tarde, um marroquino que eu juraria
ter conhecido e que sofria de lpus eritematosus, molstia que tanto aparece na
pele como pode concentrar-se num rgo, e este, como uma bomba, explode.
(FARIA, 1993, pp. 31-32)
Somando-se a esses fatores vistos at aqui, desde criana, o personagem
822
demonstrou a habilidade de falar coisas em uma lngua estranha que ningum, nem
mesmo ele, sabia, ao certo, se era real ou inventada, mas que, mesmo assim, causava
estranhamento em seus familiares. Sugere-se no texto que aquele fenmeno, talvez,
pudesse ser alguma memria do rei perdido que fora reativada, por algum motivo,
no rapaz. No entanto, as semelhanas param por a, porque a personalidade de
Sebastio era totalmente adversa do seu homnimo. Possivelmente morto aos vinte
e quatro anos, El-Rei Dom Sebastio era virgem e casto, nunca mostrou interesse em
se casar e parecia ser obstinado por realizar, como seus sditos esperavam, grandes
feitos em vida. Diferentemente do monarca, o rapaz caracterizou-se por ser, desde
muito cedo, um conquistador, mas de mulheres. Envolvendo-se em muitos casos
amorosos desde a infncia, ele deixa de ser virgem cedo e empenha-se sempre em
realizar novas conquistas amorosas.
Longe de ser tmido e recatado, como muitos acreditavam ter sido o rei
desaparecido, Sebastio no tinha dificuldades em conseguir a mulher que desejava,
pois mesmo que esta no se mostrasse to interessada a princpio, como foi o caso de
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Clara, acabava cedendo ao fim. Essa facilidade , inclusive, reconhecida por ele num
dos trechos finais da obra.
Supersticioso, ao completar vinte e quatro anos, o jovem teme ter o mesmo
destino do seu homnimo e recolhe-se por um tempo para refletir sobre todas as
facetas de sua vida. A data da morte de Dom Sebastio algo que, desde que ele
tomou conscincia, por meio de sua av, de que ele poderia ser uma reencarnao
do Desejado atormenta-o a todo tempo:
Desde a gosto de acordar em manhs de nevoeiro. Sinto-me protegido da
nitidez excessiva das formas e dos rudos, que me chegam abafados como
debaixo de um lenol. Assaltado pelo supersticioso receio de no viver mais
que D. Sebastio, e mergulhado na melancolia pela precariedade da vida,
refugiei-me h um ms, durante o Natal do ano passado, na ermida da
Peninha. Os primeiros solitrios escolheram este stio oito sculos atrs.
Percebo que o fizessem. Diz-se que o fundador do eremitrio aguentou,
metido numa gruta, isolado no alto da Serra, entre a aspereza dos penedos,
trinta e cinco anos seguidos. No pretendo atingir tal meta. S quero repensar,
at ao ameaador ms de agosto, o que fiz e no fiz de mim. (FARIA, 1993, p.
19)
Em um dos seus encontros amorosos com Helena, que era uma mulher casada,
ela notou, ao ver seu amante ao lado do retrato de Dom Sebastio, a grande
823
semelhana que havia entre eles, provando que a dita similitude entre os dois no era
algo que estava apenas na sua cabea e na de sua av:
No museu encaminhmo-nos sem desvios para o dito retrato. Deliciado,
obervei como Helena notou incrdula a semelhana entre mim e o Rei, fitando
alternadamente o quadro e a minha cara, a ponto de me deixar embaraado.
As alegadas afinidades fsicas at me pareceram dessa vez menos patentes. E
quase me era antiptica a pose majesttica, o frio olhar arrogante e crispado de
quem sempre representando se apresenta. (FARIA, 1993, p. 103)
Nota-se, ao longo da obra, que Sebastio tem srias dvidas acerca de sua
procedncia que no so sanadas com o tempo, pelo contrrio, permanecem e
ampliam-se. Ao mesmo tempo em que ele no se reconhece, apesar da aparncia,
como o Encoberto que teria retornado, pois as pretenses patriticas de salvar seu
pas das crises esto longe de passar por sua cabea e sua personalidade muito
distinta da do seu homnimo, o rapaz no consegue desvencilhar-se da sombra desse
Outro.
A imagem de Dom Sebastio enquanto memria coletiva e presena latente
atormentam-no e envolvem-no. De modo que se sente incapaz de afirmar ou negar
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
veementemente, por mais que deseje algumas vezes, sua ligao com esse ser to
estranho e, ao mesmo tempo, to prximo a ele:
[...] Continuo ignorando quem sou eu. Se fui quem hoje julgo ser, se sou quem
dizem que fui, se nunca serei mais que no saber quem sou ou quem serei,
mesmo assim valeu a pena. E alguma coisa aprendi: quem no quero ser. No
quero ser, por exemplo, o simples gozador, o engatato preocupado com a
satisfao da sua vaidade, o sedutor de lbia falsa, disposto em qualquer
momento a entoar a <<cano do bandido>>. (FARIA, 1993, p. 126)
O Sebastianismo surge em O Conquistador como um elemento crucial para a
construo da obra e que guia, de certo modo, e interfere na vida de Sebastio. O
mito est ao redor do protagonista por onde quer que ele ande, mas, da mesma
forma, vive dentro dele. Por isso, no importa para onde o personagem v ou o que
faa, isso sempre o acompanha, pois livrar-se totalmente do Sebastianismo seria,
tambm, abrir mo de uma parte formadora dele prprio.
5. Consideraes finais
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
PATO, Bulho. Histria de Portugal pelo Sr. J. P. Oliveira Martins. In: MARTINS,
Oliveira et al. Oliveira Martins e os crticos da Histria de Portugal. Lisboa: Instituto
Nacional e do Livro, 1995.
826
VAMOS CANT RODA QUE PRA NOSSO BEM
Questes de identidade nos cantos de roda do grupo Balano da roseira
RESUMO
50 O que o grupo Balano da roseira chama de rodas so as cantigas que fazem parte do repertrio
do grupo.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
muitos so os tericos a quem recorremos para nos dar o aporte necessrio nestas
discusses. A parte destes, Eduardo Galeano, em O livro dos abraos diz que A
identidade no uma pea de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa
sntese das contradies nossas de cada dia (GALEANO, 2014. p.123). De forma
potica, em um texto denominado Celebrao das contradies/2, o escritor aborda
a complexidade das questes da identidade por sua multiplicidade, entendendo que
no h detentores de uma nica identidade: sou mulher, professora, estudante, filha,
nordestina e a lista pode sempre se ampliar. Assim so as mulheres que fazem parte
do grupo Balano da roseira: mulheres, esposas, donas de casa, avs, professoras,
quixabeirense e cantam.
Contudo esse cantar no unssono. Com vozes distintas essas mulheres
complementam o cantar uma das outras; trazem na unio das vozes um discurso de
construo de identidade referendada pelo sentimento de pertena a um grupo
distinto. No anseio de consolidar uma marca de identidade, desejam algo inatingvel,
posto que construdas e modificadas a partir das contradies humanas, a identidade
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
destinada a um objetivo especfico a coisa til que no admiramos mas sem a qual
no podemos viver, embora seja essa a linguagem ps-queda, corrompida,
desprovida da essncia divina.
Dito isto, perceberia ento no canto do Balano da roseira a transcendncia da
linguagem mittel para medium, o canto como instrumento para elevao da
linguagem, dando a esta o carter mgico existente na essncia da linguagem
humana. Benjamim afirma:
A linguagem mesma no se encontra expressa de modo perfeito nas
coisas enquanto tais. Essa proposio possui um sentimento duplo,
caso seja entendida de modo figurado ou concreto: as lnguas dos
objetos so imperfeitas, e eles so mudos. s coisas negado o puro
princpio formal da linguagem que o som. Elas s podem se
comunicar umas com as outras por uma comunidade mais ou menos
material. Essa comunidade imediata e infinita como a de toda
comunicao lingustica; ela mgica (pois tambm h uma magia da
matria). O que incomparvel na linguagem humana que sua
comunidade mgica com as coisas imaterial e puramente espiritual,
e disso o smbolo o som. (BENJAMIN, 2013, p.59-60)
Mas, para essas mulheres, cantar rodas no apenas uma forma nostlgica
de relembrar um passado idlico. Seu canto no feito apenas de recordaes de uma
cultura no mais existente, embora o bater das pedras na quebra de licuri esteja
presente no ritmo que suas canes impem. Haveria nesse canto a construo de um
discurso cultural de identidade local posto que para Stuart Hall nossas identidades
so, em resumo, formadas culturalmente. (HALL, 1997. p. 8). A elaborao dessa
identidade cultural da qual as rodas participam so cantadas como parte de um
passado. Contudo esse passado no se colocaria como continuao no presente.
Reapropriado como elemento cultural pela necessidade dessa conveno social que
832
a criao de uma identidade, a inveno de tradies. Sobre a relao passado-
presente afirma Homi K. Bhabha:
O trabalho fronteirio da cultura exige um encontro com o novo
que no seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma
ideia do novo como ato insurgente de traduo cultural. Essa arte no
apenas retoma o passado como causa social ou precedente esttico;
ela renova o passado, refigurando-o como um entre lugar
contingente, que inova e interrompe a atuao do presente. O
passado-presente torna-se parte da necessidade, e no da nostalgia
de viver. (BHABHA, 2010. p.27).
e o que dizvel nos coloca ou exclui em relaes de poder. Tal qual Guacira
afirma com base nas leituras de Michel Foucalt, os gneros se produzem, portanto,
nas e pelas relaes de poder (GUACIRA, 1997.p.41)
O empoderamento do discurso destas mulheres se percebe na construo das
suas verdades, qual recorrem na busca de uma vida equilibrada. Esse poder
exercitado no canto e em variadas direes: somos mulh... vamos cant... mulh de
Quixabeira. Dessa forma o gnero parte dessa identidade que se forja a cada novo
discurso. Empoderadas do canto, do gnero, agregam ainda outra identidade: a local.
Boaventura Santos ao falar das riquezas sociais desperdiadas pela tradio ocidental
hegemnica, oferece uma sociologia das ausncias para tornar visto o que foi
considerado como no existente neste local e transformar as ausncias em presenas.
Sob este prisma, podemos observar toda a produo de no existncia atravs das
monoculturas que afetaram o grupo Balano da roseira: a do saber, que considerou a
produo potica dessas mulheres fora do cnone literrio; a do tempo, que coloca
suas canes em um determinado perodo histrico ultrapassado pelo progresso e
crdito de manter o que acreditam ser sua essncia. Para ento lhes dar esse crdito, a
sociologia das emergncias proposta por Santos uma possibilidade futura ainda
por identificar o que elas podem trazer comunidade e uma capacidade ainda
no plenamente formada para levar a cabo como elas podem contribuir para a
criao de uma identidade cultural local. E este um anseio das Mulheres da Roda
que cantam: Somos mulher forte, somos guerreira / Vamos cantar juntas/mulher de
Quixabeira.
Tendo de si um constante cuidado, e internalizados os discursos que
reconhecem e recebem como verdadeiros, j que somos constitudos de linguagem e
no h nada para alm desta, seria nos discursos produzidos que essas mulheres
buscam se inscrever na sociedade contempornea, no apenas como indivduos que,
em uma atitude nostlgica, relembram o passado com seu canto, mas tambm como
sujeitos que se constroem na formao de uma identidade particular cujo discurso se
expande para uma identidade coletiva.
REFERNCIAS
CALVINO, talo. Seis propostas para o prximo milnio. Trad. Ivo Barroso. So
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
HOBSBAWM, Eric (org). A inveno das tradies. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
ZUMTHOR, Paul. Introduo poesia oral. Traduo Jerusa Pires Ferreira, Maria
Lcia Diniz Pochat e Maria Ins de Almeida. So Paulo: Hucitec/Educ, 1997.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
RESUMO
quando o candombeiro venera e toca nos tambores com atos que simbolizam respeito
e permisso para cantar. Em volta desse procedimento, a aura mstica que circunda
os tambores sagrados do Candombe e a performance potico-musical coreografada
pelos candombeiros configura a forte espiritualidade dos danarinos, preparando o
terreiro para que as entidades e ancestrais sejam evocados e reverenciados.
Na composio do conjunto instrumental do ritual do Candombe mineiro,
existe uma grande variedade de forma e tamanho dos tambores entre as
comunidades visitadas. Contudo, apesar da diversidade de instrumentos e
rarssimos casos de diferenas na identificao dos tambores, as tcnicas e estticas
adotadas na fabricao so as mesmas. Como exemplo da diversidade que envolve
essas tradies, podemos lembrar o caso especfico dos chocalhos utilizados pelos
capites e mestres, smbolos dos condutores da poesia cantada, que acabam tendo
uma funo comum.
No Candombe da comunidade da Lapinha, h quatro tambores, dois guais e
uma puta (cf. Figura 1).
839
FIGURA 1: Corpo instrumental do
Candombe da Lapinha. Comeando
da esquerda para a direita: crivo,
chama, santa maria, santana,
puta/cuca e guais sobre o chama e o
santana.
FOTO: Claudia Marques.
No corpo dos tambores existem dois longos com formato cilndrico (santa
maria e santana) e dois esculpidos como uma taa (crivo e chama). Em seu histrico
do surgimento dessa tradio, o capito David Alves, responsvel pelo Candombe da
Lapinha, afirma o seguinte:
o nome candombe originrio da frica. Existia nas tendas das tribos
africanas um instrumento de nome candombe. Isso foi criado dentro das
tribos. O primeiro instrumento de nome candombe, que era usado nos
momentos em que os negros, eles evocava seus ancestrais, a divindade sua
[...] e seus deuses chamados orixs. Ento nos momentos que fazia essas
louvao, que essa tenda, ela tinha o curandeiro onde fazia essas evocaes
para os trabalhos espirituais de cura, de coisa desse tipo de louvao. Ento,
existia esse instrumento que o nome era candombe. Quando os negros foram
tirados da frica, levados para pases que estavam sendo colonizados por
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
catlicos, ento eles tinham os seus candombe que nas senzalas eles fizeram
esse instrumento, que nas tribos de nome candombe. Ento nas senzalas
primeiro, primeira coisa que eles fizeram foi esse instrumento que tinha nas
suas tribos. ... ento, esse candombe fazia com a mesma finalidade nas
tribos, era nas senzalas, eles continuavam cultuando seus ancestrais, seus
deuses, suas divindades, mas eles eram proibidos de entrar na igreja.
842
Na emisso dos dois primeiros versos, e depois do segundo, o coro entoou sua
resposta proferindo os quatro versos sem repeties, num dilogo que aconteceu trs
vezes. O reencontro fora duplamente emocionante para mim. Primeiro, porque havia
regressado do Crato/CE em fevereiro, e desde ento no tinha encontrado com o
capito David, com a primeira porta bandeira, Dona Ione (Figura 3), esposa do capito,
bem como com os outros componentes do Candombe. Segundo, pela significativa
oportunidade de vivenciar esse ritual.
FIGURA 3: Dona Ione,
primeira porta bandeira,
durante ritual de abertura do
Candombe.
FOTO: Claudia Marques
, terrro grande
, terrro de alegria
Ns todos viemo rez
Com rosro de Maria
Esse canto seguiu a mesma forma potica do canto anterior, ou seja, os dois
primeiros versos e os dois ltimos foram proferidos e repetidos pelo solista antes de
ser entoado pelo coro. Como uma grande colcha de retalhos a homenagem tecida
teve, em cada canto, o recorte potico dos candombeiros. Por volta de uma hora e
meia da tarde o capito David emitiu um canto em que chamava a todos
candombeiros, parentes e vizinhos da comunidade para o almoo. Como tudo na
tradio do Rosrio se configura por rituais, o chamado para essa refeio tambm se
constituiu em um rito em que os candombeiros deram trs voltas ao redor da mesa
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
846 anteriormente, tambm regido por cantos que ritualizam e, em algumas situaes,
registram nos versos cada ato performado. Um dos cantos versou o agradecimento
da seguinte forma:
1. J comeu, j bebeu
2. Oi, vamo agradecer, meu senhor
3. O po que Deus deu
4. J comeu, j bebeu
5. Diga adeus e vamo embora
6. So Benedito pe na mesa
7. Quem paga Nossa Senhora
O canto acima, foi proferido sob ritmo repicado. O dilogo do solo, versado
pelo capito, com o coro ocorreu de acordo com seguinte arcabouo potico: o
primeiro verso foi proferido e repetido pelo capito; depois ele cantou o verso dois e
trs, repetindo-os; o coro entrou, puxando os trs versos apresentados pelo solista
repetindo a mesma forma cantada por ele; depois de repetido o dilogo entre o
solista e o coro, pela estrutura potica j descrita, o capito emitiu e repetiu os versos
quatro e cinco, e, por fim, o seis e o sete; a resposta do coro foi a mesma em relao
aos trs primeiros versos.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
viva, oi, viva, cantado pelo coro, e Senhora do Rosrio, pelo solista. O iniciante
deu vez atuao de outros candombeiros. Passado um tempo Eric entrou, mais uma
vez, na gira que faz a roda seguir em sentido anti-horrio, e tomou o mote do canto
proferido, h pouco tempo, pelo candombeiro Penacho (cf. imagem 7):
Ai, eu sou carrro novo
Aprendendo a carre
, me ajuda meus amigos,
No deixa meu carro
tomb
Os dois primeiros versos da estrofe foram proferidos duas vezes pelo solista,
demarcando a importncia dos instrumentos chama e crivo, que chamam a todos a
repicar na batida uma saudao ao Rei e Rainha de Ano. Essa repetio resulta na
diviso da estrofe em duas partes, fazendo com que esta ltima s seja entendida por
conta da resposta do coro. Em seguida, o solista cantou o restante dos versos, porm
substituindo o verbo foi pela conjuno opositiva mas. Essa permuta deixa
subentendida a importncia que Nossa Senhora tem consagrada no imaginrio dos
adeptos da tradio. O instrumento denominado santa maria , de acordo com o
capito David, uma homenagem atribuda Nossa Senhora, revelando as mltiplas
850
faces femininas que a imagem da santa tem. O coro formado por cinco vozes cantou
os dois primeiros versos mais os dois primeiros da segunda estrofe considerando a
nova estruturao. Assim tem-se na resposta do coro:
Oi, chama cham
E o crivo repic
O santana respondeu
Mas o santa maria que mand
Adeus, adeus,
Candombro, hora de ir simbora
Voc fica a com Deus
Eu v com Nossa Senhora
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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Site visitado
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Lagoa Santa. Disponvel em: <http://goo.gl/YJ1xzG>. Acesso em: 25 set. 2013.
852
CULTURA, TRADIES ORAIS E IDENTIDADE TNICA QUILOMBOLA
RESUMO
856 cultura popular est condicionada s manifestaes que integram o seu cotidiano.
Com o decorrer dos tempos, portanto, fez-se preciso conceber as culturas das
naes de forma no unificada. Ainda que seja um consenso a ideia de que a
globalizao no se constitua um fenmeno recente, sabe-se que, com a dinamizao
desse processo por intermdio do aperfeioamento dos recursos tecnolgicos
empregados nos meios de comunicao de massa e de transporte, intensificaram-se
as relaes culturais e mercantis entre as naes. Nesse cenrio, tornou-se constante o
debate acerca da repercusso das relaes globais sobre a cultura e a identidade
nacionais.
Hall (2006, p.8), que compreende a influncia da globalizao como crise de
identidade, defende que esta resulta do pertencimento a culturas raciais, tnicas,
lingusticas, religiosas e nacionais. No entanto, o homem ps-moderno se distingue
pela inexistncia de uma estabilidade, de uma permanncia na identidade.
pela literatura, pela cultura popular, pela mdia. ela que se impregna na identidade
nacional e que satisfaz a exaltao do ego coletivo. H, ainda, a narrativa que enfatiza
a origem, as tradies, que assegura a continuidade e em que se arraiga a identidade
nacional. Acrescentem-se a inveno da tradio, por meio da qual se buscam
internalizar valores e normas de comportamento com a repetio; e a narrativa do
mito fundacional, que consiste em localizar a origem da nao num passado muito
distante com construes mitolgicas. Uma ltima estratgia discursiva a que se
funda na ideia de um povo original que, geralmente, no vem a exercitar o poder.
3 TRADIO ORAL
862
O que as pessoas dizem est intimamente ligado ao como dizem.
Quando se vasculham as narrativas de outras pessoas em busca de
fatos, corre-se o srio risco de no entender seus significados. As
tradies orais no podem ser guardadas com a idia de determinar
seus significados retrospectivamente; seus significados emergem do
modo pelo qual so usados na prtica. (CRIKSHANK, 1994, p. 157)
Geertz (1999, p.10) destacou, nessa perspectiva, que a cultura um contexto,
algo dentro do qual eles (os smbolos) podem ser descritos de forma inteligvel isto ,
descritos com densidade. A prtica da etnografia ou da descrio densa, por sua vez,
consiste na seleo de informantes, no levantamento de genealogias, no mapeamento
de campos, na produo de um dirio e no estabelecimento de relaes. Entretanto,
tal mtodo de pesquisa no se restringe aos procedimentos; antes, prioritariamente
orientada pela descrio densa, porque norteada pela interpretao, segundo Geertz:
CONSIDERAES FINAIS
Referncias
CALVET, Louis-Jean. Tradio oral & tradio escrita. So Paulo: Parbola Editorial,
864 2011.
CRUIKSHANK, Julie. Tradio oral e Histria oral: revendo algumas questes. In:
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(organizadoras). Rio de Janeiro: Editora da Fundao Getlio Vargas, 1998.
GEERTZ, Clifford. A Interpretao das Culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1999.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: Teoria social crtica na era dos
meios de comunicao de massa. Petrpolis, RJ: Vozes, 2007.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
865
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
866
Eixo V
Literatura, alteridade e
polticas afirmativas
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
868
LITERATURA EM EDUCAO ESCOLAR QUILOMBOLA:
Arquivo de Leituras em Santiago do Iguape
RESUMO
1 INTRODUO
872 no pas, assim como o uso coletivo da propriedade pelos moradores e no mais pelos
fazendeiros e arrendatrios. Nesse mesmo ano, lanado a obra O quilombismo de
Abdias do Nascimento. O livro faz parte de estudos do autor sobre a histria dos
quilombos no Brasil e as estratgias utilizadas pelos quilombolas para a manuteno
da cultura e referncias negras nesses espaos.
Na obra Liberdade por um fio (GOMES, REIS, 1996), ilustra-se a luta dos
negros e demais habitantes dos quilombos brasileiros desde Palmares, na Serra da
Barriga (Alagoas). Assim como as formas de gerir sua prpria economia e aliar-se s
conjunturas polticas nacionais para elaborarem um projeto de liberdade e
territorialidade.
O quilombo - tanto em frica quanto no Brasil pde ser visto enquanto um
dos smbolos de organizao negra de cunho coletivo (NASCIMENTO, 1980, p.43).
Na contemporaneidade, percebemos um aquilombamento (A. NASCIMENTO, 1980,
p.46), uma organizao particular de sociedade e compartilhamento dos
ensinamentos de gerao para gerao cuja referncia tnico-racial negra. A
educao quilombola vem a ser um desses canais de aprendizagem secular com
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
876 institudos nas DCNs da EEQ (2012) apresentando figuras estereotipadas dos negros
africanos nas terras brasileiras. Ou tambm, apontam as comunidades quilombolas
ricas de festividades, desprezando as atividades econmicas, polticas e sociais do
cotidiano.
Sob o foco dessa pesquisa, trata-se, portanto, da anlise de materiais
recomendados pelas Secretarias de Educao (Municipal de Cachoeira e Estadual da
Bahia) enquanto recursos para a o ensino-aprendizagem nas salas de aulas
quilombolas da comunidade de Santiago do Iguape. So eles: duas revistas de
histrias em quadrinhos; e uma coletnea de estrias quilombolas.
Todos os trs exemplares foram publicados no Brasil, propostos para o pblico
infanto-juvenil enquanto material de leitura, compondo uma diversidade do gnero
textual (ou gnero discursivo) - quadrinhos e lendas. Ambos esto na categoria
literria de narrativa infanto-juvenil. Os gneros discursivos na lngua portuguesa
possuem uma heterogeneidade que sugerem multiplicidade da linguagem veiculada
e seus diferentes usos, pois, so formas estabilizadas numa dada cultura, para
organizar a interao verbal. (SOUZA, et al, 2011, p.22).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
878 Segundo Bernd (1988, p.11), dentre as diversas formas para se formar um
esteretipo, o mesmo pode se dar por ignorncia ou quando h um objetivo de dar
como verdadeiro algo que falso, com a finalidade de tirar proveito da situao.. Os
esteretipos relacionados s pessoas negras esto relacionados, geralmente, a seu
fentipo realando o tamanho do nariz, a espessura dos lbios, os cabelos
desordenados ou atravs de vestimentas sujas e/ou em estado de miserabilidade.
H uma diversidade de penteados com os cabelos crespos dos estudantes e
das professoras. No se apresentam estigmas, mas sim, uma diversidade de
possibilidades quanto representao do negro que
[...] no processo de reconstituio e modelagem da sua percepo
externa esto contidos os esteretipos, os preconceitos, os
julgamentos, os juzos, que so elementos ou objetos internalizados
na conscincia dos indivduos[...] (SILVA, 2011, p.29).
seu Francisco que tinham os filhos, porm estes no vingavam aps crescidos. Eis
que a me de Dona Maria, Ana, sonhou que os filhos homens teriam que ser
prometidos a danar maambique na festa de Nossa Senhora do Rosrio. A partir do
primeiro filho homem aps a promessa feita o casal tiveram todos os seus filhos
crescidos e vivos dando continuidade cultura do maambique.
O maambique uma manifestao artstica tipicamente festejada nas
comunidades negras no estado do Rio Grande do Sul. Pesquisas apontam a
comunidade de Morro Alto como aquela que mantm a cultura com todos os
componentes: toques em tambores, danas afro, cortejo, vestimentas e cantos. Tais
elementos rememoram a vivncia dos negros escravizados durante o Brasil Colnia-
Imprio e dentro das comunidades quilombolas com o nome de Congada ou Festa do
Rei Congo (FERNANDES, 2004, p. 47).
Comemorado pelos moradores de Morro Alto desde o sculo XIX, o
maambique possui dois personagens principais: o rei Congo e a rainha Jinga. Essas
figuras histricas que, no sculo XVII, lideraram a resistncia de Congo e de Angola,
racista, imprimindo na crena do outro (a catlica) a tica negra com traos de uma
identidade africana.
Logo, as histrias mticas podem trazer muitos exemplos para a vida
cotidiana, incluindo lies sobre o mistrio da natureza humana. So histrias que,
aprendidas, serviam e ainda servem para dar continuidade tradio, cultura e aos
sonhos de um determinado grupo de indivduos ou de uma sociedade. (MACHADO,
2006, p.84). As ilustraes do livro so todas feitas pelos narradores dos contos
relacionando o texto escrito com o fato narrado, o que diferencial.
CONSIDERAES FINAIS
Referncias Bibliogrficas
PAIXO, Gabriela Freitas da; ARAJO, Naiara de Souza; CUNHA, Dbora Alfaia
da. Construo De Material Didtico E Metodologias Especificas Para Escolas
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de 2014.
885
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SANTOS, Valdecir de Lima. Com que cor se pinta o negro nas Histrias em
Quadrinhos? Dissertao (Mestrado) Universidade do Estado da Bahia.
Departamento de Cincias, 2013.
SILVA, Valdlio Santos. Do Mucambo do Pau Preto Rio das Rs: liberdade e
escravido na construo da Identidade Negra de um Quilombo Contemporneo.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
886
IDENTIDADE SEM ALTERIDADE
Que cousa so os indios nas antigas crnicas sobre o Brasil
RESUMO
Nosso trabalho trata da escravido dos indgenas e dos africanos a partir da leitura de alguns
textos acerca do Brasil, dentre os quais o Noticirio maranhense, descrio do Estado do
Maranho, suas contendas e peregrinas circunstncias, de 1685, de Joo de Souza Ferreira,
por ns editado em nossa dissertao de Mestrado, e o Tratado da provncia do Brasil, de
Pero Magalhes de Gndavo, autor da primeira Histria do Brasil. A escravido, no pas,
atingiu dois grandes grupos que sofreram um mesmo problema e que interagiram desde os
primeiros tempos: o dos brasilianos nativos e o dos africanos para c trazidos. O ndio, como
o negro, era um ser reificado pelos europeus, como demonstra, em cada passo, o texto de
Gndavo, e como afirma Souza Ferreira no segundo captulo de seu livro, intitulado Que
cousa so os indios. Mais conhecida a obra do primeiro autor, que viveu no Brasil por
alguns anos, inclusive em terras da Bahia. Seu texto um apelo ao colonialismo portugus de
fixao e no apenas de explorao, como vinha sendo feito. Mostra, como de praxe poca,
um discurso laudatrio e uma viso eldorada das coisas da terra, mesmo quando elas, de
fato, vo de encontro ao retrato pintado por Gndavo. Pouco ou nada conhecida a obra de
Ferreira, que apresenta diferentes verses. Ferreira possui ainda outra produo, intitulada
Amrica abreviada, tratando, como a anteriormente referida, da colonizao e de seus
problemas no antigo estado do Maranho e Gro-Par e demonstrando bastante
conhecimento de causa, visto que o padre vivia h muitos anos na localidade. Os textos de
Ferreira e Gndavo indicam a maneira pela qual o processo de colonizao se deu entre ns,
de modo a afirmar as questes identitrias dos colonizadores, estendo-as ao domnio do
Outro e negando, assim, a alteridade, prxis ento naturalizada. Na ausncia de textos
produzidos pelos antigos habitantes braslicos e pelos africanos para c trazidos como
escravos, tais escritos documentais mostram no s a viso quinto-imperialista do portugus,
mas tambm entremostram, aqui e ali, a viso dos grupos subjugados, sobretudo em
momentos de censura do colonizador a sua atitude. Os textos historiogrficos, em seu todo
ou em suas frestas, ajudam a compor um perfil do Brasil antigo e a compreender muitos dos
problemas contemporneos enfrentados por descendentes de indgenas e negros, alm de
desvendarem a raiz de muitos dos preconceitos atribudos aos brasileiros, em geral, e a sua
cultura, nos dias atuais.
1 APRESENTAO
A escravido, no Brasil, foi um problema que atingiu dois grandes grupos que
sofreram um mesmo problema e que interagiram desde os primeiros tempos: o dos
brasilianos nativos e o dos africanos para c trazidos.
Foi devido a esta viso que grupos de indgenas brasilianos (assim como de
negros escravos) foram levados Europa e expostos como peas, tanto por
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
portugueses como por outros povos que colonizaram o Brasil. Em Maurice Pianzola
(1992, p. 22-24; 156-8), p. ex., v-se a referncia pitoresca (com imagens) de um grupo
levado a Paris, batizado com nomes franceses e levado a se casar com mulheres que
aceitaram ex-prostitutas francesas.
Apesar dos inmeros motivos para que negros e ndios desejassem a vingana
ou simplesmente para que preferissem a morte, os portugueses, muitas vezes, no
foram capazes de se solidarizar sequer neste momento com suas amarguras, vendo,
tambm no suicdio um puro desejo de vingana para com o branco, de preguia
demasiada ou de descaso pela vida:
frutas, o cabelo liso foi interpretado como sinnimo de soltura ou liberdade que se
devia ao indgena.
sucinta, mas panormica descrio afirma, o ndio era a principal fazenda em muitas
das provncias.
perca o amor patria, se deve dar to bom trato aos descidos, que, depois, quando
voltassem em companhia dos brancos a suas terras, obrigados do bom agasalho,
servissem de instromento para sarem do mato outros [....]" (APUD BERNARDO, p.
192). Gndavo (1965, p. 121), por seu turno, aponta maus tratos dos portugueses aos
ndios.
3 CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
GNDAVO, Pero Magalhes de. Tratado da provncia do Brasil. Ed. por Emmanuel
Pereira Filho. Rio de Janeiro: INL MEC: 1965. 899
900
MULHER E LITERATURA: O FEMINISMO EM INDIANA DE GEORGE
SAND
RESUMO
INTRODUO
902 Neste contexto, em 1832, desponta George Sand com Indiana, seu primeiro
romance, no qual a autora empreende com sensibilidade uma trama repleta de
emoo e sentimentalismo, estruturada por meio de uma linguagem eloquente e
realista, cujo pilar principal a crtica sociedade patriarcal, mais notoriamente
forma com que a mulher era tratada no matrimnio. Romance dentro da histria,
romance de 1830, Indiana muito mais que um romance de tese que denuncia a
opresso das mulheres dentro do casamento. 1 (BORDAS, 2004, p.147, traduo
minha)
Dessa forma, dentro da defesa feminina realizada pela autora, nos ateremos a
discutir como so representadas as mulheres centrais dentro da obra, no olhar da
mulher sobre a mulher, no desvencilhar da forma tradicional de representao do
feminino.
era totalmente atrelada aos representantes do sexo masculino. Hunt (1991) afirma
que o pensamento da poca engessava as mulheres em uma estrutura caracterizada
por uma suposta debilidade intelectual, eram tidas como o inverso do homem,
identificadas por sua sexualidade e corpo.
As relaes de poder entre os sexos so preeminentes nos textos literrios
cannicos. Considerando-se que essas correspondncias so concatenadas em
conformidade com a orientao poltica e do poder, para Zolin (2009:328) a crtica
literria feminista [...] trabalha no sentido de interferir na ordem social. Trata-se de
um modo de ler a literatura confessadamente empenhado, voltado para a
desconstruo do carter discriminatrio das ideologias de gnero, construdas, ao
longo do tempo, pela cultura.
Admite-se, assim, que os personagens comportam-se como tipos polticos e
histricos, propondo uma viso anedtica da Frana de 1830. A poltica e a relao
com a histria definem a personalidade de cada um; George Sand categrica neste
ponto: Eu creio que a opinio poltica de um homem representa ele como um todo.
904
2 (SAND apud BORDAS, 2004, p.50, traduo minha). Destarte, cada personagem
possui, ainda que inconsciente, relao com essas reas sociais, visto que h, sobre
todos, o enquadramento em algum trao de seu carter que o figura como sujeito
poltico.
Faz-se presente, dessa forma, a desconstruo das definies tipolgicas das
personagens femininas e a universalizao das experincias das mesmas, as quais,
eram, anteriormente, esboadas em perfis legitimados pelo modelo patriarcal,
silenciadas na vida pblica e privada e em esteretipos negativos e/ou
inferiorizados. Passam a transitar com conscincia do estado em que vivem, no
sendo mais personagens secundrias, mas heronas e idealizadas nos romances.
A questo de gnero no se reduz a uma retrica da diferena,
ela nos coloca dentro do contexto concreto, histrico e
discursivo, da diferena. [...] no seria uma abstrao dizer que
a crtica feminista fornece elementos para se pensar as questes
no examinadas das diferenas intra-nacionais e das excluses
no campo da literatura e da cultura geral, o que implica
desnaturalizar as premissas sobre as quais os conceitos de
identidade, de nacional e de cannico esto predicados e
ressignificar o que entendemos por colonialismo, porque esse,
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
- Eu sei que sou sua escrava e voc o meu senhor. A lei desse
pas vos faz meu dono. Voc pode comandar meu corpo,
prender minhas mos, governar minhas aes. Voc possui o
direito do mais forte, e a sociedade confirma isso; mas sobre
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Consideraes finais
Como nosso objeto de estudo, a crtica feminista nas obras literrias tem como
um de seus escopos esclarecer a sociedade e principalmente o pblico feminino
quanto ao meio poltico, atravs do qual entende-se a forma com que as mulheres ao
910
longo da histria foram versadas e retratadas.Estamos diante de identidades dispares
e deslocadas conforme o senso comum, as personagens aqui analisadas, so
mulheres da nobreza, embora esse status deduza maior acesso ao capital cultural,
pondera-se a conjuntura de que jugo social recaa sobre todas as representantes do
sexo feminino.
A escrita literria feminista transcorre o campo de reivindicaes e construo
da identidade da mulher como sujeito de sua vida, em uma existncia marcada pela
liberdade e igualdade, pelas quais os movimentos feministas tem lutado desde sua
primeira onda. Essa identidade deve ser pensada da mesma forma sobre a escrita
feminina e a tomada de espao de cnones que anteriormente eram e ainda
persistem, em supremacia, em autoria de homens.
necessrio o reconhecimento, ainda hoje, da contribuio que a escrita
feminina e mais ainda a escrita de cunho feminista trouxe para as conquistas de suas
contemporneas. Dessa maneira, consideramos o ativismo feminista de George Sand,
escritora que ousou, com primazia, discutir temas to complexos para a poca por
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Referncia bibliogrficas
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Teoria literria: abordagens histricas e tendncias contemporneas. 3. ed. ver. ampl.
Maring: EDUEM, 2009.
NOTAS FINAIS:
1 Roman dans lHistoire, roman de 1830, Indiana est bien autre chose quun roman thse dnonant
loppression des femmes dans le mariage. (BORDAS, 2004, p.147)
2 Moi, je crois que lopinion politique dun homme, cest lhomme tout entier. (BORDAS, 2004, p.50)
3 Mais ces vagues et passagres distractions nempchaient pas que le colonel, chaque tour de sa
promenade, ne jett un regard lucide et profond sur les deux compagnons de sa veille silencieuse,
reportant de lun lautre cet oeil attentif qui couvait depuis trois ans un trsor fragile et prcieux, sa
femme. Car sa femme avait dix-neuf ans, et, si vous leussiez vue enfonce sous le manteau de cette
vaste chemine de marbre blanc incrust de cuivre dor ; si vous leussiez vue, toute fluette, toute
ple, toute triste, le coude appuy sur son genou, elle toute jeune, au milieu de ce vieux mnage, ct
912 de ce vieux mari, semblable une fleur ne dhier quon fait clore dans un vase gothique, vous
eussiez plaint la femme du colonel Delmare, et peut-tre le colonel plus encore que sa femme. (SAND,
1991, p. 8-9)
4 Je sais que je suis l'esclave et vous le seigneur.La loi de ce pays vous a fait mon matre. Vous pouvez
lier mon corps, garotter mes mains, gouverner mes actions. Vous avez le droit du plus fort, et la
socit vous le confirme; mais sur ma volont, monsieur, vous ne pouvez rien, Dieu seul peut la
courber et la rduire. Cherchez donc une loi, un cachot, un instrument de supplice qui vous donne
prise sur moi ![] Vous pouvez m'imposer silence, mais non m'empcher de penser. (SAND, 1832,
p.221)
5 En pousant Delmare, elle ne fit que changer de matre ; en venant habiter le Lagny, que changer de
prison et de solitude. Elle naima pas son mari, par la seule raison peut-tre quon lui faisait un devoir
de laimer, et que rsister mentalement toute espce de contrainte morale tait devenu chez elle une
seconde nature, un principe de conduite, une loi de conscience. On navait point cherch lui en
prescrire dautre que celle de lobissance aveugle. (SAND, 1991, p.79-80)
6 Ctait une de ces femmes qui ont travers des poques si diffrentes, que leur esprit a pris toute la
souplesse de leur destine, qui se sont enrichies de lexprience du malheur, qui ont chapp aux
chafauds de 93, aux vices du Directoire, aux vanits de lEmpire, aux rancunes de la Restauration ;
femmes rares, et dont lespce se perd. (SAND, 1832, p.59, traduo minha)
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
7 Moins gnreuse que Mme Delmare, mais plus adroite, froide et flatteuse, orgueilleuse et
prvenante, ctait la femme qui devait subjuguer Raymon ; car elle lui tait aussi suprieure en
habilet quil lavait t lui-mme Indiana. Elle eut bientt compris que les convoitises de son
admirateur taient bien autant pour sa fortune que pour elle.
Mlle de Nangy tait donc bien rsolue subir le mariage comme une ncessit sociale ; mais elle se
faisait un malin plaisir duser de cette libert qui lui appartenait encore, et de faire sentir quelque
temps son autorit lhomme qui aspirait la lui ter. []Pour elle, la vie tait un calcul stoque, et le
bonheur une illusion purile, dont il fallait se dfendre comme dune faiblesse et du ridicule. (SAND,
1832, p. 445-446)
913
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
914
AS CORES POSSVEIS DE UMA PRXIS PEDAGGICA QUE RESPEITE AS
DIFERENAS: O SILNCIO DA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA NAS SALAS
DE AULA.
1. INTRODUO
No decorrer de dois anos dedicados investigao no mbito da educao 1, na
perspectiva de estudar o respeito por uma prtica educativa a favor das diferenas,
tendo a literatura negra ou afro-brasileira como ponto de partida para uma discusso
sobre racismo, identidade e sentimento de pertena dos nossos estudantes da escola
pblica, chegou o momento de socializar novos debates sobre o tema.
no espao escolar. Constata-se, ento, atravs dos ditos e no ditos nas interlocues
do grupo focal e nas respostas entrevista semiestruturada, que as ideias racistas
construdas no percurso da histria podem justificar a ausncia de aes voltadas
populao negra, bem como naturalizar aes racistas no ambiente escolar, sob a
alegao de que o racismo no um problema presente na escola. E o mais
preocupante: independentemente das condies de produo, temos a considerao
de uma das participantes, que se autodenomina afrodescendente, cujo discurso se
insinua como racista, na perspectiva do racismo social, ao apresentar um exemplo
que reflete claramente o modo como o racismo e o preconceito podem ocorrer,
porque a dinmica racial pode operar de um modo sutil e poderoso at mesmo
quando no estiver sendo feito de forma proposital na mente das pessoas
envolvidas. (APPLE, 1999, p. 10 apud FERREIRA, 2009). A posio da professora-
participante nos leva a deduzir que h uma questo alm da aplicao da Lei n
10.639, isto , as concepes dos docentes no tocante s questes raciais brasileiras, o
que nos impele a uma reflexo sobre o elemento conflitual interracial que se
Portanto, o racismo, na percepo das professoras ora como uma ao grave, ora
naturalizado est voltado para as caractersticas de cada pessoa, incluindo a cor da
pele, o tipo de cabelo, o cheiro e o formato da parte da face, como boca e nariz. Dessa
maneira, quando as caractersticas fsicas dos indivduos se aproximarem do formato
dos negros, as formas de discriminao racial podem ocorrer.
Para que essa problemtica seja inserida de modo efetivo nos espaos de
aprendizagem, beneficiando uma convivncia saudvel na histria escolar de alunos
negros, brancos, amarelos e indgenas, faz-se necessrio que o debate sobre racismo
contemple professores e alunos, atravs de aes entre escola e sociedade. Nesse
contexto, dentre as aes possveis, encontra-se a realizao de cursos, para que
todos os atores envolvidos no espao escolar possam conhecer e aprofundar a anlise
das causas e consequncias da prtica racista, tendo em vista a desconstruo do
mito da democracia racial, que, constitudo na sociedade, adentra o mbito escolar.
Fica evidente, neste estudo, que a maioria das escolas no tem implantado, nas suas
prticas pedaggicas, as estratgias antirracistas reflexivas sugeridas por Gomes
(2009) e Cavalleiro (2001), por total ou parcial desconhecimento da importncia de se
trabalhar pedagogicamente sobre a problematizao do negro no campo histrico-
cultural. Entretanto, algumas poucas professoras-participantes que trabalham com o
tema tiveram sua formao inicial nos ltimos 8 anos, sustentando suas realizaes
com base em um conhecimento adquirido no curso de graduao, o que promove a
percepo de uma realidade que exige a desconstruo de valores que fortalecem
discriminao e a excluso da populao afrodescendente. Fica evidente, ento, a
importncia da formao profissional inicial e tambm de uma formao
continuada , com um currculo que contemple o tema, o que ter reflexos
importantes sobre a prtica futura do educador. Essa formao, ao promover a
921
construo de uma conscincia da diversidade tnico-racial e seus conflitos, viabiliza
a realizao de prticas pedaggicas que contemplem a diversidade humana, numa
direo contrria ao caminho atual da escola, construdo a partir de uma viso
cultural hegemnica, de carter monocultural.
Essa evidncia nos pe a pensar que essa temtica quase nunca se fez presente nos
currculos, de um modo geral, dos muitos cursos de graduao, em especial nas
licenciaturas. Logo, no momento que uma boa parte dessas participantes se licenciou,
no havia um projeto que destacasse o tempo e as perspectivas da literatura negra ou
afro-brasileira. Algumas professoras-participantes pontuam que nunca estudaram,
durante o perodo de graduao, qualquer texto ou autor que abordassem o tema e,
com isso, justificam a total ou parcial ignorncia sobre a LN ou LAB. Alegam
tambm que, alm de sua formao inicial, os livros didticos adotados no aportam
materiais textuais e discusses sobre a produo negra ou afro-brasileira que elas
pudessem compartilhar e discutir com os alunos. Fica a impresso de que o LD no
s norteia o trabalho pedaggico, como serve, implicitamente, como ferramenta de
atualizao dos professores. Outra dificuldade elencada pelas participantes, para
trabalhar pedagogicamente com a LN ou LAB, estaria na falta de sua divulgao pelo
mercado editorial.
Nada mais provocativo para se pensar sobre o ser humano, suas aes e seus
sentimentos, do que a literatura. Mas, para que essa provocao tenha efeitos
significativos no processo de ensino-aprendizagem, a escola e os professores devem
reconsiderar suas prticas pedaggicas, mobilizando o seu principal interessado: o
estudante-leitor. preciso que a escola quebre um pouco a ideia de transformar um
produto artstico em disciplina, ao condicionar sua recepo a olhares nicos,
926
recepes fragmentadas ou direcionadas, no oportunizando viver e problematizar a
obra de acordo a histria e a formao do seu leitor, respeitando seu tempo e sua
subjetividade. A escola precisa dessacralizar o texto literrio, deix-lo sair de um
patamar inalcanvel ao estudante-leitor. Como polemiza o jovem escritor e editor
gacho Antnio Xerxenesky (2010, p. 40), preciso dessacralizar a literatura,
impedindo que determinados espaos a ela destinados se configurem pelo
pedantismo ou pelo tdio. Isso o que faz os alunos de colgio morrerem de
monotonia nas aulas de literatura. Complementa o escritor: Saudvel seria trair a
literatura de todas as formas possveis. Usaramos o termo trair na dinmica
escolar, no sentido de subverter uma ordem instituda do trabalho com a literatura
na sala de aula. Partindo dessa epistemologia do pensar a literatura na educao,
como seria salutar o contato da literatura negra ou afro-brasileira com alunos e
professores, para se pensar, refletir, emocionar e se humanizar com vozes por muito
tempo caladas e colocadas em patamar inferior por uma hegemonia branca que no
lhe permitia ecoar, porque s atravs do silncio seria possvel manter a castrao
potica de ser negro. Com isso, o silenciamento da identidade negra perpassou os
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
sculos e atingiu o sculo XXI de vrias formas; uma delas apresentar negros como
detalhes de uma suposta generalidade branca. (CUTI, 2010, p. 37).
se faz necessria e urgente diante de alunos que precisam ser respeitados em sua
construo identitria e valorizados na sua pluralidade.
Creio que o Estado teria um papel importante nesse debate, porque preciso
que ele abrace o compromisso de reparar os erros histricos atravs de uma educao
tnico-racial de qualidade, impedindo que possveis fenmenos de marginalizao
continuem sendo reproduzidos nas cenas sociais. Para isso, importante elaborar
estratgias e linhas de atuao com probabilidade de xito, porque atravs do
debate sobre a cultura, a histria e a literatura negra ou afro-brasileira que
poderemos assegurar narrativas de uma nova histria do povo brasileiro na
perspectiva de validar a verdadeira democracia racial, para que novas cores possam
suscitar uma cidadania igualitria atrs dos muros das escolas.
REFERNCIAS
NOTAS
1Texto resultado do projeto de dissertao na rea de Linguagem, Filosofia e Prxis Pedaggica, da
Faculdade Educao da Universidade Federal da Bahia, 2013.
929
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
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UM OLHAR SOBRE A POESIA IDENTITRIA DE LUIZ GAMA NA
DESCONSTRUO DAS IDEIAS DE (DES)IGUALDADE RACIAL DE
DIREITOS NO BRASIL OITOCENTISTA
Jair Cardoso dos Santos
Universidade do Estado da Bahia
jair.cardoso.santos@terra.com.br
Resumo:
O presente artigo lana um olhar sobre a poesia identitria e igualitria do baiano
Luiz Gonzaga Pinto da Gama, silenciado pelo cnone hegemnico. Filho de um
fidaldo portugus que, depois de se endividar com jogos o vendera como escravo, e
da revolucionria negra Luza Mahin, oriundo, portanto, das margens do tecido
social, o poeta, que ressignificou a prpria existncia, passando da condio de
escravizado a homem livre, tornando-se tambm jornalista, advogado, abolicionista,
tribuno e lder manico, lanou em So Paulo no ano de 1859 a obra potica
Primeiras Trovas Burlescas de Getulino, na qual o Orfeu de carapinha descostri as
ideias de (des)igualdade racial de direitos no Brasil da segunda metade do sculo
XIX. Sentindo na pele o que ser escravizado, tendo orgulho da sua me negra, da
sua pertena etnicorracial e vivendo com negros escravizados e alforriados, com os
quais se relacionava diariamente, Luiz Gama desenvolveu fortes vnculos de
identidade negra, sendo o seu trabalho literrio considerado precursor de intelectuais
negros como Cruz e Sousa, Lima Barreto, Carolina de Jesus e Conceio Evaristo. A
linguagem de Luiz Gama, enquanto pensador de vanguarda no campo do direito e
da literatura surge dessas escrevivncias de negro. Trata-se de uma escrita que revela
identidade e alteridade, razo pela qual discute-se as noes e conceitos de
identidade, na tentativa de provar a pertena, a assuno de uma identidade negra
na literatura igualitria de Luiz Gama. Poesias de sua autoria, como Quem sou eu?, No
cemitrio de So Benedito, L vai verso! e No lbum do meu amigo J. A. da Silva Sobral,
alm de trazer pioneiramente a enunciao do eu lrico negro na literatura brasileira
e colocar a esttica feminina negra em condio de igualdade com padres da
sociedade que se quer branca, revela, tambm, ideias pioneiras de igualdade racial de
direitos, desafiando o cnone cultural, invertendo a hierarquia, desmontando as
representaes racistas e ressignificando esteretipos construdos pelas elites
escravocratas do Brasil imperial. O artigo revela, ainda, como o poeta baiano, atravs
do poder que a palavra lhe conferia, construiu o incio da sua trajetria na cidade de
So Paulo, onde o conluio escravocrata era mais intenso, em funo de esta ser a
capital da provncia que mais crescia no pais, com a expanso da lavoura cafeeira.
Luiz Gama morria em "uma apoteose", como afirmara o escritor cannico Raul
Pompia, para tornar-se um dos maiores lderes negros do Brasil. Os ecos da sua
linguagem igualitria e identitria perpassou os sculos XIX e XX, alcanando os
dias atuais.
932 pessoas no Brasil oitocentista. E no apenas pelo teor do discurso, mas tambm pelo
lugar de fala de quem discursa: um ex-escravizado que, sendo filho de um homem
branco e de uma mulher negra e, por essa razo podendo vestir uma roupagem
embranquiada de mestio j que o discurso predominante era o do
embranquecimento (SCHWARCZ, 2015, p 203) da pele assumiu a sua negritude, a
princpio atravs da expresso em que se autodenominava um soldado de pele
negra (MENNUCCI, 137).
No perodo em que Luiz Gama entra na cena potica, a discriminao racial
dava a tnica na literatura brasileira que, segundo Cuti, nasceu sob a gide do
preconceito contra o negro (2010, p. 18). a partir do ano de 1859 que a sua voz
identitria e igualitria passa a ser ouvida na rea literria, com a publicao do livro
Primeiras Trovas Burlescas de Getulino, revelando um subversivo das letras, que usa a
linguagem da stira para propagar seus posicionamentos polticos e desconstruir as
construes sociais que reforavam as colossais desigualdades entre negros e
brancos. Era uma escrita indita em terras brasileiras, desde a chegada do
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
No borres um livro,
To belo e to fino;
No sejas pateta,
Sandeu e mofino.
Cincias e Letras
No so para ti[;]
Pretinho da Cost[a]
No gente aqui.
No quero que digam
Que fui atrevido;
E que na cincia sou intrometido
Desculpa, meu caro amigo,
Eu nada te posso dar;
Na terra que rege o branco,
933
Nos privam t de pensar!...
Ao peso do cativeiro
Perdemos razo e tino,
Sofrendo barbaridades,
Em nome do ser divino!!
E quando l no horizonte
Despontar a liberdade;
Rompendo as frreas algemas
E proclamando a igualdade,
Do chocho bestunto
Cabea farei;
Mimosas cantigas
Ento te darei.
(GAMA, 2011, p. 34-36).
Usando do mesmo sarcasmo que lhe peculiar, nesse poema Luiz Gama
denuncia a forma elitista e preconceituosa como o negro livre era tratado pela
sociedade brasileira, que o inferiorizava, ignorava ou fazia chacota do seu talento,
no o considerando na mesma condio de igualdade com pessoas de cor branca.
A lgica dominante da subalternizao dizia que atividades intelectuais no
estariam ao alcance da populao livre de cor negra, por suposta falta de
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
934 cincia sou intrometido); por outro lado, percebe-se uma inverso da lgica e da
hierarquia dominantes, marcas do discurso desconstrucionista do seu autor.
Percebe-se que ao falar de si mesmo, afirmando que Pretinho da Cost[a]/No
gente aqui, o seu autor, mesmo tendo nascido no Brasil, escancara a sua excluso e
de tantos outros negros livres e escravizados. Nas suas representaes, ele v a
excluso do negro, no o enxergando fazendo parte da terra que rege o branco, o
que se traduz em denncia contra o direito de exercer o seu talento literrio, de
produzir conhecimento.
Com sua ironia habitual, nesse poema o seu autor no apenas denuncia o
racismo no mercado de trabalho, mas revela o papel do clero catlico brasileiro na
legitimao da desigualdade imposta pela escravizao, como se observa do verso
Ao peso do cativeiro/Perdemos razo e tino/Sofrendo barbaridades/Em nome do
ser divino. Alis, o anticlericalismo uma das marcas da linguagem de Luiz Gama.
Quanto a este mesmo poema, Cuti afirma que a a identidade negra mantida at o
final (2010, p. 22). Note-se a alteridade de Luiz Gama ao afirmar que na terra que
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Quem sou eu? vai no contrafluxo das escolas literrias do sculo XIX
por revogar, no campo potico, o sistema de hierarquia social que
exigia respeito e reverncia a nobreza e a outros representantes da
classe dominante. Elimina-se toda a distncia entre os homens
(BERND, p. 53).
942 antroploga Slvia Novaes sobre esse tema, Nilma Lino Gomes (p. 41) enfatiza que,
de acordo com essa autora, esse ns se refere a uma identidade, no sentido de uma
igualdade. Esse sentimento de igualdade entre os semelhantes pressupe dilogo,
interao entre eles, sendo elementos da constituio de uma identidade negra, desde
os tempos da colonizao portuguesa no Brasil.
Ou, tambm, entender-se-ia que aqueles que se encontram na antagnica
condio de colonizadores pudessem desenvolver o mesmo tipo de sentimento de
semelhanas e desenvolvessem posterior identidade:
Como foi dito anteriormente, sendo filho de um homem branco, tendo cor
mais clara que os africanos escravizados no Brasil e seus filhos aqui nascidos, Luiz
Gama poderia se identificar com os mulatos, morenos e outros mestios at mesmo
para ser melhor aceito pela sociedade racista e afirmar-se como mestio. Teria, nessa 943
hiptese, afirmado a sua pertena mulata por uma questo de opo, mas no o fez
assim. Construiu-se e afirmou-se como negro.
Essas diferenas ou semelhanas existentes em determinado segmento
minoritrio social, quando so percebidas por seus membros, podem levar a uma
aproximao por identificao e/ou interesses, conduzindo-os identidade por
gnero, sexo, raa, cor, etnia, situao econmica.
No caso da arena racial brasileira, por exemplo, no se pode desprezar a
possibilidade de uma construo identitria tnica forjada em uma coletiva
experincia escrava, tambm vivida por Luiz Gama.
A fundao da frica no Brasil na linguagem de Gama um trao delineador
de uma identidade negra. Entretanto, inegvel que esses laos de solidariedade
tambm podem pressupor a enunciao de um ns negros, em funo de situaes
vivenciadas coletivamente na arena racial brasileira.
Salientar-se- que em vrios momentos da sua vida os laos identitrios
negros esto presentes, a comear pela constante referncia de sua genitora, a costa
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
mina Luza Mahin. Em diversos escritos seus, ele cunhara vrias expreses para
definir a sua me, que afirmam a sua ascendncia negra, realando esta como um
patrimnio, uma herana da qual muito se orgulha. Ao contrrio do pai portugus
que o vendera, e a quem o Orfeu de carapinha disse poupar sua infeliz memria
uma injria dolorosa (FERREIRA, p. 200), ocultando o seu nome, por Luza Mahin o
filho nutria sentimentos de amor, admirao e orgulho, como se percebe da leitura
do verso abaixo, do poema Minha me:
3 CONSIDERAES FINAIS
identitrio e paritrio de Luiz Gama. Emergindo das bordas do tecido social, o Orfeu
Negro potencializa a fora da sua linguagem potica na arena racial brasileira e
revela a exigncia de um direito pelo qual, em pleno sculo XXI, ainda se luta no
pas: a igualdade entre negros e brancos.
Referncias bibliogrficas
RESUMO
narrativas que adentrem a sala de aula fomentando um olhar mais crtico sobre a
diferena e as polticas pblicas.
1.INTRODUO
950 ganham cada vez mais um espao singular na literatura, principalmente a escrita de
seus contos. O autor produz uma literatura de luta, resilincia e fluidez, na qual os
leitores so convidados a conhecer uma literatura da diferena, no apenas referente
opo sexual de seus personagens, mas na concepo de sujeito construda em seu
trabalho. Ele no se preocupou em escrever uma literatura gay, como muitos a
denominam, mas apenas em produzir uma literatura que alcance a todos. Afinal,
literatura literatura independente do sujeito que a produz. Em entrevista a Marcel
Bessa, Caio Fernando de Abreu afirma acerca de uma produo literria gay que:
faleceu acreditando que sua literatura estava margem da literatura brasileira e foi
considerado em algumas crticas como um escritor pesado pelas suas temticas,
alm disso, o autor afirmava ter sido influenciado por Cazuza e por Rita Lee. Tal
afirmao gerou muitas crticas a sua obra, uma vez que a crtica literria no
reconhecia um escritor que no afirmava ter sido influenciado pelos grandes
clssicos da literatura brasileira. Segundo Bizello (2005, p 3):
Desse modo, os contos escritos por Caio Fernando de Abreu incitam o sujeito a
questionar-se sobre suas identidades e as represses sociais pelas quais so
interpelados. Estas discusses podem ser percebidas no conto Sargento Garcia que
narra a histria de Hermes, alistado no exrcito, aguarda a liberao do sargento para
ser dispensado e tentar vestibular para filosofia. Um jovem tmido que vivia
952
mergulhado em livros e teorias. Ele surpreendido na sada do quartel com a carona
do sargento Garcia que lhe prope uma relao sexual. Hermes aceita ter sua
iniciao sexual com aquela representao do tpico macho social. Um homem bruto
que fumava cigarro sem parar e apertava forte seu corpo enquanto lhe dava carona.
O esteretipo completo de um homem forte pertencente s foras armadas, o homem
que a sociedade cobra que todos sejam.
Hermes se sente atrado pelo modelo de masculinidade do Sargento Garcia e
termina o dia perdendo sua virgindade. Hermes representa a figura homoafetiva da
timidez e do sujeito que se descobre e se entende no limiar das questes que vo
surgindo em sua trajetria. Ele traduz no apenas um sujeito, mas todos aqueles que
tem sua primeira experincia sexual, cercada de medos e dvidas e a transio de
sentimentos que nos cerca nesse momento, como podemos ver na seguinte citao:
Meu caminho, pensei confuso, meu caminho no cabe nos trilhos de um bonde. [...]
Eu nunca o tinha visto em toda a minha vida. Uma vez despertado no voltar a
dormir. (ABREU,2006, p.37). .
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
em vrias instncias, sejam elas por questes religiosas, de raa, classe, gnero e
sexualidade.
Nesse contexto, a figura homoertica aparece no texto representado pelo
sujeito que segregado e sofre represlias sociais por sua vida pessoal. E a
homossexualidade vista como aquilo que incomoda a sociedade e, por isso,
chamada de aberrao e anormalidade. O conto nos permite questionar o que
realmente nos incomoda? Por que queremos controlar os corpos e normaliz-los aos
padres? Por que ser diferente incomoda a todos que vivem de maneira igual? A
leitura do conto possibilita outros modos de ensino da literatura na escola
evidenciando o trabalho crtico com os preconceitos sociais to presentes na
sociedade. Permite-nos compreender a homossexualidade como algo que pertence ao
sujeito no como uma anormalidade e deformao, mas um direito do outro ser
quem ele quer ser e de exercer suas perfomatividades, como nos alertava Butler
(2015). Afinal o gnero performativo e a diferena precisa ser vivida e respeitada.
Quando nos debruamos a estudar os contos de Caio Fernando de Abreu
percebemos que seu texto ao problematizar as questes da diferena de maneira to 955
profunda se revelava como uma ferramenta de grande potncia para suscitarmos
dilogos sobre preconceito, normatizao e diferentes sexualidades.
Os contos provocam os leitores a questionar o conceito de normalidade que se
faz presente o tempo todo nas relaes de ensino - aprendizagem, por exemplo,
quando observamos em vrios momentos como as prticas pedaggicas tentam a
todo o momento homogeneizar os corpos e os estudantes aos padres de um
estudante ideal. Portanto, discutir os contos em sala de aula, no significa apenas
trazer a luz o direito de ser diferente, mas nos permite reconhecermos como seres
diferentes, singulares e nicos.
Os contos de Caio Fernando de Abreu escolhidos para anlise representam
duas presenas diferentes da homoafeitvidade que dialogam entre si medida que
revelam um sujeito igual em direitos e modos de se relacionar com os outros. Eles
aparecem com sujeitos que representam outros sujeitos sejam eles de diferente opo
sexual, raa, religio ou classe social. Sujeitos que vivenciam situaes comuns, mas
tambm singulares.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
Referncias Bibliogrficas
BESSA, Marcelo Secron. Quero brincar livre nos campos do Senhor: uma entrevista
com Caio Fernando Abreu. Palavra n. 4, Revista do Depto. de Letras da PUC-Rio, Rio
de Janeiro: Grypho, 1997, p. 7-15.BIZELLO, Aline Azeredo. Caio Fernando Abreu e a
ditadura militar no Brasil. In: Dossi: a literatura em tempos de represso da PPG-
LET-UFRGS Porto Alegre Vol. 01 N. 01 jul/dez 2005.
958
REFLEXES SOBRE ALTERIDADE EM OBSCENA SENHORA D DE HILDA
HILST
RESUMO
O presente artigo, prope uma estudo a obra A Obscena Senhora D publicada em 1982,
da escritora contempornea Hilda Hilst, com objetivo especifico de analisar como a
narradora-personagem Hill direciona seu monlogo, ao questionamento da uma
alteridade renunciada, desconhecida, e por vezes esquecida no decorrer da narrativa.
Todas as questes elencadas na voz narrativa em primeira pessoa, permitem
conhecer uma personagem que reflete um perfil estereotipado, posto inmeras vezes
em cheque no decorrer da narrativa, ao renunciar a superficialidade das relaes
pessoais, e ainda a demarcao de papis scias para a mulher. O estudo sobre a
personagem Hill, possibilita pensar nas vrias ramificaes que sua narrativa
cerceia, dessa maneira, a obra de Hilda Hilst abre um espao para compor um
dilogo discusses que compe a postura reducionista do estereotipo e ainda como
este se instaura na cultura ligado a noes de alteridade. Para realizar tal abordagem,
convm salientar leituras as definies de Homi K. Bhabha, em O Local da Cultura
(1998) abordando noes de alteridade, que fazem do texto literrio, um labirinto
narrativo, construdo de questionamentos s vrias interpretaes que surgem nas
entrelinhas do texto. Enquanto ferramenta literria costurada em meio a voz da
narradora- personagem elenca-se um estudo pertinente de um dos captulos do livro
intitulado Representando a Alteridade (1999), intitulado A alteridade como produto e
processo psicossocial escrito por Denise Jodelet. Para contribuir ao vis da escrita de
autoria feminina, os textos de Ruth Silviano Brando e Lcia Castelo Branco A
Mulher Escrita (1989), ao qual aborda as vrias discusses acerca da literatura escrita
por mulheres e suas peculiaridades que permitem uma voz que fala de si, voz esta
que por muitos anos foi posta ao olhar especulativo da sociedade patriarcal. E ainda
o artigo A mulher no vo da escada (1999) de Cludio Carvalho. A escrita de Hilda Hilst
mostra-se pertencente a uma postura contempornea, para tanto salienta-se a leitura
de A alteridade no romance ps-moderno (2010) de Carlos Magno Gomes, e ainda o olhar
analtico sobre como a narradora-personagem enfatiza sua repulsa frente as vrias
mscaras que acometida para validar um discurso nivelador das prticas que em
sua maioria rejeitam o diferente, assim compete um artigo de Rita Olivieri-Godet
intitulado Estranhos estrangeiros: Potica da Alteridade na Fico Brasileira Contempornea
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
(2007) e Oscar Taca em As vozes do romance (1989), e ainda artigos sobre a obra
ficcional de Hilda Hilst, com intuito a contribuir para o perfil esttico-literrio de
escrita da autora mais especificamente da obra em anlise Obscena Senhora D.
APRESENTAO
personagem Hill, e afirma ter convivido com essa personagem senhora de sessenta
anos durante seu processo de criao ficcional.
A afirmativa da autora ao transpor para o papel, uma personagem-
narradora, um ser outro, reflexo de uma pretensa autoral, salientada em entrevista
concedida para Cadernos de Literatura Brasileira: A senhora D, alis foi a nica
mulher com quem eu tentei conviverquer dizer, conviver comigo mesma no ?
(HILST, 1999. p.30). A personagem Hill, detm em si todas as vozes de sua
narrativa, que questiona uma alteridade constituda do ofcio preocupado com o
ainda sem nome, e aqui entenderemos como estas vozes perfazem um rduo
caminho em busca do desconhecido dentro da voz da prpria narradora-
personagem.
O leitor ir participar de uma narrativa desconexa, em que a narradora-
personagem ser o foco central de tudo que compete a histria a ser narrada, assim
inicia-se sua apresentao, desde seu nome e em seguida seu apelido. Toda a histria
gira em torna da ausncia do marido que logo em seguida a mesma ir narrar sua
morte, e ainda a falta do pai, tambm morto, constituindo uma leitura permeada pela 961
falta.
O foco narrativo, em primeira pessoa, angustia-se com os papis que esto
demarcados ideologicamente na sociedade, somos de imediato redimensionados
para o vo de uma escada, espao que a personagem-narradora escolhe viver por
todo o decorrer da narrativa. O leitor poder sentir-se desolado, excludo, diferente.
Cabe aqui pensar no que define Oscar Taca em As Vozes do Romance:
Falaremos simplesmente do narrador, pois no mbito do romance e do conto todo
narrador fictcio [...] Contudo, pelo menos em nosso ponto de vista, narrador e
personagens so, essencialmente seres de papel (TACCA, 1983, p.67)
necessrio estar fora dos padres estipulados a uma senhora mulher para
que seu discurso, seja lido mesmo que em forma de repdio a voz de uma biruta
senhora, ou mesmo como explica Claudio Carvalho em artigo A Mulher no vo da
escada (1999): S assim despida de palavras apenas urros -, ela, talvez pudesse ser
tefaga incestuosa sem sentir culpa. (CARVALHO, 1999. p.121).
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
967
Hilda Hilst exige um leitor que esteja aberto a fico, que acredite na fora da
fico, pois eis que surgir o fingir, ou ainda um narrar para questionar a potica da
alteridade. Por mais que esta lhe parea um inocente ato pornogrfico da carne pela
carne, sabe-se que para alm do texto h os labirintos da memria cheios de filtros
ideolgicos, organizados para que a narrativa seja um vis reflexivo-refratrio da
realidade imaginada.
sociedade, mas deixa o caf em p por toda as questes narradas, nunca imersa a
costumeira personagem feminina, por muito tempo escrita na literatura, e assim
como afirma Lucia Castelo Branco (1989), agora prope-se a uma escrita mulher, e
ao narrar a si, o leitores contemporneos, compreende uma escrita com o corpo, pois
este corpo fala, e se inscreve no texto literrio.
REFERNCIAS
BHABHA, Homi K.O Local da Cultura. Minas Gerais: editora da UFMG, 1998.
CASTELLO BRANCO, Lcia & BRANDO, Ruth Silviano. A mulher escrita. Rio de
Janeiro: Lamparina editora, 1989.
968
CARDENOS DE LITERATURA BRASILEIRA. n. 8. So Paulo: Instituto Moreira
Salles, out. 1999.
969
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
970
OS CONTOS BARRETIANOS COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAO DA
LEI 10.639/03 NO ENSINO FUNDAMENTAL II
RESUMO
APRESENTAO
que abordam o negro, observando como as questes raciais se apresentam nela. Essa
cultura do branqueamento a mescla de brancos com no-brancos, a partir da taxa
mais alta de fecundidade entre os brancos e da crena de que os genes brancos eram
dominantes. (TELLES, 2003, p. 45). Dessa forma, acreditava-se que a populao
brasileira, em alguma poca futura, estaria livre da populao negra por meio desse
envolvimento entre raas (miscigenao).
A fundamentao do pesquisa se far diante de problematizao e reflexo
em relao a alguns conceitos, como raa, racismo, embranquecimento, entre outros
que perpassam a linha de trabalho. Diante disso, ficou claro que a pesquisa buscar
um levantamento de algumas obras de Lima Barreto que apresentam personagens
negros, para que se possa analisar como esses personagens esto sendo tratados na
literatura barretiana e como esto sendo visualizados ou no no ambiente escolar,
verificando, portanto, suas particularidades e, a partir de ento, fomentar discusses
de questes tnicorraciais. evidente, diante do exposto que faremos tambm uma
releitura acerca da eficincia das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educao
das Relaes tnico-raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-brasileira e 973
Africana, bem como investigar e refletir sobre a aplicabilidade dessa lei. importante
ressaltar que a anlise das obras selecionadas de Lima Barreto ser aliada a estudos
tericos que englobem os conceitos dessa linha de pesquisa, como forma de reflexo
sobre a escrita racial, bem como a observao com docentes e discentes do ensino
fundamental II e com pessoas que trabalhem com a lei n 10639/03 buscar
compreender o nvel de conhecimento dos sujeitos envolvidos nesse processo e a
eficincia dessas diretrizes.
os limites da fico e pode estar presente nas diretrizes que nos regem, como parceira
das polticas pblicas educacionais, fomentando dia ps dia a busca pelo
reconhecimento e respeito das diversidades culturais e histricas, principalmente no
que tange a afro-descendncia. Tal como apontado na seguinte lei:
notrio que Nascimento (2002) mostra, de fato, como a maioria das pessoas
977
enxerga um afro-descendente que ocupa um lugar de destaque na sociedade
brasileira, como se ele no mais pertencesse ao seu grupo racial de origem, como
se a melhoria da posio social o embranquecesse e o fizesse esquecer seu passado de
excluso. No entanto, deve-se ter em mente que a superao da situao subalterna,
situao a qual nos foi imposta, funcione como meio de autofirmao da identidade
racial e, assim, desconstruir a ideologia da hierarquizao de raas que muitos
acreditam existir, bem como estender realidade cotidiana o que nos diz as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para
o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana:
Outro fator que aponta para discusses referentes a questo racial no Brasil a
miscigenao, pois durante um perodo esta foi tratada de maneira pejorativa, como
algo que ao produzir uma agente degenerada, condenaria o novo pas ao
subdesenvolvimento perptuo (TELLES, 2003, p. 43). Dessa forma, o miscigenado
no teria a totalidade das caractersticas primrias nem do branco nem do negro e se
tornaria um ser, na ideologia racista, superior ao negro e inferior ao branco, e mesmo
com esse ideal permaneceria numa escala social marginalizada em referncia aos
brancos. A miscigenao tambm foi vista como a soluo para o extermnio da raa
negra no nosso pas, dando incio ao branqueamento atravs da mistura entre
brancos e no-brancos. Segundo Edward Telles (2003), a elite do perodo ps-
abolio acreditava que o grande contingente de imigrantes europeu trazido para o
Brasil em funo da substituio da mo de obra escrava, subsidiaria com xito o
embranquecimento da populao brasileira, com uma perspectiva de que em
978 algumas dcadas no mais existissem pessoas da pele totalmente escura no territrio
brasileiro. Contemporaneamente, visvel que essa hiptese de embranquecimento,
atravs da miscigenao, se perdeu no tempo, concretizando-se como falcia de
eugenistas (daqueles que propem a reproduo e a melhoria da raa humana),
pois mesmo com tantas ideologias de hierarquizao racial, o resultado da mistura
entre raas apontou para uma vertente mais complexa, onde no possvel distinguir
o indivduo como sendo objeto resultante numa raa especfica. Lima Barreto
demonstra essa busca inalcanvel pelo branqueamento em uma de suas obras
literrias, Clara dos Anjos, onde a protagonista nega a prpria identidade racial e v
a possibilidade de clareamento atravs do envolvimento sexual com um homem
branco, e assim ter seus filhos tambm brancos, reproduzindo, ento, a ideologia da
miscigenao como extermnio da raa negra (cultura do branqueamento). Tal fato
bastante atual, uma vez que ainda visualizamos situaes similares nos dias
correntes, principalmente nos ambientes escolares. Esses sujeitos so vitimados pela
reminiscncia de um passado preconceituoso, alguns deles no so contemplados do
que determina a lei n10639/2003, pois, infelizmente, ainda h falta de informao e
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS
980 TELLES, Edward Eric. Racismo brasileira: uma nova perspectiva sociolingustica.
Rio de Janeiro: Fundao Ford, 2003.
RESUMO
investem nela, buscam ter acesso aos bens culturais, sobretudo, quilo que
associado elite a Literatura.
ABSTRACT
nas periferias brasileiras, pois j se pode notar uma melhoria dos equipamentos
estruturais necessrios, como a existncia de sistema de esgotamento sanitrio,
calamento de ruas, moradia, servios de educao e sade em alguns bairros, alm
de muitas especificidades culturais e histricas. Contribui para essas mudanas, as
mobilizaes de alguns escritores perifricos, que nasceram e vivem nas periferias e
escrevem em seus textos o que vivenciam.
Entretanto, isso no significa dizer que esto supridas todas as necessidades
deste espao e de seus sujeitos. Embora a noo de periferia esteja sendo reavaliada
por alguns estudiosos e pela prpria sociedade, a viso mais comum que se tem
deste espao ainda sinnimo de:
multiplicidade. O que pode ser compreendido por fertilidade que, cada vez mais,
esto surgindo novas editoras e novos escritores consumindo e comentando
literatura. Estes, por sua vez, esto assumindo o seu espao na contemporaneidade
no de qualquer jeito, mas com toda qualidade segunda evidncia destacada pela
autora, havendo, pois, um cuidado especial em relao obra no geral. E a terceira
evidncia, que a multiplicidade, consiste justamente na diversidade que abrange a
Literatura Brasileira.
Com base nessas reflexes, pode-se dizer que os discursos heterogneos
possibilitam o surgimento de muitos recursos que do forma Literatura
Contempornea, recursos esses que reforam o sentido de multiplicidade. Entretanto,
vale ressaltar que, dentro de toda essa diversidade, h questes que podem ser
percebidas com mais frequncia nas obras literrias contemporneas, so elas
classificadas de dominantes por Resende (2008), a exemplo da presentificao em
que h nos textos a manifestao de uma urgncia e de uma radical preocupao
obsessiva com o presente; a presena do trgico e da violncia que, apesar de
distintas, uma leva a outra, e estas esto presentes no s nas obras literrias, mas 985
tambm em nosso cotidiano, fazendo, assim, parte da cultura produzida no Brasil.
Vale evidenciar tambm que o ps-moderno ou o contemporneo
considerado, acima de tudo, a designao para o capitalismo tardio, na qual a cultura
uma extenso da economia. Configura-se, pois, em uma nova forma de viver, de
sentir, de produzir e consumir e no apenas uma nova maneira de se fazer literatura.
Dessa forma, de acordo com o que ainda diz Pellegrini, pode-se concluir que a
Literatura Brasileira, na contemporaneidade, estabelece relaes intrnsecas com o
mecardo editorial, com a cultura de massa e com os meios de comunicao
modernos, que exercem sobre ela presses identificadas assim como censura
econmica.
Quanto ao fenmeno das produes literrias perifricas, elas esto se
alastrando pelo Brasil, e isso muito gratificante e significativo, pois atravs das
produes literrias e artsticas produzidas pelos perifricos que os mesmos no so
mais vistos como vtimas passivas diante da violncia tanto fsica quanto simblica.
Se pararmos para pensar nas temticas que esses autores trazem em suas obras,
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
veremos que no algo de um todo desconhecido, pois autores que no fazem parte
dessa produo especfica j haviam falado sobre alguns dos temas retratados na
contemporaneidade. Em suma, a diferena se d pelo fato de que, nas obras em que
os escritores no so perifricos, a exemplo de Fernando Bonassi e Rubens Fonseca,
as personagens marginalizadas como negro, mulher, pobre etc. no tm voz, e
no so representadas de forma igual as outras personagens de caracterstiscas
diferenciadas. Estas s eram vistas como marginais, no sentido jurdico da palavra,
ou seja, como bandidos e empregados. Desta forma, eram apenas retratados com um
olhar de quem est de fora, o olhar do outro, que, por muitas vezes, configurava-se
em um olhar estereotipado.
J nas produes literrias perifricas, escritas por autores moradores de
periferias, as personagem ganham ascenso, voz. agregada no texto a voz de quem
vivencia tal realidade e no apenas de a quem observa de fora ou apenas ouve falar.
Olhar com um olhar de dentro de extrema importncia para o entendimento das
produes literrias perifricas, pois como diz o escritor perifrico Srgo Vaz:
986
Literatura Perifrica feita por pessoas que moram na periferia,
simples assim. Ah, ento quer dizer que se eu tivesse nascido num
bairro nobre no poderia escrever Literatura Perifrica?... Poder
pode... S que no vai ficar bom. (VAZ, 2015).
Srgio Vaz, o poeta da periferia! assim que gosta de ser chamado, o escritor e
agitador cultural, que nasceu em 26 de maio de 1964, em Ladainha, norte de Minas
Gerais e migrou para So Paulo aos cinco anos de idade com sua famlia. Hoje, mora
no bairro Pirajussara, localizado no municpio de Taboo da Serra, grande So Paulo.
O poeta um dos criadores da COOPERIFA (Cooperativa Cultural da Periferia) e do
seu sarau, evento que fransformou um bar na periferia de So Paulo em centro
cultural e que, s quartas feiras, rene cerca de trezentas pessoas para ouvir e falar
poesia. Srgio Vaz possui seis livros publicados. Dentre eles, est Literatura, po e
poesia (2011), escrito em prosa potica, obra esta que ser o objeto de anlise do
presente trabalho.
No que se refere obra acima mencionada, a mesma possui uma relevncia
indispensvel para pensarmos a Literatura Perifrica Brasileira Contempornea
escrita pelos autores perifricos dessa nova gerao, que o fato de retratar de forma
direta nos versos e pargrafos dos textos uma crtica social, expondo temas como o 987
analfabetismo, a prostituio, a fome, o desemprego, o fanatismo religioso, a
violncia simblica, a violncia fsica, entre outros. Porm, o mais importante que
Vaz, em seus textos, traz as vivncias dos sujeitos perifricos dentro deste espao
geogrfico especfico que, apesar das mudanas sofridas atualmente, ainda se
constitui em lugar marcado pela ausncia de bens materiais e/ou culturais, pelo
descaso das elites (designadas de maioria) em relao s minorias. O escritor d
voz s pessoas que so esquecidas pela sociedade.
Embora na obra citada predominem crnicas sobre histrias de vida de
desempregados, traficantes, mendigos, miserveis, crentes desonestos, policiais
corruptos e prostitutas, h textos sobre temas abstratos, como sonhos, esperana,
amor, inveja, angstia, desejos, vingana e h espao tambm para o erotismo. Tal
dado sinaliza que a literatura perifrica no se limita a relatar o cotidiano prximo
dessas populaes, mas se expande para tratar de temas universais. Esses fatores
exercem funes fundamentais para pensarmos como se d a representao tanto da
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
REFERNCIAS
991
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
992
LITERATURA INDGENA E POLTICAS AFIRMATIVAS:
ALGUMAS CONSIDERAES ACERCA DA LEI 11.645/08
RESUMO
996 de 2008.
Com relao obrigatoriedade do ensino da histria e cultura indgenas no
currculo educacional compreende-se que a Lei reflete o entendimento de parte da
sociedade civil organizada acerca da necessidade de se preencher as diversas lacunas
na constituio da Histria do Brasil e na histria da literatura brasileira. Por sua vez,
a Lei vem consecutiva a uma srie de medidas responsveis por processo de
visibilizao dos Povos Indgenas, resultado de reivindicaes de grupos indgenas,
escritores e defensores que atuam em movimentos de defesa da causa dessa minoria
poltica e social, que tem como um dos princpios evidenciar a histria e memria
deste Povo. Lutas que foram intensificadas a partir da dcada de 80 do sculo XX.
Evidncias apontam que existe dialtica entre o processo de produo da
literatura indgena e a Lei. Nessa perspectiva discutem-se as motivaes pelas quais a
referida Lei foi necessria e o processo para se ter acesso s obras que tratam da
temtica abrangente histria e cultura dos Povos Indgenas brasileiros.
Diante da necessidade de se intensificar os debates acerca da condio dos
Povos Originrios na sociedade brasileira props-se uma reformulao na qual a Lei
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
As evidncias apontam que entre os sculos XVI e XVIII o que se conhecia dos
Povos Originrios partia das narrativas de viagens reverberadas pela voz do
colonizador e das crnicas jesuticas, ambas carregadas de ideologias equivocadas e
de qualificaes depreciativas acerca desses Povos. Desse modo, termos como
gentios, brbaros, selvagens, silvcolas, negros da terra e outros, compunham as
vises marginalizantes daqueles escritos, e tornaram-se parte do imaginrio social,
vindo a compor o constructo cultural, que, por sua vez, tem como pano de fundo a
ideia de raa, que, de acordo com Quijano,
998
Aps esse perodo o interesse pelo ndio ressurge no sculo XIX, em um
segmento do movimento literrio romntico, que buscou reconfigurar a identidade
da Nao ancorada na ideia de uma identidade prpria e homognea. Para tanto, se
apropria da imagem do nativo da terra para ilustrar uma ideologia de nao
desvinculada, tanto do componente tnico europeu considerado estrangeiro, quanto
dos afro-brasileiros, que denunciavam a face obscura da histria do Pas, ou seja, a
escravido. Contudo o que traz a literatura produzida nesse perodo uma viso
exterior e (pr)conceituada a respeito desse sujeito sem voz.
Da atuao da literatura no processo histrico constata-se, ainda, que na
primeira metade do sculo XX, o ndio ressignificado pelos modernistas Mrio de
Andrade e Oswald de Andrade. Ambos o apresentam, marcando a diferena da
cultura brasileira, reforando e valorizando a identidade nacional, porm no mais
destacando aspectos exticos e essencialistas. Entretanto, o afasta das referncias do
europeu, fazendo com que assuma conotao hbrida. Dentro deste novo contexto
literrio o ndio aparece no mais como modelo nacional, mas como parte dele, que
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Essa Lei tambm prev, dentre outros direitos, conforme explicita Grupioni
(2015) o reconhecimento do magistrio indgena, a formao de professores
especializados para atuarem na rea de elaborao e publicao de materiais
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
1002 poltica de formao continuada para capacitar os professores a trabalharem com tal
temtica. (p. 76).
Entende-se, entretanto que as conquistas, neste campo, partem de lutas e
reivindicaes, sobretudo provindas de grupos dos movimentos de defesa dos Povos
Indgenas conscientes da relevncia da literatura como intercmbio entre a cultura do
ndio e do no ndio. A criao literria, por conseguinte, constitui-se no Instrumento
atravs do qual as culturas e memrias desses povos tm possibilidade de ser
divulgadas.
Nesse cenrio literrio destacam-se autores como Daniel Munduruku, que
preside o Instituto Indgena Brasileiro para Propriedade Intelectual (INBRAPI) e j
tem cerca de 30 obras publicadas. Cita-se, ainda, Eliane Potiguara, que conselheira
do Instituto Indgena de Propriedade Intelectual e coordenadora da Rede de
Escritortes Indgenas na internet; Olvio Jekup, escritor e crtico, que Mora na aldeia
Krukutu, localizada em Parelheiros na cidade de So Paulo e tambm atua como
,palestrante e Ailton Krenak lder indgena, ambientalista e escritor, e tantos outros.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
1004 indgena, ao que ela entende como colonizao e neocolonizao, como est posto no
trecho a seguir:
[...]
Ah!... No sei mais continuar esses cnticos
Porque a mim tudo foi roubado.
Se ainda consigo escrever alguns deles
S fruto mesmo da mgoa que me toma a alma
Da saudade que me mata
Da tristeza que invade todo o meu universo interno
Apesar do sorriso na face... (POTIGUARA, 2004, p. 38)
dentes falhados, tinha fala e sotaque que denunciavam sua condio de imigrante
indgena no Rio de Janeiro em meados do sculo XX. Sua av se sentia envergonhada
e humilhada. O fragmento seguinte assinala a conscincia de uma relao conflituosa
do sujeito da enunciao para com aquilo que o constitui e, ao que parece, no cabe
na sociedade hegemnica.
Brasil
REFERNCIAS
LERRER, Debora. As histrias dos ndios por eles mesmos. In: Carta capital. 2011.
ONG, Walter J. Oralidade e cultura escrita. Trad. Enid Abreu Dobrnsky. So Paulo:
Papirus, 1998.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausncias e uma sociologia
das emergncias. In: Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso
sobre as cincias revisitado. (Org.) So Paulo: Cortez, 2004. 777-819 p.
THIL, Janice. Pele silenciosa, pele sonora: a literatura indgena em destaque. Belo
Horizonte: Autntica Editora, 2012.
1008
SHERLOCK DA CUNHA:
Razes da atual questo social em traduo indita de Arthur Conan Doyle
Nicolas Oliver
Estudante de Letras com Ingls, da UNEB Campus Salvador
nicolas.vladimir@hotmail.com
RESUMO
O autor escolheu para tema de seu Trabalho de Concluso de Curso a comparao
das obras histricas Os Sertes, de Euclides da Cunha, que retrata a Guerra de
Canudos, e The War in South Africa, de Arthur Conan Doyle, retratando a Segunda
Guerra Ber, at ento indita em Lngua Portuguesa. O autor se props ao desafio
de traduzir o texto original, encontrado na Internet, para uma verso em Lngua
Portuguesa, com o objetivo de alm de concluir o TCC, produzir como produto
secundrio tambm uma traduo comentada da obra original, para posterior
publicao em uma editora universitria ou de pequeno porte. No presente trabalho,
o autor faz uma anlise histrica dos eventos descritos por Doyle comparando-os
com situaes da histria recente na prpria frica do Sul e em nosso pas, como um
ensaio prvio do TCC. Tendo como referncias George Orwell, Oliveira Viana e
Robert Michels, entre outros, o autor busca demonstrar, que atravs de uma
linguagem cuidadosamente controlada e higienizada, Doyle buscou mistificar o
papel da Inglaterra no conflito, culpando apenas os beres pela conflagrao e
minimizando os abusos de direitos humanos de seu prprio pas, de forma a fazer
aparentar que ele realizava acima de tudo um processo civilizatrio de ndole neutra,
enquanto ele de fato agia com interesses de dominao ainda mais predatrios que
aqueles dos adversrios que acusava. No presente trabalho, o autor relaciona esse
tipo de mascaramento ideolgico no s a Guerra ao Terror ainda levada a cabo
pelos Estados Unidos, mas tambm aos confrontos sociais e polticos existentes em
nosso prprio pas, como no aprofundamento da diviso entre Direita e Esquerda
durante as ltimas eleies, e, localmente, ao Massacre da Engomadeira, ocorrido
prximo as dependncias da faculdade aonde o autor estuda. Comparando as
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
1010
1 APRESENTAO
O autor teve a idia de realizar seu TCC utilizando a obra de Doyle como tema por
volta de 2014, ao realizar um trabalho para uma disciplina da professora Daniela
Mascarenhas. Tendo escolhido como tema o escritor Arthur Conan Doyle, o autor
realizou uma apresentao sobre sua vida e obra, aprendendo no processo que, alm
de autor de Sherlock Holmes e do Mundo Perdido, obras que influenciam at hoje a
Literatura, Doyle foi tambm autor de obras histricas e de terror, e alm disso,
ativista social e poltico, chegando a lutar pela causa de imigrantes perseguidos pela
Justia da sua poca usando mtodos similares ao de seu principal personagem. Ele
lutou tambm pelas suas prprias convices religiosas, se envolvendo em algumas
controvrsias sobre a paranormalidade e a existncia de fadas, e, o mais importante
para este trabalho, em favor do que considerava ser a misso humanitria do Imprio
Britnico, que percebia como um fator de prosperidade e democracia no mundo.
Para este fim, um de seus maiores feitos foi servir como mdico voluntrio durante a
Segunda Guerra Ber, ocorrida entre 1899 e 1902 entre o Imprio Britnico e as
Repblicas Beres (descendentes de holandeses) da frica do Sul, e aps isso,
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
escrever duas obras com sua verso dos acontecimentos: The Great Boer War, uma
obra maior, com explicaes detalhadas da maioria das batalhas, e The War in South
Africa, uma verso posterior, resumida, mais concentrada nos fatos e consequncias
scio-polticas do conflito. A existncia dessas obras foi o que mais impressionou o
autor, que no tinha conhecimento at ento, que alm de mdico, escritor e jurista
amador, Doyle tambm tivesse sido cronista poltico. O fato que mais lhe chamou
ateno foi que a carreira e obra de Doyle tinha paralelos muito interessantes com a
de um famoso autor brasileiro: Euclides da Cunha, que tendo uma formao inicial
de engenheiro, e tendo sido tambm jornalista, se tornou escritor e cronista social
com Os Sertes, uma obra que, como a de Doyle, retratava um conflito ocorrido numa
zona desrtica entre um governo central e camponeses de fortes convices
religiosas, a Guerra de Canudos, ocorrida pouco antes do comeo da Guerra Ber.
Tendo muitos pontos de semelhana, as carreiras de Doyle e da Cunha tambm tem
muitos pontos de diferena: sendo ambos dois intelectuais formados que aceitaram
participar como testemunhas de conflitos armados, o idealismo inicial de da Cunha
pelo papel do Exrcito Brasileiro e da Repblica lentamente se transformou em uma 1011
desiluso que, acredita-se, o assombrou durante o resto da sua vida e poderia ter
contribudo para seu suicdio atravs do amante da esposa (vide Euclides da Cunha e
a Bahia, de Oleone Coelho). Doyle, por sua vez, tendo perfeita f no papel do
Imprio Britnico na prosperidade e do que enxergava como igualdade racial (acima
de tudo entre os europeus) na frica do Sul, buscou justificar com todos os
argumentos possveis a ao de seu pas no debelamento da Guerra Ber,
relativizando vrios casos de quebras de direitos humanos pelo Exrcito Britnico na
frica do Sul. A mesma envolveu o primeiro uso registrado em tempos modernos de
campos de concentrao em larga escala para esgotar uma populao vista como
inimiga ou potencial apoiadora de um inimigo, algo que de certa forma antecedeu os
guetos e campos de concentraes nazistas, ou, mais propriamente, as polticas de
internamento de japoneses postas em prtica por Brasil e Estados Unidos na 2
Guerra. Tendo lido muitos livros de poltica e histria poltica anteriormente, o autor
decidiu que seu tema de TCC deveria ter ento por temas quatro reas que so as
suas favoritas: Literatura, Traduo, Histria e Poltica, comparando as obras de
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
2 TRADUZINDO DOYLE
Tendo tomado a deciso de fazer o TCC com tal tema, o autor percebeu que
precisaria de uma verso em Portugus das obras originais de Doyle, e. realizando
uma busca na Internet, infelizmente no as encontrou em lugar algum, nem sequer
mencionadas. Ele ento percebeu que teria de ser ele mesmo a fazer as tradues. O
autor j tinha experincia prvia com tradues amadoras, tendo participado de uma
oficina com a professora Snia Simon, de seu Departamento, na qual realizou a
traduo do conto Life, de Bessie Head, para o Portugus. O autor buscou pelas
verses originais dos livros no site Project Gutenberg, especializado em verses
1012
digitais de obras com direitos j expirados, e as copiou para o prprio computador,
comeando o trabalho de traduo. Tendo comeado primeiro pela obra maior, The
Great Boer War, o autor acabou decidindo pela segunda, menor, que alm de ser
mais rpida de se traduzir, tambm era mais frutfera em relao ao objeto de
pesquisa, o discurso poltico de Doyle. O trabalho, que se iniciou em Abril do
corrente ano (2015), j est parcialmente concludo, faltando poucas pginas para o
autor poder dar por concluda a traduo do 1 Esboo do trabalho. O 1 Esboo foi
executado deixando-se vrios termos ambguos ou mais difceis de se traduzir
marcados para uma posterior reviso, que o autor corrigir ou decidir sobre no 2
Esboo. No 3 Esboo, com a obra de fato completamente traduzida, o autor ento
corrigir erros e inconsistncias ainda presentes na obra aps a traduo, concluindo-
a de fato. Este mtodo foi desenvolvido pelo autor seguindo a maneira com a qual ele
operou na traduo do conto Life, sob orientao da professora Snia; ele tambm
alternou entre o uso dos editores de texto Libre Office e Microsoft Word para
aproveitar as caractersticas e funcionalidades de cada um: o Libre Office graas
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
1013
3 A ORDEM DE CAPTULOS
Durante a leitura prvia da obra de Doyle, o que mais chamou a ateno do autor foi
que a disposio dos captulos na mesma seguia uma ordem que era muito similar
de Euclides. A obra de Doyle, sendo uma apologia das aes do Imprio Britnico,
basicamente busca em cada captulo desmontar as principais acusaes feitas contra
o mesmo durante a administrao do conflito. A obra se inicia com um captulo
dedicado a descrio scio-antropolgica dos beres, e depois, com outro captulo
dedicado a descrever como, os beres formando duas Repblicas independentes no
Norte e sendo descoberto ouro e diamantes no territrio das mesmas, se criou uma
dinmica de conflito entre esses beres e imigrantes mais recentes, o que por sua vez
levou a interveno da Inglaterra e a Guerra em si. A obra de Euclides baseada
numa interao dialtica: a interao entre Terra e Homem resultam na sntese, a
Luta do Homem e da Terra contra os invasores. Se a obra de Doyle pudesse ser
dividida da mesma forma, poderia ter trs captulos um tanto diferentes: Contexto,
(Contra) -Acusaes, e Consideraes. Contexto pode ser considerado equivalente
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
1014 mais servir como ponte entre o pensamento de Doyle e o de Euclides. Oliveira
Viana (1883-1953) foi um jurista, poltico e pensador brasileiro, que escreveu vrias
obras sobre a formao poltica do Brasil, tendo como jurista ajudado a formar as
bases do moderno Direito Trabalhista e Sindical brasileiro. A obra utilizada pelo
autor, especificamente, O Ocaso do Imprio, na qual Viana descreve,
esquematicamente, as razes que levaram a dissoluo da Monarquia Brasileira pelo
movimento republicano. Alm disso, ele descreve o porqu de a Proclamao da
Repblica ter tido muito pouca participao popular, gerando uma Repblica ainda
mais elitista e corrupta do que a prpria Monarquia. Viana tem um pensamento todo
prprio, que no pode ser encaixado em qualquer escola de filosofia ou pensamento
conhecida. Sendo um pensador organizado, mas ao mesmo tempo, muito flexvel,
Viana descreve os principais fatores polticos que que levaram ao resultado final: o
regime de poder ento existente, baseado numa alternncia de poder mediada pelo
Poder Moderador do Imperador, o movimento abolicionista, o movimento
republicano, e o Poder Militar. Viana mostra a interao entre esses fatores como
levando no s a queda final da Monarquia, mas tambm uma Repblica no
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
6- OLEONE COELHO
Oleone Coelho (1937-...) um autor baiano, que h muito tempo se interessa por
temas relacionados ao nosso Estado. Um de seus livros, Euclides da Cunha e a
Bahia Ensaio Biobibliogrfico, de 2009, uma antologia histrica da relao de
Euclides da Cunha com algumas autoridades e luminares baianos, tanto no tempo
em que esteve brevemente na Bahia, cobrindo a Guerra de Canudos, como
posteriormente, como durante o tempo em que foi amigo do engenheiro baiano
Teodoro Sampaio, residente em So Paulo. A obra de Oleone gera uma luz maior
sobre como funcionava a mente de da Cunha, demonstrando tambm as
consequncias psicolgicas do conflito num individuo, que aparentemente, possua
ao mesmo tempo ao mesmo tempo apaixonada e frgil. O captulo da obra que
1016 relaciona Cunha e Rui Barbosa ser de especial importncia na execuo do TCC,
devido ao fato de nele Oleone realizar uma comparao das posies dos dois
grandes autores diante do conflito de Canudos; da Cunha evoluindo de uma
completa adeso ao papel da Repblica a uma forte crtica, e Barbosa agindo sempre
de maneira ambgua, primeiro sendo a favor da completa destruio de Canudos
como um mero foco sedicioso, a acusar, de forma pouco sincera, o Exrcito de
excesso de uso de fora, aps a obra de da Cunha se tornar largamente conhecida. O
contraste entre a paixo de Cunha e a ambiguidade de Barbosa servir como um caso
para a anlise dos modos de agir de Cunha e Doyle em relao as situaes que
cobriram. A descrio feita por Oleone dos momentos finais de Cunha, no Rio de
Janeiro, tambm ser utilizada pelo autor para demonstrar uma teoria prpria: que
Cunha se levou ao suicdio indireto devido as consequncias de sua escolha moral
como autor, que lhe levaram a um colapso mental que resultou em sua prpria
morte.
7- GEORGE ORWELL
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Conhecido como o autor de 1984 e Revoluo dos Bichos, Orwell (1903-1950) foi
tambm um ensasta e crtico literrio, deixando vrios textos sobre os processos da
escrita e sobre a construo do discurso poltico, entre eles A Poltica e Lngua Inglesa,
no qual descreve como os polticos manipulam o discurso de forma a causar reaes
calculadas no pblico. O autor far uso deste e de outros ensaios de Orwell como
forma de comparar o discurso de Doyle e Cunha, especialmente os efeitos que ambos
esperavam causar no seu pblico no momento em que escreveram cada captulo de
suas obras. As teorias de Orwell sobre o totalitarianismo e o pensamento militarista,
tambm sero utilizados, se fazendo um paralelo entre a chamada mentalidade de
guerra descrita por Orwell, e o entusiasmo militar apresentado inicialmente por
Cunha e defendido at o fim por Doyle.
8- EVENTOS MODERNOS
Desde a passagem dos sculos aonde viveram e trabalharam Doyle e Cunha, vrias
situaes de violncia se seguiram na frica do Sul, no Brasil e no mundo. Entre os
eventos especficos que o autor escolheu para comprovar sua tese, esto trs de maior 1017
destaque: A Guerra ao Terror (ou, mais apropriadamente, Terceira Guerra Mundial
ou Segunda Guerra Fria, a depender da interpretao dada) que tem os Estados
Unidos como protagonista, que se baseia numa srie de guerras de mdia para
justificar a presena militar do pas, em novos confrontos, que gerando
consequncias em outros lugares, exigem novas intervenes e mais campanhas de
mdia para justific-las, alm de se precisar diminuir a eroso moral do pblico
devido aos custos e perdas dessas mesmas intervenes e campanhas; a recente
polarizao poltica de nosso pas, que comeou a se aprofundar mais ou menos a
partir da metade do 1 termo do Governo Dilma, no qual se formaram dois campos
de pensamento (progressistas/socialistas versus liberais/conservadores), ou, como
ambos se apelidam, mortadelas contra coxinhas) que mesmo formando minorias
relativas em relao as prioridades da populao mdia, monopolizam os espaos de
debate, criando, ao invs de discusses efetivas de questes necessrias, embates
inconclusivos e improdutivos entre ideias igualmente extremas e pouco praticveis
no mundo real; e a situao de virtual guerra civil na frica do Sul, aonde, aps
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
1018 dos autores diante de situaes de violncia modifica a prpria percepo histrica
dos mesmos, assim como ocorreu com Doyle e da Cunha
9- CONCLUSO
autor buscar demonstrar, em seu futuro TCC, que existe uma escolha consciente que
um autor ou jornalista pode realizar em relao aos eventos que descreve ou noticia;
ou uma forma mais polida, que pode levar a construo de uma carreira longa e
frutfera, mesmo que de no grande destaque; ou um realismo mais direto, que
embora garanta fama e prestgio para o autor, pode tambm ser danoso para sua
prpria vida pessoal e integridade psquica. A opinio pessoal do autor, at o
momento, que se Barbosa, Doyle, e em parte, Machado possam ser considerados
menos ntegros em relao a Barreto, Orwell e Cunha, ainda assim conseguiram,
atravs de escolhas conscientes que levaram suas obras a ter menos impacto
desestruturante sobre si mesmos, sobreviverem por mais tempo, e assim, deixarem
um legado mais duradouro.
REFERNCIAS
1020
ESTRIAS ABENSONHADAS E A RESSIGNIFICAO DA IDENTIDADE
NACIONAL MOAMBICANA ATRAVS DE CONTOS
RESUMO
1. LITERATURA AFRICANA
No sculo XV, no apogeu da expanso ultramarina de Portugal, quando o
continente africano comeou a ser desbravado, surgiu entre os portugueses uma
espcie de literatura cujo objetivo foi narrar as aventuras dos navegadores em terras
at ento conhecidas como brbaras. Essa literatura chamada por Manuel Ferreira,
autor de Literaturas Africanas de Expresso Portuguesa (1987), de a Literatura das
Descobertas e Expanso.
A Literatura das Descobertas e Expanso muito contribuiu para a solidificao
da literatura portuguesa no cenrio literrio mundial, como afirma Manuel Ferreira:
aps o sculo XIX que a influncia do colonizador portugus comeou a ser sentida
na rea educacional. Maria Aparecida Santilli afirma que Se j no existia uma
escrita entre esses africanos, o colonizador portugus tambm no fez por dar-lhes
logo o cdigo grafado de sua lngua, da lngua que lhes levava de emprstimo.
(1985, p.9)
A primeira forma de expresso literria africana a surgir foi a imprensa, a
partir do ano de 1850. A produo literria dessa poca denominada por Santilli de
literatura colonial. Alguns jornalistas comearam a utilizar os folhetins para publicar
suas prosas de fico. Dois deles se destacaram: Pedro Flix Machado e Alfredo
Troni. deste ltimo, Troni, nascido em Coimbra mas tendo vivido a maior parte da
sua vida em Luanda, a autoria da novela Nga Muturi (Senhora Viva), publicada em
1882. Esta obra, que foi a primeira prosa de fico a trazer dados do mundo africano,
fez com que Troni marcasse [...] presena na literatura como precursor da prosa
moderna em Angola. (SANTILLI, 1985, p.10).
A chamada literatura nacional surge na virada do sculo XIX para o XX,
perodo marcado pelo surgimento de movimentos cujos objetivos foram: a busca pela 1025
afirmao da personalidade negra, a igualdade entre negros e brancos e a defesa dos
diretos dos homens negros. Tais movimentos foram chamados de movimentos da
negritude.
O romance Batouala, publicado em 1921, de autoria de Ren Maron,
considerado um marco literrio dessa poca, onde as obras literrias objetivavam a
afirmao do ser africano e a valorizao de sua cultura e suas tradies autctones.
Contos e lendas, de autoria de Carneiro Gonalves, obra de grande valor por religar
Moambique com o seu patrimnio tradicional.
A literatura produzida na frica de lngua portuguesa desde ento objetiva
ressignificar a identidade dessas ex-colnias e recentes pases, que por tanto tempo
estiveram sob o domnio de Portugal e tiveram sua cultura menosprezada e quase
extinta pelo colonizador. A exemplo de Mia Couto, escritor moambicano, autor da
obra que este presente trabalho pretende analisar, e que se destaca no papel de
resgatar a identidade de Moambique atravs da literatura. Suas obras se utilizam de
vrios mecanismos de resistncia anticolonial, desde a forma inovadora como utiliza
a lngua portuguesa, herana deixada pelo colonizador, ao resgate de mitos tpicos
da cultura moambicana como forma de reconectar o pas com sua identidade
tradicional.
2. MIA COUTO
Antnio Emlio Leite Couto, nasceu na Beira, Moambique, em 5 de julho de
1955. Filho de pais portugueses, estudou medicina por um tempo optando depois
1027
por biologia, rea em que se graduou. Trabalhou como jornalista e atualmente atua
como escritor e como pesquisador na rea de cincias biolgicas.
Como escritor, Mia Couto tem vrias publicaes, sendo elas de poesias,
contos e romances. So alguns deles: Raiz de Orvalho (1983), Terra Sonmbula (1992), A
Varanda do Frangipani (1996), Vinte e Zinco (1999), O ltimo voo do Flamingo (2000), Um
Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra (2002), O Outro P da Sereia (2006),
Veneno de Deus, Remdios do Diabo (2008) e Antes de Nascer o Mundo (2009).
A literatura teve um papel de destaque em dois momentos importantes da
histria das colnias africanas. Na fase em que o sistema colonial portugus comeou
a entrar em declnio na frica, entre os anos de 1965 e 1975, a literatura foi utilizada
como meio de expressar as ideias revolucionrias daqueles que desejavam a
independncia de seu pas e a partir do ps-independncia at os dias de hoje, a
literatura africana utilizada para resgatar a identidade das ex-colnias perdida aps
tantos anos sob o domnio do sistema colonial portugus.
nesse segundo momento, na tentativa de utilizar a literatura para resgatar a
identidade moambicana, que se encaixa a obra de Mia Couto, destacando-se por
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
dois aspectos principais: o projeto literrio no qual baseia suas narrativas, conhecido
como projeto de moambicanidade e a forma como utiliza a lngua portuguesa em
sua obra.
A obra de Mia Couto baseada na cultura de seu pas, no resgate da tradio
oral e da sabedoria popular africana. Para isso ele utiliza diversos recursos, como:
mitos e lendas tpicas de Moambique, a utilizao do sobrenatural para explicar
situaes cotidianas e a chamada reinveno da lngua portuguesa, onde ele utiliza a
lngua de uma maneira inovadora para tentar expressar os sentimentos de um povo
em busca de sua identidade.
Jane Tutikian, autora de Velhas identidades novas o ps-colonialismo e a
emergncia das naes de Lngua Portuguesa (2006), afirma que:
A maneira como Mia Couto baseia seu trabalho na cultura do seu pas, na
tradio oral africana, nos mitos e lendas que passam de gerao em gerao, uma
forma de ajudar a fortalecer a identidade de um pas que por tanto tempo teve sua
cultura reprimida pelo sistema colonial portugus.
1030 A obra do moambicano Mia Couto se destaca na literatura africana por dois
aspectos principais: a linguagem utilizada pelo autor e o projeto literrio no qual
baseia suas narrativas, conhecido como projeto de moambicanidade.
No que diz respeito a linguagem, Mia Couto se apropria da lngua portuguesa
e a transforma, pondo em prtica a estratgia de resistncia anticolonial, de
nacionalizao da lngua do colonizador, como j vimos anteriormente neste presente
trabalho. Ao lermos seus romances comum nos depararmos com [...] a unio de
dois vocbulos que causam estranhamento por estarem juntos; em outros casos,
aparece a criao, a partir da sntese de duas palavras, de uma terceira, [].
(Tutikian, 2006, p.58). Somado a isso temos a utilizao de vocbulos oriundos da
lngua nativa de Moambique e de metforas, o que acaba por provocar a poetizao
da linguagem, fato que muitas vezes faz com que Mia seja comparado ao escritor
brasileiro Guimares Rosa, que possua caractersticas estilsticas semelhantes.
A estratgia de basear seu trabalho na cultura do seu pas, na tradio oral
africana, nos mitos e lendas que passam de gerao em gerao, uma forma de
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
ajudar a fortalecer a identidade de um pas que por tanto tempo teve sua cultura
reprimida pelo sistema colonial portugus.
4. ESTRIAS ABENSONHADAS
A coletnea de contos Estrias abensonhadas, cuja primeira edio data de 1994,
s chegou ao Brasil em 1996, sendo o primeiro livro de contos de Mia Couto a ser
publicado neste pas. Composta por vinte contos, o diferencial dessa obra se d pelo
fato de que as histrias foram escritas no ps-guerra, diferente das obras anteriores
do autor, como ele mesmo afirma no prefcio do livro:
1032 que surgia noite, feito s de metades: um olho, uma perna, um brao. (COUTO,
2012, p.11).
A representao do Moambique ps-guerra civil tambm um aspecto muito
presente nos contos que compem a coletnea de Estrias abensonhadas, a exemplo do
conto O cego Estrelinho, que narra a histria de um homem cego que teve a
oportunidade de conhecer, atravs de dois guias diferentes, as duas faces da mesma
frica: a fantstica e a assolada pela guerra; e do conto Chuva: a abensonhada, onde a
imagem de um dia de chuva utilizado para representar um novo incio aps o fim
da guerra civil.
Ao analisarmos a importncia das obras literrias e dos elementos culturais
locais trazidos pelas mesmas no processo de ressignificao identitria de seus
povos, percebemos como autores, a exemplo de Mia Couto, podem contribuir para
divulgar e consolidar uma cultura por muito tempo marginalizada. Embora
saibamos no ocorrer de maneira igualitria, o acesso a esse tipo de literatura pela
populao local, permite o conhecimento de traos culturais, muitas vezes
desconhecidos ou pouco representados em meios de comunicao. Sobre o alcance
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
da obra de Mia Couto, Fernanda Cavacas, Rita Chaves e Tania Macdo, no prefcio
do livro Mia Couto: um convite diferena, afirmam que: E, o que , de certo modo,
surpreendente, trata-se daqueles raros casos de popularidade tambm entre os
leitores no especializados. A afluncia de leitores s sesses de lanamento de seus
livros atesta o alcance de sua obra para alm da academia. (2013, p.15). De acordo
com a citao acima, as obras de Mia Couto, assim como o que elas representam,
esto alcanando cada vez mais diferentes nveis da sociedade, contribuindo assim
na propagao dos costumes e tradies locais para as futuras geraes.
CONSIDERAES FINAIS
Aps o processo de independncia da colnia de Moambique, os
moambicanos viram sua cultura descaracterizada pelo tempo em que esteve sob o
domnio de Portugal. Algo era preciso ser feito para ressignificar a identidade
nacional.
A literatura teve importante papel no processo de revitalizao da identidade
africana. Foi atravs dela que a voz do povo pode ser ouvida assim como a 1033
transmisso de seus costumes ancestrais pode ser feita para as futuras geraes.
Mia Couto, um dos mais conhecidos escritores moambicanos, utiliza suas
obras para transmitir os costumes de um Moambique at ento esquecido e
desconfigurado pelo processo colonial. Em Estrias abensonhadas, Mia utiliza o
elemento mtico como forma de manter vivos os mitos, as lendas e as supersties
africanas.
A identidade moambicana que Mia Couto procura ressignificar em suas
obras algo que se consti hoje, no espao vivo do conflito identitrio e das runas
deixadas pelo sistema colonial e pelas sucessivas guerras. Em A Identidade Cultural na
Ps-Modernidade, Stuart Hall afirma que o sujeito ps-moderno no tem uma
identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade tornasse uma celebrao
mvel, construda e reconstruda nas relaes cotidianas. Nesse sentido, a
identidade moambicana que Mia Couto busca representar atravs dos seus
personagens, no algo que estava adormecido, algo novo, que se constri no
presente.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
REFERNCIAS
O preconceito revestido de boas aes e projetos pontuais, est intrnseco nas escolas
atravs de uma atitude morosa e pouco comprometida em levar a literatura afro-
brasileira ao conhecimento de crianas matriculadas na Educao Infantil. A causa da
no aceitao deste tipo de leitura que, se pensa erroneamente, que crianas nessa
fase de desenvolvimento cognitivo no conseguem discernir ou identificar o
preconceito nas pequenas atitudes do dia-a-dia. necessrio aprender a se defender
das pequenas maldades humanas disfaradas de boas aes, rompendo com os
esteretipos da literatura clssica, pois a criana de pele escura brasileira vai crescer e
vai precisar ter embasamento para entender que estas atitudes so agresses por
conta do preconceito racial e para transformar seu meio social em um ambiente
favorvel diversidade tnica. A criana que tem a oportunidade de se ver refletida
em um livro de literatura com teor imagtico que enfatiza a valorizao do ser
humano imbudo em sua diversidade, constri uma identidade que eleva a sua
autoestima e embasa suas futuras aes sociais. O presente artigo trata da
importncia de se trabalhar as questes raciais com as crianas desde a Educao
Infantil, a partir do livro O Menino Marrom, escrito por Ziraldo. O livro de
Ziraldo, lanado em 1986, aborda a conscincia de cidadania, respeito diversidade,
amizade e lealdade entre duas crianas, o menino marrom e o amigo cor-de-rosa, que
vivem a aventura de encontrar a prpria identidade e descobrir que no existem
pessoas pretas ou brancas, mas de vrias tonalidades e que a amizade e o apreo
independem da cor da pele. Embasado em autores como Regina Zilberman, Mia
Couto e Stuart Hall, assumimos a concepo de que a leitura literria pode contribuir
na sensibilizao das crianas para a cidadania e conscincia tnica-cultural. A
sociedade brasileira impe levianamente uma variada classificao de cores de pele e
raa numa real tentativa de embranquecer uma populao com razes africanas e
indgenas que supera em nmero as origens europeias. Aceita-se a famosa mistura
de raas apenas para declarar uma falsa democracia onde todos so iguais em
direitos e deveres no convvio social. O menino marrom de Ziraldo tentava a todo
momento descobrir nas cores a razo das diferenas; quando chegou concluso de
que existia o preto igual carvo e o branco igual a neve, surgiu outro
questionamento: se h pessoas brancas e pessoas pretas. O que realmente branco na
natureza? Dessa forma chegaram concluso, o menino marrom e seu amigo cor-de-
rosa, que no existem pessoas pretas ou brancas, mas sim, existem vrias tonalidades
de marrom e que a amizade e o apreo um pelo outro independiam da cor da pele.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
APRESENTAO
O gosto musical, o bairro onde mora, os brinquedos que tem na estante, a cor
da pele e inmeras outras definies compem grupos, distinguindo-os uns dos
outros numa maneira de deixar o indivduo confortvel consigo mesmo dentro de
um grupo maior que a sociedade onde vive. Os preconceitos se estabelecem a partir
dessa segregao, onde cada grupo defende sua subjetividade como verdade
absoluta e impe sua realidade como sendo sempre a mais justa e certa a ser seguida.
1036
A questo , que toda tentativa de se definir ou rotular um indivduo
socialmente est sujeita a contrapontos e divergncias. A criana ou adolescente
facilmente movida a fazer parte de um ou mais grupos, porm tambm facilmente
atingida quando se coloca em evidencia o ser diferente e no o ser igual a todos,
gerando intolerncia. O presente artigo trata da importncia de se trabalhar as
questes raciais com as crianas da Educao Infantil, a partir do livro O Menino
Marrom (1986), escrito por Ziraldo.
Essa viso social do negro parece perdurar at os dias atuais de uma forma
mascarada, porm dolorosa, pois, sabido que o indivduo da pele negra sempre
ter a sua cor de pele como alvo das atenes em detrimento s qualificaes do seu
perfil subjetivo e/ou tcnico profissional.
Uma certa pessoa precisou ir ao mdico pois estava com problemas graves e
queria o melhor atendimento. Ao entrar no consultrio, foi diagnosticada com
preciso, porm falou com o mdico que no acreditava no diagnstico dele e que
iria buscar o melhor atendimento do pas em outra cidade, deixando clara suas
preferencias raciais. Chegando l, no melhor hospital do pas, procurou na recepo
quem era o melhor mdico de l, e ao entrar no consultrio, se deparou com o
mesmo mdico que inicialmente a atendeu.
Esconder da sociedade o negro que se esfora trs vezes mais que um dito
branco para alcanar um patamar financeiro mdio ou alto, cultivar a supremacia
da ignorncia que cega a populao para as qualidades humanas e promove a
exaltao de definies fteis em carter fsico e material. A sociedade brasileira
ainda impe uma variada classificao de cores de pele e raa numa real tentativa de
embranquecer uma populao que constituda fortemente e inclusive pela cultura
africana e indgena.
No h como definir uma raa a partir da cor. Seria como criar uma sub-raa
para a raa humana, considerando apenas a cor da pele. mais digno qualificar o ser
humano pelas caractersticas subjetivas da personalidade, que servem como adjetivos
mais especficos que o nome prprio. Valorizando o ser em detrimento do ter,
consegue-se uma descrio muito mais complexa e rica de um ser humano. A cor que
tem uma pele, abriga um ser que dotado de qualidades subjetivas singulares a
serem exploradas.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
seu papel social de educar uma criana para no ferir os limites emocionais de outras
pessoas.
Ainda um tabu, como falar de sexo por exemplo, falar da cor da pele de uma
criana, em casa, com os amigos e na escola. A criana acaba por se inibir e acreditar
ser normal toda essa movimentao negativa em relao a sua cor e quando se v
marginalizada de um sistema que, alimenta a segregao, a criana negra tenta
definir a cor da sua pele como qualquer outra variao mais clara que a pele negra.
la para a significao do smbolo. As inverdades surgem visto que cada qual cria em
seu imaginrio o significado simblico de acordo s experincias vivenciadas e suas
ideologias.
Quando a criana procura imagens que remetem a sua prpria imagem fsica,
ela est no somente tentando se aproximar de algo que lhe traga segurana social,
mas tambm, est tentando se auto afirmar perante esta mesma sociedade. A criana
do sculo XXI, no aceita mais estar marginalizada ou pertencente a um nico
padro, ela pretende ser autentica e autossuficiente, para assim, atuar de forma
efetiva no seu meio social.
1042 O sujeito ps-moderno descrito por Stuart Hall, possui vrias identidades em
constante transformao, diferentemente do sujeito antecedente que primava por
uma nica concepo do ser cultural. As movimentaes culturais para a sociedade,
esto criando o novo sujeito que se permite tramitar por diversas culturas e construir
a sua identidade a partir do contato direto com essas culturas.
escondido das crianas nas literaturas clssicas. Um tipo que se parece com muitos
meninos brasileiros.
1044 Esse prazer pela leitura tambm se aprende a ter. O professor um exemplo
de leitor para as crianas. Mesmo quando no conseguem decifrar as palavras, elas
conseguem significar a histria atravs da configurao do prprio livro. Regina
Zilberman em uma entrevista Revista Escola fala da importncia do professor como
exemplo de leitor,
colocar a cor como condio para se definirem diferente, mas sim, como elo da
amizade entre os dois.
A criana a partir do momento em que nasce, inicia uma busca constante por
entender o funcionamento do seu corpo e por se descobrir como indivduo e parte do
meio. Com o desenvolvimento cognitivo, a criana mesmo antes de conseguir se
expressar verbalmente, percebe as diferenas do seu prprio corpo em relao ao
corpo das pessoas prximas a ela.
Algumas crianas at comeam a no mais querer serem negras, por achar que
o mais bonito e mais correto, aquele padro de beleza dos contos ditos clssicos.
Outras crianas at tornam-se violentas e no conseguem se aceitar no prprio corpo
por se identificarem mais com os violes que com os mocinhos.
O professor que pretende utilizar-se dos contos clssicos com seus educandos
deve considerar como ir apresentar a histria para as crianas, identificando as
diversidades culturais e tnicas existentes na turma e enfatizando durante a histria
que as imagens construdas para quele conto so apenas uma entre tantas outras
possibilidades, dando abertura para a criana entender a descrio de cada
personagem de acordo sua prpria realidade.
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
CONSIDERAES FINAIS
desde quando a criana olha pela primeira vez o mundo, que este mundo
deve se apresentar como mediador da realizao dos seus sonhos e no como o lobo
mal que devora vovozinhas. O educador formal ou informal deve mostrar com
suavidade que o estereotipo no precisa definir sua subjetividade, seu ser.
Independentemente da cor da pele, do tamanho do nariz ou da largura dos quadris,
ser gente e ser gente boa, deve bastar para fazer parte do rol das grandes
Anais o 5 Encontro de Leitura e Literatura da UNEB, vol. 5, nico, 2015.
Referncias Bibliogrficas
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LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: histria & histrias. 4.
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Paula, Erclia Maria Angeli Teixeira de; Mendona, Fernando Wolff. Psicologia do
Desenvolvimento. Erclia Maria Angeli Teixeira de Paula; Fernando Wolff Mendona. 3. ed.
Curitiba: IESDE Brasil S.A. , 2009. 1049
ZILBERMAN, Regina. Para que a juventude leia mais. Revista Nova Escola, 2007.
Disponvel em <http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-
pedagogica/juventude-leia-mais-423892.shtml>
1050
NOS TRAOS DA MULHER: A REPRESENTAO DA MENINA NEGRA NA
LITERATURA INFANTIL NEGRO-BRASILEIRA
RESUMO
No imaginrio infantil comumente as histrias iniciam com a clebre frase Era uma
vez, geralmente sucedida pela descrio da personagem principal apresentada como
bondosa, bonita, sbia e de pele clara que supera os infortnios vindouros, se
apaixona e vive feliz para sempre. A literatura infantil est repleta de representaes
como estas que se consolidaram ao longo do tempo e contriburam para a ausncia
dos negros no cenrio literrio e/ou para uma representao objetificada
historicamente iniciada com o processo escravagista, fortalecendo assim, a
proliferao de uma srie de estereotipia em relao ao negro. A literatura infantil
tradicionalmente sempre foi reconhecida como uma produo sobre o negro, sendo
assim, os escritores brancos manipulam seu acervo de memria onde habitam seus
preconceitos no momento da escrita conforme elucida Cuti (2010), todavia a
contemporaneidade marcada pela insurgncia de uma nova produo literria, a
produo do negro que utiliza temas como preconceito como uma das suas
temticas. A literatura negra o grito dos que tinham direito apenas ao sussurro, a
voz dos ditos marginais, a escrita das suas experincias e suas questes. a voz de
negros, mulheres e crianas negras. A dcada de 1970 marcou o perodo de grandes
transformaes no Brasil e a literatura tambm sofreu grandes mudanas nas suas
narrativas e representaes de personagens. A contemporaneidade trouxe narrativas
repletas de denncias e realismo fantstico, revelaram outras autorias e a escrita
feminina foi potencializada, novas identidades foram desveladas e empoderamentos
requisitados. Um dos personagens mais marcantes da literatura infantil
contempornea a menina negra que agora imbuda na trama v o preldio de
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1 APRESENTAO
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A condio negra como objeto, descrita por Domcio Proena Filho vai
influenciar a produo literria, uma vez que a literatura de maior propagao,
divulgao e poder simblico social e poltico, inicialmente escrita por mos
brancas e tinha o branco como seu leitor real e ideal. Esses escritores e/ou leitores
vivenciaram o processo escravagista ou foram contaminados com uma educao
reducionista do negro fazendo com que sua produo literria fosse o
extravasamento do seu acervo de preconceito interiorizado. Este preconceito
perversamente atinge a subjetividade do prprio negro, que passa a se negar, a negar
sua negritude/descendncia africana ou a reproduzir ideologias que o
marginalizavam e o induziam a cometer preconceito contra o prprio negro. Afinal
se a vida uma literatura ningum quer ser o dito pior personagem da histria.
Cuti (2010) em sua obra Literatura negro-brasileira afirma que negro e afro
no tanto faz52, marcando a importncia do lugar da literatura negra. Uma vez que
se lutou tanto para definir a sua existncia, termos como afro-brasileiro ou afro-
descendente representam o risco da descentralizao ou nopertencimento de seus
1056
autores, uma vez que estas narrativas podem ser escritas por qualquer mo, o
verdadeiro risco desta literatura reside no excesso de permissividade.
Para Cuti quando um escritor produz seu texto, ele manipula seu acervo de
memria onde moram seus preconceitos e esta manipulao cria um crculo vicioso
que constantemente alimenta os preconceitos. A quebra deste crculo tem sido
forjada por suas prprias vtimas, uma vez que o escritor negro-brasileiro faz do
preconceito e da discriminao racial temas de seus textos para romper com o
preconceito existente na produo dos autores brancos. Por isso, para o autor
supracitado, a representao dos personagens negros em livros de autores brancos
ou mestios mediada pelo distanciamento, enquanto que a produo dos autores
negros segue uma trajetria de identidade e afirmao em seus discursos. Da a
importncia do protagonismo.
circulao das suas obras e tambm por enxergarmos as possveis similaridades (de
experincia, histria, esttica, cultura etc.) entre menina e mulher negra.
Vejamos:
1058
A obra Tenka, Preta, Pretinha (2007), escrita por Lia Zatz, narra a histria de
uma menina negra que, apesar de querida por todos e ser uma espcie de
casamenteira entre suas amigas, percebe que ningum se interessa por ela
afetivamente e comea a questionar se isto se deve ao fato dela ser negra. A narrativa
mostra a solido da menina/ mulher negra, o enclausaramento afetivo que lhe
imposto devido a sua cor. Na trama a menina conversa com sua me (recorre ao
saber ancestral) sobre a situao que vem enfrentando e a mesma tranquiliza sua
filha afirmando que isto tambm aconteceu com ela, que ela foi a ltima entre as suas
amigas a ter um namorado, mas que superou esta situao. A me normaliza a
solido da mulher negra e, por fim, muda as vestimentas e alisa o cabelo da sua filha.
A nova aparncia deixa a menina feliz. A me muda a imagem da filha para que ela
alcance o que lhe falta, um lao afetivo com algum do sexo oposto. Todavia, para a
menina tentar despertar tal sentimento, foi necessrio, tal como a Cinderela,
embranquecer. Lia Zatz cria um simulacro de beleza para Tenka atravs da adoo
de uma esttica branca, dando a entender que se tornar bonita adquirir os signos
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brancos e, somente atravs deles, Tenka poder ter xito no que almeja. possvel
compreender tambm que a me negocia a identidade da filha, o que comumente
fazemos: negociamos um elemento para o alcance de outro.
Nesta obra possvel identificar o poder simblico da palavra que faz com
que a menina reverta sua percepo inferiorizada sobre si mesma, deixando claro
que a identidade mesmo construda a partir do conflito com a diferena pode ter uma
descrio afirmativa. Se por ventura a menina negra s tivesse contato com tramas
cuja resoluo residisse em negociaes e mudanas no seu corpo, isto poderia
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impelir que elas assumissem os traos identitrios do outro e/ou rejeitassem a sua
prpria identidade.
Esta diferena acima descrita pode ser sintetizada numa citao de Cuti (1987)
em entrevista publicada na revista Afinal (13-01-1987): a experincia interior de um
negro nenhum branco tem.
CONSIDERAES FINAIS
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informaes da sua cultura e sua ancestralidade, para que elas possam se mirar nas
mos que escrevem estas narrativas para empoder-las. A literatura negra
produzida pelas mulheres negras representando as meninas tem feito isso, tem
colocado em pauta as despautadas, tem dado voz a menina, tem distribudo
ingressos no vo literrio infantil.
REFERNCIAS
1062 BROOKSHAW, David. Raa e cor na literatura brasileira. Porto Alegre: Mercado
Aberto. 1983.
53 O termo espelho vampiro utilizado na obra Jogo duro - Era uma vez uma histria de negros que
passou em branco (1990) de Lia Zatz
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rfos do Eldorado: uma conciliao entre memria, oralidade, tradio e
contemporaneidade
RESUMO
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APRESENTAO
Jurou [Ulisses Tupi] que Dinaura estava viva, mas no nosso mundo.
Morava na cidade encantada, mas era uma mulher infeliz. Ele ouviu
isso nas palafitas de beira de rio, nas freguesias mais distantes; ouviu
de caboclos solitrios, que viviam com suas sombras e vises.
Dinaura foi atrada por um ser encantado, diziam. (HATOUM, 2008, 1071
p. 64).
1072
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A utopia [...] a expresso do que est faltando, da experincia da carncia em qualquer
sociedade ou cultura [...] (LEVITAS, 2001, p. 26, traduo nossa).
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CONSIDERAES FINAIS
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Em rfos do Eldorado, constata-se que o mito do eldorado recuperado
mnemonicamente pelo narrador protagonista para servir diegese que ele conta
oralmente: a presena do mito da cidade encantada na narrativa, mesmo sendo parte
constitutiva da cultura amaznica, revela que a hostilidade do espao no qual se
deram as vivncias cotidianas dos personagens neles provoca um desejo de estar em
outro lugar, ainda que este lugar seja no fundo do rio.
Conclui-se tambm que a existncia de lendas em rfos do Eldorado aponta
para o imbricamento da memria social e da memria individual, neste caso, a de
quem relata os fatos ficcionais; isso porque, seguindo a perspectiva de Halbwachs
(2003), este tipo de memria alimentado por aquela, uma vez que a memria do
indivduo est ligada a do grupo que o cerca. A alteridade , pois, indispensvel para
que haja tanto a produo de memria quanto a sua rememorao. Na obra
analisada, a coexistncia das duas memrias verificada pela prpria presena das
narrativas de cunho oral, uma vez que a recuperao delas, pela fala do narrador-
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REFERNCIAS
JOLLES, Andr. O mito. In: Formas simples: Legenda, Saga, Mito, Adivinha, Ditado, Caso,
Memorvel, Conto, Chiste. So Paulo: Cultrix, 1976
LEVITAS, Ruth. For utopia: the (limits of the) utopian function in late capitalista
society. In: GOODWIN, Barbara ed. The philosophy of utopia. London: Frank Cass,
2001.
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LOUREIRO, Joo de Jesus Paes. Cultura Amaznica: uma potica do imaginrio. So
Paulo: Escrituras, 2001.
Realizao
Universidade do Estado da Bahia
Programa de Ps-Graduao em Estudo de Linguagens
Programa de Ps-Graduao em Educao e Contemporaneidade
GP Literatura e Ensino: Tecendo Identidades, Imprimindo Leituras
GRAFHO - Grupo de Pesquisa Autobiografia Formao Histria Oral
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