Port 200 - Homenagem Ao Papagaio Verde 1
Port 200 - Homenagem Ao Papagaio Verde 1
Port 200 - Homenagem Ao Papagaio Verde 1
No tinha nome: era o Papagaio, e parecia-me, porque falava, um ser maravilhoso. Depois, e a chegada
desse outro eu recordo, meu pai trouxe das fricas um papagaio cinzento. O papagaio por excelncia
passou a chamar-se o Papagaio Verde, e vivia de gaiola pendurada numa das varandas em que, por um
tapume de madeira, estava dividida a varanda das traseiras da minha casa, cabendo uma parte cozinha e
outra sala de jantar. Uma das reivindicaes polticas da minha infncia foi a troca de uma situao injusta
que confinava o Papagaio Verde varanda da cozinha. Na da sala de jantar, a que era mais prxima da
rua, vivia o Papagaio Cinzento. Este, menos esplendoroso e menos corpulento, menos vaidoso tambm das
suas cores baas, morreu depois do Verde, ave grande, vistosa, transbordante de presuno e dignidade; e,
apesar de ter tido muito mais do que o Verde o dom da palavra (usando-o, todavia, com menos humor
involuntrio), no o recordo to distintamente como a imagem do outro, qual a sua viera sobrepor-se
maneira de um negativo1, uma sombra, um apagado duplo, na impreciso focal da memria a desfocar-se
por ele. De resto, o Cinzento era sujeito retrado e friorento, que ficava encolhido a resmonear 2 o reportrio
variado, sem manifestar por algum qualquer predileo afetiva; tinha apenas de simptico o olhar
nostlgico, melanclico, e a mansido muito dcil do resignado e acorrentado escravo.
O Verde, pelo contrrio, era exuberante, de amizades apaixonadas e de dios vesgos, sem continuidade
nem obstinao. Minto: essas amizades e dios, no continuados nem firmes, faziam parte do seu carcter
expansivo e espetacular. Mas, com o andar do tempo, comearam a refinar numa averso coletiva, azeda e
ruidosa, ou concretizada num bico de respeito, que, traioeiramente, na frente de uma adejada revoada 3
verde, se apoderava cerce4 de um dedo, uma canela, uma madeixa de cabelo. A contrapartida deste
crescente pessimismo em relao ao gnero humano (no qual ele inclua, com um desprezo que raiava o
absurdo, o Cinzento) foi uma dedicada e veemente 5 amizade por mim. No mundo hostil dos adultos que me
cercavam de solicitude6 e clausura7, o Papagaio Verde, afinal, no me revelou apenas o que era carcter:
ensinou-me tambm o que a amizade .
Que o Papagaio Verde era brasileiro, como angolano o Cinzento, foi dos primeiros axiomas 8 de biologia
que aprendi. Era sempre repetido, categrica e sacramentalmente, por meu pai ou por minha me, quando,
em jantares de famlia, se discutiam as graas relativas dos dois bichos, e havia sempre um tio meu para
condenar, em nome dos perigos da psitacose9, a posse de seres to exticos, portadores provveis e
espontneos de uma doena estranha, mortalssima, que eu, criana espera de vez para a carne assada,
imaginava como a instalao crnica10, no organismo dos adultos, daquela tendncia manifesta para
falarem de cor e a despropsito, coisa que os papagaios quase no faziam.
VOCABULRIO
1 negativo imagem inversa, na qual as partes luminosas esto representadas por manchas escuras e vice-versa.
1
2 resmonear resmungar.
4 cerce rente.
5 veemente intensa.
9 psitacose doena que afeta predominantemente certas aves, como os papagaios, e que pode transmitir-se ao homem.
GRUPO I
1. Indica a razo pela qual o Papagaio (linha 1) passa a chamar-se Papagaio Verde (linha 3).
2. Nas linhas 10 a 13, o narrador afirma que, na sua memria, a imagem do Papagaio Cinzento viera
sobrepor-se imagem do Papagaio Verde como uma sombra, um apagado duplo.
3. Explicita o contraste que se estabelece entre os dois papagaios, considerando o modo como se
relacionam com as pessoas. Justifica a tua resposta com duas expresses do texto que evidenciem esse
contraste.
4. Indica de que modo se manifesta o crescente pessimismo (linhas 19 e 21) do Papagaio Verde.
2
5. Explica o sentido que psitacose (linha 27) tinha para o narrador, em criana, referindo a sua opinio em
relao aos adultos.
6. evidente a preferncia do narrador pelo Papagaio Verde. Apresenta dois argumentos a favor desta
opinio. Ilustra cada argumento com uma expresso retirada do texto.
GRUPO II
1. Associa cada conjunto de palavras da coluna A a uma nica palavra da coluna B, de modo a relacionar o
elemento que comum s palavras de cada conjunto com a palavra cujo sentido lhe est associado.
3
2. Completa cada uma das frases seguintes com a forma do verbo apresentado entre parnteses, no tempo
e no modo indicados.
Reescreve a frase, substituindo a expresso sublinhada pela forma adequada do pronome pessoal.
4. Transcreve a expresso que desempenha a funo sinttica de predicativo do sujeito na frase seguinte.