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CONSELHO CONSULTIVO:
Carina Quito, Carlos Alberto Pires Mendes, Marco Antonio Rodrigues Nahum,
Srgio Salomo Shecaira, Theodomiro Dias Neto
DEPARTAMENTO DE INTERNET
Coordenador-chefe:
Luciano Anderson de Souza
Coordenadores-adjuntos:
Joo Paulo Orsini Martinelli
Regina Cirino Alves Ferreira
Sumrio:
Resumo:
1. Introduo
[...] simples (portanto, podem viver com menos dinheiro do que os brancos), humildes,
dceis, afveis (caracterstica positiva, que por outro lado caracteriza a personalidade
do escravo ideal), talentoso do ponto de vista musical e da dana (pode no estar tudo
bem com ele, mas vive com mais prazer do que ns), muito forte (portanto, adequado
aos trabalhos mais pesados), religioso (eles so pobres, mas encontram na f mais
alento do que ns no dinheiro), sensuais, dotados de sexualidade (a mulher negra como
10 ARAJO, Joel Zito. Identidade racial e esteretipos sobre o negro na TV brasileira, 2000, p. 79.
11 Jos Bezerra da Silva (19272005) pernambucano de origem, chegando ao Rio de Janeiro ainda
jovem, por meio de uma viagem clandestina de navio. Depois de arrumar emprego na construo civil, foi
morar no Morro do Galo (Cantagalo). Um tempo depois eu j tocava tamborim no Galo e um rapaz me
chamou pra fazer um programa de rdio. A eu passei mais dez anos na rua da amargura. Nesse tempo
eu ganhava 300 por semana. E naquele dia eu fui gravar das dez da manh at as duas da tarde, gravei
seis msicas e ganhei 240 mil ris. A eu pensei: no vou mais para obra de jeito nenhum, no passo nem
perto. Virei artista. S que no sabia o que estava me esperando. Um contrato de exclusividade com a fome
por tempo indeterminado. [...] Depois, quando tava melhor, tocando surdo, estudando violo, trompete,
apareceu um louco, s podia ser. Me disse que a minha msica tinha sido classificada, assina aqui que
agora voc vai ser cantor, vai gravar cantando. A cantei, fiz um disco, gravei, fez sucesso. Isso foi em 75,
meu primeiro disco. (SILVA. Discursos sediciosos entrevista Bezerra da Silva, p. 13). Segundo Letcia C.
R. Vianna, ele [Bezerra da Silva] divide sua vida em quatro fases: a infncia no nordeste, a vida no Rio
antes da sarjeta, os sete anos de sarjeta, dos quais trs na mendicncia e quatro se recuperando em um
terreiro de umbanda, e a vida depois da sarjeta, quando virou sambista de sucesso. [...] No Rio, no tinha
Meu samba duro na queda ... Sou porta-voz de poetas que ningum d chances
assim como eu / Uns vm da favela outros da baixada ... Falo a lngua de um povo
que me ajudou a chegar onde estou ... porque mostro a realidade com dignidade e sem
demagogia / cantando tento amenizar o sofrimento cruel do nosso dia-a-dia / Meu
samba duro ...12
casa nem trabalho, nem quem o ajudasse. E como alternativa dada a tantos migrantes na mesma condio,
foi se integrando no mercado de trabalho da construo civil como ajudante em obras e se qualificou como
pintor. A partir de ento no era mais Jos e sim Bezerra, de modo a se distinguir de tantos joss da silva
vindos do Nordeste que trabalhavam como pees (Bezerra da Silva, 1999, p. 16-21). O samba Preo
da glria conta os momentos mais dramticos da vida de Bezerra da Silva: malandro / pra chegar at
aqui no foi mole no / passei um tremendo sufoco / Eu sou aquele que chegou do Nordeste pra tentar/
na cidade grande minha vida melhorar / Graas a Deus consegui o que eu queria / Hoje estou realizado /
terminou minha agonia / ESTRIBILHO / ... mas o preo da glria pra mim / ele foi doloroso e cruel / comi
o po que o diabo amassou / em seguida uma taa de fel / Me prenderam vrias vezes / porm sem nada
dever / Morei na rua das Amarguras sem ter nada pra comer / Longos anos dormi na sarjeta / nem assim
me revoltei / e na universidade da vida foi nela que me formei / e como penei / Quem no acreditar em
tudo que falo / minha testemunha ocular o morro do Cantagalo / minha testemunha ocular o meu
morro do Galo / ESTRIBILHO / No mole no (Cabor / Pinga / Jorge Portela. In: SILVA. Produto do
morro, lado B, faixa 4).
12 Guilherme do Ponto Chic / Las Amaral / Pinga. In: SILVA. Meu samba duro na queda, faixa 4,
355 (Transcrio parcial).
13 VIANNA, Letcia C. R. Bezerra da Silva, 1999, p. 86.
... Somos crioulos do morro / mas ningum roubou nada ... Isso preconceito de cor
... A lei s implacvel para ns favelados / E protege o golpista / ele tinha que ser o
primeiro da lista ... Eu assumo o compromisso / pago at a fiana da rapaziada / Porque
que que ningum mete o grampo / no pulso daquele de colarinho branco ...14
Sou negro e peo me trate direito / eu exijo mais respeito pois tambm sou cidado ...
No nego sou carente de riquezas / mas tu podes ter certeza no aturo humilhao ...
Tudo que tenho na vida fiz por merecer / Eu no compreendo o motivo da sua revolta /
se eu sempre fui luta pra poder sobreviver / Com garra provei para o mundo que posso
vencer / e o seu preconceito e recalque s me faz crescer / cansei de ser discriminado
s por ser da cor ...15
14 Naval / G. Martins. In: SILVA. Justia social, lado B, faixa 2 (Transcrio parcial).
15 Nilson Reza Forte. In: SILVA. Meu samba duro na queda, faixa 5, 328 (Transcrio parcial).
Foi o dr. delegado que disse / ele disse assim est piorando / at filho de bacana hoje em
dia est roubando ... E na semana passada quase perdi a patente / s porque grampeei
um rapaz boa pinta em Copacabana botando pra frente / Dei um flagrante perfeito / mas o
meu direito foi ao lu / o esperto alm de ter costa-quente ainda era filho de um coronel
... O meu livro de ocorrncia a cada dia est aumentando / Eu tambm prendi um pastor
com a Bblia na mo em um supermercado roubando16.
O inverossmil
Portanto, o pano de fundo estaria na demanda de igualdade em relao
priso e na rejeio caracterologia do suspeito natural. A cogitao de um
religioso com o Livro sagrado nas mos17 sugere, por inesperada, uma ruptura
da lgica do suspeitvel, solapando as percepes mais assentadas sobre o
suspeito natural com recurso ao inverossmil. Porm, trata-se de uma rejeio
indireta e no incisiva. Em Defunto grampeado, no s as personagens so
insuspeitas, a situao mesma indesconfivel:
... Parem o enterro / gritaram os homens da lei ... Ns temos ordem pra levar esse
16 Cabor / Pinga / Jorge Portela. In: SILVA. esse a que o homem, lado A, faixa 2 (Transcrio
parcial).
17 Tambm elaborada em Bom pastor (Pedro Butina / Regina do Bezerra. In: SILVA. Se no fosse o
samba, lado A, faixa 1).
... O dr. delegado que estava presente quis saber como foi que o defunto morreu ... A
viva assim respondeu melhor perguntar o defunto doutor / Deu zebra sim ... /
Sujou sujou / Defunto morto no fala / O dr. delegado entrou logo em ao / gritando com
o bronco o presunto t preso / em nome da lei para averiguao / algemou o cadver
na hora / e jogou na caapa de um rabeco ...20
A polcia era o seguinte: eles queriam na poca uma carteira profissional assinada, o
documento era esse; se no tivesse, eles levavam para averiguao. Sempre existia
arbitrariedade, j iam botando no xadrez. Tinha at o xadrez dos pobres, para averigua
18 Evandro Galo / Pedro Butina. In: SILVA. Aplauso, faixa 5, 338 (Transcrio parcial).
19 Alba Zaluar destaca que, no Rio de Janeiro e em So Paulo, a priso para averiguaes
disseminou-se na virada de sculo, em razo do crescimento urbano, sobretudo como forma de controle
e de moralizao de vadios, de desordeiros, de brios e dos famosos capoeiras: Por isso as estatsticas
sobre os detidos nessas cidades, alguns colocados nas casas de deteno ou prises sem nenhuma
acusao concreta, so muito altas; havia muito mais detidos para averiguaes do que presos com
base num processo. Em So Paulo, entre 1892 e 1916, os detidos por contravenes ou para averigua
es correspondiam a 83,8% do total, enquanto os presos sob acusao de ter cometido crimes somavam
apenas 16,2%. E o que mais importante: enquanto os brasileiros (em geral negros e mulatos) eram
logo tachados de vadios, os estrangeiros continuavam sendo considerados bons trabalhadores e iam
presos por desordem (Da revolta ao crime S.A., 1996, p. 81).
20 Adelzonilton / Franco Texeira. In: SILVA. Perlas, faixa 5, 311 (Transcrio parcial).
Um dia eu tava no morro do Macaco, Vila Isabel, tinha ido buscar duas msicas com o
rapaz. Duas horas da manh, seis crioulos descendo o morro... Metralhadora no peito.
Daqui a pouco, pintou um helicptero, vinha subindo um monto de polcia. Eu tava
com quatro crioulos. No prenderam ningum, foram embora. Os policiais de hoje so
meus fs22.
A meu irmo / Cuidado pra no d mole a Cojac / Quando os homem da lei grampeia
o coro come toda hora amizade / Vou apertar mas no vou acender agora ... voc
no est vendo que a boca t assim de corujo / e dedo-de-seta [fio desencapado]
adoidado / todos eles a fim de entregar os irmos ... que o 281 foi afastado / o 16
e o 12 no lugar ficou / E uma muvuca de espertos demais / deu mole e o bicho pegou /
Quando os homens da lei grampeia / o coro come toda hora / por isso que eu vou
apertar mas no vou acender agora ...24
A meu irmo / Vocs no tomam vergonha / Ainda no aprenderam a votar / Ele subiu
o morro sem gravata / dizendo que gostava da raa / foi l na tendinha bebeu cachaa
... Eu logo percebi mais um candidato para a prxima eleio ... ele fez ques
to de beber gua da chuva / foi l no terreiro pedir ajuda / bateu cabea no congar /
23 Moacyr Bombeiro / Adivinho da Chatuba. In: SILVA. Samba partido e outras comidas, Lado A,
faixa 6 (Transcrio parcial).
24 Adelzonilton / Moacyr Bombeiro. In: SILVA. Aplauso, faixa 14, 351 (Transcrio parcial).
25 Expresso retirada de As 40 DPS (Gil de Carvalho. In: SILVA. Se no fosse o samba, lado A, faixa 5).
... Canalha tu um verdadeiro canalha ... Voc vive de trambique deita na sopa e
se atrapalha / Olha a seu canalha ... Se elegeu com o voto da favela depois mandou
nela meter bala / isso que ser canalha ... Comprou carro, fazenda e manso / e o
povo na misria comendo migalha ... Quem judia de um povo sofrido um tremendo
patife, um estorno, uma tralha ... E no dia do Juda tu fica na tua se tu for pra rua a
galera te malha / fica em casa canalha ... Comeu bebeu fumou e cheirou / depois
caguetou o cabea-de-rea / Olha a bala canalha ... Nunca vi ningum d dois em
nada e tambm se v cadeado no fala / aprende isso canalha ...27
A tica da malandragem
A dubiedade em relao aos organismos policiais denncia da violncia e
responsabilizao esquiva do poltico canalha estar refletida na construo
da tica da malandragem, o principal tema da discografia de Bezerra da Silva.
Com essa expresso, quer-se designar a afirmao de uma identidade positiva
do favelado socialmente injustiado e perseguido pelas incurses policiais.
Trata-se de uma identidade reivindicada pela valorizao do ambiente local (a
favela / o morro / a colina) e resgate de atributos morais do malandro (lealdade
/ solidariedade / astcia / desprendimento), como tambm pela afirmao de
uma religiosidade clandestina (especialmente a umbanda). Essas trs vertentes
permitem explicar razoavelmente como se plasmou, na discografia de Bezerra
da Silva, a identidade do favelado nos contextos sobrepostos de discriminao
penal e de discriminao racial.
Em Prepara o pinote, alguns desses elementos podem ser claramente iden
tificados:
26 Walter Menino / Pedro Butina. In: SILVA. Violncia gera violncia, lado A, faixa 1. (Transcrio
parcial). Na contracapa do referido disco consta a seguinte definio: N. B.: Candidato Ca Ca Poltico
safado, mentiroso, 171, canalha e colarinho branco que promete mas no cumpre.
27 Jos Mirim / Rodrigo / Srgio Fernandes. In: SILVA. Contra o verdadeiro canalha, Lado A, faixa 1,
participao especial de Genaro (Transcrio parcial).
... E se vocs esto a fim de prender o ladro / podem voltar pelo mesmo caminho /
O ladro est escondido l embaixo atrs da gravata e do colarinho ... S porque
moro no morro / a minha misria voc despertou / A verdade que vivo com fome /
nunca roubei ningum sou um trabalhador / Se h um assalto a banco / como no
podem prender o poderoso chefo / a os jornais vm logo dizendo que aqui no morro
s mora ladro ... Falar a verdade crime / porm eu assumo o que vou dizer ... No
tenho curso superior / nem o meu nome eu sei assinar / onde foi que se viu um pobre
favelado com passaporte pra poder roubar ... Somos vtimas de uma sociedade
famigerada e cheia de malcia / No morro ningum tem milhes de dlares depositados
nos bancos da Sua ...33
31 Expresso utilizada por VIANNA, Letcia C. R. Bezerra da Silva, 1999, p. 125-146 passim.
32 Idem. Ibidem, p. 123.
33 Crioulo Doido / Bezerra da Silva. In: SILVA. Malandro rife, lado 2, faixa 2. (Transcrio parcial).
Mas que eu fui num velrio ... O bicho esticado na mesa / era dedo nervoso e eu no
sabia / Enquanto a malandragem fazia a cabea o indicador do defunto tremia ... Eu s
sei que a polcia pintou no velrio / o dedo do safado apontava pra mim ... Eu j
vi que a polcia arrochou o velrio e o dedo do coruja apontava pra mim / Caguete
mesmo um tremendo canalha / Nem morto no d sossego / Chegou no inferno e
entregou o diabo / e l no cu caguetou So Pedro ... Quando o caguete bom caguete /
ele cagueta em qualquer lugar ...34
... Est escrito assim / Todos tm que respeitar / No vi no sei no conheo / somente
a resposta que se pode dar / Quem caguetar na favela / j est ciente que vai danar
/ No adiante pedir segurana a ningum / De qualquer maneira o bicho vai pegar ...
Essa lei tem um artigo exonerando o defensor / cujo nmero 00 / que doutor nenhum
estudou / Ela no d direito a perdo / mesmo sendo primrio no vai dar sorte / A
sociedade apia o delator / na favela ele condenado morte...35
A mesmice da violncia
O fato de ser uma condenao morte, em especial, revela que os mtodos
de abordagem policial tm, ainda, o efeito dramtico de naturalizar a violncia,
de planific-la, de torn-la uma moeda de troca, um patrimnio de todos. A
violncia converte-se, enfim, em linguagem de fcil entendimento. O prprio
Bezerra da Silva narra um marco divisor em sua vida, aps o qual conquistou
definitivamente o respeito do morro:
34 Adelzonilton / Franco Teixeira / Ubirajara Lcio. In: SILVA. esse a que o homem, lado A, faixa
1 (Transcrio parcial).
35 Ary Guarda / Pinga. In: SILVA. esse a que o homem, lado B, faixa 2 (Transcrio e destaques
do autor).
... Se eu no derrubasse eu caa / porque o malandro era forte / ele dava pernada dava
cabeada / ele era de morte ... A prpria lei quem diz que a defesa um direito
sagrado / A eu tambm meti a mo no meu berro / sa dando pipoco / derrubei o
malvado ...37
A linguagem da rapaziada
Bezerra da Silva embalado por uma tpica situao de legtima defesa (A
prpria lei quem diz que a defesa um direito sagrado), a ponto de impressionar
a perfeita caracterizao do instituto legal. Assim, outro importante aspecto da
discografia estudada exatamente a estilizao de uma linguagem da rapaziada
que reelabora a linguagem policial em favor do malandro. Um nmero aprecivel
de letras, portanto, dotado de profundo sentido pedaggico para os contatos
com a polcia. Como as intervenes policiais so conhecidas pelo desrespeito
aos direitos fundamentais, a prpria linguagem policial invadida ou captura
da como forma de se criar uma alternativa de dilogo. O conhecimento da lei
logo, o conhecimento dos limites da ao policial torna-se uma estratgia de
defesa desde o primeiro momento, como mostra A fumaa j subiu pra cuca:
... No tem flagrante porque a fumaa j subiu pra cuca / olha a / ESTRIBILHO /
Deixando os tira na maior sinuca / e a malandragem sem nada entender / Os federais
queriam o bagulho e sentou a mamona na rapaziada / s porque o safado de
antena ligada ligou 190 para aparecer / J era amizade quem apertou queimou j
36 SILVA, Bezerra da. Discursos Sediciosos entrevista Bezerra da Silva, 1999, p. 13-14.
37 Pinga / Netinho. In: SILVA. Malandro rife, lado 2, faixa 3 (Transcrio parcial).
Orixs perseguidos
A tica da malandragem se afirma, ainda, no campo de uma religiosidade
clandestina, resgatando as tradies afro-brasileiras pelo culto s entidades da
umbanda39. As perseguies policiais, agora, tm o terreiro como espao de
atuao e, como vtimas, as prprias entidades sobrenaturais. Em Feitio do
Tio, tem-se uma perfeita descrio de intolerncia religiosa, de violncia policial
extremada e de controle social da f:
Nossa Senhora / feitio no terreiro do Tio amizade / T pra existir feitio igual
esse que eu fui conhecer ... Era o feitio do Tio / juro fiquei bolado sem nada entender /
Ao invs dos mdiuns bater a cabea / fazia a cabea do santo descer ... Na gria de
Preto-velho falei com Vov Joaninha ... Foi a que eu conheci um tal de Preto-velho
Alcatraz ... Mas quando deu meia-noite sujou / o bicho pegou de verdade / a 39 baixou
no feitio / descendo a lenha em toda entidade / Exu macaco saiu de fininho /
Seu Ogum Ventarola selou seu cavalo / Ians do Brejo se arrancou pro morro / Vov
Tanajura ficou grampeado / E o coitado do Tio foi prestar conta na Delegacia /
apanhava igual a tambor de macumba / De longe seus gritos o povo ouvia / deses
38 Tadeu do Cavaco / Adelzonilton. In: SILVA. Prolas, faixa 6, 354 (Transcrio parcial).
39 De acordo com Wagner Gonalves da Silva: A umbanda, como culto organizado segundo os
padres atualmente predominantes, teve sua origem por volta das dcadas de 1920 e 1930, quando
kardecistas de classe mdia, no Rio de Janeiro, So Paulo e Rio Grande do Sul, passaram a mesclar com
suas prticas elementos das tradies religiosas afro-brasileiras, e a professar e defender publicamente
essa mistura, com o objetivo de torn-la legitimamente aceita, com o status de uma nova religio.
A umbanda constituiu-se, portanto, como uma forma religiosa intermediria entre os cultos populares
j existentes. Por um lado, preservou a concepo kardecista de carma, da evoluo espiritual e da
comunicao com os espritos e, por outro, mostrou-se aberta s formas populares do culto africano
(Candombl e umbanda, 1994, p. 106-112).
Com efeito, a religio torna-se uma questo de polcia. Nem bem chegaram
ao terreiro de umbanda, os agentes foram logo descendo a lenha em toda enti
dade. Por fim, o lder foi obrigado a dar explicaes na Delegacia, onde apanha
va igual a tambor de macumba. Nesse samba, obviamente, est sendo retra
tada uma nfima parte da histria de perseguies aos orixs africanos, que,
depois de se transvestirem de santos catlicos, associaram-se ao espiritismo
kardecista em busca de maior aceitao social41. Em vrias outras composi
es, os rituais e smbolos da umbanda so exaltados ou vivenciados segun
do o contexto de patrulhamento policial, como nos sambas Sai encosto42, Vov
DAngola43, Z Fofinho de Ogum44 e Deixa uma paia pro vio queim45. Neste
ltimo, interessante notar como a prpria entidade assume por completo a
gria da malandragem (esse otrio metido a malandro / ele no malandro
vacilador).
40 Gil de Carvalho / Marcio Pintinho. In: SILVA. Violncia gera violncia, lado A, faixa 2 (Transcrio
parcial).
41 Como salienta Reginaldo Prandi: Nos seus primrdios, a umbanda se autodenominava es
piritismo de umbanda, e se ela nunca logrou reproduzir completamente esses traos to caros ao
kardecismo, no mnimo sua preocupao em valorizar o modelo muito contribuiu para arrefecer em
parte o preconceito contra religies de origem negra e assim atrair mais facilmente boa parte de
seu contigente de adeptos brancos (Herdeiras do ax, 1996, p. 80).
42 J. Canseira / Marimbondo. In: SILVA. Prolas, faixa 3, 329.
43 Moacyr Bombeiro / Popular P. In: SILVA. Bezerra da Silva e um punhado de bambas, lado 2, faixa
5.
44 Dario Augusto / Embratel do Pandeiro. In: SILVA. Malandro rife, lado 1, faixa 2.
45 Adelzonilton. In: SILVA. Bezerra da Silva e um punhado de bambas, lado 1, faixa 4.
Bibliografia:
MOURA, Clovis. Dialtica radical do Brasil negro. So Paulo: Anita, 1994. 249 p.
________. Meu samba duro na queda. So Paulo: Som livre, 2000. 1 CD-
ROM. (CD original remasterizado digitalmente Bambas do Samba).