O Mistério Da Compreensão - Jiddu Krishnamurti PDF
O Mistério Da Compreensão - Jiddu Krishnamurti PDF
O Mistério Da Compreensão - Jiddu Krishnamurti PDF
H
compreensi
t .
RISH MMUKTI
GULTRIX
o MISTRIO DA COMPREENSO
KRISHNAMURTI
O presente volume rene o texto completo de dez con-
ferncias pronunciadas por Krishnamurti em Saanen, na Su-
a, relacionadas com o problema de uma nova compreenso
do mundo e da vida. Entre outras, s aqui esclarecidas
questes de grande importncia, tais como: Como posso
compreender o inconsciente? Qual a relao entre o crebro
que acumula os fatos dirios e o crebro novo"? Qual a
diferena entre o processo de pensar e o pensamento? Como
vulnerver e viver neste mundo?
745745
O Mistrio Da Com
EI ipassar a dor fsica e a irritao que
1 Krishnamurti
1 ^r partido?, etc.
p RA CULTRIX
livro
1E514
O MISTRIO DA COMPREENSO
Krishnamuiii
OBRAS DE KRISHNAMURTI
PUBLICADAS PELA
EDITORA CULTRIX
(em Tradues de Hugo Veloso)
O MISTRIO
DA COMPREENSO
Traduo
de
HUGO VELOSO
EDITORA GULTRIX
SAO PAULO
Titulo do original
em ingls
TALK8 BY KRISHNAMURTI IN EUROPE
1966
Autentic Report
( )
SAANEN
Sua
MCMLXX
Impresso no Brasil
Printed in Braz
: :
NDICE
DAS PALESTRAS E RESUMO DAS PERGUNTAS
SAANEN I 7
Perguntas :
Eu sou a rvore? 22
No se pode deter a atividade? 23
Qual a relao entre o crebro que acumula os fatos
dirios e o crebro nvo ? 26
possvel progredir para essa dimenso sem sofrer? 27
SAANEN III 29
Pergunta
* Sempre existiu em mim um certo sentimento de mdo,
etc. Que posso fazer? 39
SAANEN IV 40
Perguntas :
5
H guerras, dio, brutalidades, etc. Devemos ficar
de esprito aberto e vazio, e tudo observar sem jul-
gamento ? 59
Devemos tomar partido? 59
A guerra a marcha da Histria 60
SAANEN VI 62
Perguntas :
*
Vdes todas as coisas como Beleza? 89
*
O que perturba a maioria de ns o fato de serem
as palavras muito superficiais 90
Uma me est em prantos porque uma serpente mor-
deu o filhinho e le morreu. Posso matar a serpente,
ou deix-la em paz. Que devo fazer? 91
SAANEN IX 92
Perguntas :
6
EUROPA 1966
SAANEN I
CL OMO vamos
realizar dez palestras, consideraremos
vrios assuntos com
ateno e cuidado, de modo que todos
compreendamos o que se vai dizer. Peo-vos pacincia, pois no
possvel, numa s palestra, abarcar o todo da vida. Se alguns,
dentre vs, me esto ouvindo pela primeira vez e desejam tudo
respondido na primeira palestra, sinto dizer que isso com-
pletamente impossvel. O
que, juntos, podemos fazer inves-
tigar h alguma possibilidade
se neste mundo, com seus
complexos problemas, seus tormentos e aflies, com a confu-
so reinante tanto interior como exteriormente se, para o
ente humano oue vive neste mundo e funciona normalmente
(como se costuma dizer), h alguma possibilidade de liber-
tar-se dos numerosos problemas existentes no s ao redor de
s, mas tambm em seu interior. Podemos investigar se nos
possvel libertar-nos totalmente e, assim, ingressar numa di-
menso da existncia inteiramente diferente.
muito importante e necessrio examinar esta
Considero
questo, que exige infinita pacincia. Exige profundo exame
e investigao, no do ponto de vista das idiossincrasias, ten-
dncias, nacionalidade e opinies de cada um, porm, ao
contrrio, devemos investigar o problema humano em seu
todo. Oxal pudssemos compreender o homem como um
todo o homem que vive na ndia, na Rssia, na China, ou
aqui! Talvez, quando compreendermos o homem em seu todo,
venhamos a compreender o homem em particular vs e eu.
Para se compreender sse imenso problema pois trata-se,
com efeito, de um problema enorme e muito complexo
temos primeiramente de compreender o que que deseja
cada um de ns, como ente humano, o que est buscando, o
7
que est tentando fazer. Penso que, se pudssemos- perguntar
a ns mesmos o que estamos buscando, o que desejamos ex-
perimentar, com que empenho desejamos viver pacificamente
e quo profundamente, em nosso ntimo, desejamos ser livres,
talvez ento tivssemos a possibilidade de investigar inteligen-
temente. A maioria de ns, com efeito, deseja experimentar
alguma coisa. Nossas vidas so estreitas, bastante vulgares,
empregar esta palavra
limitadas, bastante burguesas, se posso
sem lhe dar nenhum sentido pejorativo. Todos sabemos disso
e desejamos passar alm e experimentar alguma coisa que
capaz de resolver todos
seja mais vital, altamente significativa e
os nossos problemas. Parece-me que isso o que o homem anda
buscando, pelo mundo inteiro. D-lhe ele diferentes nomes:
experincia religiosa, sensibilidade exaltada, alta capacidade
para compreender a existncia total do homem, para livrar-se
desse incessante conflito e descobrir alguma coisa que seja
mais do que aquilo que o pensamento criou. Quase todos ns
j estamos saturados de anlises e exames, de investigar, son-
dar, indagar, contestar, duvidar. A maioria das pessoas inteli-
gentes j passou por tudo isso. Leram muitos livros e,
intelectualmente, conhecem as respostas a quase todas as
perguntas. Mas, esse saber no pode responder satisfatoriamen-
te a todas as perguntas que a' mente faz; as respostas que
encontra no satisfazem inteiramente, no resolvem comple-
tamente o problema. A mente est sempre a buscar, a querer
descobrir o que significa a morte, o que significa o amor, qual
o correto estado de relao, como ficar livre do constante
conflito interior e exterior, de guerras, como ter paz, o
livre
que significa a liberdade. Estamos sempre e sempre a indagar
e, nesse indagar, nesse interrogar, desejamos que algum nos
d a resposta
alguma autoridade, alguma pessoa que sabe,
que tem profunda compreenso da vida. Contamos com a
ajuda de outros e o resultado que ficamos completamente
enredados nas opinies dos mais solertes, dos antigos instrutores
ou dos mais modernos e doutos letrados.
Vivemos muito interessados em opinies, e as opinies no
representam a verdade. Analisar opinies uma coisa muito
pouco significativa. S conduz a debates dialticos, sutis, inte-
lectuais. Para um indivduo descobrir por s prprio, como ente
humano total, a resposta verdadeira, muito importa a maneira
8
como se faz a pergunta, o fim que se tem em vista, o motivo
que a determina
porquanto, em geral, o motivo responde
pergunta. Sc se tem um certo propsito ao fazer-se uma
pergunta, esse propsito dita a resposta. A pergunta j est
respondida e, por conseguinte, no tem valor nenhum; porque
a pessoa j tem um motivo, um propsito, uma inteno, uma
direo que a levar aonde quer chegar, e s faz a pergunta
para ver se a resposta que se lhe d certa ou errada. O
homem que faz uma pergunta com motivo em verdade
pessoa muito superficial, porque sua resposta j est ditada,
condicionada pelo seu motivo, seu propsito e direo. Podeis
perguntar sem ter um fim em vista, sem estar cm busca de
alguma coisa? ste o verdadeiro problema, e muito inte-
ressante investig-lo. Nossa vida muito atribulada; estamos
aflitos e confusos; vemo-nos a sofrer, as incessantes guerras
a ameaar-nos a segurana; h tantas ideologias, teorias,
dogmas, crenas, temores e tudo mais que constitui a nossa
herana humana. Queremos ver resolvidas todas estas ques-
tes. normal e prprio de uma pessoa equilibrada perguntar
9
vos vedes refletidos. Nesse espelho se esto revelando vossa
conscincia, vossas atividades dirias, vossas exigncias e temo-
res inconscientes. Quando uma pessoa escuta dessa maneira,
comea a descobrir, por si prpria, no as idias, concluses e
asseres do orador, porm o que o que falso.
verdadeiro e
No momento em que, humano, uma pessoa com-
como ente
preende o que verdadeiro, o seu problema se resolve comple-
tamente. Mas, se fica meramente a escutar o que diz o orador,
no plano intelectual, a discutir mentalmente com ele, interes-
sada apenas numa opinio, na prpria opinio, nos prprios
conhecimentos, ou nas concluses adquiridas de outrem, ficar
ela unicamente a comparar o que diz o orador com o que outrem
diz. Ficar no mundo das palavras, no mundo das opinies
e das concluses, coisas essas de insignificante valor. Espero
que escuteis, mas no com a lembrana do que j sabeis. Isso
difcil em extremo. Quando escutais alguma coisa, vossa
mente reage prontamente, com
conhecimentos, suas con-
seus
cluses, suas opinies, lembranas. Ela s escuta
suas velhas
e investiga, para futura compreenso. Observai a vs mesmo,
a maneira como estais escutando, e vereis que isso que est
sucedendo. Ou estais escutando com uma concluso, com vosso
saber, com certas lembranas, experincias, ou desejais, com
impacincia, uma resposta. Desejais saber a significao das
coisas,a significao da vida, conhecer a extraordinria com-
plexidade da vida. No estais escutando verdadeiramente. S
podeis escutar quando vossa mente est quieta, quando no
reage imediatamente, quando h um
entre a intervalo
reao e o que se ouve dizer. Ento, nesse intervalo, h quie-
tude, silncio. S nesse silncio h a compreenso que no
compreenso intelectual. Se houver esse intervalo entre o
que se diz e vossa prpria reao ao que se diz, nesse intervalo,
quer o prolongueis indefinidamente, por um longo perodo,
quer por alguns segundos, nesse intervalo, como se pode ob-
servar, nasce a clareza. sse intervalo o crebro novo A .
10
Considero muito importante compreender a maneira de
operar, de funcionar, a atividade do crebro velho. Quando
opera o crebro novo, o velho nenhuma possibilidade tem de
comprecnd-lo. S quando o crebro velho
e este o
crebro condicionado, nosso crebro animalista, o crebro
que foi cultivado durante sculos, que est perptuamente em
busca de sua prpria segurana, de seu prprio conforto
s quando esse crebro velho se quieta, possvel ver que
existe um movimento de espcie completamente diferente, e
esse movimento que trar a clareza. sse movimento
clareza.Para serdes capaz de compreender, deveis compreen-
der o crebro velho, prestar-lhe ateno, conhecer todos os
seus movimentos, atividades, exigncias, intuitos; por isso
to importante a meditao. No me refiro ao cultivo absurdo
e sistemtico de um certo hbito de pensamento, etc.; isso
completa falta de madureza, pura infantilidade. Por medita-
o, entendo compreender as operaes do crebro velho,
observ-lo, como reage e quais so suas reaes, suas
saber
tendncias, exigncias e agressivos intuitos
suas
conhec-lo
todo inteiro, tanto a parte consciente como a inconsciente.
Quando o conheceis, quando o vedes claramente, sem procurar
control-lo, dirig-lo, e sem dizer: Isto bom; isto mau;
conservarei isto; no conservarei aquilo quando se percebe
o movimento total da velha mente, quando o vedes totalmente,
ela se torna ento quieta.
11
que, quando estamos olhando a velha mente, estamos a olh-la
com os conhecimentos da mente velha; por conseguinte, no
a estamos olhando em absoluto. Para se olhar qualquer coisa,
no importa qual seja
vossa prpria mente em funciona-
mento, uma rvore, o movimento do rio, as nuvens que passam
velozes por sobre o vale
para se olhar qualquer coisa, o
passado deve estar quieto. Para olhar, todo o conhecimento
de vossas prprias intenes, vossas preocupaes, vossos pro-
blemas pessoais, etc., deve ser psto margem, e isso significa,
com efeito, que se necessita de liberdade para olhar as coisas,
liberdade para olhar esse crebro to complexo c nutrido pelo
tempo, esse crebro que representa o passado; liberdade para
olhar todas as suas reaes, exp-lo luz. Pode-se, ento,
observar.
12
revelao do passado comea o homem a ficar livre, realmente
livre do passado, tanto consciente como inconsciente.
13
como funciona, como est em efervescncia
sua totalidade.
Eu digo: Estais investigando por vs mesmo o que o incons-
ciente, ou estais a olh-lo com o conhecimento do que outros
disseram a seu respeito? Ora, observai-o, olhai-o com tda a
ateno! Se o estais observando com o conhecimento do que
outros disseram a seu respeito, esse conhecimento j e urna
parte do inconsciente, nao?
14
-los perfeitamente: que devo conhecer o contedo da conscin-
cia, e tambm o estado da conscincia, quando no h con-
tedo. ste mais um passo frente, que consideraremos, se
houver tempo.
Estou olhando o inconsciente. Eu, o observador, digo que
o inconsciente o passado; o inconsciente a raa a que
perteno, a tradio, no s a tradio da sociedade, mas
tambm da famlia, o nome, o resduo de toda a cultura india-
na, o resduo da humanidade inteira, com seus problemas,
ansiedades, sentimentos de culpa, etc. Eu sou tudo isso, e tudo
isso constitui o inconsciente, que o resultado do tempo, de
milhares de dias passados, e eu estou a observ-lo. Mas, quem
o observador? Repito: Investigai-o por vs mesmo; tratai
de descobrir quem o observador! No espereis que eu v-lo
diga!
JNTERROGANTE: Nada!
KRISHNAMURTI: No, senhora, esta uma questo
realmente importante. No podeis simplesmente jog-la fora,
dizendo: Nada. Se sou o resultado do passado e eu sou
o passado
nada posso fazer em relao ao inconsciente. Per-
cebeis o que isso significa? Se nada posso fazer em relao a
ele, estou ento livre dele! Oh, no, senhora; no concordeis
to prontamente; isso requer enorme ateno. Se nada posso
fazer, absolutamente, em qualquer nvel que seja, em relao
ao sofrimento fsico e tambm em relao ao sofrimento psi-
colgico, se nada posso fazer, porque o observador o objeto
observado, ento estou totalmente livre dle. S quando acho
que posso fazer alguma coisa em relao a ele, s ento que
no estou livre.
16
KRISHNMURTI: No podeis faze-lo. O passado se
esvazia totalmente quando no h observador. o observador
que est a criar o passado; o
observador que diz: Preciso
fazer alguma dentro do tempo.
coisa Isto sumamente
importante. da mxima importncia, ao olhardes uma rvore,
compreender que a rvore l est e que vs, o observador,
estais a olh-la. Estais a olh-la com os conhecimentos que a
respeito dela tendes. Conheceis sua espcie, sabeis de que cor,
de que forma, de que qualidade ela ; se uma rvore til.
Tendes conhecimentos a respeito dela; portanto estais a olh-la
como um observador que possui abundantes conhecimentos
acerca da rvore. Do mesmo modo olhais para vossa esposa ou
marido com cs conhecimentos do passado, a lembrana de
todas as ofensas e cie todos os prazeres. Estais sempre a olhar
com o observador e a coisa observada presentes: dois estados
diferentes. Nunca olhais a arvore Olhais sempre com o conhe-
.
10 de julho de 1966.
17
EUROPA 1966
SAANEN II
P
odemos continuar com o que estvamos dizendo
ante-ontem? Falvamos, em palavras diferentes, sbre a impor-
tncia de operar-se uma revoluo total na mente. Estamos
acostumados com reformas de remendos, mudanas fragmen-
trias, as quais se realizam ou sob compulso, como meio de
defesa, ou com uma finalidade, um propsito moral, tico. Todos
reconhecemos a necessidade de uma revoluo fundamental,
radical, total, na mente, O homem vive h tanto tempo em
conflito, dentro e fora de si mesmo, sempre aflito, sempre a
funcionar entre os limites de seu egotismo, entre guerras,
enganos, desonestidade, crueldade; todas estas coisas nos so
bem familiares. Os que so verdadeiramente srios percebem
a importncia da mudana, a necessidade de uma mente que
seja capaz de atacar todos stes problemas e ao mesmo tempo
viver neste mundo, sem dele se retirar para uma vida mons-
tica; viver de uma maneira totalmente diferente.
V-se, tambm, que sc operam mudanas fragmentrias
pela ao da vontade. Eu quero mudar. Exero fortemente a
minha vontade, esforo-me, procuro, por meio da perseverana,
da constncia, de incansvel atividade, promover uma modi-
ficao; contudo no h mudana total. Dentro em ns est
sempre a travar-se esta tremenda batalha, a qual se manifesta
em nossa conduta externa, em nossas relaes exteriores. Se
um indivduo verdadeiramente srio, como ir promover a
completa transformao de sua mente? No duvido de que j
se tenha feito dzias de vezes esta pergunta: Que se deve
fazer? Um homem sabe que lhe falta sensibilidade,
afeio, afeio genuna, intensa, profunda, no maculada por
nenhuma espcie de egosmo ou autocompaixao. Sabe este
18
homem que funciona entre os limites de seu EGO
e a perene
atividade egocntrica. Sabendo de tudo isso, que deve fazer?
Como romper essas fronteiras cie autodefesa, para ficar inteira-
mente livre de conflito, aflio, sofrimento, de todas as tribu-
laes da existncia humana?
19
deira importncia uma vida que em $i mesma encerre um
extraordinrio significado, uma vida sem conflito de espcie
alguma, da qual esteja totalmente ausente o tempo. isto
possvel?
Pode-se fazer aquela pergunta intelectual, verbal, teorica-
mente, mas, nesse caso, evidente, a pergunta conduz a uma
resposta terica, a urna possibilidade conjectural, conceptual,
e no real. Mas, se uma pessoa faz a pergunta sriamente, com
intensidade e paixo, por perceber a futilidade da maneira
como est vivendo, se faz realmente tal pergunta, qual ento
a resposta? Que deve fazer ou no fazer? Acho importante
cada um interrogar a si prprio e no atravs do orador, porque
uma pergunta feita por outrem tem insignificante e superficial
valor. Mas, se a pessoa faz a pergunta a si prpria, com tda
a seriedade e, por conseguinte, com intensidade, acha-se ento
num estado de relao com o orador, e sua mente disposta a
examinar, a penetrar fundo, sem motivo algum, sem propsito
nem direo, porm com um ardor que exige a resposta, um
ardor que dispensa completarnente o tempo, 0 conhecimento,
e penetra realmente, a fim de descobrir se h alguma possibi-
lidade de transpormos as fronteiras da atividade egocntrica.
20
Quando uma pessoa olha para uma rvore, para sua mulher
ou marido, para outra pessoa, est presente o observador que
v a coisa ou pessoa. A rvore diferente do observador.
conscincia inteira, a existncia inteira est dividida entre o
observador, o experimentador, o pensador, a um lado, e a outro
lado o pensamento, a coisa experimentada, a coisa observada.
Manifesta-se um
forte sentimento sexual, ou de violncia. Sou
diferente sentimento; tenho de fazer alguma coisa em
desse
relao a ele; tenho de agir. Que devo fazer? Eu devo e
no devo. Que devo fazer, e que no devo fazer? H essa
diviso interminvel, que, no seu todo, nossa conscincia.
Qualquer mudana que se verifique nessa conscincia, no
mudana nenhuma, porque o observador permanece sempre
separado da coisa observada. Se se no compreende isso, no
possvel ir- se mais longe.
Quandodigo sou agressivo e no devo ser agressivo, ou
continuareia ser agressivo
a est presente o EU, eu
que sou agressivo; a agressividade uma coisa separada de
mim. Tenho de preencher-me; o preenchimento diferente da
entidade que deseja preenchcr-se. Esta diviso existe sempre,
e dentro desta esfera que estamos tentando transformar-nos.
Estamos a dizer que no devemos ser violentos; que devemos
tornar-nos no-violentos que no devemos ser agressivos;
;
21
Podemos debater isso agora, por enquanto? Depois pros-
seguirei.
22
Percebo que todo o meu ser violncia, no uma parte
de mim, porm todo o contedo, porque fui educado para
fazer esforos, para superar, para defender, para ser agressivo.
Que posso fazer? Todo movimento visando no-violncia
ainda uma parte da violncia, porquanto o observador a
coisa observada. Quando se percebe isso claramente, isto , que
o observador a coisa observada, ento toda ao por parte
do observador cessa, e quando cessa a atividade do observador,
surge uma atividade inteirarnente diferente.
23
alguma sensao extraordinria. Se desejais alguma sensao
extraordinria, tomai L.S.D. ou cido lisrgico. Essas drogas
proporcionam, temporariamente, uma intensa sensibilidade, na
qual no h separao entre vs e a rvore. No ficais sendo
a rvore, mas no h separao, no h tempo, no h inter-
valo; h uma extraordinria sensao de que todo o universo
vs e que no existis separado do universo. Mas, isso nao
significa que eu tenha tornado L.S.D.!
24
E um fato muito simples. No comeo pela outra extremidade
do problema, porm com coisas simples. Posso olhar a flor
que encontro beira do caminho ou que vejo em meu quarto,
sem que sejam despertados todos os pensamentos a ela rela-
tivos, sem que o pensamento diga: Al est uma rosa; gosto
de seu cheiro, de seu perfume, etc. etc.? Posso observar
simplesmente, sem nenhum observador? Sc nunca fizestes
isso, experimentai-o, no nvel mais baixo, mais simples. Mas
25
Se escutardes da mesma maneira que muitos vm
escutando este orador h quarenta anos. ou mais, continuareis
presos na teia do tempo. Mas, se escutardes vossos prprios
processos, vosso prprio pensar, vossas idias, vossos motivos,
vossos temores, e os compreenderdes totalmente, no fragmen-
triamente, ento, sim, podereis, junto com o orador, prosseguir
a jornada num nvel muito diferente deste em que nos
encontramos e que tao banal e medocre.
INTERROGANTE: Minha vida toda um processo
mecnico. O percebimento deste fato no tambm uma
parte da conscincia?
26
c. (1)
necessria a compreenso do processo total do tempo
do tempo da psique, e do tempo do relgio. Preciso com-
preencher o tempo, tanto o psicolgico como o cronolgico.
Vou dizc-lo de maneira diferente. A realidade no pode
ser alcanada com esforo. Nao se pode dizer: Farei isto ou
Farei aquilo, ou Tentarei observar o observador e, talvez,
experimentar alguma coisa. Aquele estado no pode ser
conquistado, ganho com esforo, comprado. que se tem de O
fazer observar a prpria atividade, dela tornar-se cnscio
sem nenhuma escolha, v-la tal como realmente .
27
observao sem escolha alguma, sem avaliao,
minuciosa,
comparao, condenao, vereis como vosso corpo
justificao,
se tornar extraordinariamente alerta, sensvel. Vosso crebro,
vossa mente, vossa entidade toda inteira, se tomar vazia.
Podereis ento comear a investigar, pois o investigar apenas
teoricamente o que ou o que no , tem muito pouca
importncia.
12 de julho de 1966
28
EUROPA 1966
SAANEN IU
T)
eve ficar claramente entendido que no nos
reunimos aqui para um entretenimento intelectual. Estamos
tratando de um assunto muito serio. Por seriedade entendo
o propsito de ouvir atentamente, at ao fim, o que se est
dizendo aqui. Em geral levamos uma vida superficial, vida de
interesses imediatos, prazeres imediatos, e proveitos imediatos.
Preenchidos estes, queremos ir mais longe, e acomeamos
investigar, a indagar,buscar coisas mais satisfatrias. No
a
considero sria essa mente. A mente sria no interessam apenas
as exigncias imediatas da vida, mas tambm a soluo de todos
os problemas humanos, no numa data futura, porm imedia-
tamente. deixa o tempo interferir. A mente que quer inves-
No
tigar e viver completa e totalmente no se deixa desviar por in-
fluncia de espcie alguma. Quer-me parecer que muitos dentre
ns, que a tantos incmodos se sujeitaram para vir assistir a estas
reunies, no so suficientemente srios. No somos srios
porque, em primeiro lugar no sabemos o que cumpre fazer,
como aplicar-nos soluo das presses, tenses, problemas e
ansiedades da vida. Vemo-nos incertos. Tambm, no somos
srios, porque, ntima e profundamente, temos medo. Ningum
pode dar-nos certeza; ningum pode dar-nos a garantia de
uma direo certa, porque, infelizmente, no h nenhuma
direo para seguir. A vida como um rio que, em seu movi-
mento constante, salta sobre pedras, vence precipcios; ela est
sempre em movimento. No mesmo instante em que desejamos
garantias, certeza, esse prprio desejo gera o medo.
29
diga o que devemos fazer, nos mostre, no mapa, as estradas,
as pontes, as cataratas, os pontos perigosos. Pensamos que no
possumos a inteligncia ou a capacidade necessrias para, por
ns mesmos, descobrir, trazer luz, no s os problemas
conscientes, mas tambm os inconscientes, aqueles problemas
profundamente ocultos, que nos atormentam a vida. Estamos
sempre procura de algum, sempre em busca de mais per-
feio, em busca do que correto fazer. sse prprio desejo
o criador da autoridade. Vs e eu sabemos disso e, por
conseguinte, estamos prontos a seguir qualquer um que saiba,
que possa dirigir-nos, guiar-nos. autoridade, criada pela nossa
incerteza, gera por sua vezmais medo. Neste crculo vicioso nos
vemos presos. No sabemos o que fazer; submetemo-nos a
algum, e essa prpria submisso gera mdo. Tal a maneira
como estamos vivendo. Um
sacerdote, um dogma, ou uma
crena oferece-nos uma certa garantia. Assim, submetemo-nos
a certas autoridades; autoridade dc uma idia, de uma
pessoa, de um dogma, ou de uma organizao. Nesse prprio
processo gera-se mdo. Ternos alguma possibilidade de com-
preender o inteiro processo da existncia, sem contarmos com
ningum mais, nao importa quem seja, inclusive ste orador?
Temos alguma possibilidade, como entes humanos sern
dependermos de ningum, de nenhum livro, nenhuma filosofia,
nenhum guru , nenhum instrutor
ternos alguma possibilidade
de descobrir, por ns mesmos, medida que vamos vivendo?
Eu digo que ternos, e que essa a nica maneira de viver. De
outra maneira seremos sempre seguidores, medrosos, neurticos,
estaremos sempre na incerteza e na escurido.
Primeiramente, como poder uma pessoa ter clareza? Como
poder ver e agir , de modo que nunca haja confuso e a ao
nunca gere mais sofrimentos, mais conflitos e escurido?
possvel a cada um de ns olhar a si mesmo e a seus problemas
com tanta clareza que sobre cada problema no paire a mais
leve sombra de dvida, e o problema, por conseguinte, seja
resolvido totalmente? Se algum capaz disso, est ento apto
a investigar a questo do mdo; mas, primeiro, necessrio
compreender essa nossa necessidade de certeza, de garantia, de
estmulo, de algum que nos diga: Parabns, voc est indo
muito bem! ste o caminho certo; continue por le. Ser
possvel isso? S ser possvel se cada ente humano fr inteira-
30
mente livre e no depender de
ningum, por perceber
claramcntc o proolema. Problemas
haver sempre, e cada
problema significa desafio e reao. A vida est sempre a
lanar-nos desafios, e quando a reao ao desafio inadequada,
incompleta., dessa reao inadeqada resultam os problemas.
Um problema implica alguma coisa que nos c lanada, uma
dificuldade que subitamente se nos depara. Se a pessoa no
capaz de reagir a esse desafio totalmente, completamente, com
todo o seu ser, seus nervos, seu crebro, sua mente, seu corao,
ento dessa reao inadeqada, insuficiente, resulta um pro-
blema. Durante toda a vida somos exercitados e educados para
no reagir totalmente. S reagimos fragmentriamente. Em
certas ocasies, quando no estamos pensando, reagimos com
tanta facilidade e naturalidade que nenhum problema existe.
Mas, com a maioria de ns acontece que os problemas esto
constantemente a surgir. Pode-se perceber o que o desafio e
a ele reagir fcilmente, sem nenhum esforo, de maneira total
quer se trate de assunto de sade ou de relaes, quer de
problemas intelectuais, etc.?
Consideremos, primeiramente, se possvel a cada ente
humano reagir to livremente e sem nenhuma resistncia, to
completamente e sem nenhum motivo , que nenhum problema
lhe venha torturar a mente. Vamos investigar este ponto,
porque, se formos capazes de reagir daquela maneira, o cu se
nos abrir. Ento
no, no h palavras para descrever o
que acontece. Nao mais seremos entes humanos torturados,
deformados. Por que razo no reagimos completamente, total-
mente? Perguntamos: Por qu? Estais em busca de uma
explicao, em busca das causas, ou, sem perguntar porqu nem
procurar explicaes, estais completamente com a pergunta
[with the question)? Eis uma pergunta: Por que razo eu,
como ente humano, no reajo a cada desafio que se me apresenta
na vida, de maneira to completa que no haja conflito
nenhum? Eu estou com o desafio a tdas as horas; no h
resistncia, nem h fugir dele. Por qu? Quando fao a mim
mesmo esta pergunta, a reao instintiva indagar da causa.
Digo, entre mim: Fui educado erroneamente; estou sujeito a
um excesso de presses e de responsabilidades; estou cheio de
preocupaes; estou fortemente condicionado; todo o meu
jundo me impede de reagir completamente. Qualquer que seja
31
o desafio desafio consciente ou desafio inconsciente, desafio
de que no estou cnscio e desafio de que estou cnscio tenho
explicaes; conheo as causas. Digo., ento: Como me livTarei
destas causas, a fim de reagir totalmente? Que fiz eu? No
5
32
cionamento, estou criando problemas, porque os desafios esto
sempre a surgir e a eles no estou reagindo. Estou vendo isso;
compreendo perfeitamente a superfluidade, a futilidade desse
intil exame.
2 33
ideologias. Ternos defesas. Queremos estar protegidos, em segu-
rana. Queremos a segurana de nossas religies, nossas crenas,
nossos dogmas, nossas relaes, nossas atividades e isso, gradual-
mente, gera condicionamento mecnico, sonolento. Vem
um
um desafio e nos desperta. A importncia do desafio que ele
nos desperta, mas, ao despertarmos, reagimos conforme um
certo fundo (background) e dessa maneira criamos mais
problemas. Vendo-nos impossibilitados de resolver os problemas,
tornamos a adormecer. Dc novo surge um problema, um desafio;
despertamos momentaneamente, porm logo recamos no sono.
dessa maneira que estamos vivendo. Se percebemos o pro-
cesso de corresponder ao desafio de maneira completa, com
plena ateno, apresenta-se a questo: H necessidade de
desafios? O homem que est totalmente desperto no necessita
de desafios; esse homem no tem problemas; vai ao encontro
de cada desafio de maneira nova. A mente de todo desperta
no tem problemas e, por conseguinte, no depende de nenhum
desafio para manter-se desperta. S se pode compreender isso
quando o problema, o desafio foi atendido com nossa energia
total, e no com o nosso fundo. A mente para a qual no h
34
mentria chamada intelecto; nem da emoo, que tambm
um fragmento; nem cio sentimento. No estamos investigando
intelectualmente as caractersticas do medo. Estamos procurando
v-lo e pr-lhe fim, radicalmente, no importa que espcie de
medo da morte, da infidelidade por parte de minha mulher,
ou de meu marido, de qualquer coisa que seja.
H possibilidade de livrar-nos do medo, no s consciente-
mente, mas tambm nas profundezas cio inconsciente, nas
profundezas de nosso corao, de modo que no haja mais
sombra de medo, em tempo algum? Se estamos livres do mdo,
ento os deuses que a mente inventou, as utopias, os sacerdotes,
as doutrinas, teologias e crenas, todos esses absurdos e infanti-
lidades desaparecero. possvel livrar-nos do mdo, no numa
data futura, no pelo cultivo da resistncia ao medo (que
outra forma de mdo) no pelo inventar uma certa teoria ou
,
35
efeito, assaz difcil responder a esta pergunta, isto , de que
maneira enfrentais o medo que vos foi revelado
se de fato
desejais revel-lo a vs mesmo.
36
todos vs j conhecestes essa solido. Podeis achar-vos n seio
da famlia, ou a viajar num nibus ou no caminho de ferro
subterrneo, e subitamente vos verdes acometido desse sentimento
de completa solido. le gerador de medo. Vou examin-lo,
primeiro intelectualmente e veremos depois o que acontece.
Estou s; no gosto desse sentimento; um sentimento terrvel,
porque no sei o que fazer em relao a ele. Acometeu-me
subitamente, enredou-me, e dele quero fugir; procuro- conversar,
ler o jornal; ligo o rdio, vou igreja; trato de distrair-me de
tdas as maneiras possveis. Essa fuga ao medo gera conflito.
O que estou a fugir, e essa fuga e que o mdo
fato a
fuga! Omdo no existe quando o olho. S quando fujo
como costumo fazer
s ento h mdo.
37
olho a solido dessa maneira, o observador trata de fazer
alguma coisa em relao a ela conden-la, alter-la, domi-
n-la, com ela identificar-se. Prestai-lhe ateno, por favor; ela
setorna muito simples, quando a conhecemos. Sede bem simples,
porque a vida urn tremendo e complexo problema, tremenda-
mente complexo, e s poderemos compreende-la se formos
muito e muito simples, porm sem sermos infantis. Se somos
muito simples e acolhemos os fatos tais como so, podemos
ento seguir com eles e, por fim, ultrapass-los, transcend-los.
Transcendendo-os, estamos livres dles. O
observador diz:
Tenho medo. Est separado do medo, como que do lado de
fora; e, ento, consciente ou inconscientemente, procura atuar
sbre le. Mas, o observador difere da coisa observada? Se
fosse diferente, no poderia reconhec-la. Preciso estar familia-
rizado com uma pessoa, para reconhec-la. Posso ento dizer:
Voc fulano de tal. Mas, se no a conheo, no h ento
contacto, no h relao com a pessoa; um desconhecido.
38
sua periferia. Beleza a inao total, pois dela nasce um ao
sumamente positiva positivo, no no sentido de oposto
a negativo. No depende aquela beleza de nenhum objeto
externo. S a mente que conhece a inao total pode ver o
que a liberdade e, por conseguinte, ser livre.
1NTERROGANTE: Desde criana, sempre existiu em mim
um certo sentimento de medo, de enclausuramento, de sufo-
cao, que me acompanha desde o comeo e do qual me vejo
incapaz de libertar-me. Que posso fazer?
analiseis. Isso
j temos feito suficientemente, e um desper-
dcio de tempo. Sabeis porque tendes medo. Se no vos
ocupardes em analisar, interrogar, inquirir, tereis energia, como
agora mesmo estive explicando. Disporeis de abundante energia
para enfrentar aquele sentimento, sempre que surgir. Essa coisa
que h tanto tempo existe, desde a infncia, continuar existente
e se manifestar ao sairdes deste pavilho ou ao entrardes em
vossa casa. Enfrentai-a! Enfrentai-a como se com ela vos
encontrado pela primeira vez.
estivsseis No sereis capaz de
encontrar-vos com ela como se fosse a primeira vez, se estiverdes
sempre a analis-la, a perscrut-la e a dizer: Por que isto?
ou Por que aquilo?. S no estado de inocncia podem resol-
ver-sc problemas, e inocente a mente que com todas as coisas
se encontra de maneira nova.
14 de julho de 1966
EUROPA 1966
SAANEN IV
a importncia
Nas trs ltimas palestras estivemos considerando
a urgncia da revoluo radical na mente.
e
Essa revoluo no pode ser o produto de uma inteno
planejada, sistematizada, porque toda revoluo que segue um
certo plano, uma certa filosofia, uma certa idia ou ideologia,
deixa de ser revoluo; mero ajustamento a um padro, ainda
que muito ideolgico e muito nobre. Os entes humanos vivem,
h mais de dois milhes de anos, num perene estado de guerra,
dentro e fora de si mesmos, em perene conflito. A vida um
campo de batalha, tanto na vida prtica como na intimidade
da famlia. Uma sociedade recriada, renovada, deve decerto pr
termo a esse conflito. De contrrio, tanto a sociedade como o
indivduo, o entehumano, permanecero fechados na priso
dos conflitos, aflies e da competio. Foi isso, com efeito, o
que sempre sucedeu, na histria da humanidade, e continua
a suceder na atualidade. Parecemos incapazes de quebrar as
paredes desta priso, de libertar-nos. Talvez haja umas poucas
excees, porm essas excees no entram em linha de conta.
O que importa que ns, como entes humanos, possamos
operar uma mudana real, radical, dentro em ns mesmos, para
nos tornarmos entes humanos diferentes e vivermos uma vida
diferente, sem um s momento de conflito.
40
?
41
vamos considerar poder tornar-sc um tanto confuso. O aprender,
por certo, exige uma mente nova, uma mente que est a
aprender (e no, que aprendeu e funciona e atua em confor-
midade com o aprendido). A mente que est a aprender est
sempre a atuar, no em conformidade com o que j adquiriu,
porm, no seu prprio atuar est a aprender.
42
Se desejamos realmente a paz, interior e exteriormente,
no s necessitamos de uma radical revoluo psicolgica, mas
tambm temos de reaprender a viver. Isso ningum poder
ensinar-nos
nenhum filsofo, nenhum instrutor, nenhum
guruy nenhum psiclogo e muito menos os chefes miltares ou
polticos. Temos de reaprender tudo; aprender a viver sem
conflito. Para compreendermos o conflito e compreendermos a
paz, temos de investigar a questo do prazer, porque, se no
compreendemos o prazer e seu oposto, a dor, nao teremos paz
e no poderemos viver livres de conflitos. Nao estamos dizendo
que devamos privar-nos do prazer ou levar vida de puritano.
Isso o homem j experimentou, disciplinando-se, matando todos
os seus desejos e prazeres, torturando-se, negando a si prprio
todo e qualquer deleite dos sentidos, e, todavia, ele nao dissolveu
o seu conflito, a sua tortura psicolgica. Se de fato desejamos
compreender, sriamente, a natureza do conflito, e sua ter-
minao, isto , a paz, temos de investigar, no s intelectual-
mente, porm real e verdadeiramente a questo do prazer, que
desejo. No poderemos viver em paz uns com os outros ou
com ns mesmos, se no houver amor, se no houver afeio.
O desejo nao c amor; o desejo leva ao prazer; o desejo
prazer. Nao estamos condenando o desejo. Seria rematada
estupidez dizer que devemos viver sem desejo, visto que isso
impossvel. O homem j o tentou. Muitos tm negado a si
prprios toda espcie de prazer, tm-se disciplinado, torturado
e, contudo, o desejo persiste, criando conflitos, com todos os
43
4
clareza, se condenamos o prazer, ou se dizemos Preciso dele
quer se trate de prazer sensual, quer do prazer derivado de
nossas diferentes reaes psicolgicas. Quando condenamos ou
desejamos o prazer, no podemos compreend-lo,- No entendo
pela palavra compreender uma compreenso intelectual,
conceptual, compreenso criada por uma
palavra ou idia
pois idia palavra ou pensamento organizado. Se, em relao
ao prazer e dor, j^nsamos na base de uma frmula ou
conceito, no os compreenderemos. Temos de olhar, de penetrar
o prazer. Mas no podemos compreend-lo ou penetr-lo se
admitimos ou sustentamos que precisamos do prazer, porque
todos os nossos valores sociais, morais, religiosos e ticos esto
baseados no prazer.
44
o presente ativo: aprender, e no ter aprendido Ou
aprenderei.
No hento acumulao do aprendido, como idia ou
concluso, na base da qual ficaremos a funcionar ou atuar.
Atuamos enquanto aprendemos A est toda a diferena. Por
.
45
a um tudo aquilo a que comumente se d o
sistema, fazer
nome de O prprio ato de aprender disciplina,
disciplina.
e a palavra disciplina significa aprender, e no, ter
aprendido, reprimir, praticar certas coisas ou ajustar-se a
um padro. O
ato de aprender a via da disciplina e,
portanto, no h dizer devo ou no devo ter prazer. Que
o prazer? Por favor, nao espereis por minha resposta. Ns
estamos aprendendo. Eu posso articular uma resposta, expor
verbalmente o que o prazer, descrev-lo, examin-lo minucio-
samente, mas vs tendes de aprender. o que estamos fazendo,
juntos. Por conseguinte, estais escutando no s ao orador,
mas tambm escutando em vosso interior, observando a pergunta
que se vos faz.
O prazer est relacionado com o desejo. Saboreei uma
certa iguaria e desejo prov-la mais uma vez; isso d-me
deleite. Pi o sexo, o prazer do pr do sol, numa bela tarde;
a luz refletida nas guas do rio; a beleza dc um pssaro a
voar; a beleza de um rosto; a frase que nos inspira profunda
alegria; um sorriso. Vem ento o desejo, a exigir repetio.
E h o desejo sexual, o desejo psicolgio ou outro, que provou
um certo prazer e quer de novo prov-lo. O
desejo de repetio
se mesmo momento em que nasce o pensamento.
apresenta no
Consideremos isso com muita simplicidade, por ser uma questo
muito complexa. Ontem de tarde, em meio s nuvens e ao
vento, o sol iluminou subitamente uma pequena poro de
um campo. Uma luz de extraordinria plenitude em que o
verde do campo adquiriu maravilhosa viveza. Os olhos viram,
a mente registrou, e experimentou enorme deleite, ante aquela
beleza, aquela luz, aquele verde incomparvel. Quero a repe-
tio daquela delcia e, assim, vou procurar aquela mesma luz,
46
mento se ingere e deseja repetio. O como do prazer o
comeo do pensamento, com seu conflito. O pensamento tem
necessidade de conflito, e cria o conflito. Meu problema no
o deleite que experimento ao ver uma coisa bela, porm,
comea a existirlogo que o pensamento exige repetio. O
deleite torna ento prazer e sinto necessidade de sua repe-
se
tio. A uma vez criada pelo
idia de repetio, de mais
pensamento. Vejo um rosto agradvel, um belo semblante
iluminado por um sorriso, e nele fico pensando. Primeiro
vejo-o, depois penso nele. Esse pensar o como da tortura,
da dor, do prazer
como possuir, conservar, dominar o que
vejo. Uma vez dominado, est destrudo, e vou procurar outra
coisa, etc. etc. Posso contemplar aquele campo verde, ver
aquela luz maravilhosa, extasiar-me com aquela extraordinria
beleza, sem deixar o pensamento interferir? ste que o
problema. No momento em que o pensamento intervem,
comea a tortura, a dor, o conflito, com todos os seus resultados
e efeitos indiretos. O
pensamento destri o que antes era belo.
Meu problema no de evitar ou de aceitar o prazer, porm,
sim, de compreender em seu todo o processo do pensamento.
Vejo um belo e possante carro. O
pensar nle intensifica o
desejo, torna-o mais forte. O
desejo se torna prazer, a imagi-
nao entra a funcionar, etc. etc. Tenho de investigar agora
o pensamento, o pensar, e no se tenho possibilidade de det-lo,
pois no a tenho; tenho de investigar se tenho possibilidade de
compreender o mecanismo do pensamento.
ste um assunto verdadeiramente srio. Tendes de
dispensar-lhe muita ateno, e vos cansais muito depressa. No
podeis prestar ateno durante uma hora inteira, com plena
energia. Se agora estivestes a examinar-vos com toda a
at
vossa ateno e capacidade, com intensidade, ento
energia,
o vosso corpo, a vossa mente, todo o vosso ser est esgotado.
Se dizeis: Tende a bondade de prosseguir, e entenderei o
que quereis dizer
isso significa que desejais continuar a
ouvir e que eu continue a explicar; j no estais aplicado
coisa com toda a vossa vitalidade. Voltaremos a considerar
ste assunto
o mecanismo do pensamento na prxima
ocasio.Para compreend-lo, deveis investigar a questo do
tempo
do tempo como memria, do tempo como passado.
ste um problema muito complexo, a que deveis aplicar-vos
47
com a mente e no com uma mente j cansada,
fresca,
enfastiada da Para examinardes o mecanismo do pensa-
vida.
mento, que memria, tendes de penetrar fundo no consciente
e no inconsciente; tendes de compreender o tempo cronolgico
e o tempo psicolgico e de considerar se o tempo pode terminar.
Tudo isso est includo na investigao do pensar. Esta inves-
tigao exige uma mente muito penetrante, e no uma mente
embotada, cansada, que apenas sente curiosidade, pois se acha
esgotada, aps quarenta anos de labor num escritrio. Exige
uma mente clara, aguada, capaz de pensar lcida e resoluta-
mente, sem hesitar entre uma coisa e outra. Uma mente dotada
da energia necessria para prosseguir, sem desfalecimentos,
at o fim.
48
;
49
trabalha, produz mais. Assim, d-se ao operrio a possibilidade
de aprender enquanto trabalha.
Consideremos a coisa por outro lado. A maioria de ns
tem idias. Para ns, as idias, as frmulas, os conceitos so de
enorme importncia. A nacionalidade uma idia. O negro,
o hindu, o branco, so idias. Embora essas idias tenham
produzido terrveis efeitos, elas, as idias, as ideologias e
frmulas tm para ns imensa importncia, e a ao nenhuma
importncia. Atuamos cm conformidade com esses conceitos e
idias; procuramos ajustar a ao idia. H sempre separao
entre a idia e o ato, e, por conseguinte, h sempre conflito.
O homem que deseje compreender e finalizar o conflito deve
descobrir se pode atuar sem idia; deve aprender ao mesmo
tempo em que est atuando.
Consideremos o amor. le no uma coisa simples, porm
assaz complexa. No sabemos o que significa o amor. Temos
idias a seu respeito: que para amar temos de ser ciumentos,
que o amor se divide em divino e humano
inumerveis
idias. Se desejo descobrir seu significado, sua profundidade,
sua beleza, descobrir se o amor existe e le nada tem que
ver com boas obras, comiserao, tolerncia, brandura,
embora tudo isso nele possa incluir-se se desejo realmente
compreend-lo, tenho de repudiar todas as minhas idias a
respeito, pois, nesse ato de lanar fora todos os meus conceitos
relativos ao amor, estou aprendendo o que o amor. S isso,
e nada mais.
17 de julho de 1966
50
EUROPA 1966
SAANEN V
51
dividindo a conscincia em diferentes sees, fragmentos, em .
52
,
53
um pouco mais isto, um pouco menos aquilo mas o pensamento
,
54
depois de escutar de olhar, de observar todos os seus movi-
mentos
seu movimento total
e isso se pode fazer num
instante. Aps terdes observado tudo isso e percebido a inutili-
dade do pensamento (dsse pensamento que est sempre e
sempre a funcionar) como o instrumento que efetuar a
revoluo, ento, naturalmente, voltais as costas caminho
ao
que at agora vnheis trilhando. Isso s pode verificar-se quando
a mente, quando a psique inteira est tolalmente vazia. sse
vazio madureza, a qual d uma dimenso inteiramente
diferente a nossas atividades e a nosso viver.
55
exceo de um ou outro pico sobranceiro aos demais; mas, se
nos aproximamos bem, comeamos a distinguir os vales, as
cataratas, a forma do penedo, a beleza de um contorno. Bem
perto das coisas, estamos em ntimo contacto com elas. Infeliz-
mente, nunca nos permitimos entrar em ntimo contato com
alguma coisa, porque estamos sempre a isolar-nos, a recal-
car-nos, e existem, assim, dezenas de barreiras por ns mesmos
construdas.
Todas essas barreiras, e recalcamentos, e temores, se
desfazem instantaneamente, imediatamente, quando nos pomos
diretamente em contacto com cies. E esse contacto direto s
possvel quando o pensamento foi compreendido, compreendida
a sua relativa importncia em certos setores, e quando h
aquele vazio imprescindvel observao. Pois, s podemos
olhar uma coisa, quando estamos vazios, quando no estamos
ocupados, quando no estamos ligados a nada. No podeis
observar a natureza, a rvore, a flor, a montanha, o rio, o cu,
quanto vossa mente est atulhada de pensamentos, preocupada,
agitada; quando se v torturada por sua prpria pequenez, sua
prpria inquietao e ansiedade.
Que se pode realmente, em relao atividade
fazer,
egocntrica? Uma
das coisas mais difceis de perceber que
nada se pode fazer no sentido de operar uma mudana. Quando,
em presena de um problema, o olhais inteiramente em silncio,
sem estardes vinculado a nada, entrais ento imediatamente
em contacto com ele, no como observador em contacto com
a coisa observada, porm em contacto com o fato o que .
Vereis, ento, operar-se uma mudana, no produzida pelo
pensamento, pelo desejo de prazer ou a fuga dor.
56
percebe claramente que pensar encher-se de aflio. Corrio
deter o pensamento Isso envolve muitas coisas.
i'
No mesmo
instante em que fazeis algum esforo para det-lo, le se torna
um problema. Aparece uma contradio. Desejais deter o
pensamento, porm le prossegue, sem parar. Essa mesma
contradio gera conflito; todas as contradies produzem
conflito. Assim, que fizestes? No pusestes fim ao pensamento
e criastes um nvo problema, vale dizer, conflito. Todo esforo
para deter o pensamento s serve para aliment-lo, dar-lhe
mais energia. Sabeis muito bem que tendes de pensar. Tendes
de exercer toda a energia a vosso dispor, para pensardes com
clareza e preciso, pensar s, racional c logicamente. Todavia,
bem sabeis que esse pensar so, racional, lgico, no detm o
pensamento. ste prossegue, indefinidamente.
Que fazer? Sabeis quequalquer espcie de represso, de
disciplina, recalcamento, resistncia ou ajustamento idia de
que tendes de pr fim ao pensamento, puro esbanjamento
de energia e tem de ser abandonado. Vs o abandonastes? Se
o fizestes, que deveis fazer agora? Absolutamente nada! Primei-
ramente, pensais que deveis pr fim ao pensamento. Isso
uma idia, e atrs dela existe um motivo. Desejais deter o
pensamento, porque le no resolveu o problema. Pode, pois,
a mente -
no uma mera parte dela, um certo fragmento,
porm a sua totalidade, que compreende os nervos, o crebro,
a sensibilidade, tudo
pode a mente perceber que nada pode
fazer a esse respeito? E, percebido isso, o pensamento conti-
nuar? Vereis que no continuar.
1NTERRO GANTE Parece que olhei o problema erronea-
mente.
KRISHNAMURTI: Senhor, tendes um problema, um
problema matemtico, um problema pessoal; j o examinastes
bem, investigastes, devassastes, e no encontrastes a soluo.
Que sucede ento? Vs o largais, no? Mas muito importante
perceber como o largais. Se o fazeis por desespero, por medo,
por um certo motivo, vossa mente continuar ainda ocupada
com o problema. Mas, se o largais aps o terdes considerado
sob todos os seus aspectos, nesse caso o deixais completamente
entregue a si mesmo, isto , vossa mente j no se preocupa
com le, j no o teme, j no busca nenhuma soluo, nenhum
meio de fuga. Se deixais o problema sozinho, ento, como
57
que do nada, surge a soluo. J no notastes corno isso acontece,
em relao a coisas triviais? Se tendes um problema matemtico,
ou um problema humano, com o qual estivestes a pelejar, sem
encontrar soluo, e dizeis: Nada mais posso fazer vereis
que, subitamente, o pensamento cessa.
58
inocncia, desse no saber, o pensamento, que no inocente,
cessa.
59
Que que poder eliminar o dio, a violncia que impera na
Amrica, entre o negro e o branco, e em muitos outros lugares,
entre o comunista e o burgus? Que acabar com isso? A His-
tria registra que o homem travou quinze mil guerras nos ltimos
cinco mil e quinhentos anos
quase trs guerras por anol
Entes humanos esto sendo obrigados a viver uma vida de
violncia, ambio, avidez, competio, desejo de fama,
prestgio para a nao. Tudo isso violncia. Gomo poderemos,
como humanos
entes
no como americanos, vietnamitas,
comunistas,como portadores de um rtulo qualquer como
poder cada um de ns, como ente humano e onde quer que
viva, pr fim violncia?
Esta que a questo: como terminar a violncia?
e no, tomar partidos, fazer isto ou aquilo. No se pode acabar
com a violncia por meio de uma idia de no-violncia. Esta
questo um tanto difcil. Examinmo-la. Eu sou violento,
como ente humano. Sou ambicioso, vido, invejoso, competidor,
egocntrico, por natureza. Minhas prprias clulas cerebrais
so o resultado de sculos de animalismo (1) , e sou violento.
Tendo lido a histria, tendo sofrido, digo: No devo ser
violento; a violncia no conduz a parte alguma. Quero
livrar-me da violncia e penso que, se tenho um ideal de no-
-violncia, posso us-lo como uma alavanca para libertar-me
da violncia. O
que nos libertar no ser o ideal da no-
-violncia, porm o fato, a prpria violncia, o que 3 e nao
uma idia sobre o que ela deveria ser idia j tantas vzes
posta prova. Tem-se pregado interminvelmente a no-
-violncia, na ndia e em toda a parte. Todas as religies a
pregam: Sde bondosos, sde afveis, no magoeis ningum,
amai- vos uns aos outros. As religies no promoveram a paz;
muito ao contrrio, j houve guerras religiosas. A nica maneira
de pr fim violncia olh-la , enfrentar o que s e isso
significa que no deve haver nacionalidades.
60
falamos sobre este assunto, disseram-nos: Que estais dizendo?
Estamos sendo atacados, portanto temos de defender-nos. Um
exrcito 6 necessrio. O movimento do dio, da guerra,
prosseguir sempre, se no percebermos, todos ns, que o dio
de modo nenhum pode ser eliminado pelo dio, pela represlia.
Se fssemos dizer aos vietnamitas que no devem odiar, eles
nos jogariam no rio ou nos fuzilariam, porque nos considerariam
pacifistas. por isso que dizemos que h necessidade de uma
revoluo total na mente, para que no sejamos mais cristos,
budistas, catlicos, comunistas, americanos, hindus, alemes e
italianos: para que sejamos entes humanos! A unidade humana
o que realmente importa, e no o antagonismo entre as naes.
19 de julho de 1966
61
EUROPA 1966
SAANEN VI
62
conflito, tantomaior a contradio. Acho que a maioria de ns
sabe disso; quase todos conhecemos nossas diferentes simulaes,
vaidades, presunes, tanto pblicas como particulares. Se
retiramos essas mscaras, que resta? Se a questo nos interessa
sriamente, devemos no s descobrir o que so essas simulaes,
com suas vaidades, sua hipocrisia, suas contradies e atividades,
cada uma delas oposta s demais, mas tambm descobrir, por
ns mesmos, se temos possibilidade de despojar-nos de todas e
de ver o que .
63
excetuados os sonhos
fsicos, que se manifestam quando
comemos em ou por outra causa orgnica. Nesta manha
excesso
teremos muito que fazer, se desejamos considerar a fundo a
questo relativa a uma vida e uma ao inteiramente livres de
contradio. Se pudermos compreend-la, essa questo, se
pudermos aprender a seu respeito, transporemos ento as fron-
teiras do prazer, do desejo, e encontraremos uma certa coisa
que ser uma fonte de jbilo e de bem-aventurana. Mas, no
a encontraremos, se no compreendermos esses estados contra-
ditriosde nossa existncia, com tdas as suas sutilezas, disfarces,
simulaes. Nesta manh, se possvel, iremos viajar juntos,
explorar e aprender. Ningum ir dizer-nos o que devemos e o
que no devemos descobrir, quais as nossas mscaras e
simulaes; iremos perceb-las por ns mesmos. Se isso acontecer,
esse mesmo descobrimento libertar enorme energia para novos
descobrimentos.
64
,
3
65
ou americanos. Depois ele internacionalizar-nos, iremos
supernacionalizar-nos e, no final de tudo, haver a unidade
humana
quando todos estivermos mortos, nos tivermos
assassinado uns aos outros, e cada nao, com seus polticos, tiver
reduzido a escombros o mundo. Dizemos que, um dia, haver
urna certa unidade, mas esse dia nunca chega.
Se perceberdes a natureza do nacionalismo, seu verdadeiro
sentido no s sua significao verbal, as manifestaes
patriticas ou
se o compreenderdes totalmente, ele
pacifistas
estar acabado.J no pertencereis a nenhum pas, nenhum
grupo, nenhuma raa. Mas, isso requer muita ateno, quer
dizer, deveis de ser preguioso, indolente, ficar livre
deixar
de gradualidade. Ou vdes imediatamente , em
55
dessa histria
seu todo, essa enganadora m
anu faturao dc mscaras, de
disfarces, ou no a vdes absolutamente. No digais: Eu a
compreenderei gradualmente; assim corno se tiram as cascas de
uma cebola, tirarei gradualrnente as camadas, as cascas, uma
a uma
55
No digais que fareis isso gradualmente. Ou vdes
.
66
escritor,um grande qualquer coisa; no desejais que descubram
o que sois. Temeis perder alguma coisa que j tendes na mo,
no corao. Por favor, nao fiqueis apenas a ouvir superficial-
mente o que se est dizendo, porque isso nenhum valor tem.
Podeis vir assistir a estas reunies, ano aps ano, e, incidental-
mente, numa hora de folga, vos sentirdes disposto a refletir
sobre o que aqui se diz. Mas, ao voltardes a vossas casas
recomeareis a mesma vida de confuso, aflio e conflito. Se,
entretanto, escutais
e escutar significa aprender estais
ento a navegar num rio de insondvel profundidade, de
tremendo caudal, que est a correr e a levar-vos. Se escutardes
dessa maneira, averiguai ento porque usais esses disfarces, mas
no gasteis um segundo sequer examinando-lhes a causa,
analisando-os, dissecando-os, lutando contra eles, adiando-os.
Quando os analisais, em busca da causa, estais meramente a
evit-los. Sabeis muito bem porque tendes essas mscaras, essas
simulaes, essas defesas. Ningum v-lo precisa dizer. Sabeis
porque as tendes. O importante perceber com clareza essa
resistncia, essas defesas, essas simulaes.
67
.
68
Isso no
significa que eu queira impedir-vos de fazer
perguntas.
muito importante fazer uma pergunta, mas mais
importante ainda fazer a pergunta correta, e para fazer-se a
pergunta correta, requer-se profunda penetrao da questo.
Devemos fazer perguntas a respeito de tudo: nacionalidades,
reis, rainhas, governos, religies, tudo quanto interessa huma-
69
INTERROGANTE: Como posso, eu, que me vejo tortu-
rado, meu minha mente constrangida, martelada (1)
crebro,
condicionada, quase quebrada
como posso aprender, alcanar
,
70
KRISHNAMURTI: Folgo muito!
INTERROGANTE: Se no podeis ver instan-
Dissestes:
teaneamente a atividade de dissimulao e dela vos libertar
imediatamente, averiguai porque no o podeis. Dissestes,
tambm, que o desejo de descobrir uma atividade egocntrica
e, por conseguinte, nunca poderemos libertar-nos da atividade
77
guerras?', No meu sentir., esta uma pergunta errnea.
Enquanto os entes humanos permanecerem tais como so,
haver sempre guerras. pergunta correta : Como pode
o ente humano mudar inteiramente, e imediatamente?. Esta
me parece ser a pergunta correta, e nela prpria est contida
a resposta. Se a fazemos com toda a paixo e intensidade que
uma tal pergunta requer, ela prpria traz a resposta.
INTERROGANTE: O
homem nvo de que falais no
poderia permanecer um homem nvo, como lder poltico e
dirigente dos negcios humanos, no p em que esto. ssc
homem exerceria to poderosa influncia que subverteria total-
mente a organizao poltica.
KRISHNAMURTT : O iinico problema poltico ,como
disse h dias, a unidade humana. Esta no interessa a nenhum
polticoda atualidade. Nao podemos confiar na poltica para
promover a unio da humanidade, e tampouco podemos confiar
nos indivduos religiosos; eles no tm nenhum interesse nisso.
Se vs e eu, como entes humanos, no levarmos em linha de
conta o nacionalismo, as religies separadas, etc. etc., ento,
talvez vs e eu possamos colaborar para a criao de uma
mentalidade totalmente diferente.
21 de julho de 1966
72
EUROPA 1966
SAANEN VII
73
com sua agonia, com todos os seus conflitos e suas vidas
extremainente superficiais.
Quanto mais intelectuais somos, tantos mais livros lemos,
e adquirimos conhecimentos e nos tornamos altamente perspi-
cazes, dialticos. Erguemos uma muralha, atrs da qual nos
abrigamos. Somos emotivos, tornamo-nos muito sentimentais,
queremos prestar servios, entregar-nos de corpo e alma
reforma social, influir em outros, tentar guiar, ajudar e trans-
formar a sociedade. Tudo isso superficial em extremo. Gomo
sc explica que os entes humanos, aps tantas experincias de
guerras e constantes batalhas, tanto no interior como no exterior,
com todas as aflies e sofrimentos que acarretam, fsica e
psicologicamente, como se explica que os entes humanos
continuem a viver superficialmente?
Quanto mais superficialmente vivemos, tanto mais nos
deixamos envolver nas redes das novas teorias, das novas
teologias, das novas filosofias, trocando de religies, trocando
de grupos. Estamos bem familiarizados com isso. Como pode-
remos quebrar a crosta da superficialidade? Quando perguntamos
como?, invarivelmente procuramos um sistema, um mtodo,
uma frmula, uma idia de que possamos servir-nos a fim de
penetrar e ultrapassar essa superficial existncia exterior. Consi-
dero essa prpria palavra como prejudicial, porque nos faz
cair na armadilha de pergunt-lo a outrem, a um instrutor,
um professor, algum que saiba muito mais do que ns (pelo
menos pensamos que sabe). Sempre que perguntamos Como?
estamos em busca de um padro, de um sistema, para imi-
tarmos, seguirmos^ praticarmos. No percebemos que o prprio
praticar, o prprio imitar e seguir
no importa a quem,
inclusive este orador nos toma superficiais. No momento
em que praticamos, imitamos, aderimos a uma autoridade.
Uma das maldies da humanidade esta que, psicologi-
camente falando, estabelecemos o padro de seguir, de aceitar
a autoridade, para guiar-nos interiormente, ajudar-nos a
ultrapassar nossa superficialidade. Espero que os ouvintes aqui
presentes, aqueles que so verdadeiramente srios, que aqui
no esto pela primeira vez, por curiosidade, aqueles que sentem
um srio e verdadeiro intersse nestes assuntos, estejam a
escutar-me a fim de averiguar se eles prprios no estaro a
seguir alguma idia, um padro, uma frmula, e, se esto, a
74
fim de ver que o prprio aceitar, admitir, seguir, toma a mente
superficial, inferior e estreita. Tal o caso dos indivduos que
so grandes nacionalistas; so eles o veneno do mundo, pois
impedem a unio da humanidade, fomentando guerras e divi-
dindo humanos em tais e
os entes tais. Do mesmo modo,
quando estamos imitando, seguindo, j fixamos um limite aos
nossos pensamentos e sentimentos. Essa prpria limitao torna
a vida muito superficial. Pensamos que, com os conhecimentos
adquiridos de livros e de outras pessoas, com a experincia e
as tradies que temos, j transpusemos a fronteira, j nos
achamos num
plano mais profundo do que o da vida ordinria,
superficial. O
conhecimento psicolgico no o conhecimento
de tcnicas, de cincias, de matemtica, de medicina, porm o
conhecimento que acumulamos a respeito da psique sobre ns
mesmos, pode sse conhecimento contribuir para dar-nos
uma vida que no seja meramente superficial? Duvido que sse
conhecimento possa dar profundidade a nossas vidas.
s tornam profunda a vida? Mais uma
diferentes religies
vez, e Podeis retirar-vos para um mosteiro,
bviamente, no.
tornar-vos eremita, isolar-vos, fechar-vos num dogma, numa
crena, numa idia. Isso, decerto, no leva a uma vida interior
profunda, e tampouco a cincia o faz. As religies, os dogmas,
o saber, o imitar e seguir, o estabelecer, psicologicamente,
qualquer espcie de autoridade, no nos proporcionam uma
vida de riqueza e plenitude, uma vida superior quela existncia
transitria e superficial em que h batalha constante, constante
competio, o constante tormento da ansiedade humana. Que
que traz essa vida? Que que faz de um indivduo um ente
humano? Devemos ser capazes de distinguir entre o indivduo
e o ente humano. Oindivduo a entidade localizada, o
ingls, o francs, o nacionalista, que tem a limitao de uma
certa cultura (civilizao) ou tradio, mas o ente humano faz
parte do mundo. H problemas mundiais, problemas relativos
guerra, ao dio, ao conflito, competio, ambio,
avidez, inveja, ansiedade, culpa todos esses so
problemas humanos, problemas nossos . O mundo se est
tornando cada vez mais superficial, embora haja cada vez mais
conforto, mais segurana social, sem guerras sucessivas, embora
haja mais entretenimentos
que tanto podem consistir em ir
igreja ou em ir assistir a um jogo de futebol, cricket ou tennis.
75
Tudo isso nos est contentando, exteriormente, superficialmente,
76
Creio que a maioria de ns faz tai pergunta. Podemos
faz-la muito sriamente ou por mera curiosidade. Se a fazemos
sriamentc, e no por curiosidade, quem que esperamos
responder pergunta? Se esperamos que algum nos d a
resposta, j nos achamos no terreno da superficialidade. Estamos
ento dependendo de algum; esse algum se torna autoridade,
e estamos prontos a seguir essa autoridade, porque desejamos
ultrapassar esta nossa vida to sem significao, to estpida
e sem valor. Quando fazemos aquela pergunta, como iremos
achar a resposta, sabendo que ningum no-la dar? No
desejamos que ningum nos diga nada. Se algum o faz, s
pode faz-lo em termos positivos: Fazei isto observai aquilo;
no faais aquilo; no faais isto. Essa pessoa se torna ento
nossa autoridade e nos perdemos completamente no caminho.
alguma coisa
pois isso infantil; porm que tenhamos o
esprito de seriedade, uma mente que diga: Tenho realmente
de descobrir a resposta; pois, para descobr-la, temos de
investigar a questo at ao fim, fazer tudo o que ela exige.
77
O tempo psicolgico, o processo gradual, pode resolver
este problema? Claro que no. Se me dizeis que um dia, numa
vida futura ou daqui a cinco anos, serei feliz, terei o que comer
quando sentir fome, isso tem muito pouco valor para mim.
promessa de uma futura refeio no me mata a fome. Preciso
comer agora. Uma cie nossas lamentveis iluses a de que
podemos servir-nos cio tempo como meio de alcanar alguma
coisa, como meio cie mudana, revoluo, mutao. Impossvel.
Nem o tempo, por mais abundante, nem autoridade alguma,
nem o seguir ou pedir a algum que nos mostre o que devemos
fazer, nenhuma religio, nenhum papa poder promover uma
revoluo completa em nossa mente. Tudo isso eu rejeito total-
mente, por saber que so coisas inteiramente vazias, meros
entretenimentos. Que sucedeu, pois, na mente sria 3 que rejeitou
o tempo como meio de promover a mutao interior tempo
que hoje ou amanh, o prolongamento de hoje?
Tudo isso rejeito. Rejeito a autoridade, portanto no h mais
seguir nem com outrem, no h mais depender de
contar
ningum, de nenhum guru, nenhum instrutor; tudo isso rejeito
inteligentemente, no como reao ou revolta, porm porque
vejo o que essa rejeio tem cie verdadeiro, de inteligente-
Depois de rejeitar tudo isso, que sucedeu mente? No passado,
eu cria; tinha f em que algum me pudesse dizer o que devia
fazer; segui as Escrituras, segui Marx ou Engels ou o telogo
mais em moda; ou, talvez, eu no creio em mais nada, e me
tornei pessimista, perdi todas as esperanas e isso constitui
apenas uma outra espcie de reao por conseguinte, no
e,
possuo em absoluto uma mente sria. Se, vendo e compreen-
dendo tudo isso, sem revolta, percebendo sua futilidade, o
rejeitei completamente, que sucedeu em minha mente? Pela
negao do que foi aceito como a norma, o padro, o meio de
alcanar alguma coisa, pela rejeio disso, a mente se tornou
sumamente sensvel e por conseguinte sobremodo viva e
inteligente e, atravs do chamado positivo se tornou negativa.
78
Ento, a mente, libertada de todos os condicionamentos, de
todas as influncias, de todos os resduos dos sculos (vendo o
seu inteiro significado, no em reao, porm percebendo o que
tudo isso vale e rejeitando-o inteiramente) ento, a mente se
torna viva, sensvel e inteligente, no mais alto grau. S quando
a mente ficou completamente vazia do velho, pode surgir o
novo. No h ento mais nenhuma questo sobre se estamos
vivendo uma vida superficial, porque estamos vivendo , e esse
mesmo viver um movimento muito diferente do movimento
do velho padro, da vida de antes. uma maneira de viver
completamente diferente, completamente libertada do animal.
Essa que a real revoluo, porque da mesma natureza que
o amor. O amor tem de ser sempre novo; o amor no
memria; o amor no desejo. No momento em que nele se
insinua o desejo e, consequentemente, o prazer e a lembrana
e continuao dsse prazer, ele deixa dc ser amor. A mente
que tudo compreendeu, que compreendeu o tempo e a
isso
autoridade, uma mente livre. S a mente totalmente livre
conhece a beleza da vida. Essa mente no est circunscrita por
limites de espcie alguma, e a vida ento toda de inefvel
paz e beleza.
Conversemos, agora, sbre o que estivemos dizendo. Pode-se
fazer perguntas, debater, entrar em mais detalhes. Mas, como
h dias dissemos, a pergunta correta trar a resposta correta;
a pergunta errnea nenhuma significao ter. Se se fizer a
pergunta correta, a resposta correta nela mesma estar contida.
Isso no significa que estejamos tentando abafar vossas
perguntas. Devemos fazer tdas as perguntas necessrias,
duvidar, ter enorme paixo. Para compreender, temos de fazer
perguntas, e, fazendo-as, verificaremos, por ns mesmos, se sao
corretas ou errneas. No perguntar, estamo-nos revelando a
ns mesmos, e no ao pblico. Que importa o que outro pensa?
INTERROGANTE: Como possvel ultrapassar a dor
fsica e a irritao que causa?
KRISHNAMURTI : Uma pessoa pode desejar investigar
profundamente, e achar-se sriamente interessada em faz-lo,
mas se se v torturada pela dor fsica e a irritao, o descon-
forto, a agonia que ela causa, como poder ultrapass-la? Acho
que muito difcil. Em se tratando de uma dor constante,
deve-se procurar um bom mdico, um clnico competente e
79
no um mero vendedor de remdios; talvez ele possa debel-la.
Mas, mesmo que a dor persista, uma pessoa pode aprender a
dissociar-se dela. A vida sempre resistncia, defesa; vivemos
a lutar contra tudo, a erguer muralhas em torno de ns; mas,
se aceitarmos a dor, teremos possibilidade de toler-la, Todos
esto sujeitos dor fsica
dor intensa, prolongada ou de
curta durao. um fato lamentvel da vida humana, mas
podemos aprender a dissociar-nos dele, a olh-lo , sem resis-
tncia. Para servir-nos de uma analogia, suponhamos, por
exemplo, que somos despertados no meio da noite por um co
a latir, ou uma mquina a fazer incessante barulho, ou um
rdio a estrondear um absurdo qualquer, no andar de cima. A
reao instintiva c resistir a sse barulho, irritar-nos com ele,
mas, se ficarmos a escut-lo sem resistncia, simplesmente a
escutar, a acompanh-lo, ver-se- que o barulho deixar de
molestar-nos. Da mesma maneira pode-se observar a dor por
exemplo, uma dor dc dentes insistente, constante; observ-la
objetivamente, e, ento, ser possvel pr-nos fora de seu alcance.
80
Prestai toda a ateno a isto, por favor. Quando dizeis vejo,
o que em geral quereis dizer que estais ouvindo a palavra.
Porque estou falando ingls e a palavra tem para vs uma
certa significao, a compreendeis. atravs dela que estais
olhando a coisa, e por conseguinte no a estais olhando a :
81
No riais, pois no estou pilheriando. Muita gente tem
passado a vida a mudar-se de um mundo dc macacos para
outro mundo de macacos. Para perceber o que o silncio
necessita-se de muita investigao. Isso no questo de um
instante. S a mente que est completamente em silncio pode
observar, pode escutar, pode aprender aprender no sentido
a que nos temos referido, e no, acumular conhecimentos e
tomar notas. O aprender nada tem em comum com a aquisio,
porque o aprender um movimento, movimento que s pode
verificar- se quando h silncio. Infelizmente no possvel
considerarmos agora esta questo do silncio. Talvez o faamos
na prxima ocasio, pois temos de examin-la muito profun-
damente. A mente que est em silncio uma mente
extraordinria, uma mente livre. No podemos silenciar a
mente pela fora, pela disciplina, pelo controle, porque isso
torn-la estril, morta. Para compreendermos o que significa
o silncio, temos de ver, temos de olhar: olhar uma flor comple-
tamente, sem a interferncia de memrias e pensamentos de
toda espcie: olhar simplesmente. Quando amamos algum
com todo o nosso ser e no apenas com a memria, o desejo,
o sexo, etc., amamos de dentro dsse silncio extraordinrio.
Temos ento a comunicao sem palavras, sem idias, sem
reconhecimento.
24 e julho de 1966
82
EUROPA 1966
S AANEN VIII
esta manh
pretendo examinar um assunto
um tanto complicado. Poder parecer difcil, porm bastante
simples. O importante nao fazermos alguma coisa, no
perguntar-nos o que se pode fazer em relao a uma certa coisa,
porm o importante o ato de escutar. Toda comunicao,
mesmo no nvel verbal, est no simples escutar, e no em
tentarmos descobrir o que o orador est dizendo, em fazermos
um enorme esforo para compreender o problema de que se
est tratando. Escutar uma arte, e se se puder escutar com
ateno isenta de esforo, sem a determinao de escutar, sem
a ateno que visa a um fim, porm assim como se escuta o
rio a correr, ento o prprio ato cie escutar , em si, uma
ao total. Nossa mente to complexa, to contraditrios e
ocultos so nossos motivos e intenes, que perdemos tda a
simplicidade. O escutar requer uma mente muito simples
no uma mente desequilibrada, porm uma mente muito clara,
como um lago de guas to lmpidas e tranqilas que se possa
ver o seu fundo, com todos os seixos e os peixes e as ervas e
tudo o que vive sob a gua.
Se uma pessoa de observar e de escutar, no
capaz
precisa de fazer mais nada. No
ter de exercer o raciocnio, no
necessitar de nenhuma convico ou f, nem cie fazer esforos
para ser sria: s ter de ver a existncia como um todo, ver
o cu todo inteiro e no atravs de uma janela, atravs de
uma mente especializada que olha para o cu com seus conhe-
cimentos cientficos. A mente especializada no pode ver a
totalidade, no pode perceber o todo da vida
amor, morte,
dios, guerras, impulso aquisitivo, batalha constante, interior e
exterior, ambio, poder
como um vazio total, um movi-
83
mento total. Se se pudesse ver dessa maneira, escutar o
movimento da vida, todas as relaes teriam uma significao
inteiramente diferente, e a existncia uma diferente profundeza.
84
do centro. No podeis livrar-vos dele. Como podeis livrai-vos
do todo da vida? No o podeis! Quanto mais vos esforardes
para vos libertar do centro, tanto mais forte ele se tornar.
Vemos ocorrer essa fragmentao e sabemos tambm, pela
observao, pelo claro pensar, porque a fazemos. Somos condi-
cionados desde a infncia para pensarmos de uma certa maneira.
O matemtico, o cientista, se devotaram a certas especialidades,
e tudo mais lhes secundrio. Dividiram, fragmentaram a
vida. Avida contradio enquanto no percebemos, por ns
mesmos, o seu todo, a totalidade dos entes humanos, a totali-
dade do mundo, assim como vemos estas montanhas, estes rios
e vales. Enquanto a mente estiver fragmentada, fracionada,
especializada, enquanto algum homem disser: Esta a direo
que tenho de seguir, ou ste o caminho de meu preenchi-
mento, de meu vir a ser, o caminho que seguirei
haver
aflies e mais sofrimento. Cada um de ns tem esse centro,
de onde olha, julga, avalia e faz tremendos esforos. A vida
est fragmentada e essa fragmentao, causada pelo centro,
o tempo. Se olhamos o todo da existncia, sem esse centro, o
tempo desaparece. Um milagre!
85
samente a esta hora, todos os dias, e se desejais tom-lo deveis
estar na estao na hora da sua partida. De contrrio, o
perdereis. O tempo cronolgico tem de ser observado rigorosa-
mente. A observncia do tempo marcado pelo relgio no
uma fragmentao corno a daquele outro tempo.
O tempo no cronolgico inveno da memria, da
experincia,ou do centro, que diz: Eu serei. Existe a questo
da morte, questo que preferimos adiar, evitar, afastar de ns.
O pensamento a causa da fragmentao do tempo, o qual,
salvo o tempo cronolgico, no tem existncia real. No
compreendemos aquele extraordinrio movimento do tempo em
que no h fragmentao, porque estamos sempre pensando
no que fomos, no que somos, no que seremos, isso fragmen-
tao do tempo psicolgico, e a tal respeito nada podeis fazer,
seno escutar. No podeis dizer: Livrar-me-ei do tempo, para
viver no presente, porque s o presente importante. Que
significa realmente o presente? le c apenas um resultado do
passado; mas existe um presente real quando no h fragmen-
tao do tempo. Espero que possais ver a beleza disso.
O tempo tem para ns desmedida importncia no o
tempo cronolgico, a hora de ir para o escritrio, de tomar o
trem, o nibus, de ir a um encontro marcado. Tudo isso so
trivialidades, que temos de observar. Mas, o que tem impor-
tncia o tempo psicolgico, que dividimos em ontem, hoje e
amanh. Estamos sempre vivendo no passado. Agora o
passado, porque esse agora a continuao da memria, o
reconhecimento do que foi e no pode ser alterado, e o que
est acontecendo no momento presente. Ou vivemos engolfados
nas recordaes da juventude, na lembrana de coisas passadas,
ou vivemos na imagem do amanh. Levamos uma vida de
gradual declnio, gradual definhamento. Com a aproximao
da senilidade, as clulas cerebrais se vo tornando mais e mais
fracas e perdem, por fim, toda a energia, vitalidade e fora.
Esta que a grande tristeza. Ao envelhecermos a memria
desaparece e tornamo-nos caducos, meros repetidores do
passado. (1) assim que estamos vivendo; embora muito ativos,
86
somos senis. No presente, no momento da ao, estamos sempre
vivendo no passado, com sua influncia, suas presses e tenses,
sua vitalidade. Todo o saber que, com enorme esforo,
adquirimos e armazenamos atravs do tempo, do passado. O
saber nunca do presente. Com esse saber do passado atuamos,
e a essa ao que chamamos o presente. Tal ao est
sempre a causar declnio.
Estamos atuando dentro da imagem, do smbolo, da
idia do passado; tal a fragmentao da vida. Inventamos
filosofias, teorias do presente; vivamos s no presente e tiremos
dele todo o proveito possvel. Nada mais importa. sse viver
no presente desespero, porque o tempo que foi dividido em
passado, presente, e futuro s produz desespero. Conhecendo o
desespero, dizemos: No imporia; tratemos de viver no
agora, no presente, porque tudo mais sem significao.
Toda ao, toda vida, toda existncia, toda relao, tudo enfim
resulta necessriamente na diviso do tempo e, por conseguinte,
no desespero, no declnio, na aflio. Tendes a bondade de
escutar , porque a sse respeito no podemos fazer coisa nenhuma.
Tal a beleza daquilo que ocorrer se ficarmos apenas
escutando. Isso no significa que se tenha de aceitar o que se
diz; no h nada que aceitar nem que rejeitar. estpido
dizer-se: Estou vivendo no presente. Isso no significa nada.
Igualmente estpido dizer: Nego o passado. Podemos negar
o passado, mas somos o resultado dele. Todo o nosso funciona-
mento vem do passado. Nossas crenas, nossos dogmas, nossos
smbolos, a norma que nos esforamos para seguir, qualquer
que ela seja, tudo resultado do passado, o qual o tempo.
Dividimos o tempo em passado, presente e futuro. Isso
naturalmente gera medo, medo da vida que est fora do tempo,
e medo do movimento do tempo no fracionado em ontem,
hoje e amanha. sse movimento do tempo s pode ser percebido
totalmente, quando nao h fragmentao, quando no h
nenhum centro, de onde olhamos a vida.
A beleza no do tempo; o que tem relao com o
tempo sua expresso fragmentria, conforme a percebemos
no tempo. A beleza, como o amo no pode ser dividida em
ontem, hoje e amanh. Se a dividimos, apresentam-se todos os
problemas inerentes quela relao que chamamos amor
07
cime, inveja, domnio, sentido de posse. Quando a beleza no
resultado da fragmentao do tempo, ento a pintura, a
msica, e todas as modernas falcias e artifcios perdem toda
a significao. Tudo o que expresso do tempo, do perodo,
do moderno estado de revolta, nega a beleza. A beleza no pode
ser traduzida em termos de tempo. Ela s pode ser compre-
endida, vivida9 conhecida, no silncio total. No podemos ver
a beleza da montanha e do claro cu azul quando a mente
est a tagarelar interminavelmente, quando ocupada com
problemas. S se pode ver aquela beleza no silncio total, e
esse silncio no se alcana por meio do tempo, pelo dizermos:
Amanha estarei em silncio; praticarei os necessrios mtodos,
e outras infantilidades que tais. O
silncio s se manifesta em
sua totalidade, profundeza e beleza, to logo cessa a fragmen-
tao do tempo.
88
ento o tempo como ontem, com todas as suas lembranas,
experincias c conhecimentos termina totalmente. Dessa ter-
minao do tempo nasce a beleza
que no as coisas que
vemos, nem a montanha, nem o quadro, nem o regato (tudo
isso so fragmentos) porm a beleza que nasce sem ter sido
buscada, nem premeditada. S surge essa beleza quando o
tempo no existe, ou quando o tempo no est fracionado.
Dessa beleza vem o silncio. A mente que nao est em silncio
e o corao que no est tranquilo vivem no conflito e na
aflio. O que quer que faamos, cia trar sempre aflies,
para ns e para outros. A beleza surge, com ela nos encon-
tramos insabida e misteriosamente, quando estamos a escutar
sem esforo, tranqilamente, sem estarmos sendo hipnotizados
por quem nos fala. sse encontro poder durar s um segundo,
um minuto, poder durar um dia, um sculo, mas no importa.
Quando queremos apoderar-nos dela, quando dizemos: Tenho
de ret-la tda a vida, j estamos fragmentados; recomea a
contradio, a irritao, o cime, etc. Para se ver a totalidade
da existncia, o tempo como passado, presente e futuro deve
terminar.
Podemos agora palestrar, investigar, no como alcanar
essa extraordinria beleza, porm como ver, como observar o
quanto est fragmentada, fracionada a nossa vida? Se perce-
bemos os fragmentos e percebemos que nada podemos fazer,
que nao h possibilidade de integr-los, visto que tda ao
fragmentria enquanto existe um centro, e sse centro o
resultado da fragmentao do tempo
sc pudermos observar
sse fato, abrir-nos a le, ento ser possvel encontrarmos algo
no criado pelo tempo
tempo como ontem, hoje e amanh. O
tempo se detm, ento. O
tempo constitudo de fragmentos
termina. Se pudermos nesta manh ver realmente as nossas
vidas e como as fracionamos e fragmentamos, talvez ento
suceda alguma coisa no nascida do inconsciente, porque
ste nao existe. S h conscincia, que dividimos em consciente
e inconsciente. dessa diviso que nascem todas as fragmen-
taes e as respectivas aflies.
89
pobreza? Por que fazeis esta pergunta? por que desejais ver
tudo como beleza
as provocaes c disputas entre marido
e mulher, a clera, o cime? Quereis ver tudo isso como beleza,
para terdes uma imagem para cultuar, uma espcie de extrava-
gncia mstica? Senhor, deveis ver a$ coisas como so, os fatos
como fatos, e no ter opinies a respeito dos fatos. Deveis ver
realmente, sem dissimulao, a fealdade, a brutalidade, as
coisas horrorosas que estao sucedendo no mundo. Tdas as
igrejas com seusdogmas, cruzes e signos so irreais. So smbolos,
e o smbolo nunca o real. Quando reconheo que o smbolo
no real, perde cie ento tda a significao. Respondi a
vossa pergunta, senhor?
1NT ERRO
G ANTE: O
que perturba a maioria de ns
o fato de serem as palavras to superficiais. As palavras que
empregamos no tm significao. Se falamos a respeito de
certas coisas, usamos de certas expresses; as palavras brotam
espontaneamente.
KRISHNMURTI: exato isso? Minha esposa ou
Meu marido so palavras, mas tm enorme significao, no
achais? H gente disposta a matar por causa das palavras meu
Deus ou eu sou comunista. Uma idia apenas palavra
racionalizada, palavra organizada, e por ela estamos prontos a
matar e a embrutecer-nos, destruir-nos. No digais, senhor, que
as palavras tm muito pouca significao. Se compreendemos
que a palavra, o smbolo, a expresso no o fato, assim como
a palavra rvore no a rvore, ento j nao estamos
enredados nas palavras. Nosso pensar, nossas mentes esto cheias
de palavras, condicionadas por palavras como Sou ingls, sou
90
francs, As palavras tm para ns extraordinria importncia.
Podemos cham-la superficial, mas uma palavra, uma
expresso, um smbolo tem muita significao. Mas, quando
sabemos que a palavra, o smbolo, a expresso no tem signifi-
cao real, que s o fato a tem, ento as palavras e expresses
de que usamos nao nos cativam a mente. Senhor, fz-se uma
tentativa de investigar a questo da propaganda. Criou-se uma
comisso que logo comeou a trabalhar. Sabeis quem sustou
essa tentativa?A igreja, os militares, os homens de negcios!
INTERROGANTE: Numa pequena aldeia vive uma
serpente venenosa. Uma me est em prantos porque essa
serpente lhe mordeu o filhinho e le morreu. Posso matar a
serpente, ou deix-la em paz. Que devo fazer? (1)
91
EUROPA 1966
SAANEN IX
TP
odos ns gostaramos de saber se possvel
tornar mo -nos totalmente novos, rejuvenescer, no no corpo, porm
na mente e no corao. -nos possvel renascer no, reco-
mear a vida como rapazes ou raparigas, porm ver a vida,
com todas as suas complexidades, suas dores e sofrimentos,
suas ansiedades e temores, como se pela primeira vez a
estivssemos vendo e, assim fazendo, transform-la, em vez de
continuarmos a transportar esta pesada carga, de ano em ano,
at a morte? Temos alguma possibilidade de renovar a mente
e o corao, de modo que possamos olhar a vida de maneira
inteiramente nova? Desejo nesta manh considerar este problema
e descobrir se nos possvel fazer alguma coisa nesse
tentar
sentido, para termos uma mente nova, lcida, livre de toda
confuso, no contaminada pela aflio, pelos problemas e
todos os tormentos a que estamos sujeitos; termos um corao
que desconhea o cime, corao cheio de afeio e de amor;
por conseguinte, renascermos totalmente, cada dia.
algum mtodo, alguma ao decisiva
Existe
positiva ou
negativa
capaz de criar sse nvo estado? A maioria de ns
deve estar fazendo esta pergunta, se no deliberadamente, pelo
menos vagamente ou, se temos peculiares inclinaes senti-
mentais, mi Stic amente. Ao fazermos a ns mesmos tal pergunta,
falta-nos a energia, a fora e a vitalidade necessrias para
passarmos alm e descobrirmos, por ns mesmos, aquele estado;
ou fazemos a pergunta superficialmente, indiferentemente, por me-
ra curiosidade. bem evidente a necessidade de uma mudana
exterior, de uma reforma econmica e social, a fim de que possa
promover-se a unidade humana, quer o indivduo seja moreno,
preto, branco, quer seja russo, comunista, socialista, etc.
92
necessrio que todos cooperemos, a fim de nos livrarmos do
horrvel estado de coisas ora vigente, livrar-nos de tdas as
diferenas existentes
raciais, comunitrias, polticas, nacionais.
Temos tambm de libertar-nos dessa inveno absurda e muito
ativa, chamada religio essa enorme corporao contro-
lada pelos sacerdotes e a hierarquia, tal como qualquer empresa
mercantil. Ela est separando oshomens em protestantes,
catlicos, hindustas, budistas, muulmanos, etc. Cabe a todo
homem de todo, no se deixar
inteligente, clarividente, rejeit-la
influenciar pelos seus absurdos. O
que a todos deve interessar
a extino da pobreza, no num certo canto do mundo na
Amrica ou na chamada Europa Unida ou Mercado
Comum porm a extino da enorme pobreza existente em
toda parte e principalmente na sia, com a degradao e tudo
o mais que a misria acarreta. Afianam os cientistas que
possvel extinguir a pobreza; e isso deve ser feito, para se pr
fim s guerras, a esta constante insegurana fsica. isso o que
deseja todohomem equilibrado, racional. Nac nos referimos ao
homem que deseja prestar bons servios, nem ao reformador,
porquanto nem um nem outre capaz de promover uma revo-
luo fsica total Contudo, esta revoluo tem de ser feita.
93
, ,
94
No tememos tanto a morte sabemos que o corpo
fsica,, pois
est a sofrer alteraes todos os anos, que a mente
alteraes
no pode controlar. Fisicamente, declinamos por causa de
doenas e acidentes e das vrias maneiras errneas de nosso
viver. Tememos, nao o desconhecido existente alm da morte,
porm, antes, a perda do que possumos, a impossibilidade de
conservar o conhecido. No podemos Porei fim, decidi-
dizer:
damente, ao passado, a fim de ter um
renascimento, uma mente
nova, um corao juvenil. Isso no conseguiremos pela prtica
deliberada de um dado sistema. A mesma prtica de um sistema
, em si, continuidade do passado e, por conseguinte, no produz
nada de novo.
Se escutamos no s o que diz o orador porm a tudo o
que senos revela, a tudo o que se passa neste mundo de agonias,
de prazeres, de guerras, ento, o prprio ato de escutar constitui
o maior dos milagres, o mais grandioso mistrio. Se pudermos
escutar, sem traduzir o que estamos escutando, sem interpret-lo,
conden-lo, julg-lo, sem permitir essas interferncias do
pensamento, que atividade egocntrica; se pudermos escutar
realmente, veremos ento, por ns mesmos, que embora certas
coisas possam ser feitas, como, por exemplo, alterar a situao
poltica, promover a unidade econmica, extinguir a pobreza
e tudo isso pode e dev>e ser feito
a respeito da outra
coisa nada se pode fazer. A anlise, a dissecao, o exame
cie ns mesmos, de todos os nossos estados, s pode levar-nos
Nao vos estou pedindo que faais alguma coisa porm que ,
95
compreender o que c novo. S com o morrer para alguma
coisa, pode acontecer algo de novo. O morrer para ns mesmos,
esse ns mesmos que constitui o prprio centro da continui-
dade, o morrer para o conhecimento, o ser livre do conhecido,
essa a renovao da mente, que faz tudo novo. Vc-se ento
a montanha, o rio, a rvore, a mulher, o homem, a criana,
a humanidade, como algo totalmente diferente, totalmente
novo.
96
conservou. Necessitamos de energia para morrer para -uma
coisa que adquirimos, que guardamos, para tudo o que temos
conhecido, lembrado, acumulado- morte da mente que tem
experincias todos os dias, a morte do crebro que reage a cada
movimento da vida, a morte do animal que subsiste em todos
ns
requer energia. Esta no um produto intelectual. O
intelecto no pode, em tempo algum, criar a necessria energia.
le cria energia para a ao, para se fazer alguma coisa, seguir
uma idia, conceber uma frmula e p-la em ao, mas no
dessa energia que estamos falando. Estamo-nos referindo a
uma energia, uma vitalidade, uma fora que se torna necessria
para morrermos todos os dias, a fim de que a mente e o
corao se renovem.
4 97
de repetio, que perdeu a sua real beleza. Essa palavra :
amor . Escutai-a
no quela coisa fragmentria que se
chama amor. S conhecemos o amor como amor sexual, fsico;
amor assediado pelo cime, pelo rndo; amor divino, amor
humano. Empregamos tambm essa palavra quando temos
relaes muito ntimas com outra pessoa, relaes de sexo ou
de simples contacto fsico. Empregamo-la, quando entre dois
entes humanos existe uma relao livre de conflito, de domnio,
de apgo. Dela fazemos uso momentaneamente quando nos
vem aquele extraordinrio sentimento, o qual entretanto desa-
parece no momento seguinte. O pensamento interfere e da
resulta o desejo de continuidade, de repetio do prazer. Todo
o mecanismo entra em funcionamento.
98
:
99
vitalidade,toda a nossa ateno. vida est a exigir essa
ateno todos os minutos, mas de tal maneira fomos educados
para a desateno, que estamos sempre a procurar um meio
de fugir da ateno para a desateno. Dizemos: Gomo posso
prestar ateno? Sou indolente. Pois sede indolente, mas dai
toda a ateno indolncia; ficai totalmente atento ao estado
de desateno. Tomai conhecimento de que estais completa-
mente desatento. Ento, quando sabeis que estais, totalmente
atento desateno estais atento.
28 de julho de 1966
100
EUROPA 1966
SAANEN X
101
comportamento Vemo-nos totalmente confusos e, quanto
correto.
mais inteligentes somos, mais incapazes nos mostramos de
reconhecer para ns mesmos, que estamos confusos
totalmente , e nao em parte. Pensamos estar parcialmente
confusos, que h momentos livres de confuso. Os momentos
que passamos livresde confuso, tm sua ao prpria, e h
outra espcie de ao quando estamos confusos. A ao nascida
do estado de nao confuso est sempre em conflito com a ao
nascida da confuso. Uma reage contra a outra e nunca perce-
bemos que, dentro em ns mesmos, nos achamos rcalmcnte na
mais completa confuso. Se reconhecemos isso, podemos ento
tratar de descobrir a maneira de nos libertarmos da confuso,
mas nunca a descobriremos se temos frmulas, ideologias,
compromissos, imposies psicolgicas. Em geral passamos pela
vida, confusos, infelizes, sem prestarmos contas a ns mesmos,
num estado de cansao, at morrermos. nossa sina. Temos
construdo todo um conjunto de vias de fuga. Temos inventado
constantemente armadilhas, nas quais vamos cair. Uma das
armadilhas mais perigosas a idia de que devemos buscar e
achar No sabemos realmente o que estamos buscando. Dizemos
.
103
o indivduo, a famlia, o EU e o MEU, que reconhece,
que se identifica com uma dada nacionalidade ou grupo, uma
dada idia; uma vez tenha se extinguido esse pequeno canto,
com tda sua beleza e glria, e toda a sua preciso.
Aquele centro s pode ser compreendido e dissolvido
quando no h nenhuma possibilidade de fuga, quando somos
capazes de olhar-nos com toda a clareza, sem condenao,
justificao ou negao. Para podermos olhar muito claramente,
necessitamos de espao. Para olharmos uma rvore com toda a
clareza, olharmos nossas esposas, nossos maridos, nosso prximo,
ou olharmos claramente as estrelas noite, ou as montanhas,
precisa haver espao; mas o que chamamos espao
aquele
espao que criamos, que conhecemos: o espao entre o obser-
vador e a coisa observada. H no s espao-tempo, mas h
tambm espao-distncia; esse o espao que mantemos em tda
a nossa existncia, em tdas as nossas atividades. observador O
est sempre a manter distncia entre si e a coisa observada.
Nesse pequeno espao, experimentamos, julgamos, avaliamos,
condenamos, buscamos.
Por favor, no vos limiteis a ouvir palavras. Se isso que
estais fazendo, se intelectualmente estais a dizer: Isso bvio,
no estais enfrentando realmente os fatos. O intelecto uma
coisa sumamente enganosa. O intelecto -nos absolutamente
necessrio, para raciocinarmos equilibrada, racional, smente,
mas a vida no s intelecto, assim como nao s emoo e
sentimento. Se estais escutando o que o orador est dizendo,
nao s vereis o fato real, a realidade do espao, mas tambm,
se fordes mais longe, vereis que enquanto existir aquele
(1)
espao haver sempre conflito. s se espao contraditrio,
e onde h contradio h necessariamente conflito. Tal como
o homem que est vazio, s, insuficiente, para quem a vida no
tem significao, projeta urn futuro no qual ir preencher-se
por meio da literatura, da pintura, da msica, de alguma
espcie de experincia ou de relao. O preenchimento o
objeto, e aquele que se preenche o observador. Entre o
observador e o objeto observado h sempre espao e, por
conseguinte, h sempre aquele estado de conflito.
104
Se se percebe isso, no intelectualmente porm real mente,
que se pode fazer? O espao necessrio. Se no h espao,
no h liberdade, psicologicamente falando. A liberdade no
uma reao contra a sociedade, no uma pessoa tornar-se
beatnik, beatle ou criar uma longa cabeleira. A liberdade
muito diferente disso, e s pode realizar-se quando h um
espao imenso, no aquele espao que conhecemos, existente
entre o observador c a coisa observada. sse um espao muito
insignificante, e quando s sse espao existe, no h contacto.
S quando h contacto, quando no h espao entre o
observador e a coisa observada, s ento podemos estar numa
relao total com uma
rvore, por exemplo. No estamos
identificados com
a rvore, a flor, a mulher, o homem, etc.,
mas quando h completa ausncia do espao representado
pelo observador c a coisa observada, h ento um espao
imenso. Neste espao no h conflito; nle h liberdade.
A liberdade no 6 uma No
podeis dizer: Estou
reao.
livre. No momento em que o no sois livre, porque
dizeis, j
estais cnscio de vs mesmo como livre de alguma coisa e vos
achais, portanto, na mesma situao do observador que observa
uma rvore. Criastes um espao, e nesse espao gera-se conflito,
A compreenso desse fato no requer concordncia ou discor-
dncia intelectual, ou dizer-se No compreendo, porm, sim,
requer o entrar diretamente em contacto com o que . Significa
perceber que todas as vossas aes, cada momento da ao
est em relao com o observador e a coisa observada, e que
nesse espao se encontra o prazer, a dor e o sofrimento, o
desejo de preenchimento, de fama. Nesse espao no h contacto
com coisa alguma O contacto, o estado de relao tem signi-
ficado completamente diferente quando o observador j no
est separado da coisa observada. A existe aquele espao
extraordinrio, existe liberdade.
Compreender sse espao meditao. Compreend-lo
profundamente, sent-lo, fazer parte dele, e deix-lo
viv-lo
atuar como parte de ns mesmos, existir nesse espao, coisa
muito diferente. Comeamos a compreender quando e como
devemos agir e o que devemos fazer. S conhecemos o espao
em funo de um objeto. H o espao criado por este pavilho;
o espao que existe dentro dele e o espao que existe fora dele;
h espao entre ns e a montanha. O espao que conhecemos
105
aquele existente entre o observador e a estrela que ele v de
noite a distncia, o nmero de milhas, o tempo que levar
uma viagem at l. Aceitamos ssc espao, nele vivemos e nele
temos todas as nossas relaes, mas nunca perguntamos a ns
mesmos se existe uma diferente dimenso do espao. No nos
referimos ao espao dos astronautas, dos que andam num estado
de imponderabilidade. No este, em absoluto, o espao de que
estamos falando, porquanto est ainda em relao com o tempo,
com o observador e a coisa observada. Referimo-nos a um
espao em que no h objeto, coisa observada. Muito importa
investig-lo, no atravs de palavras, smbolos. A palavra e o
smbolo no constituem a realidade. A palavra espao no
o espao real. Temos de descobrir esse espao extraordinrio,
e sent-lo.
106
vs mesmo o inteiro significado da existncia. ste s pode ser
descoberto naquele estado de observao, de escuta. Quando
a mente vulnervel e o crebro j no funciona com a avidez,
a inveja, a ambio, a agressividade do animal, ento ela
capaz de escutar totalmente e, por conseguinte, de descobrir,
por si prpria.
107
inglesa, etc., mas a mente humana no a
a mente russa,
mente A
mente individual tem seu lugar prprio:
individual.
cada um precisa ter emprego, ter dinheiro no banco, ter sua
famlia; mas a mente individual jamais se tornar a mente
humana. A mente humana uma entidade imensa que vive
h dez milnios e rnais, e esta atormentada mente humana
que ser capaz de compreender uma dimenso total mente nova,
incontaminada pelo conhecido.
INTERROGANTE: Eu gostaria de compreender o signifi-
cado de um espao em que no existem o observador e o objeto
observado.
KRISHNAMURTI: S um espao conhecemos: o espao
constitudo pelo observador e o objeto observado. Olho este
microfone na qualidade de observador, e h o objeto que observo
o microfone. H espao entre o observador e o objeto
observado. sse espao distncia-distncia, que tempo. H o
observador e a distncia entre le e uma estrela, entre ele e uma
montanha. Para transpormos essa distncia necessitamos de
tempo. Quanto mais rpido viajarmos, tanto mais rpido
transporemos sse espao, mas trata-se sempre do observador,
a mover-se em direo coisa observada.
108
devereis ser. Quando enfrentais o fato
o que realmente
sois sem fugir, sem lhe dar nome, sem a palavra, o fato se
torna completamente diferente. Se assim procederdes com toda
reao, com cada movimento do pensamento, estareis libertado
do observador; haver ento uma dimenso do espao total-
mente diferente.
INTERROGANTE : Como experimentar essa diferente
dimenso do espao?
KRISHNAMURTI: Vs estais de p, a, e eu sentado
aqui; s isso. S conheceis o espao entre vs, a de p, e mim;
entre vs e a montanha; vs e vossa esposa; vs e uma rvore;
vs e vossa ptria. Quando s conheceis esse espao, nunca
estais em contacto com coisa alguma. Estais no isolamento.
Quando no h espao entre vs, como observador, e eu, como
objeto observado, toda a vida se torna contacto. E s.
31 de julho de 1966
109