Jornalismo em Mutação
Jornalismo em Mutação
Jornalismo em Mutação
JORNALISMO EM MUTAO:
estudo sobre a produo de contedo na fase do capitalismo avanado.
Teresina - PI
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU UFPI
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO
JORNALISMO EM MUTAO:
estudo sobre a produo de contedo na fase do capitalismo avanado.
Teresina PI
2013
SAMRIA ARAJO DE ANDRADE
BANCA EXAMINADORA
Para D, Mi e M.
A Andr.
Pelo amor, parceria e muitos dilogos fundamentais
na elaborao desse trabalho. Encontro de minha vida.
A Amina,
que est aprendendo a crescer.
A Amora,
que muitas vezes me arrancou da solido da escrita
e me ofereceu um motivo para sorrir.
Amo vocs.
AGRADECIMENTOS
A meus pais, Jesuna e Terto, que embora no tenham compreendido parte de minhas
ausncias, acreditavam que era algo importante. Obrigada pela confiana, sempre.
Ao Paulo Fernando de Carvalho Lopes, pelas aulas, pela companhia, pela alegria. E
porque reencontrar voc e a Jacqueline j teria valido todo o mestrado
A Vila, que est h tempo l em casa que mais do que da famlia. E do bem.
A cada um dos outros nove que entraram comigo no mestrado. Na chegada, alguns
desconhecidos. Na sada, amigos. Vamos registrar o Mestres de primeira:
colaborao, desabafos, sorrisos e companhia.
Obrigada a todos!
O desenvolvimento do pensamento e do conhecimento crtico
realmente uma alternativa vivel?
No sabemos se vivel, mas a reflexo crtica inevitvel.
VIZER, E. A.
RESUMO
In the last decades of the twentieth century and the first in the twenty-first century
media acquire central role in the economical, political, social and cultural. This happens
in a scenario conditioned by global capitalist restructuring, notably neoliberal, which
emphasizes phenomena such as concentration and commercialization, coupled with the
repositioning of cultural industries. What type of communication and journalism result
of all these changes? This research investigates the journalistic production affected by
global capitalist transformations of reconfiguration. The hypothesis that changes of
advanced capitalism lead to changes in journalistic practice is defended, suggesting the
emergence of a prevailing model of journalism, adapted to contemporary historical
conditions: less close to the concept of relevant information and the public interest and
the nearest entertainment and services. Take the theoretical aspects Political Economy
of Communication (EPC) for instance. To reveal the extension of capitalist logic for
communication presents the proposal to systematize the "Mutations in journalism"
practiced processes usually uncritically taken as naturalized, but that constitute
mutations in classical practices of journalism understood as activity of social good and
helping democracy.
INTRODUO
1
Neste trabalho usa-se os termos publicidade e propaganda como equivalentes, como tem sido a
tendncia mais recente de muitos autores e como ocorre no dia a dia dos meios de comunicao e das
agncias de propaganda. Para Predebon (2004, p. 18) essas palavras hoje so quase sinnimas, mas na
gerao passada muitos profissionais defendiam que se tratava de assuntos diferentes. Alguns
conceitos definiam propaganda como a atividade presa a elaborao de anncios, enquanto publicidade
seria um termo mais amplo que definiria tudo o que se difunde pelos veculos de comunicao, at em
forma de notcias. A raiz da diferena vem da origem distinta dos termos. Enquanto propaganda
deriva do latim propagare e se refere a propagao de ideias com a inteno de influenciar a opinio,
publicidade vem do ingls publicity e diz respeito a qualquer informao tornada pblica. Nos
cursos de Comunicao Social no Brasil, o Ministrio da Educao adota a nomenclatura habilitao
em Publicidade e Propaganda, o que denota que o ME trata os termos como complementares, mas no
sinnimos. Em defesa de que os termos podem ser vistos como equivalentes, Predebon (2004)
argumenta que se pode dizer, sem restrio alguma, agncia de publicidade ou agncia de
propaganda, o que mostra que h equivalncia.
14
entranhado, mas que ganharam espaos mais distintos nos meios de comunicao com a
chamada profissionalizao e modernizao da imprensa que ocorre a partir de meados
do sculo XX, hoje, muitas vezes, se apresentam de maneira hbrida, misturando
contedo editorial que so as matrias jornalsticas -, e contedo publicitrio o
espao pago dos anunciantes - e mesclando tipos de contedos que teoricamente
deveriam estar separados.
A mistura entre jornalismo e publicidade, que tende a confundir a recepo,
muitas vezes ocorre inclusive de modo proposital, beneficiando o acesso a contedos
que a princpio no seriam os temas de interesse da recepo. Quando essa prtica
adotada, a tendncia que as necessidades do mercado e/ou dos proprietrios dos
veculos de comunicao influenciem ou at mesmo determinem a produo de
contedos. Curioso perceber que essa forma de produo de contedo, que se
assemelha ao jornalismo, mas que no estabelece fronteiras rgidas entre jornalismo e
propaganda, no encontra abrigo na teoria do jornalismo, nem nos estudos da
publicidade e nem no cdigo de tica das duas atividades, e constitui uma mutao no
jornalismo, como se ver adiante.
A produo jornalstica noticiosa da grande imprensa contempornea,
influenciada pela reconfigurao do capitalismo avanado, se articula com o modelo
comercial de empresas de comunicao tradicionalmente estabelecido no Brasil -
dependente do Estado e das verbas dos anunciantes. Nas ltimas dcadas, ao mesmo
tempo em que conglomerados transnacionais multimdia ganham fora, tambm
aparecem e se solidificam estruturas regionais e locais de comunicao. Ainda que entre
estas se registre algumas experincias alternativas, comunitrias e no hegemnicas,
grande parte das estruturas regionais e locais costumam estar relacionadas a companhias
maiores ou seguir os padres estabelecidos por estas. Quando isso acontece, a
tendncia que igualmente dependam de verbas do Estado e de anunciantes, operem
recorrendo a processos de centralizao e mercantilizao, e sigam a formatao de
indstrias culturais, preocupando-se com os contedos rentveis. O fato de estar
inserida num mercado local pode, inclusive, acirrar algumas questes em funo da
menor disponibilidade de recursos e da proximidade com o Estado.
Ao longo do conjunto dessa pesquisa tm-se dois objetivos em especial: a)
refletir sobre as mudanas que a reestruturao capitalista global provoca nos processos
e prticas tradicionais do jornalismo, e b) sistematizar essas mudanas atravs da
15
A economia poltica.
Ambas caminham juntas nas anlises e compreenso
dos processos histricos e sociais.
Por isso a economia economia poltica.
ALFREDO ZAIAT.
O termo economia poltica surge no sculo XVII, sendo utilizado para definir
o estudo das relaes de produo, acumulao, circulao e distribuio de riquezas,
especialmente entre as classes da crescente sociedade burguesa: capitalistas, proletrios
e latifundirios. Pelos registros, o francs Antoine Montchrtien, autor de Tratado da
Economia Poltica (1615) foi o primeiro a usar a expresso, fazendo observaes e
recomendaes que tinham como objetivo o enriquecimento do reino (SCHUMPETER,
1964).
Economia Poltica torna-se o nome da nova cincia que surge no sculo
XVIII, no processo da Revoluo Industrial e consolidao do modo de produo
capitalista na Europa. Serve, em parte, para explicar, justificar e fomentar o capitalismo
nascente e os benefcios de se separar poltica (vinculada a um Estado conservador) e
economia (baseada na crescente classe industrial). A nova cincia considerava como
ineficiente e improdutivo um mercado que necessitava de uma ajuda forte do Estado.
Por isso foi um poderoso brao do liberalismo e, de incio, progressista, defendendo a
libertao das pesadas leis do Estado e acreditando que o mercado se autoregularia de
forma mais justa.
No entanto, quando a burguesia industrial consolida sua hegemonia, a nova
cincia revela-se um instrumento de justificao de um sistema de poder que tambm
desigual e baseado na explorao do homem. Por isso Marx (1977) promoveu uma
crtica da Economia Poltica, afirmando ser fundamental conhecer os mecanismos de
funcionamento da nova lgica social, centrada agora na hegemonia do econmico sobre
o poltico. A crtica de Marx (1977) altera o campo acadmico da Economia Poltica.
Mais tarde, grupos de estudo em diferentes pases agregam parte significativa do
pensamento crtico na matria.
Para Marx a questo mais importante sobre a qual a Economia Poltica deveria
se debruar era sobre como o capital se origina. Na verdade, trata-se da questo de
como o dinheiro (ou mercadoria, pois dinheiro apenas a forma transformada da
mercadoria), uma quantia de valor em geral, se transforma em capital ou ento: como se
origina o capital? (MARX, 2010, p.40).
Mosco (2009, p.48) define Economia Poltica como o estudo das
21
Para Golding e Murdock (2000) uma forma de descrever Economia Poltica est
em avaliar quatro pontos que consideram como ideias centrais para os estudos: 1) a
transformao social, 2) a compreenso dos fenmenos dentro de sua totalidade social e
no de modo isolado, 3) a filosofia moral e 4) a prxis.
Em relao ao primeiro ponto, a transformao social, a Economia Poltica a
descreve como histrica. Clement e Williams (1987, p. 7) afirmam que a Economia
Poltica um campo de estudo que reconhece que a mudana social se situa na
interao histrica dos momentos econmicos, polticos, culturais e ideolgicos da vida
social, junto dinmica baseada nos conflitos socioeconmicos. Essa ideia defende
que cada mudana social deve ser compreendida dentro de sua etapa histrica de
desenvolvimento e que a economia mundial se desenvolve de maneira no-linear.
Sobre isso, Wallerstein (1991, p.14) argumenta que o modelo capitalista deve ser
compreendido de modo histrico, portanto transitrio:
A economia mundial capitalista constitui um sistema histrico,
que por esta razo tem uma vida histrica; tem um nascimento,
tem um conjunto de ritmos cclicos e tendncias seculares que a
caracterizam; tem contradies internas que conduziro, talvez,
a seu eventual falecimento.
garantem um maneira til para se pensar sobre os problemas sociais modernos, mas
esses problemas vo muito alm do que a maior parte dos economistas pensam em
analisar.
Hymer e Roosevelt argumentam: Se o mercado fornece ao economista o
modelo para justificar o capitalismo em termos de liberdade, igualdade, posse e
individualismo; as condies atuais de trabalho fornecem nova esquerda a crtica do
capitalismo (In: LINDBECK, 1979, p. 137). Ainda para Hymer e Roosevelt, s
deixando de existir qualquer lao entre produo e circulao que se pode ignorar as
relaes entre poder poltico e econmico - o que os economistas convencionais tendem
a querer fazer. Quando examinamos as interligaes entre os mercados e a produo,
torna-se claro que no podemos restringir nossa metodologia somente ao plano
econmico deve ser dada considerao tambm aos planos polticos e ideolgicos
(HYMER; ROOSEVELT, In: LINDBECK, 1979, p.138).
Hymer e Roosevelt promovem uma crtica ao pensamento do economista
Lindbeck que se contitui de fato numa oposio que fazem entre a economia clssica,
representada por Lindbeck, e a corrente que ficou conhecida como economia poltica
da nova esquerda, que os dois autores defendem e que mais tarde seria chamada de
Economia Poltica crtica ou vertente crtica da Economia Poltica.
A crtica dos dois pesquisadores transcende as ideias de Lindbeck e se
transforma em um questionamento ao pensamento da economia clssica. Para os
autores, enquanto Marx revelava a ligao entre o mercado e a relao entre as pessoas,
a Economia, ao se concentrar nas relaes de mercado, mascara a verdadeira natureza
da transao entre o capital e o trabalho. Assim os economistas tm mistificado os
processos econmicos em nossa sociedade e impedido o desenvolvimento de
instrumentos analticos para ir alm deles (HYMER; ROOSEVELT, In: LINDBECK,
1979, p. 140). Os autores alertam que quanto mais se estuda economia, mais se tende a
aumentar o respeito pelo mercado e se encarar todos os problemas como se fossem
fracassos de mercado. Para Hymer e Roosevelt quanto mais se mergulha no
paradigma econmico, mais conservador se fica (In: LINDBECK, 1979, p.141).
Em um mundo dominado pelo pensamento ortodoxo e onde o poder financeiro
adquiriu dimenses extraordinrias, a interpretao conservadora dos fatos parece o
caminho mais natural. Porm, distinguir o econmico e sufocar o poltico no se revela
to simples. A realidade social sempre mais complexa que esquemas de equaes
matemticas. Essa evidncia tem sustentado o vis crtico da Economina Poltica e v-se
28
essa corrente sendo retomada nos ltimos anos, ainda que se admita que o vis
conservador, que contou com aporte intelectual da academia neoliberal, continue
dominante.
Zaiat partidrio da ideia de que o vis conservador dos estudos se sobreps ao
vis crtico. Mas o mesmo autor lembra que nos ltimos anos vrios postulados
ortodoxos tm sido questionados, reintroduzindo no cenrio poltico questes como
distribuio de renda, incluso, fortalecimento do Estado e a cobrana sobre o seu papel
de ordenador social. Por isso Zaiat (2012, p. 12) defende que o aporte crtico da
Economia Poltica seja essencial para abordar o complexo e apaixonante momento
presente.
Seguindo o raciocnio que parece dividir irremediavelmente economistas
clssicos e economista politicos crticos, Heilbroner (In: LINDBECK, 1979, p. 175)
argumenta que o problema da Economia versus Economia Poltica que a economia
convencional esquece a interao entre os processos econmicos e polticos. Na
verdade, sua dificuldade principal que ela se orgulha de ser economia econmica e
no politica.
Mosco (2009) ainda destaca que os movimentos sociais geraram suas prprias
escolas de economia poltica, como a feminista e a do meio ambiente. Essas subdivises
reafirmam o interesse da Economia Poltica em compreender a mudana social e a
transformao histrica alteraes estas que nos ltimos anos do sculo XX e incio
do sculo XXI incluem tentar compreender o declnio do comunismo, a estagnao e
crise das sociedades capitalistas, o ps-modernismo e o surgimento de movimentos
sociais que ultrapassam limites de categorias tradicionais como classe social
(ambientalismo e feminismo, por exemplo).
Cada uma das abordagens ou tendncias em Economia pPoltica se divide em
vrias escolas de pensamento, que, como visto, vo se localizando em linhas mais
direita, ao centro ou a esquerda do pensamento.
To ampla quanto a variedade de enfoques da Economia Poltica em geral
variedade de enfoques quando se pensa em uma economia poltica dirigida
especialmente rea de comunicao - EPC. Segundo Mosco (2009, p.18) no h uma
nica aproximao correta que, por ela mesma, constitua uma economia poltica
definitiva da comunicao. Para tentar pensar em um mapa da Economia Poltica da
Comunicao no mundo, Mosco (2009) sugere uma abordagem geogrfica. Para o
autor, os enfoques dos estudos dependem de que regio do planeta e portanto do
contexto - onde esses estudos estejam sendo produzidos. Assim, de acordo com a
localizao no mundo, as abordagens de economia poltica para a comunicao diferem
o suficiente para serem tratadas de modo separado. Alm disso, Mosco (1999, p.102)
afirma que a abordagem da economia poltica comunicao no est suficientemente
desenvolvida teoricamente para ser explicada num nico mapa analtico.
A distino geogrfica caracteriza os estudos em trs grandes regies: Estados
Unidos, Inglaterra e outros pases da Europa, e no que foi chamado por muito tempo
como terceiro mundo. Esta ltima categoria - dos pases em desenvolvimento engloba
a Amrica Latina, que tem ocupado local destacado como fonte e sujeito de
investigao em EPC. Considera-se importante aqui apresentar algumas distines
geogrficas no estudo, pois, ainda que no caracterizem escolas bem definidas dentro do
campo da EPC, essas distines influenciam os estudos e, por consequncia, o
pensamento em EPC nos diferentes locais do planeta.
Grande parte da investigao norte-americana influenciada por aportes de
fundadores como Dallas Smythe e Herbert Schiller. Tradicionalmente os estudos norte-
americanos tm analisado a indstria da comunicao como integrante de uma ordem
31
Sob esse ponto de vista, o avano dos meios de comunicao deveria ser
estimulado pelo Estado, por se constituir em um ndice de desenvolvimento para uma
regio. O ideal desenvolvimentista explica que as maiores companhias de comunicao
tenham sido as grandes beneficiadas dos programas de modernizao nos anos ps
Segunda Guerra, recebendo grandes investimentos do Estado, estabelecendo vnculos
com o capital e, por fim, influenciando a aproximao entre meios de comunicao e
empresas anunciantes, incentivando a consolidao de valores consumistas.
Os primeiros estudos de EPC na Amrica Latina foram fortemente marcados
pelo questionamento ao modelo liberal-desenvolvimentista e a teoria da modernizao.
Esses estudos fazem crticas ao determinismo tecnolgico e sustentam que as teorias
desenvolvimentistas omitem as relaes de poder que fazem parte das trocas
econmicas e sociais entre os pases e as relaes de poder dentro das classes
estratificadas.
O fracasso dos projetos de desenvolvimento incorporando os meios de
comunicao levou os prprios tericos da modernizao a revisar o modelo,
englobando as telecomunicaes e novas tecnologias em suas novas formulaes. Num
primeiro momento os economistas polticos responderam apontando uma diviso de
trabalho global em termos territoriais, onde a mo de obra sem formao estaria
concentrada nos pases mais pobres, uma mo de obra intermediria nos pases semi-
perifricos e a pesquisa e planejamento estratgico estaria limitado aos pases mais
ricos, que ficariam tambm com a maior parte dos benefcios. A investigao mais
recente reconhece que as divises atravessam linhas territoriais e limites de tempo e
espao. Ela alerta para um crescimento flexvel das empresas que controlam a
tecnologia da comunicao e da informao (MOSCO, 2009).
Nos ltimos anos os estudos de EPC nos pases latino-americanos tm apoiado a
radiodifuso pblica e dado nfase a questo da regulao dos meios de comunicao.
Um dos maiores desafios que enfrentam os meios pblicos na Amrica Latina como
construir uma programao de qualidade sem para isso renunciar as grandes audincias
No Brasil, que tem na TV Globo um exemplo de programao aberta tecnicamente bem
elaborada e desfrutando de grande audincia, isso representa um forte concorrente aos
meios pblicos, que na Amrica Latina tendem a ter poucas verbas, baixa audincia e,
em alguns pases, adotam um tom oficial (BECERRA, 2013, no prelo).
Sobre a prtica de regular a atividade dos meios de comunicao, essa uma
tradio que no existe na Amrica Latina. Segundo Becerra (2013) isso est
33
transformaes provocadas pela estagnao econmica dos anos 1960 e 1970, que
interrompe a expanso econmica ps Segunda Guerra e que gera uma crise mundial no
modelo capitalista; e 2) as mudanas espaciais e estruturais que ocorrem a partir desse
perodo. Inicia-se desde essa poca o que mais tarde recebeu o nome de globalizao.
Analisando de modo mais direto o que teria determinado o desenvolvimento de
uma Economia Poltica especialmente direcionada Comunicao, Mosco (2009)
aponta a transformao da imprensa, da mdia eletrnica e das telecomunicaes que, de
empresas modestas, muitas vezes familiares, tornam-se grandes empresas de modelo
industrial durante o sculo XX.
Mattelart e Mattelart (2010) localizam o incio dos estudos de
Economia Poltica voltados comunicao nos anos de 1960. As primeiras pesquisas
assumem a forma de um questionamento sobre o desequilbrio dos fluxos de
informaes e produtos culturais entre os pases situados de um lado ou outro do
desenvolvimento. Esses estudos ficaram conhecidos como teoria da dependncia
cultural, mais tarde questionada por se constituir em uma abordagem mecanicista,
calcada numa viso dicotmica da realidade social e impossibilitada de ultrapassar o
nvel da denncia.
A partir da dcada de 1970 a EPC fala de indstrias culturais, tirando o
termo do singular e propondo o plural (como utilizamos nesse trabalho), numa busca de
penetrar na complexidade das diversas indstrias de produo simblica (cinema, livro,
msica, TV, jornal, etc), para tentar compreender o processo crescente de valorizao
das atividades culturais pelo capital, o que se verifica de forma ainda mais intensa a
partir do final do sculo XX (BOLAO, 2000).
Desde esse perodo os estudos trazem para o centro do debate em EPC a
terminologia indstrias culturais e sua relao com o mercado, revisando o termo
original e exigindo a atualizao de conceitos. A produo de contedo nas vrias
indstrias culturais, geralmente influenciada pelos processos de mercantilizao,
discusso fundamental nos estudos crticos de EPC (no captulo seguinte, detalha-se
com maior riqueza esses dois pontos: mercantilizao e a questo das indstrias
culturais).
Disciplina fronteiria, a Economia Poltica da Comunicao configurou-se
academicamente no Brasil somente no final do sculo XX (MARQUES DE MELO,
2011). Tal como a Economia Poltica geral, que se divide genericamente em blocos
mais direita e esquerda, Marques de Melo (2011) prope que como recurso didtico
36
constante. Assim, essa linha terica reconhece que tenha um contributo, mas indica que
a EPC deve ser repensada e renovada de acordo com as transformaes mais recentes.
Essas observaes partem da constatao de que a mudana social onipresente e que
as estruturas e organizaes esto num processo de mudana constante.
Mais do que as quatro ideias centrais em Economia Poltica (mudana social e
histrica, totalidade social, filosofia moral e prxis), repensar a EPC exige considerar a
proposta de Mosco (2009), que apontou como til pensar em pontos de entrada que
ajudem a compreender os processos contemporneos. O autor argumenta que eles se
constituem em pontos de partida que abrem a possibilidade de anlises porque dizem
respeito a transformaes que no so especficas da comunicao, mas esto
acontecendo em vrias reas sociais. Compreend-las torna-se fundamental para
entender a comunicao contemporaneamente.
Mosco (2009) define que os pontos de entrada para se estudar a Economia
Poltica da Comunicao seriam trs: 1) a mercantilizao, 2) a espacializao e 3) a
estruturao.
A mercantilizao o processo de transformar um valor de uso em valor de
troca. Ou o processo de transformar bens e servios valorizados por sua utilidade em
mercadorias valorizadas por seu rendimento no mercado. O autor alerta que torna-se
importante compreender como esse processo se estende aos produtos de comunicao.
A espacializao diz respeito s transformaes que um determinado espao
sofre em um dado perodo de tempo. Envolve as presses de reestruturao industrial,
expanso, conquista de novos espaos empresariais. O crescimento e a concentrao das
indstrias de comunicao, por exemplo, so questes de estudo do ponto de vista da
espacializao. Os primeiros estudos falavam de crescimento vertical e horizontal das
empresas. Hoje j se cita vrias outras formas de integrao para estimular o
crescimento do capital, como sinergia, aliana, acordos de merchandising, fuses,
aquisies e outros (MOSCO, 2009). A mercantilizao e a concentrao so pontos a
serem aprofundados no captulo seguinte.
A estruturao avalia o processo pelo qual as estruturas se constituem
mutuamente com a ao humana. Esse ponto de entrada d nfase a estudar o poder,
que pode estar tanto no grande veculo de comunicao como na audincia.
A proposta de Mosco de se estudar a EPC a partir desses trs pontos de entrada
revela que a EPC est promovendo a sua autocrtica e buscando se repensar face as
transformaes contemporneas. Bolao, Herscovici e Mastrini (2000) defendem o
41
crescimento dos estudos crticos de EPC argumentando que se convive hoje com o
sucesso das ideias neoliberais, que justificam os argumentos em favor do mercado. Para
os autores, muitos diagnsticos crticos da dcada de 1970 no falharam, mas, em
muitos casos, viram-se superados devido ao xito das ideias neoconservadoras,
geralmente mais otimistas em relao ao mercado e aos processos de mercantilizao.
Os pesquisadores citados (2000, p.2) acreditam que se faz necessrio buscar novos
argumentos que se contraponham ao sucesso dos formatos neoconservadores.
cada vez mais necessrio propugnar por uma economia
poltica da comunicao que resgate as anlises sobre as
relaes de poder, restaure a discusso sobre o problema da
estratificao e das desigualdades de classe e, em termos gerais,
que no deixe de estar atenta analise das condies de
produo, distribuio e intercmbio da indstria cultural.
acelera alguns processos que podem ser apontados como constituidores do prprio
fenmeno, como a centralidade que os meios de comunicao adquirem.
importante assinalar que o formato de jornalismo das indstrias culturais no
se restringe grande imprensa das reas mais centrais, mas tambm tem processos e
prticas que so adotados em meios de comunicao de regies mais perifricas que se
espelham nos veculos da grande imprensa e que geralmente esto sujeitos a
constrangimentos maiores devido a menor disponibilidade de recursos e a maior
proximidade com os poderes institudos.
Para finalizar, o captulo discorre sobre a concepo de hegemonia, aporte
terico til para se refletir sobre a formatao de comunicao em indstrias culturais,
que tem se imposto como uma formatao dominante na grande imprensa, que gera
influncias e que deve ser compreendida com a fora de um fenmeno hegemnico, que
tambm estabelece uma relao de poder. A noo de hegemonia revela-se no s
problemtica, mas central nas anlises sistmicas.
a partir dos anos 1970 e que apresentou alguma recuperao na dcada de 1990, mas
que voltou a se pronunciar desde os primeiros anos do sculo XXI, se diferencia das
crises anteriores por um motivo: segundo o autor, j no se vivencia a era dos ciclos,
mas inaugurou-se uma fase indita, de depresso contnua, que se mostra estrutural,
longeva e sistmica, ainda que haja alternncia em seu epicentro.
Para escapar crise que se pronuncia aps o perodo de entusiasmo do ps
guerra, inicia-se uma reconfigurao do modelo capitalista. O capitalismo que se opera
desde ento tem carter global, atendendo a um movimento de expanso do capital, que
busca novos espaos. Os autores se referem a esse momento como reconfigurao
capitalista, capitalismo avanado, capitalismo global, capitalismo mundial, capitalismo
transnacional, capitalismo tardio, entre outras denominaes mais ou menos prximas.
Fiori (2007) se prope a clarificar o que foi essa grande transformao da ordem
capitalista que se cristalizou nas ltimas dcadas do sculo XX. Para ele, h seis
mudanas significativas que ajudam a compreender esse cenrio: a) a primeira ocorreu
no campo geopoltico mundial levando a que o meio acadmico a a imprensa, nos anos
1970, falassem em uma crise da hegemonia norte-americana; b) a segunda ocorreu no
campo poltico-ideolgico e se disseminou pelo mundo depois das vitrias eleitorais de
Tatcher e Ronald Reagen, que levou a consagrao do pensamento nico neoliberal; c) a
terceira transformao ocorreu no campo econmico, na rea monetrio-financeira,
dando origem a uma concepo de finana mundial privada e desregulamentada; d) a
quarta foi a revoluo tecnolgica, que influiu na velocidade e circulao de
informaes, facilitando a integrao dos mercados; e) a quinta mudana ocorre no
campo do trabalho, que altera nmero de empregos, remunerao, organizao sindical
e direitos trabalhistas; f) e a sexta mudana ocorre no que Fiori chama periferia
capitalista, quando os pases que adotavam o modelo desenvolvimentista americano j
constatavam seu fracasso, passando a contrair dvidas enormes com pases credores e se
submetendo a organismos internacionais. Nas duas ltimas dcadas do sculo XX
instituies como o Fundo Monetrio Internacional (FMI) ou o Banco Mundial tm um
enorme protagonismo.
Desde que se desenvolveu, o capitalismo sempre tendeu a ser global porque
sempre buscou a expanso, como j afirmava Marx (2010). Ianni (2007, p.14)
argumenta que o capitalismo sempre apresentou conotaes internacionais,
multinacionais, transnacionais e mundiais, desenvolvidas no interior da acumulao
originria do mercantilismo, do colonialismo, do imperialismo, da dependncia e da
46
A crise econmica que se verifica a partir dos anos de 1970 abala as bases da
idia de Estado de bem-estar social, que imputava ao Estado grandes
responsabilidades econmicas e sociais. O Estado de bem-estar social o programa que
surge aps a Segunda Guerra, formulado por partidos socialistas, socialdemocratas e
comunistas europeus, buscando uma gesto mais igualitria do capitalismo. Sua
estratgia e polticas incluam o crescimento econmico, o pleno emprego e a
47
capitalismo e seus movimentos como foras inescapveis. Segundo ele querem nos
fazer crer na globalizao como uma fbula enquanto ela uma perversidade. O
discurso nico do mundo tem implicaes na produo econmica e nas vises da
histria contempornea, na cultura de massa e no mercado global (SANTOS, 2010,
p.45).
A sociedade como um todo atingida pelo reposicionamento do capitalismo que
provoca alteraes na estrutura das empresas, no que estas produzem, na sua relao
com os trabalhadores, alm de mudanas no papel do Estado e das empresas privadas.
Alguns autores, ao avaliar as consequencias da reconfigurao capitalista chegam a
afirmar que h, atualmente, uma vingana do capitalismo contra a sociedade.
A omisso da ao reguladora do poder pblico, til para compreender a atuao
de empresas diversas no capitalismo global, se aplica igualmente compreenso das
empresas de comunicao, que nestes novos cenrios encontram um formidvel terreno
para expanso, oferecendo espaos de explorao ao sistema capitalista e se
beneficiando desta oferta. Como apontado no captulo anterior, h escolas de EPC que
defendem fortemente a regulao dos meios de comunicao comerciais, especialmente
das televises, entendendo tratar-se da concesso de um servio pblico que, regulado,
pode oferecer a possibilidade de uma comunicao mais democrtica. O que acontece
na maioria dos casos que, quando no so regulados oficialmente, algum tipo de
regulao termina por acontecer, geralmente privilegiando setores mais poderosos.
Ironicamente, o momento que seria de maior expanso do capital coincide, no
entanto, com o momento de sua crise mais aguda. A expanso global, que de incio se
anunciava como uma soluo, tem contribudo tambm com a crise. Mais uma vez, o
sistema entra em colapso no momento de seu supremo poder, pois sua mxima
ampliao inevitavelmente gera a necessidade vital de limites e controle consciente,
com os quais a produo do capital estruturalmente incompatvel. (MSZROS,
2011, p. 72). Desde o incio do sculo XXI a crise no capitalismo inclui a desalecerao
da economia, a exploso da bolha financeira e a queda da confiana no consumo,
apontando para o fim da euforia com a globalizao e aumento do desencanto e
contestaes (FIORI, 2007).
Na tentativa de avaliar a crise estrutural do capital contemporaneamente
impulsionada por crises econmicas, politicas e sociais em vrias partes do mundo,
Mszros define: continua sendo mesma crise estrutural que conhecemos desde fins de
51
1960, incio de 1970, mas diferente no sentido de que irrompeu globalmente com
grande veemncia.
O fato de ser global traz novos desafios. A crise atual diferente no sentido de
que comea a produzir respostas radicais desafiadoras numa escala considervel. E esse
processo est longe de ter atingido o seu auge (MSZROS, 2011, p.137). A despeito
da impresso de que parece continuidade, Ianni (2007) prefere pensar que a crise do
capitalismo global seja realmente um fato muito novo, exigindo novas reflexes.
Ainda que atualmente no consiga encobrir suas deficincias, apontadas
especialmente entre os estudiosos mais crticos, o pensamento neoliberal, vitorioso na
dcada de 1980, no cansa de produzir adeptos e movimentos a seu favor, seja na
academia e com mais nfase no mercado e na mdia.
Mszros (2011), referindo-se as revistas inglesas The Economist e The Sunday
Times, acusa essas publicaes de fornecerem uma conscincia de classe
desavergonhadamente burguesa. Para o autor, esse tipo de publicao tem um papel
cumprir: a classe dominante pecisa de um rgo de propaganda de circulao em
massa, com o o bjetivo da mistificao geral. Ele argumenta que em geral, neste tipo
de veculo, as matrias, altamente parciais, mascaram uma viso equilibrada usando a
frmula do por um lado isso, mas por outro lado aquilo. E o resultado final que
sempre tendem a alcanar a sua desejada concluso em favor da ordem estabelecida
(MSZROS, 2011, p.19).
A grande imprensa influenciada pelo capitalismo global tem exemplos de
adeptos do pensamento neoliberal por todo o mundo. No Brasil, em outubro de 2012, a
Revista Exame, por exemplo, organizou o evento chamado Exame Frum, para discutir
questes relativas a infraestrutura e crescimento econmico do pas. Na matria
intitulada O diabo est nos detalhes (2012, p.66-70), o subttulo diz: O governo
finalmente entendeu que no consegue ampliar a deficiente infraestrutura do pas sem a
iniciativa privada. So elencados cinco pontos de infraestrutura: portos, rodovias,
ferrovias, energia eltrica, aeroportos. Em cada um, a sada apontada via privatizao
dos servios.
Outro exemplo vem na mesma revista Exame (2013, p. 20-30), quando a capa
traz uma foto do jogador Neymar e o ttulo: Como o capitalismo pode salvar o futebol
brasileiro (e o seu clube). O subttulo afirma: s vsperas da Copa do Mundo, os
clubes brasileiros ganham dinheiro como nunca e tm uma chance nica de entrar para o
52
peloto de elite do futebol mundial. H ainda uma legenda que diz: Neymar, jogador
da seleo: smbolo de um momento indito do nosso principal esporte.
A capa permite milhares de leituras e anlises. Para concentrar as observaes
nas questes mais diretamente de interesse dessa dissertao, chamamos a ateno para
os textos, que revelam a concepo positivista e pragmtica do meio de comunicao,
alm de apresentar a questo como inelutvel e fora de questionamentos. Essa situao
pode ser percebida desde a manchete afirmativa: Como o capitalismo pode salvar o
futebol brasileiro, s demais expresses utilizadas: ganham dinheiro como nunca,
chance nica, peloto de elite do futebol mundial, momento indito, nosso
principal esporte.
No primeiro exemplo o meio de comunicao aponta o Estado pesado, lento e
ineficiente. No segundo exemplo, a iniciativa privada saudada como a soluo que
pode salvar do iminente fracasso o futebol brasileiro.
Esses recortes servem de exemplo de que, assim como todas as demais reas, a
mdia afetada pela formatao de capitalismo global e de polticas neoliberais. .
O processo histrico que culminou com a constituio do
chamado capitalismo monopolista foi acompanhado de uma
srie de transformaes tcnicas no campo das comunicaes
que vieram a confirmar e potencializar as tendncias de
articulao social da informao lgica do desenvolvimento
capitalista. (BOLAO, 2000, p.47)
processo de mercantilizao como ponto de partida para as anlises sociais. Para a EPC
uma compreenso completa de como o processo de mercantilizao influi nos circuitos
de produo, distribuio e consumo vital para que se entenda a produo cultural.
Assim, os estudos em EPC chamam a ateno para a mercantilizao dos contedos, ou
seja: para a tranformao das mensagens em produtos comercializveis.
Tornaram-se conhecidos em EPC os estudos de Smythe que apontam que a
audincia , na verdade, a primeira mercadoria dos meios de comunicao. Segundo
essa ideia os meios de comunicao produzem audincia e a entregam aos anunciantes.
Logo, a programao dos meios pensada para atrair as audincias, como a comida
grtis oferecida nas tabernas interessadas em vender bebidas. Sob esse ponto de vista a
audincia o principal produto dos meios de comunicao de massa numa economia
capitalista (MOSCO, 2009).
Este um ponto importante a considerar. Outro que o processo de
mercantilizao tem se estendido a numerosas reas que, alm dos meios de
comunicao e informao, chega as campos culturais e at institucionais, como a
educao e governo, locais para onde se preservava a ideia de acesso universal, com
independncia do poder de mercado. O processo de mercantilizao tem se estendido a
lugares e prticas antes organizados com uma lgica social diferente, baseada em
participao social e cidadania, hoje crescentemente reduzidos a uma lgica de
mercado. Ao longo do sculo XX impe-se progressivamente o paradigma do mercado,
surgindo da uma viso de mundo comprometida com a supremacia do econmico sobre
o poltico. A fora motriz a incessante busca por lucro, que marca o capitalismo.
Para Fiori (2007) ao eliminar o papel do poder poltico na economia se
despolitiza as mudanas recentes do capitalismo e, com isso, as decies que seriam
polticas passam a ser vistas como um imperativo inapelvel do capital. Como
consequncias os atos de submisso aos designos do mercado so considerados uma
manifestao de realismo e sensatez; e todos os atos de resistncia dos povos menos
favorecidos so considerados sinais de irresponsabilidade e populismo (FIORI, 2007,
p. 94).
medida que os mercados se globalizam, aumenta o poder financeiro. A EPC se
interessa em investigar como os meios de comunicao, estimulados por contnuas
melhorias tecnolgicas, tm realizado a mercantilizao do processo geral do trabalho
em jornalismo. As grandes empresas de comunicao tm mercantilizado enormemente
os contedos.
60
uma empresa comercial, tida pelo modelo neoliberal como algo produtivo, que
funciona, ao contrrio do Estado.
Desde sua origem, o desenvolvimento capitalista, se caracteriza pela
mercantilizao das diferentes atividades sociais. Para falar sobre como se gera capital,
Marx (2010) props a equao D-M-D, ou seja um dinheiro (D), que produz uma
mercadoria (M), que resulta em dinheiro com valor aumentado (D), uma vez que a
produo capitalista visa o aumento constante de mais valor. Marx afirma que o
comrcio impossvel se as mercadorias so trocadas por seu valor. O final do processo
sempre deve resultar em um valor em dinheiro que seja maior que o valor inicialmente
empregado. O que importante que se compreenda dessa equao e que a torna valiosa
para refletir sobre os produtos de comunicao produzidos em meios cada vez mais
mercantilizados, que a mercadoria (M) nunca a finalidade. Ela aparece apenas como
mediao entre o primeiro e o terceiro movimento (D-D). A mercadoria, como
metamorfose do dinheiro, aparece como mero ponto de transio (MARX, 2010, p.
117).
Na atual reestruturao capitalista o mundo convive com um sistema monetrio
desmaterializado. Dinheiro fludo, opulncia do consumo e desigualdades marcam essa
reestrutrao. O poder do Estado torna-se mais vulnervel a influncias financeiras.
Com a mercantilizao crescente, o financeiro ganha uma espcie de autonomia. Ser
rentvel economicamente parece suficiente para justificar certas prticas.
Vislumbrando um mundo onde o dinheiro em estado puro ganhava cada vez
maior importncia, Marx (apud SANTOS, 2010) chamou a relao entre finanas e
produo de loucura especulativa . Santos (2010, p.44) afirma que lcito falar que
vivemos a tirania do dinheiro.
Se o dinheiro em estado puro se tornou desptico, isso tambm
se deve ao fato de que tudo se torna valor de troca. A
monetarizao da vida cotidiana ganhou, no mundo inteiro, um
enorme terreno nos ltimos 25 anos. Essa presena do dinheiro
em toda parte acaba por constituir um dado ameaador da nossa
existncia cotidiana.
A crise capitalista dos ltimos anos do sculo XX fez emergir uma nova
correlao de foras, que d maior potncia a poderes empresariais corporativos,
sustentados no mercado e com o uso dos meios de comunicao. Movimentos como a
presso social, veculos comunitrios, a comunicao via redes sociais e at a
fragmentao da TV a cabo, representam resistncia e oportunidade de fissuras, ainda
que muitas vezes a situao seja complexa. Muitos veculos comunitrios na Amrica
Latina, por exemplo, importantes para democratizao, tm dificuldades de acesso a
licenas de funcionamento.
O ciberespao se debate entre bases materiais proprietrias e usos imaginativos
que fogem ao controle das gestes, pois ainda que estejam apropriadas pelo capital, as
formas digitais permitem a apropriao por parte do pblico e usos alternativos. Assim,
ao se falar de concentrao e mercantilizao, deve-se atentar para a complexidade do
contexto atual. A situao conflituosa e no se pode desprezar o capital humano
interconectado, projetos culturais alternativos e o poder das redes sociais de
comunicao impulsionadas pela internet. Ainda assim, os grupos privados
concentrados buscam se impor e para isso contam com grande protagonismo do
mercado publicitrio, apoio do Estado e ressonncia em grande parte da cobertura dos
meios de comunicao.
Problematizar a questo da mercantilizao no jornalismo, na comunicao e na
produo cultural em geral determinante para tentar compreender a dimenso desse
processo que implica em grandes mudanas na imprensa. Paralelo (ou por vezes se
sobrepondo) a ideia de papel social do jornalismo, aparece a necessria sobrevivncia
econmica em um mercado concorrido, onde ganham fora aspectos como estratgias
de marketing, ndices de audincia (na medida em que podem se converter em espaos
64
Outro fato revelador da expanso do fenmeno das indstrias culturais pode ser
apontado na deciso do Ministrio da Cultura do Governo Federal brasileiro que, em
junho de 2012, criou a Secretaria da Economia Criativa (SEC)2. Antes disso, em abril de
2005, Salvador, na Bahia, sediou o Frum Internacional das Indstrias Criativas, com a
presena do ento ministro da cultura Gilberto Gil. O Reino Unido mais uma vez saiu
na frente nessa rea e em 2006 foi o primeiro pas do mundo a montar um Ministrio
das Indstrias Criativas e Turismo.3
2
A Secretaria da Economia Criativa foi criada por meio do decreto 7743. Segundo definio do site do
Ministrio da Cultura (http:// www.cultura.gov.br), a SEC tem a misso de conduzir a formulao,
implementao e monitoramento de polticas pblicas para o desenvolvimento local e regional,
priorizando o apoio e o fomento aos profissionais e aos micro e pequenos empreendimentos criativos
brasileiros.
3
O site do Ministrio da Cultura brasileiro, ao expor a necessidade de criao da Secretaria da Economia
Criativa, pe a disposio em pdf a publicao Plano da Secretaria da Economia Criativa polticas,
diretrizes e aes 2011 a 2014 (http:// www.cultura.gov.br/site/wp -
content/uploads/2012/08/livro_web2edicao.pdf) onde traa estratgias de ao para o rgo. Nele, um
texto argumenta que, apesar de reconhecido por sua diversidade cultural e potencial criativo, o Brasil
no figura entre os 10 primeiros pases em desenvolvimento de bens e servios criativos. A publicao
68
Conforme Santos (2006, p.8) a economia criativa pode ser definida como um
processo que envolve a criao, produo e distribuio de produtos e servios, usando
o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos
produtivos. As reas que podem ser enquadradas como economia criativa no param
de crescer, atualizando a lista inicialmente proposta no Reino Unido, uma vez que,
como sabido, a inovao e a criatividade so centrais na chamada economia criativa.
Zallo (2013) chama a ateno para um aspecto: a tendncia a se subistituir o
termo indstrias culturais por indstrias criativas ou economia criativa,
desprezando o nome cultura e destacando o termo criativo. Ele alertou que a
renncia ao nome cultura pode indicar o fortalecimento de interesses do mercado.
Como j se abordou no primeiro captulo em relao a gradativa substituio do termo
economia poltica por economia, agora pode-se estar novamente frente a uma
situao que mais ampla que uma simples substituio dos nomes, mas que pode
significar uma ruptura e uma adeso menos problemtica aos desejos e necessidades do
mercado.
Se o crescimento das indstrias culturais indiscutvel, outro fator que
igualmente parece sem contestao a presena de aspectos mercadolgicos, cada vez
mais penetrando na informao, na comunicao e na cultura. Para Brittos e Miguel
(In: BRITTOS; CABRAL, 2008, p. 40) atualizar o conceito de indstria cultural para
compreender os processos miditicos atuais significa ter clareza de que os produtos
culturais, apesar de suas especificidades, esto cada vez mais obedecendo lgica de
produo industrial do capitalismo, ou seja, aos produtos de comunicao esto se
aplicando regras de mercado muito prximas de outras indstrias interessadas em
comercializao e lucro.
Fonseca (2005) identifica que a partir dos anos 1970 as indstrias culturais no
Brasil tm formidvel expanso, tanto quanto produo, quanto distribuio e ao
consumo. Desde esse perodo crescem a produo de livros, a publicidade, o mercado
editorial, a indstria grfica, cinematogrfica, jornalstica, de entretenimento, etc, e se
consolidam conglomerados como a Editora Abril, o Grupo Folha, as Organizaes
ainda traz dados sobre o crescimento da economia criativa no mundo: Segundo estimativas da Unesco
o comrcio internacional em bens e servios culturais cresceu, em mdia, 5,2% ao ano entre 1994 (US$
39 bilhes) e 2002 (US$ 59 bilhes). No entanto, esse crescimento continua concentrado nos pases
desenvolvidos, responsveis por mais de 50% das exportaes e importaes mundiais. Ao mesmo
tempo, pesquisas da Organizao Inernacional do Trabalho (OIT) apontam para uma participao de
7% desses produtos no PIB mundial, com previses de crescimento anual que giram em torno de 10% a
20%.
69
geral formulada por Habermas serviu de inspirao para vrias outras classificaes em
todo o mundo.
Para tipificar o jornalismo praticado no Brasil possvel recorrer a variadas
categorias, com classificaes distintas. Autores como Sodr (1999) e Medina (1978)
adotam o critrio de periodizar o jornalismo por fases histricas. Essa classificao, de
base materialista, analisa a evoluo do jornalismo a partir da evoluo da imprensa,
tanto sob o ponto de vista dos avanos tecnolgicos, como da organizao das empresas
no contexto econmico.
Sodr (1999) props uma classificao para a imprensa brasileira em quatro
grandes fases: imprensa colonial, imprensa da independncia, imprensa do imprio e
grande imprensa. Essa uma das classificaes mais conhecidas no Brasil. Medina
(1978) fala em um Jornalismo de Tribuna, mais opinativo, e em um Jornalismo
Noticioso, que passa a predominar na segunda metade do sculo XX, quando o
jornalismo brasileiro inicia uma srie de modernizaes, tanto no texto, na apresentao
grfica como no tamanho e organizao das empresas de comunicao.
Ainda que as periodizaes adotem diferentes critrios ou nomenclaturas,
quando se trata de analisar o jornalismo produzido no Brasil tendem a concordar com a
identificao do perodo entre o final dos anos de 1950 e dcada de 1960 como o do
surgimento do jornalismo industrial ou jornalismo empresarial. Essa poca tambm
considerada como a fase da modernizao da imprensa brasileira quando, influenciada
pelo modelo de jornalismo americano, ela passa a adotar vrias modificaes que vo
desde mudanas no texto, adoo do lead (o primeiro pargrafo tendendo a responder as
perguntas o que, quem, quando, como, onde e porque), uma diagramao mais leve e
preocupada com a esttica, a valorizao da notcia em detrimento da opinio, o
investimento em reportagens, at a incluso de prticas administrativas mais racionais,
que terminam por valorizar o lado empresarial da organizao de comunicao. a
transformao da imprensa em empresa.
De modo geral pode-se considerar que a atividade passa por uma fase mais
artesanal e opinativa, de influncia europia, que perdura at o final dos anos de 1950 e
chega fase da imprensa industrial, do jornalismo noticioso, que predomina com a
modernizao no jornalismo, com o avano da atividade com natureza mais industrial,
e a chamada profissionalizao da imprensa, que passa a adotar os ideais de
objetividade e neutralidade.
72
4
Em meados de 2013, a Editora Abril fechou algumas publicaes. No entanto, at a produo dessa
pesquisa, ela continuava somando mais de 40 ttulos diferentes de revistas. Para mais informaes,
consulte o site http://www.abril.com.br/revistas.
76
importante abordar a concepo de hegemonia, aporte terico til para refletir sobre a
formatao de comunicao contemporaneamente. O modelo hegemnico de jornalismo
que se tem hoje o da fase das indstrias culturais, identificado no tpico anterior. Por
ser hegemnico, ele estabelece uma relao de poder, sendo em geral adotado de modo
acrtico na grande imprensa e tambm servindo de padro ou inspirao para
organizaes de menor porte.
A formatao de jornalismo prpria das indstrias culturais, crescentemente
mercantilizada, adequada ao formato neoliberal e que adota parmetros administrativos
de marketing, pode ser explicada pelas necessidades de reconfigurao do capitalismo
contemporneo, que v a imprensa crescentemente se organizar enquanto empresa e
adquirir centralidade no mercado. Logo, esta formatao encontra justificativas sob o
ponto de vista dos tradicionais produtores e distribuidores de contedos. No entanto, o
que nos interessa refletir aqui e para isso o conceito de hegemonia se faz til sobre
como explicar que essa formatao de jornalismo encontre ressonncia na recepo?
Como explicar que o pblico consuma um contedo mercantilizado, produzido de
modo concentrado, que costuma se preocupar mais com interesses empresariais ligados
prpria organizao? Para lanar luz sobre esse ponto, que parece obscuro em muitos
estudos, sem a pretenso de esgotar a questo, busca-se ancoragem no conceito de
hegemonia em Gramsci.
Originalmente formulada por Gramsci (2000, 2007) para se referir a situao da
Itlia nas primeiras dcadas do sculo XX, a noo de hegemonia, usada por vrios
autores, se aplica a situaes onde se verifica o predomnio das necessidades de uma
frao das classes dominantes sobre o conjunto das demais por meio da mediao do
Estado.
No existe um formato nico de hegemonia. Para Gramsci (2000, 2007)
hegemonia um processo multidimensional que no s dominao, mas, muito mais a
idia de direo. Direo moral, intelectual, tica, poltica, econmica, cultural,
ideolgica, que uma frao de classe consegue estabelecer sobre as demais. Segundo o
conceito gramsciano, uma determinada estrutura hegemnica se estabelece num
determinado momento como materializao, sob as condies histricas dadas. Assim,
uma hegemonia um produto histrico, que acontece sob determinadas condies, em
determinada poca.
Ao perceber a complexidade social do incio do sculo XX, quando surgem
grandes sindicatos, e Igreja e instituies de ensino experimentam crescimento notvel,
77
3. MUTAES NO JORNALISMO
capital para vrias reas que at agora no haviam sido mercantilizadas. Ou no haviam
sido mercantilizadas de forma to efetiva, como as reas da cultura, da comunicao e
do jornalismo. Me atreveria a relacionar isso com uma nova penetrao e colonizao
da natureza e do inconsciente que tem lugar pela primeira vez na histria (JAMESON,
2012, p.77). O autor se refere ao que ele chama o auge dos meios de comunicao de
massa e das indstrias da publicidade.
No capitalismo avanado a materialidade de todas as coisas emerge. O campo
das produes culturais ou das produes de bens simblicos, que sempre pareceu mais
abstrato, uma dessas reas em que a materialidade se impe. Jameson (2012, p.119)
acredita que contemporaneamente temos uma lio da histria: justamente porque a
cultura tem se tornado material que estamos agora em posio de entender que ela
sempre foi material ou materialista, estrutural e funcionalmente. Segundo o autor h
um termo que nos ajuda a chegar a esse esclarecimento. Ele se refere a mdia ou a
indstria dos meios de comunicao. E afirma que a mdia combina trs significados
relativamente distintos: um modo artstico ou uma forma especfica de produo
esttica, uma tecnologia especfica organizada em torno de um aparato determinado e
ainda uma instituio social. As trs reas ainda no so suficientes para definir a
mdia, mas do a idia de suas diferentes dimenses, comerciais e simblicas.
O jornalismo materializado na fase das indstrias culturais tem como ponto de
identificao a produo de contedos mercantilizados. A extenso da mercantilizao
para os meios de comunicao fez surgir nos Estados Unidos a expresso jornalismo
de mercado (NEVEU, 2006, p.158), para definir um conjunto de mudanas que
buscam a rentabilidade mxima e esto redefinindo a prtica jornalstica. Com o
jornalismo de mercado os crticos apontam que estaramos vivendo a dissoluo da
profisso jornalstica, que estaria se degenerando em uma profisso de comunicadores.
O jornalismo estaria inaugurando uma nova fase, mais de comunicao, que de
jornalismo de fato. O jornalismo dos tempos do capitalismo avanado tem se
transformado, passando de relevante na constituio da opinio pblica para assumir
caractersticas de uma organizao com a finalidade de gerar lucro para a empresa.
Chama-se a ateno para o caso do Brasil, onde os meios de comunicao como
empresas, crescem numa situao de dependncia do Estado e das verbas publicitrias,
fortalecendo processos como a concentrao, a mercantilizao de contedos e a
formatao de indstrias culturais.
86
Por muito tempo o jornalismo estabeleceu uma relao com o pblico mais
presumida que real. O jornalista intuitivamente sabia o que melhor informar ao
pblico. Para Neveu (2006) essa atitude relativiza a competncia crtica do pblico sem
obrigar o jornalista a uma emisso para a qual este no esteja preparado ou no tenha
afinidade. O desconhecimento cientfico sobre o pblico tem a vantagem de no atar as
mos do jornalista, que age assim como sensvel intrprete das audincias.
O jornalismo que se tem praticado nas grandes empresas de comunicao nas
ltimas dcadas, no entanto, se baseia menos nessa mitologia e busca identificar com a
maior preciso possvel quem o pblico ao qual se dirige. Pesquisas de marketing cada
vez mais detalhadas procuram descobrir os interesses e preferncias do pblico, na
tentativa de definir produtos de comunicao que atendam aos desejos e necessidades
desse pblico. Pesquisa-se igualmente o mercado anunciante (como j salientado, os
meios de comunicao atuam num mercado dual, relacionando-se com pblico em geral
e pblico anunciante), buscando chegar a produtos de comunicao que despertem
interesse junto a esse pblico.
Se o desconhecimento cientfico sobre o pblico em geral e o mercado
anunciante tm a vantagem de no atar as mos do jornalista, as sondagens podem
limit-lo, levando-o a preocupar-se com contedos que terminem por se revelar
rentveis financeiramente e desprezando contedos que, embora valiosos social, poltica
ou culturalmente, no revertam em lucros para a empresa.
88
de mercado dos bens de consumo: pregam escolhas individuais de estilo de vida urbano,
hbitos de consumo e normas culturais. A formao dos nichos de mercado nas mais
diversas reas, inclusive no jornalismo, permeia a experincia urbana contempornea,
dando-lhe uma aura de liberdade de escolha, como em geral prega a propaganda.
O crescimento de editoriais mais rentveis, com tendncias ao entretenimento,
tambm tem implicao com o crescimento geral dos negcios ligados ao espetculo,
com o investimento dos meios de comunicao em estrelas exclusivas; o crescimento
dos esportes, com exclusividades de transmisses; e at a vida poltica . H polticos
que so grandes empresrios de comunicao ou scios de grupos miditicos. Fazendo
parte do espetculo, h jornalistas tratados como grandes estrelas do showbizz e h
jornalistas que se tornam polticos com cargos eletivos.
Os produtos jornalsticos mais rentveis, que crescem em cauda longa, grande
parte das vezes, tm surgido com a inteno de encontrar e agradar determinado
pblico. Assim os formatos tendem a buscar feies leves e graciosas, na definio de
Taschner, que considera que o produto jornalstico passa a valorizar a embalagem no
lugar do contedo. a embalagem do produto que comea a ser trabalhada. tambm
a preocupao em fazer um produto mais digestivo, menos highbrow5, mais acessvel e
sedutor (TASCHNER, 1992, p.42), com o objetivo de fisgar o maior nmero de
leitores.
O modelo que busca o crescimento das editorias mais rentveis tem visto
ampliar uma tendncia que se caracteriza pelo declnio da notcia como expresso do
jornalismo, fundamentada no critrio de interesse pblico, em favor da concepo de
informao que mais flexvel -, da prestao de servios e do entretenimento. Essa
formatao est mais empenhada em preservar a organizao jornalstica enquanto
agente econmico do que na qualificao da informao e da ideia de jornalismo como
fonte de conhecimento. Assim, o atributo jornalstico da informao s se impe
quando no contraria interesse comercial, e mais: quando pode se transformar em
argumento nas estratgias de venda do produto.
5
Highbrow significa erudito ou intelectualizado. A expresso utilizada por Taschner (1999) para se
referir a produtos de comunicao que tenham formatao ou linguagem de mais difcil interpretao ou
assimilao para parcelas maiores de pblico.
93
6
Na hiptese da Agenda-setting tornou-se amplamente aceita a acepo de Cohen (1963, p. 13) de que a
imprensa pode no conseguir, na maior parte do tempo, dizer s pessoas o que pensar, por outro lado
ela se encontra surpreendentemente em condies de dizer aos prprios leitores sobre quais temas
pensar alguma coisa.
94
chamados produtos da emissora viram pauta, com matrias sobre novelas, estrias de
novos programas e outras iniciativas da emissora. Na ltima semana de exibio, a
telenovela Avenida Brasil (2012), de grande audincia, foi tema de matria todos os
dias no Jornal Nacional. O ltimo captulo teve tratamento de cobertura especial, com
jornalistas espalhados em vrias cidades, mostrando grupos de pessoas assistindo a
exibio. A novela ainda foi tema de um Globo Reprter especial, programa que
tradicionalmente se define como espao para grandes reportagens.
Alguns temas dessas grandes reportagens do Globo Reprter tm sido destinos
de viagens. Muitos dos locais escolhidos so os mesmos que servem de cenrio para
gravao de novelas. Visando o mercado exterior, grande comprador de novelas da
Globo, a emissora tem adotado a estratgia de gravar parte das novelas nos mercados
com os quais se relaciona ou tem algum interesse. Alm de estar na novela, os pases
que so mercado para as novelas globais aparecem em outros programas de variedades e
nos programas jornalsticos.
Durante o Criana Esperana (agosto de 2013), estratgia de marketing social
da TV Globo, todos os telejornais terminavam com uma matria exibindo algum projeto
social atendido pela iniciativa. Os jornalistas apresentadores dos telejornais concluam
todas as edies desse perodo informando como as pessoas podem fazer doaes para o
Criana Esperana. Assim como os artistas da casa atores e cantores- tambm os
jornalistas participam de vdeos de divulgao da iniciativa.
Estratgia semelhante foi adotada no RocknRio (2013): todos os telejornais
terminavam com matrias sobre o festival de msica. Como o evento tem a participao
da TV Globo as referncias eram sempre positivas, sem qualquer tom de crtica. Ao
contrrio disso, os jornalistas apareciam alegres, em tom festivo, mais prximos de
serem garotos-propaganda do que jornalistas. As iniciativas de marketing social e a
realizao de eventos so duas estratgias recomendadas pelo marketing s empresas
em geral que tm sido adotadas tambm pelas empresas de comunicao.
Os jornalistas, alm de atuarem nas iniciativas e eventos promovidos pelo meio
de comunicao, tambm esto entre as estrelas referidas na programao. Assim, alm
de serem entrevistados em outros programas, participam de quadros como o Arquivo
Confidencial do Domingo do Fausto, originalmente destinado a revelar, atravs de
depoimentos, a vida das celebridades fora da televiso.
Em maro se 2013, a Globo levou a estratgia de autorreferncia a um ponto at
ento no praticado. A emissora exibiu o programa Vem a!, criado exclusivamente
98
O capital se interessa pela compra do trabalho. E aqui se opera uma das grandes
imposies do capitalismo avanado, mudando e redefinindo formas de trabalho. O
capital sempre se interessou em manter baixos custos e desorganizar os mecanismo de
negociao coletiva, como os sindicatos. No capitalismo avanado, a transformao do
trabalho em produto, afetada pelos processos de desregulamentao e privatizao. No
neoliberalismo, a preocupao em preservar o trabalho se converte em uma preocupao
e responsabilidade dos indivduos que devem buscar recursos para se manter no
mercado e at incrementar seu valor de mercado, com cursos e reciclagens.
So sintomticos dessa concepo o surgimento de veculos de comunicao que
ajudam a reforar as ideias individualistas do neoliberalismo. So exemplos disso a
revista Voc S.A. (Editora Abril), que d dicas de como manter o potencial individual
de empregabilidade; a revista Veja (Editora Abril), que tem uma seo com o nome
Guia Veja que costuma abordar temas semelhantes; e a revista Exame (Editora Abril),
que relata os feitos de grandes empresrios. Na televiso, alguns quadros em programas
diversos pregam as vantagens das pessoas se manterem sempre aptas para o mercado,
valorizando qualidades que interessam s empresas. O telejornal Jornal Hoje, da TV
Globo, tem um quadro semanal chamado Sala de emprego, que destaca os campos de
maior crescimento do trabalho e d dicas semelhantes a revista Voc S.A. Na Band
News, canal por assinatura, os telejornais incluem o miniprograma Giro Business, que
101
7
Para saber mais: http://g1.globo.com/economia/pme/noticia/2013/06/criancas-recebem-aulas-de-
empreendedorismo-em-escola-de-sp.html.
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emprega, mas terceiriza trabalhadores. Tem cerca de 600 mil pessoas cadastradas e
aluga seus servios. As possibilidades so as mais variadas, vo de um engenheiro
nuclear de alta qualificao trabalhadores de limpeza de escritrio. Segundo Antunes,
a Man Power aluga escravos modernos. Esse o mundo heterogneo e a empresa
moderna que vem da era da reestruturao produtiva (ANTUNES, 2003, p. 66).
que os leitores recebem como informao editorial, grande parte das vezes no passa de
um trabalho de divulgao.
que se refere a qualidade da participao. Outro ponto que equipamentos cada vez
mais avanados e caros permitem o acesso digital mais rpido s camadas com maior
poder financeiro, ficando os mais pobres marginalizados, com o acesso analgico. Essa
condio prejudica a capacidade de participao democrtica, de acesso as
possibilidades, de desenvolvimento de competncias e at ascenso social, podendo
deixar alguns grupos sempre marginalizados.
Assim, os modelos digitais podem abrir fissuras na hegemonia do capitalismo
avanado, mas tambm podem agravar fraturas sociais anteriores, com os pobres
ficando mais marginalizados. Becerra e Mastrini (2009,p.21) apontam que isso uma
lio de que o mercado, por si s, no pode satisfazer as necessidades e demandas dos
usurios, redundando em seu conjunto em uma radical desigualdade cultural entre
pases, entre regies e entre setores sociais. Ainda assim, importante lembrar que em
relao s formas de comunicao anteriores, os formatos digitais, ainda que
apropriados pelo capital, so os que mais permitem apropriao e usos alternativos
pelos usurios.
Para combater a ideia antidemocrtica de que os que no podem consumir so o
efeito colateral do modelo mercantilizado, Bauman (2007) defende que preciso
impedir que a sociedade multiplique a quantidade de vtimas colaterais do
consumismo. O modelo neoliberal que se estabelece contra os princpios do estado
social seguido pelos mais diversos governos conservadores pelo mundo ps Margareth
Thatcher. Esse modelo define os membros da comunidade no como cidados, mas
como consumidores satisfeitos. E o consumo est menos relacionado a concepes de
solidariedade e mais a ideia de individualidade.
de Margareth Tatcher outra frase representativa do pensamento neoliberal:
No existe algo chamado sociedade. H somente indivduos e famlias (apud
BAUMAN, 2007, p. 194). Bauman avalia que as ideias defendidas por Tatcher
representam o triunfo do consumismo e do individualismo sobre a economia moral e a
solidariedade social. As inovaes de Tatcher no s sobreviveram aos sucessivos
governos, como foram raras vezes questionadas e permanecem intactas (BAUMAN,
2007, p. 195).
A forma como as empresas tm se organizado e posicionado no mercado no
capitalismo avanado, cada vez mais como negcio, tem implicaes para o jornalismo
que se refletem na ruptura dessa atividade como auxiliar da democracia. Ao se
aproximar de lgicas mercantis, o jornalismo v sendo reduzidas as lgicas
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CONSIDERAES FINAIS
a recuperar-se uma vez que a degradao total uma estratgia absurda para o sistema
do capital como um todo. O declnio possvel apenas como exceo imposta por um
tempo determinado, mas invivel para assegurar a sade do sistema em sua integridade.
O fato que, at agora, o capitalismo tem sobrevivido, apesar das previses de sua
morte. Isso demonstra xito nas estratgias de fluidez e flexibilidade para superar
limites. H mesmo quem se refira aos momentos de crise como oportunidade para
promover ajustes. Assim o capitalismo est sempre se recuperando, de diversas formas,
de sucessivas crises. No capitalismo avanado, a crise tambm de regulao e de
legitimao do sistema.
Desde o ltimo processo de reconfigurao do capital, assiste-se a um gradativo
crescimento e centralidade dos meios de comunicao, fundamentais pelos contedos
que interessam no somente a eles e ao pblico diretamente, mas porque esses
contedos tm impacto e desdobramentos na vida social, cultural, econmica e poltica.
Os meios de comunicao tm importncia fundamental nas democracias modernas. No
entanto, tm operado segundo lgicas do capitalismo avanado, sujeitos a processos do
modelo neoliberal como a concentrao de propriedade, a mercantilizao dos
contedos e a atuao como indstrias culturais, com todos os seus apelos de expanso
e proliferao de produtos rentveis.
Dada essa condio, urgente refletir de modo crtico sobre como est
ocorrendo a produo, distribuio e consumo das mensagens nos meios de
comunicao, sacudidos pelos avanos em tecnologia que, ao tempo em que estimulam
a sua expanso, permitem o ingresso de novos atores, s vezes em contraposio ao
sistema estabelecido. Enquanto o capitalismo avanado e em ruptura luta para se
recompor e manter a sua continuidade, a comunicao, que pode contribuir com esse
processo, por outro lado nunca experimentou tantas rupturas: na forma de produo, na
distribuio, formatos, modos de trabalho, na possibilidade de incluir novos atores.
A expanso das indstrias culturais, definidas pela primeira vez pelos estudos de
Economia Poltica da Comunicao (atualizando o conceito anterior), chamou a ateno
para a mercantilizao dos contedos e trouxe a discusso sobre o mercado. As
indstrias culturais manifestam enorme poder criativo, mas tambm tm se revelado
como ferramenta de gesto, subordinando suas finalidades mercantilizao. O grande
crescimento dos meios e produtos de comunicao nas ltimas dcadas tem se dado
muito no campo de expanso das indstrias culturais. A EPC, em sua vertente crtica,
adotada nesse estudo para refletir sobre a comunicao no capitalismo avanado, se
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