Jornalismo em Mutação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU UFPI

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO

Samria Arajo de Andrade

JORNALISMO EM MUTAO:
estudo sobre a produo de contedo na fase do capitalismo avanado.

Teresina - PI
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU UFPI
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO

JORNALISMO EM MUTAO:
estudo sobre a produo de contedo na fase do capitalismo avanado.

Samria Arajo de Andrade

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao


em Comunicao da Universidade Federal do Piau
UFPI como requisito parcial para a obteno do grau de
Mestre em Comunicao.

Linha de pesquisa: Processos e Prticas em Jornalismo


Orientadora: Profa. Dra. Jacqueline Lima Dourado

Teresina PI
2013
SAMRIA ARAJO DE ANDRADE

JORNALISMO EM MUTAO: Estudo sobre a produo de contedo na fase do


capitalismo avanado.

Dissertao de Mestrado apresentada ao


Programa de Ps-Graduao em Comunicao
da Universidade Federal do Piau, em
cumprimento s exigncias para obteno do
ttulo de mestre em Comunicao.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Jacqueline Lima Dourado UFPI


Orientadora

Prof. Dr. Marcelo Kischinhevsky UERJ


Examinador

Prof. Dr. Paulo Fernando de Carvalho Lopes - UFPI


Examinador

Teresina PI, 26 de Agosto de 2013


DEDICATRIA

Para D, Mi e M.

A Andr.
Pelo amor, parceria e muitos dilogos fundamentais
na elaborao desse trabalho. Encontro de minha vida.

A Amina,
que est aprendendo a crescer.

A Amora,
que muitas vezes me arrancou da solido da escrita
e me ofereceu um motivo para sorrir.

Amo vocs.
AGRADECIMENTOS

A meus pais, Jesuna e Terto, que embora no tenham compreendido parte de minhas
ausncias, acreditavam que era algo importante. Obrigada pela confiana, sempre.

A Jacqueline Lima Dourado, mais que uma orientadora disponvel e crtica.


A que abre os livros e a casa. A amiga sem reservas.

Ao Paulo Fernando de Carvalho Lopes, pelas aulas, pela companhia, pela alegria. E
porque reencontrar voc e a Jacqueline j teria valido todo o mestrado

A Vila, que est h tempo l em casa que mais do que da famlia. E do bem.

A Universidade Estadual do Piau Uespi, aos amigos de trabalho, aos alunos -


apoios fundamentais nessa jornada.

A Lena e Neulza, que melhoraram tanto o meu projeto.

A todos os professores da UFPI com quem tive aulas e que me apresentaram ou


reapresentaram autores, livros e textos que me enriqueceram.
E a todos os funcionrios atenciosos que me ajudaram.

Aos amigos da Revestrs, porque eu precisava escrever outras coisas, acreditar no


jornalismo que podemos fazer, ser feliz e aprender com vocs.

Ao Solimar, que esteve na minha banca de qualificao e foi fundamental para o


caminho que esse trabalho tomou.

A cada um dos outros nove que entraram comigo no mestrado. Na chegada, alguns
desconhecidos. Na sada, amigos. Vamos registrar o Mestres de primeira:
colaborao, desabafos, sorrisos e companhia.
Obrigada a todos!
O desenvolvimento do pensamento e do conhecimento crtico
realmente uma alternativa vivel?
No sabemos se vivel, mas a reflexo crtica inevitvel.

VIZER, E. A.
RESUMO

Nas ltimas dcadas do sculo XX e primeiras do sculo XXI os meios de comunicao


adquirem papel central em processos econmicos, polticos, sociais e culturais. Isso
acontece num cenrio condicionado pela reestruturao capitalista global, notadamente
neoliberal, que d nfase a fenmenos como a concentrao e a mercantilizao, aliados
ao reposicionamento das indstrias culturais. Que comunicao e que tipo de jornalismo
resultam de todas essas mudanas? Esta pesquisa investiga a produo jornalstica
afetada por transformaes da reconfigurao capitalista global. Defende-se a hiptese
de que as mudanas do capitalismo avanado conduzem a mudanas na prtica
jornalstica, sugerindo a emergncia de um modelo prevalecente de jornalismo,
adaptado s condies histricas contemporneas: menos prximo do conceito de
informao relevante e de interesse pblico e mais prximo do entretenimento e da
prestao de servios. Toma-se como base de anlise o referencial terico e vertente
crtica da Economia Poltica da Comunicao (EPC). Para revelar a extenso da lgica
capitalista para a comunicao, apresenta-se a proposta de sistematizar as Mutaes no
jornalismo, processos praticados geralmente de modo acrtico, tomados como
naturalizados, mas que se constituem em mutaes em prticas clssicas do jornalismo
entendido como atividade de bem social e auxiliar da democracia.

Palavras-chave: Jornalismo. Capitalismo avanado. Economia poltica. Indstrias


culturais. Mutaes.
ABSTRACT

In the last decades of the twentieth century and the first in the twenty-first century
media acquire central role in the economical, political, social and cultural. This happens
in a scenario conditioned by global capitalist restructuring, notably neoliberal, which
emphasizes phenomena such as concentration and commercialization, coupled with the
repositioning of cultural industries. What type of communication and journalism result
of all these changes? This research investigates the journalistic production affected by
global capitalist transformations of reconfiguration. The hypothesis that changes of
advanced capitalism lead to changes in journalistic practice is defended, suggesting the
emergence of a prevailing model of journalism, adapted to contemporary historical
conditions: less close to the concept of relevant information and the public interest and
the nearest entertainment and services. Take the theoretical aspects Political Economy
of Communication (EPC) for instance. To reveal the extension of capitalist logic for
communication presents the proposal to systematize the "Mutations in journalism"
practiced processes usually uncritically taken as naturalized, but that constitute
mutations in classical practices of journalism understood as activity of social good and
helping democracy.

Keywords: Journalismo. Advanced capitalism. Political economy. Cultural industries.


Mutations.
SUMRIO

INTRODUO ...................................................................................... p.10

1. ECONOMIA POLTICA DA COMUNICAO: PARA


REFLETIR SOBRE A COMUNICAO CONTEMPORNEA p.19
1.1. Para uma definio................................................................... p.20
1.2. De Economia Poltica Economia........................................... p.24
1.3. As muitas escolas em Economia Poltica e em EPC................ p.28
1.4. Sobre a aproximao entre Economia Poltica e
Comunicao................................................................................... p.34
1.5. Repensar a Economia Poltica da Comunicao:
crtica at consigo mesma........................................................ p. 39

2. CAPITALISMO AVANADO E MUDANAS


NA COMUNICAO...................................................................... p.43
2.1.Reconfigurao capitalista: globalizao e poltica
neoliberal....................................................................................... p.44
2.1.1. A questo da concentrao...................................... p.53
2.1.2. A mercantilizao de processos e prticas.............. p.58
2.1.3. Reposicionamento das indstrias culturais........... p.64
2.2.O Jornalismo das indstrias culturais..................................... p.70
2.3.O modelo hegemnico........................................................... p.75

3. MUTAES NO JORNALISMO................................................... p.83


3.1. Relao com o pblico e com o mercado............................... p.87
3.2. Crescimento das editorias mais rentveis............................... p.90
3.3. Valorizao de informaes com contedo emocional.......... p.92
3.4. Autorreferncia como contedo.............................................. p.95
3.5. Precarizao do trabalho de jornalista, maior contratao de
estagirios e freelancers.......................................................... p.100
3.6. Perda da autonomia das redaes para os departamentos de
gesto...................................................................................... p.104
3.7. Hibridao entre contedo jornalstico e publicitrio............. p.107
3.8. Reconfigurao do papel poltico do jornalismo.................... p.113

4. CONSIDERAES FINAIS........................................................... p. 118

REFERNCIAS .............................................................................. p.125


10

INTRODUO

As ltimas dcadas foram de grandes transformaes para a indstria da mdia.


Impulsionados por avanos tecnolgicos e de informtica, os meios de comunicao
adquirem papel central em processos econmicos, polticos, sociais e culturais. Isso
acontece num cenrio condicionado pela reestruturao capitalista global, notadamente
neoliberal, que se apresenta de forma mais ntida desde as dcadas finais do sculo XX
e primeiras do sculo XXI, e que d nfase a fenmenos como a concentrao e a
mercantilizao em vrios processos, aliados ao reposicionamento das indstrias
culturais. Esse cenrio tem modificado processos e prticas nas mais diversas reas
profissionais. As formas, produtos de comunicao e o jornalismo tm se constitudo
em espaos privilegiados de mudanas, uma vez que a indstria da mdia alvo de
grandes investimentos e toma dimenso central no mundo do capitalismo globalizado.
A reconfigurao capitalista das ltimas dcadas apresenta como caractersticas
marcantes o fenmeno da globalizao e suas conseqncias: o aumento da
concorrncia, a expanso de mercados e a multiplicidade de ofertas - conceito
desenvolvido por Brittos (2009) para se referir proliferao de produtos em todas as
reas, inclusive na comunicao, a partir de meados da dcada de 1990. Ainda so
constituintes do fenmeno da globalizao o avano de inovaes tecnolgicas e o
redimensionamento da comunicao, que impulsiona e impulsionada pelo capitalismo
global.
Essas transformaes acontecem num contexto notadamente neoliberal:
desregulamentado, oligopolizado e com transferncia de autoridade econmica e
poltica para sistemas comerciais, com o Estado se afastando de uma funo reguladora
e/ou fiscalizadora e deixando grandes responsabilidades nas mos da iniciativa privada.
A estrutura social emergente nas primeiras dcadas do sculo XXI tem se verificado, de
uma maneira geral, como global, capitalista e informacional.
A percepo desse cenrio impede uma apreenso simplista da questo sobre como
est ocorrendo a produo de contedo nos meios de comunicao. Esta pesquisa reflete
sobre a comunicao e o tipo de jornalismo resultante das transformaes da
reconfigurao do capitalismo avanado, iniciada nos anos de 1970 e intensificada nas
ltimas dcadas. Estuda-se aqui como as mudanas da reestruturao capitalista esto
afetando a produo jornalstica contempornea, sugerindo a emergncia de um modelo
11

prevalecente de jornalismo, adaptado s condies histricas advindas dessa


reconfigurao e provocando mutaes em processos e prticas tradicionais do
jornalismo entendido como atividade social.
As mudanas no capitalismo avanado trazem, especialmente a partir das ltimas
dcadas do sculo XX, vultosos investimentos para a rea da comunicao, tanto por
parte do Estado como da iniciativa privada. Assiste-se a instalao de um panorama em
que os meios de comunicao ganham um redimensionamento, atuando de modo
dinmico e oferecendo uma variedade de contedos que, muitas vezes, atendem a
interesses do Estado, do mercado em geral ou dos grupos que controlam os veculos de
comunicao. So deste perodo o crescimento da televiso e o avano da indstria da
propaganda em todo o mundo, inclusive no Brasil, com a expanso de grandes agncias
de propaganda, negcio que se torna altamente lucrativo.
A expanso dos meios de comunicao e o avano da propaganda so dois
fenmenos que se articulam, contribuindo com o rendimento dos veculos de
comunicao e das agncias, com a lucratividade das empresas anunciantes, com a
divulgao destas e do Estado. No Brasil da dcada de 1970 o Governo Federal tanto
investe na infraestrutura que permite o crescimento da televiso por todo o pas como
aparece como o maior anunciante nos espaos publicitrios. Contemporaneamente os
governos federal, estaduais e municipais tambm figuram entre os maiores anunciantes
nos espaos de propaganda dos veculos de comunicao, acompanhados por produtos
de indstrias globais como empresas de telefonia estas tambm com interesses na
distribuio de contedos.
O fenmeno do fortalecimento e centralidade da indstria da mdia e dos meios de
comunicao, bem como a sua organizao em modelo de concentrao, explica-se no
contexto de reconfigurao capitalista. As empresas de comunicao j no
desempenham apenas o papel de valorizao da prpria companhia, mas do mercado em
geral uma vez que a indstria da mdia est inseparavelmente relacionada ao
funcionamento dos mercados. Os meios de comunicao e, consequentemente, o
jornalismo praticado nestes veculos, so atravessados pela operao em modelo de
empresa privada - ainda que se trate de uma concesso pblica, no caso das empresas de
radiodifuso. Esta formatao estimulada por uma regulamentao frouxa e ausncia
de fiscalizao.
Outros processos igualmente significantes que se interrelacionam e ajudam a
transformar os meios de comunicao so: a) a busca de novos lugares de investimento
12

por parte do capital individual empreendedores de reas diversas passam a enxergar


nos meios de comunicao a possibilidade de investimento para o capital, possuindo
empresas de comunicao ou se aproximando destas de formas diversas; b) o avano
tecnolgico, que facilita formas variadas de produo e distribuio de contedo,
mesmo por companhias de menor poder aquisitivo em comparao com companhias
nacionais ou transnacionais; e c) o crescimento das reas de informtica e de
telecomunicaes, que ajudam a compreender o reposicionamento das indstrias
culturais.
Todos esses movimentos contribuem com a centralidade que a comunicao
assume e trazem para as companhias de comunicao a expectativa de rentabilidade.
Embora com especificidades, o modelo prevalecente de jornalismo que emerge na
grande imprensa pode ser verificado, de modo geral, na comunicao de diferentes
locais do mundo, alterando prticas tanto em espaos centrais como em regies mais
perifricas, que muitas vezes adotam as prticas centrais como modelo, grande parte das
vezes copiando ou adaptando formatos de produtos de comunicao, bem como prticas
administrativas.
Com base nessas reflexes iniciais, constri-se uma problemtica de pesquisa
que apresenta as seguintes questes:
a) A reconfigurao do capitalismo de modo global provoca mudanas nas
prticas jornalsticas?
b) Que modelo de jornalismo estaria sendo produzido nas companhias de
comunicao que operam em formato de indstrias culturais no capitalismo
contemporneo avanado?
c) possvel caracterizar um modelo de produo de contedo prevalecente no
Jornalismo informativo da grande imprensa contemporaneamente?

Procura-se equacionar esses questionamentos por meio das hipteses de trabalho


abaixo relacionadas:
a) As mudanas no capitalismo avanado conduzem a mudanas nas
prticas jornalsticas que sugerem a emergncia de um modelo prevalecente de
jornalismo atual, produzido nas indstrias culturais, adaptado s condies histricas
contemporneas. Enquanto o capitalismo se reconfigura, o jornalismo estaria se
reconfigurando no espao frouxamente regulado pelo Estado e assumido pela produo
13

das indstrias culturais, que se interessam pela produo e distribuio de contedos


economicamente rentveis.
b) O modelo de jornalismo emergente das companhias de comunicao no
capitalismo contemporneo avanado modifica processos e prticas tradicionais do
jornalismo entendido primordialmente como atividade de bem social,
c) Pode-se caracterizar o modelo prevalecente de produo de contedo no
jornalismo da imprensa das indstrias culturais contemporneas sugerindo-se a
sistematizao de uma lista apresentada como mutaes no jornalismo, tomando-se
como base o conceito de jornalismo como atividade de bem social.
Para promover as anlises apresentadas nesta pesquisa parte-se da abordagem da
Economia Poltica da Comunicao (EPC) em sua vertente crtica, que ganha relevncia
a partir do fortalecimento do setor comunicacional como espao de inverso econmica.
A opo se deve ao potencial explicativo da EPC sobre os fenmenos que se apresentam
na comunicao desde o final do sculo XX e incio de sculo XXI, e que prope
refletir sobre os fluxos de recursos inclusive de produtos de comunicao em um
mundo cada vez mais midiatizado e de capitalismo global. A vertente crtica da EPC
preocupa-se com os reflexos que o avano do capitalismo traz para a comunicao.
Defendendo o ideal de uma comunicao mais democrtica e inclusiva, questiona os
desequilbrios em comunicao e o crescente peso que a mercantilizao de processos e
prticas vem apresentando. perspectiva crtica geral da Economia Poltica da
Comunicao, acrescenta-se, nesse estudo, outras contribuies como a discusso sobre
o estabelecimento de uma hegemonia.
Todas as questes apresentadas se tornaram inquietaes de interesse pessoal de
estudo, estimuladas pela experincia que temos em jornalismo e em publicidade1. As
duas reas - jornalismo e publicidade- que j se apresentaram de modo confuso e

1
Neste trabalho usa-se os termos publicidade e propaganda como equivalentes, como tem sido a
tendncia mais recente de muitos autores e como ocorre no dia a dia dos meios de comunicao e das
agncias de propaganda. Para Predebon (2004, p. 18) essas palavras hoje so quase sinnimas, mas na
gerao passada muitos profissionais defendiam que se tratava de assuntos diferentes. Alguns
conceitos definiam propaganda como a atividade presa a elaborao de anncios, enquanto publicidade
seria um termo mais amplo que definiria tudo o que se difunde pelos veculos de comunicao, at em
forma de notcias. A raiz da diferena vem da origem distinta dos termos. Enquanto propaganda
deriva do latim propagare e se refere a propagao de ideias com a inteno de influenciar a opinio,
publicidade vem do ingls publicity e diz respeito a qualquer informao tornada pblica. Nos
cursos de Comunicao Social no Brasil, o Ministrio da Educao adota a nomenclatura habilitao
em Publicidade e Propaganda, o que denota que o ME trata os termos como complementares, mas no
sinnimos. Em defesa de que os termos podem ser vistos como equivalentes, Predebon (2004)
argumenta que se pode dizer, sem restrio alguma, agncia de publicidade ou agncia de
propaganda, o que mostra que h equivalncia.
14

entranhado, mas que ganharam espaos mais distintos nos meios de comunicao com a
chamada profissionalizao e modernizao da imprensa que ocorre a partir de meados
do sculo XX, hoje, muitas vezes, se apresentam de maneira hbrida, misturando
contedo editorial que so as matrias jornalsticas -, e contedo publicitrio o
espao pago dos anunciantes - e mesclando tipos de contedos que teoricamente
deveriam estar separados.
A mistura entre jornalismo e publicidade, que tende a confundir a recepo,
muitas vezes ocorre inclusive de modo proposital, beneficiando o acesso a contedos
que a princpio no seriam os temas de interesse da recepo. Quando essa prtica
adotada, a tendncia que as necessidades do mercado e/ou dos proprietrios dos
veculos de comunicao influenciem ou at mesmo determinem a produo de
contedos. Curioso perceber que essa forma de produo de contedo, que se
assemelha ao jornalismo, mas que no estabelece fronteiras rgidas entre jornalismo e
propaganda, no encontra abrigo na teoria do jornalismo, nem nos estudos da
publicidade e nem no cdigo de tica das duas atividades, e constitui uma mutao no
jornalismo, como se ver adiante.
A produo jornalstica noticiosa da grande imprensa contempornea,
influenciada pela reconfigurao do capitalismo avanado, se articula com o modelo
comercial de empresas de comunicao tradicionalmente estabelecido no Brasil -
dependente do Estado e das verbas dos anunciantes. Nas ltimas dcadas, ao mesmo
tempo em que conglomerados transnacionais multimdia ganham fora, tambm
aparecem e se solidificam estruturas regionais e locais de comunicao. Ainda que entre
estas se registre algumas experincias alternativas, comunitrias e no hegemnicas,
grande parte das estruturas regionais e locais costumam estar relacionadas a companhias
maiores ou seguir os padres estabelecidos por estas. Quando isso acontece, a
tendncia que igualmente dependam de verbas do Estado e de anunciantes, operem
recorrendo a processos de centralizao e mercantilizao, e sigam a formatao de
indstrias culturais, preocupando-se com os contedos rentveis. O fato de estar
inserida num mercado local pode, inclusive, acirrar algumas questes em funo da
menor disponibilidade de recursos e da proximidade com o Estado.
Ao longo do conjunto dessa pesquisa tm-se dois objetivos em especial: a)
refletir sobre as mudanas que a reestruturao capitalista global provoca nos processos
e prticas tradicionais do jornalismo, e b) sistematizar essas mudanas atravs da
15

categorizao que aqui denominamos mutaes no jornalismo, que servem ao


propsito de dar visibilidade extenso da lgica capitalista para a imprensa.
Para empreender esse estudo utiliza-se como metodologia recorrer a uma
extensa pesquisa bibliogrfica, fundamental para esclarecer conceitos e fornecer a base
terico-metodolgica sobre as quais devem repousar os estudos. Essa pesquisa
bibliogrfica se debrua sobre temas fundamentais para esse estudo, investigando
questes como reconfigurao capitalista, processos de globalizao, formatao
neoliberal, e fenmenos resultantes dessa condio como concentrao, mercantilizao
e reposicionamento das indstrias culturais.
Todos esses conceitos so avaliados e confrontados com a base terica da
Economia Poltica da Comunicao (EPC), como antes enunciado. A EPC,
especialmente em sua vertente crtica, possui ferramentas que permitem estudar a
produo, distribuio e consumo de contedos nos meios de comunicao
considerando as necessidades impostas s empresas de comunicao pela ordem
capitalista atual.
Com base na pesquisa bibliogrfica e com apoio na EPC, apresenta-se
finalmente a proposta de sistematizar um elenco de mudanas que podem ser
identificadas nas prticas jornalsticas das indstrias culturais, influenciadas pela
reconfigurao capitalista global, quando os produtos de comunicao adquirem
caractersticas ps-fordistas, flexveis, resultando em formatos facilmente mutveis para
se adequar a interesses diversos. Embora se argumente que o jornalismo permite que se
fuja de formatos excessivamente rgidos para abarcar coberturas especiais, aqui essa
flexibilizao levada ao seu ponto mximo. O elenco de mudanas sistematizado
apresentado nessa pesquisa com o conceito de mutaes no jornalismo por se
constituir em transformaes significativas quando se toma o conceito de jornalismo
como atividade de bem social e auxiliar da democracia.
Julga-se importante ainda assinalar dois pontos. Primeiro, a Economia Poltica
da Comunicao no e nem pretende ser a nica forma de anlise do contexto que aqui
se estuda. Ela uma das bases tericas, entre outras, para avaliar as mudanas
contemporneas. Considera-se que seja adequada nesse estudo pelas reflexes que
prope sobre capitalismo, concentrao, mercantilizao, formatao de indstrias
culturais e centralidade dos meios de comunicao pontos indispensveis para se
compreender o mundo capitalista contemporneo e a comunicao que advm deste de
modo hegemnico.
16

O segundo ponto importante a ser assinalado o reconhecimento de que no


existe um s tipo de jornalismo. Neveu (2006) usa o termo jornalismos (no plural),
entendendo que no existe um jornalismo em geral, mas diversos jornalismos ou
concepes de jornalismos, e sempre se faz uma escolha entre eles. E como se faz essa
escolha? A questo complexa: pode ser uma escolha poltica, econmica, que cumpra
determinados interesses, que busque determinados objetivos, que diga respeito aos
controladores do meio de comunicao em questo ou ao pblico ao qual ele se destina.
Essa escolha vai estar invariavelmente atrelada ao interesse de quem controla o meio de
comunicao, mas tambm tem explicaes histricas, portanto influenciada por foras
polticas, econmicas, sociais e culturais de cada momento.
Impe-se a necessidade que se diga de que jornalismo se est tratando nesse
estudo. D-se nfase ao jornalismo informativo ou noticioso, produzido no mbito de
empresas privadas que tradicionalmente fornecem o modelo e as caractersticas da
atividade jornalstica. Trata-se de um formato que se apresenta com o avano das
indstrias culturais, posterior ao perodo da chamada modernizao e profissionalizao
da imprensa, ancorado no conceito de notcia. Com o avano das indstrias culturais os
meios de comunicao adquirem papel mais central em vrios processos sociais e
passam a se preocupar com a produo de contedos rentveis. Identificamos nesse
trabalho essa fase do jornalismo como jornalismo das indstrias culturais. Ele
praticado de forma prevalecente na chamada grande imprensa, mas tambm pode se
verificar em veculos de menor porte para quem o modelo serve de padro ou
inspirao, tanto para tipos de produtos de comunicao como para prticas
administrativas.
O jornalismo das indstrias culturais emerge junto com a reconfigurao
capitalista avanada nas ltimas dcadas do sculo XX e tem seu modelo consolidado e
mais facilmente perceptvel a partir desse perodo at as primeiras dcadas do sculo
XXI. Ainda que esse jornalismo que se pratique de modo prevalecente nas indstrias
culturais contemporneas seja um modelo histrico, logo ligado aos processos que lhe
so contemporneos e, portanto, transitrio, seus formatos e prticas raramente so
vistos de modo crtico, sendo muitas vezes tomados como perptuos e naturalizados.
Para apreender o estudo aqui desenvolvido, alm desta Introduo, Concluso e
Referncias bibliogrficas, a presente dissertao est assim estruturada:
- Captulo 1: Economia Poltica da Comunicao: para refletir sobre a
comunicao contempornea.
17

Apresenta a matriz terica escolhida, define Economia Poltica e expe a


transio da idia de Economia Poltica para o fortalecimento da disciplina Economia,
quase sufocando a primeira. Por fim, destaca a Economia Poltica da Comunicao, suas
diferentes escolas algumas mais administrativas e consideradas direita do
pensamento, outras mais crticas e consideradas esquerda; a distino geogrfica entre
os estudos e a pertinncia da EPC como alternativa terica para as anlises propostas.
Finaliza-se o captulo apontando a caracterstica de permanente crtica, inclusive auto-
crtica da EPC. Considera-se importante dedicar um captulo a essa questo por ser a
Economia Poltica da Comunicao um campo de estudo ainda novo e pouco explorado
no terreno das teorias da comunicao, sendo fundamental conhecer a sua proposio e
pertinncia como base terica para avaliar a produo de contedo dos meios de
comunicao contemporaneamente.
- Captulo 2: Capitalismo avanado e mudanas na comunicao.
Avalia o contexto contemporneo do capitalismo avanado, com destaque para a
globalizao e adoo da poltica neoliberal, importantes para a compreenso da
emergncia do modelo prevalecente de jornalismo, subjacente s condies apontadas.
Relaciona capitalismo avanado e conseqentes mudanas provocadas, que se refletem
em vrias reas e se estendem comunicao, como: a) a questo da concentrao; b) a
crescente mercantilizao de processos e prticas; e c) o reposicionamento das
indstrias culturais, baseadas nos meios de comunicao e mudanas tecnolgicas. O
captulo ainda aponta para a fase do jornalismo que emerge nesse contexto: o jornalismo
das indstrias culturais; e finaliza com uma discusso sobre o conceito de hegemonia,
importante para tentar compreender como o jornalismo das indstrias culturais consegue
se estabelecer como modelo prevalecente.
- Captulo 3: Mutaes no jornalismo
Com base nas reflexes anteriores e apoiado na base terica da EPC em sua
vertente crtica, esse captulo traz a proposta de sistematizar uma lista de elementos que
se apresentam na formatao jornalstica contempornea, definidos aqui como
mutaes no jornalismo, considerando o conceito clssico de jornalismo como uma
atividade social e auxiliar da democracia. Essas mutaes se apresentam de maneira
mais ntida com a emergncia da produo jornalstica que ganha destaque com o
reposicionamento das indstrias culturais. Identificar as mutaes na produo
jornalstica serve ao propsito de revelar a extenso da lgica capitalista para a
comunicao.
18

Acredita-se que esse estudo possa contribuir com a compreenso sobre as


influncias do capitalismo avanado e da formatao de jornalismo em indstrias
culturais, avaliados aqui como produto histrico da formatao capitalista
contempornea, e que, portanto, tendem a ser transitrios, e no como um dado natural.
Pretende-se que a proposta de identificar as mutaes em processos e prticas
tradicionais do jornalismo contribua para dar visibilidade questo, dando subsdios
para outros estudos tericos.
19

1. ECONOMIA POLTICA DA COMUNICAO: PARA REFLETIR SOBRE A


COMUNICAO CONTEMPORNEA.

A economia poltica.
Ambas caminham juntas nas anlises e compreenso
dos processos histricos e sociais.
Por isso a economia economia poltica.
ALFREDO ZAIAT.

Este captulo apresenta a matriz terica da Economia Poltica da Comunicao,


um campo de estudos ainda no suficientemente explorado no terreno das teorias da
comunicao, que se toma como opo de base terica pela pertinncia para refletir
sobre a produo de contedos nos meios de comunicao contemporaneamente.
Segue-se um trajeto onde se define Economia Poltica e se expe a transio da
idia de Economia Poltica para o fortalecimento da disciplina Economia, sustentando-
se a consolidao desta ltima e quase sufocando a apreenso da expresso economia
poltica, especialmente nas ltimas dcadas, quando h a tendncia geral de
concentrao nos aspectos econmicos, muitas vezes negligenciando ou mascarando o
vis poltico.
O captulo ainda fala das diferentes escolas de Economia Poltica e de Economia
Poltica da Comunicao, da distino geogrfica entre os estudos e a diversidade de
temas que tem sido postos em discusso pela EPC. A vertente crtica, adotada neste
trabalho, tem a inteno de compreender as indstrias culturais em sua relao com o
marketing e com processos econmicos e sociais mais amplos.
Por fim, destaca-se a aproximao da Economia Poltica com a Comunicao, o
que se justifica com o crescimento das indstrias da mdia no sculo XX. Finaliza-se o
captulo apontando a caracterstica de permanente crtica, inclusive auto-crtica, da EPC.
20

1.1. Para uma definio

O termo economia poltica surge no sculo XVII, sendo utilizado para definir
o estudo das relaes de produo, acumulao, circulao e distribuio de riquezas,
especialmente entre as classes da crescente sociedade burguesa: capitalistas, proletrios
e latifundirios. Pelos registros, o francs Antoine Montchrtien, autor de Tratado da
Economia Poltica (1615) foi o primeiro a usar a expresso, fazendo observaes e
recomendaes que tinham como objetivo o enriquecimento do reino (SCHUMPETER,
1964).
Economia Poltica torna-se o nome da nova cincia que surge no sculo
XVIII, no processo da Revoluo Industrial e consolidao do modo de produo
capitalista na Europa. Serve, em parte, para explicar, justificar e fomentar o capitalismo
nascente e os benefcios de se separar poltica (vinculada a um Estado conservador) e
economia (baseada na crescente classe industrial). A nova cincia considerava como
ineficiente e improdutivo um mercado que necessitava de uma ajuda forte do Estado.
Por isso foi um poderoso brao do liberalismo e, de incio, progressista, defendendo a
libertao das pesadas leis do Estado e acreditando que o mercado se autoregularia de
forma mais justa.
No entanto, quando a burguesia industrial consolida sua hegemonia, a nova
cincia revela-se um instrumento de justificao de um sistema de poder que tambm
desigual e baseado na explorao do homem. Por isso Marx (1977) promoveu uma
crtica da Economia Poltica, afirmando ser fundamental conhecer os mecanismos de
funcionamento da nova lgica social, centrada agora na hegemonia do econmico sobre
o poltico. A crtica de Marx (1977) altera o campo acadmico da Economia Poltica.
Mais tarde, grupos de estudo em diferentes pases agregam parte significativa do
pensamento crtico na matria.
Para Marx a questo mais importante sobre a qual a Economia Poltica deveria
se debruar era sobre como o capital se origina. Na verdade, trata-se da questo de
como o dinheiro (ou mercadoria, pois dinheiro apenas a forma transformada da
mercadoria), uma quantia de valor em geral, se transforma em capital ou ento: como se
origina o capital? (MARX, 2010, p.40).
Mosco (2009, p.48) define Economia Poltica como o estudo das
21

relaes sociais, em especial das relaes de poder, que constituem a produo,


distribuio e consumo de recursos, incluindo os recursos de comunicao. O autor
afirma que essa formulao importante por chamar a ateno para as foras e
processos fundamentais em funcionamento no mercado. Mas reconhece que as vezes
difcil diferenciar produtores, distribuidores e consumidores. Por isso aponta que uma
definio mais abrangente e ambiciosa seria pensar Economia Poltica como o estudo
do controle e da sobrevivncia na vida social (2009, p. 49). Controle refere-se
organizao interna - so processos polticos - e sobrevivncia diz respeito reproduo
e continuidade social so processos econmicos. Para Mosco (2009) o valor dessa
definio est em sua amplitude, permitindo que a Economa Poltica incorpore quase
tudo o que relativo a atividade humana.
De fato, a expresso economia poltica, que pode parecer restritiva primeira
vista, engloba vrias dimenses da realidade social. De Paula (In: MARX, 2010, p. 7)
define a Economia Poltica como interdisciplinar e afirma que ao se falar de Economia
Poltica convoca-se um conjunto de outros conjuntos e mobilizam-se as determinaes
histrico-materiais da realidade social.
Tradicionalmente a Economia Poltica tem dado prioridade a entender as
mudanas sociais e transformaes histricas. Mosco (2009, p.51) explica melhor o que
isso significou ao longo do tempo:
Para os tericos clssicos como Adam Smith, David Ricardo e
John Stuarte Mill, significava compreender a revoluo do
grande capitalismo e a convulso que transformou as sociedades
baseadas primariamente no trabalho agrcola em sociedades
comerciais, manufatureiras e finalmente industriais. Para os
economistas polticos crticos como Marx significava examinar
as foras dinmicas do capitalismo responsveis por seu
crescimento.

Atualmente o termo economia poltica usado para referir-se a estudos


interdisciplinares que se apoiam em vrias cincias: economia, sociologia, direito,
cincias polticas, na busca de entender como as instituies e os contornos polticos
influenciam os mercados ou so influenciados por estes. Uma preocupao permanece
central: a busca de tentar compreender as relaes de poder ativadas nos processos de
produo, circulao e consumo de bens. Essas relaes de poder tm diversas origens e
podem ter interesses diferentes. Tentar compreend-las ajuda a entender como se d a
produo, a circulao e o consumo de bens.
22

Para Golding e Murdock (2000) uma forma de descrever Economia Poltica est
em avaliar quatro pontos que consideram como ideias centrais para os estudos: 1) a
transformao social, 2) a compreenso dos fenmenos dentro de sua totalidade social e
no de modo isolado, 3) a filosofia moral e 4) a prxis.
Em relao ao primeiro ponto, a transformao social, a Economia Poltica a
descreve como histrica. Clement e Williams (1987, p. 7) afirmam que a Economia
Poltica um campo de estudo que reconhece que a mudana social se situa na
interao histrica dos momentos econmicos, polticos, culturais e ideolgicos da vida
social, junto dinmica baseada nos conflitos socioeconmicos. Essa ideia defende
que cada mudana social deve ser compreendida dentro de sua etapa histrica de
desenvolvimento e que a economia mundial se desenvolve de maneira no-linear.
Sobre isso, Wallerstein (1991, p.14) argumenta que o modelo capitalista deve ser
compreendido de modo histrico, portanto transitrio:
A economia mundial capitalista constitui um sistema histrico,
que por esta razo tem uma vida histrica; tem um nascimento,
tem um conjunto de ritmos cclicos e tendncias seculares que a
caracterizam; tem contradies internas que conduziro, talvez,
a seu eventual falecimento.

O segundo ponto, a totalidade social, afirma que os fenmenos no podem ser


avaliados de modo isolado, mas devem ser estudados dentro de sua totalidade social,
junto a outras foras, em sua realidade concreta, inclusive com os fatores integradores e
com as contradies que constituem a vida social.
A filosofia moral se refere aos valores e as concepes das prticas sociais de
uma determinada poca, em um certo ambiente. A filosofia se distingue do senso
comum, pois enquanto na filosofia se destacam as caractersticas de elaborao
individual do pensamento; no senso comum destacam-se as caractersticas difusas e
dispersas de um pensamento genrico em um ambiente popular. De modo geral a
filosofia moral trata dos valores e das prticas consideradas as mais justas em uma
determinada sociedade, numa determinada poca (MOSCO, 2009). Ela defende o
compartilhamento de formas de viver que considera moralmente mais adequadas para
todos ou para a imensa maioria das pessoas. A filosofia de uma poca no a filosofia
de um ou outro filsofo ou grupo de intelecutuais ou de uma parcela grande da
populao, mas uma combinao desses elementos, buscando mudar, corrigir,
aperfeioar as concepes do mundo, culminando em uma direo que se torna norma
de ao coletiva.
23

A ltima caracterstica a prxis. A palavra tem origem no grego antigo onde


normalmente era usada para definir as atividades polticas e econmicas dos homens
livres. De maneira geral se refere a atividade humana, especialmente a atividade livre e
criativa, por meio da qual as pessoas produzem e modificam o mundo e a elas prprias.
A Escola de Frankfurt se referia a prxis como ao. O trabalho um tipo de prxis.
A prxis deve ser apoiada pela filosofia moral, uma vez que a prtica, ou seja, as
aes, devem estar sustentadas por uma teoria, um pensamento. Reunindo filosofia e
prxis Gramsci (In: COUTINHO, 2011) defende uma filosofia da prxis, o que ele
define como uma atitude crtica permanente em relao ao senso comum. Ou como a
ao de tornar crtica uma atividade j existente. Na prxis, teoria e prtica devem se
unificar, no como um fato mecnico, mas como um devir histrico, um exerccio que
passa pelos campos da tica e da poltica e finalmente atinge uma elaborao superior
da concepo do real, que supera o senso comum e torna-se crtica. A identificao da
teoria e prtica um ato crtico, pelo qual se demonstra que a prtica racional e
necessria ou que a teoria realista e racional (GRAMSCI, In: COUTINHO, 2011, p.
163).
A ideia de unidade entre teoria e prtica revela uma concepo historicista da
realidade. Ela no pretende resolver pacificamente as contradies existentes na
histria e na sociedade, mas reconhece os contextos como conflituosos, temporrios e
dialticos. A unio entre filosofia e prxis, ou entre teoria e prtica, o coroamento de
uma reforma intelectual e moral que Gramsci (In: COUTINHO, 2011, p. 182) define
como um humanismo absoluto da histria.
As quatro ideias centrais de Economia Poltica apontadas por Golding e
Murdock (2000) permitem supor que essa linha terica tenha potencial para abordar
questes centrais contemporneas, quando se vive um tempo de grandes transformaes
econmicas, polticas, sociais e culturais que se articulam e exigem a busca de entend-
las como histricas, tentar interpret-las dentro de sua totalidade social e confrontar
criticamente teoria e prtica. A opo por basear as reflexes aqui apresentadas na
perspectiva terica da Economia Poltica decorre justamente pelo seu potencial
explicativo para os fenmenos que se apresentam nas comunicaes de forma mais clara
nestas primeiras dcadas do sculo XXI. Por ser no reducionista, mas inclusivista, a
Economia Poltica permite recorrer a vrias explicaes para que se estude os efeitos
complexos do capitalismo global sobre a comunicao e os produtos de comunicao.
24

1.2. De Economia Poltica Economia.

No incio do sculo XIX, os estudos com o nome Economia Poltica estavam


consolidados e a expresso aparece no ttulo de livros de inmeros autores (David
Ricardo, Thomas Robert Malthus, John Stuart Mill). Marx deu a O Capital (1867) o
subttulo de Crtica da Economia Poltica, alertando que o econmico estava se
sobrepondo ao poltico nos processos histricos e sociais.
No entanto, o termo Economia Poltica seria negligenciado no incio do sculo
XX. Marshall, ainda no final do sculo XIX, foi quem primeiro abandonou a expresso
Economia Poltica ao denominar seu livro simplesmente de Princpios da Economia
(1890). A partir do final daquele sculo a expresso foi sendo progressivamente
abandonada, adotando-se apenas o termo Economia, que passou a contar com a
preferncia dos economistas para designar a sua cincia. Os defensores da Economia
manifestavam a vontade de usar mtodos mais empricos e consideravam a Economia
Poltica por demais terica e com mtodos de anlises muito abstratos para os novos
tempos, mais pragmticos, que se apresentavam.
O momento histrico atraia um nmero crescente de pensadores para os assuntos
da Economia e a cincia econmica ganha o status de uma rea autnoma de
conhecimento. Teixeira (2000, p.94) argumenta: Com essa troca de nomes o sentido
original do termo comeou a se perder e foi sendo progressivamente esquecido. No se
tratava apenas do surgimento de um novo nome, mas da ruptura nas anlises - entre o
econmico e o poltico.
Muitos cursos acadmicos que se chamavam Economia Poltica passaram a
adotar apenas o nome Economia. Na Amrica Latina, a eliminaao da palavra
poltica do ttulo da graduao ocorre com os processos de militarizao e ditadura
que se abateram sobre esses pases a partir dos anos de 1960 (ZAIAT, 2012).
Economia Poltica passa a ser uma disciplina dentro do curso que se chama
Economia, como at hoje permanece em vrios pases, inclusive no Brasil, formando-
se economistas e no economistas polticos.
Eliminou-se no apenas a palavra, mas o vis poltico da disciplina, com a
defesa de torn-la mais prtica e, paradoxalmente, limitando-a na sua possibilidade de
intervir e transformar a realidade de modo global. Tinha incio o fortalecimento da
corrente chamada ortodoxa do pensamento econmico. Era o comeo da onda neoliberal
em nvel mundial e da formao de economistas definidos como neoclssicos, corrente
25

conservadora que aposta em modelos explicativos tcnico-matemticos, negligenciando


pontos que terminaram por ficar mais valiosos para a vertente crtica da Economia
Poltica (refere-se aqui aos j citados mudana social e histrica, totalidade social,
filosofia moral e prxis).
Os governos militares e ditatoriais que se espalham pela Amrcica Latina a
partir dos anos de 1960 revelam-se empenhados em eliminar o poltico e valorizar o
econmico. Isso interessava s polticas econmicas que muitos desses pases
empreenderam no perodo que marca uma grande crise mundial no modelo capitalista,
com o flagrante fracasso do formato desenvolvimentista e a necessidade do capital se
reconfigurar. Contava para isso com o Estado como seu aliado. Zaiat (2012, p.9)
afirma: O divrcio da economia e da poltica, com a falsa pretenso de neutralidade,
o discurso e a ao dos economistas e da poltica econmica dos governos. Sobre a
pretenso de neutralidade, Mosco (2009, p. 57) argumenta que o objetivo de eliminar o
poltico da economia demonstra seu prprio vis ideolgico bastante pesado.
Quando promoveu a crtica da Economia Poltica, ainda no sculo XIX, Marx
influenciou o florescimento do vis crtico que passa por fases de maior ou menor
aceitao ao longo dos tempos. Muitos autores consideram que desde a segunda metade
do sculo XX o vis crtico tem sido negligenciado e a interpretao conservadora dos
acontecimentos econmicos tem sido dominante. Zaiat (2012, p.11) afirma que a
ortodoxia coincide com a ordem natural em um mercado livre e que um mercado livre
uma situao ideal. Mas o autor alerta que uma situao ideal um universo
econmico inexistente.
Ao focar excessivamente no econmico, a Economia ortodoxa segue um
raciocnio exageradamente matemtico, desprezando os problemas sociais de cada
momento histrico. Baran e Sweezy (1965, p.29) definem a Economia que emerge na
segunda metade do sculo XX como antihistrica at a mdula.
As interpretaes dos economistas conservadores constituem uma viso
predominante nos noticirios dos meios de comunicao. A linha de notcias
comumente veiculada adota um vis mais tcnico-matemtico e pouco social das
questes econmicas. comum o uso de metforas para explicar situaes que, de outro
modo, so tratadas como assunto de especialista e de difcil compreenso para a
maioria. Zaiat (2012) afirma que expresses como fantasma da inflaco so usadas
como estratgia para atemorizar a sociedade.
26

Enquanto a Economia Poltica quase sufocada, a poltica econmica dos pases


desenvolvidos ou em desenvolvimento ganha importncia. A especificidade do
conhecimento dos economistas faz com que o cargo de Ministro da Fazenda, quase
invariavelmente ocupado por um economista ortodoxo, tenha, muitas vezes, fora
superior ao do presidente em alguns pases.
Dentro das anlises tcnico-matemticas adotadas em muitos noticirios, um
recurso bastante utilizado so os grficos com estatsticas, quadros que so uma
ferramenta que teoricamente tm a misso de ajudar a explicar os acontecimentos, mas
que muitas vezes no cumprem essa misso: ou por se constituirem em assunto de
especialistas de fato, ou por tenderem a simplificar os fatos, excluindo sua carga social.
Zaiat (2012, p.160) prope a seguinte reflexo sobre os quadros estatsticos:
As estatsticas so necessrias para nos aproximarmos da
compreenso de processos scioeconmicos e so, antes de
tudo, uma ferramenta tcnica que permite obter informaes
para realizar uma melhor administrao. ndices sobre a
evoluo de variveis importantes orientam sobre tendncias,
porm no representam a ideia gasosa, vaga, instvel, conhecida
como a realidade. Esta tem suficientes matizes que invocam a
prudncia para evitar sentenas categricas a partir de uma cifra
obtida de uma forma realizada com uma determinada
metodologia estatstica.

Zaiat (2012) argumenta que as correntes conservadoras tm estabelecido a


hegemonia no debate econmico por vrias dcadas, contando para isso com apoio no
mundo acadmico, financeiro e poltico, que tendem a marginalizar as correntes mais
crticas. O autor afirma que nos ltimos quarenta anos os economistas se apoderaram da
profisso e desde ento tm divulgado sua prpria verso, onde o livre mercado e a
desregulamento so as nicas formas viveis de organizar a sociedade e a livre
competncia faz as vezes de pedra filosofal (2012, p.31). Para Zaiat esses profissionais
so falsos gurs respaldados e financiados por setores dominantes para fundamentar o
desmonte do estado de bem-estar social e terminar por impor a concepo de auteridade
nas finanas. Com essa viso, os economistas neoclssicos aderem ao neoliberalismo
sem grandes traumas, enquanto os economistas polticos crticos continuam a apontar
suas falhas.
De modo geral a Economia, ou economia ortodoxa, clssica, neoclssica, ou
ainda economia conservadora ou convencional, se encarregou de ser mais positivista e
pragmtica, enquanto a Economia Poltica ps anos 1960 tomava o terreno da crtica.
Para Bach (In: LINDBECK, 1979) os intrumentos analticos da economia convencional
27

garantem um maneira til para se pensar sobre os problemas sociais modernos, mas
esses problemas vo muito alm do que a maior parte dos economistas pensam em
analisar.
Hymer e Roosevelt argumentam: Se o mercado fornece ao economista o
modelo para justificar o capitalismo em termos de liberdade, igualdade, posse e
individualismo; as condies atuais de trabalho fornecem nova esquerda a crtica do
capitalismo (In: LINDBECK, 1979, p. 137). Ainda para Hymer e Roosevelt, s
deixando de existir qualquer lao entre produo e circulao que se pode ignorar as
relaes entre poder poltico e econmico - o que os economistas convencionais tendem
a querer fazer. Quando examinamos as interligaes entre os mercados e a produo,
torna-se claro que no podemos restringir nossa metodologia somente ao plano
econmico deve ser dada considerao tambm aos planos polticos e ideolgicos
(HYMER; ROOSEVELT, In: LINDBECK, 1979, p.138).
Hymer e Roosevelt promovem uma crtica ao pensamento do economista
Lindbeck que se contitui de fato numa oposio que fazem entre a economia clssica,
representada por Lindbeck, e a corrente que ficou conhecida como economia poltica
da nova esquerda, que os dois autores defendem e que mais tarde seria chamada de
Economia Poltica crtica ou vertente crtica da Economia Poltica.
A crtica dos dois pesquisadores transcende as ideias de Lindbeck e se
transforma em um questionamento ao pensamento da economia clssica. Para os
autores, enquanto Marx revelava a ligao entre o mercado e a relao entre as pessoas,
a Economia, ao se concentrar nas relaes de mercado, mascara a verdadeira natureza
da transao entre o capital e o trabalho. Assim os economistas tm mistificado os
processos econmicos em nossa sociedade e impedido o desenvolvimento de
instrumentos analticos para ir alm deles (HYMER; ROOSEVELT, In: LINDBECK,
1979, p. 140). Os autores alertam que quanto mais se estuda economia, mais se tende a
aumentar o respeito pelo mercado e se encarar todos os problemas como se fossem
fracassos de mercado. Para Hymer e Roosevelt quanto mais se mergulha no
paradigma econmico, mais conservador se fica (In: LINDBECK, 1979, p.141).
Em um mundo dominado pelo pensamento ortodoxo e onde o poder financeiro
adquiriu dimenses extraordinrias, a interpretao conservadora dos fatos parece o
caminho mais natural. Porm, distinguir o econmico e sufocar o poltico no se revela
to simples. A realidade social sempre mais complexa que esquemas de equaes
matemticas. Essa evidncia tem sustentado o vis crtico da Economina Poltica e v-se
28

essa corrente sendo retomada nos ltimos anos, ainda que se admita que o vis
conservador, que contou com aporte intelectual da academia neoliberal, continue
dominante.
Zaiat partidrio da ideia de que o vis conservador dos estudos se sobreps ao
vis crtico. Mas o mesmo autor lembra que nos ltimos anos vrios postulados
ortodoxos tm sido questionados, reintroduzindo no cenrio poltico questes como
distribuio de renda, incluso, fortalecimento do Estado e a cobrana sobre o seu papel
de ordenador social. Por isso Zaiat (2012, p. 12) defende que o aporte crtico da
Economia Poltica seja essencial para abordar o complexo e apaixonante momento
presente.
Seguindo o raciocnio que parece dividir irremediavelmente economistas
clssicos e economista politicos crticos, Heilbroner (In: LINDBECK, 1979, p. 175)
argumenta que o problema da Economia versus Economia Poltica que a economia
convencional esquece a interao entre os processos econmicos e polticos. Na
verdade, sua dificuldade principal que ela se orgulha de ser economia econmica e
no politica.

1.3. As muitas escolas em Economia Poltica e em EPC

A Economia Poltica se divide em vrias escolas de pensamento e uma variedade


de pontos de vista. Com isso mantem um intenso debate interno entre diferentes
correntes. De uma maneira geral, os estudos se dividem em linhas de pensamento mais
direita, com postura liberal e funcionalista, que tendem a justificar as necessidades do
mercado; e outras linhas de pensamento mais esquerda, adotando uma postura crtica.
H algumas classificaes distintas. Considera-se importante enfocar esse ponto para
efeito de compreenso da disciplina, sem no entanto aprofudar cada corrente de
pensamento, em busca de manter o foco nos temas mais diretamente ligados a essa
pesquisa. Para refletir sobre as diferentes abordagens em Economia Poltica em vigncia
hoje, adota-se aqui a classificao usada por Mosco (1999; 2009), destacando-se
algumas das mais significativas linhas de pensamento,
Uma abordagem a que ficou conhecida simplesmente como Economia, em
reconhecimento a sua posio hegemnica, herdando o nome e marcando posio na
concepo de que o econmico tenha se sobreposto ao poltico. Ela tambm chamada
de economia ortodoxa ou neoclssica, em referncia a economia poltica clssica de
29

Smith e seus discpulos. Essa linha de pensamento valoriza a produtividade e a


capacidade de aumentar o valor de mercado de um produto final. Ela d nfase ao
indivduo e ao mercado, defendendo a deciso individual como forma de expresso do
desejo e da procura no mercado. Baseia-se na investigao emprica e adota uma
linguagem matemtica. a que mais se afastou das preocupaes com os quatro pontos
centrais da Economia Poltica, como visto: mudana social e histrica, totalidade social,
filosofia moral e prxis.
Um segundo grande grupo se ops a essa primeira abordagem ao manter o
interesse pela histria, o conjunto social, a filosofia moral e a prxis. Esse grupo
tambm se divide em mltiplos enfoques, alguns mais conservadores, outros mais
socialistas e outros ainda influenciados pelo pensamento marxista. Baseados nessas trs
linhas, surge uma variedade de formulaes contemporneas.
Para Mosco (2009), ainda que a economia neoclssica ou ortodoxa ocupe o
centro ou centro-direita das formulaes, h uma economia poltica conservadora, que
no se distancia tanto do centro ou centro-direita, e que prospera. Ao invs de
individualismo de mercado, eles preferem falar em uma autoridade coletiva, mas para
Mosco (2009) essa corrente estuda o comportamento social utilizando categorias da
economia neoclssica, buscando o objetivo final de expandir as liberdades individuais.
Uma outra abordagem, conhecida como economia poltica institucional, ops-se
a tendncia dos economistas neoclssicos, atacando a concepo individualista como
limitada. Esta abordagem adotou uma posio mais centro-esquerda, argumentando, por
exemplo que os condicionalismo institucionais e tecnolgicos condicionam os
mercados a favor daquelas empresas e governos que tm o poder para os controlar
(MOSCO, 1999, p.101).
Ainda mais esquerda, outra abordagem de estudos composta pelas correntes
crticas, como as neomarxistas, que inclui a escola francesa de regulao, a teoria dos
sistemas mundiais e outros estudos tericos comprometidos com o debate sobre o
fordismo. Essas abordagens se caracterizam principalmente pela crtica ao modelo
capitalista e por colocarem o trabalho no centro de suas anlises.
Diferenciando as abordagens mais direita das abordagens mais esquerda,
Mosco (2009, p.73) afirma: A teoria clssica identificava as foras que davam
propulso ao capitalismo, porm tendia a naturaliz-las. Marx buscou situar o
capitalismo dentro do fluxo dialtico da histria.
30

Mosco (2009) ainda destaca que os movimentos sociais geraram suas prprias
escolas de economia poltica, como a feminista e a do meio ambiente. Essas subdivises
reafirmam o interesse da Economia Poltica em compreender a mudana social e a
transformao histrica alteraes estas que nos ltimos anos do sculo XX e incio
do sculo XXI incluem tentar compreender o declnio do comunismo, a estagnao e
crise das sociedades capitalistas, o ps-modernismo e o surgimento de movimentos
sociais que ultrapassam limites de categorias tradicionais como classe social
(ambientalismo e feminismo, por exemplo).
Cada uma das abordagens ou tendncias em Economia pPoltica se divide em
vrias escolas de pensamento, que, como visto, vo se localizando em linhas mais
direita, ao centro ou a esquerda do pensamento.
To ampla quanto a variedade de enfoques da Economia Poltica em geral
variedade de enfoques quando se pensa em uma economia poltica dirigida
especialmente rea de comunicao - EPC. Segundo Mosco (2009, p.18) no h uma
nica aproximao correta que, por ela mesma, constitua uma economia poltica
definitiva da comunicao. Para tentar pensar em um mapa da Economia Poltica da
Comunicao no mundo, Mosco (2009) sugere uma abordagem geogrfica. Para o
autor, os enfoques dos estudos dependem de que regio do planeta e portanto do
contexto - onde esses estudos estejam sendo produzidos. Assim, de acordo com a
localizao no mundo, as abordagens de economia poltica para a comunicao diferem
o suficiente para serem tratadas de modo separado. Alm disso, Mosco (1999, p.102)
afirma que a abordagem da economia poltica comunicao no est suficientemente
desenvolvida teoricamente para ser explicada num nico mapa analtico.
A distino geogrfica caracteriza os estudos em trs grandes regies: Estados
Unidos, Inglaterra e outros pases da Europa, e no que foi chamado por muito tempo
como terceiro mundo. Esta ltima categoria - dos pases em desenvolvimento engloba
a Amrica Latina, que tem ocupado local destacado como fonte e sujeito de
investigao em EPC. Considera-se importante aqui apresentar algumas distines
geogrficas no estudo, pois, ainda que no caracterizem escolas bem definidas dentro do
campo da EPC, essas distines influenciam os estudos e, por consequncia, o
pensamento em EPC nos diferentes locais do planeta.
Grande parte da investigao norte-americana influenciada por aportes de
fundadores como Dallas Smythe e Herbert Schiller. Tradicionalmente os estudos norte-
americanos tm analisado a indstria da comunicao como integrante de uma ordem
31

corporativa-empresarial, muitas vezes exploradora e antidemocrtica. Eles se


preocupam com o impacto das grandes companhias de comunicao, tanto dentro dos
Estados Unidos, como com o incremento de poder e influncia das empresas
transnacionais ao redor do mundo (MOSCO, 2009). Essa linha de investigao tem
grande influncia e talvez por isso mesmo h uma grande quantidade de literatura
produzida sobre a indstria da comunicao e suas manifestaoes de poder empresarial
e estatal, deixando mais margem estudos de experincias chamadas contra-
hegemnicas ou mais alternativas.
A investigao europia costuma est mais interessada no aporte terico da
comunicao que os estudos norte-americanos. Na Europa o modelo de servio pblico
de televiso, de proriedade estatal, se desenvolveu a partir do fim da Segunda Guerra.
Esse movimento fez parte do esprito geral de reconstruo que dominou a regio no
ps-guerra. Para a comunicao, se pregava meios de comunicao mais democrticos.
Desde a dcada de 1980 o modelo de radiodifuso pblica europeu enfrenta srios
desafios. O iderio dominante nas ltimas dcadas exalta a liderana de foras de
mercado. Com a competncia dos novos meios privados, a legitimidade dos servios
pblicos se viu ameaada em vrios pases (MASTRINI, 2011,p.1).
Os estudos de EPC na Europa, em geral defendem o servio pblico dos meios
de comunicao social e tm forte influncia terica neo-marxista. Alguns trabalhos de
destaque como Garnham e Golding e Murdock versam sobre o poder de classes.
Raymond Williams tem estudos que registram a integrao de meios de comunicao e
instncias governamentais grande economia capitalista e tambm movimentos de
resistncia. Armand Mattelart investiga a partir de uma variedade de tradies, como a
teoria da dependncia e outras posteriores, com o objetivo de entender a comunicao
como uma das principais fontes de resistncia ao poder (MOSCO, 2009).
A investigao de EPC nos pases latino-americanos tem uma ampla rea de
interesses. Nos primeiros estudos uma das correntes principais se caracterizou pela
crtica ao modelo desenvolvimentista adotado por vrios pases no mundo ps Segunda
Guerra Mundial, inclusive o Brasil. O modelo desenvolvimentista, gestado
especialmente nos Estados Unidos e estimulado por este pas em vrios locais do
mundo, defende a incorporao dos meios de comunicao como recurso que, junto
com educao, urbanizao e outras foras sociais, estimulariam o desenvolvimento
econmico, social e cultural.
32

Sob esse ponto de vista, o avano dos meios de comunicao deveria ser
estimulado pelo Estado, por se constituir em um ndice de desenvolvimento para uma
regio. O ideal desenvolvimentista explica que as maiores companhias de comunicao
tenham sido as grandes beneficiadas dos programas de modernizao nos anos ps
Segunda Guerra, recebendo grandes investimentos do Estado, estabelecendo vnculos
com o capital e, por fim, influenciando a aproximao entre meios de comunicao e
empresas anunciantes, incentivando a consolidao de valores consumistas.
Os primeiros estudos de EPC na Amrica Latina foram fortemente marcados
pelo questionamento ao modelo liberal-desenvolvimentista e a teoria da modernizao.
Esses estudos fazem crticas ao determinismo tecnolgico e sustentam que as teorias
desenvolvimentistas omitem as relaes de poder que fazem parte das trocas
econmicas e sociais entre os pases e as relaes de poder dentro das classes
estratificadas.
O fracasso dos projetos de desenvolvimento incorporando os meios de
comunicao levou os prprios tericos da modernizao a revisar o modelo,
englobando as telecomunicaes e novas tecnologias em suas novas formulaes. Num
primeiro momento os economistas polticos responderam apontando uma diviso de
trabalho global em termos territoriais, onde a mo de obra sem formao estaria
concentrada nos pases mais pobres, uma mo de obra intermediria nos pases semi-
perifricos e a pesquisa e planejamento estratgico estaria limitado aos pases mais
ricos, que ficariam tambm com a maior parte dos benefcios. A investigao mais
recente reconhece que as divises atravessam linhas territoriais e limites de tempo e
espao. Ela alerta para um crescimento flexvel das empresas que controlam a
tecnologia da comunicao e da informao (MOSCO, 2009).
Nos ltimos anos os estudos de EPC nos pases latino-americanos tm apoiado a
radiodifuso pblica e dado nfase a questo da regulao dos meios de comunicao.
Um dos maiores desafios que enfrentam os meios pblicos na Amrica Latina como
construir uma programao de qualidade sem para isso renunciar as grandes audincias
No Brasil, que tem na TV Globo um exemplo de programao aberta tecnicamente bem
elaborada e desfrutando de grande audincia, isso representa um forte concorrente aos
meios pblicos, que na Amrica Latina tendem a ter poucas verbas, baixa audincia e,
em alguns pases, adotam um tom oficial (BECERRA, 2013, no prelo).
Sobre a prtica de regular a atividade dos meios de comunicao, essa uma
tradio que no existe na Amrica Latina. Segundo Becerra (2013) isso est
33

relacionado com a forma de organizao econmica e poltica, com a histria e a cultura


nos pases latinoamericanos. O autor acredita que a regulao dos meios de
comunicao seja o caminho para uma comunicao mais democrtica:
Se no se regula os meios de comunicao por lei, eles se
regulam por outra via. prefervel que haja uma regulao que
estabelea garantias, com perspectiva de incluso de setores
com menos recursos. Quando a regulao no existe
oficialmente, ela termina sendo exercida pelos setores mais
poderosos. (BECERRA, 2013, p.64)

Guardando semelhanas com os modelos americano e europeu, o


desenvolvimento dos meios de comunicao na Amrica Latina mais fortemente
influenciado pelo modelo comercial americano, dependente do Estado e das verbas dos
anunciantes. Porm, diferentemente da Europa e mesmo dos Estados Unidos, na
Amrica Latina pouco se desenvolveram os meios pblicos de comunicao. Na grande
imprensa e em outras formataes que seguem o modelo da grande imprensa, o padro
que mais vigorou nos pases latino-americanos resultante da aplicao da frmula
desenvolvimentista, quando os veculos de comunicao, especialmente as televises,
foram vistos como agentes do desenvolvimento, estando a servio do Estado e do
crescimento econmico da regio.
Para Becerra (2013, no prelo), ainda que se considere as diferenas entre os
pases da Amrica Latina, possvel identificar tendncias comuns que contribuem para
explicar o funcionamento dos meios de comunicao na regio. O autor enumera:
Em primeiro lugar, a lgica comercial tem guiado quase sozinha
o funcionamento do sistema miditico na Amrica Latina; em
segundo lugar, e de modo complementar, se comprova a
ausncia de servios de meios pblicos no governamentais
com audincia real; em terceiro lugar, se destaca o alto nvel de
concentrao no sistema de propriedade dos meios, liderado em
geral por uns poucos grupos; e em quarto, h que se mencionar
a centralizao da produo de contedos nos principais centros
urbanos.

As origens do sistema de rdio no Brasil, nos anos de 1920 do sculo XX, tm


carter associativo e educativo e as emissoras inclusive no exibiam propaganda. Em
1932 ocorre a regulamentao da publicidade no rdio e muitas emissoras comeam a se
organizar como empresas. O sistema de televiso, nos anos de 1950, j comea com
maior proximidade com a propaganda, com anunciantes patrocinando programas, como
j acontecia no rdio quela poca.
34

De l para c, o setor audiovisual na Amrica Latina foi predominantemente


comercial e de gesto privada. Hoje, de maneira geral, os meios de comunicao na
Amrica Latina passam pelo crescente processo de concentrao; pela propriedade
cruzada, promovendo a interseco de veculos de comunicao e outras formas de
negcio; e pela ausncia de uma cultura institucional de meios pblicos no lucrativos
que estimulem a diversidade, abrindo espao para grandes grupos privados. Tudo isso
configura um modelo hierarquicamente definido por uma elite de empresas ligadas aos
governos que esto no poder (BECERRA, 2013, no prelo). Hallin e Mancini (2008)
sustentam que a Amrica Latina e Amrica do Norte so as nicas regies do mundo
onde a radiodifuso tem se desenvolvido como um projeto fundamentalmente
comercial.
Se h um lado positivo nesse contexto que ele tem provocado a viso crtica
das anlises. Assim os estudos de EPC, especialmente em sua vertente crtica,
apresentam significativo crescimento na Amrica Latina nos ltimos anos. Eles
encontram muitos objetos de estudo e grandes questes envolvendo sociedade, Estado,
meios de comunicao, interesses privados e as relaes de poder que permeiam esse
espao.
Nessa pesquisa as anlises tomam por base a Economia Poltica em sua vertente
crtica. O mtodo adotado pela Economia Poltica crtica o materialista histrico
dialtico, que procura compreender a realidade como contraditria e em permanente
transformao. Dourado (2011, p.35) afirma que esse mtodo se justifica nos estudos
crticos face compreenso da realidade como, essencialmente, histrica, contraditria
e mutante, porque submetida a contnuos processos dialticos. Mosco (2009, p.63)
lembra que a dimenso moral (filosofia moral) continua consistente na economia
poltica marxista porque proporciona uma forte defesa da democracia, da igualdade e
da esfera poltica frente aos poderosos interesses privados. Para Golding e Murdock
(2000, p.18-19) o que distingue a Economia Poltica crtica e a faz importante que ela
vai alm dos temas tcnicos da eficincia para dedicar-se a questes bsicas morais
como justia, igualdade e bem pblico.

1.4. Sobre a aproximao entre Economia Poltica e Comunicao


Segundo Mosco (2009) para compreender como a Economia Poltica se
aproximou da Comunicao til avaliar dois fatores que teriam sido decisivos: 1) as
35

transformaes provocadas pela estagnao econmica dos anos 1960 e 1970, que
interrompe a expanso econmica ps Segunda Guerra e que gera uma crise mundial no
modelo capitalista; e 2) as mudanas espaciais e estruturais que ocorrem a partir desse
perodo. Inicia-se desde essa poca o que mais tarde recebeu o nome de globalizao.
Analisando de modo mais direto o que teria determinado o desenvolvimento de
uma Economia Poltica especialmente direcionada Comunicao, Mosco (2009)
aponta a transformao da imprensa, da mdia eletrnica e das telecomunicaes que, de
empresas modestas, muitas vezes familiares, tornam-se grandes empresas de modelo
industrial durante o sculo XX.
Mattelart e Mattelart (2010) localizam o incio dos estudos de
Economia Poltica voltados comunicao nos anos de 1960. As primeiras pesquisas
assumem a forma de um questionamento sobre o desequilbrio dos fluxos de
informaes e produtos culturais entre os pases situados de um lado ou outro do
desenvolvimento. Esses estudos ficaram conhecidos como teoria da dependncia
cultural, mais tarde questionada por se constituir em uma abordagem mecanicista,
calcada numa viso dicotmica da realidade social e impossibilitada de ultrapassar o
nvel da denncia.
A partir da dcada de 1970 a EPC fala de indstrias culturais, tirando o
termo do singular e propondo o plural (como utilizamos nesse trabalho), numa busca de
penetrar na complexidade das diversas indstrias de produo simblica (cinema, livro,
msica, TV, jornal, etc), para tentar compreender o processo crescente de valorizao
das atividades culturais pelo capital, o que se verifica de forma ainda mais intensa a
partir do final do sculo XX (BOLAO, 2000).
Desde esse perodo os estudos trazem para o centro do debate em EPC a
terminologia indstrias culturais e sua relao com o mercado, revisando o termo
original e exigindo a atualizao de conceitos. A produo de contedo nas vrias
indstrias culturais, geralmente influenciada pelos processos de mercantilizao,
discusso fundamental nos estudos crticos de EPC (no captulo seguinte, detalha-se
com maior riqueza esses dois pontos: mercantilizao e a questo das indstrias
culturais).
Disciplina fronteiria, a Economia Poltica da Comunicao configurou-se
academicamente no Brasil somente no final do sculo XX (MARQUES DE MELO,
2011). Tal como a Economia Poltica geral, que se divide genericamente em blocos
mais direita e esquerda, Marques de Melo (2011) prope que como recurso didtico
36

podemos identificar duas grandes linhas de pensamento em EPC: uma pragmtica e


outra crtica. A pragmtica termina por catalizar as abordagens mais sintonizadas com a
preservao do sistema econmico hegemnico; e a crtica se constitui em uma
abordagem mais preocupada em problematizar as estruturas vigentes. Esta ltima
abordagem quase sempre inspirada ou influenciada pelo marxismo.
Para Mosco (2009), se o aparecimento das indstrias da mdia no sculo XX
justifica a aproximao da Economia Poltica com a comunicao, o crescimento de sua
vertente crtica teria resultado do esforo de entender o processo crescente de
constituio das indstrias culturais na sua relao com o marketing e com fenmenos
econmicos e sociais mais amplos. Esse movimento estimula a crtica feita a partir de
valores humansticos.
importante esclarecer que mesmo comumente sendo identificados como
herdeiros do paradigma marxista, os tericos da Economia Poltica da Comunicao
rompem com algumas teses clssicas do marxismo. H estudiosos da linha crtica que
consideram que a influncia marxista tende a analisar a mdia como sujeita a diversos
controles exercidos por um grupo ou classe dominante, de forma intencional e
deliberada, enquanto o mais produtivo seria apontar os constrangimentos a que a mdia
est sujeita, resultantes de processos impessoais, muitas vezes no intencionais ou
desejados (SERRA, 2006).
Ao fazer um levantamento histrico da Economia Poltica da Comunicao no
Brasil, Marques de Melo (2011) destaca como pioneiros dessa corrente de pensamento
no pas dois nordestinos: o pernambucano Barbosa Lima Sobrinho e o alagoano Costa
Rego. De Lima Sobrinho ele destaca as reflexes precursoras que se encontram em O
problema da imprensa (1923). No livro, o captulo Industrialismo na imprensa
argumenta que o jornalismo deixou de ser um sacerdcio para se converter em um
negcio. J Costa Rego (1929) reclama que a imprensa alagoana dependente de
subvenes do governo estadual para sobreviver, ora bajulano, ora chantegeando esse
poder.
Contemporaneamente a EPC tem numerosos interesses temticos, grande parte
envolvendo as transformaes contemporneas advindas da reconfigurao capitalista
de modo global, que se apresenta de forma mais visvel a partir do final do sculo XX e
tem como caractersticas principais o aumento da concorrncia, a expanso de novos
mercados, o crescimento das inovaes tecnolgicas e o avano em todas as reas da
comunicao, inclusive informtica e telecomunicaes. Essas transformaes trazem
37

os meios de comunicao para o centro das mudanas, exigindo reflexes sobre


produo, circulao e consumo de contedos. Brittos (2009) lembra que as empresas
da mdia se movimentam entre poderes polticos e econmicos, e ante as presses
sociais. Sobre a mdia recaem presses polticas, dos grupos econmicos e da
sociedade. Mas essas presses so totalmente desequilibradas, com o pndulo a favor
dos dois primeiros (BRITTOS, 2009, p. 26).
Mosco (2009) faz uma lista de temas que interessam aos estudos de EPC: as
empresas de comunicao, o papel do Estado, as conexes entre os setores empresariais
estatais, os vnculos entre Economia Poltica da Comunicao e economias polticas
global e nacionais. O autor salienta que, qualquer que seja o interesse, os estudos
sempre esto marcados pela tentativa de compreender as relaes de poder. Outros
temas tm abordado as conexes entre a produo, o discurso e a recepo; a relao
entre poder de classe, gnero e etnia; o significado das mudanas estruturais dentro e
entre as indstrias de comunicao; as consequncias para o trabalho; as relaes entre a
comunicao privada, estatal e pblica.
Para Mosco (1999) a EPC tem se destacado por estudar as estruturas
responsveis pela produo, distribuio e troca de produtos de comunicao, os
contedos dos medias e por observar a importncia da regulao do mercado da
comunicao. O autor afirma que a nfase dada s estruturas e contedos
compreensvel luz da importncia que adquirem as companhias mundiais de
comunicao. Os estudos tm abarcado tambm preocupaes com as audincias e
alimentado a discusso sobre se as audincias funcionam e se vendem a sua ateno
para os anunciantes em troca de contedo. O debate tem sido til porque alargou a
discusso para alm do contedo e integrou os anunciantes, os representantes habituais
do capital, no mago da investigao em comunicao (MOSCO, 1999, p.107).
Com relao aos temas da vertente crtica mais diretamente ligados
comunicao esto o crescimento da mdia e as preocupaes com constrangimentos
reais, principalmente do ponto de vista das desigualdades no comando de recursos
materiais, e como essas desigualdades afetam o ambiente simblico. Em termos
histricos, a Economia Poltica crtica est fundamentalmente interessada na
investigao do capitalismo tardio, entendido como dinmico, imperfeito e
problemtico (GOLDING, MURDOCK, 2000). Os temas de estudo incluem a crescente
importncia de sua mediao para a vida pblica contempornea; a extenso do domnio
das corporaes - seja como proprietrios dos conglomerados de mdia ou de forma
38

indireta como patrocinadores ou anunciantes; a mercantilizao da produo cultural e


as mudanas no papel da interveno do Estado e dos governos.
Mesmo com o crescimento da quantidade de temas, alguns autores reclamam
que a EPC ocupe um espao menor do que mereceria no elenco das teorias da
comunicao. Estudiosos renomados, alguns bem aceitos no Brasil, como Mauro Wolf
(2008), no incluem a Economia Poltica na lista de teorias apresentadas.
Diferentemente do que ocorre nos EUA e na Europa, onde a EPC possui uma certa
tradio, na Amrica Latina esses estudos ficaram na maioria dos casos marginalizados
da agenda curricular (HERSCOVICI; BOLAO; MASTRINI, 2000). Uma possvel
explicao para esse fato, semelhante ideia de tentar sufocar o poltico e enfatizar o
econmico, pode estar relacionada com a predominncia do pensamento
funcionalista-administrativo requerido pelo crescimento do capitalismo. Ainda em 1947,
no texto Dialtica do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer j faziam uma profunda
anlise do que consideravam a natureza repressiva do capitalismo avanado em
contraposio ao pensamento crtico.
No campo dos estudos da comunicao a dicotomia pesquisa administrativa
versus pesquisa crtica perdurou por anos, dando prevalnca pesquisa administrativa.
At hoje no seguro afirmar que esse formato tenha deixado de existir, embora alguns
autores apontem a sua superao.
Martino (2005, p.1) afirma que o campo da comunicao passou pela fase
positivista, a fase crtica e chegou fase interdisciplinar. Ele defende que a partir dos
anos 1980, e de forma mais clara nos anos 1990, a comunicao se torna mais prdiga
de assuntos e abordagens diversas, decorrncia natural do abandono do lastro das
determinaes metodolgicas pregadas pelos primeiros positivistas. A busca de incluir
novos enfoques, permitiu o surgimento e crescimento de novas abordagens como a
EPC, a pragmtica, a etnografia da comunicao, os estudos das recepes das
mensagens, entre outros. Assim, a EPC se apresenta, a partir das ltimas dcadas do
sculo XX, como uma concepo no exclusiva para uma compreenso dos papis que
assumem os meios de comunicao de massa na contemporaneidade. Com o avano do
capitalismo de modo global e o papel central que os meios de comunicao adquirem, a
EPC vem alcanando um inegvel valor como linha de estudos possvel.
Vale salientar que embora muitos estudos apontem para a superao da
dicotomia pesquisa administrativa versus pesquisa crtica, a polarizao entre as duas
39

reas continua sendo ponto de discusso, influenciando linhas de pensamento, pesquisas


e autores.
O crescimento dos interesses de estudo em EPC aliado ao avano das indstias
culturais nas ltimas dcadas fez surgir termos como Economia Poltica da Cultura.
Dadas as especificidades dos bens simblicos, este campo ainda se ramifica chegando a
outros termos como Economia Poltica do Cinema e Economia Poltica da
Literatura. A Economia Poltica da Comunicao tambm se ramifica para Economia
Poltica do Jornalismo EPJ - esta, uma nova rea especializada de estudo, na
interseco entre EPC e estudos de jornalismo (FRANCISCATO, 2013).
A ideia de uma Economia Poltica do Jornalismo recente e parte do quadro
terico geral da EPC, que oferece ao jornalismo um mapa de abordagem de macro
fenmenos e tendncias que ajudam a compreender condicionantes, modelos e
processos gerais. Para Franciscato (2013) pode-se visualizar que a EPC opere em um
nvel macro, descrevendo processos estruturais (mercantilizao da informao e da
cultura, formao de conglomerados, flexibilizao de processos, entre outros) enquanto
as teorias do jornalismo operam em uma perspectiva predominantemente micro social
do fenmeno (critrios de noticiabilidade, caractersticas do processo e do produto
jornalstico, relao com o pblico e outras).
A construo de uma Economia Poltica do Jornalismo exige uma articulao
refinada terico-metodolgica que alcance mais do que uma justaposio de
perspectivas macro e micro sociais (FRANCISCATO, 2013, no prelo). A preocupao
evitar uma perspectiva ecltica de mera justaposio de conceitos ou quadros tericos.
Fazendo essa resalva, Franciscato (2013) acredita na possibilidade real de construo de
uma Ecomomia Poltica do Jornalismo, que deve resultar do esforo coletivo das duas
vertentes: EPC e teorias do Jornalismo.

1.5. Repensar a Economia Poltica da Comunicao: crtica at consigo


mesma

Na sua Contribuio para a Crtica da Economia Poltica, Marx (1977, p.234) j


afirmava: a economia poltica burguesa s conseguiu compreender as sociedades
feudais, antigas e orientais, no dia em que empreendeu a autocrtica da sociedade
burguesa. Essa referncia faz lembrar que a Economia Politica historicamente
autocrtica. A EPC, em sua vertente crtica, mantm o esprito de autoavaliao
40

constante. Assim, essa linha terica reconhece que tenha um contributo, mas indica que
a EPC deve ser repensada e renovada de acordo com as transformaes mais recentes.
Essas observaes partem da constatao de que a mudana social onipresente e que
as estruturas e organizaes esto num processo de mudana constante.
Mais do que as quatro ideias centrais em Economia Poltica (mudana social e
histrica, totalidade social, filosofia moral e prxis), repensar a EPC exige considerar a
proposta de Mosco (2009), que apontou como til pensar em pontos de entrada que
ajudem a compreender os processos contemporneos. O autor argumenta que eles se
constituem em pontos de partida que abrem a possibilidade de anlises porque dizem
respeito a transformaes que no so especficas da comunicao, mas esto
acontecendo em vrias reas sociais. Compreend-las torna-se fundamental para
entender a comunicao contemporaneamente.
Mosco (2009) define que os pontos de entrada para se estudar a Economia
Poltica da Comunicao seriam trs: 1) a mercantilizao, 2) a espacializao e 3) a
estruturao.
A mercantilizao o processo de transformar um valor de uso em valor de
troca. Ou o processo de transformar bens e servios valorizados por sua utilidade em
mercadorias valorizadas por seu rendimento no mercado. O autor alerta que torna-se
importante compreender como esse processo se estende aos produtos de comunicao.
A espacializao diz respeito s transformaes que um determinado espao
sofre em um dado perodo de tempo. Envolve as presses de reestruturao industrial,
expanso, conquista de novos espaos empresariais. O crescimento e a concentrao das
indstrias de comunicao, por exemplo, so questes de estudo do ponto de vista da
espacializao. Os primeiros estudos falavam de crescimento vertical e horizontal das
empresas. Hoje j se cita vrias outras formas de integrao para estimular o
crescimento do capital, como sinergia, aliana, acordos de merchandising, fuses,
aquisies e outros (MOSCO, 2009). A mercantilizao e a concentrao so pontos a
serem aprofundados no captulo seguinte.
A estruturao avalia o processo pelo qual as estruturas se constituem
mutuamente com a ao humana. Esse ponto de entrada d nfase a estudar o poder,
que pode estar tanto no grande veculo de comunicao como na audincia.
A proposta de Mosco de se estudar a EPC a partir desses trs pontos de entrada
revela que a EPC est promovendo a sua autocrtica e buscando se repensar face as
transformaes contemporneas. Bolao, Herscovici e Mastrini (2000) defendem o
41

crescimento dos estudos crticos de EPC argumentando que se convive hoje com o
sucesso das ideias neoliberais, que justificam os argumentos em favor do mercado. Para
os autores, muitos diagnsticos crticos da dcada de 1970 no falharam, mas, em
muitos casos, viram-se superados devido ao xito das ideias neoconservadoras,
geralmente mais otimistas em relao ao mercado e aos processos de mercantilizao.
Os pesquisadores citados (2000, p.2) acreditam que se faz necessrio buscar novos
argumentos que se contraponham ao sucesso dos formatos neoconservadores.
cada vez mais necessrio propugnar por uma economia
poltica da comunicao que resgate as anlises sobre as
relaes de poder, restaure a discusso sobre o problema da
estratificao e das desigualdades de classe e, em termos gerais,
que no deixe de estar atenta analise das condies de
produo, distribuio e intercmbio da indstria cultural.

Para reforar a defesa sobre a importncia dos estudos crticos em Economia


Poltica da Comunicao, os mesmos autores citam o editorial da publicao mexicana
Causas y Azares, de 1996 (BOLAO, HERSCOVICI E MASTRINI, 2000, p. 3):
Em tempos de concentrao multimeditica, torna-se absurdo
deixar de discutir polticas nacionais de comunicao; em
tempos de hegemonia de indstrias culturais de aparente
pluralidade discursivo e esttica, igualmente insustentvel no
auspiciar prticas alternativas; em pocas em que modelos
culturais homogeneizadores se dissimulam na globalizao
cultural, as culturas dos setores subalternos no podem ficar
reduzidas a meros objetos de estudo.

Embora nas ltimas dcadas a EPC tenha se fragmentado em tendncias


variveis de acordo com os momentos histricos ou questes regionais, Santos (2006, p.
15) defende que um escopo comum permeia os trabalhos dessa corrente: questionar a
ortodoxia preponderante nas razes estruturais e instrumentais das prticas estatais,
mercadolgicas ou acadmicas de comunicao de massa. A autora argumenta a
favor da adoo de um olhar crtico para retratar empiricamente os objetos das
comunicaes, sob a luz de um propsito tambm crtico, que o da necessidade de
uma participao mais ativa da pesquisa cientfica na construo de um ambiente de
comunicaes efetivamente democrtico.
Com a crescente integrao dos meios de comunicao na estrutura econmica
mundial, no possvel deixar de considerar a relevncia da anlise da Economia
Poltica crtica, interessada, essencialmente, no estudo das relaes de poder que se
expressam no sistema econmico, na cultura e nas suas interaes, buscando
42

compreender o papel dos meios de comunicao no processo de acumulao de capital,


e a relao entre produo material e produo intelectual.
Ainda que se argumente que as ideias socialistas enfrentem dificuldades em
grande parte do mundo na fase do capitalismo global e que isso represente um desafio,
especialmente para a vertente crtica da EPC, por outro lado o fracasso da teoria da
modernizao e dos projetos desenvolvimentistas, aliados as flagrantes desiguldades do
capitalismo global, impulsionam o olhar crticos dos estudos.
Nos ltimos anos, ainda servem de combustvel ao olhar crtico os
questionamentos que a tradicional mdia comercial vem enfrentando em todo o mundo e
uma j comentada crise no jornalismo, intensificada pelo crescimento das tecnologias
e avanos na internet, que trazem transformaes e alteram processos tradicionais do
jornalismo, com a possibilidade de incluir diferentes vozes na arena pblica, mas que
vai alm disso, caminhando para se configurar como uma crise estrutural e institucional
dos meios de comunicao tradicionais e da profisso jornalstica. Uma crise que supera
a questo da mudana de plataformas e pode ser apontada tambm como financeira, de
valores e de identidade, levando ao fechamento ou venda para outros empreendimentos
de grandes veculos de comunicao em todo o mundo.
Pereira e Adghirni (2011) afirmam que quando se fala em mudana estrutural no
jornalismo ou em crise na atividade jornalstica deve-se levar em conta que a prtica
jornalstica deve ser vista como um espao mltiplo, heterogneo, atravessado por uma
tenso permanente entre estabilidade e mudana como algo constitutivo da prtica
jornalstica. Esta condio - extensvel a outros fenmenos sociais permite escapar de
simplismos. Assim, os autores alertam para a equivocada crena em uma natureza
imutvel do jornalismo, como se parte dessa atividade fosse imune a inovaes de
ordem estrutural e chamam a ateno para a sua natureza cheia de continuidades e
descontinuidades, ordem e disperso.
Esse trabalho apoia suas anlises nos conceitos propostos pela Economia
Poltica da Comunicao em sua vertente crtica, como dito anteriormente, para tentar
compreender as mudanas provocadas na comunicao e em especial no jornalismo, na
sociedade capitalista contempornea, dominada por sistemas comerciais de mdia. Os
estudos na linha da Economia Poltica crtica esto permeados por argumentos e
propostas em relao a polticas pblicas e sobre a regulao dos meios de comunicao
que garantam sua contribuio para o exerccio da democracia. No raro a EPC
situada em espao limtrofe entre estudos culturais e estudos sobre polticas pblicas.
43

2. CAPITALISMO AVANADO E MUDANAS NA COMUNICAO

No somos a realizao nem do sonho nem do pesadelo


do projeto nacional-desenvolvimentista, mas uma combinao de ambos.
E a proporo em que se d a composio dos dois elementos no mais
obra primordial de Estados, mas de alianas de diferentes foras
polticas e econmicas que se organizam em rede, nas quais Estados so
uns dos componentes. Dependem, portanto, de correlaes de foras
mais amplas e capilarizadas, que no se explicam nem por um
determinismo econmico nem por uma primazia da poltica.
Marcos Nobre

Este captulo inicia contextualizando a situao de capitalismo avanado com


destaque para os fenmenos da globalizao e da poltica neoliberal adotada. A partir
desse contexto identifica-se os processos do capitalismo global que so teis para se
refletir sobre a produo de comunicao contempornea. Assim d-se nfase a: a) a
questo da concentrao; b) a crescente mercantilizao de processos e prticas; e c) o
reposicionamento e avano das indstrias culturais, baseadas nos meios de comunicao
e mudanas tecnolgicas. Esses processos se relacionam com alteraes na
comunicao, levando-se a defesa de que a formatao capitalista global provoca
mudanas na comunicao e no jornalismo. Ou a sugesto de que o jornalismo que
temos contemporaneamente na grande imprensa o jornalismo do capitalismo global.
Em seguida a contextualizao do capitalismo avanado e seus processos,
considera-se importante definir a que fase da imprensa esse estudo se refere. No
novidade o estreito vnculo entre imprensa e ordem capitalista. Sodr (1999, p.1) afirma
que a histria da imprensa a prpria histria do desenvolvimento da sociedade
capitalista. Esse trabalho se concentra no chamado jornalismo das indstrias culturais,
praticado na grande imprensa de modo prevalecente desde as dcadas finais do sculo
XX e primeiras do sculo XXI, fruto da reconfigurao capitalista global, que expe ou
44

acelera alguns processos que podem ser apontados como constituidores do prprio
fenmeno, como a centralidade que os meios de comunicao adquirem.
importante assinalar que o formato de jornalismo das indstrias culturais no
se restringe grande imprensa das reas mais centrais, mas tambm tem processos e
prticas que so adotados em meios de comunicao de regies mais perifricas que se
espelham nos veculos da grande imprensa e que geralmente esto sujeitos a
constrangimentos maiores devido a menor disponibilidade de recursos e a maior
proximidade com os poderes institudos.
Para finalizar, o captulo discorre sobre a concepo de hegemonia, aporte
terico til para se refletir sobre a formatao de comunicao em indstrias culturais,
que tem se imposto como uma formatao dominante na grande imprensa, que gera
influncias e que deve ser compreendida com a fora de um fenmeno hegemnico, que
tambm estabelece uma relao de poder. A noo de hegemonia revela-se no s
problemtica, mas central nas anlises sistmicas.

2.1. Reconfigurao capitalista: globalizao e poltica neoliberal

A contemporaneidade definitivamente marcada pela reestruturao capitalista


que se aponta desde a dcada de 1970 do sculo XX. Naquele perodo, as
transformaes causadas pela estagnao econmica dos anos de 1960 e 1970 -
produo em declnio, aumento de custos, salrios em decrscimo, problemas
relacionados escassez de petrleo, aumento das desigualdades sociais e emergncia
das novas economias - interrompem o entusiasmado do desenvolvimento econmico
ps Segunda Guerra Mundial e geram uma crise no capitalismo em todo o mundo.
Mszros (2011, p.84) avalia esse quadro da seguinte forma:
Os anos do ps-guerra por cerca de duas dcadas assistiram
a uma expanso e revitalizao sem precendentes do capital
pela incluso sua rbita, pela primeira vez na histria, da
totalidade das foras produtivas globais, bem como uma bem
sucedida reestruturao da economia para atender s exigncias
insaciveis do complexo militar-industrial; agora toda a
dinmica estancou e o sistema no pode mais distribuir os
bens, de que depende necessariamente a tranquilidade de seu
desenvolvimento.

Muitos tericos argumentam que o capitalismo um sistema que vive de crises e


de reestruturaes para superar essas crises. As crises ocorreriam em tempos cclicos e
suas consequentes reestruturaes tambm. Para Mszros (2011) a crise que se verifica
45

a partir dos anos 1970 e que apresentou alguma recuperao na dcada de 1990, mas
que voltou a se pronunciar desde os primeiros anos do sculo XXI, se diferencia das
crises anteriores por um motivo: segundo o autor, j no se vivencia a era dos ciclos,
mas inaugurou-se uma fase indita, de depresso contnua, que se mostra estrutural,
longeva e sistmica, ainda que haja alternncia em seu epicentro.
Para escapar crise que se pronuncia aps o perodo de entusiasmo do ps
guerra, inicia-se uma reconfigurao do modelo capitalista. O capitalismo que se opera
desde ento tem carter global, atendendo a um movimento de expanso do capital, que
busca novos espaos. Os autores se referem a esse momento como reconfigurao
capitalista, capitalismo avanado, capitalismo global, capitalismo mundial, capitalismo
transnacional, capitalismo tardio, entre outras denominaes mais ou menos prximas.
Fiori (2007) se prope a clarificar o que foi essa grande transformao da ordem
capitalista que se cristalizou nas ltimas dcadas do sculo XX. Para ele, h seis
mudanas significativas que ajudam a compreender esse cenrio: a) a primeira ocorreu
no campo geopoltico mundial levando a que o meio acadmico a a imprensa, nos anos
1970, falassem em uma crise da hegemonia norte-americana; b) a segunda ocorreu no
campo poltico-ideolgico e se disseminou pelo mundo depois das vitrias eleitorais de
Tatcher e Ronald Reagen, que levou a consagrao do pensamento nico neoliberal; c) a
terceira transformao ocorreu no campo econmico, na rea monetrio-financeira,
dando origem a uma concepo de finana mundial privada e desregulamentada; d) a
quarta foi a revoluo tecnolgica, que influiu na velocidade e circulao de
informaes, facilitando a integrao dos mercados; e) a quinta mudana ocorre no
campo do trabalho, que altera nmero de empregos, remunerao, organizao sindical
e direitos trabalhistas; f) e a sexta mudana ocorre no que Fiori chama periferia
capitalista, quando os pases que adotavam o modelo desenvolvimentista americano j
constatavam seu fracasso, passando a contrair dvidas enormes com pases credores e se
submetendo a organismos internacionais. Nas duas ltimas dcadas do sculo XX
instituies como o Fundo Monetrio Internacional (FMI) ou o Banco Mundial tm um
enorme protagonismo.
Desde que se desenvolveu, o capitalismo sempre tendeu a ser global porque
sempre buscou a expanso, como j afirmava Marx (2010). Ianni (2007, p.14)
argumenta que o capitalismo sempre apresentou conotaes internacionais,
multinacionais, transnacionais e mundiais, desenvolvidas no interior da acumulao
originria do mercantilismo, do colonialismo, do imperialismo, da dependncia e da
46

interdependncia. No entanto, quando se trata de globalizao neste estudo, refere-se


ao fenmeno que se acelera a partir das ltimas dcadas do sculo XX, quando as
empresas buscam crescer na acumulao de capital e avanam territorialmente, a
princpio ganhando a batalha ideolgica de que seria um fenmeno automtico e
benfico para toda a humanidade. A globalizao um fenmeno no puramente
econmico, mas que traz tambm desdobramentos polticos, culturais e sociais e
modifica prticas de trabalho em todo o mundo.
Para Mosco (2009, p.299) sob a perspectiva poltica-econmica a globalizao
se refere a aglomerao espacial do capital, dirigida pelas empresas transnacionais e
pelo Estado, que transforma os espaos atravs dos quais fluem os recursos e as
mercadorias, inclusive a comunicao e a informao. Nesta pesquisa, a expresso
globalizao designa a fase mais recente do capitalismo em curso, com o apogeu da fase
monopolista.
Contribuem definitivamente para a expanso do capital de modo global, o
avano da tecnologia e a poltica neoliberal, que, atravs da liberalizao, privatizao e
desregulamentao, ajudam a abrir novos espaos para o capital. O Estado
progressivamente se afasta da atividade econmica direta, e passa de uma linha
intervencionista, de produtor de bens e servios e controlador dos ciclos econmicos,
para uma posio de repassador ao mercado de grande parte das suas atividades,
afastando-se tambm de sua funo fiscalizadora (BOLAO; BRAZ, 2010).
Harvey (2010, p. 14) identifica que a crise capitalista dos anos 1970 foi a
primeira crise em escala global do capitalismo no mundo ps-Segunda Guerra. Para ele
o neoliberalismo surge como uma resposta a esta crise.

Minha opinio que se refere a um projeto de classe que surgiu


na crise dos anos 1970. Mascarada por muita retrica sobre
liberdade individual, autonomia, responsabilidade pessoal e as
virtudes da privatizao, livre-mercado e livre comrcio,
legitimou polticas draconianas destinadas a restaurar e
consolidar o poder da classe capitalista (HARVEY, 2010, p.16).

A crise econmica que se verifica a partir dos anos de 1970 abala as bases da
idia de Estado de bem-estar social, que imputava ao Estado grandes
responsabilidades econmicas e sociais. O Estado de bem-estar social o programa que
surge aps a Segunda Guerra, formulado por partidos socialistas, socialdemocratas e
comunistas europeus, buscando uma gesto mais igualitria do capitalismo. Sua
estratgia e polticas incluam o crescimento econmico, o pleno emprego e a
47

construo de redes universais e estatais de proteo social. O Estado de bem-estar


social se transformou na mais importante conquista dos socialistas e socialdemocratas
europeus.
Ao fragilizar as bases do Estado de bem-estar social, a crise, ao tempo em que
desmonta a maior obra institucional dos socialistas e socialdemocratas, relana o
argumento neoliberal, utilizando polticas econmicas pr-capital. O Estado de bem-
estar social acusado de ser uma mquina gigantesca que gasta milhes com um
resultado discutvel. A adoo de uma poltica neoliberal uma postura mais agressiva
do capital, em resposta a crise estrutural em que se encontra.
Quando, nos anos de 1970, o liberalismo clssico re-emerge com o nome de
neoliberalismo, caracteriza-se como uma reao interferncia do estado nos negcios,
sob a alegao de que o crescimento do poder governamental estava afetando
negativamente as liberdades individuais e a livre iniciativa (JAMBEIRO, In: RAMOS;
SANTOS, 2007, p.103).
O que acontece na dcada de 1980 que Fiori (2007) chama de uma virada
neoliberal da socialdemocracia, com uma restaurao liberal-conservadora em vrios
pases, que abandonam a defesa do Estado de bem-estar social e adotam as novas teses
de reformas e polticas neoliberais, iniciadas pelos governos conservadores da Inglaterra
e Estados Unidos, defendidas pela primeira-ministra inglesa, Margareth Thatcher, e pelo
presidente americano, Ronald Reagen.
Thatcher, disseminadora de primeira grandeza das ideias neoliberais,
popularizou a expresso no h alternativa, referindo-se ao modelo das privatizaes,
diminuio dos investimentos sociais do Estado e imposio de austeridade econmica.
Quando os mineiros ingleses fizeram uma greve de um ano, Thatcher, ao usar a
represso estatal para derrotar o movimento, cunhou outra frase que se tornaria famosa.
Ela proclamou que tinha se livrado do socialismo de vez.
O neoliberalismo da globalizao retoma as ideias do liberalismo ou a doutrina
da mo invisvel do mercado, concepo apresentada pela primeira vez por Adam
Smith, no sculo XVIII, com o livro A Riqueza das naes. O princpio da mo
invisvel defendia a capacidade do mercado se autorregular. De acordo com essa
concepo, numa economia de mercado, mesmo com a inexistncia de uma entidade
coordenadora de interesse comum, a interao entre os indivduos pode ser estabelecida
numa determinada ordem, como se a mo invisvel do mercado os orientasse. Trata-se
48

da utopia liberal da livre concorrncia. O liberalismo do sculo XVIII prezou pela


preservao das posies sociais, ordem interna, defesa da autoridade e propriedades
privadas. Essas defesas, que teoricamente colocavam em contradio capital e Estado,
no entanto, sempre foram referidas ao Estado. Diferentemente do liberalismo, o
neoliberalismo dos tempos da globalizao tem plos dominantes e centros decisrios
localizados em empresas, corporaes e conglomerados transnacionais - organizaes
que se interessam pela desestatizao, desregulamentao e privatizao.
Enquanto o liberalismo baseava-se no princpio da soberania
nacional, ou ao menos tomava-o como parmetro, o
neoliberalismo passa por cima dele, deslocando as
possibilidades de soberania para as organizaes, corporaes e
outras entidades de mbito global (IANNI, 2007, P.101).

Globalizao e polticas neoliberais esto entranhadas com os movimentos onde


o Estado tenta se afastar da esfera econmica, abrindo oportunidades para os agentes
privados. Acoplam-se neoliberalismo e globalizao, servindo um como ponto de
partida ou condio do outro (BRITTOS, 2009, p. 21).
Ancorada na racionalidade tcnica e na expanso da tecnologia, a hegemonia do
pensamento neoliberal tem como uma das caractersticas mais marcantes a defesa da
privatizao dos servios, sob o argumento de que, mantidos sob a responsabilidade do
Estado, esses servios oneram os governos e impem gastos insustentveis, alm de
resultar em servios ineficientes. Harvey (2010, p.32) alerta para o interesse em se
afirmar que as empresas pblicas seriam ineficientes e a privatizao seria o caminho
mais vantajoso:
Numa tentativa desesperada de encontrar mais locais para
colocar o excedente de capital, uma vasta onda de privatizao
varreu o mundo, tendo sido realizada sob a alegao dogmtica
de que empresas estatais so ineficientes e desengajadas por
definio, e a nica maneira de melhorar seu desempenho
pass-la ao setor privado.(...). Indstrias administradas pelo
Estado, assim seguiu o mantra, tiveram de ser abertas ao capital
privado, que no tinha para onde ir, e servios de utilidade
pblica como gua, eletricidade, telecomunicaes e transportes
para no falar de habitao, educao e sade tiveram de ser
abertas para as bnos da iniciativa privada e a economia de
mercado. Em alguns casos pode ter havido ganhos de eficincia,
mas em outros no. O que se tornou evidente, no entanto, foi
que os empresrios que compraram esses bens pblicos, em
geral com bons descontos, rapidamente se tornaram bilionrios.

Bolao (2002, p.5) argumenta que o neoliberalismo uma ideologia


caracterstica da crise e que colabora para o aprofundamento desta, porque traz
49

argumentos importantes a favor da retirada do Estado, colocando em declnio a idia do


estado de bem-estar social.

A ideologia neoliberal respalda justamente a politica de reduo


dos gastos sociais de enxugamento do Estado. Este acaba
assumindo a aparentemente inesperada funo (crucial, diga-se
de passagem) de organizar a sua prpria retirada, definindo,
atravs de suas polticas, quais sero os perdedores. Assim, o
Estado continua sendo o locus fundamental para a construo
da hegemonia. ele que assume, de fato, a responsabilidade
pelo sucesso ou fracasso na implementao do chamado projeto
neoliberal.

Furtado (2007, p.29) alerta: quanto mais as empresas se globalizam quanto


mais escapam da ao reguladora do Estado, mais tendem a se apoiar nos mercados para
crescer. Ao mesmo tempo, as iniciativas dos empresrios tendem a fugir do controle das
instncias polticas. til ainda refletir que as mesmas iniciativas empresariais que
desejam escapar ao controle das instncias polticas, no sentem constrangimento em
reclamar a interveno do Estado, quando assim o necessitam, como ocorreu na crise
econmica gerada nos Estados Unidos no final da primeira dcada do sculo XXI,
quando foi solicitada a interveno do Estado em socorro aos bancos.
De fato, o Estado nunca est ausente, uma vez que mesmo sua possvel
diminuio de poder regulada por este. Porm, ainda que no esteja ausente, o Estado
por vezes tem se verificado omisso, uma condio que Santos (2010) define como um
desmaio do Estado. Jambeiro (2007) fala em uma reacomodao do Estado,
assumindo uma nova forma, menos direta e mais gerencial. Mszros (2011, p.89)
avalia:
Ao primeiro sinal de recuperao, a poltica empurrada para
seu papel tradicional de sustentar e reforar as determinaes
socio-econmicas dominantes a prpria alardeada
recuperao, alcanada na base das motivaes econmicas
bem-intecionadas, atua como justificativa ideolgica
autoevidente para reverter subservincia o papel rotineiro da
poltica, em harmonia com a estrutura institucional dominante.

O grande problema dessa questo o novo papel que o capitalismo global


impe ao Estado. Para Ianni (2007, p.59) o aparelho estatal levado a reorganizar-se
ou modernizar-se segundo as exigncias do funcionamento mundial dos mercados, dos
fluxos dos fatores da produo, das alianas estratgicas entre corporaes.
Crtico da globalizao que se impe como fato inelutvel, Santos (2010)
denuncia o que chama a consagrao de um pensamento nico, que enxerga o
50

capitalismo e seus movimentos como foras inescapveis. Segundo ele querem nos
fazer crer na globalizao como uma fbula enquanto ela uma perversidade. O
discurso nico do mundo tem implicaes na produo econmica e nas vises da
histria contempornea, na cultura de massa e no mercado global (SANTOS, 2010,
p.45).
A sociedade como um todo atingida pelo reposicionamento do capitalismo que
provoca alteraes na estrutura das empresas, no que estas produzem, na sua relao
com os trabalhadores, alm de mudanas no papel do Estado e das empresas privadas.
Alguns autores, ao avaliar as consequencias da reconfigurao capitalista chegam a
afirmar que h, atualmente, uma vingana do capitalismo contra a sociedade.
A omisso da ao reguladora do poder pblico, til para compreender a atuao
de empresas diversas no capitalismo global, se aplica igualmente compreenso das
empresas de comunicao, que nestes novos cenrios encontram um formidvel terreno
para expanso, oferecendo espaos de explorao ao sistema capitalista e se
beneficiando desta oferta. Como apontado no captulo anterior, h escolas de EPC que
defendem fortemente a regulao dos meios de comunicao comerciais, especialmente
das televises, entendendo tratar-se da concesso de um servio pblico que, regulado,
pode oferecer a possibilidade de uma comunicao mais democrtica. O que acontece
na maioria dos casos que, quando no so regulados oficialmente, algum tipo de
regulao termina por acontecer, geralmente privilegiando setores mais poderosos.
Ironicamente, o momento que seria de maior expanso do capital coincide, no
entanto, com o momento de sua crise mais aguda. A expanso global, que de incio se
anunciava como uma soluo, tem contribudo tambm com a crise. Mais uma vez, o
sistema entra em colapso no momento de seu supremo poder, pois sua mxima
ampliao inevitavelmente gera a necessidade vital de limites e controle consciente,
com os quais a produo do capital estruturalmente incompatvel. (MSZROS,
2011, p. 72). Desde o incio do sculo XXI a crise no capitalismo inclui a desalecerao
da economia, a exploso da bolha financeira e a queda da confiana no consumo,
apontando para o fim da euforia com a globalizao e aumento do desencanto e
contestaes (FIORI, 2007).
Na tentativa de avaliar a crise estrutural do capital contemporaneamente
impulsionada por crises econmicas, politicas e sociais em vrias partes do mundo,
Mszros define: continua sendo mesma crise estrutural que conhecemos desde fins de
51

1960, incio de 1970, mas diferente no sentido de que irrompeu globalmente com
grande veemncia.
O fato de ser global traz novos desafios. A crise atual diferente no sentido de
que comea a produzir respostas radicais desafiadoras numa escala considervel. E esse
processo est longe de ter atingido o seu auge (MSZROS, 2011, p.137). A despeito
da impresso de que parece continuidade, Ianni (2007) prefere pensar que a crise do
capitalismo global seja realmente um fato muito novo, exigindo novas reflexes.
Ainda que atualmente no consiga encobrir suas deficincias, apontadas
especialmente entre os estudiosos mais crticos, o pensamento neoliberal, vitorioso na
dcada de 1980, no cansa de produzir adeptos e movimentos a seu favor, seja na
academia e com mais nfase no mercado e na mdia.
Mszros (2011), referindo-se as revistas inglesas The Economist e The Sunday
Times, acusa essas publicaes de fornecerem uma conscincia de classe
desavergonhadamente burguesa. Para o autor, esse tipo de publicao tem um papel
cumprir: a classe dominante pecisa de um rgo de propaganda de circulao em
massa, com o o bjetivo da mistificao geral. Ele argumenta que em geral, neste tipo
de veculo, as matrias, altamente parciais, mascaram uma viso equilibrada usando a
frmula do por um lado isso, mas por outro lado aquilo. E o resultado final que
sempre tendem a alcanar a sua desejada concluso em favor da ordem estabelecida
(MSZROS, 2011, p.19).
A grande imprensa influenciada pelo capitalismo global tem exemplos de
adeptos do pensamento neoliberal por todo o mundo. No Brasil, em outubro de 2012, a
Revista Exame, por exemplo, organizou o evento chamado Exame Frum, para discutir
questes relativas a infraestrutura e crescimento econmico do pas. Na matria
intitulada O diabo est nos detalhes (2012, p.66-70), o subttulo diz: O governo
finalmente entendeu que no consegue ampliar a deficiente infraestrutura do pas sem a
iniciativa privada. So elencados cinco pontos de infraestrutura: portos, rodovias,
ferrovias, energia eltrica, aeroportos. Em cada um, a sada apontada via privatizao
dos servios.
Outro exemplo vem na mesma revista Exame (2013, p. 20-30), quando a capa
traz uma foto do jogador Neymar e o ttulo: Como o capitalismo pode salvar o futebol
brasileiro (e o seu clube). O subttulo afirma: s vsperas da Copa do Mundo, os
clubes brasileiros ganham dinheiro como nunca e tm uma chance nica de entrar para o
52

peloto de elite do futebol mundial. H ainda uma legenda que diz: Neymar, jogador
da seleo: smbolo de um momento indito do nosso principal esporte.
A capa permite milhares de leituras e anlises. Para concentrar as observaes
nas questes mais diretamente de interesse dessa dissertao, chamamos a ateno para
os textos, que revelam a concepo positivista e pragmtica do meio de comunicao,
alm de apresentar a questo como inelutvel e fora de questionamentos. Essa situao
pode ser percebida desde a manchete afirmativa: Como o capitalismo pode salvar o
futebol brasileiro, s demais expresses utilizadas: ganham dinheiro como nunca,
chance nica, peloto de elite do futebol mundial, momento indito, nosso
principal esporte.
No primeiro exemplo o meio de comunicao aponta o Estado pesado, lento e
ineficiente. No segundo exemplo, a iniciativa privada saudada como a soluo que
pode salvar do iminente fracasso o futebol brasileiro.
Esses recortes servem de exemplo de que, assim como todas as demais reas, a
mdia afetada pela formatao de capitalismo global e de polticas neoliberais. .
O processo histrico que culminou com a constituio do
chamado capitalismo monopolista foi acompanhado de uma
srie de transformaes tcnicas no campo das comunicaes
que vieram a confirmar e potencializar as tendncias de
articulao social da informao lgica do desenvolvimento
capitalista. (BOLAO, 2000, p.47)

no terreno neoliberal, desregulamentado, justificado pela idia de mercado,


que as comunicaes operam na contemporaneidade, terminando por ocasionar a
concentrao e fortalecimento dos conglomerados de comunicao. Com a extenso da
lgica capitalista para a comunicao e a cultura, a convergncia que assistimos hoje,
muito alm de tecnolgica, tambm de interesses empresariais.
Para uma melhor apreenso sobre as mudanas que a reconfigurao capitalista
traz, alterando os mercados de modo geral e modificando o campo da comunicao,
destaca-se alguns pontos abordadados a seguir: a) a questo da concentrao; b) a
crescente mercantilizao de processos e prticas; e c) o reposicionamento e avano das
indstrias culturais, baseadas nos meios de comunicao e mudanas tecnolgicas.
Todos esses pontos esto relacionados, porm sua distino cumpre uma funco
didtica para melhor compreenso da reconfigrao capitalista e suas influcias para a
comunicao.
53

2.1.1. A questo da concentrao

Ao mesmo tempo em que precisa se expandir, abarcando novos mercados, o


capital est necessariamente concentrado nas mos de alguns poucos investidores. Ele
adota necessariamente um formato de monopolizao e estabelece variadas barreiras ao
crescimento da concorrncia. A ideia de que o livre-mercado leva competio tem
sido combatida. Contrariando as premissas liberais e neoliberais, uma das contradies
ntrinsecas competio que ela tende concentrao por meio de monoplios ou
oligoplios e, consequentemente, excluso econmica.
A competio, como Marx (2010) observou, tende sempre ao monoplio, pois a
sobrevivncia do mais apto na guerra de todos contra todos elimina as empresas mais
fracas, levando a uma grande centralizao de capital. A ideia liberalizante defende a
tese que a competio permite a variedade de produtos. No raro mascara que essa
variedade de produtos esconde a concentrao de produo, cada vez mais fixada em
poucos grupos. No a toa que os movimentos do capital nos ltimos anos tendem para
as fuses e aquisies, que buscam reduzir despesas, contornar riscos e sufocam as
companhias menores. assim com a indstria de carros a supermercados e a sabonetes.
assim com a indstria da comunicao. Desde o incio do sculo XXI assiste-se em
todo o mundo o surgimento de megagrupos de comunicao, como Time Warner ou o
Grupo Murdoch, ambos com sede nos Estados Unidos. Alm do campo dos meios de
comunicao eles atuam em edio musical e cinematrogrfica, agncias de
publicidade, vrios tipos de servio e lazer, alm de esportes (MORAES, 2012).
Desde a segunda metade do sculo XX os meios de comunicao passam por
transformaes intensas. De empresas modestas, na maioria das vezes de propriedade
famliar, tornam-se importantes negcios da sociedade industrial, com a adoo de
prticas de administrao industriais e empresariais semelhantes a maioria dos negcios
modernos, incluindo o uso de tcnicas de marketing, finanas e contabilidade que se
estendem a todo o negcio da comunicao. Em toda a Amrica Latina, por volta do
final dos anos de 1980, as empresas de comunicao passaram a abandonar prticas
mais artesanais de gesto, substituindo-as por modalidades gerenciais mais sofisticadas,
a medida que as empresas ganhavam um protagonismo maior. Isso tambm ajuda a
compreender como essas organizaes de comunicao passam a aderir a processos de
concentrao e centralizao.
54

Ianni (2007) defende que o capitalismo contemporneo encontra-se concentrado


nos prprios investimentos e centralizado entre os investidores que se revelam mais
fortes.
Esto em marcha os processos de concentrao do capital, o que
implica a contnua reinverso dos ganhos no mesmo ou em
outros empreendimentos, e os de centralizao do capital, o que
implica a contnua absoro de outros capitais, prximos e
distantes, pelo mais ativo, dinmico e inovador (IANNI, 2007,
p. 173).

Os movimentos de concentrao e centralizao do capital provocam uma


alterao nas formas de concorrncia. Grandes blocos do capital passam a dispor de
potencial ofensivo maior, aliado a uma capacidade de diversificao de produtos. Essa
diversificao nos produtos, no entanto, como ocorre de modo concentrado e
centralizado, no resulta em aumento da mobilidade do capital, uma vez que este est
restrito a um pequeno nmero de grandes empresas.
Harvey (2003) argumenta que os capitalistas cultivam o monoplio porque
assim tornam real o controle de longo alcance sobre a produo e a comercializao e,
com isso, estabilizam o ambiente de negcios para permitir o clculo racional e o
planejamento a longo prazo, a reduo dos riscos e incertezas e, em termos gerais, para
garantir a si mesmos uma existncia relativamente pacfica e com menos problemas.
Como a variedade do que se oferece est concentrada nas mos de algumas
poucas companhias, os limites dessa variedade oferecida so definidos por instncias
privadas de produo e comercializao, que levam em conta interesses comerciais. O
interesse pelo pblico o interesse pelo pblico enquanto consumidor, que responda as
necessidades de comercializao da companhia. A competio concentrada em poucas
organizaes, que possuem poder financeiro, conhecimento estratgico, capacidade
industrial e esquemas de distribuio, forma um cenrio chamado por Moraes (2012) de
hiperconcentrao. Na reestruturao tcnico produtiva do capitalismo as empresas
maiores engolem as menores.
Em relao a concentrao da mdia, Moraes (2012, p.205) avalia que ela se
consolidou no vcuo aberto pela liberalizao desenfreada, pela insuficincia de
marcos regulatrios e pela deliberada omiso dos poderes pblicos. O mesmo autor
argumenta que a articulao entre o modo de produo capitalista e as tecnologias de
comunicao formam uma sinergia que alimenta a acumulao de capital. importante
salientar que, quando se fala em concentrao nos meios de comunicao, a questo
55

supera a atividade dos veculos de comunicao em si e inclui tambm as


telecomunicaes (extremamente concentradas em todo o mundo), o conjunto das
indstrias culturais e as redes digitais (como a internet).
A espacializao, definida por Mosco como um dos pontos de entrada da
Economia Poltica para entender os fenmenos contemporneos, em geral tem analisado
a extenso geogrfica e institucional das atividades organizacionais. Na rea da EPC
isso tem significado estudar a extenso institucional do crescente poder empresarial nas
indstrias de comunicao. Isso se manifesta no crescimento absoluto no tamanho das
empresas da mdia. Para Mosco (2009, p. 256) tanto o crescimento quanto a
concentrao so aspectos centrais do mapa contemporneo da comunicao.
Becerra e Mastrini (2009) chamam a ateno para o problema da concentrao,
que traz a tendncia configurao de regimes de oligoplio ou de monoplio, situao
que se produz quando poucas empresas de grande dimenso ocupam a totalidade do
mercado, reduzindo as opes disponveis.
A subordinao de um conjunto de atores com a predominncia
de uns poucos comporta um crculo que se retroalimenta
incrementando a fortaleza desses poucos e reduzindo a
significao dos demais. A concentrao traz incluso o
desaparecimento de atores pequenos ou marginais ou a sua
absoro por parte dos atores de maior envergadura.
(BECERRA; MASTRINI, 2009, p.30).

H vrios modelos de concentrao, mas tradicionalmente os tipos mais comuns


seguem as formas horizontal e vertical. A expanso horizontal acontece quando uma
empresa se expande com o objetivo de produzir uma variedade de produtos finais. Ela
tem o objetivo de aumentar a participao no mercado, eliminar capacidades ociosas da
empresa ou grupo e permitir economias de escala. Esse tipo de concentrao resulta na
intensificao da formao dos grandes grupos de imprensa, com a oferta de variados
produtos de comunicao.
J a concentrao vertical acontece entre empresas de uma mesma linha de
negcios que estende o controle sobre o processo de produo, podendo avanar para
reas anteriores ou posteriores produo do produto em si. Por exemplo: uma empresa
produtora de filmes que estende o seu controle sobre uma companhia de distribuio. O
objetivo geralmente expandir o controle por diferentes fases de produo, desde a
matria prima ao produto acabado, para com isso reduzir custos, racionalizar operaes
e assim ganhar uma vantagem competitiva, uma vez que a expanso vertical permite
diminuir custos intermedirios.
56

Becerra e Mastrini (2009) tambm falam em concentrao por conglomerados,


crescimento diagonal ou lateral. Trata-se de buscar diversificaes fora do campo de
origem com o objetivo de reduzir e compensar riscos, criando sinergias. A
formatao de conglomerado entre diferentes indstrias ajuda a estabelecer um forte
poder institucional, que pode ser utilizado em benefcio da organizao. A
diversificao permite s firmas distribuir os custos dos riscos de inovao ao longo de
uma variedade de formatos e mtodos de distribuio. A apario fulminante da internet
potencializa essa possibilidade (BECERRA, MASTRINI; 2009, p. 32).
A concentrao por conglomerados tem crescido entre as organizaes de
comunicao. Assim, se veem empresas que, alm dos veculos de comunicao,
possuem outras empresas em reas distintas dos negcios da comunicao. Em muitos
casos os meios de comunicao nem mesmo se constituem em organizaes diretamente
lucrativas do ponto de vista financeiro, mas se tornam fundamentais para auxiliar nos
negcios do restante do conglomerado, que se beneficia do aparato da mdia para
divulgar produtos e servios, promover negcios e imagem institucional, enfrentar a
concorrncia e influenciar decises poltico-legais.
Mosco (2009) ainda aponta a concentrao via transnacionalizao das empresas
de comunicao (o que se viu crescer enormemente com os processos de inovaes
tecnolgicas e globalizao econmica); em alianas - quando empresas diferentes se
aliam para cooperar uma com a outra; e nos acordos de merchandising - quando a
empresa autoriza o direito de usar o nome de um produto para criar outros produtos com
a mesma marca.
As empresas de comunicao integram-se de diferentes formas, juntam-se a
outros negcios, tornam-se mais flexveis e assim encarnam um enorme poder
econmico concentrado. exemplo de outros negcios no capitalismo global, se
expandem por vrias maneiras de concentrao, formando uma tendncia que tem
crescido nas ltimas dcadas, exatamente quando essas empresas buscam novos
mercados para seus produtos, reduo de custos e avanam em regies com pouca ou
nenhuma regulao governamental.
Todos esses movimentos fazem da indstria da comunicao algo cada vez mais
integrado economia mais ampla, dificultando por vezes que se distinguam seus
limites no mercado global dos servios eletrnicos. Mosco (2009, p.288) considera que
esse cenrio, que leva concentrao dos meios de comunicao, uma mudana que
faz parte de um processo maior no qual as empresas adotam novas estruturas de
57

organizao que combinam o poder de dispor dos recursos e a flexibilidade de


responder aos mercados em mudana.
O tamanho da empresa e controle de mercado que esta exerce continuam sendo
indicadores importantes de concentrao. Porm, as possibilidades de extenso
horizontal, vertical e outras criam formas de concentrao as vezes menos visveis,
baseadas em conexes entre produtores, fornecedores e consumidores. So mudanas
nas formas de estrutura espacial e empresarial que indicam a necessidade de reformular
algumas idias na investigao mais tradicional sobre concentrao.
Alguns dos primeiros trabalhos de EPC se encarregavam de descrever a estrutura
e as prticas de grandes empresas de comunicao e estudavam temas sobre o uso do
poder dessas grandes companhias. Depois o interesse das investigaes passou a
observar a estrutura e as prticas tomando como base os debates sobre o ps-fordismo e
o ps-modernismo. Mais recentemente, alguns estudos tm investigado a tendncia de
organizar a produo mais em torno de mercados especficos que de massa, aplicando
ao consumo a idia de produtos especializados ao gosto do consumidor para mercados
concretos.
A observao da dinmica do consumo, que tem feito com que as empresas
abandonem a tradicional formatao dos mercados de massa para adotarem prticas de
atuao em mercados fragmentados, segmentando pblicos, levou Anderson (2008) a
criar o termo Cauda Longa para se referir ao mercado de nichos, que cresce cada vez
mais, como uma longa cauda, em oposio a mercado de hits - os produtos para
consumo em massa. Em um mundo onde os hits continuam existindo, Anderson aponta
para os nichos como a nova maneira de encarar os mercados. O autor utilizou o
conceito para fenmenos em entretenimento e mdia, mas ele tambm pode ser aplicado
para observar outros setores de bens de consumo de modo geral.
Para atender a um mercado cada vez mais segmentado, as indstrias lanam
novos produtos de modo contnuo, ainda que pertencentes aos mesmos grupos
produtores. interessante observar que a concepo da Cauda Longa no contradiz a
ideia da concentrao, uma vez que as indstrias de bens de consumo bem como as
indstrias da mdia, operam no mercado de forma paradoxal: unindo diversidade de
produtos e concentrao de produo. A fase da multiplicidade de ofertas, conceito
desenvolvido por Brittos (2009) para definir o perodo a partir de meados dos anos de
1990 em que h maior gama de opes para escolha do consumidor, poderia sugerir
58

diversidade de produo, mas muitas vezes mascara a concentrao e atende to


somente a interesses mercadolgicos.
Nessas condies, a quantidade de produtos de comunicao no implica
necessariamente em diversidade de contedos, uma vez que muitos desses contedos
tendem a ser semelhantes. Igualmente no implica em pluralidade, j que a produo
est concentrada em poucas mos. De modo geral, essa situao configura uma reduo
de fontes informativas, uma predominncia de estilos e temticas e uma relativa
homogeneizao dos gneros e formatos tanto nos meios de comunicao como nas
demais atividades culturais industrializadas. Quando os mercados se concentram,
tendem a padronizar gneros e formatos, resignando a pluralidade e diversidade de
contedos (BECERRA; MASTRINI, 2009, p. 34).
Alguns atores do mercado desejam convencer que a centralidade no um
problema. Porm, o forte processo de concentrao que se tem verificado tem sido
construdo a partir de uma lgica de mercado, negligenciando demandas sociais. A
propriedade dos veculos de comunicao um ponto de partida para se discutir a
concentrao. A informao um bem pblico que se encontra gestionado sob lgicas
privadas. Assim, importante problematizar a quantidade de produtos de comunicao
por proprietrios e buscar facilitar o ingresso de novos atores, desarticulado a
concentrao e procurando formas mais democrticas de atuao dos meios de
comunicao e de exerccio do jornalismo.

2.1.2. A mercantilizao de processos e prticas

Mosco (2009) define a mercantilizao como o processo pelo qual o


capitalismo leva a cabo o seu objetivo de acumular o capital. Trata-se de reconhecer o
valor que os produtos tm quando se pode transformar o valor de uso em valor de troca.
Assim, a mercadoria, ou a alquimia que transforma um produto ou servio em algo que
pode ser vendido, a maior personificao do capitalismo. Para Marx no se trata de
produzir um produto, mas uma mercadoria, ou seja: um produto destinado venda.
Segundo o autor o decisivo para os produtores no mais o valor de uso, mas somente
o valor de troca do produto, e o valor de uso para ele apenas o portador do valor de
troca (2010, p.343).
A Economia Poltica da Comunicao questiona a ideia de racionalidade e
neutralidade do mercado. Contra isso, insiste no poder do capital e no crescente
59

processo de mercantilizao como ponto de partida para as anlises sociais. Para a EPC
uma compreenso completa de como o processo de mercantilizao influi nos circuitos
de produo, distribuio e consumo vital para que se entenda a produo cultural.
Assim, os estudos em EPC chamam a ateno para a mercantilizao dos contedos, ou
seja: para a tranformao das mensagens em produtos comercializveis.
Tornaram-se conhecidos em EPC os estudos de Smythe que apontam que a
audincia , na verdade, a primeira mercadoria dos meios de comunicao. Segundo
essa ideia os meios de comunicao produzem audincia e a entregam aos anunciantes.
Logo, a programao dos meios pensada para atrair as audincias, como a comida
grtis oferecida nas tabernas interessadas em vender bebidas. Sob esse ponto de vista a
audincia o principal produto dos meios de comunicao de massa numa economia
capitalista (MOSCO, 2009).
Este um ponto importante a considerar. Outro que o processo de
mercantilizao tem se estendido a numerosas reas que, alm dos meios de
comunicao e informao, chega as campos culturais e at institucionais, como a
educao e governo, locais para onde se preservava a ideia de acesso universal, com
independncia do poder de mercado. O processo de mercantilizao tem se estendido a
lugares e prticas antes organizados com uma lgica social diferente, baseada em
participao social e cidadania, hoje crescentemente reduzidos a uma lgica de
mercado. Ao longo do sculo XX impe-se progressivamente o paradigma do mercado,
surgindo da uma viso de mundo comprometida com a supremacia do econmico sobre
o poltico. A fora motriz a incessante busca por lucro, que marca o capitalismo.
Para Fiori (2007) ao eliminar o papel do poder poltico na economia se
despolitiza as mudanas recentes do capitalismo e, com isso, as decies que seriam
polticas passam a ser vistas como um imperativo inapelvel do capital. Como
consequncias os atos de submisso aos designos do mercado so considerados uma
manifestao de realismo e sensatez; e todos os atos de resistncia dos povos menos
favorecidos so considerados sinais de irresponsabilidade e populismo (FIORI, 2007,
p. 94).
medida que os mercados se globalizam, aumenta o poder financeiro. A EPC se
interessa em investigar como os meios de comunicao, estimulados por contnuas
melhorias tecnolgicas, tm realizado a mercantilizao do processo geral do trabalho
em jornalismo. As grandes empresas de comunicao tm mercantilizado enormemente
os contedos.
60

O esporte hoje interessa aos grandes grupos de comunicao


americanos e europeus ou a um grupo como Murdoch (que j
no sabemos que nacionalidade tem, s australiano, se
britnico, se americano), o qual, por exemplo, pretendia
comprar o time de futebol mais clebre do mundo, o
Manchester United. Um time de futebol no tem, hoje, interesse
esportivo: muito menos uma prova esportiva que se desenrola
em uma cancha do que um espetculo que se difunde pela
televiso. Um time de futebol nada tem a ver, ou tem cada dia
menos, com o esporte e cada vez mais com o espetculo. Da as
importantes somas em dinheiro pagas aos atores dessas equipes,
como aos atores deste ou daquele filme ou telenovela
(RAMONET, In: MORAES, 2012, p. 246).

Entre as implicaes da mercantilizao dos contedos estaria a formao de um


sistema tecido ao redor do consumo e da informao ideologizada, preocupando-se, as
empresas, em produzir o consumidor antes mesmo de produzir os produtos.
A produo do consumidor, hoje, precede produo dos bens
e dos servios. Ento, na cadeia causal, a chamada autonomia
da produo cede lugar ao despotismo do consumo. Da o
imprio da informao e da publicidade. (SANTOS, 2010, p.
48).

A consolidao do modelo mercantilizado, justificado pelo consumo, tal como o


conhecemos hoje, aconteceu aps a Segunda Guerra, quando os Estados Unidos
despontam como lderes mundiais da acumulao do capital. Suas maneiras de fazer
negcios so adotadas como modelo em boa parte do mundo, levada a embarcar
poltica, econmica e culturalmente na globalizao por meio da americanizao
(HARVEY, 2004, p.42). Quando os Estados Unidos se estabelecem de modo
hegemnico no mundo, a acumulao do capital tambm se v estimulada pelo
incentivo ao consumismo e aos modos de vida, formas culturais e instituies polticas e
financeiras norte-americanas.
O que pode ser mercantilizado ganha legitimidade para existir. Mosco (2009, p.
102) argumenta: o comportamento no mercantil se situa dentro do reino das
imperfeies do mercado. Logo, a atividade que se apresentar como no mercantil
perde legitimidade, devendo ser reduzida. O xito no mercado visto como um xito
social (MOSCO, 2009, p. 102), logo isso aumenta a mercantilizao da vida social em
geral, dos processos de trabalho e da produo, inclusive em comunicao.
As empresas de comunicao tm uma situao delicada por atuarem num
mercado dual, lidando com dois pblicos em especial: o pblico em geral e o pblico
anunciante. Muitas vezes estes dois pblicos tm interesses conflitantes. Historicamente
61

o jornalismo, com o conceito de atividade de bem social, preocupava-se com o pblico


em geral. Contemporaneamente, com as empresas atuando em mercados concorridos,
comum que se veja aumentar a preocupao com o pblico anunciante, que deve ser
atrado para aquele meio de comunicao. Claro, o pblico em geral continua
interessando ao veculo de comunicao. Especialmente quando se pode transformar
esse pblico geral em audincia, ou seja: em motivo para venda do espao publicitrio,
como havia salientado Smythe (MOSCO, 2009).
Sob esse ponto de vista, preocupar-se com o pblico em geral cada vez mais
preocupar-se com o pblico anunciante. O jornalismo com preocupaes de mercado
legitima-se via consumo. E o consumo adquire papel to central nos processos que no
deixa de ser curioso que se tenha passado a usar o termo pblico consumidor de
forma to generalizada e quase sempre acrtica. Fala-se consumidor de informao,
consumidor de notcias, consumidor das indstrias culturais, pblico consumidor
dos meios de comunicao.
Nas dcadas de 1980 e 1990 a poltica neoliberal fortaleceu o mercado.
Inmeros ttulos de livros e revistas so lanados com tcnicas para atuao no
mercado. Em geral adotam uma linguagem de lderes empresariais, interpretando o
mercado como neutro e por vezes endeusando seu poder. Tom Peters, autor que
produziu livros campees de venda na dcada de 1990, escolheu para um captulo de
seu livro sobre administrao o ttulo Seja feita a vontade do Mercado. Martin Wolf,
jornalista do Financial Times, criticando os que se opunham ao mercado, definiu o
dio aos mercados como algo to patolgico que era anlogo ao racismo (FRANK,
2004). Referindo-se ao triunfo global do mercado, Frank (2004, p.83) o denomina como
o verdadeiro governante dos anos 1990.
Offe (1985) argumenta que as ideias socialistas, ao contrrio das capitalistas, so
marcadas por um processo de desmercantilizao da vida poltica e econmica. A
desmercantilizao implica na criao de polticas e programas sociais que visem
proteger a existncia econmica dos atores sociais, incluindo mesmo aqueles que so
incapazes de participar da mercantilizao. No entanto, conflitos gerados por fracassos
socialistas, aumentam a confiana e os argumentos a favor dos mecanismos de mercado,
fazendo com que o capital responda com uma remercantilizao. Mosco (2009)
enxerga que essa resposta via remercantilizao pode ser encontrada at no Estado que,
particularmente, desde as ltimas dcadas do sculo XX tem aplicado sua
administrao princpios de mercado na esperana de que o Estado tome a imagem de
62

uma empresa comercial, tida pelo modelo neoliberal como algo produtivo, que
funciona, ao contrrio do Estado.
Desde sua origem, o desenvolvimento capitalista, se caracteriza pela
mercantilizao das diferentes atividades sociais. Para falar sobre como se gera capital,
Marx (2010) props a equao D-M-D, ou seja um dinheiro (D), que produz uma
mercadoria (M), que resulta em dinheiro com valor aumentado (D), uma vez que a
produo capitalista visa o aumento constante de mais valor. Marx afirma que o
comrcio impossvel se as mercadorias so trocadas por seu valor. O final do processo
sempre deve resultar em um valor em dinheiro que seja maior que o valor inicialmente
empregado. O que importante que se compreenda dessa equao e que a torna valiosa
para refletir sobre os produtos de comunicao produzidos em meios cada vez mais
mercantilizados, que a mercadoria (M) nunca a finalidade. Ela aparece apenas como
mediao entre o primeiro e o terceiro movimento (D-D). A mercadoria, como
metamorfose do dinheiro, aparece como mero ponto de transio (MARX, 2010, p.
117).
Na atual reestruturao capitalista o mundo convive com um sistema monetrio
desmaterializado. Dinheiro fludo, opulncia do consumo e desigualdades marcam essa
reestrutrao. O poder do Estado torna-se mais vulnervel a influncias financeiras.
Com a mercantilizao crescente, o financeiro ganha uma espcie de autonomia. Ser
rentvel economicamente parece suficiente para justificar certas prticas.
Vislumbrando um mundo onde o dinheiro em estado puro ganhava cada vez
maior importncia, Marx (apud SANTOS, 2010) chamou a relao entre finanas e
produo de loucura especulativa . Santos (2010, p.44) afirma que lcito falar que
vivemos a tirania do dinheiro.
Se o dinheiro em estado puro se tornou desptico, isso tambm
se deve ao fato de que tudo se torna valor de troca. A
monetarizao da vida cotidiana ganhou, no mundo inteiro, um
enorme terreno nos ltimos 25 anos. Essa presena do dinheiro
em toda parte acaba por constituir um dado ameaador da nossa
existncia cotidiana.

Um mundo sob a tirania do dinheiro, que valoriza a expanso e acumulao,


socialmente desprotegido e que atende a interesses do capital privado, torna-se um
mundo onde as demais foras terminam por se submeter ao poder do mercado, um
mundo mercantilizado. A literatura da globalizao fala em competitividade entre
Estados, mas os autores crticos apontam que se trata de uma competitividade entre
63

empresas, que, as vezes, arrastam o Estado e sua fora normativa na tentativa de


garantir as condies mais favorveis para a expanso do capital. Santos (2010, p. 60)
acredita que vivemos a morte da Poltica com P maisculo, j que a conduo do
processo poltico passa a ser atributo das grandes empresas.
Enquanto o mercado se expande, as instituies da democracia representativa
experimentam um processo de decadncia.
Assistimos a uma expanso dos mercados sem precedentes na
histria do capitalismo. O resultado dessa indita
mercantilizao da vida social foi um notvel desequilbrio na
relao entre mercado, estado e sociedade. (BORON, 1999,
p.18).

A crise capitalista dos ltimos anos do sculo XX fez emergir uma nova
correlao de foras, que d maior potncia a poderes empresariais corporativos,
sustentados no mercado e com o uso dos meios de comunicao. Movimentos como a
presso social, veculos comunitrios, a comunicao via redes sociais e at a
fragmentao da TV a cabo, representam resistncia e oportunidade de fissuras, ainda
que muitas vezes a situao seja complexa. Muitos veculos comunitrios na Amrica
Latina, por exemplo, importantes para democratizao, tm dificuldades de acesso a
licenas de funcionamento.
O ciberespao se debate entre bases materiais proprietrias e usos imaginativos
que fogem ao controle das gestes, pois ainda que estejam apropriadas pelo capital, as
formas digitais permitem a apropriao por parte do pblico e usos alternativos. Assim,
ao se falar de concentrao e mercantilizao, deve-se atentar para a complexidade do
contexto atual. A situao conflituosa e no se pode desprezar o capital humano
interconectado, projetos culturais alternativos e o poder das redes sociais de
comunicao impulsionadas pela internet. Ainda assim, os grupos privados
concentrados buscam se impor e para isso contam com grande protagonismo do
mercado publicitrio, apoio do Estado e ressonncia em grande parte da cobertura dos
meios de comunicao.
Problematizar a questo da mercantilizao no jornalismo, na comunicao e na
produo cultural em geral determinante para tentar compreender a dimenso desse
processo que implica em grandes mudanas na imprensa. Paralelo (ou por vezes se
sobrepondo) a ideia de papel social do jornalismo, aparece a necessria sobrevivncia
econmica em um mercado concorrido, onde ganham fora aspectos como estratgias
de marketing, ndices de audincia (na medida em que podem se converter em espaos
64

publicitrios mais caros), relao com o pblico anunciante e a preocupao com a


busca de contedos rentveis. Este ltimo ponto tem sido a mola impulsionadora das
indstrias culturais.

2.1.3. Reposicionamento das indstrias culturais

Para compreender o reposicionamento e avano das indstrias culturais, que


exige inclusive a atualizao deste conceito, preciso antes situar o cenrio de grande
crescimento dos meios de comunicao, impulsionados por avanos na informtica e
nas telecomunicaes. O sculo XX tido como o sculo da emergncia das
comunicaes, dado o grande crescimento e importncia que adquirem os meios de
comunicao na vida econmica, politica, social e cultural no mundo inteiro.
Mcchesney (in: MORAES, 2012) afirma que os sistemas de mdia, que eram
primariamente nacionais, nos ltimos anos se converteram em um mercado global de
mdia comercial. Para ele o que aconteceu com as indstrias petrolferas e
automobilsticas no incio do sculo XX, acontece agora com a indstria do
entretenimento, arrastando com isso os meios de comunicao.
As dcadas finais do sculo XX assistem a grandes transformaes espaciais e
estruturais que se operam nos meios de comunicao, mais do que nunca imbricados
com o funcionamentos dos mercados. A reconfigurao capitalista traz a comunicao
para o centro do palco das transformaes mundiais. As tecnologias de comunicao
ajudam a construir e tambm so constantemente transformadas nesse novo mundo. Se
a poltica e a economia sempre mantiveram relaes com a comunicao, por outro lado
nunca comunicao, economia e poltica estiveram to emaranhadas, muitas vezes se
confundindo, uma servindo, amparando, conduzindo, justificando a outra.
Sodr (1999) j havia chamado a ateno para o estreito vnculo entre imprensa
e ordem capitalista ao considerar que a histria da imprensa pode ser contada a partir da
histria do desenvolvimento da sociedade capitalista. Ele se refere a aspectos como
controle da informao, influncia sobre comportamentos e busca de atingir cada vez
maiores parcelas de pblico pontos valiosos tanto na histria da imprensa como no
desenvolvimento do capitalismo. O que h de novo na relao entre imprensa e
capitalismo o aumento considervel dos investimentos em comunicao, tanto por
parte do Estado, como da iniciativa privada, uma vez que, como ferramentas de
propaganda e de produo de mercadoria cultural, as companhias de comunicao
65

desempenham um papel essencial de valorizao do capital para o mercado em geral


(BOLAO, 2008).
Assiste-se a instalao de um panorama em que os meios de comunicao
ganham redimensionamento, atuando de modo dinmico e oferecendo uma variedade de
contedos no regulados (ou frouxamente regulados) e que, muitas vezes, atendem a
interesses dos grupos que possuem a concesso dos veculos de comunicao ou a
interesses do mercado em geral. Bolao acredita que, com essa situao, o papel do
Estado, como rbitro da produo de contedos em defesa da sociedade, nunca se fez
to urgente. O pesquisador (2008, p. 72-73) argumenta sobre a posio chave que
adquirem as empresas de comunicao:
[...] as empresas de cultura passaram a desempenhar um papel
no s de unidades econmicas de valorizao do capital de
seus titulares, cada vez mais com origem em outros setores, mas
do mercado em geral, tendo em vista sua posio chave no
processo de diferenciao. Assim, revelam-se sobrevalorizadas
as entidades produtoras, programadoras e distribuidoras
culturais [...] A compreenso do fenmeno das corporaes
voltadas para a comunicao deve ser encarada considerando-se
a larga articulao entre comunicao miditica e capitalismo
avanado, sabendo-se que contemporaneamente as indstrias
culturais relacionam-se com o prprio funcionamento dos
mercados.

A centralidade que a mdia adquire conduz a atualizao do conceito de


indstrias culturais. A expresso indstria cultural usada por Horkheimer e Adorno
pela primeira vez na Diletica do Esclarecimento (texto iniciado em 1942 e s
publicado em 1947). Nos primeiros textos os autores usavam a expresso cultura de
massa, mas a substituram por indstria cultural, para eliminar desde o incio a
interpretao habitual, ou seja, de que se trata de uma cultura que nasce
espontaneamente das prprias massas (ADORNO, apud WOLF, 2008, p.75).
A expresso torna-se conhecida na acepo da chamada Escola de Frankfurt e
fica marcada pela carga de negatividade com que, tendencialmente, esse grupo de
estudiosos via o modelo industrial de produo e circulao da cultura. Brittos (2001)
afirma que posteriormente o termo ganhou o senso comum, sendo adotado para se
referir a atividade econmica das firmas de comunicao, em grande parte das vezes
abandonando o sentido contestatrio original. Assim, o vocbulo indstrias culturais,
usado pela mdia e no meio acadmico, com variados sensos, ou mesmo sem um
66

intento preciso, pode refletir a produo cultural no capitalismo, levando em conta as


ideias frankfurtianas, mas no se centrando s nelas (BRITTOS, 2001, p.33).
Propondo a atualizao do conceito, a EPC se refere ao termo no plural, usando
pela primeira vez indstrias culturais (neste trabalho, usamos o termo no plural desde
o incio). Por trs dessa proposta aparentemente simples est a compreenso da
complexidade e expanso que adquiriu a produo de bens simblicos na
contemporaneidade, com indstrias diversas que possuem lgicas prprias de produo,
circulao e consumo. Essas indstrias culturais atingiram um crescimento espetacular a
partir do final do sculo XX, impulsionadas pelo avano em todos os setores da
comunicao, das tecnologias e das telecomunicaes. Chama-se a ateno novamente
para o fato de que esse perodo coincide com o contexto de reconfigurao capitalista de
modo global.
Entre as indstrias culturais esto o cinema, o livro, a msica, as artes em geral e
os meios de comunicao. As reas que podem ser enquadradas como indstrias
culturais no param de se ampliar. O Departamento de Cultura, Mdia e Esporte do
Reino Unido (BRITTOS; CABRAL; 2008) definiu os seguintes setores: publicidade,
arquitetura, artes e antiguidades, artesanato, design, alta costura, filmes e vdeos,
software interativo de lazer, msica, artes cnicas, editoras, servios de software e
computadores, televiso e rdio, moblia de design, moda, produo audiovisual, design
grfico, software educacional, artes performativas e entretenimento, internet, artes
visuais e editorao.
Dantas (2011) se refere as indstrias culturais como o novo motor de
desenvolvimento da sociedade e acredita que em torno da produo de contedo que
se est estruturando um sistema econmico poderoso, gerador de empregos e rendas.
Franois Miterrand, presidente francs no perodo entre 1981 e 1995, se referiu
entusiasmado as indstrias culturais como uma indstria limpa, que no polui
(DANTAS, 2011). Dantas (2011, p. 39) esclarece que quando se fala em indstrias
culturais, de acordo com a atualizao do termo, no se est referindo a cultura em
geral, no seu sentido tico, esttico ou antropolgico, mas a uma forma especfica de
produzir cultura, que visa o lucro. O autor complementa: Gostemos ou no, esta j
uma forma dominante de cultura nas sociedades industriais avanadas.
As indstrias culturais compem um mercado produtor que, mais do que
concorrencial, tem se revelado monopolista, controlado e conduzido por poucas
corporaes. A EPC se interessa em estudar a dinmica de reposicionamento das
67

indstrias culturais e de comunicao, situadas hoje como objetos de valorizao do


capital. A nfase passa a ser a tentativa de compreender a produo, circulao e
consumo de bens simblicos, cada vez mais elaborados com a inteno de obter lucros.
Bolao (2005, p. 53) considera que a formatao de indstrias culturais conduz os
processos trs determinaes funcionais sociais distintas com a seguinte configurao:
ao capital interessa o dinheiro; ao Estado, o poder; ao pblico, a diverso. O autor
alerta que qualquer teoria da comunicao que no tente compreender essa situao
corre o risco do ridculo que ignor-la nesta altura do desenvolvimento do
conhecimento cientfico.
Na Inglaterra, na dcade de 1980, a partir da observao do crescimento da
produo de contedos miditicos rentveis e consolidao da expanso das indstrias
culturais, surge o termo Economia Criativa, para designar a emergncia desta economia.
Dantas (2011, p.38) chama a ateno que a prpria proliferao de termos para nomear
o fenmeno reveladora de sua expanso.
[...] a expanso dessa economia, sua fora geradora de
empregos e rendas, sua estruturao em torno de poucos e
enormes conglomerados mediticos mundializados, sua
inegvel influncia cultural e poltica no mundo e em cada pas,
atraiu-lhe crescente ateno dos estudiosos, fazendo nascer ou
se disseminar expresses como economia da cultura, economia
criativa ou ainda capitalismo informacional, capitalismo
cognitivo e outras.

Outro fato revelador da expanso do fenmeno das indstrias culturais pode ser
apontado na deciso do Ministrio da Cultura do Governo Federal brasileiro que, em
junho de 2012, criou a Secretaria da Economia Criativa (SEC)2. Antes disso, em abril de
2005, Salvador, na Bahia, sediou o Frum Internacional das Indstrias Criativas, com a
presena do ento ministro da cultura Gilberto Gil. O Reino Unido mais uma vez saiu
na frente nessa rea e em 2006 foi o primeiro pas do mundo a montar um Ministrio
das Indstrias Criativas e Turismo.3

2
A Secretaria da Economia Criativa foi criada por meio do decreto 7743. Segundo definio do site do
Ministrio da Cultura (http:// www.cultura.gov.br), a SEC tem a misso de conduzir a formulao,
implementao e monitoramento de polticas pblicas para o desenvolvimento local e regional,
priorizando o apoio e o fomento aos profissionais e aos micro e pequenos empreendimentos criativos
brasileiros.
3
O site do Ministrio da Cultura brasileiro, ao expor a necessidade de criao da Secretaria da Economia
Criativa, pe a disposio em pdf a publicao Plano da Secretaria da Economia Criativa polticas,
diretrizes e aes 2011 a 2014 (http:// www.cultura.gov.br/site/wp -
content/uploads/2012/08/livro_web2edicao.pdf) onde traa estratgias de ao para o rgo. Nele, um
texto argumenta que, apesar de reconhecido por sua diversidade cultural e potencial criativo, o Brasil
no figura entre os 10 primeiros pases em desenvolvimento de bens e servios criativos. A publicao
68

Conforme Santos (2006, p.8) a economia criativa pode ser definida como um
processo que envolve a criao, produo e distribuio de produtos e servios, usando
o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos
produtivos. As reas que podem ser enquadradas como economia criativa no param
de crescer, atualizando a lista inicialmente proposta no Reino Unido, uma vez que,
como sabido, a inovao e a criatividade so centrais na chamada economia criativa.
Zallo (2013) chama a ateno para um aspecto: a tendncia a se subistituir o
termo indstrias culturais por indstrias criativas ou economia criativa,
desprezando o nome cultura e destacando o termo criativo. Ele alertou que a
renncia ao nome cultura pode indicar o fortalecimento de interesses do mercado.
Como j se abordou no primeiro captulo em relao a gradativa substituio do termo
economia poltica por economia, agora pode-se estar novamente frente a uma
situao que mais ampla que uma simples substituio dos nomes, mas que pode
significar uma ruptura e uma adeso menos problemtica aos desejos e necessidades do
mercado.
Se o crescimento das indstrias culturais indiscutvel, outro fator que
igualmente parece sem contestao a presena de aspectos mercadolgicos, cada vez
mais penetrando na informao, na comunicao e na cultura. Para Brittos e Miguel
(In: BRITTOS; CABRAL, 2008, p. 40) atualizar o conceito de indstria cultural para
compreender os processos miditicos atuais significa ter clareza de que os produtos
culturais, apesar de suas especificidades, esto cada vez mais obedecendo lgica de
produo industrial do capitalismo, ou seja, aos produtos de comunicao esto se
aplicando regras de mercado muito prximas de outras indstrias interessadas em
comercializao e lucro.
Fonseca (2005) identifica que a partir dos anos 1970 as indstrias culturais no
Brasil tm formidvel expanso, tanto quanto produo, quanto distribuio e ao
consumo. Desde esse perodo crescem a produo de livros, a publicidade, o mercado
editorial, a indstria grfica, cinematogrfica, jornalstica, de entretenimento, etc, e se
consolidam conglomerados como a Editora Abril, o Grupo Folha, as Organizaes

ainda traz dados sobre o crescimento da economia criativa no mundo: Segundo estimativas da Unesco
o comrcio internacional em bens e servios culturais cresceu, em mdia, 5,2% ao ano entre 1994 (US$
39 bilhes) e 2002 (US$ 59 bilhes). No entanto, esse crescimento continua concentrado nos pases
desenvolvidos, responsveis por mais de 50% das exportaes e importaes mundiais. Ao mesmo
tempo, pesquisas da Organizao Inernacional do Trabalho (OIT) apontam para uma participao de
7% desses produtos no PIB mundial, com previses de crescimento anual que giram em torno de 10% a
20%.
69

Globo. Tornam-se, acima de tudo, negcios, empresas submetidas lgica capitalista de


produo. O prprio gerenciamento das empresas, antes exercido por profissionais da
rea da cultura e/ou comunicao, passa a ser atividade profissional do mundo dos
negcios, de executivo (FONSECA, 2005, p.103-104). As ento empresas de
comunicao se tornam indstrias culturais.
E assim, as indstrias culturais avanam em todo o mundo, aplicando regras de
mercado a produtos simblicos. O crescimento espetacular exige a formulao de
polticas pblicas e chama a ateno de organizaes mundiais. A Conveno de 2005
da Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura UNESCO-
criou o Fundo Internacional para a Diversidade Cultural (FIDC), que entrou em vigor
em 2007. Trata-se de um fundo voluntrio de cooperao internacional para a cultura e
a comunicao que tem o objetivo de promover o crescimento sustentvel e reduzir a
pobreza em pases em desenvolvimento. Para alcanar esse objetivo a ideia facilitar a
implementao de polticas culturais que estimulem as indstrias culturais, fortalecer as
iniciativas nessa rea e at cri-las, onde elas no existam. Os financiamentos vo para
os mais diferentes setores e projetos, desde para produo de documentrios
audiovisuais, produes musicais at curso para elaborao de cenrio ou maquiagem
para teatro, por exemplo. A frica e Amrica Latina tm sido as maiores beneficiadas
com os recursos do Fundo (ZALLO, 2013).
Uma avaliao positiva que os estudos de EPC tm feito sobre a iniciativa da
Unesco que ela no cria a imposio de uma agenda de cima para baixo, mas
seleciona projetos que surgem nas prprias comunidades e d a oportunidade de
organizaes pequenas terem acesso aos recursos. Por outro lado, a falta de
especificidade e de um acompanhamento maior na distribuio dos recursos pode gerar
anomalias, estimulando aes que tenham outros interessados e no contribuindo para
modificar o quadro de desequilbrio que afeta esses pases em desenvolvimento,
desvirtuando assim a ideia original. Em Bali,na Indonsia, por exemplo, um projeto a
receber apoio buscava estimular a produo e uso do sarong- vestimenta tpica do local.
O que poderia ser um projeto de estmulo cultura tradicional, verificou-se mais tarde,
era uma ideia da indstria txtil, que estava por trs da iniciativa (ZALLO, 2013).
Situaes como essa so reveladoras da tenso entre os conceitos de indstrias
culturais e economias criativas, conceitos ainda em construo. Tericos mais crticos
da EPC no escondem o receio de que o Fundo proposto pela Unesco se converta mais
70

em uma ao de caridade que de desenvolvimento e mascare a necessidade de se pensar


polticas pblicas efetivas para o setor.
As indstrias culturais, confrontadas com a lgica comercial do mercado em
expanso, passam a ser o objeto de estudo de grande parte dos economistas polticos da
comunicao e da cultura desde as ltimas dcadas do sculo XX. Essa a fase em que
as indstrias culturais diversificam mercadorias. Para usar o conceito de Anderson
(2008): operam em Cauda Longa. Na rea do jornalismo, por exemplo, as empresa
comeam a lanar produtos diferenciados, para atender demandas especficas de
pblicos segmentados. Assim, as necessidades do capitalismo avanado fazem surgir
uma variedade de produo nas diversas indstrias culturais em vrios pontos do
mundo, inclusive nas indstrias da comunicao.

2.2. O Jornalismo das indstrias culturais

O avano das indstrias culturais se articula com dois movimentos simultneos


que se verificam de forma mais forte desde as dcadas finais do sculo XX: o aumento
considervel dos investimentos em comunicao e a preocupao com a produo de
contedos rentveis. O jornalismo, produzido, distribudo e consumido via meios de
comunicao - que agora se preocupam como nunca com a expanso e com a
rentabilidade econmica dos contedos - afetado pela formatao de indstrias
culturais. Esse estudo se concentra no jornalismo dessa fase que apresenta como
caractersticas principais os grandes investimentos na comunicao, o avano
incomparvel em tecnologias de produo, distribuio e consumo, a expanso e
concentrao dos veculos da grande imprensa, a disposio em cauda longa de
produtos de comunicao e a mercantilizao dos contedos. Essa a fase do
jornalismo das indstrias culturais (FONSECA, 2005), que aqui se faz necessrio
apreender para identificar de que jornalismo fala esse estudo.
Estabelecer fases para o desenvolvimento do jornalismo cumpre a funo de
estudar e melhor compreender a evoluo da atividade, ainda que as periodizaes
sejam feitas a partir de critrios ou paradigmas distintos e utilizem diferentes
nomenclaturas.
Para a imprensa de uma maneira geral Habermas (2003) prope uma
periodizao que se divide em pr-capitalista, literria e empresarial. Essa periodizao
71

geral formulada por Habermas serviu de inspirao para vrias outras classificaes em
todo o mundo.
Para tipificar o jornalismo praticado no Brasil possvel recorrer a variadas
categorias, com classificaes distintas. Autores como Sodr (1999) e Medina (1978)
adotam o critrio de periodizar o jornalismo por fases histricas. Essa classificao, de
base materialista, analisa a evoluo do jornalismo a partir da evoluo da imprensa,
tanto sob o ponto de vista dos avanos tecnolgicos, como da organizao das empresas
no contexto econmico.
Sodr (1999) props uma classificao para a imprensa brasileira em quatro
grandes fases: imprensa colonial, imprensa da independncia, imprensa do imprio e
grande imprensa. Essa uma das classificaes mais conhecidas no Brasil. Medina
(1978) fala em um Jornalismo de Tribuna, mais opinativo, e em um Jornalismo
Noticioso, que passa a predominar na segunda metade do sculo XX, quando o
jornalismo brasileiro inicia uma srie de modernizaes, tanto no texto, na apresentao
grfica como no tamanho e organizao das empresas de comunicao.
Ainda que as periodizaes adotem diferentes critrios ou nomenclaturas,
quando se trata de analisar o jornalismo produzido no Brasil tendem a concordar com a
identificao do perodo entre o final dos anos de 1950 e dcada de 1960 como o do
surgimento do jornalismo industrial ou jornalismo empresarial. Essa poca tambm
considerada como a fase da modernizao da imprensa brasileira quando, influenciada
pelo modelo de jornalismo americano, ela passa a adotar vrias modificaes que vo
desde mudanas no texto, adoo do lead (o primeiro pargrafo tendendo a responder as
perguntas o que, quem, quando, como, onde e porque), uma diagramao mais leve e
preocupada com a esttica, a valorizao da notcia em detrimento da opinio, o
investimento em reportagens, at a incluso de prticas administrativas mais racionais,
que terminam por valorizar o lado empresarial da organizao de comunicao. a
transformao da imprensa em empresa.
De modo geral pode-se considerar que a atividade passa por uma fase mais
artesanal e opinativa, de influncia europia, que perdura at o final dos anos de 1950 e
chega fase da imprensa industrial, do jornalismo noticioso, que predomina com a
modernizao no jornalismo, com o avano da atividade com natureza mais industrial,
e a chamada profissionalizao da imprensa, que passa a adotar os ideais de
objetividade e neutralidade.
72

A imprensa artesanal vivia da opinio dos leitores e buscava


servi-la; na imprensa industrial j isso no acontecia, o jornal
dispensa, no conjunto, a opinio dos leitores e passa a servir aos
anunciantes, predominantemente. A diferena progressiva e
existe uma relao dialtica entre a imprensa e o pblico. As
propores assumidas pela relao citada variam com o tempo e
o meio, como normal (SODR, 1999, p.XIII).

Embora ainda no se soubesse, a fase da imprensa industrial seria o embrio do


jornalismo na formatao de indstrias culturais, que se caracterizaria mais tarde, com
a formao das atuais redes e monoplios de comunicao, organizando-se em
conglomerados privados ou que agem como tal (no caso das concesses).
A fase do jornalismo das indstrias culturais, surgida a partir da modernizao
da imprensa, na segunda metade do sculo XX, pode ser melhor caracterizada nas
ltimas dcadas desse sculo e primeiras do sculo XXI, com a transformao dos
meios de comunicao em indstrias da mdia, produzindo jornalismo em escala
industrial e se estendendo em diferentes veculos de comunicao e outros ramos
empresariais, que ajudam a reforar o negcio da comunicao ou encontram neste o
reforo para os demais negcios. Nessa etapa, a estrutura empresarial se beneficia do
meio de comunicao. Fonseca (2005) acredita que quando as empresas jornalsticas se
organizam como indstrias culturais, em conglomerados privados, passam a atuar
conforme a lgica do regime de acumulao vigente.
Considera-se til ainda recorrer a categorizao de Charron e Bonville (2004),
que descrevem quatro jornalismos, estabelecidos a partir de uma relao funcional com
modelos de sociedade que se sucedem. Eles estudam especialmente a imprensa norte
americana, mas sua classificao tambm ajuda a compreender a fase do jornalismo a
que esse estudo se refere. Os autores classificam: a) Jornalismo de transmisso - aparece
no sculo XVII com o objetivo de transmitir informaes das fontes diretamente ao seu
pblico; b) Jornalismo de opinio - surge no incio do sculo XIX e se coloca a servio
das lutas polticas; c) Jornalismo de informao - emerge no fim do sculo XIX e segue
o modelo de coleta de notcias sobre a atualidade; e d) Jornalismo de comunicao -
aparece nas dcadas de 1970 a 1980 e se caracteriza pela diversificao e pela
subordinao da oferta a partir das preferncias do pblico alvo.
Pereira e Adghirni (2011, p. 45) avaliam:

Estaramos, portanto, vivenciando as conseqncias desse


ltimo paradigma jornalstico, marcado pelas presses exercidas
pela lgica comercial de uma hiperconcorrncia entre
73

publicaes, suportes e mensagens. E tambm pela emergncia


de novos gneros, rotinas e identidades profissionais, a partir de
cruzamentos entre a atividade jornalstica e prticas vizinhas,
sobretudo a publicidade, o entretenimento e a comunicao
(pblica, organizacional e corporativa).

O jornalismo das indstrias culturais apresenta grandes mudanas se tomamos


como referncia as fases anteriores, desde o perodo artesanal e mais romntico e
mesmo com a fase de modernizao da imprensa brasileira nos anos de 1950, 1960, que
traz a defesa da objetividade e imparcialidade dos meios de comunicao. Ainda que se
defina que os critrios de imparcialidade e neutralidade servem mais funo de
expanso da imprensa como empresa e ao interesse de abarcar fatias maiores de pblico,
em geral, tanto a fase mais artesanal quanto a fase de modernizao ou o incio da fase
empresarial esto atreladas, de modo mais ou menos efetivo, viso do jornalismo
como bem social e auxiliar da democracia, permitindo cobranas de posturas quando se
verifica um comportamento que tenda a abrir mo de uma atuao mais equilibrada em
funo de interesses de classes, mesmo entendendo-se a complexidade dessa questo.
J o jornalismo das indstrias culturais eleva a preocupao com a empresa. A
manuteno, sobrevivncia e crescimento da empresa jornalstica passam a ser questes
to valiosas - ou at mais - que a concepo de jornalismo com uma funo social e em
benefcio democrtico. Isso tende a acentuar a subordinao do contedo editorial
lgica capitalista de produo das empresas de comunicao, quando a organizao da
empresa e a preocupao com o mercado passam a ser elementos de grande importncia
na determinao da lgica das mensagens jornalsticas. A reconfigurao capitalista e a
adoo do modelo neoliberal esto profundamente ligados com a fase do jornalismo das
indstrias culturais.
Para Fonseca (2005) medida que se aprofunda o processo de modernizao,
aumentando a insero das empresas jornalsticas no mercado capitalista, uma srie de
mudanas se verifica, tanto na organizao e gerenciamento dos negcios como nos
prprios processos de produo jornalstica. Uma das mudanas mais significativas, no
mbito da organizao, diz respeito prpria relao que se estabelece entre a empresa
de comunicao, agora um conglomerado industrial submetido s regras do capitalismo
monoplico, e o produto cultural jornal (FONSECA, 2005, p.115).
De acordo com Taschner (1992) a caracterstica principal de uma imprensa de
indstria cultural a subordinao do jornalismo, do contedo editorial, lgica
74

capitalista de produo das empresas de comunicao. Verifica-se ento um processo de


assujeitamento do contedo jornalstico lgica empresarial, de um modo que no
ocorria antes. O carter empresarial vai alm daquele apontado na fase de modernizao
das empresas e a forma empresarial e preocupao com o mercado passam a ser
elementos mais importantes na determinao da lgica de produo das mensagens. Na
produo do jornalismo das indstrias culturais, segundo Fonseca, a empresa passa a
ter predomnio sobre o jornal, invertendo a lgica do perodo anterior, quando os jornais
que preexistiam indstria cultural tinham predomnio sobre as organizaes que os
editavam (2005, p.117).
As transformaes na imprensa acompanham as mudanas que ocorrem no
restante da economia, com as tendncias concentrao. Assim, o processo de
olipolizao ocorrido na economia, se verifica tambm na imprensa. No espanta,
portanto, que esse processo o de concentrar as reas produtoras em pequeno nmero
de empresas atingisse a imprensa que, conforme foi sempre apontado, acompanha de
perto o desenvolvimento do capitalismo no Brasil (SODR, 1999, p.XII). Para Sodr,
a formao de oligoplios tambm na imprensa tem como razo essencial o carter de
grande empresa assumido.
Sodr (1999) caracterizou a imprensa brasileira do final do sculo XX pelo
nmero reduzido de grandes veculos e pela oligopolizao. Curiosamente, o nmero
de revistas aumentou e se caracterizou pela especializao, na maior parte dos casos
(SODR, 1999, p.XV). As primeiras dcadas do sculo XXI intensificariam esses
processos: concentrao de produo e aumento na quantidade de produtos em
circulao no mercado. A expanso tecnolgica do perodo inclui um grande avano na
indstria grfica, que permite, por exemplo, uma variedade maior de produtos a
disposio. Assim como a quantidade de TVs por assinatura, o setor das revistas
apresenta enorme variedade de ttulos. Ainda que se reconhea um aumento flagrante na
quantidade de veculos de comunicao, importante lembrar que, em geral, esses
inmeros veculos de comunicao so resultado de poucas empresas concentradas.
Assim a variedade de canais ou de ttulos de revista diz respeito quantidade e no
necessariamente a pluralidade de vozes.
O avano do jornalismo das indstrias culturais est, portanto, fortemente
relacionado com os processos de concentrao e mercantilizao, ainda que tambm
permita o surgimento de propostas no hegemnicas. Veculos e experincias de menor
porte continuam a surgir em diversas regies, estimulados pelas possibilidades de
75

produo que a tecnologia traz. O estabelecimento das indstrias culturais abre um


enorme campo, ocupado por produtos mercantilizados, mas tambm aberto
experincias contra-hegemnicas. Alguns veculos ou produtos de menor porte
encontram ressonncia no pblico, outros tm vida curta, dificultada exatamente pelas
estratgias de concentrao das companhias maiores. A Editora Abril4, por exemplo,
dona de mais de 40 ttulos de revistas que vo de notcias, decorao, cultura, cuidados
com o corpo, curiosidades etc, detendo igualmente a maior parte dos canais de
distribuio desses produtos no Brasil.
As grandes indstrias culturais, entre elas as indstrias da mdia, se diversificam
em cauda longa, mercantilizam processos e se articulam de modo concentrado,
oferecendo variedade de produto e buscando manter o controle do mercado. Como as
estratgias de concentrao avanam no s sobre a produo, mas tambm sobre a
distribuio, chega-se a um quadro paradoxal onde jornais tradicionalmente
concorrentes, uma vez que disputam o mesmo pblico, como Folha de So Paulo e O
Estado de So Paulo, tm o mesmo distribuidor. A situao, que pareceria estranha a
primeira vista, cumpre os objetivos de agilizar processos e reduzir custos. Tem portanto
uma lgica comercial, funcional, perfeitamente adequada aos tempos da reconfigurao
capitalista neoliberal.
O jornalismo das indstrias culturais amplamente praticado
contemporaneamente, geralmente de modo acrtico. Esse jornalismo representa uma
fase de transio profunda, de mudana de paradigma na atividade jornalstica, quando
o capitalismo global altera prticas em diversas empresas e formas de trabalho. As
grandes empresas de comunicao tendem a se adaptar a esses cenrios, tentando
responder satisfatoriamente s demandas do mercado, e raramente fazendo uma reflexo
sobre os seus significados para o jornalismo que se pratica contemporaneamente e as
consequncias para a profisso.

2.3. O modelo hegemnico

A comunicao um complexo campo de lutas. Ela um servio que media, mas ao


mesmo tempo um campo de poder e de estabelecimento de hegemonias. Considera-se

4
Em meados de 2013, a Editora Abril fechou algumas publicaes. No entanto, at a produo dessa
pesquisa, ela continuava somando mais de 40 ttulos diferentes de revistas. Para mais informaes,
consulte o site http://www.abril.com.br/revistas.
76

importante abordar a concepo de hegemonia, aporte terico til para refletir sobre a
formatao de comunicao contemporaneamente. O modelo hegemnico de jornalismo
que se tem hoje o da fase das indstrias culturais, identificado no tpico anterior. Por
ser hegemnico, ele estabelece uma relao de poder, sendo em geral adotado de modo
acrtico na grande imprensa e tambm servindo de padro ou inspirao para
organizaes de menor porte.
A formatao de jornalismo prpria das indstrias culturais, crescentemente
mercantilizada, adequada ao formato neoliberal e que adota parmetros administrativos
de marketing, pode ser explicada pelas necessidades de reconfigurao do capitalismo
contemporneo, que v a imprensa crescentemente se organizar enquanto empresa e
adquirir centralidade no mercado. Logo, esta formatao encontra justificativas sob o
ponto de vista dos tradicionais produtores e distribuidores de contedos. No entanto, o
que nos interessa refletir aqui e para isso o conceito de hegemonia se faz til sobre
como explicar que essa formatao de jornalismo encontre ressonncia na recepo?
Como explicar que o pblico consuma um contedo mercantilizado, produzido de
modo concentrado, que costuma se preocupar mais com interesses empresariais ligados
prpria organizao? Para lanar luz sobre esse ponto, que parece obscuro em muitos
estudos, sem a pretenso de esgotar a questo, busca-se ancoragem no conceito de
hegemonia em Gramsci.
Originalmente formulada por Gramsci (2000, 2007) para se referir a situao da
Itlia nas primeiras dcadas do sculo XX, a noo de hegemonia, usada por vrios
autores, se aplica a situaes onde se verifica o predomnio das necessidades de uma
frao das classes dominantes sobre o conjunto das demais por meio da mediao do
Estado.
No existe um formato nico de hegemonia. Para Gramsci (2000, 2007)
hegemonia um processo multidimensional que no s dominao, mas, muito mais a
idia de direo. Direo moral, intelectual, tica, poltica, econmica, cultural,
ideolgica, que uma frao de classe consegue estabelecer sobre as demais. Segundo o
conceito gramsciano, uma determinada estrutura hegemnica se estabelece num
determinado momento como materializao, sob as condies histricas dadas. Assim,
uma hegemonia um produto histrico, que acontece sob determinadas condies, em
determinada poca.
Ao perceber a complexidade social do incio do sculo XX, quando surgem
grandes sindicatos, e Igreja e instituies de ensino experimentam crescimento notvel,
77

Gramsci concebe a sociedade civil como extenso do Estado, como portadora de


instrumentos que organizam a viso de mundo, o consenso, a hegemonia.
Instituies como escolas, igrejas, sindicatos, etc, foram os
locais por onde a hegemonia foi exercida. Em uma situao de
hegemonia burguesa, essas instituies tornam-se locais de
divulgao da hegemonia burguesa, o senso comum que v a
viso de mundo burguesa como natural (GRAY, 2007, p.460).

No conceito gramsciano, um processo hegemnico um misto de presso e


seduo. Toda hegemonia suscita resistncias (por isso a presso), mas tambm
estabelece consenso (por isso a seduo). Assim, como o centauro de Maquiavel,
trabalha o lado fera e o lado humano, junta fora e persuaso. Na idia de consenso,
uma viso de mundo passa a lhe pertencer, mesmo que seja originariamente de outro
grupo. A ideia de consenso foi depois questionada, valorizando-se mais a dinmica da
relao, permanentemente conflituosa, que a concepo de algo aceito de comum
acordo. Talvez a busca apropriada seja no por um consenso, mas por consensos
(HAJE, In: RAMOS; SANTOS, 2007, p.141). Ainda assim permanece a ideia de que
nos modelos hegemnicos, historicamente, ainda que no seja homognea, a vontade ou
interesses de uma classe predomina sobre as demais. E de que o modelo hegemnico
exercido e fortalecido atravs de diversas instituies como escolas, igrejas, e claro,
grandes meios de comunicao e grandes corporaes.
Quando discute o aspecto da resistncia ao modelo hegemnico, Gramsci
apresenta o conceito da revoluo passiva, que a revoluo pelo alto, sem
protagonismo popular, um conceito em oposio revoluo clssica francesa, que de
ruptura. No filme Il Gattopardo (1963), de Luchino Visconti, que retrata a Itlia do
mesmo perodo analisado por Gramsci, uma fala recorrente dos personagens alguma
coisa precisa mudar para que nada mude. No Brasil, na revoluo de 1930, ficou
conhecida a expresso: Faamos a revoluo, antes que o povo a faa.
Assim, revoluo passiva se refere a uma modernizao conservadora, quando
grupos dominantes incorporam demandas das classes subalternas para passiviz-las.
Morton (2007, p.45) afirma que a teoria da revoluo passiva pode revelar a atuao
poltica do capital, relacionando internamente o sistema de estados e a modernidade
capitalista. Ele enxerga a revoluo passiva como uma condio de formao do
Estado moderno, que est sempre procurando atender parte das demandas populares,
como condio de se manter.
78

Segundo Gramsci (2007, p. 252) a revoluo passiva posta em prtica


cotidianamente, buscando evitar o modelo de ruptura da revoluo francesa.
O progresso ocorre como reao das classes dominantes frente
a rebeldia espordica e incoerente das massas populares, uma
reao que consiste em restauraes que concordam em
alguma parte com as demandas populares e so, portanto,
restauraes progressistas ou revolues-restauraes, ou at
mesmo revolues passivas.

Nos processos de revoluo passiva, em que novas foras sociais no conseguem


atingir uma posio de domnio sobre a velha ordem estabelecida e uma situao de
impasse ocorre, Gramsci diz que o Estado tem um papel fundamental: adotar a posio
das classes sociais dominantes.
Para Morton (2007, p.316) se as revolues passivas no so uma inveno dos
capitalistas, por outro lado so o modelo ideal para o formato que vive de crises e deseja
conservar sua estrutura. Uma revoluo passiva pode ser uma tcnica da arte de
governar que uma classe burguesa emergente pode enviar por desenho s classes sociais
subalternas. Revoluo passiva pode ser entendida como o modo que o capitalismo
encontrou para se adequar a crises e garantir sua expanso pelo mundo, por meio de
ondas sucessivas de mudanas que conservam a estrutura principal. Isso nos traz at os
cenrios contemporneos, quando o capitalismo assume uma nova configurao e
quando alguns estudiosos discutem se se vive uma crise no capitalismo (mais uma) ou
uma crise do capitalismo (que apontaria para um declnio final).
A noo de hegemonia em Gramsci permite o entendimento dos processos de
produo e reproduo dos bens culturais no capitalismo avanado, marcados pelo
neoliberalismo e crescimento do poder do mercado. A concepo gramsciniana fala em
dominao e subordinao como um conjunto de prticas e expectativas que envolvem a
vida toda, incluindo os significados e percepes formadoras da subjetividade e da viso
de mundo. Trata-se de uma formao contnua de imagem e de informao para
produzir um mapa de sentido comum, suficientemente persuasivo para a maioria das
pessoas, contendo coordenadas sociais e culturais que definam a atitude natural da
vida social. Sob esse ponto de vista Mosco (2009, p. 350) considera que a hegemonia
mais poderosa que a ideologia porque no simplesmente imposta pelo poder de uma
classe, mas est constituda organicamente a partir das geometrias dinmicas de poder
nas relaes sociais por toda a sociedade.
79

Na atual reestruturao capitalista, que estabelece uma modernizao


conservadora, ainda que se apresentem rupturas, o modelo neoliberal de produo,
circulao e consumo de bens, inclusive de bens culturais, tem se imposto como
hegemnico. Na rea da comunicao, algumas formas de desenvolver produtos
aparecem como modelo ou padro, tornando-se naturalizadas, muitas vezes justificadas
por critrios como ndices de audincia ou capacidade para atrair anunciantes.
O produto de jornalismo da grande mdia em formato de indstrias culturais
poucas vezes questionado ou, quando o , o que se diz parecem crticas facilmente
esvaziadas pelos nmeros de audncia ou por argumentos como esse o contedo que
as pessoas querem, tornando a contradio sem sentido. Dessa maneira, esses produtos
de jornalsticos firmam-se como a forma de se produzir contedos, enquanto so a
forma de se produzir contedos em espaos crescentemente oligoplicos, regidos por
lgicas privadas e mercantis, com o protagonismo de grandes empresas.
Como Gramsci havia lembrado, toda hegemonia soma coero e persuaso.
Logo no difcil identificar elementos de seduo na hegemonia capitalista, em busca
de evitar situaes de ruptura. Assim, o consumo sempre apresentado em situao de
alegria. O consumo parte de seduo do modelo capitalista neoliberal. Gramsci (2007,
p.317-318), ao identificar a hegemonia do modelo americano afirmou:
O americanismo uma ideologia manifesta na vida nos cafs
que pode aparecer na forma de maquilagem, um modismo
estrangeiro superficial, enquanto o capitalismo per se no sofre
alterao alguma, mas adquire simplesmente, uma nova
roupagem nesse clima de americanismo.

O clima de americanismo identificado por Gramsci, ou a alegria do consumo no


capitalismo, operam no sentido de produzir adeso. Canclini (2011) usa o termo
cumplicidade para definir a relao que ultrapassa o racional e inclui aspectos
simblicos. Uma hegemonia no se constri com mera racionalidade instrumental, mas
tambm com dissimulaes, simulaes, recursos mgicos e afetos nada racionais
(SODR, In MORAES, 2012, p. 35).
verdade que os processos hegemnicos trazem consigo um carter arbitrrio.
Porm, essa arbitrariedade, grande parte das vezes, tem o poder de passar despercebida
para os envolvidos. Mesmo conhecer o cdigo no se constitui condio suficiente para
apreender tudo o que se passa, nem serve como antdoto para evitar que se seja
envolvido na seduo dos processos hegemnicos. Exatamente por serem sedutores,
muitas vezes esses processos tornam-se irreconhecveis, e, mesmo quando favorecem
80

determinados grupos scio-econmicos, costumam conseguir a simpatia da maioria.


Isso termina por justificar as demonstraes de cumplicidade. Nos processos
hegemnicos, os que se revelam como cmplices, reconhecem significado nos ritos
partilhados. Os que esto em posio subalterna, muitas vezes no reconhecem essa
condio.
Para Bourdieu (2007, p. 12) a cultura dominante: reproduz sob forma
transfigurada e, portanto, irreconhecvel, a estrutura das relaes scio-econmicas
prevalecentes. Ou seja, a cultura dominante de um determinado perodo produz uma
representao do mundo social ajustada s estruturas de poder, que passam a ser
percebidas como naturais e, assim, contribuem para a conservao das relaes de fora.
Para esse estudioso o fato social sempre arbitrrio, mesmo o mais humano ou racional
dos fenmenos. A noo de arbitrrio, no entanto, no deve ser confundida com a ideia
de gratuidade, pois os sistemas simblicos so sociologicamente necessrios, j que
derivam sua existncia das condies sociais de que so produto e legitimam sua
aceitao pelas funes significativas que exercem.
Se no capitalismo a parte seduo est no consumo, se no americanismo a parte
seduo est na chamada vida nos cafs, no jornalismo a parte sedutora pode ser
identificada no aumento da oferta de contedos com entretenimento e prestao de
servios. Esse tipo de contedo, facilmente digervel, conta com boa parte da
cumplicidade do pblico, seduzido pela oferta de diverso e satisfeito pelo servio de
utilidade pblica.
Uma dominao no conseguiria se manter se fosse exclusivamente baseada em
represso. Invocando as idias de Foucault sobre poder, Haje (2007, p.138) avalia: O
poder no apenas diz no, mas produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discursos. O poder possui uma eficcia produtiva, uma riqueza estratgica, uma
positividade. Essa capacidade do poder ajuda a explicar a conquista de espao dos
processos hegemnicos.
A cumplicidade que uma hegemonia capaz de despertar no significa, no
entanto, que estes processos so aceitos sem movimentos ou expresses de contestao.
Como visto, Gramsci considera que o estabelecimento de uma hegemonia sempre
suscita resistncias. O autor no criou o termo contra-hegemnico, pois considerava
que todo movimento tem a inteno de ser hegemnico. Mesmo assim, hoje essa
uma terminologia bastante usada para se referir aos processos que contestam as
formataes impostas pelas instituies dominantes. importante destacar esse ponto
81

para que no se ignore que h diversas experincias contra-hegemnicas em


comunicao e em jornalismo. Algumas experincias inclusive fogem aos formatos
mercantilizados e se constituem em alternativas importantes formatao hegemnica
na grande imprensa. Ignor-las corresponde a desprezar as enormes possibilidades do
capital humano intelectual que inclusive cria novas formataes, se apropria e d novos
usos a ferramentas originalmente criadas pelo capital e influi sobre a grande imprensa,
fazendo com que essa, muitas vezes, adote mudanas de postura em dadas situaes. O
movimento inverso tambm se verifica: as grandes corporaes podem se apropriar de
formatos criados por produtores no hegemnicos.
O jornalismo da grande imprensa, de cobertura tradicional, praticada nos
maiores veculos de comunicao nessas ltimas dcadas, costuma se afinar com o
estabelecimento da hegemonia neoliberal, servindo muitas vezes de reprodutora,
fortalecedora e porta-voz desse discurso. um instrumento a favor da hegemonia.
Quando h alguma presso, os veculos da grande imprensa adotam a modernizao
conservadora ou revoluo passiva identificada por Gramsci, atendendo parte das
demandas populares. Assim evitam as situaes de ruptura e buscam tranquilizar o
ambiente, para que o modelo capitalista possa seguir em paz, salvaguardando a todos os
que se beneficiam desse modelo, inclusive a grande imprensa.
Fazendo um exerccio de observao da formatao de jornalismo prevalecente
na grande imprensa noticiosa contemporaneamente possvel identificar muitas das
caractersticas que Gramsci havia identificado numa hegemonia: ela suscita resistncias,
mas estabelece predomnio; promove uma modernizao conservadora; sustentada por
um discurso que inibe contradies; une fora e seduo; tende a tornar irreconhecvel
seu carter arbitrrio; busca disfarar a sua condio de ser a viso de uma frao de
classes que consegue se estabelecer sobre as demais; constituidora de uma lgica que
tenta eliminar ou menosprezar as alternativas; portadora de instrumentos que
organizam a viso de mundo; conta com a mediao do Estado e conta com a
cumplicidade do pblico.
Faz-se ainda importante salientar que todo processo histrico ou seja,
explica-se por pertencer a um determinado perodo, nas dadas condies desse perodo,
sendo, portanto, transitrio, assim como toda hegemonia. Essa considerao nos permite
avaliar que a imprensa atual a imprensa do capitalismo atual: transitria, sujeita a
questionamentos e resistncias. No lugar da ideia de consenso, j combatida, estar-se-ia
mais prximo da concepo de permanente conflito, com a vontade de uma classe
82

prevalecendo sobre as demais. Como as relaes so dinmicas, as foras mudam de


posio, precisando estabelecer diferentes estratgias.
Ao adotar a modernizao conservadora, incluindo parte das demandas do
pblico em geral, as empresas da mdia ainda ajudam a criar ou fortalecer a imagem
clssica do jornalismo de atividade de bem social, desprovida de interesses prprios, ao
lado das demandas do cidado.
A estratgia costuma ser eficiente, mas no livre de contradies e conflitos,
como no estabelecimento de toda hegemonia. Portanto torna-se mais fcil,
contemporaneamente, se observar uma situao de crise na hegemonia da grande mdia
e na sua capacidade de estabelecer o discurso dominante. Ainda assim, na fase das
indstrias culturais, a grande imprensa segue um modelo prevalecente de jornalismo,
influenciado pela mercantilizao, prximo da ideia de ser um porta-voz do modelo
neoliberal, que se justifica por concepes como audincia e/ou capacidade de atrair
anunciantes. Essa produo jornalstica, praticada em geral de modo acrtico, o que se
procura identificar no captulo seguinte.
83

3. MUTAES NO JORNALISMO

Tem incio a era multimdia;


os jornais se transformam em grandes corporaes,
ou as grandes corporaes comeam a comprar
tambm os jornais e a faturar cifras multmilionrias
nunca vistas na histria do jornalismo.
Fala-se dos meios como parte do poder
econmico e poltico - como nunca antes se falou.
Graciela Mochkofsky

O jornalismo das indstrias culturais na fase do capitalismo avanado traz


grandes mudanas em relao a formatao do jornalismo em sua concepo
tradicional. O esforo de pesquisa bibliogrfica efetuado at aqui serve para fornecer a
base terica de anlise e as informaes sobre o contexto onde esse jornalismo
produzido, distribudo e consumido. Isso permite caracterizar as condies de produo
e circulao do jornalismo na fase das indstrias culturais. Com base nos conceitos
estudados, apresenta-se agora a proposta de sistematizar um conjunto de caractersticas
que podem tipificar o jornalismo das indstrias culturais aquele que tem razo de ser
no contexto do capitalismo avanado e s pode ser compreendido se se esclarecem seus
processos constituintes, como a centralizao, a mercantilizao dos processos e o
reposicionamento e avano das indstrias culturais.
Nesse captulo propomos identificar as mudanas na produo jornalstica na
fase das indstrias culturais, que, aqui defendemos, tem se afastado da ideia de atividade
de bem social e auxiliar da democracia, se constituindo em um jornalismo menos crtico
e mais pragmtico e funcionalista, menos prximo do conceito de informao relevante
e de interesse pblico, e mais prximo da idia de entretenimento e da prestao
de servios. Como se constituem em grandes transformaes em relao ao conceito
clssico de jornalismo entendido como atividade de bem social, chamamos essas
mudanas de mutaes. Identificar as mutaes no jornalismo revelador da extenso
da lgica capitalista para a comunicao e o jornalismo.
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A reestruturao econmica geral tem trazido profundas transformaes


espaciais e estruturais em todos os negcios e na administrao. Autores advogam que
entender a reconfigurao capitalista implica em compreender as mudanas nas formas
de trabalho. Uma variedade de estruturas empresariais tem se expandido. Harvey (2011)
fala em uma nova forma de organizao, baseada na flexibilidade com relao aos
processos de trabalho, mercados, produtos e modelos de consumo, o que resulta em
novos mercados, novos setores de produo, novos produtos e servios e novas formas
para administrar servios j existentes.
Os avanos nas Tecnologias de Informao e Comunicao (TICs) tm papel
importante nessas transformaes em geral e muito especialmente no mundo das
comunicaes e do jornalismo. Mige (2009) alerta que os argumentos em favor das
TICs tendem a mirar na facilidade da tecnologia e a desprezar suas implicaes sociais.
Segundo o autor, so discursos promovidos por publicitrios entusiasmados e at pela
academia que ajudam a construir uma concepo em favor da tcnica, esquecendo-se o
lado ideolgico e apresentando as ferramentas de informao e comunicao como se
estas pudessem operar sem gerar conflito, escondendo-se que as TICs emanam e
participam de um meio quase inteiramente mercantil e at industrializado (2009, p.21),
impulsionado por e impulsionando os avanos do capitalismo global.
As formas de negcios transnacionais trazidas pelo capitalismo global
atravessam de um modo ou outro os mais diferentes lugares e atividades, provocando
variadas influncias. Jameson (2012) afirma que no h um capitalismo avanado em
geral, mas formas nacionais especficas. Ainda assim, possvel perceber alteraes que
so comuns em diferentes partes do planeta. Isso inclui mudanas na nova diviso
internacional do trabalho, uma nova dinmica para as finanas e o mercado de valores,
novas formas de interrelao desde os meios de transportes comunicao, mudanas
na informtica, tecnologias e automao de servios e at crises e grandes
transformaes nas formas de trabalho tradicionais (JAMESON, 2012).
Mendel (1979) prope uma periodizao histrica destacando trs momentos
fundamentais do desenvolvimento do capitalismo. Eles seriam: o capitalismo mercantil,
o capitalismo da fase dos monoplios ou etapa imperialista e a terceira, do capitalismo
multinacional, que a fase atual. Nesse trabalho nos referimos a essa terceira etapa,
utilizando predominantemente os termos capitalismo avanado, capitalismo global e
capitalismo contemporneo. Jameson (2012) acredita que essa terceira etapa se constitui
na forma mais pura que o capitalismo alcanou, com uma prodigiosa expanso do
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capital para vrias reas que at agora no haviam sido mercantilizadas. Ou no haviam
sido mercantilizadas de forma to efetiva, como as reas da cultura, da comunicao e
do jornalismo. Me atreveria a relacionar isso com uma nova penetrao e colonizao
da natureza e do inconsciente que tem lugar pela primeira vez na histria (JAMESON,
2012, p.77). O autor se refere ao que ele chama o auge dos meios de comunicao de
massa e das indstrias da publicidade.
No capitalismo avanado a materialidade de todas as coisas emerge. O campo
das produes culturais ou das produes de bens simblicos, que sempre pareceu mais
abstrato, uma dessas reas em que a materialidade se impe. Jameson (2012, p.119)
acredita que contemporaneamente temos uma lio da histria: justamente porque a
cultura tem se tornado material que estamos agora em posio de entender que ela
sempre foi material ou materialista, estrutural e funcionalmente. Segundo o autor h
um termo que nos ajuda a chegar a esse esclarecimento. Ele se refere a mdia ou a
indstria dos meios de comunicao. E afirma que a mdia combina trs significados
relativamente distintos: um modo artstico ou uma forma especfica de produo
esttica, uma tecnologia especfica organizada em torno de um aparato determinado e
ainda uma instituio social. As trs reas ainda no so suficientes para definir a
mdia, mas do a idia de suas diferentes dimenses, comerciais e simblicas.
O jornalismo materializado na fase das indstrias culturais tem como ponto de
identificao a produo de contedos mercantilizados. A extenso da mercantilizao
para os meios de comunicao fez surgir nos Estados Unidos a expresso jornalismo
de mercado (NEVEU, 2006, p.158), para definir um conjunto de mudanas que
buscam a rentabilidade mxima e esto redefinindo a prtica jornalstica. Com o
jornalismo de mercado os crticos apontam que estaramos vivendo a dissoluo da
profisso jornalstica, que estaria se degenerando em uma profisso de comunicadores.
O jornalismo estaria inaugurando uma nova fase, mais de comunicao, que de
jornalismo de fato. O jornalismo dos tempos do capitalismo avanado tem se
transformado, passando de relevante na constituio da opinio pblica para assumir
caractersticas de uma organizao com a finalidade de gerar lucro para a empresa.
Chama-se a ateno para o caso do Brasil, onde os meios de comunicao como
empresas, crescem numa situao de dependncia do Estado e das verbas publicitrias,
fortalecendo processos como a concentrao, a mercantilizao de contedos e a
formatao de indstrias culturais.
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Entende-se que o jornalismo marcado por um processo de reinveno


permanente, constituindo-se em um espao heterogneo, atravessado por uma tenso
entre estabilidade e mudana, conforme j apontado por Pereira e Adghirni (2011). Por
isso mesmo muitos dos fenmenos elencados no so exatamente novos, como a
proximidade entre contedo editorial e publicitrio e o recurso ao uso de matrias de
carter emocional. Notcias sobre crimes e aberraes esto na origem na imprensa
informativa. Porm, nunca esses elementos estiveram to escancaradamente fazendo
parte dos processos e prticas do jornalismo noticioso que se pratica cotidianamente na
grande imprensa e que se torna um modelo seguido em mercados mais distantes dos
centrais, muitas vezes com maior dificuldade de acesso a verbas. Os elementos que
identificamos como mutaes fazem parte de uma estratgia mais ampla e articulada,
que mais do que jornalstica, revela-se mercadolgica, com todo o poder e
legimitimidade de ao que o mercado adquiriu desde a reconfigurao capitalista de
modo global. Identificar essas mutaes no corresponde a negar que o jornalismo
uma atividade marcada por mudanas ao longo do tempo, sujeita a diferentes relaes
de fora. Pelo contrrio, corresponde a aceitar essa premissa e com base nisso tentar
identificar as mudanas do jornalismo praticado de modo hegemnico na grande
imprensa contemporaneamente.
Tentanto avaliar o que seria a ocorrncia de uma mudana estrutural no
jornalismo contemporneo, Pereira e Adghirni (2011), avaliam que as transformaes
que se operam sobre o jornalismo no so absolutas, na medida em que alguns valores,
mtodos e tcnicas tendem a permanecer, inclusive para que se garanta que a atividade
continue sendo reconhecida e ajude a assegurar a sua manuteno. No entanto, os
autores apontam que as mudanas podem ser consideradas estruturais na medida em que
se cristalizam prticas distintas, quando comparadas ao paradigma anterior, do
jornalismo menos influenciado pelo poder do mercado e mais prximo das ideias de
atividade de bem social.
Para ajudar a dar visibilidade extenso da lgica capitalista para o jornalismo,
prope-se aqui sistematizar os elementos que se destacam na formatao jornalstica nas
indstrias culturais, buscando caracterizar o modo de produo predominante nessa
atividade transformada. Defende-se que esses elementos, embora visto em sua maioria
de modo acrtico e naturalizado, se distanciam da ideia tradicional de jornalismo como
bem social, por isso se constituem em mutaes.
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Para se compreender as mutaes aqui elencadas, parte-se de um cenrio


marcado por um conjunto de transformaes no jornalismo, influenciadas por processos
da reconfigurao do capitalismo avanado, que incluem novas formas de produo da
notcia, processos de convergncia e crise da empresa jornalstica enquanto modelo de
negcios. H tambm a ideia de flexibilizao dos valores-notcia e de questionamento
sobre os mtodos e parmetros que balizam a produo do noticirio.
Ressalva-se ainda que os elementos aqui elencados constituem uma proposta,
portanto pode e deve ser complementada posteriormente. Sabe-se que todos esses
elementos estabelecem relaes entre si, porm adota-se aqui a distino como
procedimento didtico.

3.1. Relao com o pblico e com o mercado

Por muito tempo o jornalismo estabeleceu uma relao com o pblico mais
presumida que real. O jornalista intuitivamente sabia o que melhor informar ao
pblico. Para Neveu (2006) essa atitude relativiza a competncia crtica do pblico sem
obrigar o jornalista a uma emisso para a qual este no esteja preparado ou no tenha
afinidade. O desconhecimento cientfico sobre o pblico tem a vantagem de no atar as
mos do jornalista, que age assim como sensvel intrprete das audincias.
O jornalismo que se tem praticado nas grandes empresas de comunicao nas
ltimas dcadas, no entanto, se baseia menos nessa mitologia e busca identificar com a
maior preciso possvel quem o pblico ao qual se dirige. Pesquisas de marketing cada
vez mais detalhadas procuram descobrir os interesses e preferncias do pblico, na
tentativa de definir produtos de comunicao que atendam aos desejos e necessidades
desse pblico. Pesquisa-se igualmente o mercado anunciante (como j salientado, os
meios de comunicao atuam num mercado dual, relacionando-se com pblico em geral
e pblico anunciante), buscando chegar a produtos de comunicao que despertem
interesse junto a esse pblico.
Se o desconhecimento cientfico sobre o pblico em geral e o mercado
anunciante tm a vantagem de no atar as mos do jornalista, as sondagens podem
limit-lo, levando-o a preocupar-se com contedos que terminem por se revelar
rentveis financeiramente e desprezando contedos que, embora valiosos social, poltica
ou culturalmente, no revertam em lucros para a empresa.
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A expresso desejos e necessidades do pblico fartamente utilizada por


estrategistas de marketing. Mosco (2009) argumenta que a expresso tem sido usada de
modo acrtico, presumindo que a informao flui livremente dos consumidores, que
registram seus desejos no mercado. O autor argumenta que h distines entre
necessidades, que tendencialmente so mais comuns a parcelas maiores da populao, e
desejos, que tendem a ser mais individuais e at psicolgicos. Mosco (2009, p. 101)
considera que a opo de tratar temas distintos como idnticos exclui as complexas
interaes entre produo, marketing e desejo, constituindo-se, no mnimo, em uma
teoria primitiva para estudar a complexidade dos desejos humanos e supervalorizando o
poder do marketing para constru-lo. Supervalorizar o poder do marketing para avaliar
desejos e necessidades dos pblicos pode mascarar interesses mercadolgicos.
O jornalismo que busca conhecer cientificamente o pblico tem produzido o
consumidor antes de produzir o produto, como Santos (2010) havia chamado a ateno.
O que tem sada, o que consegue ser consumido, tanto por pblico em geral como por
anunciante, ganha legitimidade para existir enquanto produto de comunicao.
O que antes parecia um processo mais livre de produo de contedo, cada vez
mais submetido a procedimentos e tcnicas de medio, chegando a um contedo que,
como mercadoria, precisa ter sua produo, distribuio e consumos medidos,
avaliados, metrificados. Perde-se na espontaneidade ou no que se convencionou
considerar a intuio que o jornalista tinha para perceber o que era importante informar
ao pblico; ganha-se em sistemas de controles e mtricas que avaliam desde a eficincia
da durao de um anncio publicitrio a informaes demogrficas sobre movimentos
do consumo. Com a ajuda de pesquisas, as empresas de comunicao, como outras
indstrias, definem produtos de comunicao especficos de acordo com o pblico e
com as possibilidades de anunciantes. Isso estimula o aparecimento de vrios jornais de
uma mesma empresa, que visam atingir pblicos diferentes e anunciantes distintos.
Ao estratificar e metrificar o pblico, os meios de comunicao adotam
estratgias de outras empresas do capitalismo avanado, que enxergam seus produtos
como mercadorias que precisam encontrar ressonncia no mercado. Aqui a relao com
o pblico entendida como a relao com o consumidor. Conforme j se salientou,
crescem as expresses consumidor de informao, consumidor do meio de
comunicao. Assim, as pesquisas revelam os produtos de comunicao que se tornam
mais viveis no mercado, por sua capacidade de estabelecer relaes de consumo com o
pblico e com anunciantes.
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A sociedade de consumo valoriza a novidade. Assim, as pesquisas tambm


indicam que novos produtos de comunicao podem ser criados ou que novidades
podem ser implementadas em produtos j existentes. Como os produtos de tecnologia,
(aparelhos de telefonia celular, computadores, televisores etc) que necessariamente se
renovam em ciclos de vida cada vez mais curtos, os meios de comunicao, antes mais
conservadores em seus formatos, buscam as novidades como forma de ficarem
atualizados diante do pblico e do mercado: nova diagramao, novo cenrio, nova
seo, nova logomarca.
O modelo neoliberal reformula as dimenses da vida social e estende a sua
lgica mercantil para as mais diversas reas. Campos antes no mercantilizados passam
a ser vistos como produto e sob a perspectiva da necessidade de serem consumidos para
alcanarem legitimidade. Bauman (2007) argumenta que consumir adquire tanto valor
que o comportamento mercantil consumista visto como o correto. As pessoas
precisam consumir para contribuir com a regularidade da demanda e da oferta. Mesmo
em pocas de crises ou estagnao econmica necessrio apoiar a recuperao baseada
no consumo (BAUMAN, 2007, p.170). Os pobres, ou seja, os que no podem integrar
o consumo, so vistos como efeito colateral de um modelo que benfico. Os pobres
no tm competncia ou virtude suficiente para integrar o modelo consumista.
Consider-los como efeito colateral justifica o formato neoliberal mercantilizado,
nega responsabilidades e exime o modelo de qualquer culpa, tornando natural que num
mercado competitivo as relaes se estabeleam com base no que vivel
financeiramente.
Preocupado em ser sucesso de mercado, muitos programas convertem a
audincia em cliente e assumem a posio de que os clientes precisam ser satisfeitos
pela programao privada. Essa condio, que valoriza o mercado e estabelece uma
relao empresa-cliente, traz grandes alteraes para o contedo produzido.
Para Mosco (2009) as mdias nas sociedades capitalistas refletem os interesses
do capital por meio de um processo que, ainda que tortuoso e contraditrio, d apoio aos
interesses do capital como um todo e a fraes especficas das classes. Envolvidos com
o prprio funcionamento dos mercados, os meios de comunicao produzem audincia
no s para si, mas para a economia capitalista em geral, tornando-se central tanto no
processo de mercantilizao dos produtos, como na produo de ideologias. A imprensa
como empresa, agudizada por melhorias contnuas em sua competncia tecnolgica, tem
realizado a mercantilizao do processo geral do trabalho.
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3.2. Crescimento das editorias mais rentveis

Editorias capazes de atrair maiores parcelas de audincia e anunciantes


terminam se estabelecendo com maior espao. Da decorre o crescimento do
entretenimento, que toma espao do jornalismo tradicional, o aumento das chamadas
soft news (matrias sobre viagem, culinria, moda) e o crescimento de um jornalismo de
servios (sade, bem-estar, finanas).
Preocupaes com editorias mais rentveis financeiramente implicam na
transformao das mensagens em produtos mais facilmente comercializveis.
Flexibiliza-se o contedo, adequando-o para atender parcelas maiores de audincia e
necessidades dos anunciantes. Aqui, o prprio contedo a mercadoria oferecida aos
anunciantes.
A busca por editorias mais rentveis resulta na criao de novos programas,
novos quadros, sees, cadernos, de modo a no deixar de agradar nenhum dos
segmentos que podem trazer rentabilidade para a organizao de comunicao. A
empresa de comunicao, semelhante a outras grandes organizaes do capitalismo
avanado, passa a trabalhar com a segmentao do pblico. Assim, mesmo os chamados
grandes veculos de comunicao de massa observam a segmentao e operam em
Cauda Longa (ANDERSON, 2008), oferecendo milhares de produtos, escolha dos
anunciantes e do pblico. As empresas ou meios de comunicao continuam a oferecer
os produtos generalistas, os chamados hit - aqueles com capacidade de interessar uma
quantidade maior de pessoas: Revista Veja, Revista Isto, Jornal Nacional. Estes tm
espaos publicitrios mais valorizados. Mas cada vez mais oferecem produtos de nicho,
que agradam pblicos mais definidos e oferecem oportunidades para anunciantes que
no precisam, no desejam ou no podem pagar os custos de um horrio comercial de
programa hit.
Os veculos ou produtos jornalstico de nicho tm crescido especialmente na
televiso aberta e fechada, na rea das revistas impressas e na internet. Grande parte
deles se aproxima do entretenimento. correto supor que a proliferao de veculos ou
produtos jornalsticos segmentados observa a estratgia de valorizar as editorias
consideradas as mais rentveis economicamente.
Mesmo nos veculos generalistas vo sendo criadas novas editorias, sees,
programas, contemplando os mais diversos segmentos do mercado consumidor e dos
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anunciantes. Mesmo programaes outrora mais rgidas, tornam-se mais flexveis em


busca de novos produtos. A Rede Globo, por exemplo, continua a manter o que se
convencionou chamar horrio nobre: o horrio de grande audincia que se estende por
volta das 18 s 22 horas e inclui trs telenovelas, o Jornal Nacional e os programas
jornalsticos por estado. Fora dessa faixa nobre, a emissora tem flexibilizado mais a
programao, criando programas por temporada. A estratgia consiste em criar
programas j imaginados para permanecer pouco tempo no ar. Alguns tm apenas um
ms de exibio semanal (quatro programas). Se atraem anunciantes e audincia, podem
voltar em nova temporada. Se isso no ocorre, saem da programao com tranqilidade,
sem necessidade de justificativas por parte da emissora e evitando a imagem de
programa que foi um fracasso ou formato que no funcionou.
Dentro dos telejornais, o investimento no formato srie de reportagens
tambm permite trabalhar determinados segmentos de pblico e o interesse de certos
anunciantes, em busca das editorias mais rentveis. As sries permanecem alguns dias
no ar, por volta de uma semana, sempre dentro do espao dos telejornais. Elas
funcionam na mesma lgica dos programas de temporada: se tm audincia e
conquistam anunciantes, podem voltar a ser tema; se no alcanam o pretendido
resultado, saem do ar sem problema, pois se trata apenas de uma srie, enquanto o
telejornal uma estrutura que permanece. Como se tratam de produtos de bem
simblico, a criao de novos programas e novas sries dentro dos telejornais j
existentes bem aceita e at recomendvel, para alimentar a criatividade e necessidade
de inovao requerida pelo setor.
Destaque-se que a grande quantidade de meios e produtos de comunicao no
implica em diversidade de contedos e de vozes uma vez que as corporaes mais
concentradas so as que mais tm tido capacidade tcnica e financeira de produzir cada
vez mais novos produtos. Assim, se tem muitos produtos de comunicao, mas uma
tendncia de unificao nas linhas editoriais, uma vez que difcil que um mesmo
grupo de comunicao adote divergncias profundas sobre temas que so sensveis sua
linha editorial. Mesmo com muitos veculos de comunicao, como estes so
pertencentes a poucos grupos, difcil que tomem posturas diversas.
A tendncia para a proliferao dos mais diversos produtos de comunicao
revela-se, na verdade, uma concepo neoliberal dos meios de comunicao. Assim,
florescem especialmente os modelos de produtos que consigam se estabelecer como os
mais rentveis. A segmentao dos produtos de comunicao segue a lgica de nichos
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de mercado dos bens de consumo: pregam escolhas individuais de estilo de vida urbano,
hbitos de consumo e normas culturais. A formao dos nichos de mercado nas mais
diversas reas, inclusive no jornalismo, permeia a experincia urbana contempornea,
dando-lhe uma aura de liberdade de escolha, como em geral prega a propaganda.
O crescimento de editoriais mais rentveis, com tendncias ao entretenimento,
tambm tem implicao com o crescimento geral dos negcios ligados ao espetculo,
com o investimento dos meios de comunicao em estrelas exclusivas; o crescimento
dos esportes, com exclusividades de transmisses; e at a vida poltica . H polticos
que so grandes empresrios de comunicao ou scios de grupos miditicos. Fazendo
parte do espetculo, h jornalistas tratados como grandes estrelas do showbizz e h
jornalistas que se tornam polticos com cargos eletivos.
Os produtos jornalsticos mais rentveis, que crescem em cauda longa, grande
parte das vezes, tm surgido com a inteno de encontrar e agradar determinado
pblico. Assim os formatos tendem a buscar feies leves e graciosas, na definio de
Taschner, que considera que o produto jornalstico passa a valorizar a embalagem no
lugar do contedo. a embalagem do produto que comea a ser trabalhada. tambm
a preocupao em fazer um produto mais digestivo, menos highbrow5, mais acessvel e
sedutor (TASCHNER, 1992, p.42), com o objetivo de fisgar o maior nmero de
leitores.
O modelo que busca o crescimento das editorias mais rentveis tem visto
ampliar uma tendncia que se caracteriza pelo declnio da notcia como expresso do
jornalismo, fundamentada no critrio de interesse pblico, em favor da concepo de
informao que mais flexvel -, da prestao de servios e do entretenimento. Essa
formatao est mais empenhada em preservar a organizao jornalstica enquanto
agente econmico do que na qualificao da informao e da ideia de jornalismo como
fonte de conhecimento. Assim, o atributo jornalstico da informao s se impe
quando no contraria interesse comercial, e mais: quando pode se transformar em
argumento nas estratgias de venda do produto.

3.3. Valorizao de informaes com contedo emocional

5
Highbrow significa erudito ou intelectualizado. A expresso utilizada por Taschner (1999) para se
referir a produtos de comunicao que tenham formatao ou linguagem de mais difcil interpretao ou
assimilao para parcelas maiores de pblico.
93

Informaes que j carreguem em si ou possam conter apelo emocional, capazes


de sensibilizar pblicos, tm tido grandes chances de se destacar nas coberturas
jornalsticas. O apelo emocional est nas origens do jornalismo noticioso, porm, aqui,
ele ganha importncia ainda mais mercadolgica. Na maioria das vezes rendem
coberturas que se prolongam por vrios dias - como novelas em captulos - e em
diversos programas, na busca de garantir audincia para os vrios produtos de
comunicao em cauda longa de um mesmo veculo de comunicao.
Informaes com contedo emocional so as que mais servem tematizao
(WOLF, 2008), levando um assunto a ser tratado de modo insistente e at se estendendo
por vrios programas.
A tematizao um procedimento informativo que se constitui em um tipo
particular de agenda-setting, hiptese terica que argumenta sobre o poder da mdia em
estabelecer a agenda social6. Tematizar um problema significa, na realidade, coloc-lo
na ordem do dia da ateno do pblico, dar-lhe a importncia adequada, salientar sua
centralidade e sua significatividade em relao ao fluxo normal da informao no-
tematizada (WOLF, 2008, p. 165).
Tematizar garante ao veculo de comunicao um domnio sobre o tema sem
grandes sobressaltos e geralmente resulta em contedos que encontram ressonncia na
audincia. Nem todo acontecimento, no entanto, pode ser tematizado. So mais
suscetveis de tematizao os problemas que tenham algum significado pblico e para o
quais se reivindique alguma soluo (WOLF, 2008). Assim, podem ser tematizados
desde crimes de grande repercusso a acontecimentos como a queda das torres gmeas
do World Trade Center, em Nova York, nos Estados Unidos (setembro de 2001), o
chamado movimento de pacificao das favelas do Rio de Janeiro (iniciado em
novembro de 2011) ou a renncia do Papa Bento XVI e escolha do novo Papa da Igreja
catlica (fevereiro/maro de 2013), a participao do Papa Francisco na Jornada da
Juventude no Rio de Janeiro (julho de 2013), por exemplo. As coberturas que valorizam
as informaes com potencial emocional costumam enfatizar as questes humanas,
assim tanto o criminoso como a pessoa de bem podem ter suas caractersticas
exacerbadas (o dissimulado, o mentiroso, o humilde).

6
Na hiptese da Agenda-setting tornou-se amplamente aceita a acepo de Cohen (1963, p. 13) de que a
imprensa pode no conseguir, na maior parte do tempo, dizer s pessoas o que pensar, por outro lado
ela se encontra surpreendentemente em condies de dizer aos prprios leitores sobre quais temas
pensar alguma coisa.
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Contedos como os descritos acima interessam aos veculos de comunicao


porque podem resultar em coberturas especficas, na criao de programas especiais e
em quadros dentro de outros programas. Assim, o programa jornalstico garante uma
audincia mais permanente por mais tempo, prximo a ideia do pblico que acompanha
a novela e se torna uma audincia mais fidelizada.
A tematizao cumpre ainda a funo de criar produtos que interessem a
determinados anunciantes. Tudo isso pode se converter em novos produtos de indstrias
culturais, a serem comercializados pelo meio de comunicao por via de cotas de
patrocnio e espaos publicitrios, geralmente mais caros j que fogem a cobertura do
dia a dia e se referem a momentos especiais.
A valorizao da informao com contedo emocional est relacionada com o
crescimento das editoriais mais rentveis e com as pesquisas que buscam identificar as
possveis preferncias e interesses dos leitores/telespectadores.
Toda a programao de um veculo de comunicao pode ser afetada pela
valorizao de algum acontecimento que tenha desdobramento emocional ou possa ser
tematizado. Em determinadas circunstncias o veculo pode deixar de lado sua
programao habitual e temporariamente dedicar-se quela cobertura em especfico.
Crimes de grande comoo como no caso da morte da menina Isabella Nardoni (maro
de 2008) passam a ser acompanhados quase que integralmente por alguns veculos. Em
casos assim, a medida se justifica pela audincia que atrai.
Fonseca (2005, p. 24) afirma que o modelo em emergncia no jornalismo trata o
leitor como cliente, por isso adota uma srie de estratgias para agradar o
leitor/consumidor. A preocupao em deixar o leitor satisfeito uma das caractersticas
evidentes nas estratgias de marketing e na poltica administrativa do jornalismo das
indstrias culturais. Com isso o jornalismo se transforma numa atividade com a
finalidade de servir ao pblico, no sentido de agrad-lo.
Alm da valorizao da informao com potencial de emocionar, o uso de um
discurso com matizes de emoo pode ser percebido em outras coberturas. Tentando
caracterizar o discurso predominante nas grandes empresas miditicas, Ramonet (In:
MORAES, 2012) atribui trs caractersticas a esses discursos: a) eles so breves, para
evitar o tdio. Os textos tendem a ser curtos e os ttulos impactantes, como no modelo
publicitrio; b) so simples: discursos elementares, que usam um vocabulrio que todo
mundo possui; e c) utilizam constantemente elementos de espetacularizao, de
dramatizao, ou seja, expressam-se atravs das emoes. Ramonet compara os
95

discursos da grande mdia a mensagens que se dirigem s crianas. s crianas fala-se


com simplicidade, brevemente e de maneira emocional. De uma maneira geral, o
discurso que recebemos um discurso infantilizante (RAMONET, In: MORAES,
2012, p. 249).
A modernizao e profissionalizao do jornalismo em meados do sculo XX
ps em evidncia o conceito de notcia. Agora, a produo de jornalismo das indstrias
culturais, com o crescimento das editorias mais rentveis e a valorizao de contedo
emocional, pe em declnio o conceito de notcia e valoriza o conceito de
informao. O termo informao mais amplo, aberto e pode receber variadas
mensagens, inclusive algumas que no se enquadrariam exatamente na terminologia
notcia. Informao virou o termo mais usual e at mais adequado para se referir s
mensagens dos meios de comunicao. O termo traduz uma concepo jornalstica mais
prxima da ideia de mercado e das necessidades do cliente do meio de comunicao.
O prprio termo jornalista muitas vezes substitudo por produtor de
contedos. De mediador ou intrprete da realidade, ele se torna um profissional que
alia competncia jornalstica com estratgias de mercado. Desde fins do sculo XX
crescem empresas de profissionais de comunicao, geralmente reunindo jornalistas,
publicitrios, relaes pblicas, assessores de imprensa, que no trabalham
especificamente para nenhum veculo de comunicao, mas produzem mensagens com
contedos diversificados, que atendam s necessidades de diferentes veculos. O
interesse do mercado que vai determinar que tipo de contedo pode/deve ser
produzido. So as empresas produtoras de contedo. Com essa configurao, elas
tendem a deixar contedos sociais e polticos margem, para investir nos contedos
rentveis, comercializveis mais facilmente junto aos veculos de comunicao ou j
feitos de encomenda por estes.

3.4. Autorreferncia como contedo

O contedo jornalstico das empresas de comunicao no capitalismo avanado


pode ser o que interessa ao pblico enquanto possibilidade de formar audincia para o
veculo de comunicao, pode ser o que interessa aos anunciantes ou grupos de interesse
da organizao e pode ser a prpria empresa de comunicao e seus diversos outros
produtos da formatao de indstrias culturais.
96

Assim, cada vez mais o contedo do meio de comunicao autorreferente, ou


seja, produz contedos sobre o prprio veculo, sobre os profissionais desse veculo e
sobre os demais produtos desenvolvidos em casa. o programa feito para falar de
outros programas, o artista ou jornalista que entrevistado na prpria emissora, o
produto de comunicao que vira pauta em programa jornalstico.
A autorreferncia tem sido to utilizada em programas de variedades quanto em
programas jornalsticos, espao onde esse tipo de contedo j foi mais inibido, fazendo
com que contedos jornalsticos e de variedades se assemelhem. Muitas vezes a
autorreferncia aparece disfarada como matria jornalstica, tornando difcil distinguir
o que uma matria de um programa de variedades, sem maiores responsabilidade com
a questo jornalstica, e o que uma matria de um programa jornalstico. Assim,
programas de variedades e jornalsticos se aproximam e a lgica mercantil que estimula
um j no parece estranha ao outro.
So muitos os exemplos de programas autorreferentes. Na TV Globo, o Vdeo-
show deixou de ser um programa sobre bastidores de produo e virou pea de
divulgao dos produtos veiculados pela emissora. Ele exibido diariamente de
segunda sexta e se constitui em um programa integralmente autorreferente. Programas
de entretenimento como Domingo do Fausto (Fausto Silva) e Altas Horas (Serginho
Groisman) se convertem em espaos para os astros da casa, destacando estrelas de
novela, artistas contratados pela emissora e at jornalistas, que j foram figuras mais
reservadas e agora entram tambm na linha do showbussines. O programa semanal
Estrelas (Anglica), que no por acaso tem esse nome, mostra exclusivamente os
artistas e os jornalistas da casa. No Domingo do Fausto, o quadro Arquivo
Confidencial leva ao palco algum artista da TV, geralmente atores ou cantores. So
mostradas fotos de infncia do artista e depoimentos gravados de vrias pessoas sobre o
mesmo. A homenagem invariavelmente cumpre a sua funo: o artista chora, a
audincia aumenta, programa e anunciantes ficam satisfeitos. Mesmo programas como o
talk-show Programa do J (J Soares), teoricamente mais srios, abrem cada vez mais
espao para a autorreferncia, sempre entrevistando algum artista que interesse
emissora destacar.
To presente na programao, a autorreferncia tem sado do limite do programa
de variedades ou entretenimento e verificada tambm no jornalismo. O Jornal
Nacional, mais importante programa jornalstico da TV Globo e telejornal h mais
tempo no ar no Brasil, tem aberto generosos espaos para a autorreferncia. Os
97

chamados produtos da emissora viram pauta, com matrias sobre novelas, estrias de
novos programas e outras iniciativas da emissora. Na ltima semana de exibio, a
telenovela Avenida Brasil (2012), de grande audincia, foi tema de matria todos os
dias no Jornal Nacional. O ltimo captulo teve tratamento de cobertura especial, com
jornalistas espalhados em vrias cidades, mostrando grupos de pessoas assistindo a
exibio. A novela ainda foi tema de um Globo Reprter especial, programa que
tradicionalmente se define como espao para grandes reportagens.
Alguns temas dessas grandes reportagens do Globo Reprter tm sido destinos
de viagens. Muitos dos locais escolhidos so os mesmos que servem de cenrio para
gravao de novelas. Visando o mercado exterior, grande comprador de novelas da
Globo, a emissora tem adotado a estratgia de gravar parte das novelas nos mercados
com os quais se relaciona ou tem algum interesse. Alm de estar na novela, os pases
que so mercado para as novelas globais aparecem em outros programas de variedades e
nos programas jornalsticos.
Durante o Criana Esperana (agosto de 2013), estratgia de marketing social
da TV Globo, todos os telejornais terminavam com uma matria exibindo algum projeto
social atendido pela iniciativa. Os jornalistas apresentadores dos telejornais concluam
todas as edies desse perodo informando como as pessoas podem fazer doaes para o
Criana Esperana. Assim como os artistas da casa atores e cantores- tambm os
jornalistas participam de vdeos de divulgao da iniciativa.
Estratgia semelhante foi adotada no RocknRio (2013): todos os telejornais
terminavam com matrias sobre o festival de msica. Como o evento tem a participao
da TV Globo as referncias eram sempre positivas, sem qualquer tom de crtica. Ao
contrrio disso, os jornalistas apareciam alegres, em tom festivo, mais prximos de
serem garotos-propaganda do que jornalistas. As iniciativas de marketing social e a
realizao de eventos so duas estratgias recomendadas pelo marketing s empresas
em geral que tm sido adotadas tambm pelas empresas de comunicao.
Os jornalistas, alm de atuarem nas iniciativas e eventos promovidos pelo meio
de comunicao, tambm esto entre as estrelas referidas na programao. Assim, alm
de serem entrevistados em outros programas, participam de quadros como o Arquivo
Confidencial do Domingo do Fausto, originalmente destinado a revelar, atravs de
depoimentos, a vida das celebridades fora da televiso.
Em maro se 2013, a Globo levou a estratgia de autorreferncia a um ponto at
ento no praticado. A emissora exibiu o programa Vem a!, criado exclusivamente
98

para divulgar a nova programao. Geralmente, as renovaes em programaes eram


comunicadas internamente ou de modo no to enftico na televiso. Desta vez a
emissora criou um programa especial, com venda de patrocnios e espaos publicitrios,
para vender a sua prpria programao. O programa foi insistentemente anunciado
nos breaks da emissora nos dias que antecederam a sua veiculao. A divulgao da
nova programao da televiso, que teoricamente interessaria mais a ela, conseguiu uma
boa lista de patrocinadores. Para transformar o Vem a! em um programa interessante
para pblico e anunciantes a emissora usou artistas, jornalistas, produziu matrias e
nmeros de shows, semelhante ao que faz com o Criana Esperana.
Todos esses exemplos acima so da TV Globo. importante se destacar que, por
ser a televiso de maior audincia, ela construiu um modelo hegemnico no pas,
servindo de referncia para as demais emissoras. Mesmo as maiores concorrentes, como
a TV Record, ou emissoras de regies mais perifricas, guardadas as devidas
propores, tendem a copiar modelos de programas e estratgias administrativas da
emissora melhor sucedida no mercado, reconhecida como uma grande organizao de
comunicao do ponto de vista tcnico, administrativo e financeiro. Funcionando como
um modelo, a TV Globo diminui resistncias a processos e prticas adotados, esvazia a
crtica e fortalece argumentos como: at a TV Globo est adotando essa estratgia.
Nos programas jornalsticos televisivos e nos impressos jornalsticos, outra
prtica que tem sido adotada a recuperao de matrias ou reportagens que j foram
veiculados em pocas remotas. Essa estratgia geralmente est ancorada em alguma
data, evento ou acontecimento em especial. A Copa do Mundo de Futebol, que acontece
no Brasil em 2014, por exemplo, tem motivado essas publicaes. As revistas da
Editora Abril tem promovido o projeto Abril na Copa. Entre as iniciativas est a
publicao de fascculos sobre a copa do mundo. Esses fascculos tm grampeao
independente da revista, podendo ser destacados, e se apresentam como Edio
Especial de Colecionador.
Um detalhe que todos os fascculos so feitos com matrias, artigos, crnicas e
fotos que j foram veiculadas em diferentes copas: o projeto da Abril selecionou edies
de cinco copas onde o Brasil foi campeo e a edio onde o Brasil perdeu o campeonato
em casa, em 1950. Nesses fascculos o nico texto novo o editorial que possui dois
pargrafos em cada edio. Sob o argumento de serem edies comemorativas, a Abril
lana um produto extremamente barato de ser produzido: todo o contedo j foi feito.
Esse mesmo produto vendido por um preo mais elevado ao anunciante, uma vez que
99

oferece a este a oportunidade de tomar parte de um projeto especial, um espao mais


valorizado que o rotineiro espao dos anncios. O fascculo encartado em todas as
mais de 40 revistas da Editora Abril e isso um forte argumento a favor do preo
elevado desse espao. O projeto Abril na Copa se refere a esses anunciantes como
patrocinadores. So eles: O Boticrio, Ita, Volkswagen, Johnson e Johnson e
McDonalds. Para os assinantes fica a imagem de um meio de comunicao realizador,
que est presenteando os assinantes com uma iniciativa indita. Para os demais leitores,
a estratgia funciona como um atrativo para a venda avulsa em bancas.
A iniciativa no deixa de ser um tipo de autorreferncia uma vez que se refere a
contedo que o meio de comunicao j possua, agora apresentado como algo especial,
servindo para promover a imagem do veculo jornalstico.
Ao completar 45 anos (setembro de 2013), a revista Veja lana mo da mesma
estratgia: produzir uma edio especial com contedo que j existe e vend-la a preo
mais elevado aos anunciantes, porque especial. A edio anunciada como as 45
reportagens que fizeram - e fazem histria. O editorial da edio 2.338 (2013),
nmero anterior a publicao especial, intitulado A busca da verdade, d o tom que os
contedos autorreferentes costumam adotar- mais de propaganda que de jornalismo- ,
assim, o editorial se refere a edio especial usando as expresses investigaes de
flego, infogrficos riqussimos e fotografias fundamentais.
De modo destacado nos formatos audiovisuais, a autorreferncia tem tomado a
forma predominante de contedo de entretenimento, com o objetivo de envolver o
pblico uma vez que se constitui num tipo de mensagem em geral no relevante para a
maioria, que originalmente interessa mais a empresa que ao pblico. Embalada como
entretenimento, ela adquire uma forma mais escorregadia, agradvel e palatvel, e com
isso se aproxima da audincia, que muitas vezes nem percebe aquilo como uma
estratgia de divulgao, posicionamento e fortalecimento do prprio meio de
comunicao.
Para a empresa de comunicao a autorreferncia serve a diversos propsitos:
divulga produtos e profissionais de interesse da emissora, cria novas oportunidades de
vendas de anncios, contribui para valorizar espaos comerciais, consolida a imagem de
meio de comunicao realizador, fortalece institucionalmente o veculo de comunicao
e atua como barreira de entrada que inibe a concorrncia, dando a sensao de que
queles contedos e aquele meio de comunicao so os mais valiosos.
100

A valorizao das editorias mais rentveis do ponto de vista econmico, o


investimento em contedos emocionais e a autorreferncia no jornalismo tendem a
promover uma grande quantidade de contedos despolitizados, com poucas questes
sociais, que no provocam grandes reaes ou conseqncias no pblico. No caso das
referncias a contedos remotos, como a edio especial de Veja com 45 reportagens
chamadas histricas, pode-se argumentar que se trata de contedo relevante sim. Porm,
uma observao que ele contraria uma das premissas que rege o jornalismo noticioso
que a atualidade. Adota-se uma estratgia de mercado, recuperando contedo
jornalstico passado e deixando a atualidade por conta da data: a realizao da copa do
mundo.

3.5. Precarizao do trabalho de jornalista, maior contratao de estagirios e


freelancers

O capital se interessa pela compra do trabalho. E aqui se opera uma das grandes
imposies do capitalismo avanado, mudando e redefinindo formas de trabalho. O
capital sempre se interessou em manter baixos custos e desorganizar os mecanismo de
negociao coletiva, como os sindicatos. No capitalismo avanado, a transformao do
trabalho em produto, afetada pelos processos de desregulamentao e privatizao. No
neoliberalismo, a preocupao em preservar o trabalho se converte em uma preocupao
e responsabilidade dos indivduos que devem buscar recursos para se manter no
mercado e at incrementar seu valor de mercado, com cursos e reciclagens.
So sintomticos dessa concepo o surgimento de veculos de comunicao que
ajudam a reforar as ideias individualistas do neoliberalismo. So exemplos disso a
revista Voc S.A. (Editora Abril), que d dicas de como manter o potencial individual
de empregabilidade; a revista Veja (Editora Abril), que tem uma seo com o nome
Guia Veja que costuma abordar temas semelhantes; e a revista Exame (Editora Abril),
que relata os feitos de grandes empresrios. Na televiso, alguns quadros em programas
diversos pregam as vantagens das pessoas se manterem sempre aptas para o mercado,
valorizando qualidades que interessam s empresas. O telejornal Jornal Hoje, da TV
Globo, tem um quadro semanal chamado Sala de emprego, que destaca os campos de
maior crescimento do trabalho e d dicas semelhantes a revista Voc S.A. Na Band
News, canal por assinatura, os telejornais incluem o miniprograma Giro Business, que
101

faz pequenas entrevistas com empresrios, profissionais de marketing ou publicitrios


bem sucedidos.
Esses contedos vo para dentro do espao do jornalismo, alimentando os
argumentos de que alguns meios ou produtos de comunicao se tornam como porta-
vozes da ideologia neoliberal, que prega a livre iniciativa, a liberdade individual, o
livre-mercado e o livre-comrcio. Essas formataes ajudam a naturalizar o pensamento
neoliberal e divulgam a reestruturao produtiva e do mundo do trabalho como algo no
problemtico, mas que deve ser seguido pelos que estiverem melhor preparados.
Alm da grande imprensa, podem ser porta-vozes do modelo neoliberal outras
instncias, como o Estado, academia, escolas e outras instituies. No momento de
elaborao dessa dissertao, circulava na imprensa nacional a notcia de escolas
particulares de So Paulo que, com apoio do Sebrae, instituram a disciplina
empreendedorismo como obrigatria no ensino fundamental7.
O campo do trabalho tem sofrido significativas mudanas no capitalismo
avanado. Aps anos de crescimento e baixos ndices de desemprego no entusiasmo ps
segunda-guerra mundial, a crise dos anos 1970, seguida das polticas deflacionistas e
mudanas tecnolgicas, provocou uma desacelerao do crescimento e reestruturao
produtiva que atingiu o mundo do trabalho, diminuindo o nmero de empregos, a
remunerao, organizao sindical e direitos trabalhistas, fazendo crescer o universo do
trabalho precarizado, subcontratado, terceirizado e outros (FIORI, 2007). Muitas vezes
os trabalhadores so induzidos a concordar em apertar os cintos e aceitar os
sacrifcios necessrios, dando a sua parcela de contribuio que inclui aumento de
carga horria, tarefas extras e congelamento de salrios, em troca de uma possvel
segurana de permanecer no trabalho e a promessa de melhoria ps-crise.
Esse contexto fez emergir a ideia de perda de relevncia e centralidade do
trabalho. Habermas considera que se vive o fim da utopia da sociedade do trabalho,
numa poca em que os acentos utpicos deslocam-se do conceito de trabalho para o
conceito de comunicao (2003, p.114). Ou seja, no se cr mais na utopia do trabalho,
mas na salvao pela comunicao. S a comunicao pode recompor um mundo que
perdeu seus referentes.
Para Antunes (2003) o trabalho no perde importncia, ele vai ficando mais
fluido. Enquanto a comunicao vai adquirindo centralidade, o trabalho adquire formas

7
Para saber mais: http://g1.globo.com/economia/pme/noticia/2013/06/criancas-recebem-aulas-de-
empreendedorismo-em-escola-de-sp.html.
102

heterogneas, complexas, diferenciadas, fragmentadas. Ele tambm se diferencia em


diversos tipos, desde os trabalhos altamente qualificados at formas precarizadas e sem
qualificao. No lugar da especializao, o capital avanado tende a promover a
multifuncionalidade ou polivalncia. Entra em declnio a ideia de uma trabalho formal,
estvel, com direitos dos trabalhadores, que passam a ser chamados de colaboradores.
Isso uma mxima das empresas hoje, das grandes
transnacionais s pequenas empresas: o trabalho desprovido de
direitos, o trabalhador em disponibilidade para o capital no
espao produtivo da empresa, ou at mesmo no espao
domstico, o que melhor ainda para a empresa (ANTUNES,
2003, p.67).

No jornalismo, o trabalho no espao domstico tem crescido com as novas


tecnologias. A empresa diminui custos e evita a questo de se confrontar com a luta de
classes, que tem transcendido da empresa para a casa do trabalhador. Dispersos, esses
trabalhadores constituem uma classe fraturada, heterognea, com menores poderes de
mobilizao, fragilizados em sua materialidade e subjetividade. Se o capital deseja o
trabalho informal, a classe trabalhadora responde sendo, como tendncia, cada vez mais
informal. Aumenta a terceirizao, o que significa mais um desafio para os sindicatos.
No capitalismo avanado, Bauman (2007) identifica que um novo esprito do
capitalismo a preferncia de empregadores por empregados flutuantes, desapegados,
flexveis, empregados no especializados e sujeitos a uma capacitao especfica e
restrita, mas que possam atuar em vrias reas, estejam disponveis para aceitar tarefas
extras, responder a situaes de emergncia ou ser realocado de funo ou pas a
qualquer momento. Pode-se argumentar que esse profissional seja fruto das
transformaes digitais, de tempos mais fluidos e fragmentados. No entanto, preciso
tambm problematizar a questo uma vez que essa condio tambm tende a diminuir
os chamados direitos trabalhistas e pode transformar os profissionais em descartveis.
Trazendo a questo para os meios de comunicao encontra-se atualmente uma
situao onde os veculos empregam grande contingente de estagirios e profissionais
que trabalham como terceirizados e em sistema de freelancers. A contratao
temporria, alm de representar menor custo para as empresas, ainda tende a implicar
em um compromisso menor, por parte dos envolvidos, com as preocupaes relativas
linha editorial ou contedo produzido. Tanto estagirios como profissionais temporrios
costumam se adequar com menor resistncia s necessidades empresariais, que nem
sempre correspondem s necessidades sociais.
103

Outro ponto que tem caracterizado sobremaneira as redaes dos veculos de


comunicao tem sido a contratao de profissionais muito jovens, que na maioria das
vezes, se adapta sem grandes traumas a formatao de jornalismo produzido nas
indstrias culturais. Por serem muito novos, a maioria no tem termo de comparao e
recebe como natural o que poderia ser interpretado como mutao no jornalismo.
O recm-formado malevel e se adapta mais facilmente s
normas poltico-editoriais e a salrios mais baixos. Mais jovens
e inseguros quanto ao emprego, os jornalistas tendem a
relativizar os padres impostos pelos cdigos deontolgicos e o
pensamento crtico resultado da formao universitria em
nome dos valores do mercado (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011,
p.45)

Com corpo de jornalistas constitudo em grande parte por jovens profissionais,


estagirios e contrataes temporrias, os meios de comunicao terminam
apresentando uma alta rotatividade profissional, o que tambm contribui com uma
atuao com menos compromisso social e uma espcie de relaxamento em relao ao
contedo ou linha editorial.
Quanto ao que Bauman (2007) chama o novo esprito do capitalismo, que pede
empregados flutuantes, desapegados, flexveis, no especializados nem restritos a uma
rea, mas que possam atuar em vrias frentes, encontra-se hoje nas grandes corporaes
multimdia o jornalista multifuno. O prprio jornalista virou multimdia. O aumento
no nmero de atribuies dos jornalistas exige o desenvolvimento de novas
competncias e ocasiona sobrecarga de trabalho. Como o grupo de comunicao em
geral tem empresas nas reas de televiso, rdio, impressos, internet; o jornalista
contratado levado a produzir contedos para esses diferentes veculos. Assim o
jornalista do jornal impresso, escreve tambm na internet, onde, as vezes, alm de sua
coluna oficial, mantm um blog; o comentarista do canal aberto tem programa no canal
fechado; o apresentador da TV tem programa no rdio. Quando se fala em convergncia
dos meios de comunicao, est a ocorrer tambm a convergncia de atividades
profissionais. Para a organizao empresarial isso significa otimizar custos. Para a
sociedade, a diminuio da pluralidade de vozes. Para o jornalista, o aumento das
presses e das atividades a desenvolver para que se mantenha interessante ao mercado
de trabalho. Ao flexibilizar a funo do jornalista, precariza-se a sua forma de trabalho.
Antunes (2003) diz que no incio do sculo XXI, a empresa que mais emprega
trabalhadores nos Estados Unidos no uma indstria, chama-se Man Power e no
104

emprega, mas terceiriza trabalhadores. Tem cerca de 600 mil pessoas cadastradas e
aluga seus servios. As possibilidades so as mais variadas, vo de um engenheiro
nuclear de alta qualificao trabalhadores de limpeza de escritrio. Segundo Antunes,
a Man Power aluga escravos modernos. Esse o mundo heterogneo e a empresa
moderna que vem da era da reestruturao produtiva (ANTUNES, 2003, p. 66).

3.6. Perda de autonomia das redaes para os departamentos de gesto

Pressionadas por necessidades de lucro e expanso, empresas de comunicao


esto submetendo a parte editorial s necessidades de uma gesto financeiramente
rentvel. A propalada autonomia dos jornalistas perde espao para parmetros
administrativos. Assim, mais do que a parte editorial, os parmetros administrativos,
capazes de se reverter em estratgias fundamentais para a sobrevivncia das empresas,
passam a ser visto como os balizadores da produo de contedo.
A preponderncia do departamento de gesto sobre o departamento editorial pe
em cheque a questo de se definir, sob a perspectiva jornalstica, como um meio de
comunicao agenda as informaes exibidas diariamente. Wolf (2008), como j
salientado, destaca os valores-notcia como filtros que ajudam o jornalismo a definir
que acontecimentos devem ser transformados em notcia dentro da quantidade de fatos
que ocorrem. Os valores-notcia representam a resposta seguinte pergunta: quais
acontecimentos so considerados suficientemente interessantes, significativos,
relevantes, para serem transformados em notcia? (WOLF, 2008, p. 202). Com o
aumento do poder do departamento de gesto, entra em questo a noo dos valores-
notcia como os definidores do contedo do meio de comunicao. Eles se tornam mais
fludos, mais flexveis, permitindo o florescimento de contedos igualmente mais
flexveis.
A perda da autonomia das redaes para o departamento de gesto est
diretamente ligada ao crescimento da imprensa enquanto empresa, o que se verifica ao
longo do sculo XX e de forma mais ntida nas ltimas dcadas. Fonseca aponta que na
relao jornal versus empresa, a empresa subordina o jornal. Verifica-se um processo
de assujeitamento do contedo jornalstico lgica empresarial, o que no ocorria
antes (FONSECA, 2005, p. 118). Segundo a autora, a mentalidade do homem-de-
empresa chega aos meios de comunicao e os negcios passam a ser regidos por
105

concepes que j se encontram em outros segmentos econmicos como a racionalidade


administrativa, que objetiva a reduo de custos e a ampliao dos lucros.
A chamada profissionalizao dos meios de comunicao no Brasil e
modernizao da imprensa, que se verifica a partir do final dos anos 1950, com
reformas grficas e editoriais em grandes jornais e lanamento da revista Veja, por
exemplo, implicou na consolidao do gerenciamento via princpios de administrao.
Esse um fenmeno relativamente novo no Brasil, j adotado nos Estados Unidos
desde o incio do sculo XX. O modelo comercial americano de produo de jornalismo
e de publicidade tem grande influncia no Brasil, especialmente ps-Segunda Guerra
Mundial e com o movimento de crescimento das indstrias culturais.
O grupo O Estado de So Paulo buscou consultoria fora para promover reformas
internas na empresa. Assim chegou ao conceito que muitos jornais tm adotado e que
atende pela expresso Innovations in Newspapers (Inovaes em jornais). A adoo
do conceito influenciada pela agilidade promovida pelas TICs, pela possibilidade de
gerar novos produtos na formatao de indstrias culturais e pelo conceito de cauda
longa (ANDERSON, 2008). Essa forma de atuao defende que o meio de comunicao
funcione como turbina informativa. A idia que a indstria informativa precisa de
um motor para gerar produtos comercializveis. Assim, o veculo de comunicao
visto no apenas por si s, mas como parte de um sistema, capaz de gerar e estimular
novos subprodutos que tragam rentabilidade empresa de comunicao (PEREIRA;
ADGHIRNI, 2011).
A idia de que os departamentos de gesto se sobreponham e submetam a
autonomia das redaes contraria a concepo de jornalismo como atividade de bem
social. Cada vez mais se verifica o padro que ganha respaldo em critrios
administrativos, que se justificam e avanam sobre todas as empresas no mundo
neoliberal.
Junto com o desenvolvimento do capitalismo no mundo, generaliza-se a
racionalidade e concepo administrativa das coisas, gentes e ideias.
Juntam-se o direito e a contabilidade, a lgica formal e a
calculabilidade, a racionalidade e a produtividade, de tal
maneira que em todos os grupos sociais e instituies, em todas
as aes e relaes sociais, tendem a predominar os fins e os
valores constitudos no mbito do mercado, da sociedade vista
como um vasto e complexo espao de trocas (IANNI, 2007, p.
21)
106

Nessas condies no de se espantar que os departamentos de gesto, sujeitos


lgica formal e racionalidade, prximos do direito e contabilidade, terminem por impor
sua fora aos departamentos editoriais. A gesto dos negcios ganha importncia e se
legitima como o jeito de existir no chamado mundo moderno, onde h a generalizao
do pensamento pragmtico ou tecnocrtico. Muito do que se faz e pensa no mundo
passa a pautar-se pelo que , parece ou pode ser moderno. E o que parece ou pode ser
moderno, modernizado, modernizvel ou modernizante traduz-se necessariamente em
prtico, pragmtico, tcnico, instrumental (IANNI, 2007, p. 103). A racionalidade do
capitalismo que se espalha pelo mundo pragmtica, tcnica, automtica.
Os grandes meios de comunicao vo cada vez mais adotando estratgias de
gesto calculadas, deixando menos espao para o imprevisto e o risco. Para Ianni (2007)
a complexidade que a sociedade industrial adquiriu no permite a no ser a
administrao burocrtica.
Taschner (1992, p. 67) considera que os meios de comunicao das indstrias
culturais no so mais um veculo de comunicao organizado como empresa, mas
uma empresa que tem atividade jornalstica. O sujeito a empresa e no mais o
veculo de comunicao. Fonseca (2005, p. 153) acredita que o aumento de poder da
racionalidade administrativa nas empresas de comunicao, relacionado a sua evoluo
para a condio de indstria cultural, significa o estabelecimento de uma nova relao,
onde os interesses da empresa tm prevalncia sobre os interesses do veculo.
Misturam-se poltica editorial e estratgias de marketing. Mas o que pode ser desejvel
do ponto de vista da empresa, pode ser controverso na perspectiva jornalstica.
Concentrao e mercantilizao de contedos so dois processos que interessam
mais ao departamento de gesto que ao de redao. As prticas de gesto moderna se
impem sobre a produo cultural, afetando bens simblicos diversos, meios de
comunicao e todos os produtos veiculados nesses meios, inclusive a produo
jornalstica. Isso faz com que os formatos j testados e aprovados tenham mais chance
de se repetir, ainda que se argumente a favor das especificidades e da necessidade de
criatividade na produo de bens simblicos. Uma formatao que tenha sucesso de
audincia, por exemplo, certamente ser eleita pelo departamento de gesto como uma
iniciativa de xito. Essa condio estimula a produo de produtos semelhantes e a
repetio de frmulas. A lgica de fest seller, do produto testado, do marketing e da
publicidade intensivos, deixa de lado as demandas dos pblicos minoritrios, rechaa a
inovao e a criatividade como arriscadas (BECERRA, MASTRINI, 2009, p. 19).
107

A valorizao do setor administrativo dos meios de comunicao inclui um


estmulo integrao entre administrativo e redacional promovendo estratgias de
aproximao como reunies onde os setores administrativos sugerem redao as reas
que seriam interessantes de serem retratadas em matrias uma vez que podem se
converter em acesso a anunciantes disponveis no mercado. Por exemplo: se a economia
tem crescido em torno de construtoras e da arquitetura e empresas dessas reas se
tornam potenciais anunciantes, o setor administrativo pode sugerir redao que busque
pautas ou cadernos e programas direcionado para essa rea.
A sobreposio do administrativo sobre o redacional tem se verificado no
somente nas grandes corporaes, mas mesmo em mercados menores, regionais e
locais, que, como salientado, embora tenham caractersticas especficas tendem a copiar
os modelos administrativos e os formatos de produtos de comunicao das grandes
companhias. Assim, em mercados locais, ainda que haja espao para produtos originais,
h uma larga produo de clones dos produtos testados e aprovados. Logo no difcil
se encontrar exemplos de telejornais em pequenas cidades que tendam a seguir tanto as
estratgias de marketing como o padro tcnico-esttico dos maiores telejornais. O
mesmo vale para os impressos.

3.7. Hibridao entre contedo jornalstico e publicitrio

Misturam-se as fronteiras entre contedo editorial e publicitrio, muitas vezes


confundindo o leitor/telespectador, at de modo intencional. Agindo assim, a empresa
jornalstica tenta se aproximar do mercado anunciante, cada vez mais disputado pela
concorrncia entre os diversos meios de comunicao, oferecendo a este, variadas
oportunidades de divulgao de sua mensagem.
Mosco (2009, p. 32) considera que a reestruturao econmica geral tem
apagado as divises tradicionais, includas aquelas existentes nas indstrias das
comunicaes. Cada vez mais difcil distinguir entre os servios de emisso, de
difuso televisiva, de telecomunicaes e de informao. O fenmeno que leva a
hibridao entre contedo editorial e publicitrio se relaciona ao processo de
concentrao dos meios de comunicao, que, ao crescer horizontalmente e
verticalmente, incorpora diversas indstrias informativas e de entretenimento e diminui
a distino entre informao e contedo comercial. Mosco (2009) argumenta que a falta
de discusso sobre a questo da concentrao nos meios de comunicao mantm esse
108

aspecto margem das investigaes e contribui para a opinio de que a concentrao


pouco tem a ver com o modo como os meios de comunicao tm trabalhado.
A publicidade que perde a fronteira com o contedo editorial vai cada vez mais
para dentro dos programas, deixando de ser uma pausa comercial no fluxo de
informaes e tornando-se o prprio contedo, um ator destacado no espao pblico.
verdade que os propsitos da publicidade se desenvolvem junto com os vnculos
comerciais da indstria, assim como tambm verdade que estes vnculos comerciais
se tem ampliado medida em que esto se unindo empresas de publicidade e de
comunicao por meio de fuses, alianas estratgicas e outras formas (MOSCO,
2009, p.162) que tm transformado a dinmica estrutura das indstrias culturais.
Tem se tornado comum, especialmente nos mercados menores, onde os recursos
disponveis so mais escassos e os anunciantes em menor nmero, a prtica de vender
anncio casado com a matria. Enquanto no esquema anterior de venda de espao
publicitrio, tratava-se exclusivamente disto - venda de espao publicitrio-, hoje, cada
vez mais empresas vendem, junto com o espao publicitrio, a oferta de uma matria.
Assim, se vm produtos de comunicao onde os anunciantes so motivo da pauta,
invariavelmente positiva, realando suas realizaes. Com essa medida perde-se a linha
editorial que o veculo possa ter, que fica atrelada aos anunciantes que conseguir
angariar. Muitos contedos tm se justificado mais pelo seu valor publicitrio e menos
pelo critrio jornalstico de valor-notcia. Dito de outra maneira: se justificam no
pelo interesse pblico, tomado em relao sociedade no seu conjunto, mas pelo
interesse dos pblicos que anunciam na edio. Essa estratgia cumpre a funo de
atrair anunciantes.
Em alguns produtos, mesmo que alguns contedos tenham aparncia editorial,
constituem-se num mix onde a aparncia jornalstica e a finalidade comercial. cada
vez mais freqente o tipo de publicao onde at a capa comercializada. At o incio
dos anos 1990 os grandes jornais brasileiros sequer aceitavam anunciantes no espao da
capa, temendo pela credibilidade do veculo. Hoje a capa do veculo de jornalismo
impresso pode ser vendida de duas formas: a primeira para um anunciante, que faz uma
capa com diagramao semelhante ao jornal ou revista e anuncia seu produto. Nesses
casos, o jornal ou revista mantm a sua capa original, mas coberta pela capa vendida ao
anunciante por um preo mais elevado uma vez que se trata de espao privilegiado. Um
segundo caso, mais grave, quando o jornal ou revista abre mo completamente de sua
prpria possibilidade de capa, fazendo de seu mais atraente espao jornalstico um
109

espao unicamente publicitrio, vendido ao anunciante que se interesse por ele, no


tendo uma capa que possa ser descoberta aps a propaganda. Santos (2010) havia falado
em produzir o consumidor antes de produzir o produto. Neste ltimo caso chega-se ao
ponto de maior de mercantilizao: aqui se produz o anunciante, antes de produzir o
produto.
Dantas (2011, p.45) lembra que o que atrai um pblico a permanecer algum
tempo diante de qualquer medium no a exibio de publicidade, mas o noticirio, o
filme, o jogo de futebol, a novela [...]. Sobre a dependncia da televiso em relao
propaganda, os mais otimistas acreditam que, graas a ela, chegamos a um modelo de
televiso gratuita com uma vasta programao. Os estudiosos mais crticos, porm,
sustentam que a publicidade tem contribudo para modificar os meios de comunicao
que esto deixando de ser veculos de disseminao de informao e educao para se
transformarem em veculos de ligao comercial entre produtores e consumidores
(MATTOS, 2010, p. 68).
Ainda que se argumente que as estratgias mais distorcidas como venda de capa
possam estar situadas nos lugares menores e de menor possibilidade de recursos,
inegvel o valor que o espao da propaganda adquiriu sobre o espao editorial tambm
nos maiores centros e grandes veculos. Um exemplo claro disso que em todas as
maiores revistas jornalsticas do Brasil e do mundo a publicidade quase sempre ocupa as
pgina mpares, espao mais valorizado, deixando as pginas pares para o contedo
editorial.
Vale ainda destacar que, desde o incio dos anos 1990 o Governo dos Estados
Unidos acabou com a regulao que limita a quantidade de tempo comercial permitido
nos veculos comerciais de televiso. Como resultado, apareceram grandes canais de TV
inteiramente dedicados s tele-compras (MOSCO, 2009). So veculos que sequer
vivem o drama de tentar equilibrar contedo jornalstico e publicitrio, uma vez que tm
a liberdade de abrir mo do primeiro para se dedicar inteiramente venda de produtos.
No Brasil h alguns desses canais na TV fechada.
Nos mercados regionais e locais, com uma circulao menor de recursos,
algumas TVs comercializam o prprio horrio da programao, garantindo retorno
financeiro, diminuindo custos, mas perdendo o controle sobre a linha editorial do
veculo e o contedo veiculado. Os espaos loteados ficam sob a responsabilidade de
quem est comprando aquele tempo, mantido via patrocnios e publicidade.
110

A hibridao entre contedo editorial e publicitrio supe um agravamento do


carter mercadolgico da informao jornalstica, uma subordinao ampla do
jornalismo condio de mercadoria e a conseqente renncia de seu papel poltico na
sociedade. Sodr (1999, p. XIV) avalia:
A publicidade a rainha da imprensa hoje. Isso porque essa
relao est vincada a uma outra relao: antes o jornal ou
revista era empresa pequena ou mdia, veiculando propaganda
de empresas mdias ou grandes; hoje o jornal ou revista
tambm uma grande empresa. Quando preserva e reala os
valores da grande empresa, est realando os valores do prprio
jornal ou revista. No mais se limita a servir, serve-se tambm.

Curioso que a informao hbrida entre o jornalismo e a publicidade no


encontra abrigo na teoria nem no cdigo de tica nas duas atividades profissionais. Se
buscarmos a perspectiva terica do jornalismo para refletir sobre como so escolhidas as
informaes exibidas diariamente no fluxo dos acontecimentos cotidianos, podemos
recorrer ao j citado conceito de valores-notcia (WOLF, 2008), que so os filtros que
ajudam o jornalismo a definir que acontecimentos devem ser transformados em notcia
dentro da quantidade de fatos que ocorrem. Eles representam a resposta pergunta: que
acontecimentos so suficientemente interessantes, significativos, relevantes, para serem
transformados em notcia? Assim como as formas de trabalho que ficaram mais fludas
no capitalismo avanado, o jornalismo praticado nas indstrias culturais tem adotado
padres mais flexveis de valores-notcia.
O Cdigo de tica dos Jornalistas fala da natureza social inerente atividade
jornalstica e diz que a divulgao de informao deve ser cumprida independentemente
da natureza econmica de suas empresas. Em seu Art. 12, inciso IV, o referido cdigo
afirma que o jornalista deve informar claramente sociedade quando suas matrias
tiverem carter publicitrio ou decorrerem de patrocnios ou promoes.
Sob a perspectiva da propaganda, ainda que contemporaneamente se registre
uma proliferao de espaos a disposio de diversas formas de propaganda, o que
poderia ser a princpio um dado positivo, possvel afirmar que algumas formataes
do jornalismo das indstrias culturais contrariam critrios ticos da propaganda.
Algumas formas de propaganda assumem caractersticas escorregadias, de difcil
definio, resultando na hibridao entre jornalismo e propaganda. Enquanto isso, o
Cdigo de tica da Propaganda, em seu Art. 20, afirma: a propaganda sempre
ostensiva. A mistificao e o engodo que, escondendo a propaganda, decepcionam e
111

confundem o pblico, so expressamente repudiados pelos profissionais de propaganda


(SANTANNA, 2001, p.381).
A importncia dos anunciantes e da propaganda para o meio de comunicao
cresce medida que se consolida o jornalismo informativo da modernizao da
imprensa. Entra em declnio o jornalismo poltico-partidrio e cresce o jornalismo
noticioso, que tem a capacidade de interessar a maior quantidade de pessoas,
interessando tambm propaganda pela possibilidade de chegar ao pblico. O papel da
propaganda ento contraditrio: por um lado incentivou o desenvolvimento da
empresa jornalstica, viabilizando sua modernizao, permitindo a produo por um
preo final mais baixo ao leitor ou a programao gratuita do rdio ou TVs abertas. Por
outro lado fortaleceu a tendncia monopolizao, concentrao de propriedade e a
reduo da quantidade de veculos de comunicao. A propaganda forneceu os recursos
que ajudaram a imprensa a se organizar como empresa, como negcio. Por outro lado, a
organizao como negcio traz implicaes para o jornalismo enquanto atividade social.
A hibridao entre contedo editorial e publicitrio torna sintomtica a
aproximao entre jornalismo e entretenimento e prestao de servios. H algumas
empresas de comunicao que inclusive preferem se posicionar como produtoras de
contedo e no empresas jornalsticas. Isso alivia o peso de presses que recaem
sobre a produo jornalstica e permite investir em contedos e formas mais fludas, que
sejam mais atraentes ao mercado anunciante e, possivelmente, mais rentveis
financeiramente. Agncias de propaganda tambm tm substitudo o nome, deixando de
se chamar agncia de propaganda ou de publicidade e adotando o termo Agncia de
Comunicao. Isso tambm sintomtico da estratgia que apaga as fronteiras entre
jornalismo e publicidade.
Alguns produtos de comunicao como programas de televiso, a exemplo do
Fantstico (Rede Globo), embora apresentem padro tcnico-esttico prximo ao
jornalismo, preferem se definir como revista eletrnica e no como programa
jornalstico. Essa estratgia cumpre a funo de permitir maior flexibilidade ao produto
de comunicao, tornando-o em geral mais leve, permitindo que possa se aproximar de
modo menos problemtico do entretenimento, em busca de atrair mais audincias,
anunciantes ou que possa ser modificado de acordo com interesses do mercado ou dos
proprietrios dos veculos de comunicao, sem as presses que geralmente podem
recair nos formatos mais rgidos de jornalismo.
112

Algumas publicaes tambm usam a estratgia de se posicionar com oferta de


servios, o que muitas vezes permite se aproximar mais facilmente dos anunciantes.
Assim, uma matria que fala sobre danos causados pelo sol se transforma em boa
oportunidade para vender protetor solar, culos escuros e outros produtos afins. Ou
uma publicao ou programa dedicado a culinria boa oportunidade para se aproximar
de anunciantes que sejam produtores de alimentos, condimentos, restaurantes etc.
Outro ponto relacionado a aproximao entre contedo editorial e contedo
publicitrio com suas fronteiras borradas nos veculos de comunicao o crescimento
das funes de relaes pblicas e assessoria de imprensa, que buscam emplacar nos
veculos de comunicao contedos favorveis a seus assessorados. Polticos fazem
bastante uso dessas estratgias. Fiori (2007) cita o caso de vinte agncias federais norte-
americanas encarregadas pela administrao Bush de formar a opinio pblica nacional
e internacional por meio de matrias e entrevistas de autoridades, pr-fabricadas e
distribudas prontas para os jornais e televises de todo o mundo. Cada vez mais a
grande imprensa norte-americana e europia se move de forma sincronizada e, s vezes,
tem-se a impresso de que os fatos se tornam acessrios de grandes campanhas e
mobilizaes publicitrias em escala global (FIORI, 2007, p.157).
Essas mudanas alteram tambm a forma como os jornalistas se relacionam com
as fontes de informao. As fontes profissionalizaram a gesto da sua imagem e suas
relaes com a mdia, criando departamentos de comunicao e veculos corporativos.
Nas ltimas dcadas cresceram as empresas de Relaes Pblicas e Assessorias de
Imprensa. Muitas vezes o jornalista j no procura diretamente a fonte, mas uma
empresa de assessoria de imprensa que lhe indica a fonte. Desta forma, essas fontes so,
em grande parte, verdadeiras organizaes polticas. Atuam de forma semelhante aos
grupos de interesse que desempenham o papel de atores polticos. A imprensa vai
perdendo a totalidade do domnio da cena informativa, e a opinio pblica passa a
contar com informaes coletadas, selecionadas, tratadas editorialmente e difundidas
por organizaes que possuem interesses corporativos (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011).
No s os polticos se beneficiam dos trabalhos de empresas ou profissionais de
relaes pblicas e assessores de imprensa, mas empresas em geral e at profissionais
liberais, que querem acesso aos meios de comunicao. Os veculos de menor poder
financeiro e situados em regies menores por vezes oferecem menor resistncia a essa
prtica e recebem contedos prontos, evitando o gasto com a produo de contedo. O
113

que os leitores recebem como informao editorial, grande parte das vezes no passa de
um trabalho de divulgao.

3.8. Reconfigurao do papel poltico do jornalismo

Com grande importncia no exerccio da cidadania nas democracias modernas,


os meios de comunicao se vem limitados por sua atuao como entidade econmica.
Brittos e Nazrio (2008, p.30) alertam para o papel da mdia na medida em que os
meios de comunicao de massa seguem lgicas mercantis, afastando-se de metas de
bem-estar social, formando uma opinio pblica e conscincia coletiva atravs de
motivaes privadas e no pblicas.
Essas motivaes privadas terminam por afastar os meios de comunicao e o
jornalismo neles praticado da ideia de atividade associada ao bem coletivo. Murdock
(1999) reclama que o direito a informao, ao conhecimento e o acesso a um espao
simblico coletivo so pr-condies ao exerccio da cidadania, mas considera que, ao
se dirigir s pessoas como consumidores fazendo escolhas no mercado, o capitalismo
corri a identidade do cidado. Ele alerta para a condio dos meios de comunicao
num tempo em que os interesses privados competem com interesses pblicos, em geral
vencendo essa competio e reconfigurando o papel poltico que os meios de
comunicao e o jornalismo tenham a desempenhar.
A propriedade privada dos meios de comunicao, casada com
o crescente domnio dos oramentos publicitrios, levou a que
os interesses corporativos estejam sempre em competio com
o interesse pblico. Alm disso, temas e representaes
essenciais para a cidadania esto continuamente comprometidos
pela concentrao do que prontamente vendvel
(MURDOCK, 1999, p.6)

Gomes (2008, p.49), referindo-se ao conceito de esfera pblica como local de


discusses de opinies distintas, aponta que, na contemporaneidade, a imprensa no se
converteu em um meio de debate do qual se espera emergir uma opinio, mas um meio
de circulao de opinies estabelecidas s quais se espera uma adeso.[...] Uma esfera
pblica constituda dessa arte no passaria de um meio de propaganda.
A crtica de Gomes que os meios de comunicao na contemporaneidade tm
cada vez mais tratado de interesses privados que ganham o direito de acesso
privilegiado mdia. O fato dos veculos de comunicao serem empresas privadas (ou
agirem como tal, no caso das concesses) compromete a sua funo crtica e, por
114

conseguinte, a sua capacidade de servir na constituio de uma autntica esfera


pblica (GOMES, 2008, p. 50).
Mosco (2009, p. 241) aponta como um reflexo problemtico da vida social o
ponto quando as linhas entre o que constitui os lugares pblicos e privados e
mercantilizados se borram at o ponto de praticamente eliminar o valor das distines
territoriais e do objeto. O mesmo autor chama a ateno para a tendncia de se
considerar sempre a cidadania e a vida pblica como diretamente opostas a
mercantilizao, indo esses processos em sentidos contrrios. Para Mosco (2009) esse
tipo de pensamento tambm deve ser evitado pois as relaes entre os processos so
mais complexas e variadas. A oposio completa uma entre as muitas configuraes
possveis. mais til consider-los como processos sociais mutuamente constitudos.
Os processos formam relaes que variam de acordo com circunstncias histricas
especficas (MOSCO, 2009, p. 241).
Mosco (2009) analisa que no ocidente a oposio aos modelos neoliberais
perdeu muito do seu carter socialista e tem aceitado a ideia de unir a nao para criar
uma forma local de capitalismo, que pode reter formas de identificao opositora, mas
est contida dentro de uma economia capitalista. O autor afirma que, tendo que escolher
entre triunfar em uma economia capitalista ou ficar marginalizado e excludo, muitos
pases tm escolhido a primeira opo. Essa formatao capitalista avanada,
avassaladora, por vezes tem enfraquecido os argumentos mais sociais que tendem a ser
mais democrticos.
Os estudos mais crticos costumam apontar a concentrao da mdia em poucas
companhias e os contedos mercantilizados como inimigos do exerccio democrtico.
Essa condio estaria ligada a uma perda de credibilidade que grandes veculos
enfrentam contemporaneamente.
No momento, todos os grandes jornais apiam o neoliberalismo
(...).Tais jornais perderam aquilo que se conhece como
credibilidade, o que eles informam no merece confiana.
Existe profundo divrcio entre o que o pblico pensa e acredita
e necessita e aquilo que a grande imprensa veicula. A alienao
dessa imprensa nova total (SODR, 1999, p.XVI).

A EPC argumenta a favor de uma comunicao mais democrtica e inclusiva.


Para alcanar essa busca os economistas polticos defendem a criao de polticas
pblicas especialmente direcionadas. Assim, tem-se discutido de modo especial a
115

regulao dos meios de comunicao e questes como mercantilizao e concentrao.


A vertente crtica da EPC, adotada nesse estudo, feita a partir de valores humansticos,
que segundo Golding e Murdock (2000) se constituem nas ideias centrais para os
estudos em economia poltica: transformao social e histrica, a compreenso dos
fenmenos dentro de sua totalidade social, filosofia moral e prxis (como referido no
captulo 1).
As polticas de comunicao e cultura implementadas nos anos de 1980, quando
muitos pases latinoamericanos saiam de regimes militares e buscavam ares
teoricamente mais democrticos, valorizavam a ideia de promoo de cultura cargo do
Estado. Converteram-se em pacotes padronizados de cultura e comunicao, com o
paternalismo do Estado e a idia de cultura e comunicao como algo que se recebe.
Depois disso, nos anos 1990 a maioria desses pases deu um giro ideolgico neoliberal,
que valorizou iniciativas privadas e promoveu um esvaziamento na ideia de democracia.
Sodr (1999) crtico da grande imprensa que adere ao formato neoliberal- que o autor
considera anti-democrtica e uma louvao ao neoliberalismo. A adeso festiva ao
neoliberalismo por parte de rgos da grande imprensa, acredita Sodr, leva morte da
credibilidade da imprensa: como um condenado que elogia o dono da corda em que
ser enforcado (SODR, 1999, p.XI).
Alguns pases da Amrica Latina tm visto florescer meios comunitrios de
comunicao, que devem ter parte do contedo produzido em conjunto com as
comunidades onde esses veculos atuam. A ideia importante para uma perspectiva
mais democratizante da comunicao. No entanto, a legislao ainda dificulta o acesso a
licenas de funcionamento e algumas dessas iniciativas terminam por operar de modo
quase ilegal. Geralmente, os governos de esquerda costumam ser mais simpticos aos
meios comunitrios bem como a uma melhor distribuio de propaganda em veculos
menores, diminuindo a grande verba que governos costumam destinar aos grandes
veculos, e permitindo o acesso de novos atores s verbas publicitrias dos governos,
hoje entre os maiores anunciantes em todos os pases da Amrica Latina.
Outra possibilidade que aponta para caminhos mais democrticos nas
comunicaes se d com o surgimento da internet e a idia de comunicao
descentralizada, sem um centro produtor, mas com mais possibilidade de todos para
todos. Os primeiros estudos foram mais entusiasmados com essa possibilidade. Em
seguida, estudos mais crticos levantaram pontos como o potencial de participao das
pessoas, que poderiam ter acesso ao equipamento, mas sofrer de condies desiguais no
116

que se refere a qualidade da participao. Outro ponto que equipamentos cada vez
mais avanados e caros permitem o acesso digital mais rpido s camadas com maior
poder financeiro, ficando os mais pobres marginalizados, com o acesso analgico. Essa
condio prejudica a capacidade de participao democrtica, de acesso as
possibilidades, de desenvolvimento de competncias e at ascenso social, podendo
deixar alguns grupos sempre marginalizados.
Assim, os modelos digitais podem abrir fissuras na hegemonia do capitalismo
avanado, mas tambm podem agravar fraturas sociais anteriores, com os pobres
ficando mais marginalizados. Becerra e Mastrini (2009,p.21) apontam que isso uma
lio de que o mercado, por si s, no pode satisfazer as necessidades e demandas dos
usurios, redundando em seu conjunto em uma radical desigualdade cultural entre
pases, entre regies e entre setores sociais. Ainda assim, importante lembrar que em
relao s formas de comunicao anteriores, os formatos digitais, ainda que
apropriados pelo capital, so os que mais permitem apropriao e usos alternativos
pelos usurios.
Para combater a ideia antidemocrtica de que os que no podem consumir so o
efeito colateral do modelo mercantilizado, Bauman (2007) defende que preciso
impedir que a sociedade multiplique a quantidade de vtimas colaterais do
consumismo. O modelo neoliberal que se estabelece contra os princpios do estado
social seguido pelos mais diversos governos conservadores pelo mundo ps Margareth
Thatcher. Esse modelo define os membros da comunidade no como cidados, mas
como consumidores satisfeitos. E o consumo est menos relacionado a concepes de
solidariedade e mais a ideia de individualidade.
de Margareth Tatcher outra frase representativa do pensamento neoliberal:
No existe algo chamado sociedade. H somente indivduos e famlias (apud
BAUMAN, 2007, p. 194). Bauman avalia que as ideias defendidas por Tatcher
representam o triunfo do consumismo e do individualismo sobre a economia moral e a
solidariedade social. As inovaes de Tatcher no s sobreviveram aos sucessivos
governos, como foram raras vezes questionadas e permanecem intactas (BAUMAN,
2007, p. 195).
A forma como as empresas tm se organizado e posicionado no mercado no
capitalismo avanado, cada vez mais como negcio, tem implicaes para o jornalismo
que se refletem na ruptura dessa atividade como auxiliar da democracia. Ao se
aproximar de lgicas mercantis, o jornalismo v sendo reduzidas as lgicas
117

democrticas. Ao se tornar um produto das indstrias culturais tende a se afastar do


conceito de atividade de bem social, cujo objetivo seria o de participar do processo de
formao da opinio pblica, e se justifica por parmetros como ndices de audincia e
retorno financeiro. importante no perder de vista que a mdia elemento constituinte
do espao pblico em que se negociam sentidos atravs de discursos. Estando sob o
controle de agentes econmicos hegemnicos, estes tm grande influncia tambm
sobre a variedade desses discursos.
O modelo neoliberal de imprensa no capitalismo avanado, mercantilizada e
consumista, pois, antidemocrtico. Um jornalismo dominado por contedos de
entretenimento, soft news, servios, hibridao entre contedo jornalstico e publicitrio
e guiado por parmetros administrativos que visam o lucro, naturalmente se distancia do
modelo de auxiliar da democracia.
Enxergando a mdia neoliberal como um problema para a democracia
McChesney (In: MORAES, 2012, p. 242) defende uma reforma estrutural na mdia,
com a necessidade de desmembrar grandes empresas e recuperar meios de comunicao
sem fins lucrativos. A importncia da questo da mdia cresceu radicalmente e nenhum
movimento social bem sucedido pode deix-la de lado (...). A organizao da mdia
democrtica deve fazer parte da luta atual, se queremos ter uma possibilidade vivel de
sucesso.
A proposta de sistematizar as mutaes no jornalismo no tem a pretenso de ser
um trabalho definitivo. H lugar para outras classificaes e novas categorias. Elencar
essas mutaes cumpre o papel de expor a extenso do capitalismo avanado para a rea
do jornalismo. Isso permite refletir sobre a questo, conseguindo-se identificar o
jornalismo emergente nas indstrias culturais, condicionadas por processos de
concentrao e mercantilizao, para, a partir da fazer um exerccio crtico de avaliao
do quanto esse jornalismo tem se distanciado da ideia clssica e importante de atividade
social e auxiliar da democracia.
118

CONSIDERAES FINAIS

O estgio de expanso financeira sempre um sinal de outono


Fernando Braudel

Algumas condies caracterizam o contexto contemporneo de capitalismo


avanado, como a falta de uma governana mundial, o esvaziamento de grandes
coletivos desde o Estado, que tem renunciado de sua posio de satisfazer demandas da
cidadania, e a pendncia em regras nas relaes internacionais. Enquanto isso, cresce o
mercado, as empresas centralizam processos e os meios e formas de comunicao
assumem posio central, operando em formato de indstrias culturais, que buscam
diversificao de produtos e elegem a produo de contedos rentveis.
A concepo neoliberal prega a ideia de eficincia do mercado, que exige ampla
liberdade de ao e pouca regulamentao, recomenda a reduo dos gastos pblicos e
privatiza servios pblicos, flexibiliza o mercado de trabalho e liberaliza comrcio e
servios financeiros. O neoliberalismo mais do que uma teoria econmica. tambm
uma teoria poltica.
Curiosamente, o modelo neoliberal, que se alastra de modo relativamente fcil,
de uma forma ou de outra, por todo o planeta no foi uma demonstrao de uma
revitalizao do capital. Mas um sintoma de sua fragilidade, uma resposta a sua crise
estrutural. Ainda que presente em vrios locais do mundo, implementado por governos,
saudado por empresas, divulgado pela grande mdia, que tambm neoliberal, aceito
em grande parte da academia, o neoliberalismo, nessa segunda dcada do sculo XXI, j
no esconde seus fracassos, como o aumento das desigualdades. Assim, nos ltimos
anos, v-se a reintroduo de problemas que andavam latentes, como os
questionamentos sobre o papel do Estado, a distribuio de renda, o ingresso de novos
atores nos contextos econmicos e polticos. Manifestaes sociais eclodem por todo o
mundo e um certo ressurgimento das correntes mais crticas de pensamento, quase
abafadas pela onda neoliberal, ganha flego.
J se considera como aceita a situao de crise estrutural no capitalismo
avanado. Discute-se, com diferentes opinies, se seria uma crise no (mais uma) ou
uma do capitalismo. O sistema tido como sujeito a crises cclicas, sempre tendendo
119

a recuperar-se uma vez que a degradao total uma estratgia absurda para o sistema
do capital como um todo. O declnio possvel apenas como exceo imposta por um
tempo determinado, mas invivel para assegurar a sade do sistema em sua integridade.
O fato que, at agora, o capitalismo tem sobrevivido, apesar das previses de sua
morte. Isso demonstra xito nas estratgias de fluidez e flexibilidade para superar
limites. H mesmo quem se refira aos momentos de crise como oportunidade para
promover ajustes. Assim o capitalismo est sempre se recuperando, de diversas formas,
de sucessivas crises. No capitalismo avanado, a crise tambm de regulao e de
legitimao do sistema.
Desde o ltimo processo de reconfigurao do capital, assiste-se a um gradativo
crescimento e centralidade dos meios de comunicao, fundamentais pelos contedos
que interessam no somente a eles e ao pblico diretamente, mas porque esses
contedos tm impacto e desdobramentos na vida social, cultural, econmica e poltica.
Os meios de comunicao tm importncia fundamental nas democracias modernas. No
entanto, tm operado segundo lgicas do capitalismo avanado, sujeitos a processos do
modelo neoliberal como a concentrao de propriedade, a mercantilizao dos
contedos e a atuao como indstrias culturais, com todos os seus apelos de expanso
e proliferao de produtos rentveis.
Dada essa condio, urgente refletir de modo crtico sobre como est
ocorrendo a produo, distribuio e consumo das mensagens nos meios de
comunicao, sacudidos pelos avanos em tecnologia que, ao tempo em que estimulam
a sua expanso, permitem o ingresso de novos atores, s vezes em contraposio ao
sistema estabelecido. Enquanto o capitalismo avanado e em ruptura luta para se
recompor e manter a sua continuidade, a comunicao, que pode contribuir com esse
processo, por outro lado nunca experimentou tantas rupturas: na forma de produo, na
distribuio, formatos, modos de trabalho, na possibilidade de incluir novos atores.
A expanso das indstrias culturais, definidas pela primeira vez pelos estudos de
Economia Poltica da Comunicao (atualizando o conceito anterior), chamou a ateno
para a mercantilizao dos contedos e trouxe a discusso sobre o mercado. As
indstrias culturais manifestam enorme poder criativo, mas tambm tm se revelado
como ferramenta de gesto, subordinando suas finalidades mercantilizao. O grande
crescimento dos meios e produtos de comunicao nas ltimas dcadas tem se dado
muito no campo de expanso das indstrias culturais. A EPC, em sua vertente crtica,
adotada nesse estudo para refletir sobre a comunicao no capitalismo avanado, se
120

interessa pelo campo de poder envolvido nos processos de produo, distribuio e


consumo das mensagens produzidas sob as condies impostas pela reestruturao
capitalista. O fato de governos e entidades como a Unesco estarem atentando para a
questo das indstrias culturais revela tanto o seu poder como pode indicar uma
tentativa de apropriao das foras dominantes, se constituindo em algo como j que
no se pode controlar, tenta-se gerir. O risco dessa gesto estimulada ou sob controle
aumentar o carter de produo de contedos mais facilmente mercantilizveis,
negligenciando-se outras produes que, ainda que no sejam sucesso de mercado,
podem ser relevantes para a sociedade como um todo.
A evoluo das empresas de comunicao para a condio de indstrias culturais
significa um momento de transio profunda, de mudana de paradigma no jornalismo.
A grande mdia tende a ser politicamente conservadora, buscando a estabilidade, e
economicamente burguesa, visando o lucro. Assim, estimula que esse momento de
transio seja camuflado, esconda a sua condio de problemtico e parea simples e
corriqueiro.
A EPC um paradigma terico no hegemnico, mas crtico e adequado para se
observar os fenmenos contemporneos, porque transversal a diferentes campos das
cincias sociais. E porque, em sua funo crtica, tem o propsito de revelar processos
contemporneos, pelo qual a conscincia se torna deformada sob as condies
capitalistas.
H dois pontos essenciais que a EPC tem levantado a bandeira e que so
fundamentais para a discusso sobre a comunicao como atividade de bem social,
especialmente nos pases da Amrica Latina. O primeiro deles relativo concentrao
dos meios de comunicao. A EPC considera a propriedade dos veculos de
comunicao como ponto de partida para se discutir a concentrao. Se se considera a
propriedade como uma questo menor, no se ter condies de compreender a
complexidade da concentrao. A informao um bem pblico que est sendo
gestionado pela propriedade privada. Isso gera inmeras deformaes e compromete a
definio sobre o que informar.
Essa questo est diretamente relacionada ao segundo ponto essencial posto em
discusso pela EPC, que diz respeito a regulao dos meios de comunicao social. Os
estudiosos defendem que importante definir regras de participao que limitem a
quantidade de produtos por proprietrios e que facilitem o ingresso de novos atores. A
regulao, que tem sido defendida de modo especial pela EPC da Amrica Latina, seria
121

a possibilidade de se chegar a uma forma mais democrtica nos meios de comunicao,


desarticulando a concentrao.
O tema ainda carece de muitas discusses e algumas delas tm sido mal
interpretadas. Considerar, no entanto, que os meios podem se autorregular
satisfatoriamente incorrer na prola do neoliberalismo que pe sua crena numa
autorregulao justa dos mercados. O que acontece com os meios de comunicao ditos
no regulados que, na verdade, eles esto sendo regulados: pelo mercado e por
interesses polticos, em sua grande maioria. No Brasil, cerca de 70% das propriedades
dos veculos de comunicao est sob o controle de polticos ou grupos ligados a
polticos. 81% da telefonia mvel no Brasil est nas mos de quatro operadoras (Vivo,
Tim, Claro e Oi, segundo BECERRA, MASTRINI, 2009). Sendo assim, urgente que
se fale em regulao, pois estes mercados j esto sendo regulados por iniciativas
privadas, de modo concentrado e marginalizando a participao de outros atores.
Por meio de grupos privados e concentrados, os veculos de comunicao fazem
emergir agendas particulares como se fossem agendas nacionais e tratam de influir
sobre a opinio pblica e sobre as polticas que lhes interessam. A influncia dos meios
e ausncia de regulao permite que os grupos com maior poder econmico
marginalizem as vozes que questionam a orientao geral da poltica socioeconmica. A
prpria discusso sobre a regulao, tornada marginal pelos grandes veculos de
comunicao, um exemplo disso. Aes como essas diminuem a qualidade do debate
pblico e influem negativamente na adoo de polticas pblicas mais equilibradas.
Os servios pblicos de comunicao e os meios de comunicao comunitrios,
produzidos sem preocupao comercial, so duas possibilidades de caminho para uma
comunicao mais democrtica. Os meios comunitrios, no entanto, enfrentam
dificuldades de licena e alguns funcionam de forma quase ilegal. Quanto aos servios
pblicos de comunicao, alm se no serem uma tradio em pases da Amrica
Latina, quando ocorrem, tendem a adotar discursos oficiais. Enquanto a EPC na
Amrica Latina defende servios pblicos de comunicao, alguns pases europeus tm
feito o caminho de volta, deteriorando seus prprios servios pblicos de comunicao e
privatizando-os.
O neoliberalismo naturaliza as questes e a EPC problematiza, localizando o
antagonismo entre capitalismo avanado e cidadania. Enquanto o pensamento
administrativo deseja contornar a crise, o pensamento crtico denuncia que a
globalizao e seus processos tm tirado o poder do cidado e o Estado perdeu a sua
122

capacidade de proteger esse cidado. Enquanto os meios de comunicao neoliberais


tentam ser vistos como produtivos e buscam afirmar que produzir contedos em
comunicao assim mesmo, a EPC tem apontado que essa a forma de se produzir
contedo nas indstrias culturais do capitalismo avanado. No lugar de serem formas
naturais e perptuas, so formas histricas, portanto transitrias, logo no podem ser
vistas de modo acrtico, nem tomadas como permanentes.
Redimensionados, os meios de comunicao no capitalismo avanado e,
consequentemente o jornalismo praticado nestes veculos, so atravessados pela
operao em modelo de empresa privada. Esta formatao estimulada por uma
regulamentao frouxa e ausncia de fiscalizao.
Com base em todo o estudo bibliogrfico levantado, fazendo referncias ao
capitalismo avanado e suas conseqncias, ao jornalismo e a comunicao
contempornea, e com base nas avaliaes crticas da EPC, conclui-se nesse estudo que:
a) a reconfigurao do capitalismo de modo global provoca mudanas nas prticas
jornalsticas, verificando-se a emergncia de um modelo prevalecente de jornalismo,
produzido nas indstrias culturais, adaptado s condies histricas contemporneas.
Enquanto o capitalismo se reconfigura, o jornalismo vai se reconfigurando no espao
desregulamentado de produo das indstrias culturais, que se interessam pela produo
e distribuio de contedos rentveis do ponto de vista econmico; b) o modelo de
jornalismo noticioso emergente das companhias de comunicao no capitalismo
avanado modifica processos e prticas tradicionais do jornalismo, entendido como bem
social, que passa a ser menos prximo do conceito de informao relevante e de
interesse pblico e mais prximo do conceito de prestao de servios e entretenimento,
tornando-se mais pragmtico e menos crtico; e c) possvel caracterizar o modelo
prevalecente de produo de contedo no jornalismo informativo na imprensa das
indstrias culturais contemporneas. Para dar corpo a essa proposta, sugere-se aqui a
sistematizao de uma lista apresentada como mutaes no jornalismo, tomando-se
como base o conceito de jornalismo como atividade de bem social.
Identificar e sistematizar as mutaes em processos e prticas da atividade
jornalstica, conforme apresentamos nesse trabalho, cumpre a funo de revelar a
extenso da lgica capitalista para a produo do jornalismo. Observar esses fenmenos
como mutaes flagrante de sua condio histrica, que se esconde atrs de uma fora
hegemnica sustentada por grandes empresas de comunicao, com interesses no
capitalismo geral, e tambm reproduzida em empresas menores, que seguem os
123

formatos hegemnicos sem grandes questionamentos, tanto de produo de contedo


como de modelos administrativos. Fica a idia de que assim que se faz jornalismo,
enquanto, um modelo crtico de pensamento estaria mais prximo da ideia de que
assim que se tem feito jornalismo no capitalismo avanado.
Sujeito a diferentes foras sociais, empresariais, institucionais, governamentais,
acadmico-intelectuais, o jornalismo dessa fase em transio um jornalismo em
mutao, atravessado por diferentes necessidades, argumentos e percepes sobre
sobrevivncia econmica e postura poltica. Atuando de modo instvel, em um terreno
movedio, o jornalismo em mutao, tenta encontrar sua atuao, enquanto os meios de
comunicao tornam-se agentes cada vez mais centrais em diversos processos
contemporneos. A proposta de identificar as mutaes no jornalismo no pretende se
constituir em uma proposta esgotada, mas na busca de contribuir com novos olhares
sobre o pensamento crtico da comunicao e a condio da indstria da comunicao
dentro da totalidade mais ampla das relaes sociais capitalistas.
Para perceber as mutaes interessante ainda recobrar a equao proposta por
Marx para a reproduo do capital: D- M- D. Dinheiro (D) que gera uma mercadoria
(M), que gera mais Dinheiro (D). Essa equao coloca a Mercadoria (M) como
intermediria entre o primeiro e o segundo Dinheiro (D). Aplicada para a produo de
contedo nas indstrias culturais contemporneas, a equao sugere que se interprete a
Mercadoria (M) notcia ou produo jornalstica como a transio entre um valor de
Dinheiro (D) e esse Dinheiro aumentado (D). Assim possvel compreender porque se
tem mutilado tanto o conceito de jornalismo como atividade social. Como ele
Mercadoria (M), apenas o intermedirio entre as duas pontas do processo, perdendo a
importncia quando o que interessa chegar ao Dinheiro acrescido (o segundo D).
Sendo apenas a etapa intermediria num processo mais amplo, a notcia ou a produo
jornalstica est sujeita a mutaes diversas, contanto que o final do processo esteja
preservado. Essa a equao que serve ao jornalismo das indstrias culturais no
capitalismo avanado.
O capitalismo avanado contraditrio, histrico e conflitivo, embora deseje ser
percebido como produtivo e inelutvel. O que no funciona considerado efeito
colateral, numa tentativa de seguir em frente, ainda que nem todos se beneficiem.
Nessas condies preciso que se esteja alerta para algo aparentemente simples, mas
cheio de significados: a substituio de Economia Poltica por Economia; de Indstrias
Culturais por Economia Criativa; de Notcia por Informao; de Jornalismo por
124

Comunicao; de Jornalista por Produtor de Contedo; de Pblico por Cliente; de


Audincia por Consumidor.
Todos esses novos termos, aparentemente inofensivos, mais do que a troca de
nomes, significam a ruptura em conceitos. Os novos termos, amplamente utilizados,
despolitizam as questes. E mais do que nunca preciso problematizar a concentrao e
a mercantilizao. E pensar em polticas pblicas, de base cientifica e emprica, sem
desdenhar nem virar as costas ao mercado, mas sendo capazes de subordin-lo poltica
e a cidadania isso pode construir culturas mais sustentveis.
A reconfigurao do capitalismo avanado suscita problemas tericos novos,
ainda no equacionados, e traz alterao para diversas reas de trabalho, para a
comunicao e para o jornalismo, com a emergncia de novos gneros, rotinas e
identidades profissionais, geradas a partir de uma mistura entre a atividade jornalstica e
prticas vizinhas de comunicao, introduzindo processos e prticas que exigem
anlises crticas, novos conceitos e novas categorias de interpretao.
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