Saba, Mahmood - Teoria Feminista
Saba, Mahmood - Teoria Feminista
Saba, Mahmood - Teoria Feminista
Nas duas ltimas dcadas, uma das questes que mais preocupou as intelectuais
feministas foi a de pensar como as questes da especificidade histrica e cultural
podem afectar tanto a anlise como a poltica de qualquer projecto feminista.1 Ape-
sar de este questionamento ter obrigado a importantes tentativas de integrao de
questes de diferena sexual, racial, de classe e nacionalidade na teoria feminista, a
problemtica da diferena religiosa manteve-se relativamente inexplorada. A rela-
o problemtica entre o feminismo e as tradies religiosas , provavelmente, mais
manifesta nas discusses sobre o Islo. Por um lado, isto acontece por causa da
relao historicamente litigiosa que o Islo desenvolveu com o que se veio a deno-
minar de Ocidente; por outro, pelos desafios que os movimentos islmicos con-
temporneos colocam ao movimentos seculares e liberais, onde o feminismo assu-
me uma importncia central, se no mesmo fulcral. A suspeio com que muitas
feministas tendiam a olhar para os movimentos islmicos acabou por se intensifi-
car na ressaca dos ataques aos Estados Unidos da Amrica em 11 de Setembro de
2001, especialmente com o despoletar de sentimentos anti-islmicos que a partir
da se desenvolveram. Se os apoiantes do movimento islmico j no eram muito
apreciados pelo seu conservadorismo social e rejeio de valores liberais cujo
elemento chave a liberdade das mulheres ,2 a sua associao com o terroris-
1
Gostaria de agradecer Princeton University Press pela permisso para publicar este excerto do meu livro
Politics of Piety: The Islamic Revival and the Feminist Subject, publicado em 2005. Uma verso prvia deste artigo
foi tambm publicada na revista Cultural Anthropology, n 16, volume 2. Artigo traduzido por Ruy Blanes.
2
O termo liberal refere-se aqui arquitectura filosfica e poltica do liberalismo clssico euro-americano
e forma como esta serviu de referncia para muitos movimentos emancipatrios e de esquerda, assim
como para muitas linhas de investigao pelo mundo fora, que por sua vez no se identificam necessaria-
mente com o termo liberal.
mo hoje em dia quase sempre tomada como certa serviu para reafirmar o
seu estatuto como agentes de uma irracionalidade perigosa.3
Neste ensaio, reflectirei acerca de alguns dos desafios conceptuais que a
participao de mulheres no movimento islamista coloca aos teorizadores femi-
nistas e analistas do gnero, atravs de uma etnografia do movimento feminino
das mesquitas, que faz parte do revivalismo islmico no Cairo, Egipto.4 Revi-
valismo islmico um termo que se refere no s s actividades de grupos
polticos institucionalizados mas tambm, de uma forma mais abrangente, a um
ethos ou sensibilidade religiosa que se desenvolveu no seio das sociedades mu-
ulmanas em geral, e em particular no Egipto, a partir dos anos 70 do sculo
XX.5 Desenvolvi dois anos de trabalho de campo com um movimento pietista
feminino de base, levado a cabo nas mesquitas do Cairo. Este movimento com-
posto por mulheres de estatuto socioeconmico diversificado, que se renem
em mesquitas para se ensinarem mutuamente sobre as escrituras islmicas, as
prticas sociais e sobre formas de comportamento corporal consideradas apro-
priadas para a cultivao do ser ideal virtuoso.6 Apesar de as mulheres egpcias
muulmanas terem tido sempre uma certa aprendizagem informal sobre o Islo,
o movimento das mesquitas representa um contacto indito com materiais
acadmicos e raciocnios teolgicos que, at ento, apenas estavam ao alcance
dos homens doutos. Movimentos como este, no provocando uma indiferena
entre os intelectuais seculares, certamente incorporam uma srie de associaes
incmodas com o fundamentalismo, subjugao das mulheres, conservadorismo
social, atavismo reaccionrio, pobreza cultural, etc. O meu objectivo neste en-
3
Este dilema parece ser potenciado pelo facto de a participao de mulheres no movimento islmico em
vrios pases (como o Iro, o Egipto, a Indonsia e a Malsia) no se limitar s classes mais pobres ou mdias
classes frequentemente consideradas como tendo uma afinidade natural com a religio , mas tam-
bm incorporar mulheres dos estratos com rendimentos mdios e altos.
4
Existem trs eixos de aco fundamentais que constituem o revivalismo islmico: grupos e partidos
institucionais, militantes islamistas (cuja presena foi diminuindo a partir dos anos 80 do sculo XX) e ainda
uma rede de organizaes scio-religiosas sem fins lucrativos que oferecem servios de caridade aos pobres
e empreendem aces proselitistas. O movimento feminino das mesquitas um subgrupo importante desta
rede de organizaes scio-religiosas e inspira-se no mesmo discurso pietista (chamado daa). Para uma
anlise das relaes histricas e institucionais entre as associaes sem fins lucrativos e o movimento femini-
no das mesquitas, ver Mahmood (2005).
5
Esta sensibilidade tem uma presena pblica palpvel no Egipto, evidenciada na vasta proliferao de
mesquitas de bairro e outras instituies de ensino islmico e trabalho social, no aumento dramtico da
frequentao das mesquitas, tanto por homens como por mulheres, e ainda em manifestaes pblicas de
sociabilidade religiosa. Exemplos destas ltimas incluem a adopo do vu (Hijb), um enrgico consumo e
produo de media e literatura, e ainda um crescente crculo de intelectuais que escreve e comenta os assun-
tos contemporneos na imprensa popular a partir de um auto-atribudo ponto de vista islmico. As mes-
quitas de bairro acabaram por servir de centro organizacional para muitas destas actividades.
6
A minha pesquisa resultado de dois anos de trabalho de campo (1995-1997) conduzidos em cinco mes-
quitas diferentes, abrangendo vrios estratos socioeconmicos, no Cairo, Egipto. Tambm desenvolvi
observao participante junto dos lderes e membros do movimento de mesquitas no contexto das suas
vidas quotidianas. Este trabalho foi ainda complementado com um ano de estudos sobre temas da jurispru-
dncia e prtica religiosa islmica, leccionados por um xeikh da Islamic University de al-Azhar.
122
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
123
Saba Mahmood
em especial aos pobres), tais como servios mdicos, segurana social e educao. Tendo em conta o pro-
grama de liberalizao econmica promovido pelo Estado desde os anos 70 e o concomitante declnio
de servios sociais garantidos por este, estas mesquitas preenchem uma importante lacuna para muitos
egpcios.
8
Actualmente, praticamente no existem bairros na cidade do Cairo de onze milhes de habitantes
onde as mulheres no ofeream e recebam ensino religioso. A frequncia destas reunies varia entre 10 e 500
mulheres, dependendo da popularidade da professora. O movimento continua a ser informalmente organi-
zado pelas mulheres e no tem um centro organizacional para supervisionar a sua coordenao.
9
Isto contrasta, por exemplo, com um movimento de mulheres desenvolvido na Repblica Islmica do Iro
com o objectivo de reinterpretar textos sagrados de forma a construir um modelo de relaes entre homens
e mulheres muulmanas mais equitativo; ver Afshar (1998) e Najmabadi (1998).
10
Nota de traduo. A transcrio dos vocbulos rabes feita a partir da transliterao para o ingls da
verso original seguir de perto a verso de transliterao simplificada que Jos Pedro Machado utiliza no
Diccionrio Etimolgico da Lngua Portuguesa, atribuindo-se o gh para . As vogais longas aparecero da se-
guinte maneira: , , .
124
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
11
Para estudos recentes sobre o movimento islmico no Egipto, ver Hirschkind (2001, 2006), Salvatore (1997)
e Starrett (1998).
12
O pietismo, aqui, refere-se mais conduta prtica (e portanto secular) do que aos estados espirituais,
como conotado na tradio puritana inglesa. Para uma anlise das polticas promovidas pelo movimento
pietista (e pelo movimento das mesquitas), ver Mahmood (2005).
13
O secularismo frequentemente entendido como o domnio da vida real emancipado das restries ideo-
lgicas da religio. No entanto, como argumenta Talal Asad, foi precisamente a configurao de uma oposi-
o entre o domnio secular e o religioso (onde este visto como o campo a partir do qual aquele emerge)
aquilo que forneceu a base para uma concepo normativa moderna, no apenas para a religio mas tam-
bm para a poltica ver Asad (2003). Esta justaposio dos domnios religioso e secular foi facilitada pela
incorporao da autoridade religiosa no estado e suas instituies legais. Dizer que uma sociedade secular
no significa que a religio banida das suas polticas, leis e formas de associao. Pelo contrrio, a religio
admitida nestes domnios sob a condio de que assumir uma forma particular; quando se afastar dessas
formas, ser confrontada com um conjunto de barreiras reguladoras. A proibio do vu como indumentria
apropriada para mulheres e raparigas na Frana e Turquia disso um exemplo ilustrativo.
14
Em 1996, o parlamento egpcio aprovou uma lei decretando a nacionalizao da grande maioria das
mesquitas de bairro e o Ministrio de Assuntos Religiosos obriga todos os homens e mulheres que preten-
dem ensinar nas mesquitas a frequentar um programa estatal de dois anos, independentemente da sua
formao anterior em assuntos religiosos. Ver al-Hayat, Wazir al-auqaf al-masri lil-Hayat: muassasat al-Azhar
tuayyid tanzim al khataba fi-al-masajid, de 25 e 27 de Janeiro de 1997. Mais ainda, as aulas femininas na
125
Saba Mahmood
mesquita so frequentemente gravadas e monitorizadas por funcionrios do estado. O governo egpcio con-
tinua a suspender aulas promovidas por professoras da mesquita por proferirem comentrios crticos do
estado.
15
No contexto muulmano, ver, por exemplo, Boddy (1989), Hegland (1998), MacLeod ( 1991) e Torab (1996).
Para um argumento semelhante no contexto dos movimentos cristos evanglicos, ver Brusco (1995) e Stacey
(1991).
16
Para uma reviso deste pensamento no Mdio Oriente, ver Abu-Lughod (1990).
126
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
existncia muito mais complexa e rica do que era sugerido nas narrativas ante-
riores.17
Apesar de esta abordagem ter sido extremamente produtiva na
complexificao do modelo opressor/oprimido das relaes de gnero, do
meu ponto de vista este enquadramento no s continua carregado com os ter-
mos binrios de resistncia e subordinao mas tambm insuficiente na aten-
o s motivaes, desejos e objectivos que no so necessariamente captados
por esses termos. Mais concretamente, nesta anlise a agncia feminina parece
reproduzir uma conscincia feminista s vezes reprimida, s vezes activa
articulada contra as normas culturais hegemnicas masculinas das sociedades
rabes islmicas. Mesmo em situaes onde difcil localizar uma agncia femi-
nina explcita, existe a tendncia para procurar momentos de resistncia que
possam sugerir um desafio dominao masculina. Quando as aces das mu-
lheres parecem reinscrever o que parecem ser os instrumentos da sua prpria
opresso, o analista social poder atender a pontos de disrupo da ou arti-
culao de pontos de oposio autoridade masculina, pontos que se pode-
ro encontrar nos interstcios da conscincia da mulher (frequentemente enten-
dida como uma nascente conscincia feminista) ou nas consequncias direc-
tas das aces das mulheres, por muito inadvertidas que sejam.18 A agncia,
deste ponto de vista, entendida como a capacidade de cada pessoa para reali-
zar os seus interesses individuais, em oposio ao peso do costume, tradio,
vontade transcendental ou outros obstculos individuais e colectivos. Portanto,
o objectivo humanista da autonomia e expresso das capacidades individuais
constitui o substrato, as cinzas dormentes que podero desatar em chamas sob a
forma de um acto de resistncia quando as condies assim o permitam.19
17
Em certo sentido, esta tendncia no seio dos estudos de gnero mostra similitudes com o tratamento do
campesinato nas obras da escola da nova esquerda, que tambm procurou restaurar uma agncia humana
(frequentemente descrita metaforicamente como voz) ao campons na historiografia de sociedades agr-
rias um projecto articulado contra as formulaes marxistas clssicas, que tinham estabelecido para o
campesinato um no-lugar na formao da histria moderna. Um bom exemplo desta escola o Subaltern
Studies Project. Ver, por exemplo, Guha e Spivak (1988). No , portanto, surpreendente que, para alm do
campesinato, Ranajit Guha, um dos fundadores do Subaltern Studies Project, tenha invocado uma nova
historiografia que restaure as mulheres como agentes e no instrumentos de vrios movimentos. Ver Guha
(1996).
18
Consideremos, por exemplo, a enriquecedora etnografia de Janice Boddy acerca do culto feminino do zar
no norte do Sudo, que usa idiomas islmicos e mdiuns espritas. Analisando as prticas desta mulheres,
Boddy argumenta que as mulheres que ela estudou utilizam, talvez inconscientemente, talvez estrategica-
mente, aquilo que no ocidente provavelmente descreveramos como instrumentos da sua opresso como for-
mas de demonstrar o seu valor, tanto de forma colectiva, atravs das cerimnias que organizam e encenam,
como de forma individual, no contexto dos seus casamentos, insistindo assim na complementaridade din-
mica com os homens. Isto , em si mesmo, um mtodo de resistncia e delineao de limites para a dominao...(Boddy
1989: 345; itlicos meus).
19
Aspectos deste argumento podero ser encontrados em vrios trabalhos antropolgicos sobre mulheres
no mundo rabe, como por exemplo Davis, S. (1983), Dwyer (1978), Early (1993), MacLeod (1991) e Wikan
(1991).
127
Saba Mahmood
128
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
24
Berlin (1969), Green (1986), Simhony (1993) e Taylor (1985).
25
Ver Hunt (1991), MacCallum (1967), Simhony (1993) e West (1993).
26
bastante claro que tanto as noes negativas como positivas da liberdade foram utilizadas de forma
produtiva na expanso do horizonte do domnio das prticas e debates feministas legtimos. Por exemplo,
na dcada de 70 do sculo XX, em resposta ao apelo das feministas brancas de classe mdia para desmante-
lar a instituio da famlia nuclear, que elas acreditavam ser uma fonte fundamental de opresso feminina,
as feministas nativas americanas e afro-americanas argumentaram que a liberdade, do seu ponto de vista,
consistia precisamente em serem capazes de formar famlias, j que a longa histria de escravido, genocdio
e racismo operara precisamente na destruio das suas comunidades e redes sociais. Ver, por exemplo,
Brant (1984), Collins (1991), Davis, A. (1983) e Lorde (1993). Igualmente, o manifesto A Black Feminist
Statement, do Combahee River Collective, rejeitou o apelo para o separatismo lsbico proposto por femi-
nistas brancas, sob o pretexto de que a histria da opresso racial obrigou as mulheres negras a formar
alianas com os membros masculinos das suas comunidades de forma a continuar a lutar contra o racismo
institucionalizado. Ver Hull, Bell-Scott e Smith (1982).
27
Para uma discusso esclarecedora sobre o projecto historiogrfico da herstory, ver Scott (1988: 15-27).
28
Ahmed (1999) e Wikan (1991).
29
Para uma discusso interessante sobre as contradies geradas pela posio privilegiada atribuda ao
conceito de autonomia na teoria feminista, ver Adams e Minson (1978).
129
Saba Mahmood
das e delimitadas do self custa das suas qualidades relacionais, formadas atra-
vs das interaces sociais no seio de diferentes modelos de comunidade huma-
na.30 Em consequncia, produziram-se vrias tentativas para redefinir o concei-
to de autonomia, de forma a poder incorporar o carcter emocional, embodied
e socialmente imerso das pessoas e, em particular, das mulheres.31 Uma linha
mais radical da teoria ps-estruturalista situou a sua crtica da autonomia no
contexto de um desafio mais abrangente colocado pelo carcter ilusrio do sujei-
to racionalista, autnomo e transcendental pressuposto pelo pensamento
esclarecido, em geral, e pela tradio liberal em particular. O pensamento ra-
cional, argumentam estes crticos, assegura a sua autoridade e abrangncia uni-
versal atravs da excluso de tudo o que corporal, feminino, emocional, no
racional e inter-subjectivo. 32 Esta excluso no pode ser substantiva ou
conceptualmente resolvida atravs do recurso a um corpo, experincia ou ima-
ginrio feminino pacficos (pace Beauvoir e Irigaray), mas deve antes ser pensa-
do atravs dos mesmos termos do discurso da transcendncia metafsica que
pe em prtica essas excluses.33
Nas linhas que se seguem, gostaria de aprofundar as direces sugeridas
por estes debates ps-estruturalistas. De facto, o meu argumento em favor da
separao da noo de auto-realizao da noo de vontade autnoma devido
s crticas ps-estruturalistas do sujeito transcendental, voluntarismo e mode-
los repressivos de poder. No entanto, como se ver, a minha anlise tambm se
distancia destes enquadramentos, no sentido em que questiono a insistncia do
pensamento feminista ps-estruturalista em conceptualizar a agncia em ter-
mos de subverso e ressignificao de normas sociais, em localizar a agncia no
seio dessas operaes que resistem aos modos dominantes e subjectivantes de
poder. Por outras palavras, o sujeito poltico normativo da teoria feminista ps-
-estruturalista aparece frequentemente como um sujeito liberatrio, cuja agn-
cia conceptualizada sobre o modelo binrio da subordinao e subverso. Este
pensamento, portanto, elude as dimenses da aco humana cujo estatuto tico
e poltico no se enquadra na lgica da represso e resistncia. De forma a poder
captar estes modos de aco devidos a outras racionalidades e histrias, propo-
nho que fundamental descolar a noo de agncia dos objectivos da poltica
progressista.
O conceito da liberdade e independncia como os ideais polticos
relativamente recente na histria moderna. Em muitas sociedades, incluindo as
ocidentais, floresceram aspiraes contrrias a estes. Neste sentido, a narrativa
da liberdade individual e colectiva tambm no se imps de modo absoluto nas
30
No primeiro grupo, ver Chodorow (1978) e Gilligan (1982); no segundo, ver Benhabib (1992) e Young
(1990).
31
Suad (1999), Friedman (2003), Nedelsky (1989).
32
Butler (1993), Gatens (1996), Grosz (1994).
33
Para uma excelente discusso deste ponto na produo sobre a tica feminista, ver Colebrook (1997).
130
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
131
Saba Mahmood
34
Estudos sobre o ressurgimento da popularidade do vu no Egipto urbano desde os anos 80 do sculo XX
fornecem excelentes exemplos destes problemas. A proliferao de estudos sobre o vu reflecte a surpresa
dos tericos pelo facto de, contrariando as suas expectativas, tantas mulheres egpcias modernas terem
voltado a usar o vu. Alguns desses estudos oferecem explicaes funcionalistas, apontando uma variedade
de razes sobre o porqu do uso voluntrio do vu pelas mulheres (por exemplo, que o vu permite evitar o
abuso sexual nos transportes pblicos, desce os custos de indumentria para as mulheres trabalhadoras,
etc.). Outros estudos identificam o vu como um smbolo de resistncia comodificao dos corpos das
mulheres pelos mdia ocidentais importados e, de forma mais geral, hegemonia dos valores ocidentais.
Ver, por exemplo, El Guindi (1981), Hoffman-Ladd (1987), MacLeod (1991), Radwan (1982) e Zuhur (1992).
Apesar dos contributos importantes elaborados por estes estudos, surpreendente que os seus autores te-
nham prestado to pouca ateno s virtudes islmicas da modstia ou devoo, especialmente tendo em
conta que muitas das mulheres que optaram pelo uso do vu justificam a sua deciso nestes termos. Pelo
contrrio, os analistas frequentemente explicam as motivaes das mulheres que usam vu em funo de
modelos prototpicos de causalidade sociolgica (tais como o protesto social, a necessidade econmica, a
anomia ou a estratgia utilitria), enquanto que termos como a moralidade, a divindade e a virtude so
classificados como imaginaes fantasmagricas daqueles que so hegemonizados.
35
Para uma excelente explorao do uso da linguagem na construo cultural da pessoa, ver Caton (1990),
Keane (1997) e Rosaldo (1982). Ver tambm a crtica de Marilyn Strathern s concepes ocidentais de socie-
dade e cultura, frequentemente assumidas pelas abordagens feministas desconstrutivistas s relaes de
gnero em sociedades no ocidentais (1992).
36
O conceito de tradio discursiva de Talal Asad (1986).
132
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
Docilidade e agncia
Para poder elaborar a minha abordagem terica, permitam-me comear por exa-
minar os argumentos de Judith Butler, que continua, para muitos, a ser a terica
predominante do pensamento feminista ps-estruturalista, e cujos argumentos
tm sido fundamentais para o meu prprio trabalho. Para a sua anlise, so
centrais dois raciocnios inspirados em Michel Foucault, ambos bastante reco-
nhecidos hoje em dia. O poder, de acordo com Foucault, no pode ser entendi-
do apenas a partir do modelo de dominao, como algo que atribudo ou reti-
rado pelos indivduos ou agentes de soberania a outros a partir de uma
intencionalidade, estrutura ou localidade singular que preside sobre a sua racio-
nalizao e execuo. Pelo contrrio, o poder deve ser entendido como uma
relao de foras estratgica que permeia a vida e produz novas formas de dese-
jo, objectos, relaes e discursos.37 Em segundo lugar, o sujeito, tal como argumenta
Foucault, no precede as relaes de poder, como uma conscincia individualiza-
da, mas produzido atravs destas relaes que conformam as condies necess-
rias para a possibilidade da sua existncia. Central para esta formulao aquilo
que Foucault chama de paradoxo da subjectivao: os mesmos processos e condi-
es que garantem a subordinao de um sujeito so tambm os meios atravs dos
quais ele se transforma numa identidade e agncia autoconsciente.38 Por outras
palavras, poderamos argumentar que o conjunto de capacidades inerentes ao su-
jeito ou seja, as capacidades que definem os modos da sua agncia no so o
resduo de um self no domesticado, existente antes das operaes de poder, mas
so, em si mesmas produto dessas operaes.39 Este entendimento do poder e for-
mao do sujeito permite-nos conceptualizar a agncia no s como um sinnimo
de resistncia a relaes de dominao, mas tambm como uma capacidade para a
aco criada e propiciada por relaes de subordinao especficas.
Inspirada nos raciocnios de Foucault, Butler coloca uma questo chave:
se o poder funciona apenas para dominar ou oprimir sujeitos existentes, mas
tambm forma sujeitos, que formao essa? 40 Questionando o estatuto pr-
37
Foucault (1978; 1980: 109-133).
38
Butler (1997a); Michel Foucault, Truth and Power e The Subject and Power, em Dreyfus e Rabinow
(1983: 208-26).
39
Um aspecto importante da anlise do poder de Foucault a sua ateno quilo que ele denominou de
tcnicas, os vrios mecanismos e estratgias atravs dos quais o poder exercido na sua imposio aos
sujeitos e objectos. Butler distancia-se de Foucault neste ponto, no sentido em que o seu trabalho no tanto
uma explorao das tcnicas de poder, mas sim das questes da representao, interpelao e manifestaes
psicolgicas do poder. Com o tempo, Butler foi articulando as suas diferenas com Foucault em vrios
pontos. Ver, por exemplo, Butler (1997a: 248 n. 19; 1997b: 83-105; 1999: 119-41) e Butler e Connolly (2000).
133
Saba Mahmood
40
Butler (1997b: 18).
41
Butler (1999: xxiv).
42
Butler (1997c). Butler explica este ponto de modo sucinto em relao ao sexo/gnero: Como efeito
sedimentado de uma prtica reiterativa ou ritual, o sexo adquire o seu efeito naturalizado; no entanto,
tambm por via dessa mesma reiterao que so abertas fissuras como instabilidades constitutivas nessas
construes como aquilo que excede a norma... Esta instabilidade a possibilidade desconstitutiva no
prprio processo de repetio, o poder que desfaz os prprios efeitos atravs dos quais o sexo estabiliza-
do, a possibilidade de colocar a consolidao das normas do sexo numa crise potencialmente produtiva.
Ver Butler (1993: 15).
43
Benhabib, Butler, Cornell e Fraser (1995: 136).
44
Seguindo Foucault, Butler argumenta: o paradoxo da subjectivao (assujetissement) precisamente o
facto de o sujeito que deve resistir a essas normas ser facultado, se no mesmo produzido, por essas normas.
Apesar de esse constrangimento constitutivo no eliminar a possibilidade da agncia, ele localiza a agncia
como uma prtica reiterativa ou rearticulatria, imanente ao poder, e no uma relao de oposio externa
ao poder (1993: 15).
134
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
45
Ver a abordagem de Butler a este tema em Gender is Burning (Butler 1993; 2001).
46
Butler (1993: 122-23). Por exemplo, discutindo a questo da agncia, Butler escreve: um registo da
iterabilidade do sujeito () mostra como a agncia pode muito bem consistir na oposio e transformao
dos termos sociais a partir dos quais ela nasce (ver Butler 1997b: 29). Note-se a equivalncia aqui desenha-
da entre a agncia e a capacidade da performatividade para se opor estrutura normativa. Argumentos
como este, frequentemente reproduzidos nos seus textos, colocam tenso sobre os seus prprios argumen-
tos, neste caso no mesmo texto, onde ela avisa o leitor de que a agncia no pode ser conceptualizada como
sempre e exclusivamente oposta ao poder (1997b: 17).
47
Amy Hollywood sugere que Butler herda esta valorizao da ressignificao a propensidade dos actos
da fala para se libertar das suas siginificaes prvias de Derrida. Mas, como argumenta Hollywood,
onde Derrida se mantm tica e politicamente neutral relativamente a esta caracterstica da linguagem e dos
signos, Butler interpreta a ressignificao como politicamente positiva. Ver Hollywood (2002).
135
Saba Mahmood
136
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
blemas que uma concepo dualista das normas coloca para a anlise do movi-
mento das mesquitas.
Consideremos, por exemplo, a virtude islmica da modstia feminina
(al-ihtixm, al-Ha), muito considerada e valorizada pelos egpcios muulma-
nos. Apesar do consenso em relao sua importncia, existe um debate consi-
dervel sobre a forma como esta virtude deve ser vivida e, em particular, sobre
se a sua adopo requer o uso do vu. A maioria das participantes no movimen-
to das mesquitas (e no movimento mais abrangente de pietismo, onde aquele se
integra) defendem que o vu uma componente necessria para a virtude da
modstia, porque exprime simultaneamente a verdadeira modstia e os meios
atravs dos quais ela adquirida.50 Constroem, portanto, uma relao tal entre a
norma (modstia) e a sua traduo prtica (o vu) que o corpo coberto com o
vu se transforma no meio necessrio atravs do qual a modstia criada e,
simultaneamente, exprimida. Contrariando este entendimento, a perspectiva
associada aos escritores secularistas proeminentes argumenta que a virtude da
modstia no diferente de qualquer outro atributo humano, tal como a mode-
rao ou a humildade: trata-se de um rasgo de carcter, mas no se liga necessa-
riamente a um repertrio expressivo como, por exemplo, o uso do vu.51 Mais
concretamente, estes autores opem-se ao uso do vu, mas no virtude da
modstia, que continuam a entender como necessria para a conduta feminina
apropriada. O vu, na sua opinio, foi investido de uma importncia que acaba
por ser irrelevante para os julgamentos sobre a modstia feminina.
O debate sobre o vu apenas uma parte de uma discusso mais
abrangente no seio da sociedade egpcia, onde as diferenas polticas entre
islamistas e secularistas, e mesmo entre islamistas de distintas tendncias, so
exprimidas atravs de argumentos acerca do comportamento ritual e
performativo. Os aspectos mais interessantes deste debate encontram-se no
tanto no facto de a norma da modstia ser subvertida ou representada, mas nas
formas radicalmente distintas em que essa norma supostamente incorporada
e vivida. Neste sentido, cada ponto de vista prope uma conceptualizao bas-
tante diferenciada acerca da relao entre o comportamento incorporado e a
virtude ou norma da modstia: para os pietistas, o comportamento corporal o
factor fundamental para o prprio cumprimento da norma; para os seus
opositores, trata-se de um elemento contingente e desnecessrio para a prosse-
cuo da modstia.
50
Ver Tantawi (1994).
51
Ashmawi (1994a). Para uma discusso entre ambos os grupos acerca do vu e a virtude da modstia, ver
a interaco entre os ento mufti do Egipto, Sayyid Tantawi e o proeminente intelectual Said Muhammed
Ashmawi, que se tem revelado como o lder do liberalismo islmico no mundo rabe. Ver Ashmawi
(1994b) e Tantawi (1994).
137
Saba Mahmood
Cultivando a timidez
Ao longo do meu trabalho de campo, estabeleci laos com quatro mulheres tra-
balhadoras de classe mdia-baixa, todas chegando aos seus quarenta anos e ex-
perientes na arte do pietismo islmico. De facto, poder-se-ia cham-las de peri-
tas do pietismo. Para alm de frequentarem aulas nas mesquitas, encontra-
vam-se em grupo para ler e discutir questes da doutrina islmica e exegese
cornica. Nenhuma destas mulheres era oriunda de uma famlia devota, e de
facto algumas tiveram mesmo de lutar no seio familiar para poderem ser devo-
tas. Elas contaram-me as suas lutas, no s com as suas famlias mas tambm, e
mais importante, consigo mesmas, para cultivar o desejo duma maior exactido
religiosa.
52
A minha anlise do trabalho que diferentes concepes e prticas normativas realizam na constituio do
sujeito fortemente inspirada nos ltimos trabalhos de Foucault sobre tica. Ver Foucault (1990, 1997). Para
a minha elaborao desta abordagem ao entendimento das polticas islamistas, ver Mahmood (2005), em
especial os captulos 1 e 4.
138
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
Tal como outras mulheres das mesquitas com quem trabalhei, estas mu-
lheres tambm procuravam cultivar o pietismo nos seus quotidianos aquilo
que descreviam como a condio de se estar prximo de Deus (referidas como
taqarrab allah e/ou taqa). Apesar de o pietismo poder ser alcanvel atravs de
prticas de carcter tanto devocional como mundano, era necessrio mais do
que a mera performance de actos: o pietismo tambm implicava a inculcao de
autnticos dispositivos atravs de um treino simultneo do corpo, das emoes
e da racionalidade at ao ponto em que as virtudes religiosas adquirissem o
estatuto de hbitos incorporados.
Uma das virtudes religiosas (faDil) que so consideradas como sendo
importantes para os muulmanos devotos em geral, e para as mulheres em par-
ticular, a da modstia ou timidez (al-Ha), um tpico de discusso frequente
entre as frequentadoras da mesquita. Praticar al-Ha significa ser diferente,
modesto e capaz de sentir e mostrar vergonha. Se um facto que todas as virtu-
des islmicas so associadas ao gnero (no sentido em que a sua medida e crit-
rio variam quando aplicadas a homens ou mulheres), isso particularmente
verdade no que se refere timidez e modstia (al-Ha). Pude sentir a dificulda-
de da tarefa de cultivar esta virtude quando, no decorrer de uma discusso so-
bre a exegese de um captulo do Coro, intitulado A Histria (Srat al-Qaa),
uma das mulheres, Amal, chamou a nossa ateno para o versculo vinte e cin-
co. Este versculo fala de uma mulher que caminhava com vergonha com al-
-Ha em direco a Moiss para lhe rogar que pedisse ao seu pai a sua mo
em casamento. Ao contrrio das restantes mulheres do grupo, Amal era parti-
cularmente extrovertida e confiante, raramente hesitando em se afirmar em si-
tuaes sociais, tanto com mulheres como com homens. Numa situao normal,
eu no a descreveria como sendo tmida, porque considerava a vergonha como
sendo contraditria com qualidades como a autoconfiana e o -vontade numa
pessoa. No entanto, como viria a perceber, Amal tinha aprendido a ser extrover-
tida de uma forma que respeitava os cnones islmicos da reserva, conteno e
modstia exigidos s mulheres devotas. A conversa desenrolou-se nos seguin-
tes termos:
53
A maioria dos verbos rabes so baseados numa raiz triconsonntica de onde derivam dez (e por vezes
quinze) formas verbais.
139
Saba Mahmood
Para muitos leitores, esta conversa representar uma deferncia gratuita em re-
lao s normas sociais, que reflecte e simultaneamente reproduz a subordina-
o da mulher. Efectivamente, a luta interior de Amal na tentativa de se tornar
uma pessoa tmida poder parecer mais uma instncia da interiorizao de no-
es de comportamento feminino, uma instncia que pouco contribui para o
nosso entendimento da noo de agncia. No entanto, se pensarmos na agn-
cia no apenas como sinnimo de resistncia s normas sociais, mas sim como
uma modalidade de aco, a a conversa acima reproduzida coloca algumas
questes interessantes acerca das relaes estabelecidas entre o sujeito e a nor-
ma, entre o comportamento performativo e a disposio interiorizada. Por exem-
plo, o que chama aqui a ateno o facto de, em vez de as vontades humanas
inatas elicitarem formas externas de conduta, serem as prticas e aces aquilo
que determina as emoes e desejos individuais. Por outras palavras, a aco
no nasce a partir de sentidos naturais, mas antes cria-os. Mais ainda, atravs de
actos corporais repetidos que ns treinamos a nossa memria, desejo e intelecto
de acordo com padres de conduta estabelecidos.54 Concretamente, Amal no
interpreta o similar da timidez na sua autocultivao inicial como uma hipocri-
sia, tal como se definiria atravs de determinadas concepes liberais do self,
onde a dissonncia entre sentimentos internos e expresses externas uma for-
ma de falta de honestidade ou autotraio (ilustrada em frases como: Como
posso fazer uma coisa de forma sincera quando o meu corao no o sente?).
Pelo contrrio, tomando a ausncia de timidez como marca de um processo de
aprendizagem incompleto, Amal desenvolve a virtude da modstia sincroni-
54
interessante notar que as mulheres com quem trabalhei no empregavam a distino corpo-mente que
utilizo na minha anlise. Por exemplo, referindo-se timidez, falavam nela como uma forma de ser e de agir
de tal forma que se tornava difcil discernir qualquer separao. Retive a distino entre corpo e mente
apenas para propsitos analticos, tendo como objectivo compreender a relao concreta que articulada
entre ambos na tradio de autoformao.
140
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
55
Este conceito pode ser esclarecido pela analogia com dois diferentes modelos de dieta: um modelo mais
antigo, onde a prtica da dieta entendida como sendo uma soluo temporria e instrumental para o
problema da acumulao de peso; e um modelo mais contemporneo, onde a dieta entendida como sendo
sinnimo de um estilo de vida saudvel e nutritivo. O segundo modelo pressupe uma relao tica entre a
pessoa e o resto do mundo, sendo neste sentido semelhante quilo que Foucault chamou de prticas de
cuidado do self. As diferenas entre ambos os modelos apontam para o facto de que no adianta muito
reconhecer que esses sistemas de poder marcam a sua verdade nos corpos humanos atravs de disciplinas
de autoformao. Para poder compreender a fora comandada por estas disciplinas, necessrio explicar a
relao conceptual articulada entre os distintos aspectos do corpo e a noo particular de self que promove
os distintos regimes disciplinares.
56
Bourdieu (1997). Enquanto tcnica pedaggica para o desenvolvimento de virtudes morais, o habitus no
, neste sentido, um termo universal, aplicvel a todos os tipos de conhecimento, nem serve de ponte
conceptual entre o mundo objectivo de estruturas sociais e a conscincia subjectiva, tal como acontece na
formulao de Bourdieu.
141
Saba Mahmood
57
Na sua tica Nicomaqueia, Aristteles faz uma distino entre as virtudes morais e intelectuais, onde apa-
rentemente o princpio pedaggico do habitus pretence a estas e no quelas: A virtude, portanto, de dois
tipos, intelectual e moral. A virtude intelectual, no geral, nasce e desenvolve-se atravs do ensino (necessi-
tando, para tal, de experincia e de tempo), enquanto que a virtude moral constituda como o resultado do
hbito, da que o seu nome ethike tenha origem numa pequena variao da palavra ethos (hbito). Portanto,
evidente que nenhuma das virtudes morais nos dada pela natureza porque nada do que existe pela
natureza pode criar um hbito contrrio mesma... Porque as coisas que temos de aprender antes de as
fazer, aprendemo-las fazendo. Por exemplo, os homens tornam-se construtores construndo e os tocadores
de lira tocando; tambm ns aprendemos a ser justos agindo de forma justa, a ser moderados agindo com
moderao, a ser bravos com actos corajosos... Atravs das nossas interaces com os outros tornamo-nos
justos ou injustos, e agindo como agimos na presena do perigo e sendo habituados a sentir medo ou con-
fiana, tornamo-nos bravos ou covardes. Ver Aristteles (1941: 592-593). Ver Nederman (1989) para a nfa-
se colocada pela tradio aristotlica no treino de vrias faculdades humanas e na disciplina assdua na
cultivao do habitus. Para Bourdieu, o habitus primariamente incorporado atravs de processos incons-
cientes.
58
Com a reteno da distino entre motivos internos e comportamentos externos to frequentemente
invocada pelos participantes das mesquitas no pretendo sugerir que se trata de uma descrio apropria-
da da realidade ou de um princpio analtico universalmente vlido. Pelo contrrio, estou interessada em
perceber os diferentes tipos de relaes construdas entre o corpo e a mente, o corpo e a alma, a interioridade
e a exterioridade quando essas distines so utilizadas numa tradio de pensamento. Por exemplo, a
distino entre corpo e alma, tal como foi empregue por Plato, sugeria uma primazia metafsica da alma
sobre o corpo. Aristteles reescreveu esta relao, vendo ambos como uma unidade inseparvel, onde a
alma se tornava parte da matria corporal. As mulheres com quem trabalhei pareciam olhar para o corpo
quase como a materializao da alma, enquanto que a alma era uma condio do prprio corpo.
59
Ver Leaman (1999) para uma discusso do termo malaka na tradio islmica.
60
Lapidus (1984: 54). Consideremos, por exemplo, os comentrios de Ibn Khaldun em The Muqadimmah, que
se mostram extremamente prximos da discusso de Aristteles: O habit[us] uma qualidade firme, adqui-
rida quando fazemos uma aco e a repetimos uma e outra vez at que a forma da aco fortemente fixada
[na nossa disposio]. Um habit[us] corresponde aco original depois de esta ser formada. Ver Khaldun
(1958: 346).
142
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
o e das aces dela resultantes, de uma qualidade que tem um controlo abso-
luto sobre o corao, comandando a aco dos membros do corpo fazendo com
que cada actividade se desenrole em sua submisso, de forma tal que todas as
aces se tornam subservientes a esta afirmao de f. este o grau mais eleva-
do de f. a f perfeita.61 Este legado aristotlico continua a influenciar as pr-
ticas do movimento pietista contemporneo no Egipto. Ele evidente na fre-
quente invocao dos exerccios espirituais e tcnicas de cultivao moral de
Abu Hamid al-Ghazali, que encontramos nos populares manuais de instrues
sobre como se tornar devoto e nas referncias dos participantes no revivalismo
islmico.62
Perseverar ratificar?
61
Lapidus (1984: 55-56).
62
Ver, por exemplo, Farid (1990) e Hawwa (1995). A. H. al-Ghazali foi muito crtico da influncia neo-
platnica no Islo. Ver Fakhry (1983: 217-233). No entanto, o seu pensamento tico manifestava uma clara
influncia aristotlica. Neste ponto, ver Sherif (1975) e a introduo de T. J. Winter na obra de Abu Hamid al-
-Ghazalid, On Disciplining the Soul and Breaking the Two Desires: The Revival of the Religious Sciences (1995: xv-
-xcii, xvxcii). Para a obra seminal de A. H. al-Ghazali sobre as prticas de autocultivao moral, ver
al-Ghazali (1984; 1992).
143
Saba Mahmood
63
Ver, por exemplo, Chakrabarty (2000) e Hollywood (2004).
64
A jurisprudncia islmica permite aos homens ter at quatro mulheres.
144
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
que pior que mesmo a tua famlia mais prxima comea a pensar desta ma-
neira. Nadia reconheceu que os homens solteiros eram tratados de forma dife-
rente porque, como disse, o que se assume que o homem, se quisesse, pode-
ria ter-se proposto a qualquer mulher: se ele no casado porque ele no o quis
ou que no encontrou uma mulher suficientemente boa para ele. No entanto,
para a mulher assume-se que ningum a quis a ela, porque no est nas suas
mos tomar a iniciativa.
Quando perguntei a Nadia o que que uma mulher deveria fazer numa
situao destas, ela respondeu: Tens de ser forte, deves ser paciente (bira)
face s dificuldades (lzim tikni bira), confiar em Deus (tauakali ala Allah) e
aceitar o facto de que isso o que Ele disps como teu destino (qaD); se te
estiveres sempre a queixar da tua situao, ento ests a negar que apenas Deus,
e no os humanos, tem a sabedoria para saber porque que vivemos nas condi-
es em que vivemos.
Perguntei a Nadia se ela tinha sido capaz de adquirir esse estado de esp-
rito, tendo em conta que ela casara bastante tarde. Nadia respondeu de uma
forma inesperada. Disse: Saba, no se aprende a ser paciente (bira) ou a con-
fiar em Deus (mutaakkila) apenas quando se confrontado com dificuldades. H
muitas pessoas que experienciam dificuldades e que no se queixam, mas que
no so birn (pacientes, sofredoras). Cultivamos a virtude da pacincia (abr)
porque uma boa aco, independentemente de a nossa vida ser complicada ou
alegre. E mais, praticar a pacincia perante a felicidade ainda mais difcil.
Perguntei a Nadia: Mas eu pensei que tinhas dito que uma pessoa precisa de
ter pacincia para poder lidar com as dificuldades. Nadia respondeu, dizendo:
abr (pacincia) uma condio do ser: praticamo-lo independentemente de
nos sentirmos felizes ou tristes. Se ele te traz conforto depois da dificuldade,
isso uma consequncia secundria (al-natja al-thnaia) da prtica da virtude
de abr. Deus misericordioso e Ele recompensa dando-te a capacidade de ser
corajosa em momentos de dificuldade. Mas deves praticar abr porque a aco
correcta no caminho de Deus (fi sabl lillah).
Regressei da minha conversa com Nadia bastante espantada pela clareza
com que ela ilustrou a condio das mulheres na sociedade egpcia uma situa-
o criada e regulada por normas sociais e pela qual as mulheres eram culpa-
bilizadas. Enquanto que a resposta de Nadia acerca das opes que tinham de
tomar era relacionvel com as das egpcias seculares, a sua defesa da cultivao
da virtude da abr (enquanto perseverana sem queixume face s dificuldades)
parecia-lhes mais problemtica. Tendo em conta que abr65 implica uma perse-
verana face s dificuldades, ela invoca, para muitos, a passividade que muitas
65
Optei aqui pelo uso de abr em vez da sua traduo comum inglesa de pacincia, porque abr comunica
um sentido que no captado pela sua traduo: o de perseverana, estabilidade e tolerncia perante as
dificuldades, sem queixume.
145
Saba Mahmood
66
Sublinho aqui a particularidade desta tradio, seguida pelo movimento pietista no Egipto, bastante dife-
renciada de outras tradies de cultivo moral no Islo, como por exemplo a tradio xi ou ufi.
146
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
cia a vida e modo de ser de uma pessoa que a torna bira (aquele que exercita a
abr).
conveniente recordar que a noo de abr de Nadia estava ligada
ideia da causalidade divina, cuja sabedoria no pode ser decifrada pela mera
inteligncia humana. No entanto, tal como acontecera com Sana, muitos egp-
cios secularistas olham para a abordagem de Nadia como derrotista e fatalista,
uma aceitao da injustia social, cujas origens reais se encontram nas estrutu-
ras do patriarcado e nas convenes sociais, e no tanto na manifestao da
vontade de Deus como destino (qaDa). Nesta lgica, poder responsabilizar os
seres humanos pelas injustias sociais permite uma possibilidade de mudana
que no possvel na causalidade divina. No entanto, o peso atribudo por Nadia
ao destino no absolve os humanos de responsabilidade pelas circunstncias
injustas sofridas pelas mulheres. Pelo contrrio, como ela viria a dizer mais adian-
te, uma coisa predestinao e outra escolha (al-qadr xai a al-ikhtir xai khir);
enquanto que Deus quem determina o teu destino (por exemplo, se s pobre
ou rico), so os seres humanos quem escolhe como lidar com as suas condies
(por exemplo, poders roubar ou, pelo contrrio, usar meios lcitos para aliviar
a tua pobreza); em ltima instncia, Deus os responsabilizar pelas suas opes.
Portanto, o que temos aqui uma noo de agncia humana definida em termos
de responsabilidade individual que delimitada por uma estrutura escatolgica,
por um lado, e social, por outro.
Tal como a prtica da auto-estima estruturou as possibilidades de aco
que se abriram para Sana, o mesmo aconteceu com a prtica da abr para Nadia:
permitindo formas determinadas de ser e excluindo outras. Mais concretamen-
te, o exerccio da abr no inibiu Nadia de embarcar num projecto de reforma
social em menor medida que o cultivo de auto-estima o fez para Sana. Reconhe-
cer isto no desvaloriza o projecto de reforma de condies sociais opressivas
coisa que nem Nadia nem Sana poderiam procurar, por vrias razes. No de-
veremos, portanto, construir correlaes precipitadas entre disposies secula-
res e a capacidade para transformar condies de injustia social. Para alm
deste ponto, tambm pretendo enfatizar que analisar as aces das pessoas em
funo de tentativas bem sucedidas ou frustradas de transformao social ,
necessariamente, reduzir a heterogeneidade da vida narrativa superficial do
sucumbir ou resistir a relaes de dominao. Tal como as nossas vidas no se
encaixam completamente nas exigncias de um requisito to severo, tambm
importante que o recordemos quando tentamos analisar as vidas de mulheres
como Nadia e Sana, assim como os movimentos de reforma social acima descri-
tos.
Finalmente, tendo em conta que grande parte do esforo analtico deste
trabalho dirigido especificidade dos termos internos s prticas do movi-
mento das mesquitas, gostava de reiterar que a fora destes termos deriva no
tanto das motivaes e intenes dos actores, mas sim do seu envolvimento
147
Saba Mahmood
Concluso
67
Para a primeira, ver Moghissi (1999). Para a segunda, ver Warnock Fernea (1998).
148
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
149
Saba Mahmood
150
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
It is the task of theoryto make meanings slide, while the lifeblood of politics
is made up of bids for hegemonic representation that by nature seek to arrest
this movement, to fix meaning at the point of the particular political truththe
nonfluid and nonnegotiable representationthat one wishes to prevail. [L]et
us ask what happens when intellectual inquiry is sacrificed to an intensely
politicized moment, whether inside or outside an academic institution. What
happens when we, out of good and earnest intentions, seek to collapse the
distinction between politics and theory, between political bids for hegemonic
truth and intellectual inquiry? We do no favor, I think, to politics or to intellectual
life by eliminating a productive tensionthe way in which politics and theory
effectively interrupt each otherin order to consolidate certain political claims
as the premise of a program of intellectual inquiry. 69
69
Brown (2001: 41).
70
Para este tpico, ver Hirschkind e Mahmood (2002).
151
Saba Mahmood
71
Amnesty International (2003); Badkhen (2002); Human Rights Watch (2002).
152
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
153
Saba Mahmood
BIBLIOGRAFIA
ABU-LUGHOD, Lila, 1990, The Boundaries of Theory on the Arab World, em SHARABI, Hisham (ed.),
Theory, Politics, and the Arab World: Critical Responses. Nova Iorque, Routledge.
ADAMS, Parveen, e Jeff Minson, 1978, The Subject of Feminism, m/f, 2: 43-61.
AFSHAR, Haleh, 1998, Islam and Feminisms: An Iranian Case-Study. Nova Iorque, St. Martins Press.
AHMED, Leila, 1999, Western Ethnocentrism and Perceptions of the Harem, Feminist Studies, 8 (3): 521-34.
AL-GHAZALI, Abu Hamid, 1992, Inner Dimensions of Islamic Worship (trad. M. Holland). Leicester, UK,
Islamic Foundation.
_______, 1984, The Recitation and Interpretation of the Quran: al-Ghazalis Theory (trad. M. Abdul Quasem).
Londres, KPI Press.
Amnesty International, 2003, Afghanistan: No one listens to us and no one treats us as human beings; Justice
Denied to Women [online]. Disponvel em: <http://web.amnesty.org/library/index/enga-
sa110232003> (acesso em 23 de Novembro de 2003).
ARISTTELES, 1941, The Basic Works of Aristotle (ed. R. McKeon). Nova Iorque, Random House.
ASAD, Talal, 2003, Formation of the Secular: Christianity, Islam, Modernity. Stanford, CA, Stanford University Press.
_______, 1986, The Idea of an Anthropology of Islam. Washington, DC, Center for Contemporary Arab Studies,
Georgetown University (Occasional Paper Series).
ASHMAWI, Said Muhammed, 1994a, Fatwa al-Hijab Ghair Shariyya, Ruz al-Yusuf, edies de 8 e 28 de
Agosto de 1994.
_______, 1994b, Al-Hijab Laisa Farida, Ruz al-Yusuf, edies de 13 e 22 de Junho de 1994.
BADKHEN, Anna, 2002, Afghan Women Still Shrouded in Oppression: Widespread Abuse, Restrictions
on Freedom Continue Almost Year After Fall of Taliban, San Francisco Chronicle, edio de 14 de
Outubro de 2002.
BARTKY, Sandra, 1990, Feminism and Domination: Studies in the Phenomenology of Oppression. Nova Iorque,
Routledge.
BENHABIB, Seyla, 1992, Situating the Self: Gender, Community, and Postmodernism in Contemporary Ethics.
Nova Iorque, Routledge.
BENHABIB, Seyla, Judith Butler, Drucilla Cornell, e Nancy Fraser, 1995, Feminist Contentions: A Philosophical
Exchange. Nova Iorque, Routledge.
BERLIN, Isaiah, 1969, Four Essays on Liberty. Londres e Nova Iorque, Oxford University Press.
BODDY, Janice, 1989, Wombs and Alien Spirits: Women, Men, and the Zar Cult in Northern Sudan. Madison, WI,
University of Wisconsin Press.
BOURDIEU, Pierre, 1997, Outline of a Theory of Practice (trad. R. Nice). Cambridge, Cambridge University
Press.
BRANT, Beth, 1984, A Gathering of Spirit: Writing and Art by North American Indian Women. Rockland, Sinister
Wisdom Books.
154
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
BROWN, Wendy, 2001, Politics Out of History. Princeton, NJ, Princeton University Press.
BRUSCO, Elizabeth, 1995, The Reformation of Machismo: Evangelical Conversion and Gender in Colombia. Austin,
University of Texas Press.
BUTLER, Judith, e William Connolly, 2000, Politics, Power, and Ethics: A Discussion Between Judith Butler
and William Connolly, Theory and Event, 24 (2). Disponvel em: <http://muse.jhu.edu/journals/
theory_and_event/v004/4.2butler.html>.
BUTLER, Judith, 2001, Doing Justice to Someone: Sex Reassignment and Allegories of Transexuality, GLQ:
A Journal of Lesbian and Gay Studies, 7 (4): 621-36.
_______, 1999, Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. Nova Iorque, Routledge.
_______, 1997a, Bodies that Matter and Excitable Speech: A Politics of the Performative. Nova Iorque, Routledge.
_______, 1997b, The Psychic Life of Power: Theories in Subjection. Stanford, CA, Stanford University Press.
_______, 1997c, Further Reflections on Conversations of Our Time, Diacritics, 27 (1): 13-15.
_______, 1993, Bodies that Matter: On the Discursive Limits of Sex. Nova Iorque, Routledge.
CATON, Steve, 1990, Peaks of Yemen I Summon: Poetry as Cultural Practice in a North Yemeni Tribe. Berkeley
e Los Angeles, University of California Press.
CHAKRABARTY, Dipesh, 2000, Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton,
NJ, Princeton University Press.
CHODOROW, Nancy, 1978, The Reproduction of Mothering: Psychoanalysis and the Sociology of Gender. Berkeley
e Los Angeles, University of California Press.
COLEBROOK, Claire, 1997, Feminism and Autonomy: The Crisis of the Self-Authoring Subject, Body and
Society, 3 (2): 21-41.
COLLINS, Patricia Hill, 1991, Black Feminist Thought, Knowledge, Consciousness, and the Politics of Empowerment.
Nova Iorque, Routledge.
DAVIS, Angela, 1983, Women, Race, and Class. Nova Iorque, Vintage Books.
DAVIS, Susan, 1983, Patience and Power: Womens Lives in a Moroccan Village. Cambridge, Schenkman.
DREYFUS, H., e RABINOW, P. (eds.), 1983, Michel Foucault: Beyond Structuralism and Hermeneutics. Chicago,
University of Chicago Press.
DWYER, Daisy, 1978, Images and Self Images: Male and Female in Morocco. Nova Iorque, Columbia University
Press.
EARLY, Evelyn, 1993, Baladi Women of Cairo: Playing with an Egg and a Stone. Boulder, CO, Lynn Rienner.
EL GUINDI, Fadwa, 1981, Veiling Infitah with Muslim Ethic: Egypts Contemporary Islamic Movement,
Social Problems, 28 (4): 465-85.
FAKHRY, Majid, 1983, A History of Islamic Philosophy. Nova Iorque, Columbia University Press.
FARID, Ahmed, 1990, Al-Bahr al-Raiq. Alexandria, Dr al-Imdn.
FOUCAULT, Michel, 1997, Ethics: Subjectivity and Truth [Vol. 1 de Essential Works of Foucault, 1954-1984 (ed.
P. Rabinow, trad. R. Hurley et al.)]. Nova Iorque, New Press.
_______, 1990, The Use of Pleasure, em The History of Sexuality, vol. 2 (trad. R. Hurley). Nova Iorque,
Vintage Books.
_______, 1983, Truth and Power e The Subject and Power, em DREYFUS, H., e Paul Rabinow (eds.),
Michel Foucault: Beyond Structuralism and Hermeneutics. Chicago, University of Chicago Press.
_______, 1980, Truth and Power, em Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings 1972-1977 (ed.
e trad. C. Gordon). Nova Iorque, Pantheon Books.
_______, 1978, The History of Sexuality: An Introduction (trad. R. Hurley). Nova Iorque, Pantheon Books.
FRIEDMAN, Marilyn, 2003, Autonomy and Social Relationships: Rethinking the Feminist Critique, em
MEYERS, D. T. (ed.), Feminists Rethink the Self. Boulder, CO, Westview Press.
GATENS, Moira, 1996, Imaginary Bodies: Ethics, Power, and Corporeality. Londres, Routledge.
GILLIGAN, Carol, 1982, In a Different Voice: Psychological Theory and Womens Development. Cambridge, MA,
Harvard University Press.
GREEN, Thomas Hill, 1986, Lectures on the Principles of Political Obligation and Other Writings (ed. P. Harris e
J. Morrow). Cambridge, Cambridge University Press.
GROSZ, Elizabeth, 1994, Volatile Bodies: Toward a Corporeal Feminism. Bloomington, Indiana University Press.
GUHA, Ranajit, 1996, The Small Voice of History, em AMIN, S., e D. Chakrabarty (eds.), Subaltern Studies
IX: Writings on South Asian History and Society. Deli, Oxford University Press.
GUHA, Ranajit e Gayatri Spivak (eds.), 1988, Selected Subaltern Studies. Deli, Oxford University Press.
155
Saba Mahmood
HARSTOCK, Nancy, 1983, Money, Sex, Power: Toward a Feminist Historical Materialism. Nova Iorque, Longman
Press.
HAWWA, Said, 1995, Al-Mustakhlas fi Tazkiyyat Al-anfus. Cairo, Dar al-Salam.
HEGLAND, Marty, 1998, Flagellation and Fundamentalism: (Trans)forming Meaning, Identity, and Gender
through Pakistani Womens Rituals of Mourning, American Ethnologist, 25 (2): 240-66.
HIRSCHKIND, Charles, 2006, Ethics of Listening. Nova Iorque, Columbia University Press.
_______, 2001, Civic Virtue and Religious Reason: An Islamic Counterrepublic, Cultural Anthropology, 16
(1): 3-34.
HIRSCHKIND, Charles e Saba Mahmood, 2002, Feminism, the Taliban, and Consequences of Counter-
-Insurgency, Anthropological Quarterly, 75 (2): 339-54.
HOFFMAN-LADD, Valerie, 1987, Polemics on the Modesty and Segregation of Women in Contemporary
Egypt, International Journal of Middle East Studies, 19: 23-50.
HOLLYWOOD, Amy, 2004, Gender, Agency, and the Divine in Religious Historiography, The Journal of
Religion, 84 (4): 514-28.
_______, 2002, Performativity, Citationality, Ritualization, History of Religions, 42 (2): 93-115.
HULL, Gloria, Patricia Bell-Scott, e Barbara Smith (eds.), 1982, All the Women Are White, All the Blacks Are
Men, But Some of Us Are Brave: Black Womens Studies. Nova Iorque, Feminist Press.
Human Rights Watch, 2002, We Want to Live as Humans: Repression of Women and Girls in Afghanistan
[online], Human Rights Watch Reports, 14 (11). Disponvel em: <http://hrw.org/reports/2002/
afghnwmn1202>.
HUNT, Ian, 1991, Freedom and Its Conditions, Australian Philosophy, 69 (3): 288-301.
KEANE, Webb, 1997, From Fetishism to Sincerity: On Agency, the Speaking Subject, and Their Historicity
in the Context of Religious Conversion, Comparative Studies in Society and History, 39 (4): 674-93.
KHALDUN, Ibn, 1958, The Muqaddimah: An Introduction to History (trad. F. Rosenthal). Nova Iorque, Pantheon
Books.
LAPIDUS, Ira, 1984, Knowledge, Virtue, and Action: The Classical Muslim Conception of Adab and the
Nature of Religious Fulfillment in Islam, em METCALF, B. D. (ed.), Moral Conduct and Authority:
The Place of Adab in South Asian Islam. Berkeley e Los Angeles, University of California Press.
LEAMAN, O. N., 1999, entrada em The Encyclopedia of Islam. CD-ROM, verso 1.0. Leiden, Brill.
LORDE, Audre, 1993, Sister Outsider: Essays and Speeches. Trumansburg, NY, Crossing Press.
MACCALLUM, Gerald, 1967, Negative and Positive Freedom, Philosophical Review, LXXVI (3): 312-34.
MACKINNON, Catherine, 1993, Only Words. Cambridge, MA, Harvard University Press.
_______, 1989, Toward a Feminist Theory of the State. Cambridge, MA, Harvard University Press.
MACLEOD, Arlene Elowe, 1991, Accommodating Protest: Working Women, the New Veiling, and Change in
Cairo. Nova Iorque, Columbia University Press.
MAHMOOD, Saba, 2005, The Politics of Piety: The Islamic Revival and the Feminist Subject. Princeton, NJ,
Princeton University Press.
MILL, John Stuart, 1991, On Liberty and Other Essays (ed. J. Gray). Nova Iorque, Oxford University Press.
MOGHISSI, Haideh, 1999, Feminism and Islamic Fundamentalism: The Limits of Postmodern Analysis. Londres e
Nova Iorque, Zed Books.
NAJMABADI, Afsaneh, 1998, Feminism in an Islamic Republic: Years of Hardship, Years of Growth, em
HADDAD, Y., e J. Esposito (eds.), Islam, Gender, and Social Change. Nova Iorque, Oxford University
Press.
NEDELSKY, Jennifer, 1989, Reconceiving Autonomy: Sources, Thoughts and Possibilities, Yale Journal of
Law and Feminism, 1 (1): 7-36.
NEDERMAN, Cary, 1989, Nature, Ethics, and the Doctrine of Habitus: Aristotelian Moral Psychology in
the Twelfth Century, Traditio, XLV: 87-110.
RADWAN, Zeinab Abdel, 1982, Zahirat al-Hijab Baina al-Jamiat. Cairo, al-Markaz al-Qaumi lil-Buhuth
al-Ijtimaiyya wa al-Jinaiyya.
ROSALDO, Michelle, 1982, The Things We Do with Words: Ilongot Speech Acts and Speech Act Theory in
Philosophy, Language in Society, 11 (2): 203-37.
RUBIN, Gayle, 1984, Thinking Sex: Notes for a Radical Theory of the Politics of Sexuality, em VANCE, C.
(ed.), Pleasure and Danger: Exploring Female Sexuality. Boston, Routledge and Kegan Paul.
SALVATORE, Armando, 1997, Islam and the Political Discourse of Modernity. UK, Ithaca Press.
156
Teoria feminista, agncia e sujeito liberatrio
Samois Collective (eds.), 1987, Coming to Power: Writings and Graphics on Lesbian S/M. Boston, Alyson.
SCOTT, Joan, 1988, Gender and the Politics of Herstory. Nova Iorque, Columbia University Press.
SHERIF, Mohammed Ahmed, 1975, Ghazalis Theory of Virtue. Albany, State University of New York.
SIMHONY, Avital, 1993, Beyond Negative and Positive Freedom: T. H. Greens View of Freedom, Political
Theory, 21 (1): 28-54.
STACEY, Judith, 1991, Brave New Families: Stories of Domestic Upheaval in Late Twentieth Century America.
Nova Iorque, Basic Books.
STARRETT, Gregory, 1998, Putting Islam to Work: Education, Politics, and Religious Transformation in Egypt.
Berkeley, University of California Press.
STRATHERN, Marilyn, 1992, Reproducing the Future: Essays on Anthropology, Kinship, and the New Reproductive
Technologies. Nova Iorque, Routledge.
_______, 1988, The Gender of the Gift: Problems with Women and Problems with Society in Melanesia. Berkeley,
University of California Press.
SUAD, Joseph (ed.), 1999, Intimate Selving in Arab Families: Gender, Self, and Identity. Siracusa, Syracuse
University Press.
TANTAWI, Muhammed Sayyid, 1994, Bal al-Hijab Farida Islamiyya, Ruz al-Yusuf, edio de 27 de Junho
de 1994.
TAYLOR, Charles, 1985, Whats Wrong with Negative Liberty, em Philosophy and the Human Sciences:
Philosophical Papers 2. Cambridge, Cambridge University Press.
TORAB, Azam, 1996, Piety as Gendered Agency: A Study of Jalaseh Ritual Discourse in an Urban
Neighborhood in Iran, Journal of the Royal Anthropological Institute, 2 (2): 253-52.
WARNOCK FERNEA, Elizabeth, 1998, In Search of Islamic Feminism: One Womans Global Journey. Nova Iorque,
Doubleday.
WEST, David, 1993, Spinoza On Positive Freedom, Political Studies, XLI (2): 284-96.
WIKAN, Unni, 1991, Behind the Veil in Arabia: Women in Oman. Chicago, University of Chicago Press.
WINTER, T. J., 1995, Introduction, em AL-GHAZALI, Abu Hamid, On Disciplining the Soul and Breaking
the Two Desires: The Revival of the Religious Sciences (Ihya Ulum al-din), Livros XXII e XXIII (trad. T.
J. Winter). Cambridge, UK, Islamic Foundation.
YANAGISAKO, Sylvia, e Jane Collier (eds.), 1987, Gender and Kinship: Essays Toward a Unified Analysis.
Stanford, Stanford University Press.
YOUNG, Iris, 1990, Justice and the Politics of Difference. Princeton, NJ, Princeton University Press.
ZUHUR, Sherifa, 1992, Revealing Revealing: Islamist Gender Ideology in Contemporary Egypt. Albany, State
University of New York Press.
157
Saba Mahmood
158