O Povo Cego e As Farsas Do Poder
O Povo Cego e As Farsas Do Poder
O Povo Cego e As Farsas Do Poder
E AS FA R SA S D O P OD E R
L o u c u r a
P o l í t i c a
H o m o f o b i a
M a t e m á t i c a
E s p i o n a g e m
P r o s t i t u i ç ã o
A maioria dos países tem um serviço secreto. Que propósitos tem tal atividade?
Eles alegam proteger a soberania nacional e a democracia, entre outras coisas. No
entanto é difícil imaginar que um governo tão corrupto esteja, ao mesmo tempo, tão
preocupado em manter a democracia. A soberania nacional, por sua vez, continua sendo
uma abstração sem base concreta. Basta citar o caso do nióbio – mineral absolutamente
necessário para a indústria mundial. Somos o único país do mundo com quantidade
significativa de nióbio e estamos vendendo este mineral a preços risíveis. O silêncio a
esse respeito é total.
A grande mídia distrai a população com questões que nos chocam. Somos
submetidos a sucessivos seqüestros emocionais e levados, assim, a ignorar os problemas
reais – aqueles cujas soluções nos trariam mais qualidade de vida, prosperidade e paz. A
mídia atribui a causa de nossos problemas ao chapéu que temos sobre cabeça e não aos
pensamentos que nutrimos dentro dela. Então, compramos um chapéu novo e mais caro
– e continuamos com nossos problemas.
Os nomes das pessoas e instituições envolvidas foram trocados para evitar uma
eventual proibição do comércio da presente obra, como já aconteceu com outro livro
semelhante, a saber, “O Canto dos Malditos” de Austregésilo Carrano Bueno.
IX OIMU (2006)
Eric Campos Bastos Guedes, filho de Winter Bastos Guedes (pai) e Dalva Cantos Guedes (mãe),
portador da CI nºXXXXXXXX-X, CPF nºYYYYYYYYY-YY, domiciliado à Rua Nem de Sá,
n°422 em Icaraí, Niterói, RJ, vem por meio desta requerer registro de ocorrência e apuração pelo
seguinte: ameaça de morte, calúnia e difamação (texto abaixo, postado na página de recados da
vítima, no Orkut):
E digo mais,se ficar de graça com a gente,é 2 palitos eu falo com uns brothers ae no Rio e consigo
seu endereço e passo você pros irmãos ae malucão,nem vem tirar que aqui é policía no baguio,se
liga ae comediagem...pra desenrolar este barato é 2 palitos,tá avisado. ”
Nestes termos
Pede deferimento
________________________________
Niterói, 7 de novembro de 2008
Boa Tarde Érico, lamento pelo que voce passou, mas uma coisa é certa, o bem sempre vence o mal!
Como não há nenhuma indicação de infeccção ou manifestação criminosa, no meu entender, para
deixar registrada tal situação para uma confirmação ou não de um crime, se dirija a um Distrito
Policial para lavrar um Boletim de Ocorrência de Preservação de Direitos, também pode se dirigir
diretamente ao Ministério Público e deixar sua denúncia lá, espero que não esteja contaminado, é o
que te desejo de melhor, mas, se algo surgir após um tempo, voce já deixou registrado em dois
órgãos que poderão investigar o ocorrido.
Boa sorte!
Por outro lado, por que um mestre se preocuparia em ensinar alguém inteligente e
interessado que pudesse vir a superá-lo? Ninguém gosta da idéia de ser intelectualmente
inferior a outrem – exceto quem, por mais delirante que isto possa parecer, julgue-se
irremediavelmente superior a todos. E para mostrar sua superioridade, salpica umas
gotas dela em pessoas próximas, humilhando as demais de modo deliciosamente
dissimulado.
***
Num dia de sol meu avô pegou uma corda e se enforcou. Estávamos somente eu e
ele em casa. Antes de sair para o colégio fui me despedir dele e o encontrei deitado no
chão de seu quarto. Supus – erroneamente – que estivesse dormindo. Tentei acordá-lo de
todos os modos, sem sucesso. Fiquei intrigado: como ele poderia ter um sono tão
profundo?
Naquela época eu e meu irmão Lauro fazíamos a quarta série primária no Curso
São Francisco de Assis. Ao terminar a aula pediram-nos que não voltássemos direto para
casa, mas que esperássemos um pouco até sermos liberados. Ao retornar do colégio, me
disseram que meu avô Antônio Caxeta havia morrido. Mas não me disseram que ele
havia se matado, nem que ele já estava morto quando saí de casa. Simplesmente não
liguei os fatos. Disseram-me que ele falecera vítima de um aneurisma.
Meu pai morreu de modo intrigante. Muito mais intrigante do que eu poderia supor
em minha ingênua infância.
Certo dia, quando cursava a 5ª série do ensino fundamental, cheguei em casa após
uma surra que levei de uns valentões da escola. Bati na porta da sala, como fazia todos
os dias para entrar. Nada. Bati novamente. Silêncio. De repente a porta é aberta num
rompante e meu pai passa carregado numa maca, aparentemente desacordado, sendo
Uma semana depois recebo a notícia de que ele havia morrido no hospital. Minha
mãe disse-me que ele havia tido uma tontura quando estava no alto de uma escada. Caiu
e bateu com a cabeça num murinho, sofrendo traumatismo craniano. A tontura teria sido
causada por um infarto repentino. Uma farsa, como descobri mais tarde, já adulto. De
fato, num primeiro momento, ao ver meu pai passando por mim numa maca, não me
alarmei: ele estava bem, não havia sangue na roupa dele. O absurdo era evidente: não
havia sangue na roupa de meu pai, mas a escada que dá acesso ao segundo andar da
casa era um rio vermelho. Ao comentar isso com minha mãe, anos mais tarde, ela disse:
“Eles trocaram a camisa dele antes de levá-lo, para não assustar seu irmão Lauro”. Com
essa emenda a fraude tornou-se patente.
Cheguei à conclusão de que meu pai havia sido morto pela ditadura –
provavelmente sob tortura. A farsa toda era para encobrir um crime horrendo, que de
outro modo teria se tornado um escândalo, visto ser meu pai um ex-militar honesto ao
extremo, pessoa instruída e culta ocupando posição de destaque no Ministério da
Fazenda (ele trabalhava lá como farmacêutico-bioquímico). Minha mãe sabia de tudo,
claro. Mas com a covardia própria dos carolas, manteve o silêncio, mesmo após o fim da
ditadura militar.
Um ano após a morte de meu pai minha mãe estava com outro companheiro. Um
chupim bebum, amigo de farras e de cachaça. Minha mãe então deixou de dar atenção a
mim – eu tinha 11 anos – deixando minha criação a cargo de minha avó Gumercinda da
Silva Cantos e de minha tia Hera Verão de Cantos. Naquela época eu passava pelas
transformações próprias da puberdade que se iniciava. Não havia sequer tido a primeira
ejaculação e nada sabia sobre sexo. Eu pensava que os bebês nasciam após a grande
emoção da esposa com seu casamento.
Eu queria beijar uma garota. O nome dela era Gisele. Uma menina branca e loura,
filha de uma amiga de minha mãe que morava nas proximidades. Não tinha a menor idéia
de como beijá-la e não fui feliz na execução de um plano que sequer havia sido
planejado. Foi meu primeiro “fora”.
Refugiei-me nos livros, onde encontrei bom material para aprender sobre coisas
que julgava importantes. Na quinta série aprendi a resolver equações do segundo grau e
um pouco de álgebra no livro “Álgebra I” de Augusto César Morgado e Eduardo Wagner.
Nessa época freqüentei um psicólogo chamado Eduardo Nicodemos que mais tarde viria
a me ajudar muito, me indicando um excelente curso de Matemática: o método Kumon.
Na 5ª série eu nutria uma paixão por Kênia Balbi, uma estudante de minha classe.
Quando estava a sós com a carteirinha de estudante dela eu a beijava loucamente – a
carteirinha. Queria tocá-la. Imaginava que ela torceria o pé na saída do colégio e eu a
levaria no colo até minha casa para ser tratada. Minha imaginação ia muito mais longe:
via as paredes do Colégio Saviano Santa Rosa cobertas por bumbuns femininos
separados dos corpos. Eu os tocava e acariciava.
Não me julgando capaz de realizar meu intento com meninas de verdade, quis
tocar estátuas, dessas que costumamos ver nos museus, despidas com as nádegas
expostas. Cheguei a fazer isso quando visitei um museu na cidade do Rio de Janeiro. Eu
estava obcecado.
***
Aos 13 anos, finalmente, descobri o que era a masturbação na prática. Numa noite
eu estava deitado em meu quarto com o membro ereto, tentando dormir. Queria que meu
membro ficasse “normal”, pois me sentia um pouco desconfortável com ele duro naquela
posição. Como ele insistia em permanecer rijo, tentei colocá-lo na posição que
considerava mais normal. Então, tentando por meu pênis numa posição que julgava mais
adequada, gozei – não tinha essa intenção, entretanto. Foi algo absolutamente natural.
Nunca havia sentido aquilo antes, foi ótimo. No início achava que o esperma saía da
barriga, pois ela ficava sempre molhada. Não queria saber o que estava acontecendo, ou
como acontecia, só sabia que me sentia muito bem com aquilo.
Após alguns meses resolvi comprar revistas eróticas. Passei a ver como as
pessoas faziam sexo. Eu também queria fazer, mas não conseguia me relacionar
sexualmente com ninguém. Neste aspecto fiz a mim próprio. Ninguém me ajudou.
***
Tendo sido impedido de estudar o que queria, passei a me interessar por outras
coisas. Eu queria muito comer uma menina chamada Marcela, uma loira descolada de
cabelos curtos. Não tinha coragem ou artifício para isso, entretanto. Os outros alunos
perceberam minha fraqueza e começaram a caçoar de mim. Então reagi a uma dessas
provocações dando um murro na cara de um aluno.
***
Marcela nunca mais falou comigo e as últimas palavras que dirigiu a mim foram:
“Cala a boca!”
Nada disso impediu que eu tirasse a maior nota da classe na prova de matemática.
Meu professor comemorou isto, escrevendo vários recados motivadores na prova, tipo
“Parabéns!”, “A melhor nota!” e coisas assim. A Matemática é uma deusa, um espírito
incorpóreo que está em toda parte. Ela, como qualquer outro deus ou deusa, utiliza
pessoas para levar sua palavra e recompensar seus servos. Aquelas palavras não eram
do professor, mas da própria deusa Matemática; do mesmo modo, o conhecimento que
tenho não é meu, mas me foi dado por ela por intermédio de seu espírito.
***
Retornei a Floresta na outra semana. Não vi nem Amanda nem Maria e então fiquei
com uma garota chamada Mirtes, de pele branca, cabelos negros e compridos de cerca
de trinta e poucos anos e cujo apelido era “indiazinha”. Esse único contato com Mirtes foi
o suficiente para que ela não me esquecesse mais. Após alguns anos sem nos vermos,
ela ainda se lembrava de mim. Mistérios do amor.
Na quarta vez em que retornei a Floresta uma negra gostosa de nome Zuleica me
perguntou decidida e natural: “Vamos trepar?” Fomos. Disse a ela que queria penetrá-la
Retornei ainda outra vez ao prostíbulo conhecido como Floresta. Entretanto a casa
estava em obras e soube mais tarde que havia fechado as portas. Rodei a cidade
perguntando a um e a outro onde havia uma sauna com meninas. Tomando as tais drogas
psiquiátricas eu não conseguia mais resolver esse problema extremamente simples:
bastava perguntar a algum taxista, como eu tinha feito antes. Entretanto me sentia
incapaz de fazer isso. Por fim, num bar de esquina, próximo de minha casa uns
camaradas me deram a dica: pegar o ônibus Nº49 e ir até a Alameda São Boaventura, no
número 250, onde havia um bordel. Foi o que fiz. Lá reencontrei Maria que me quis para
ela de qualquer jeito. Mas eu queria outra menina. Entretanto ela insistiu e eu cedi.
Subimos para o quarto e transamos. Gozei normalmente. No final da transa Maria sugeriu
que se ficássemos uma segunda vez. Ela disse só me custaria a metade do valor. Na
hora não entendi bem o porquê, mas depois concluí que ela queria tanto transar comigo
que deixaria de receber a parte que lhe cabia, só para me ter na cama de novo.
Umas semanas depois retornei a 250 e Maria não estava mais lá. Fiquei com uma
mulher chamada Neide. Loira, baixinha e com cara de safada. Ela foi boa para mim. Deu-
me alguns conselhos, como só casar depois dos trinta anos e coisas assim. Ficava
sempre com Neide, fui monogâmico por escolha. Um dia, porém, Neide foi embora.
Segundo amigas ela abrira seu próprio negócio. Um bar, acho. Procurei outra garota e
encontrei Fátima, uma mulher branca, de cabelos curtos e negros e um tanto magra.
Passei a ficar sempre com ela. Fiz até um poema em sua homenagem. Um dia Fátima foi
embora. Amigas disseram que ela foi para outro estado, na região norte ou nordeste.
Novamente só, procurei outra garota que eu gostasse. Fiquei com algumas de que não
gostei. Havia as que não faziam o que era obrigatório na época: o popular boquete; havia
as sacanas que depois de furunfar te chamavam de viado; havia as de localização
aleatória que vinham e sumiam sem que pudéssemos ter um relacionamento de fato.
Decidi procurar outro bordel. Por informações que tive com os próprios freqüentadores da
Alameda 250, cheguei a outro lugar, na Rua Marechal Deodoro nº160, no centro de
Niterói. Fui até lá e reencontrei Mirtes que testou minha memória dizendo-me: “Meu nome
é Diomara” e eu respondi: “Não, seu nome é Mirtes”. Ela se derreteu toda. Transamos. Eu
pedi para penetrá-la analmente, mas ela se recusou. Desculpou-se e justificou a negativa
dizendo que tinha um problema nos rins. Não a peguei mais desde então.
Maria, que me tirou a virgindade, também estava lá. Fez de tudo para ficarmos
Maria tinha uma amiga conhecida com Shanna. Uma negra muito gostosa e sexy,
que tinha um sorriso fácil e bonito além de beijar na boca e fazer muito bem o trivial
obrigatório. Quando retornei à Marechal Deodoro 160, Maria já não estava mais lá.
Aproveitei para ficar com Shanna. Foi bom. Depois disso sempre que voltava lá ficava
com Shanna. Tinha por norma esperar meia hora por ela caso não a encontrasse. Foram
cinco anos ótimos, de 1991 até 1996. Neste período fiquei com poucas garotas, só me
interessava realmente por Shanna. Ela me disse que seu nome verdadeiro era Hilda. Nas
várias dezenas de vezes que transamos nunca brochei. Ao contrário, ardia de desejo por
ela. Estimo que devemos ter transado umas 120 vezes nesses cinco anos. A falta de
dinheiro foi um grande obstáculo para uma vida sexualmente mais ativa.
***
Naquela época conheci um sujeito chamado Fernando. Ele era jovem, alto e forte.
Eramos da mesma turma do CIN – Centro de Informática de Niterói – um curso de
informática. Um dia ele me chamou para sair, iríamos ao Plaza Shopping a noite. Ele
acabou me contando que era bissexual e que queria ficar comigo. Perguntou se eu era
virgem. Eu disse que não, que me relacionava freqüentemente com prostitutas e que era
esse meu modo de encarar o sexo. Ele me contou a vida dele toda então. Que tinha tido
um menino, menor de idade, por amante; que freqüentava bacanais gays; que nestes
bacanais ele era ativo, mas que uma vez, diante da insistência de outro freqüentador,
havia sido o passivo; que tinha ascendência portuguesa; que sua mãe sempre lhe deu
muito carinho; que tinha uma garota do CIN lhe dando bola (por sinal uma que eu queria)
etc etc etc. Após uma longa conversa, já de madrugada, ele me levou ao ponto de ônibus
insistindo para que eu tivesse um comportamento homossexual, que não aconteceu.
Então peguei o ônibus e nos despedimos.
***
Em agosto de 1996 recebi o telefonema de uma antiga namorada. O nome dela era
Cassia Cristina, e eu a chamei para vir passar um tempo comigo. Foi uma relação intensa
e rápida, além de muito conturbada e problemática. Cassia queria toda a atenção para ela
e seus acessos já estavam me deixando preocupado. Ficava pensando nos ataques de
Cassia durante as provas da faculdade. Eu me esforcei muito, mas foi impossível conciliar
minha ambição acadêmica com as exigências descabidas daquela mulher.
Lembrei do conselho que Hilda Shanna havia me dado algum tempo antes de ter
tido problema com o tenente: “Eric, tem muita gente má neste mundo!” - disse ela para
mim, tomada de surpresa e preocupação sincera ao saber de meus hábitos sexuais
reprováveis. Seu rosto era de temor, preocupação, ao saber que eu me engraçava com
mulheres que não conhecia. Jamais alguém se preocupara assim comigo. Hilda Shanna
não era uma mulher comum. Era especial.
A ameaça que sofri do tal tenente corno me ensinou uma coisa. Nem toda
vagabunda é honesta: algumas são mulheres de militares.
***
À meia-noite ligar-te
Ficamos juntos muitas vezes e era sempre bom. Até que eu e minha primeira
namorada, Cassia Cristina – a mulher abacaxi – , voltamos a nos relacionar. Nos casamos
em julho de 2000 após ameaças, agressões e intimidações que visavam o
estabelecimento de uma relação honesta e amorosa da qual apenas um de nós sairia vivo
para contar a história. Demorei para entender muitas coisas. Creio que hoje tenho uma
idéia mais concreta do que realmente seja um casamento.
Posso dizer que uma mulher tem que ser uma semi-deusa para merecer a
fidelidade de um homem. Nenhuma das que conheci até hoje mereceu isto. A maioria
sequer pensa nisto. O que elas querem é dinheiro no bolso e alguém que diga que as
ama. Somente uma mulher superior mereceria mais que isso. Ofertar fidelidade a uma
fêmea comum é jogar pérolas aos porcos. E a esmagadora maioria das mulheres é
Antes de casar-me, e durante muito tempo depois, eu queria ser fiel e honrar o
compromisso que assumi. Eu apontava um casal idoso na rua e dizia para Cassia
Cristina: “Olha. Nós vamos ficar juntos até nosso cabelo ficar daquela cor”. Só que minha
mulher não pensava assim. Em 2006 ela me deixou só. Vivíamos juntos, porém não nos
relacionávamos mais sexualmente. Ela preferia dormir com uma amiga chamada Grace
Kelly. Essa amiga dela tinha um filho que eu estimava muito. Eu me preocupava com ele
como se fosse meu próprio filho. Comprei um jogo com números para Luiz Henrique –
esse era seu nome – e toda noite jogávamos. Durante algum tempo o exercício da
paternidade proporcionado por Luiz Henrique compensou a ausência de Cassia. Eu
estava feliz ensinando os números a ele. Mas isso durou pouco.
Quando Cassia me deixou de lado eu fiz um ultimato a ela: ou nós ficávamos juntos
ou eu procuraria outra mulher. Ela deu de ombros e disse: “Procura...”. Pela primeira vez
durante o casamento, procurei outra mulher – uma garota de programa. Brochei. Não
satisfeito, chamei uma outra menina em casa e foi ruim.
Então aconteceu algo realmente importante que mudou toda minha vida de modo
definitivo.
***
Também por conta da redução da medicação passei a me sentir muito mais atraído
pelas mulheres. Certa vez uma amiga de minha esposa veio nos visitar e eu quis ela para
mim. Chamava-se Neinha, era branca, magra, cabelos compridos e tinha trinta e um
anos. Ela vestia shorts que deixavam seus encantos a mostra. Eu estava atraído por ela
de um modo que jamais estivera por nenhuma outra mulher antes.
Certa noite, Cassia Cristina me deixou a sós com Neinha e aqueles foram os
únicos minutos de minha vida em que me senti verdadeiramente vivo. Eu disse que ela
era linda, percebi que ela sabia o que eu queria. Então Neinha começou a se sentir
cansada e meio adoentada, como se perdesse as forças. De repente.
Cassia arrumou o colchonete para ela no chão da cozinha. Eu estive vivo. Neinha
doente e eu cada vez com mais saúde. Tive uma ereção fabulosa, mas minha esposa
estragou tudo. Cassia ia se encontrar com Grace Kelly naquela noite e queria que eu
ficasse em casa. Por mim tudo bem, desde que Neinha também ficasse em casa. Ela já
estava deitada, repousando, e assim que Cassia saísse, poderíamos brincar um pouco.
Se Cassia podia sair e fazer novas amizades, eu também tinha este direito. Teríamos um
casamento aberto, então. Cada um tratando de resolver sua vida e encontrar outros
amores. Teria sido o paraíso. Mas Cassia estragou tudo.
As pessoas são engraçadas. Elas traem, mas não admitem que o parceiro o faça.
Foi uma confusão dos diabos. Naquela noite Cassia e eu acompanhamos Neinha até o
ponto de ônibus. Depois Cassia disse para que eu voltasse para casa, pois ela iria sair
com Grace Kelly e com Sue – o travesti da casa ao lado. Mas eu me recusei a voltar para
casa. Cassia Cristina não podia acabar com minha noite e me deixar só. Foi me dando
murros e socos enquanto caminhávamos sem rumo pelas ruas de Icaraí. Ela me xingava
Sabendo que seria difícil pô-la para fora de casa, li um livro chamado “A Arte da
Guerra”, de Sun Tzu. Foi muito útil e consegui botar Cassia Cristina para fora. Porém não
segui como devia as instruções do livro e ela voltou.
Então, supostamente com a ajuda de Hera Verão – minha tia solteirona – Cassia
espalhou pela vizinhança as piores mentiras a meu respeito e, com a ajuda de minha
mãe, conseguiu fazer com que eu aceitasse uma internação.
***
Não tenho certeza, mas ao que parece, elas – minha esposa, minha mãe e sua
irmã – espalharam mentiras a meu respeito. Isso me fez, meses depois, recordar o livro
“O Processo” de Franz Kafka, que logo no início diz algo como: “Certamente espalharam
mentiras sobre Josef K., pois naquela manhã não fora acordado para o desjejum pela
senhoria, como de costume, mas sim por dois homens vestidos com jaquetas e calças
compridas com vários bolsos e fivelas.”
E de tal sorte foram as injúrias contra mim que na rua, em plena luz do dia,
gritaram em minha direção, a uma distância segura e covarde: “VIAAAAAAAAADO!”. Eu
tentei ignorar, mas percebi que outras pessoas se sobressaltaram, escandalizadas. Este
tipo de coisa começou a me perturbar. A verdade é que eu não havia dado nenhum motivo
para ser vítima de uma injúria dessas, proclamada aos berros em plena luz do dia. Por
que alguém faria isso?
***
Em março de 2007, certa noite, minha mulher me deu algumas gotas, misturadas
com água, que ela disse que eram de haloperidol, um neuroléptico muito usado para o
tratamento da doença de código F20, da qual, supostamente, eu seria portador (F20.9).
Não consegui dormir de jeito nenhum. Meu esfincter ficou muito sensível, piscando
descontroladamente. Eu não entendia o que estava acontecendo. Mas hoje está claro
para mim que fui vítima de uma sórdida intoxicação provocada por minha própria
namorada.
***
***
Havia também uma senhora de idade, com colares e brincos chamativos. Ela se
vestia como uma socialite, dessas que tem muito dinheiro. Certa vez ela me perguntou
qual era meu problema e eu comecei a falar rápida e descontroladamente que eu era
bipolar, porque, parece-me, o esquizofrênico é muito mal visto por todos.
Outro sujeito que estava internado lá chamava-se Arlei. Ele ficava movendo as
mãos de um lado para outro e me pareceu que não tinha doença alguma, apenas estava
fingindo.
Lá também conheci um tipo estranho, de cerca de 18 anos e que parecia não ter o
que chamamos de consciência – agia como um autômato, sem auto-crítica. Certa vez,
durante uma das refeições ele me perguntou qual era minha religião. Eu respondi,
constrangido, que tinha um lado espiritual independente de religiões. Ele se aproximou
pondo minha cabeça contra seu peito e disse qualquer coisa de que não me lembro.
Fiquei imaginando que tipo de coisas as pessoas que estavam na cozinha – eram várias –
estavam pensando.
Também posso citar a enfermeira chefe Paula Enoc. Ela me lembrou uma Paula
Enoc que conheci nos tempos de minha adolescência, na década de 80, quando
tínhamos entre 12 e 14 anos. A Paula Enoc menina que conheci tinha um comportamento
sexual bastante promíscuo, na época, para sua pouca idade. Era uma ninfeta. Eu a queria
alucinadamente, mas não fazia idéia de como ficar com ela. Por outro lado, um amigo
meu de nome Raphael já a tinha possuído analmente, segundo me contara de modo
***
Certa noite acordei momentaneamente com um ruído. Notei que havia alguém
próximo à minha cama, colocando luvas plásticas. Devia ser Cassia, minha esposa,
pensei. Ergui o braço esquerdo como se alguém pudesse me puxar para cima e me tirar
de lá. Então perdi os sentidos e adormeci.
Devido às injeções intra-musculares de anti-psicóticos, ou seja lá o que eles
tenham me dado, fiquei com o intestino preso. Eu havia reclamado sobre isso com Cassia
e com o Dr. Fernão Ourique Pinto Caia. Um dia, ao acordar, percebi que minha bunda
estava cagada. Estranhei, pois não me lembrava de ter ido ao banheiro defecar. Talvez eu
tivesse esquecido disso devido ao uso de anti-psicóticos. Ou talvez fosse outra coisa.
Impossível saber ao certo.
***
***
Tamanha foi a angústia e desespero de sentir-me cercado por inimigos que tentei
fugir. Cassia Cristina, minha namorada, falou que sabia uma hora que eles deixavam a
porta da clínica aberta, e que eu poderia fugir então. Num certo instante ela me fez um
sinal de que os portões da Clínica estavam abertos.
Tentei uma fuga. Desci até a sala de estar, abri a porta que estaria trancada em
outra ocasião e segui em frente. Passei por algumas pessoas de aparência estranha e me
aproximei de outra porta. Ouvi um barulho alto que lembrava uma motocicleta acelerando.
“Devem ter arrumado alguém de moto para me ajudar a fugir”, pensei. Quanto mais eu me
aproximava da segunda porta, mais o barulho ficava alto. Mas a porta estava trancada.
Pulei o muro. O ruído ficou muito mais alto. Para minha surpresa havia ainda outro muro
para pular. Agi rapidamente, e pulei o segundo muro. Já fora da clínica, estranhei que o
ruído tão intenso de moto havia se dissipado. Vi uma das enfermeiras fora da clínica e ela
me reconheceu. Então corri em direção ao veículo que mais lembrava uma moto: uma
bicicleta com uma criança na garupa, que quase derrubei. Fui recapturado e retornei à
***
Cassia se divertia a valer comigo. Arrebentou meu livro de “Topologia dos Espaços
Métricos”, partindo-o em dois pedaços diante de mim. Depois me apresentou um livro de
auto-ajuda cujo título era “Seu Balde está Cheio?” – achei que ela queria chutar o balde e
estava certo, pois pouco depois a sereia me disse que iria dormir no motel. Eu não podia
dizer nem fazer nada. Estava acabado. Dependia dela para sair da clínica e por este
motivo era obrigado a dizer amém para aquele demônio. Anoiteceu e ela foi embora.
Era noite e eu estava deitado em meu quarto quando ouvi barulhos vindos de fora
– aparentemente Alberto havia levado um tombo, pois ouvi um som surdo de algo que
parecia ter caído e batido no chão. Fui verificar o que acontecera e percebi movimentação
no quarto dele (ele ficava no quarto C e eu no B, logo ao lado). Quando olhei para dentro
do quarto de Alberto, o vi estirado no chão, próximo à cama, tentando levantar a cabeça,
porém com o resto do corpo imóvel. Alguém que não identifiquei, mas que devia estar
dentro do quarto dele, gritou "Ele está tentando levantar a cabeça!".
Foi quando Paula Enoc, a chefe da enfermagem, saiu do quarto de Alberto levando
um material que servia, presumivelmente, para aplicar injeções. Quando ela passou por
mim, perguntei: “Está tudo bem com Alberto?”. Porém, ela não disse nada e continuou
seu caminho a passos ligeiros. Retornei a meu quarto e fiquei imaginando o que estaria
acontecendo. Foi quando ouvi bem forte, durante três ou quatro segundos, o mesmo
***
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Durante a viagem fechei os olhos para não ver a menininha. Mas era inútil, pois ela
ria e ria. E eu não conseguia parar de imaginar que ela estava me olhando e rindo de
mim, reparando em mim com a curiosidade própria das crianças. É claro que não era
nada disso, este era tão somente o efeito das drogas que me ministraram – em particular
o da última injeção que me aplicaram. Infelizmente ficaram seqüelas, como pude
constatar mais tarde.
Tudo indica que minha esposa desconfiava da encrenca em que eu, e ela por
tabela, estávamos metidos – apesar de hoje eu não estar tão certo disso. Descemos na
rodoviária de Campos dos Goytacazes e pegamos um taxi para Santa Maria de Campos,
gastando um dinheiro que poderia nos fazer falta. Jamais fizemos isto antes, descer antes
de chegarmos ao nosso destino. O ônibus sempre nos deixou próximos da casa de minha
sogra em todas as vezes que fomos à Santa Maria de Campos. Atribuí isto à intenção de
minha mulher em despistar os secretas – naquela época eu não sabia que eles eram isto
realmente, pensava erroneamente que o presumível assassinato de Alberto era obra da
Clínica Santa Serafina unicamente. Eu estava errado e certo ao mesmo tempo. Não
passava pela minha cabeça que os responsáveis eram muito mais poderosos, gente
ligada ao governo, à presidência da república e possivelmente aos militares também. Que
diabos Alberto teria feito para desagradar essa gente à esse ponto? Eu não sabia.
Talvez ele mesmo não soubesse, pois aparentava tranqüilidade e não comentou
nada a respeito comigo. Se ele tinha consciência de que estava visado, talvez achasse
mais prudente ficar quieto para dar a impressão de que não oferecia perigo. Essa foi a
estratégia que usei e que imaginei que Alberto também usara. Ela mostrou-se
equivocada. A Abin não é uma pessoa, é uma agência – ela não esquece das coisas com
o tempo, como se dá com alguém de carne e osso. Numa agência os nomes são escritos,
há a pasta de entrada e a de saída e há arquivos – com a Abin e com os agentes dela não
há conversa – quando eles chegam só querem cumprir logo sua missão e serem pagos.
O ganho de um agente pode ser bastante alto, cerca de R$100.000,00 ou R$400.000,00
por missão cumprida. As vezes mais. Um flagrante desperdício do dinheiro público. Que
***
Voltando à viagem.
Ao chegar a Santa Maria de Campos fomos para a casa de minha sogra Dona
Núcia. Era noite e fomos dormir. Eu não parava de imaginar que estávamos numa espécie
de fuga, sob ameaça de um poder que eu mesmo desconhecia. Custei a dormir.
***
No dia seguinte, pela manhã, meu sobrinho Azazel cantarolou para mim uma
estranha canção: “Você vai morreeeer, você vai sofreeeer! Você vai morreeeer, você vai
sofreeeer!” Fiquei intrigado com esta sinistra cantoria. Onde ele aprendera tal coisa?
Meses mais tarde lembrei de tal fato interpretando-o como uma profecia, ou como algo
que Azazel ouvira de alguém que me queria mal.
***
***
***
Eu me sentia frágil e em perigo. Marcinha já não era mais a mesma comigo. Ela me
tratava mal e não cuidava mais de mim. Pudera. Minha mamãezinha querida trocou a
senha de meu cartão bancário com o qual eu recebia o dinheiro de minha pensão e deu o
cartão a Cassia. Com dinheiro na mão ela não precisava mais de mim. Mundo real, lógica
simples.
Em Santa Maria de Campos não há bancos. O mais próximo ficava em Bom Jesus
do Etabamissanga. Isso tornava impossível para mim ir ao banco pegar meu dinheiro, já
que eu não tinha o valor da passagem para Bom Jesus e sequer sabia chegar ao banco.
Bom Jesus era completamente estranha para mim. Além disso, eu não fazia idéia de onde
Cassia guardava o cartão do bancário e também não sabia qual era a nova senha.
Entretanto, nada disso representaria problema para mim se eu estivesse de cara limpa,
sem drogas psiquiátricas. Daria um jeito, usaria minha inteligência e conseguiria pegar
meu dinheiro, voltando para Niterói.
Após Liomar instalar os dois ventiladores, fomos para casa de Dona Núcia. Decidi
ir para lá, pois estava claro que minha casa em Santa Maria não era segura. Dormimos eu
e Cassia Cristina na casa da mãe dela. Eu dormi pouco e muito mal. Estava preocupado
demais com o ventilador que faltava instalar às 9 horas do dia seguinte. Era improvável
que me matassem às 9 da manhã, mas não era impossível. E eu já sabia que estava
visado.
Não conseguia ver outra explicação para o que estava acontecendo. Interpretei os
dois ventiladores instalados como representando minha mulher e minha mãe. O terceiro
***
***
***
A velha preta amiga de minha sogra apareceu certo dia dizendo: “Oi Núcia! Eu ouvi
no rádio que sumiu uma criança por essas bandas. Não foi seu neto Azazel que sumiu
não?” Perguntou a velha numa ameaça velada.
No dia seguinte a van que trazia Azazel do colégio passou direto por nossa casa,
parando um tanto longe. Dona Núcia ficara preocupada com Azazel, talvez em razão do
comentário da velha preta. Ao ver que a van passou direto pela porta de casa, Dona
Núcia saiu correndo desesperada atrás da condução.
Ou era uma coincidência muito grande, ou estávamos sofrendo ameaças
psicológicas.
***
***
***
***
***
Uma ameaça constante era o contágio via sangue, na hora de fazer nossa barba.
Não costumavam abrir a gilete na nossa frente, e não jogavam a gilete fora
imediatamente depois do uso. Nunca procurei conferir, pois isto poderia criar problemas
para mim, mas provavelmente muitas pessoas ali usaram a mesma lâmina de barbear
que outros pacientes. Uma vez eu disse ao camarada que estava fazendo minha barba –
um outro interno: “Você não trocou a lâmina de barbear” ele me respondeu que havia feito
a barba do outro sujeito com o outro lado da lâmina. O risco de contagio via sangue me
parecia bastante alto. É possível que outros pacientes tenham morrido por doenças
contraídas desse modo na própria clínica. Durante minha estada lá um dos internos
morreu, e eu havia estado com ele na véspera. Visivelmente ele tinha algum problema de
saúde que não fora tratado. Meu risco de morte foi multiplicado várias vezes ao entrar na
clínica.
Eu sofri uma pressão muito grande na CREL. Certa manhã, no pátio, o interno
Odésio me disse: “Eric, se você não urinar no quarto, vai ter que urinar pelo ralo”. Grande
diferença há entre urinar no ralo e urinar pelo ralo. A idéia que ele me passou foi de eu
perder minha mangueirinha e passar a ter um ralo para urinar. Quem nunca passou por
sofrimentos tão intensos não tem o direito de criticar quem quer que seja.
Durante meus primeiros dias na Clínica de Repouso ltabapoana um sujeito cujo
nome verdadeiro eu não sei, mas que dizia chamar-se José Alberto Abreu chegou à
Clinica. Logo suspeitei que ele havia sido mandado para me matar, mas não era
meramente isto. Ele queria fazer com que minha morte parecesse ser uma questão de
***
O enfermeiro da CREL conhecido como Caú costumava dizer que eu era dele.
Desconfio, e isto não é uma certeza, mas uma conjectura, que Caú recebeu, ou receberia,
dinheiro para facilitar minha morte. Certa vez Caú me perguntou quanto dava por mês
uma taxa de juro de 0,6% aplicada num capital de R$24.000,00. Eu respondi de pronto:
R$144,00 e ele me disse que este era, realmente, um valor próximo ao que ele havia
obtido. Ora, R$144,00 corresponde exatamente a 0,6% de R$24.000,00, e esta é uma
conta muito fácil que qualquer pessoa munida de uma calculadora e que tenha um
mínimo de conhecimento pode fazer. Isto mostra que provavelmente o valor combinado
não era R$24.000,00, mas sim R$25.000,00. A troca de número era uma mera
provocação, como muitas pelas quais passei.
***
Até então eu não tinha entendido porque já não tinham me matado de uma vez. O
motivo é que a Abin, por ser um órgão do governo, ligado à presidência da república e,
***
***
Certa manhã, após o banho frio e compulsório que diariamente tomávamos, fui à
minha enfermaria buscar minha toalha para me enxugar. Ao abrir a parte do armário que
me cabia deparei não com meus pertences, mas com uma bola de couro amassada, um
pedaço de pau num formato fálico e uma porção de jornal picado. Fingi não ter visto nada,
eu estava só na enfermaria. Peguei uma toalha em outro lugar e me enxuguei. Mais tarde,
quando já haviam outros internos na enfermaria, abri minha parte no guarda roupas e
estava tudo OK. Haviam tirado aquelas coisas e recolocado as outras. A bola amassada
me fez pensar no esmagamento de minhas próprias, o pedaço de pau era uma alusão a
violação sexual que poderiam praticar contra mim caso eu não cedesse e o jornal picado
era um meio de dizerem que eu não poderia recorrer à mídia. Somente quem passa por
***
Diante da sincera opinião de Odésio, decidi viver. Lembro que nesta ocasião o
amigo de Odésio disse que certa vez teve cera no ouvido e que o médico teve que por
“um cano” no seu ouvido para tirar a cera. O comentário aludiu a imagem de um sujeito
com um revólver na cabeça, claro, sugerindo um aspecto da realidade que não poderia,
ou não deveria, ser mencionado de outro modo. Nesta rápida conversa que tivemos
Odésio me fez entender que havia rolado até ameaça de morte para que ele saísse da
enfermaria. Não havia explicação melhor, já que Odésio sabia que seu comportamento o
levaria para pavilhão 4 – que fazia o pavilhão 2, onde estávamos, parecer um jardim de
infância.
José Alberto Abreu estava agora alojado em minha enfermaria e, aproveitando-se
disso tentou me intimidar. Ele passou a ler um livro espírita sobre a “vida depois da
morte”, o que interpreto hoje como uma tentativa de fazer a morte parecer uma opção
mais aceitável para mim. Engana-se quem pensa que as armas de agentes secretos são
coisas mirabolantes, vistas nos filmes do agente 007. As armas deles são as ameaças
veladas, a psicologia e a intimidação. Eles também são organizados e em grande número,
agem de forma articulada, coordenados por outros agentes que, provavelmente, não
aparecem.
Certa noite, quando todos já haviam se deitado e eu tentava dormir, escutei, não
muito alto, o barulho inconfundível de uma sessão de tortura. O infeliz gritava repetidas
vezes: “Para! Para! Para!” urrando de dor. Então, já não conseguindo mais articular as
palavras, gritava “Ah! Ah! Ah!”. Notava-se o mais puro desespero em sua voz. Até que
pude reconhecer o momento em que ele morreu, parando de gritar num derradeiro e
inequívoco suspiro. Fiquei quieto na cama, horrorizado. Imaginei logo um sujeito
imobilizado tendo as penas perfuradas repetidas vezes por uma furadeira elétrica.
Certamente os militares haviam matado pessoas assim durante a ditadura. O que eu
havia escutado era a gravação de uma dessas seções de tortura. Fiquei pensando se a
gravação era real ou não. Um ator poderia ter sido contratado para fingir aquilo. Mas
recusei essa hipótese: era convincente demais para ser uma gravação falsa.
Foi uma experiência assustadora. Seguiram-se outros sons, supostamente de
***
Deixei de ter medo da morte para ter medo de morrer sob tortura.
Sobre o homem que dizia chamar-se José Alberto Abreu, tentei negociar minha
vida com ele, dizendo que não se deve mentir, mas sim omitir. Até então eu achava que o
problema deles era eu vir a denunciar a morte de Alberto na Clínica Santa Serafina. Meu
comentário foi em vão, pois ele disse que era “furada". Fosse como fosse, me parece,
José Alberto Abreu não decidia nada. Ele apenas cumpria ordens, e era muito bem pago
para isto. Ele próprio falou algo como “Cem mil ou trezentos mil”. Interpretei estes valores
como os preços pagos por minha cabeça. Hoje penso que os trezentos mil seriam os
valores supostamente pagos pelas mortes de minha mãe Dalva, de Cassia e de mim
mesmo. Pelo menos era isso que J. A. Abreu queria que eu pensasse, para fazer com
que eu mesmo aceitasse e buscasse minha morte. Esse pessoal da Abin usa de muita
psicologia. Essa é, na realidade, a principal arma deles. Nada de artefatos estranhos e
engenhosos que podem matar ou ferir. A mente humana dotada da técnica certa é a
melhor arma que pode existir.
A primeira tentativa de J. A. Abreu foi fazer como na Clinica Santa Serafina,
simulando ataque cardíaco via medicamentos. Eu havia escrito um texto em que oferecia
minha vida pela de minha mãe e de meu irmão. Mostrei o texto a J. A. Abreu, na
esperança de que seu comentário e atitude a respeito mostrassem a mim que tudo não
passava de um mal entendido de minha parte, uma interpretação equivocada que eu
havia feito. O resultado foi o oposto. A postura de J. A. Abreu diante do “documento” que
redigi foi diferente da que teria qualquer pessoa que não soubesse nada a respeito. Ao
mesmo tempo em que ele não confirmou ou negou nada, nem que era agente, nem que
estava ali para me matar, seu modo de proceder não denotou nem surpresa, nem
desconhecimento da situação, tampouco chacota ou ironia a respeito. Ele era mesmo um
agente. Tentei conversar com ele em outra ocasião e disse que não queria morrer com
***
Uma noite tive taquicardia sem motivo aparente. Não havia feito nenhum esforço
físico nem tido raiva que justificasse tal sintoma. Concluí que os remédios estavam me
causando a taquicardia. Reclamei enfática e veementemente na presença dos demais
internos e dos enfermeiros. Então essa estratégia para me matar acabou ficando ruim, por
várias pessoas terem escutado eu dizer que os remédios estavam me fazendo mal. Caso
houvesse uma investigação, a clínica poderia ser responsabilizada, ou algum enfermeiro.
Isto tornou este plano deles inviável, por haver risco de alguém denunciar o esquema e a
partir daí chegar-se aos verdadeiros responsáveis – pessoas poderosas por trás da
conspiração, gente graúda que não poderia aparecer. Ao ver frustrado seu plano para me
matar, J. A. Abreu entrou na enfermaria bradando em voz alta: “Vamos legalizar isso aí!”,
referindo o tal documento no qual eu oferecia minha vida pela de minha mãe e de meu
irmão, que haviam sido ameaçados por José Alberto de modo velado. De fato, ele fez
menção, durante uma conversa com outro interno de nossa enfermaria, ao final de
telefone 1541, que correspondia a um número meu antigo. E na hora ele até disse, sobre
o tal número telefônico: “Quem vai atender é a mãe ou o irmão”, donde ele sugeriu que
minha mãe e meu irmão corriam risco caso eu não morresse.
Na verdade, tentei negociar com Zé Alberto, através do tal documento, uma "morte
melhor" da que ele havia sugerido que eu teria, através de perfurações de furadeira nas
pernas. De fato, José Alberto Abreu falava o tempo inteiro que havia um nervo na perna –
chamado nervo ciático – cuja inflamação causava uma dor pior que a dor do parto.
Ao fazer com que os enfermeiros – em particular Josias – me ministrassem drogas
para forçar um enfarte, José Alberto Abreu estava cumprindo sua parte no trato, me
possibilitando uma morte sem dor. Mas eu não me entregaria tão fácil.
O fato é que eu mesmo estava preferindo morrer logo à passar por aquelas
dificuldades. Eu costumava dormir com a cabeça virada para o lado da porta, para ver se
ele começava – e terminava logo – a perfurar-me pela têmpora, para que eu morresse de
forma rápida e sem dor. Expus esta minha idéia para J. A. Abreu, dizendo a ele que
***
***
Mas J. A. Abreu não desistiu de sua missão. Na segunda tentativa ele teve mais
sucesso. Explico: fui de uma estupidez suicida ao aceitar uma maçã do agente. Ele deu
uma maçã a cada colega da enfermaria. Como a comida da CREL era péssima, eramos
compelidos a aceitar qualquer alimento que nos oferecessem. O que se deu, penso, foi
uma simpatia patológica pelo carrasco, que ocorre, por exemplo, em seqüestros, quando
a vítima fica “amiga” do raptor. E tendo o agente estudado psicologia, conduziu a situação
de modo a parecer mais simpático e amigável, favorecendo minha patológica simpatia.
Provavelmente, se eu estivesse lendo a Bíblia teria sido mais cauteloso com minha
própria saúde. Teria identificado o agente secreto como um enviado de Satanás e veria o
mal em cada um de seus atos insidiosos. Veria a mim mesmo como um soldado de
Jeová, cuja luta contra o mal assentava-se em bases divinas. Pensando assim, eu
perceberia haver muito mais em jogo que minha própria vida: o destino de toda civilização
humana seria definido pelo resultado do embate psíquico. Era a luta do bem contra o mal.
Porém eu estava muito distraído com outro livro. O ótimo "Problems in Higher
Mathematics" de V. P. Minorsky – livro russo vertido para o inglês com 2570 problemas de
Matemática Superior. Cheguei a resolver cerca de 200 ou 300 problemas deste livro em
minha estada na CREL. Fazia isso para manter a proximidade com a Matemática, minha
amante imortal por Jeová designada.
***
Era noite e eu me deitei, fechei os olhos e tentei dormir, pouco depois de ter
comido a tal maçã. Não conseguia, entretanto. Meus joelhos formigavam. Fiquei imóvel
na cama, deitado de olhos fechados. O agente J. A. Abreu me importunou jogando uma
toalha sobre mim e retirando-a em seguida. Demorei anos para entender porque ele fizera
isso. Ele estava verificando se eu já havia morrido. Percebi que havia algo na maçã que
Passei a me sentir ainda muito mais angustiado. Raciocinei que mesmo que eu
sobrevivesse um pouco mais, estava com meu tempo se esgotando. Até então eu tinha
como certo que uma hora ou outra eu teria alta, e depois disso Dalva ou Cassia teriam
que me tirar daquele inferno. Agora minha esperança se desfazia. Mesmo que eu saísse
da clínica, estaria doente. Quem acreditaria na história da maçã? Comecei a imaginar
com que doença eu estaria. Teria que ser algo que matasse com relativa rapidez, ou que
me anulasse rapidamente, comprometendo minha capacidade de raciocínio e
pensamento. Então não deveria ser AIDS ou sífilis, se é que se poderia contrair AIDS ou
sífilis deste modo. Imaginei que sofria de cisticercose, já que é uma doença sem cura e
que anula a inteligência do indivíduo, além de causar psicose e cegueira. Esta seria a
solução perfeita para meus algozes. Eu morreria psicótico e imbecilizado numa clínica
psiquiátrica.
***
Poucos dias depois de fazer com que eu comesse a tal maçã infectada, J. A. Abreu
despediu-se dos companheiros de enfermaria dizendo: “Meu trabalho aqui está
terminado”. O plano agora era fazer com que eu morresse internado na CREL. Sobre isso
José Alberto Abreu comentou: “O esquecimento é o maior castigo”
***
***
***
Ver alguém como realmente é, além dos papéis sociais que exerce, pode ser uma
experiência deliciosamente encantadora ou tragicamente perturbadora. Depende do que
encontrarmos sob as mascaras dessas pessoas. A experiência me mostrou que, pelo
menos numericamente, Satanás está vencendo a guerra.
A maioria das pessoas sabe fingir muito bem – quase o tempo todo. Elas
aparentam serem algo que não são. Falam em honestidade, e praticam a insídia; elogiam
a bondade e fazem o mal; aparentam ter conhecimento e são ignorantes; oram a Deus e
pagam o dízimo à Lúcifer. Quando o Cristo reinar sobre todos os povos da Terra, Ele terá
mais compaixão com Hitler do que com essa corja que oprime os filhos de Deus.
Como será quente o inferno dos maus! A dor que essa canalha terá será intensa e
eterna. Não os invejo nem um pouco por seu sucesso aparente. Eles não tem noção dos
sofrimentos que os aguardam. Tanto melhor. A surpresa deles será motivo de meu riso
franco e a persistência de seu sofrimento razão para minha satisfação. Meu paraíso será
eterno e a punição dos maus não terá limites.
A declaração sem máscaras do enfermeiro Joélio me fez rever os valores que havia
alimentado até então. De fato, eu, que havia sido fiel a minha esposa, estava preso como
esquizofrênico e desprezado por minha mulher, ao passo que o enfermeiro traía, gozava
de liberdade e tinha, presumivelmente, os favores das mulheres. A conclusão que se
segue é que o enaltecimento da fidelidade marital uma fraude. A sacralidade do conceito
de fidelidade conjugal é um artifício concebido por pessoas mesquinhas para fornecer
material de acusação contra os desafetos dos acusadores. Qualquer um que tenha um
parceiro sexual declarado único – e isto deixa de fora padres, tias solteironas e libertinos
– está sujeito a cometer adultério ou a ser vítima dele. Porém, quem tem juízo logo
compreende que o infeliz que põe sua confiança em outras pessoas é um maldito imbecil.
De fato, a Bíblia afirma: “infeliz do homem que põe sua confiança no homem”. Ninguém
tem o direito de exigir fidelidade de um cônjuge, pois não podemos controlar o
comportamento de outrem, quem quer que seja. Podemos, sim, ser fiéis por nossa própria
escolha e firmar um acordo com nossos parceiros para que a fidelidade seja recíproca.
Isso propiciaria mais segurança ao casal, evitando doenças venéreas e a conseqüente
contaminação da prole. Porém jamais tal fidelidade recíproca pode ser exigida. Ela tem
que ser sempre uma escolha da própria pessoa. Se não compreendemos isso, ficamos
furiosos ou depressivos ao descobrir uma traição, ou nos sentimos culpados ao trair.
Nenhum desses sentimentos – fúria, tristeza e culpa – é desejável. Se um marido
***
No ano de 2007 houve vários feriadões, e em cada um deles minha mãe veio me
visitar. Antes para fazer figura de boa mãe perante a sociedade que por amor, amizade ou
qualquer coisa do gênero.
Certa vez ela levou meu tio Pantaleão e sua filha Barbarela para me visitarem.
Soou como uma despedida. Algo como: “visitem ele agora que depois só no velório”. Foi
constrangedor ser apresentado como um animal no zoológico ao meu tio Pantaleão e à
minha prima Barbarela. Eles poderiam ter me tirado de lá, aconselhado minha mãe a me
tirar ou qualquer coisa assim. Nada fizeram, entretanto. A salvação é mesmo individual.
Não dá para contar com mãe, namorada, amigo nem com ninguém. As melhores pessoas
só podem contar consigo mesmas. E algumas vezes nem mesmo com elas podem contar,
mas somente com a misericórdia de Deus. Triste do homem que põe sua confiança no
homem – eis uma grande verdade.
***
Depois que J. A. Abreu foi embora minha situação melhorou muito. Consegui trocar
algumas coisas que eu tinha por um pequeno armário portátil. Passei a guardar meu livro
“Problems in Higher Mathematics” e demais objetos com mais segurança. Um outro
interno, chamado Dennis, observou meu modo de proceder enquanto eu resolvia algumas
questões de meu livro. Minha conduta digna me rendeu bons dividendos e fizemos
amizade. Ele me disse que não sabia quanto tempo ficaria ali e que gostaria de fazer algo
***
***
Dois irmãos negros e menores de idade foram internados na CREL. Seus nomes
eram Jobson e Juckson. Era um absurdo internarem menores de idade numa clínica barra
pesada como aquela. Mas aqueles irmãos não eram nada bobos e aparentavam saber se
defender. Ainda que sua mentalidade fosse adulta, seus corpos eram infantis e por isso
alegravam um pouco o ambiente.
Comecei a imaginar que eles poderiam ser usados para me matar. Eles eram
menores de idade e talvez a lei pesasse menos sobre eles. Se me matassem talvez
fossem para a FEBEM e sairiam em alguns anos, após alcançarem a maioridade legal.
Certa noite, enquanto eu tentava dormir, meus colegas decidiram jogar dominó na
cama ao lado. Juckson sentou em minha cama para jogar também, mas ele estava me
incomodando, não conseguia dormir com ele ali. Pedi para que saísse. “Se eu não sair
você vai fazer o que?”, perguntou Juckson desafiador. “Não vou fazer nada. Você é que
tem que sair”, respondi. “Você tá precisando tomar um comprimido de piruculina”,
continuou. Foi meu limite. Sentei-me na cama e disse: “Vou jogar também”. “Não dá. O
jogo já começou”, responderam meus amigos que jogavam. Então retruquei: “Vou jogar
no lugar do Juckson”. Na mesma hora Juckson saiu da minha cama. Ismael Silva disse
***
Internou-se na CREL um jovem chamado Cirilo. Ele tinha pele branca, cabelos
pretos, compridos e desgrenhados. Sua família levava várias coisas para ele: livros, tortas
salgadas e doces, remédios caros de última geração, quentinhas com comida de boa
qualidade etc. Internara-se na CREL após ter passado várias noites em claro,
drogando-se. Apesar de ser avesso ao uso de qualquer tipo de droga, lícita ou ilícita, fiz
uma boa amizade com ele. Muitas vezes Cirilo repartiu comigo as refeições e tortas que a
família lhe trouxera. Acabamos nos aproximando por sermos de classes sociais mais
elevadas. Isso fazia com que tivéssemos preocupações em comum, como a faculdade, o
estudo, a família etc.
É claro que Caú não via nossa amizade com bons olhos, pois ela representava
uma ameaça à conspiração que ocorria. E se o trato de Caú com José Alberto Abreu
fosse descoberto? Se Cirilo resolvesse me ajudar a sair da clínica eu poderia denunciar
todo esquema e trazer a baila a conspiração. Ou poderia vingar-me de Caú pelas
humilhações freqüentes que ele me infligia.
O must da clínica era o café com pão servido à noite. Entrávamos numa fila
comprida e modorrenta para a última refeição do dia. O cozinheiro distribuía o lanche
dizendo: “Vamos lá! Vamos lá! A fila anda e a catraca gira!” O pão era sempre servido
puro, sem manteiga ou qualquer coisa do gênero. Nossas refeições não eram humildes,
mas sim humilhantes. Alguns internos comentavam que a lavagem dada aos porcos era
melhor que a comida da CREL. Se essa afirmação partisse de algum playboy, algum
afortunado de classe média ou filhinho de papai, seria vista como um exagero de alguém
Cirilo me contou que sua avó era tão rica que comprou o terreno para que se
construísse a igreja da cidade. Ele viera de família endinheirada e tradicional, mas seu
futuro era incerto. Meteu-se com drogas, como o êxtase e fazia uso rotineiro de
antipsicóticos. A idéia que ele tinha de ficar de cara limpa era parar de usar drogas
sintéticas. Seu trabalho era uma fachada para encobrir uma vida desregrada e a
faculdade que cursava – Ciências Ambientais – servia para nutrir a expectativa da
pretensa intelectualidade que a sociedade exigia.
Certo dia Cirilo disse que dois internos haviam sido pegos comendo outro que era
retardado mental. Foi um na boca e o outro por trás, segundo fiquei sabendo. “Foi nessa
enfermaria aí”, disse Cirilo. “Peraí, essa é minha enfermaria! Como é que não vi nada?”,
questionei. Fiquei sabendo que o incidente havia sido no banheiro, pela manhã, quando
eu provavelmente estava dormindo. Os envolvidos foram punidos com uma injeção de
haloperidol que os manteve dopados por várias horas na cama.
Eu estava sem manter relações sexuais já há 7 meses, desde que haviam me
internado em Santa Serafina. É preciso coragem para admitir que há situações em que
coisas bastante distantes de nosso modo de agir nos passam na cabeça. Comecei a
sentir falta de uma boa trepada. Queria sentir que estava no controle, dominando algo ou
alguém. Sabendo que o tal oligofrênico havia sido possuído, imaginei, por alguns
momentos apenas, que eu também poderia violentá-lo. Não devia ser muito difícil. Eu o
cercaria no banheiro, exigindo que me servisse. Então o penetraria com força, sádica e
impiedosamente, falando coisas feias. Provavelmente ele facilitaria tudo, por já ter feito
isso antes e por ser um imbecil. Recusei tal coisa, entretanto, pois ainda me restava
algum orgulho de ser heterossexual e de contrariar as expectativas de meus detratores.
Além disso, Geraldo tomara para si a responsabilidade de cuidar do tal retardado, zelando
por seu bem estar. Eu não gostaria de entrar em atrito com Geraldo, nem de ser mal visto
pelos meus outros companheiros de enfermaria. Seria impossível esconder tal fato dos
demais internos.
***
***
***
Deus quis que eu fosse liberto. E foi numa manhã de sol que me chamaram,
dizendo a mim que arrumasse meus pertences. Caú me pareceu ficar levemente tenso.
Ele disse: “Se eu não te levar lá fora você não sai não”. Enquanto arrumava minhas
coisas para sair e perto do portão do pavilhão 2, recebi as felicitações de meus
companheiros de internação. Inclusive os cumprimentos respeitosos de Juca Pezão e de
Fiel (Fiel era um interno jovem, branco, boa pinta e que estava sempre ouvindo a Banda
***
***
Assim que pus os pés fora da CREL quis ir para Araruama, para o apartamento de
minha mãe. Mas Cassia pensava diferente. Como eu relutei em voltar com ela para Santa
Maria, Cassia chamou um policial militar que estava próximo e ameaçou mandar o PM me
levar de volta a clínica caso eu a desobedecesse. O PM confirmou que se eu não a
obedecesse ele me levaria de volta para a CREL. Fiquei indignado. Eu me tornara um
escravo das vontades fúteis de minha própria mulher. Argumentei que haviam pessoas
que queriam me matar, e que por isso Santa Maria não era um lugar seguro para mim.
Cassia retorquiu, dizendo que se isso fosse verdade eu já estaria morto, já que em Bom
Jesus havia matadores cobrando a irrisória quantia de R$50,00 para mandar alguém para
***
Após deixar a CREL, fomos para a casa Dona Núcia, minha sogra. Uma das
primeiras coisas que fiz foi ir a uma Lan House buscar informações sobre a cisticercose.
Descobri que o tempo entre a ingesta dos ovos de tênia e o aparecimento dos sintomas,
poderia ser de 15 dias ou 40 anos. Alguns casos de cisticercose poderiam ser sanados
por cirurgia, mas nem todos. Alguns dos sintomas eram psicose, demência, cegueira e
sono em excesso. Também descobri na Lan House que o vermífugo praziquantel era o
mais indicado para evitar a cisticercose. Ele era comercializado com o nome de Cestox.
Eu teria que agir rapidamente se quisesse sobreviver.
Procurei o Cestox na farmácia de Santa Maria, mas não o encontrei lá. Também
estava complicado marcar uma consulta com o médico para que ele me avaliasse e
sugerisse um tratamento. As consultas seriam em Campos ou em Bom Jesus, mas minha
esposa Cassia Cristina não poderia me acompanhar. Ela estava mais preocupada em
farrear, encontrar-se com seu amante e cuidar de um bar do qual havia se tornado sócia.
Passava o dia todo na rua.
Por outro lado, eu não conhecia nem Bom Jesus nem Campos dos Goytacazes. E
dopado do jeito que me encontrava, não seria possível ir às consultas nessas cidades.
Era uma sinuca de bico.
***
Neste ínterim percebi algo que já ocorria há algum tempo, mas que julgara
erroneamente ser coincidência ou efeito adverso do Haloperidol ou do Clonazepam. Que
as pessoas de poder influenciam populações através da TV, é fato conhecido e já bem
aceito. A grande novidade é que pessoas influentes podem, também, alterar a
programação da TV pontualmente, fazendo com que apenas um número pequeno de
***
Percebi que teria que fugir. Caso contrário me mandariam, mais cedo ou mais
tarde, novamente para a CREL. Além disso eu precisava me tratar, coisa que seria difícil
se continuasse em Santa Maria. Nos dias que se seguiram saí da casa de minha sogra e
voltei para a minha própria casa.
***
***
***
Pouco tempo depois recebi o telefonema da UNIMED dizendo que eu não poderia
pedir nenhum tipo de auxílio telefônico a eles, já que meu plano de saúde era de Niterói e
eu estava em Araruama. Achei isso muito estranho. Porque se importariam em ligar para
mim? E porque eu não poderia ter o auxílio médico pelo telefone? Aquilo não fazia
sentido.
***
Fiquei cerca de um mês em Araruama. Mas lá não era meu lugar e os donos do
apartamento me lembravam disso com freqüência, dizendo: “Você não está na sua casa”.
Não me sentia bem com isso. Quem se sentiria? Ao mesmo tempo Dalva dificultava
minha ida para Niterói. Ela se negava a me dar as chaves de casa, tanto as de Araruama
quanto as de Niterói. Meu irmão tinha as chaves do apartamento, presumivelmente.
Porque eu também não podia ter?
Decidi pegar meu dinheiro no Banco do Brasil e voltar para Niterói. Descobri que
ela sacara parte de minha pensão para uso próprio. Então pedi meu cartão do Banco do
Brasil de volta, para que eu pudesse voltar para Niterói e pagar minhas próprias contas.
Ela me devolveu o cartão e eu peguei o ônibus para Niterói. Mas não sem antes ouvir ela
***
A viagem para Niterói foi tranqüila. Não identifiquei agentes no meu encalço.
Uma imobiliária estava com as chaves de minha residência, a fim de alugá-la. Ao
chegar no terminal rodoviário, liguei para Dalva e pedi que ela entrasse em contato com a
imobiliária para que eles me dessem a chave de minha casa. Ela se negou
categoricamente.
Fui até a imobiliária e expliquei a situação. Eles pediram que eu assinasse um
documento para reaver a chave. Foi fácil. Então fui para casa.
Ao chegar lá deparei com o cenário já aguardado. Não havia móveis nem
lâmpadas, os interruptores não funcionavam e a casa estava muito suja.
No primeiro dia comprei um colchão, coberta e lâmpadas. Depois tudo começou a
ficar mais fácil. Eu ia me arrumando aos poucos, afinal, tinha o dinheiro da pensão.
Pouco tempo depois reatei meu relacionamento com Cassia, que estava carente,
isto é, sem dinheiro. Eu precisava dela, havia muitas coisas minhas em Santa Maria
ainda: livros, computador, documentos etc. Banquei o estrategista e aceitei ela de volta.
***
Desde que cheguei a Niterói passei a denunciar o assassinato de Alberto, mas sem
nenhum sucesso. Fui a polícia federal e eles alegaram que não investigavam homicídios e
me sugeriram ir à polícia civil. Foi o que fiz. Fui à 77ª DP na rua Lemos cunha, perto de
onde moro, e eles falaram que a denúncia teria que ser feita no local onde ocorreu o
crime. Mas isto foi em São Gonçalo – um lugar notoriamente perigoso, onde grassa a
criminalidade. Seria muito fácil para meus oponentes me matarem a distância e dizer que
foi bala perdida. Ou até mesmo simular um assalto. Ninguém ia estranhar ou se
incomodar muito com uma morte lá por aquelas bandas. Já em Icaraí, onde moro, área
nobre de uma cidade nobre, um crime dessa natureza poderia fazer os empreiteiros e
construtores terem um grande prejuízo. Haveria uma desvalorização dos terrenos o que
não combinaria com a atual onda de exploração imobiliária nessa região. Afinal, ninguém
quer morar numa área onde há homicídios.
***
***
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Nos dias que se seguiram, continuei não tendo êxito em tentar fazer a denúncia na
polícia. Recorri ao Orkut, então. Postei o que sabia em algumas comunidades. Postei a
denúncia numa comunidade que reunia a polícia de São Paulo e também em outra que
tinha exatamente essa finalidade: fazer denúncias. Expus o caso aos amigos da
comunidade “Entender a Esquizofrenia”. Nesta última, me disseram: “Mortos não falam”,
acho que isso assustou alguns participantes, mas eu já tinha me acostumado com este
tipo de coisa. A idéia da morte já não me assustava tanto. Na comunidade de policiais
minha denúncia foi muito mal recebida. Inclusive com uma ameaça de morte postada na
minha página de recados. Dei queixa desta ameaça na 77ªDP, que repassou o caso para
a DRCI – Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, localizada na cidade do Rio
de Janeiro.
“Possivelmente, grampearam meu telefone. Talvez forjem gravações com minha voz a
partir de trechos gravados de conversas minhas ao telefone. Aí eles podem “remendar”
minhas falas e exibir na TV como se eu tivesse falado coisas absurdas, cometido crimes
etc. Meu celular e meu telefone não são mais seguros. Possivelmente eles estão
gravando minhas conversas. Parece-me que o orelhão próximo ao Cardiocentro também
está sendo vigiado. Existem pessoas estranhas rondando as proximidades.
Falei com Waldemar, do prédio da Nem de Sá 409, sobre o Esquemão. Perguntei a ele se
poderia ficar com uma cópia do dossiê, ele disse que não. O Maurício Martins, irmão de
um antigo amigo meu da UFF, Martin, tem uma cópia do dossiê, mas parece que está
com medo. Vou tentar divulgar, para minha própria segurança.”
10/03/2008 – Segunda-feira
“Hoje tive uma consulta com Cacilda Cabrita Gondola. Marcius Marmota Morta, o
terapeuta ocupacional, participou da consulta, a pedido de Cacilda. Estão preocupados.
Querem que eu me interne em Jujuba. Eu concordei que um tal de Muniz fosse me buscar
amanhã para que fôssemos ao hospital de Jujuba para uma avaliação. Foi meio forçação
de barra. É lógico que é uma armadilha. Vou dispensá-lo em alto estilo. O tal de Muniz vai
sair “catando cavaco”, com “duas quentes e três fervendo” amanhã. Porém, tenho que
estar preparado para tudo, talvez ele venha com reforços.
Quando acabou a consulta, a chave de fenda que eu tinha sob a roupa, presa por uma fita
crepe, escorregou e caiu no chão. Eu a peguei rapidamente, não sei se Cacilda e Marcius
viram. Provavelmente, sim.
É claro que não pretendia ferir ninguém. Essa era uma simples medida de proteção. Eu
deveria ter me protegido mais, entretanto. Em vez disso achei que estivesse seguro e não
***
Quando o tal de Muniz me procurou em minha residência, fingi cooperar, mas não
fui com ele à Jujuba, claro.
Um dia, entretanto, fui à policlínica Sérgio Barrouca conversar com o psiquiatra
Ruiz Mérdio, que já me atendia há muitos anos. Sem fazer nenhuma pergunta nem me
examinar, ele passou uma recomendação para que eu fizesse uma avaliação no Hospital
Psiquiátrico de Jujuba. Isto não fazia sentido, pois ele mesmo poderia fazer essa
avaliação. Além disso o Hospital de Jujuba era só para casos de emergência, quando o
paciente está descontrolado, quebrando coisas, batendo em pessoas e esse não era o
meu caso. Um outro psiquiatra, que sequer me conhecia, reforçou o que Ruiz Mérdio
disse. Eu argumentei racional e pacientemente que meu caso não atendia aos requisitos
para uma internação em Jujuba, além do que, precisava falar com algum amigo de
confiança sobre isso, pois não me sentia em segurança naquela situação. Liguei de meu
celular para Pafuncio, um professor amigo que me orientava na publicação de meus
artigos. O telefone estava ocupado. Eles insistiram dizendo que a internação deveria
ocorrer imediatamente. Dois trogloditas chegaram numa ambulância do SAMU para me
levarem e me obrigaram a ir. Preferi não reagir, para mostrar que eu estava bem
consciente e que não era violento. Mas a questão passava longe da saúde mental.
Tratava-se de uma decisão política, pois claramente não havia necessidade de
internação.
Fui conduzido à Jujuba. Enquanto aguardava minha vez de ser atendido tentei
fazer uma ligação, mas o celular informava que não havia crédito. Isto era muito estranho,
pois era um pós-pago e há poucos minutos eu ligara para Pafuncio e o telefone estava
funcionando. É difícil explicar isso sem recorrer à idéia de uma conspiração envolvendo
empresas de telefonia celular. Ou isso, ou uma puta falta de sorte.
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Uma noite acordei com forte taquicardia. Fui até a enfermagem e medi por conta
própria minha pulsação. Em 15 segundos me coração bateu 38 vezes; quer dizer, o
número de batimentos por minuto era de 152. Disse isso à enfermeira e pedi a ela que
confirmasse por si mesma. Ela mediu meu pulso durante 1 minuto e disse que estava
normal, com cerca de 80 pulsações. Não havia nenhum meio de eu mostrar aos demais
que ela estava mentindo, pois ela se encontrava só no posto de enfermagem. Como eu
poderia provar o que dizia?
Numa outra ocasião diante, de forte taquicardia, à noite, pedi a outra enfermeira
que medisse minha pulsação e ela simplesmente se negou. A situação se repetiu uma
terceira vez, quando chamaram um “médico” que nem olhou para mim, simplesmente me
***
Recebi a visita de minha tia Hera Verão de Cantos algumas vezes. Certa vez ela
me trouxe duas maçãs. Eu as comi e logo depois minha garganta começou a pegar fogo,
como se estivesse querendo inflamar. Tive diarréia e depois de alguns dias minha
garganta ficou coçando por dentro. É claro que tinha algo na maçã. Pedi ao clínico para
fazer um exame de vermes e ele negou. Várias vezes pedi e várias vezes tal exame me
foi negado. Então pedi para que fosse ministrado em mim o praziquantel, um vermífugo
conhecido, pois eu desconfiava que a maçã estava batizada com ovos de tênia. Ele se
recusou e disse que teria que falar com minha mãe antes. Isso seria impossível,
entretanto, pois minha mãe vinha muito raramente no hospital e sequer residia na cidade
e ele, o médico, também não tinha um horário fixo para aparecer lá. Não dava para
combinar um encontro assim. Expliquei isso ao clínico e ele concordou em fazer os
exames se eu conseguisse um pedido para tal, assinado por minha mãe. Eu consegui o
pedido rubricado por minha mãe e mostrei a ele. Ele voltou a dizer que não poderia
ministrar o praziquantel sem falar com minha mãe. Fiquei sem remédio num hospital
psiquiátrico que é referência para o Brasil. Imaginem como é uma internação num hospital
ruim, então.
***
***
Desconfio que o Dr. Dimenos, meu psiquiatra em Jujuba, tenha recebido algum
suborno para me deixar tanto tempo internado. Fiquei mais de 4 meses detido, quando
haviam pessoas em situação bem pior que recebiam alta com duas ou três semanas.
Houve um sujeito, um pedófilo, que puxara uma peixeira ameaçando ferir outra pessoa.
Ele ficou menos de duas semanas internado. Não havia motivo para me manter tanto
tempo detido. Meu comportamento era ótimo e apesar de estar sendo claramente
injustiçado, não me rebelei, ainda que em certos momentos sentisse uma revolta muito
grande, que preferi não exteriorizar.
***
Uma noite acordei maravilhado. Tudo parecia muito bom. Até a morte. Cogitei fazer
uma declaração autorizando a retirada de meus órgãos em caso de morte. E eu sabia que
iria morrer, entretanto isto me pareceu, naquela noite, algo realmente muito bom. Eu
estava em êxtase, nunca havia me sentido daquele modo em minha vida. Era muito bom,
ou pelo menos eu pensei que fosse. Na noite seguinte acordei desnorteado, logo achei
que havia sido envenenado. Levantei-me, perdi o equilíbrio e caí no chão. Vi o chão ir e
voltar várias vezes, rápida e descontroladamente, diante de meus olhos. Não conseguia
me levantar. Estava claro que tinha sofrido algum tipo de intoxicação. Na noite posterior,
comecei a sentir uma raiva incomum, antes de dormir. Há dois anos não sentia uma raiva
tão forte. Posteriormente um interno que chamavam de Ariovaldo, e que claramente
trabalhava para a Abin, disse algo como: “Esse papo de que neguinho se vicia em crack e
não consegue mais parar e balela. Conversa de vagabundo safado. Sei de um caso que o
filho disse isso para o pai, que era militar. O pai respondeu: 'filho, vou te provar que você
***
Quando finalmente recebi alta estava acabado. Letárgico, sem vontade de fazer
nada. Dormia o dia todo e a noite toda. Só saída da cama para me alimentar. Fui a um
clínico geral de meu plano de saúde e ele me passou um hemograma completo, inclusive
com o teste para HIV. O HIV deu negativo, mas eu estava com hipotireoidismo, pelo
menos parecia que eu estava, pois o TSH se encontrava um pouco alto. Eu me sentia
péssimo, depressivo, envergonhado, pensando constantemente na morte. Minha mãe
disse que ficaria comigo, em minha casa, cuidando de mim. Em outra situação teria
recusado, por saber o escorpião que ela é. Mas do jeito que eu estava não havia saída.
Eu sabia que provavelmente estava infectado com HIV, apesar dos exames mostrarem
que não. Haviam agulhado meu pé a poucos dias, mas ninguém acreditava que eu
estivesse com AIDS. Quando chamei Cassia para voltar para mim, ela veio. Não resisti e
***
***
Passei a ser o fiel escudeiro de um interno conhecido como Dom Bosco, cujo nome
verdadeiro era João Bosco. Ele era puro e bom, alguém admirável. Tinha cerca de
sessenta anos e todos gostávamos dele. Eu o auxiliava em seu banho matutino todos os
dias. Ajudava-o a se enxugar e a se vestir, pois ele tinha dificuldade em fazer isso.
Fiz amizade com sua mãe. Ela levou um jogo de damas para João Bosco e me
pediu que tentasse fazer com que ele jogasse um pouco. Mas disse sobre o jogo: “Jogar
damas é bom, mas não pode comer para trás”, disse ela. “Como assim?”, perguntei, “nas
regras que usamos aqui no Brasil se pode fazer isso”, completei. “Não, comer para trás
não pode”, insistiu ela.
Fiquei assutado, com medo mesmo. E se abusassem de João Bosco em Jujuba?
Não. Não João Bosco. Para qualquer outro eu teria sido indiferente, mas não com aquele
meu amigo. Eu teria que ajudá-lo, tentar impedir que fizessem mal para ele. Saí de minha
enfermaria, uma das mais confortáveis, e fui para a de Dom Bosco. A única cama que
havia livre lá não tinha colchão, nem lençol tampouco travesseiro. Procurei em toda parte
um travesseiro, um colchão, um lençol. Ninguém tinha nada. Já de noite, sem opções, me
deitei sobre a armação de metal da cama, esperando que o sono chegasse e eu dormisse
logo. Tem gente que dorme até de pé nos presídios, porque eu não poderia dormir sem
um colchão? A noite seria longa, mas eu estava disposto a enfrentar a situação. Não
deixaria ninguém tocar em meu amigo.
Alguém mais consciente, entretanto, entendeu – sabe-se lá como – o que estava
***
Certa noite fui acordado por Josemil que conversava em tom tenebroso com outro
interno que eu ainda não conhecia. Eles conversavam num tom amedrontador. Logo achei
que este outro interno estava lá para matar-me. Percebi que falavam sobre mim e que
eles sabiam o que havia acontecido na Clínica Santa Serafina. “Podemos conversar?”,
perguntei a certa altura. “Não” foi a resposta categórica. A certa altura o cara que eu não
conhecia perguntou: “O doutor Fernão Ourique está bom para você?” como que me
incitando a buscar vingança. Dava a impressão de que ele queria tratar comigo que
apenas o Doutor Fernão Ourique Pinto Caia fosse punido pelo incidente na Clínica Santa
Serafina. Essa foi uma evidência clara de que ele era agente da Abin – de outro modo,
como saberia sobre o Dr. Fernão Ourique? Após o susto inicial, levantei-me, fui ao
banheiro e urinei de pé dizendo bem alto: “Eu estou determinado!”, como se quisesse
dizer que iria até onde fosse necessário para fazer justiça. No dia seguinte a psicóloga
Dábura nos apresentou o sujeito na reunião conhecida como “Bom dia”. Esse mesmo
infeliz me fez uma ameaça velada ao me passar a suposta conta da Igreja Mundial. O
número da conta era “BB 253 0280-02”. O “253” fazia menção ao telefone de um grande
amigo meu, o professor doutorado pela UFRJ Jorel Pafuncio Vilhana, da UFF, que me
orientou durante anos em minhas pesquisas em Matemática – o número telefônico dele
começava com “2553”. Escrevendo o “5” uma vez só em vez de duas, ficava “253”. O
bloco seguinte, “02”, fazia referência a Pafuncio e sua esposa (duas pessoas) que eram
***
***
Houve uma conversa que tive com o psiquiatra Dr. Dimenos em que ele toca na
questão do suborno. Ele questionou quanto eu poderia pagar para ter alta. Ele foi
suficientemente discreto para não justificar uma denúncia, mas se fez entender. A questão
era “quanto”. Das duas, uma: ou ele estava sendo pressionado para me manter internado,
ou estava recebendo dinheiro para isso. A segunda possibilidade me parece mais crível.
Fiquei chocado. Se um médico faz este tipo de coisa, que dirá um político ou um juiz! Não
é o desejo de ajudar as pessoas que motiva os estudantes de medicina, mas sim a
possibilidade de ter nas mãos a saúde de outras pessoas e poder decidir a quem ajudar,
conforme o tamanho da propina. Eu começava a entender as piadas sobre médicos,
como aquela em que um médico que acabara de morrer e estava diante das portas para o
paraíso dizia a São Pedro: “Deixe-me entrar! Eu só estava fazendo meu trabalho...”
Outro ponto é que o direito que todo paciente tem de ver seu prontuário me foi
negado várias vezes, pelo terapeuta ocupacional Marcius Marmota Morta, pelo psicólogo
Tohn e por duas enfermeiras. Pedi a todas essas pessoas para ver meu prontuário e elas
me negaram um direito que tenho por lei. Por conta dessa e de outras arbitrariedades
cheguei à conclusão de que a legislação é uma estória da carochinha. Não há
legitimidade nenhuma na legislação, do mesmo modo que não há legitimidade na
representação do povo no congresso nacional. A esmagadora maioria dos políticos
simplesmente acata as ordens do grande capital. A lei é uma ficção moral – um delírio
coletivo. Pelo menos por enquanto.
***
Conheci um sujeito chamado Marcelo Vimente em Jujuba. Por sinal, ele foi
internado um dia antes de mim. Pensei ter nele um aliado, um amigo. Estava enganado.
Marcelo recusou a comida de Jujuba e foi para o soro. Apesar desse mal comportamento,
recebeu licença e alta uns três meses antes de mim. Certa vez, quando ele estava
visitando o hospital pediu para que eu vigiasse uma maleta esverdeada que ele levava e
***
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Havia um interno com quem fiz uma boa amizade. O nome dele era Júlio Prático,
uma grande pessoa, um bom coração. Ele sofria de epilepsia e eu cheguei a presenciar
algumas de suas crises. Eu logo chamava os enfermeiros ou algum médico que estivesse
por perto. E estranhava que ninguém mais fizesse isso. Uma boa alma ele era. Pelo
menos foi o que me pareceu. Júlio Prático era paciente de Rildo Bonifascista.
Conversávamos eu, Júlio Prático e um outro interno, cujo nome esqueci, e que dizia não
saber ler nem escrever. Este outro interno era evangélico e mentia a respeito de ser
analfabeto, sabe-se lá com que intenção. “Eric, eu não tive quem me ensinasse as letras”,
lamentava-se numa farsa patética. Eu fingia acreditar, para não criar problemas. Certa vez
Júlio Prático apontou para uma letra “E” e perguntou a ele: “Que letra é essa?”, ao que o
infeliz responde: “Essa letra é o Ó”. Sim, fazia sentido, “E” de Eric e “O” de Otário. Esses
camaradas tiveram alta muito antes de mim. Havia outro interno chamado Ronaldo
Justoso, alto, branco, calvo, de barba e que ficava indo e voltando com as mãos num
movimento irritante e meio gay. Não falava com ninguém e ninguém falava com ele. Na
maioria das vezes que puxei assunto com ele, não tive resposta.
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Num dos primeiros dias de internação fiz a denúncia da morte de Alberto na porta
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Após reatar com Cassia, ela entrou em contato com o suposto Alberto, que ela
afirmava ser o mesmo Alberto que esteve na Clínica Santa Serafina, internado comigo.
Foi muito estranho o modo como ela conseguiu o telefone dele. Ela simplesmente ligou
para a Clínica Santa Serafina e pediu o telefone de Alberto. Eles não tinham obrigação
nenhuma de dar o número. Ao contrário, deveriam ter negado a informação para proteger
a privacidade do ex-paciente. Fizeram o contrário, e informaram o nome dele completo:
Alberto dos Mantos Gregório. Achei isso ainda mais estranho, já que o nome “Alberto
Mantos de Gregório” era justamente o nome de um grande amigo meu dos tempos de
adolescência (o nome completo desse meu amigo era “Carlos Alberto Mantos de
Gregório” - já me referi a ele antes). Acabei achando que esta era uma piada da Abin para
me confundir e mostrar que eles conhecem minha vida inteira. Cassia foi ao trabalho
deste Alberto e bateu duas fotos dele, mas não ficaram muito boas as imagens, pois as
fotos foram batidas meio de longe. Se Alberto estivesse vivo, meu principal argumento
para demonstrar o interesse que a Abin tem de me matar cairia por terra. Porque os
meganhas da Abin estariam no meu encalço, então? Que motivos teriam? Duas coisas
estão claras: o poder comunga com o poder e o poder quer minha morte.
Acredito que minha conquista da sétima colocação na Olimpíada Iberoamericana
de Matematica Universitária em 2006 foi o motivo para a perseguição que estou sofrendo.
07/11/2008
Fui ao Proderj, afinal, local de trabalho de Alberto. É mesmo o Alberto que trabalha
lá, ele está vivo. Ele me disse que havia tido uma crise na noite em que o vi caído no
chão, devido a alta ingesta de água com conseqüente baixa do sódio no organismo. Mas
***
Nessa época chegou à Casa de Saúde Santo Moran uma uma garota chamada
Samantha. Branca, sapeca, ousada – tinha 21 anos e se vestia de modo provocante, com
shorts que realçavam suas curvas. O papo dela era insinuante. Ela dizia coisas como “Eu
fiz massagem mas mereço respeito”. Procurei me aproximar dela, manifestei interesse.
Tudo que ela queria eu fazia uma forcinha para conseguir. Samantha gostava de jogar
dominó e eu sempre jogava com ela.
Certa noite, no dia 15/01/2009 aproximadamente às 22:00, estávamos jogando
xadrez (eu a estava ensinando) quando ela disse: “Posso de perguntar uma coisa?”,
“Claro! O que é?”, disse eu. “Não, nada, respondeu ela”. Continuamos a aula e então ela
tomou coragem e disse: “Eu quero te dar um beijo!”. Eu enlouqueci. Levantei-me, nos
beijamos, ela mordia meus beiços, eu metia a língua em sua boca molhada. Ela pôs
minha mão sobre seus seios, que passei a acariciar. Foi ótimo.
Isso nunca acontecera comigo – uma garota dar um mole desses para mim. O mais
perto que eu chegara disso foi com minha esposa Cassia Cristina.
Mas ficamos nisso. Somente outra vez a cerquei na escada roubando um beijo. Ela
me disse “Acabou”.
Eu beijei Samantha como nunca tinha beiijado alguém antes.
Segundo suas próprias palavras ela era uma drogadicta. Com aquela mulher de 21
anos aprendi o que é o amor entre duas pessoas descoladas. Passei a acreditar mais no
meu potencial de atrair mulheres.
***
No Brasil muitas pessoas estão sendo mantidas em cárcere sem que tenham cometido
crime algum. Alega-se que se tratam de doentes mentais, quando na verdade essas
pessoas não tem doença alguma, excetuando as doenças causadas pelas próprias
***
***
Porque o banco quando empresta dinheiro exerce seu papel social legítimo
permanecendo dentro da lei e o particular que empresta dinheiro a juros é taxado de
***
Como no filme Falcão – meninos do tráfico, digo: não sou mais nem menos que
ninguém. Se me matam hoje, nascem três, sete, dez para fazer o meu trabalho, levar
minha palavra. Sou um veículo que Deus encontrou para dizer o que digo, para pensar o
que penso, para fazer o que faço. Cada um de nós é assim. Ninguém é melhor ou pior.
Fazemos a cada instante o melhor para nós mesmos, ou pelo menos o melhor que nossa
mente concebe. Se eu morrer hoje, tenho a esperança da vida eterna num mundo
democrático, amoroso e bom que venha a ajudar a construir para meus filhos e netos.
Tenho a certeza de deixar boas obras, enquanto meu coração disser sim para Deus e
para o Bem. Na medida em que acredito que fazer o bem vale a pena, passo a significar
mais para a eternidade e para as pessoas que amo e que virei a amar. Luto pela
liberdade, pela democracia verdadeira, pela justiça. Minhas palavras encontraram voz na
minha voz; sou a imagem dos sentimentos que carrego em meu coração e que
escolheram minhas mãos para renascerem como atitudes e ações. Em mim não há
apenas um, nem dois. Sou outro Yoñlu: tenho o anseio de ser vários e a necessidade de
ser único. Não vou me matar se não conseguir. Sei que esse é não é o caminho. Não me