Modernismo Na Literatura Brasileira PDF
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2009
Elaine Cuencas Santos
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ISBN: 978-85-387-0741-7
CDD 709.04
Oswald de Andrade.................................................................. 37
Biografia......................................................................................................................................... 37
Oswald romancista.................................................................................................................... 38
Oswald poeta............................................................................................................................... 39
Mário de Andrade..................................................................... 51
Macunaíma e a renovação da linguagem literária......................................................... 53
Manuel Bandeira........................................................................ 71
Vida que podia ter sido............................................................................................................ 71
Libertinagem................................................................................................................................. 74
Graciliano Ramos.....................................................................155
Prefeito, educador e escritor................................................................................................155
Com as mesmas vinte palavras...........................................................................................157
Caetés............................................................................................................................................158
São Bernardo..............................................................................................................................158
Vidas Secas..................................................................................................................................160
Memórias do Cárcere................................................................................................................162
Clarice Lispector......................................................................193
A ação interior...........................................................................................................................194
A Hora da Estrela........................................................................................................................198
Poesia concreta........................................................................237
O grupo Noigandres................................................................................................................237
A poesia concreta: rock’n’roll da poesia?.........................................................................238
O contexto..................................................................................................................................240
As propostas...............................................................................................................................241
Re-visões e traduções.............................................................................................................251
Gabarito......................................................................................259
Referências.................................................................................271
Anotações..................................................................................279
Frederico Barbosa
Futurismo;
Expressionismo;
Cubismo;
Dadaísmo;
Surrealismo.
Futurismo
O Futurismo tem como marco inicial a publicação do Manifesto do Futurismo, de
Filippo Tommaso Marinetti. Com raízes fortemente italianas, o Futurismo era ufanis-
ta, antipassadista e exaltava a tecnologia, a modernidade e a guerra. “Nós declara-
mos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da
velocidade” (MARINETTI, 1909). Aos poucos, o Futurismo aproximou-se muito do fas-
cismo italiano de Mussolini, sendo até considerado sua expressão artística. Além de
Marinetti, alguns expoentes do Futurismo foram os poetas Paolo Buzzi e Cavacchioli,
os pintores Russolo e Carrá, o arquiteto Antônio Sant’Elia e o músico Bailla Pratella.
Expressionismo
Ao contrário do Futurismo, o Expressionismo nunca foi um movimento organi-
zado e nem se autodenominava dessa maneira. Seus principais nomes surgiram
na Alemanha e entre seus temas estavam a decadência do mundo burguês e ca-
pitalista, a denúncia de um universo em crise e a sensação de impotência frente
a “um mundo sem alma”. Os expressionistas utilizavam visões negativistas, a inte-
rioridade do “eu”, a deformação do mundo e a busca pelo absoluto. Um trecho do
único manifesto da poesia expressionista, de Kasimir Edschmid (1918) diz:
Assim o universo total do artista expressionista torna-se visão. Ele não vê, mas percebe. Ele
não descreve, acumula vivências. Ele não reproduz, ele estrutura (gestaltet). Ele não colhe, ele
procura. Agora não existe mais a cadeia dos fatos: fábricas, casas, doença, prostitutas, gritaria e
fome. Agora existe a visão disso. Os fatos têm significado somente até o ponto em que a mão
do artista os atravessa para agarrar o que se encontra além deles.
Cubismo
O Cubismo surgiu primeiro na pintura. Em 1905, Apollinaire conheceu Picas-
so. Em 1909, o movimento cubista já se destacava nas artes plásticas. Na literatu-
ra, o primeiro manifesto dessa tendência apareceu em 1913, escrito por Apolli-
naire. Em contraste com os futuristas, os cubistas combinavam a destruição da
estética clássica com a construção de um novo modo de representar o mundo.
Suas principais características na literatura eram o ilogismo, a simultaneidade, o
instantaneísmo e o humor. Em um artigo de 1913, Apollinaire afirmava:
Os grandes poetas e os grandes artistas têm por função social remover continuamente a
aparência que reveste a natureza, aos olhos dos homens. Sem os poetas, sem os artistas, os
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homens aborrecer-se-iam depressa com a monotonia natural. A ideia sublime que eles têm do
universo cairia com vertiginosa rapidez. A ordem, que aparece na natureza e que não é senão
um efeito da arte, logo se evaporaria. Tudo se desmancharia no caos.
Dadaísmo
Dentre todos os movimentos de vanguarda, o Dadaísmo foi o mais radical.
Nascido em 1916, em um café em Zurique, na Suíça, um dos únicos lugares segu-
ros na Europa durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), seus fundadores
eram cinco refugiados pacifistas revoltados com a situação social da Europa. O
Dadaísmo lançava-se contra todos os valores culturais, atacando todas as con-
venções e formas e combinando a ironia ácida com o nonsense e a visão infan-
til. Hugo Ball, um dos fundadores do movimento, escrevendo um verbete para
um dicionário alemão, definiu o dadaísta como um “homem infantil, quixotesco,
ocupado com os jogos de palavras e com as figuras gramaticais”. As obras da-
daístas caracterizavam-se pela improvisação, pela desordem, pela percepção e
pela negação de qualquer tipo de equilíbrio de formas, ideias ou sentimentos.
Em seu Manifesto Dadá, de 1918, Tristan Tzara, líder do movimento, afirmou:
Eu redijo um manifesto e não quero nada, eu digo portanto certas coisas e sou por princípio
contra os manifestos, como sou também contra os princípios [...] dadá não significa nada [...]
Eu sou contra os sistemas, o mais aceitável dos sistemas é aquele que tem por princípio não
ter princípio nenhum...
Surrealismo
Cronologicamente, o Surrealismo foi o último movimento das vanguardas
europeias. Com raízes no Expressionismo alemão e a redescoberta de autores
como Sade, Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé, utilizava as teorias de Freud e do
marxismo para tentar enxergar o homem livre de suas ligações psicológicas e
culturais. Apoiados no desenvolvimento da psicologia, nas experiências com o
sono hipnótico, no método da escrita automática e no pensamento falado, os
surrealistas procuravam explorar o inconsciente humano e o sonho. Em seu pri-
meiro manifesto, de 1924, Breton escreveu:
Eu o defino, portanto, de uma vez por todas: surrealismo, s. m. Automatismo psíquico pelo
qual alguém se propõe a exprimir seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra
maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo
controle exercido pela razão, fora de qualquer preocupação estética ou moral.
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Poesia de vanguarda
Apollinaire
Guillaume Apollinaire nasceu em Roma, em 1880, e morreu em Paris, em
1918. Filho de pai italiano e mãe polonesa, mudou-se para Paris em 1899. Ali
se integrou à vida cultural francesa e conheceu Picasso e Max Jacob. Sua poesia
tentou romper com as estruturas tradicionais da linguagem, criando formas po-
éticas revolucionárias capazes de criar realidades surpreendentes. Seus caligra-
mas, poemas visuais cubistas, publicados em 1918, foram parte desse projeto.
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Tristan Tzara
O Dadaísmo foi o mais extremo movimento de vanguarda. Os poetas dada-
ístas negaram e destruíram a tudo: a rima, o ritmo e sobretudo o significado
lógico. Por exemplo, os dadaístas compunham seus poemas recolhendo re-
cortes de jornais a esmo e colando-os um após o outro. Com isso, desejavam
atacar o discurso racional que, segundo eles, havia levado à Primeira Guerra
Mundial, que o mundo sofria na época. O fundador do Dadaísmo foi Tristan
Tzara (1896-1963), de origem romena, que publicou seu Manifesto Dadá em
1918.
André Breton
Nasceu na região francesa da Normandia, em 1896, e morreu em Paris, em
1966. Fundador do Surrealismo, ele defendia a ideia de que na mente humana
há uma vida interior que age por si mesma, sem que possamos intervir, e que
na composição poética ela deve manifestar-se sem obstáculos. Muito influen-
ciado por Sigmund Freud, Breton praticou a escrita automática, escrevendo as
palavras e imagens que lhe ocorriam livremente à consciência, tal como ocorre
quando sonhamos. Publicou Os Passos Perdidos (1924), O Surrealismo e a Pintura
(1928), Fata Morgana (1942) e a Arte Mágica (1957).
Aragon e Éluard
Louis Aragon nasceu em Paris, em 1897, e morreu na mesma cidade, em 1982.
Junto com Breton e Éluard, foi um dos fundadores do Surrealismo e suas ideias
sobre esse movimento apareceram em seus livros de poemas Fogo de Gozo
(1920), O Movimento Perpétuo (1926) e A Grande Alegria (1929).
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Giuseppe Ungaretti
Nascido em Alexandria, em 1888, e falecido em Milão, em 1970, Ungaretti foi
uma das principais figuras da chamada poesia hermética. Caracterizou-se pela
brevidade e pela simplicidade expressiva, como reação à grandiloquente e pom-
posa retórica fascista da época. Escreveu Alegria do Naufrágio (1919) e Sentimen-
to do Tempo (1933). Depois da morte de seu filho, publicou A Dor (1947).
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Eliot influenciou toda uma geração de poetas de grande valor, como Robert
Graves (1895-1985) e W. H. Auden (1907-1973). e. e. cummings.
Outros poetas da vanguarda alemã foram Georg Trakl (1887-1914), que em seus
versos expressou como poucos a angústia perante a morte, e morreu em combate
na Primeira Guerra Mundial; Stefan George (1868-1923) e Hugo von Hofmannsthal
(1874-1929).
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Narrativa de vanguarda
A narrativa do princípio do século XX pautou-se por dois princípios básicos:
a inovação estética e a representação de uma realidade sociopolítica cruel. Este
último aspecto marcou o mundo da cultura na Europa no período entre as duas
guerras mundiais e dificilmente poderia ausentar-se da arte, muito menos da
literatura. Frente a essa destruição, levantou-se uma nova estética, oposta a tudo
o que a precedeu. No terreno narrativo, duas correntes de pensamento se so-
bressaem: o Existencialismo e o Marxismo. Ambas iriam prevalecer depois da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
As vanguardas na Itália
É na Itália que aparece o primeiro grupo vanguardista europeu: o Futurismo.
Seu representante máximo foi Marinetti (1876-1944), cujo primeiro manifesto
data de 1909. Segundo Marinetti, entre as inovações formais da literatura futu-
rista devem estar:
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Marcel Proust
O romance de vanguarda teve na França um precursor indiscutível: Marcel
Proust, cuja obra se enquadra na linha do Simbolismo realista. Proust tentou
fazer da literatura uma confidência pessoal e um meio de expressão global da
experiência do homem no mundo. Seu primeiro romance foi Os Prazeres e os
Dias (1896). De 1895 a 1905, escreveu sua extensa obra Jean Santeuil, publicada
em 1952. Em 1910, começou a trabalhar em uma das obras mais importantes
do século XX, Em Busca do Tempo Perdido (1913-1927), que, com seu poder de
penetração nas profundezas da memória e da psicologia humana, e suas frases
longas e musicais, marcou definitivamente toda a literatura posterior.
Franz Kafka
O escritor de língua alemã mais importante deste período foi Franz Kafka
(1883-1924), de ascendência judaica, nascido em Praga (na então Tchecoslo-
váquia), mas de formação germânica. Em 1906, concluiu seus estudos e pouco
depois foi trabalhar em uma companhia de seguros, ocupação que manteve
até 1922, e que fez dele um deprimido funcionário de escritório, buscando
ansiosamente uma maneira de se dedicar à sua vocação literária. Em sua obra
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James Joyce
James Joyce (1882-1941) foi o escritor mais importante da língua inglesa nos
primeiros anos do século XX, trazendo para a literatura a autoconsciência da lin-
guagem e a captação do subconsciente. Retratou, de forma complexa, a realidade
cotidiana da Dublin da sua infância e juventude. Em 1914, publicou seu livro de
contos Dublinenses. Em 1916, o romance Retrato do Artista quando Jovem, verda-
deiro prólogo à sua obra mais representativa: Ulisses (1922), epopeia que transcor-
re ao longo de um único dia da vida de Leopold Bloom. Esse romance se estrutura
a partir de complexas técnicas narrativas como o monólogo interior e as tramas si-
multâneas. Sua última obra é Finnegans Wake, que foi publicada aos poucos, como
um work in progress “obra em andamento”, e teve edição integral em 1939. Nesse
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Virginia Woolf
Virginia Woolf (1882-1941) se dedicou a investigar o transcorrer do tempo e a
situação da mulher. Em O Quarto de Jacob (1922), narra a vida de um rapaz desde
a infância até sua morte no campo de batalha. Mrs. Dalloway (1925) e Ao Farol
(1927) são dois importantes romances em que Virginia Woolf investe menos na
ação ou na intriga e mais em uma reflexão sobre a profundidade da consciência.
Também se destaca As Ondas (1931), e em Orlando (1929), a ambiguidade sexual
da personagem central perdura durante séculos.
D. H. Lawrence
David Herbert Lawrence (1885-1930) retratou duramente o convencionalis-
mo da moral burguesa e puritana inglesa. Suas obras de alto conteúdo sexual
sofreram processos e condenações judiciais. Destacam-se Filhos e Amantes
(1913) e O Amante de Lady Chatterley (1928). Lawrence foi pouco a pouco se
distanciando de um mundo que não suportava, dominado pelo puritanismo, a
moral burguesa e a industrialização. Fez da literatura uma experiência solitária
e pessoal, que transformou em um grito dirigido aos seres humanos de quem
se havia distanciado.
Gertrude Stein
Nascida na Pensilvânia, Gertrude Stein (1874-1946) se mudou para Paris em 1902,
tornando-se grande colecionadora de arte e amiga de artistas como Cézanne e Picas-
so, que pintariam retratos seus. A casa em que morava com Alice B. Toklas na rue de
Fleurus tornou-se um dos pontos de encontro favoritos de pintores e escritores de
vanguarda de todas as nacionalidades. Sua prosa revolucionária, próxima da poesia,
constrói-se por meio de repetições constantes e o abandono de todas as convenções,
inclusive as gramaticais. Destacam-se seu livro de contos Três Vidas (1909), Tender But-
tons (1914), e The Making of the Americans (1925). O retrato mais vibrante da Paris do
início do século foi pintado por Stein no livro Autobiografia de Alice B. Toklas (1933), em
que escreve a “autobiografia” de sua companheira e retrata a vida de ambas e de seus
amigos pintores e escritores, como Picasso, Matisse, Apollinaire e Hemingway.
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Antecedentes do Modernismo
Durante as duas primeiras décadas do século XX, período que se convencio-
nou chamar de pré-modernista, as ideias das vanguardas modernistas europeias
começaram a penetrar na arte brasileira. Além dos aspectos antecipatórios das
obras dos pré-modernistas, como o Expressionismo e o Prosaísmo de Augusto
dos Anjos, a linguagem coloquial de Lima Barreto e a análise crítica da realidade
brasileira levada a cabo por Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Graça Aranha,
manifestações já propriamente modernistas começaram a ocorrer.
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Grupos e movimentos
Após a Semana de Arte Moderna, surgiram no Brasil diversos grupos que pro-
curavam, cada um a seu modo, difundir a arte moderna. Alguns logo se desta-
caram pelo feroz antagonismo. Os movimentos Pau-Brasil (1925) e Antropofagia
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(1928) foram criados por Oswald de Andrade e reuniam jovens como Raul Bopp
e Antônio de Alcântara Machado.
Os dois grupos (um que dialogava com a cultura estrangeira e outro que a
repudiava) só poderiam se confrontar. “Verde e amarelo dá azul? Não, dá azar” –
publicou a Revista de Antropofagia.
As revistas modernistas
Os modernistas se agrupavam em torno de publicações. A primeira revista
modernista no Brasil apareceu em São Paulo: a Klaxon (1922), de projeto gráfico
inovador e contando com as colaborações, entre outros, de Mário de Andrade,
Guilherme de Almeida e Manuel Bandeira.
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Texto complementar
Manifesto Antropófago
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O instinto Caraíba.
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Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju
Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?
Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização
que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.
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No matriarcado de Pindorama.
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Oswald De Andrade
Em Piratininga
Estudos literários
1. Leia o texto abaixo e responda à questão.
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5. Nós queremos cantar o homem que está na direção, cuja haste ideal
atravessa a Terra, arremessada sobre o circuito de sua órbita.
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Os sapos
Manuel Bandeira
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“Os sapos” faz uma analogia com a poesia da época em que foi escrito. Qual o
conflito retratado no poema?
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Biografia
Nasceu e morreu em São Paulo. Poucos, entre estes dois momentos,
agitaram tanto, mudaram tanto e, no entanto, foram tão desprezados.
Rico e comunista, perdeu a fortuna, em parte graças à quebra da Bolsa de
Valores de Nova York (1929), em parte por seu desregramento. Casou-se
seis vezes. Criou movimentos vários, e viu, no final da vida, o seu sonhado
Modernismo triunfar, enquanto ele, seu maior defensor, era esquecido e
relegado ao papel de mero incendiário irresponsável. Arrogante e gene-
roso, Oswald de Andrade é uma das figuras mais contraditórias, ricas e
fascinantes da literatura brasileira. Além de seu papel primordial na divul-
gação do Modernismo no Brasil, Oswald de Andrade deixou uma obra ex-
tensa, composta por ensaios de estética e política, manifestos, memórias
e, acima de tudo, seus poemas e romances inovadores.
Oswald romancista
Entre os romances, destacam-se Memórias Sentimentais de João Miramar
(1924) e Serafim Ponte Grande (1933), ambos obras que efetuam a ruptura das
fronteiras entre poesia e prosa. Escritos em linguagem telegráfica, elíptica e me-
tafórica, utilizam-se de uma técnica narrativa cinematográfica, composta por
sucessivos flashes da vida das personagens dos títulos, sem que haja uma linea-
ridade ou lógica, comuns à narrativa tradicional. A criação de neologismos (pala-
vras novas) é outro traço inovador dos romances, que são escritos com humor e
ironia, revelando os aspectos mais mesquinhos da sociedade paulista da época.
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A-e-i-o-u
Ba - be - bi - bo - bu
Ca- ce - ci - co - cu
Oswald poeta
Ao contrário de Manuel Bandeira e mesmo de Mário de Andrade, Oswald
poeta já nasce modernista.
Erro de Português
Oswald de Andrade
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E a luta continua...
Principais características
Entre as principais características das obras de Oswald de Andrade estão o
verso livre, o poema-pílula, o prosaísmo e coloquialismo, o poema-piada, que
usa do humor e ironia para parodiar amplos domínios da própria literatura, de
forma simpática ou demolidora.
Texto complementar
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Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as elites. E as elites
começaram desmanchando. Duas fases: 1) a deformação através do impres-
sionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De Cézanne e Malarmé, Rodin
e Debussy até agora. 2) o lirismo, a apresentação no templo, os materiais, a
inocência construtiva.
A síntese
O equilíbrio
O acabamento de carrosserie
A invenção
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A surpresa
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Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas; nas
usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu Na-
cional. Pau-Brasil.
Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em sua época.
(ANDRADE, Oswald de. Manifesto da poesia pau-brasil. Correio da Manhã, São Paulo,
18 mar. 1924)
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Estudos literários
1. Qual vertente do Modernismo brasileiro é representada no poema?
Os selvagens
Oswald de Andrade
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam pôr a mão
E depois a tomaram como espantados.
Atelier
Oswald de Andrade
Arranha-céus
Fordes
Viadutos
Um cheiro de café
No silêncio emoldurado
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Poema elétrico
Luís Aranha
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[...]
60. Namoro
Vinham motivos como gafanhotos para eu e Célia comermos amoras em
moitas de bocas.
Destinos calmos como vacas quietavam nos campos de sol parado. A vida
ia lenta como poentes e queimadas.
[...]
— E D. Pedro II?
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Mário de Andrade .
Além disso, Mário planejou e empreendeu duas viagens para conhecer melhor
o Brasil e, assim, colher material para seus escritos. A primeira foi à região amazô-
nica, em 1927, e a segunda, ao Nordeste, no final de 1928 e começo de 1929. En-
quanto procurava conhecer a vida, os costumes, as músicas e tradições populares
dessas regiões, ele registrava tudo na forma de um diário, inclusive os modos de
falar das pessoas. Esses textos foram publicados como crônicas no Diário Nacional
e só se transformaram em livro em 1976, sob o título de O Turista Aprendiz.
Contista, ele deixou inacabado o livro Contos Novos (1946) em que se des-
tacam narrativas de inspiração freudiana, como “Vestida de preto” e “Frederico
paciência”, e contos de preocupação social, como “O poço” e “Primeiro de maio”.
Decidiu ir a-pé pra casa, foi a-pé, longe, fazendo um esforço penoso para
achar interesse no dia. Estava era com fome, comendo aquilo passava. Tudo
deserto, era por ser feriado, primeiro de maio. Os companheiros estavam
trabalhando, de vez em quando um carrego, os mais eram conversas diver-
tidas, mulheres de passagem, comentadas, piadas grossas com as mulatas
do jardim, mas só as bem limpas mais caras, que ele ganhava bem, todos
simpatizavam logo com ele, ora por que que hoje me deu de lembrar aquela
moça do apartamento!... Também: moça morando sozinha é no que dá. Em
todo caso, pra acabar o dia era uma ideia ir lá, com que pretexto?... Devia ter
ido em Santos, no piquenique da Mobiliadora, 12 paus o convite, mas o pri-
meiro de maio... Recusara, recusara repetindo o “não” de repente com raiva,
muito interrogativo, se achando esquisito daquela raiva que lhe dera. Então
conseguiu imaginar que esse piquenique monstro, aquele jogo de futebol
que apaixonava eles todos, assim não ficava ninguém pra celebrar o primeiro
de maio, sentiu-se muito triste, desamparado.
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Como crítico literário, seu legado é imenso. Em A Escrava que não é Isaura
(1925), por exemplo, reúne ensaios provocativos contra o passadismo. Já em As-
pectos da Literatura Brasileira (1943) aborda, de maneira bem menos passional,
os mais importantes escritores da literatura brasileira.
Macunaíma
e a renovação da linguagem literária
Publicado em 1928, em uma tiragem de apenas 800 exemplares (Mário de
Andrade não conseguira editor), Macunaíma, o herói sem nenhum caráter é um
dos pilares da cultura brasileira.
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A rapsódia
Mário de Andrade conta que escreveu Macunaíma em seis dias, deitado, bem
à maneira de seu herói, em uma rede na Chácara de Sapucaia, em Araraquara (SP),
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no ano de 1926. Diz ainda: “Gastei muito pouca invenção neste poema fácil de
escrever […]. Este livro afinal não passa duma antologia do folclore brasileiro.”
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As fontes
Mário de Andrade nunca escondeu que tomou como fonte principal para a
redação de Macunaíma a obra Vom Roroima zum Orinoco (Do Roraima ao Ore-
noco), de Theodor Koch-Grunberg, publicada em cinco volumes, entre 1916 e
1924. Graças ao monumental trabalho de Manuel Cavalcanti Proença, Roteiro de
Macunaíma, podemos acompanhar como o escritor paulista foi reelaborando as
narrativas colhidas na obra do alemão, mesclando-a com outras fontes, como
livros de Capistrano de Abreu, Couto Magalhães, Pereira da Costa ou mesmo
relatos orais – como o que o grande compositor Pixinguinha lhe fez de uma ce-
rimônia de macumba – para ir tecendo sua rapsódia.
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uma realidade moral não, em vez entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando
por tudo, nos costumes na ação exterior no sentimento na língua na História na andadura,
tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização
própria nem consciência tradicional.
Os franceses têm caráter e assim os jorubas e os mexicanos. Seja porque civilização própria,
perigo iminente, ou consciência de séculos tenham auxiliado, o certo é que esses uns têm
caráter. Brasileiro não. Está que nem o rapaz de 20 anos: a gente mais ou menos pode perceber
tendências gerais, mas ainda não é tempo de afirmar coisa nenhuma. […] Pois quando
matutava nessas coisas topei com Macunaíma no alemão de Koch-Grunberg. E Macunaíma é
um herói surpreendentemente sem caráter. (Gozei).
Foco narrativo
Embora predomine o foco da terceira pessoa, Mário de Andrade inova utili-
zando a técnica cinematográfica de cortes bruscos no discurso do narrador, in-
terrompendo-o para dar vez à fala dos personagens, principalmente Macunaíma.
Essa técnica imprime velocidade, simultaneidade e continuidade à narrativa.
Espaço e tempo
As sucessivas estripulias de Macunaíma são vividas em um espaço mágico,
próprio da atmosfera fantástica e maravilhosa em que se desenvolve a narrati-
va. Em seu Roteiro de Macunaíma, Cavalcanti Proença afirma que Macunaíma se
aproxima da epopeia medieval, pois
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[...] tem de comum com aqueles heróis a sobre-humanidade e o maravilhoso. Está fora do
espaço e do tempo. Por esse motivo pode realizar aquelas fugas espetaculares e assombrosas
em que, da capital de São Paulo foge para a Ponta do Calabouço, no Rio, e logo já está em
Guarajá-Mirim, nas fronteiras de Mato Grosso e Amazonas para, em seguida, chupar manga-
-jasmim em Itamaracá de Pernambuco, tomar leite de vaca zebu em Barbacena, Minas Gerais,
decifrar litóglifos na Serra do Espírito Santo e finalmente se esconder no oco de um formigueiro,
na Ilha do Bananal, em Goiás.
Enumerações e desregionalização
Em Macunaíma, chama a atenção do leitor atento a abundância de enumera-
ções. Já na primeira página do romance encontramos a enumeração das danças
tribais: “frequentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cucui-
cogue, todas essas danças religiosas da tribo”.
É importante ressaltar que tais listagens não devem afastar o leitor, que muitas
vezes se assusta com tantos nomes “estranhos”. Eles precedem sempre uma de-
finição generalizadora como “todas essas danças religiosas da tribo”. Assim, o
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Texto complementar
Senhoras:
Nem cinco sóis eram passados que de vós nos partíramos, quando a mais
bela desdita pesou sobre nós. Por uma bela noite dos idos de maio do ano
translato, perdíamos a muiraquitã [...]
II
[...]
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Pois é com esse delicado monstro, vencedor dos mais delicados véus pa-
ladinos, que as donas de cá tombam nos leitos nupciais. Assim haveis de
compreender de que alvíçaras falamos; porque as lagostas são caríssimas,
caríssimas subditas, e algumas hemos nós adquiridas por 60 contos e mais;
o que convertido em nossa moeda tradicional, alcança a vultosa soma de 80
milhões de bagos de cacau... Bem podereis conceber, pois, quanto hemos já
gasto; e que já estamos carecido do vil metal, para brincar com tais difíceis
donas. Bem quiséramos impormos à nossa ardida chama uma abstinência,
penosa embora, para vos pouparmos despesas; porém que ánimo forte não
cedera ante os encantos e galanteios de tão agradáveis pastoras!
Andam elas vestidas de rutilantes joias e panos finíssimos, que lhes acentuam
o donaire do porte, e mal encobrem as graças, que, a de nenhuma outra cedem
pelo formoso do torneado e pelo tom. São sempre alvíssimas as donas de cá; e
tais e tantas habilidades demonstram, no brincar, que enumerá-las, aqui, seria
fastiendo porventura; e, certamente, quebraria os mandamentos de discrição,
que em relação de Imperator para súbditas se requer. Que beldades! Que ele-
gância! que cachet! Que degagé flamífero, ignívomo, devorador!! Só pensamos
nelas, muito embora não nos descuidemos, relapso, da nossa muiraquitã.
61
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[...]
Já agora vos falaremos ainda, bem que por alto, dum nitente armento de
senhoras, originárias da Polónia, que aqui demoram e imperam generosa-
mente. São elas mui alentadas no porte e mais numerosas que as areias do
mar oceano. Como vós, senhoras Amazonas, tais damas formam um gineceu;
estando os homens que em suas casas delas habitam, reduzidos escravos e
condenados ao vil ofício de servirem. E por isso não lhes chamam homens,
sinão que à voz espúria de garçons respondem; e são assaz polidos e silentes,
e sempre do mesmo indumento gravebundo trajam.
Vivem essas damas encasteladas num mesmo local, a que chamam por
cá de quarteirão, e mesmo de pensões ou “zona estragada”; sobrelevando
notar que a derradeira destas expressões não caberia, por indina nesta notí-
cia sobre as coisas de São Paulo, não fora o nosso anseio de sermos exacto e
conhecedor. Porém si como vós, formam essas queridas senhoras um clã de
mulheres, muito de vós se apartam no físico, no género de vida e nos ideais.
Assim vos diremos que vivem à noute, e se não dão aos afazeres de Marte
nem queimam o destro seio, mas a Mercúrio cortejam tão somente; e quanto
aos seios, deixam-nos evolverem, à feição de gigantescos e flácidos pomos,
que, si lhes não acrescentam ao donaire, servem para numerosos e árduos
trabalhos de excelente virtude e prodigiosa excitação.
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[...]
II
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[...]
III
Porém, senhoras minhas! Inda tanto nos sobra, por este grandioso país, de
doenças e insectos por cuidar!... Tudo vai num descalabro sem comedimen-
to, estamos corroídos pelo morbo e pelos miriápodes! Em breve seremos no-
vamente uma colônia da Inglaterra ou da América do Norte!... Por isso e para
eterna lembrança destes paulistas, que são a única gente útil do país, e por
isso chamados de Locomotivas, nos demos ao trabalho de metrificarmos um
dístico, em que se encerram os segredos de tanta desgraça:
[...]
IV
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Estudos literários
1. Que características da prosa modernista podem ser identificadas no trecho
de Macunaíma reproduzido a seguir?
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diacho de sagui-açu que o carregara pro alto do tapiri tamanho em que dor-
mira… Que mundo de bichos! que despropósito de papões roncando, mauaris
juruparis sacis e boitatás nos atalhos nas socavas nas cordas dos morros furados
por grotões donde gentama saía muito branquinha branquíssima, de certo a
filharada da mandioca!… A inteligência do herói estava muito perturbada. As
cunhãs rindo tinham ensinado pra ele que o sagui-açu não era saguim não,
chamava elevador e era uma máquina. De-manhãzinha ensinaram que todos
aqueles piados berros cuquiadas sopros roncos esturros não eram nada disso
não, eram mas cláxons campainhas apitos buzinas e tudo era máquina. As onças
pardas não eram onças pardas, se chamavam fordes hupmobiles chevrolés
dodges mármons e eram máquinas. Os tamanduás os boitatás as inajás de curu-
atás de fumo, em vez eram caminhões bondes autobondes anúncios-luminosos
relógios faróis rádios motocicletas telefones gorjetas postes chaminés… Eram
máquinas e tudo na cidade era só máquina! O herói aprendendo calado. De vez
em quando estremecia. Voltava a ficar imóvel escutando assuntando maqui-
nando numa cisma assombrada. Tomou-o um respeito cheio de inveja por essa
deusa de deveras forçuda, Tupã famanado que os filhos da mandioca chama-
vam de Máquina, mais cantadeira que a Mãe-d’água, em bulhas de sarapantar.
Então resolveu ir brincar com a Máquina pra ser também imperador dos
filhos da mandioca. Mas as três cunhãs deram muitas risadas e falaram que
isso de deuses era gorda mentira antiga, que não tinha deus não e que com a
máquina ninguém não brinca porque ela mata. A máquina não era deus não,
nem possuía os distintivos femininos de que o herói gostava tanto. Era feita
pelos homens. Se mexia com eletricidade com fogo com água com vento
com fumo, os homens aproveitando as forças da natureza. Porém jacaré
acreditou? nem o herói! Se levantou na cama e com um gesto, esse sim! bem
guaçu de desdém, tó! batendo o antebraço esquerdo dentro do outro dobra-
do, mexeu com energia a munheca direita pras três cunhãs e partiu. Nesse
instante, falam, ele inventou o gesto famanado de ofensa: a pacova.
E foi morar numa pensão com os manos. Estava com a boca cheia de sa-
pinhos por causa daquela primeira noite de amor paulistano. Gemia com as
dores e não havia meios de sarar até que Maanape roubou uma chave de
sacrário e deu pra Macunaíma chupar. O herói chupou chupou e sarou bem.
Maanape era feiticeiro.
Macunaíma passou então uma semana sem comer nem brincar só maqui-
nando nas brigas sem vitória dos filhos da mandioca com a Máquina. A Máquina
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Não concluiu mais nada porque inda não estava acostumado com discur-
sos porém palpitava pra ele muito embrulhadamente muito! que a máquina
devia de ser um deus de que os homens não eram verdadeiramente donos
só porque não tinham feito dela uma Iara explicável mas apenas uma reali-
dade do mundo. De toda essa embrulhada o pensamento dele sacou bem
clarinha uma luz: Os homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram
homens. Macunaíma deu uma grande gargalhada. Percebeu que estava livre
outra vez e teve uma satisfa mãe. Virou Jiguê na máquina telefone, ligou pros
cabarés encomendando lagostas e francesas.
(Capítulo V – Piaimã)
Iracema
José de Alencar
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu
Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros
que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
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O favo da jati não era doce como o seu sorriso; nem a baunilha recendia
no bosque como o seu hálito perfumado.
Macunaíma
Mário de Andrade
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Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
....................................................................................................................................
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão
direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem
número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
No final dos anos de 1950, foi com entusiasmo que Bandeira recebeu a revo-
lução feita na poesia brasileira pelos poetas concretistas e chegou a fazer alguns
poemas concretos.
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A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu voo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
O tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
– Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.
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Libertinagem
Publicado em 1930, Libertinagem é composto de 38 poemas – três poemas
em formas tradicionais, dois em prosa e 33 em verso livre. A obra tem como
temas principais a infância, a família, os amigos, Recife, a tuberculose, o amor, a
morte, Pasárgada e a própria poesia (metalinguagem).
Porquinho-da-índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
– O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
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Irene no céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
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Abaixo Amiel1!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff2.
1
Henri-Frédéric Amiel (1821-1881), filósofo e poeta suíço, autor de um diário íntimo. (NE)
2
Maria Bashkirtseff (1858-1884), artista plástica ucraniana, autora de um diário íntimo que foi publicado postumamente e causou algum escândalo. (NE)
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Evocação do Recife
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
– Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
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De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.
Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
– Capibaribe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras
Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
– Capibaribe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
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É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.
Texto complementar
Autorretrato
Manuel Bandeira
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Estudos literários
As questões 1 e 2 baseiam-se nos textos a seguir.
Texto 1
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil.
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada.
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Texto 2
Defesa da inventividade popular (“o povo é o inventa-línguas”, Maiakó-
vski) contra os burocratas da sensibilidade, que querem impingir ao povo,
caritativamente, uma arte oficial, de “boa consciência”, ideologicamente re-
tificada, dirigida.
Mas o povo cria, mas o povo engenha, mas o povo cavila. O povo é o inven-
ta-línguas, na malícia da mestria, no matreiro da maravilha. O visgo do impro-
viso, tateando a travessia, azeitava o eixo do sol... O povo é o melhor artífice.
Texto 3
Vai chegando o mês de agosto E muito bem expricada,
A tarde fica embaçada Dizeno que eu não insurto
Passarinho canta triste Mas topo quarqué parada.
A curianguinha e urutaga. Tenho feito pé cascudo
Gavião encorujado Saí pisano na geada,
Dorme nas arta copada, Saí derrubano orvaio
Nambuzinho pia triste, Com a carcinha arregaçada.
Dano vorta nas paiada,
Meu coração amagoa Nesse tempo tudo forga
Dá dolorosas paficada. Só minha vida é apertada.
O povo diz que não acha
Quando eu entro no salão Serviço de camarada.
Com minha viola afinada, Eu trabaio até de noite
Eu canto uma moda arta Pra dá conta da empreitada.
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a) Cite pelo menos um trecho de cada autor em que eles criticam e denun-
ciam nosso preconceito e desapreço às formas populares de expressão.
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a) Cite dois versos ou dois trechos em que o poeta fala de sua “inventivida-
de” ou da condição de “artífice” do bom violeiro.
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Os poetas, por sua vez, já não se pautaram por uma atitude programática
e sim pela possibilidade de criação em todas as direções, utilizando tanto o
verso livre, o poema-piada e as ousadias da Geração de 1922, tanto as formas
fixas como o soneto, a metrificação e as rimas da poesia mais tradicional.
No meio do caminho
Carlos Drummond de Andrade
Murilo Mendes
Murilo Mendes nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais. Em seus primeiros livros
– Poemas (1930) e História do Brasil (1932) –, ele apresentou uma poesia irônica
e provocativa, bem próxima das polêmicas criações do modernismo inicial. A
partir de O visionário (1933), incorporou técnicas de composição surrealista.
1 Desacontece, desquer.
Brabo. Olhofaca. Difícil.
Cacto já se humanizando, 2
Deriva de um solo sáfaro Funda o estilo à sua imagem:
Que não junta, antes retira, Na tábua seca do livro
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Canção do exílio
Murilo Mendes
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Pré-história1
Murilo Mendes
1
O poema se refere à mãe do poeta, que era pianista e faleceu em 1902.
Cecília Meireles
Cecília Meireles nasceu na cidade do Rio de Janeiro e ficou órfã aos três anos de
idade. Criada pela avó, foi brilhante aluna e leitora insaciável. Formada professora
em 1917, dedicou sua vida ao ensino e à divulgação da literatura brasileira pelo
mundo. Aos 18 anos de idade, publicou Espectros (1919), seu primeiro livro.
Canção do caminho
Cecília Meireles
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Improviso
Cecília Meireles
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Vinicius de Moraes
Um dos mais conhecidos poetas brasileiros, Vinicius de Moraes nasceu e
morreu no Rio de Janeiro. Tornou-se célebre por seus poemas de amor (dentre
os quais destacam-se os sonetos) e pelas parcerias musicais com Tom Jobim
(1927-1994, junto com o qual foi um dos criadores da corrente musical da Bossa
Nova) e, posteriormente, com Chico Buarque de Holanda e Toquinho.
Soneto de separação
Vinicius de Moraes
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Texto complementar
O operário em construção
Vinicius de Moraes
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os
reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem
quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
(Lc 4, 5-8)
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Estudos literários
1. Leia atentamente o texto e depois responda à questão.
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Texto 1
O material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo o que ela tem de sór-
dido e sublime. Seu instrumento é a palavra. Sua função é a de ser expressão
verbal rítmica ao mundo informe de sensações, sentimentos e pressentimen-
tos dos outros com relação a tudo o que existe ou é passível de existência no
mundo mágico da imaginação. Seu único dever é fazê-lo da maneira mais
bela, simples e comunicativa possível, do contrário ele não será nunca um
bom poeta, mas um mero lucubrador de versos.
(MORAES, Vinicius de. Para Viver um Grande Amor. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.)
Texto 2
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não recomponhas
memória em dissipação.
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Cada uma
Trouxeste a chave?
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Soneto de fidelidade
Vinicius de Moraes
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Ele passou a infância em Itabira e com 14 anos de idade foi estudar como
interno no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte – onde conheceu Gusta-
vo Capanema (1900-1985) e Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990) e
depois no Colégio Anchieta, da Companhia de Jesus, em Nova Friburgo
(RJ), do qual foi expulso por “insubordinação mental”. Enquanto estudava
em Nova Friburgo, seu irmão Altivo publicou seu poema em prosa “Onda”,
no único número do jornalzinho Maio, em Itabira.
Mais atraído pelas discussões sobre a arte e o país do que pelas aulas de quími-
ca, formou-se farmacêutico em 1925, mas nunca exerceu a profissão. Ainda nesse
ano, casou-se com Dolores Dutra de Morais e fundou, junto com Emílio Moura e
Gregoriano Canedo, A Revista, órgão modernista do qual foram publicados três
números. Depois de lecionar Geografia e Português no Ginásio Sul-Americano
em Itabira, volta a Belo Horizonte para ser redator do Diário de Minas.
Em 1928, nasceu Maria Julieta, a filha única, que foi a grande companheira do
poeta. Seu poema “No meio do caminho” foi publicado pela Revista de Antropo-
fagia, de São Paulo. O poema causou forte impacto e tornou-se um dos maiores
escândalos literários do Brasil. O poeta publicou, 39 anos depois, Uma Pedra no
Meio do Caminho: biografia de um poema, coletânea de críticas e matérias resul-
tantes do poema ao longo dos anos. Naquele mesmo ano de 1928, foi trabalhar
na Secretaria de Educação, na redação da Revista do Ensino.
Em 1929, deixou o Diário de Minas para trabalhar no Minas Gerais, órgão ofi-
cial do estado, sob a direção de Abílio Machado (1894-1964) e José Maria de
Alkmim (1901-1974).
Em 1934, voltou a ser redator dos jornais Minas Gerais, Estado de Minas e
Diário da Tarde, simultaneamente, e publicou Brejo das Almas em edição de 200
exemplares. Gustavo Capanema foi nomeado ministro da Educação e Saúde Pú-
blica por Getúlio Vargas nesse mesmo ano, e Drummond foi convidado para ser
o seu chefe de gabinete.
Assim, mudou-se com esposa e filha para o Rio de Janeiro, então capital da
República, onde suas atividades intelectuais se ampliaram e ganharam impulso.
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Mas se Drummond não viajou muito, o mesmo não aconteceu com as suas
obras. Em 1951, em Madri, foi publicado o volume Poesias. Em 1953, em Buenos
Aires, apareceu Dos Poemas. A partir da década de 1960, suas obras foram para
diversos países, como Alemanha, Estados Unidos, França, Portugal e Suécia.
Em 1972, jornais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre
publicaram suplementos comemorativos do 70.º aniversário do poeta.
Em 1977, ele gravou 42 poemas em dois discos de vinil, lançados pela Polygram.
Deixou várias obras inéditas: Farewell; O Avesso das Coisas (aforismos), Moça
Deitada na Grama, O Amor Natural (poemas eróticos), Viola de Bolso III (Poesia
errante), hoje publicados pela Record; Arte em Exposição (versos sobre obras de
arte); além de crônicas, dedicatórias em verso coletadas pelo autor, correspon-
dências e um texto para um espetáculo musical, ainda sem título.
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Cidadezinha qualquer
Legado
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Amar-amaro
A estreia em livro
Pelo que se sabe, Alguma Poesia é composto por poemas escritos entre 1924 e
1930. Apresenta a produção inicial de Drummond, gerada em meio às acirradas dis-
putas que seguiram a explosão nacional do Modernismo, após a Semana de Arte
Moderna de 1922. Portanto, antes de ser uma obra inaugural do que se iria produzir
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Em seu célebre poema “Os sapos”, Manuel Bandeira faz uma crítica à poesia
parnasiana: “O sapo-tanoeiro,/ Parnasiano aguado,/ Diz: – Meu cancioneiro/ É
bem martelado.” Essa crítica é retomada por Drummond no poema “Festa no
brejo”, em que o mineiro transfere para o seu estado a batalha contra os “sapos”
parnasianos:
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A palavra macarrão destrói a expectativa inicial, criada pelo título e pelo pri-
meiro verso do poema. Esperar-se-ia que o eu lírico escrevesse com letras mais
“poéticas”, mas ele faz isso com as prosaicas letrinhas de macarrão, ao tomar uma
sopa. Poderíamos dizer que, nesse poema, Drummond inscreve o sentimento
amoroso no convívio cotidiano. Durante uma prosaica refeição, o eu lírico sonha
com a mulher amada, enquanto tudo ao seu redor contribui para a proibição
desse espírito “sentimental”.
As linhas temáticas
Em 1962, Drummond publicou a sua Antologia Poética. Ao organizar o volume,
procurou, segundo ele, “localizar, na obra publicada, certas características, pre-
ocupações e tendências que a condicionam ou definem, em conjunto” (ANDRA-
DE, 1979, p. 8). Agrupou, portanto, os seus poemas em diversas linhas temáticas,
ou segundo as diferentes “matérias de poesia”. Assim, dividiu a sua obra em nove
grupos temáticos básicos, que têm guiado as considerações críticas sobre a sua
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poesia até hoje. Nove dos poemas de Alguma Poesia foram escolhidos para figu-
rar na Antologia. Abaixo, temos o título de cada seção, seguido pela explicação
dada a cada uma pelo próprio Drummond e pelos poemas de Alguma Poesia
nelas presentes.
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A série “Lanterna mágica” foi incluída na seção “A terra natal” por apresentar
basicamente poemas sobre cidades de Minas Gerais. Mas contém, também, um
texto sobre o Rio de Janeiro, para onde o poeta haveria de transferir-se, e o irôni-
co “Bahia”: “É preciso fazer um poema sobre a Bahia.../ Mas eu nunca fui lá”.
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No meio do caminho
Já em 1924, esse poema foi elogiado em carta por Mário de Andrade, que o
considerou “formidável. É o mais forte exemplo que conheço, mais bem frisado,
mais psicológico, de cansaço intelectual”. Desde a sua primeira publicação – em
julho de 1928, no número 3 da Revista de Antropofagia, dirigida por Oswald de
Andrade –, o poema serviu como um divisor de águas. Virou o grande pomo da
discórdia entre os tradicionalistas e os defensores da estética modernista.
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Estudos literários
Leia com atenção os três textos a seguir para, em seguida, responder às
questões.
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quando eu nasci
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Graciliano Ramos
Graciliano Ramos nasceu em Quebrangulo, Alagoas. Foi prefeito de Palmeira dos
Índios (AL) e então se dedicou à literatura. Publicou alguns romances considerados
obras-primas, como São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas Secas (1938). Sua
produção literária se caracteriza pelo rigoroso cuidado com a linguagem (sobrieda-
de, exatidão na escolha das palavras etc.), densa construção psicológica das perso-
nagens e a capacidade de descrever o ambiente, as relações sociais, políticas e a
natureza do Nordeste em um estilo enxuto, preciso e extremamente contundente.
É, sem dúvida, um dos maiores e melhores escritores da língua portuguesa.
José Lins dizia que, após conhecer Gilberto Freyre – sociólogo e escritor, autor
de Casa-grande & Senzala (1933) – sua vida nunca mais foi a mesma: “de lá pra
cá foram outras as minhas preocupações, [...] os meus planos, as minhas leituras,
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Em 1924, casou-se com Philomena Massa (D. Naná). Do casamento, teve três
filhas: Maria Elisabeth, Maria da Glória e Maria Cristina. Em 1925, foi promotor
público em Minas Gerais. Em 1926, transferiu-se para Maceió (Alagoas), onde tra-
balhou como fiscal de bancos por nove anos e conviveu com Graciliano Ramos,
Rachel de Queiroz (1910-2003), Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989), Jorge
de Lima (1893-1953) e outros. O contato com esses e outros artistas formou uma
consciência regionalista em torno da vida nordestina que marcou a obra de
todos eles, especialmente a de José Lins do Rego. Em Maceió, escreveu os três
primeiros romances: Menino de Engenho, Doidinho e Banguê.
Em 1935, nomeado fiscal do imposto de consumo, José Lins do Rego foi para
o Rio de Janeiro, onde passaria o resto de sua vida. Esteve em países sul-ameri-
canos, na Europa e no Oriente. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, em
15 de setembro de 1955. Morreu dois anos depois, em 12 de setembro de 1957,
sendo enterrado no mausoléu da Academia, no cemitério São João Batista.
O ciclo da cana-de-açúcar
A partir de 1932, José Lins do Rego publicou doze romances, um volume de
memórias, Meus Verdes Anos, um de literatura infantil, Histórias da Velha Totônia,
além de livros de viagem, conferências e crônicas.
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José Lins do Rego considerava Usina (1936) como o último livro do ciclo:
Nota à 1.ª edição
Com Usina termina a série de romances que chamei um tanto enfaticamente de Ciclo da Cana-
-de-açúcar.
A história desses livros é bem simples – comecei querendo apenas escrever umas memórias
que fossem as de todos os meninos criados nas casas-grandes dos engenhos nordestinos.
Seria apenas um pedaço de vida o que eu queria contar.
Sucede, porém, que um romancista é muitas vezes o instrumento apenas de forças que se
acham escondidas no seu interior.
Veio, após o Menino de engenho, Doidinho, em seguida Banguê. Carlos de Melo havia crescido,
sofrido e fracassado. Mas o mundo do Santa Rosa não era só Carlos de Melo. Ao lado dos meninos
de engenho havia os que nem o nome de menino podiam usar, os chamados “moleques de
bagaceira”, os Ricardos. Ricardo foi viver por fora do Santa Rosa a sua história que é tão triste
quanto a do seu companheiro Carlinhos. Foi ele do Recife a Fernando de Noronha. Muita gente
achou-o parecido com Carlos de Melo. Pode ser que se pareçam. Viveram tão juntos um do
outro, foram tão íntimos na infância, tão pegados (muitos Carlos beberam do mesmo leite
materno dos Ricardos) que não seria de espantar que Ricardo e Carlinhos se assemelhassem.
Pelo contrário.
Depois do Moleque Ricardo veio Usina, a história do Santa Rosa arrancado de suas bases,
espatifado, com máquinas de fábrica, com ferramentas enormes, com moendas gigantes
devorando a cana madura que as suas terras fizeram acamar pelas várzeas. Carlos de Melo,
Ricardo e o Santa Rosa se acabam, têm o mesmo destino, estão tão intimamente ligados que
a vida de um tem muito da vida do outro. Uma grande melancolia os envolve de sombras.
Carlinhos foge, Ricardo morre pelos seus e o Santa Rosa perde até o nome, se escraviza.
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Fogo Morto
Mas o engenho Santa Rosa e alguns de seus moradores voltariam a aparecer
na obra-prima de José Lins do Rego, o romance Fogo Morto (1943), que se cons-
trói em torno de três personagens: o coronel Lula de Holanda, senhor de en-
genho decadente e brutal; o mestre José Amaro, seleiro pobre e sábio, homem
de destino trágico; e Vitorino Carneiro da Cunha, herói quixotesco, estabanado
defensor dos oprimidos. Com este romance, José Lins finaliza o estudo da de-
cadência da sociedade rural patriarcal dos senhores de engenho do Nordeste
e, portanto, Fogo Morto pode ser considerado um integrante tardio do ciclo
que José Lins julgou concluído anteriormente. Mais que integrar, Fogo Morto
se tornou a maior obra do Ciclo da cana-de-açúcar pois, ao minimizar o cará-
ter autobiográfico e nostálgico das obras precedentes, o romancista paraibano
acrescentou à sua extraordinária facilidade de narrar – que mais lembra um con-
tador de histórias marcado pela oralidade e pela naturalidade – a objetividade
e a consciência compositiva que o caráter sentimental e espontâneo das obras
anteriores encobria. Portanto, em Fogo Morto o romancista maduro e consciente
se sobrepõe ao memorialista nostálgico para construir sua obra-prima: síntese,
aprofundamento e condensação de todas as outras.
Espaço e tempo
Fogo Morto se passa no município de Pilar, na Zona da Mata paraibana, às
margens do rio Paraíba, distante cerca de 50 quilômetros de João Pessoa e nas
proximidades de Itabaiana. A maior parcela da ação se desenvolve nas terras
do engenho Santa Fé, nos arredores do Pilar. Na cidade, passa-se boa parte da
última seção da obra.
O título
Os “engenhos” do Nordeste eram, originalmente, estabelecimentos agríco-
las destinados à cultura da cana e à fabricação do açúcar. Com a ascensão das
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usinas, que passaram a comprar dos engenhos sua produção bruta (a cana-de-
-açúcar ainda não processada) para fabricar o açúcar, a maior parte desses enge-
nhos foi, aos poucos, deixando de “botar”, de moer a cana para a fabricação do
açúcar. Eles passaram apenas a vender a matéria-prima às usinas, tornando-se
engenhos “de fogo morto” e assim perderam boa parte de seu poder, tornando-
-se reféns dos preços pagos pelas usinas. É como se encontra, ao final de Fogo
Morto, o decadente engenho Santa Fé.
Estrutura triangular
Fogo Morto é dividido em três partes. Cada uma delas traz, no título, o nome de
um dos três personagens principais do romance, mas as três partes se entrecruzam,
os personagens aparecem ao longo de todo o livro. O coronel Lula de Holanda, o
mestre José Amaro e Vitorino Carneiro da Cunha – misto de Dom Quixote e Sancho
Pança que, em suas andanças e na sua ingênua busca de justiça, estabelece as rela-
ções entre todas as personagens, servindo como ponto central da narrativa.
funda o engenho e o faz prosperar. Casa sua filha Amélia com Lula Chacon
de Holanda, seu primo, que pouco interesse ou aptidão tem para dirigir o
engenho. Adoentado, deixa D. Mariquinha, sua mulher, dirigindo os negó-
cios. Quando o capitão morre, Lula entra em disputa com a sogra e acaba
por tomar-lhe as terras e o poder. Castigando os escravos com requintes
de crueldade, andando com seu cabriolé para cima e para baixo, seu Lula
vai se afastando cada vez mais do povo de Pilar e seu engenho entra em
total decadência quando vem a Abolição e seus escravos debandam. Au-
toritário, impede os homens de se aproximarem da filha. Epilético, tem um
ataque na igreja e passa a se dedicar à religião com fervor. Empobrecido,
gasta até as últimas moedas de ouro que lhe deixou o sogro. Sente uma
inveja enorme de seu vizinho José Paulino e de seu engenho Santa Rosa,
e despreza o espírito quixotesco de Vitorino Carneiro da Cunha. Esta parte
se encerra com uma frase melancólica: “Acabara-se o Santa Fé”.
As filhas e as mulheres
Há uma sinistra simetria entre Marta, a sofredora filha de José Amaro, uma
solteirona que enlouquece aos poucos, e as filhas dos senhores do engenho
Santa Fé, seus antagonistas. Olívia, a filha mais nova do capitão Tomás Cabral de
Melo, enlouquece e perturba o silêncio áspero da casa-grande com seus gritos.
Neném, filha do coronel Lula de Holanda, é impedida pelo pai de se casar, sendo
melancólica e soturna. Sem filhos homens, os ensimesmados, machistas e tei-
mosos opositores acabam destruindo suas filhas.
Polícia ou bandido
Polícia e bandido em muito se assemelham. Tanto o cangaceiro Antônio Sil-
vino quanto o tenente Maurício, comandante das tropas policiais, abusam da
violência, ameaçam a todos, espancam o sonhador Vitorino e espalham o terror
por onde passam. Mesmo que o povo (representado por José Amaro) respeite
mais ao cangaceiro, as suas ações não deixam de comprovar (como constatado
por Vitorino) que ele utiliza métodos abusivos e muito próximos do terror im-
plantado por seu opositor.
Erico Verissimo
Proveniente de uma rica família gaúcha que, repentinamente, entrou em de-
cadência, Erico Verissimo (1905-1975) trabalhou em empregos medíocres até se
tornar jornalista e, logo depois, escritor de sucesso. O gaúcho Erico Verissimo foi
um dos primeiros escritores brasileiros a viver da literatura.
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O Continente
Primeiro volume da trilogia O Tempo e o Vento, narra, em tom ao mesmo
tempo épico e lírico, a história da cidade de Santa Fé, desde os primórdios
de sua fundação, em 1745, até o final da Revolução Federalista, em 1895.
São, portanto, 150 anos da história gaúcha, narrados em terceira pessoa, de
maneira neutra e onisciente, como convém a uma obra de caráter épico e
histórico. No entanto, a narrativa não é linear, apresentando descontinui-
dades temporais e uma constante oscilação entre 1895 e diversas datas na
história de Santa Fé. Por sinal, muitos leitores entraram em contato apenas
com fragmentos deste romance, posteriormente publicados como histórias
separadas. Muitos já leram Ana Terra ou Um certo Capitão Rodrigo como no-
velas isoladas, sem ao menos saber que ambas fazem parte de O Continente.
Vejamos a estrutura geral da obra, com a indicação da época em que cada
fragmento se passa.
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“O sobrado”
Teimoso como seu avô Rodrigo, Licurgo Cambará está cercado em seu so-
brado pelas forças federalistas, comandadas pelos Amaral, eternos inimigos dos
Cambará. Acompanhado pela avó Bibiana, a cunhada Maria Valéria, os filhos
Toríbio e Rodrigo e pela mulher Alice (prestes a dar à luz novamente), Licurgo
luta contra os inimigos, contra a fome e a sede e contra o destino trágico dos
Cambará. Alice dá à luz uma menina que “nasce morta” e está, ela mesma, às
portas da morte. Quando Licurgo está prestes a levantar uma bandeira branca,
rendendo-se, vê encaminharem-se para o sobrado os seus aliados com a notícia
de que os federalistas – os maragatos – haviam se rendido. Salvo o sobrado, Li-
curgo reassume seu posto de intendente (prefeito) de Santa Fé e a família Cam-
bará vence, como sempre à custa de muito sacrifício, uma importante batalha na
eterna guerra contra os Amaral.
A história
O primeiro fragmento dedicado à história do Rio Grande do Sul é “A fonte”,
em que se narra, a partir de 1745, a história do padre Alonzo, que nos Sete
Povos catequiza os jovens índios, dentre os quais está Pedro, que no seu fu-
ror místico imagina ver Nossa Senhora e conversar com os mortos. Quando
os Sete Povos são esmagados pelos portugueses, em 1756, “Pedro montou
num cavalo baio e, levando consigo somente a roupa do corpo, a chirimia e
o punhal de prata, fugiu a todo galope na direção do grande rio...”
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Realismo fantástico
A terceira e última fase do romancista é marcada por um realismo fantástico
próximo ao dos escritores latino-americanos das décadas de 1960 e 1970. Em obras
como Incidente em Antares (1971), Verissimo, por meio de episódios fantásticos,
aparentemente distantes da realidade, critica a vida política e social do momento.
Rachel de Queiroz
Rachel de Queiroz (1910-2003) cresceu no sertão do Ceará, em Fortaleza, no
Rio de Janeiro, em Belém e em Quixadá (CE). Em 1925, formou-se professora e
passou a colaborar em jornais locais. Em 1930, com a publicação de O Quinze,
alcançou sucesso nacional. Militou nos quadros políticos da esquerda, chegou a
ser presa em 1937 e, a partir de então, fixou residência no Rio de Janeiro.
O Quinze
O sucesso, que rapidamente alcançou em todo o país, desta obra de uma
jovem cearense de 20 anos de idade fez com que O Quinze, publicado pouco
depois de A Bagaceira, fosse uma das obras fundamentais na divulgação do Re-
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Conceição leva sua avó Inácia da fazenda onde mora, em Quixadá, para ficar em
Fortaleza enquanto perdurar a seca. Na capital, a professora, que é solteirona (aos
22 anos!), ajuda os miseráveis reunidos no Campo de Concentração e pensa no seu
primo Vicente, que permanece em Quixadá, cuidando bravamente da fazenda da
família. Divididos tanto no espaço quanto por interesses diversos e intrigas várias,
além de estarem incapazes de se comunicar, os primos vão – mesmo se amando –
separando-se mais a cada dia. Enquanto isso, a distância entre Quixadá e Fortaleza
vai sendo coberta, a pé, sob o sol escaldante, sem água e sem comida, por Chico
Bento, Cordulina (sua mulher), Mocinha (a cunhada) e os cinco filhos. Mocinha fica
pelo meio do caminho e acaba “caindo na vida” (torna-se prostituta); o filho mais
velho morre envenenado; outro filho foge e se perde para sempre. A família, já bem
reduzida, acaba por chegar ao Campo de Concentração, em Fortaleza, onde é aco-
lhida por Conceição, que fica com o filho mais novo e consegue passagens para os
restantes irem tentar uma sorte melhor em São Paulo. Com o fim da seca, Conceição
vai visitar Quixadá, sentindo-se “estéril, inútil, só”. Encontra-se com Vicente, também
solitário, mas a comunicação entre os dois já se tornara impossível, “E Conceição o
viu sumir-se no nevoiro dourado da noite, passando a galope, como um fantasma,
por entre o vulto sombrio dos serrotes” (QUEIROZ, 2004, p. 160).
Jorge Amado
A estreia literária de Jorge Amado (1912-2001), baiano de Itabuna, ocorreu
em 1931, com o romance O País do Carnaval. Em 1933, ele publicou Cacau, ro-
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mance muito bem-recebido tanto pela crítica quanto pelo público leitor. Suor
(1934), Jubiabá (1935) e Mar Morto (1936) seguiriam a trilha do romance regiona-
lista preocupado em denunciar as desigualdades sociais nordestinas.
Mas, logo sua obra tomaria outro rumo. O volume Os Velhos Marinheiros,
de 1961, por exemplo, reúne duas novelas de caráter fantástico, com sabor de
lenda alegórica, narradas em tom de rumor popular, sobre “velhos marinhei-
ros” baianos.
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O romance urbano
Cyro dos Anjos (1906-1994) era mineiro de Montes Claros e produziu uma obra
fortemente influenciada pela obra de Machado de Assis, pois apresenta, como a
do mestre realista, uma constante oscilação entre a melancolia e o humor. O Ama-
nuense Belmiro (1937) e Abdias (1945), seus principais romances, são em forma de
diários escritos por narradores insignificantes, homens “menores”, como o Brás
Cubas de Machado de Assis. Introspecção e memória fundem-se no observador
discreto da vida urbana de personagens simples e humildes. Essa qualidade, aliada
a uma linguagem clara e composta com muito rigor, faz de Cyro dos Anjos um dos
narradores mais ágeis do nosso Modernismo.
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Textos complementares
Leia, a seguir, as descrições de dois dos mais conhecidos personagens de
Erico Verissimo: Ana Terra e o capitão Rodrigo Cambará.
Ana Terra
(VERISSIMO, 1967, p. 113-114)
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Maneco não disse palavra. Não era homem de conversas. Não se metia com
os graúdos. O que ele queria era cuidar de sua casa, de sua terra, de sua vida.
Muitos anos mais tarde, Ana Terra costumava sentar-se na frente de sua
casa para pensar no passado. E no seu pensamento como que ouvia o vento de
outros tempos e sentia o tempo passar, escutava vozes, via caras e lembrava-se
de coisas... o ano de 81 trouxera um acontecimento triste para o velho Maneco:
Horácio deixara a fazenda, a contragosto do pai, e fora para o Rio Pardo, onde se
casara com a filha de um tanoeiro e se estabelecera com uma pequena venda.
Em compensação, nesse mesmo ano, Antônio casou-se com Eulália Moura,
filha dum colono açoriano dos arredores do Rio Pardo, e trouxe a mulher para a
estância, indo ambos viver no puxado que tinham feito no rancho.
E era assim que o tempo se arrastava, o sol nascia e se sumia, a lua passava
por todas as fases, as estações iam e vinham, deixando sua marca nas árvo-
res, na terra, nas coisas e nas pessoas.
Capitão Rodrigo
(VERISSIMO, 1967, p. 171-173)
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Havia por ali uns dois ou três homens, que o miraram de soslaio sem dizer
palavra. Mas dum canto da sala ergueu-se um moço moreno, que puxou a
faca, olhou para Rodrigo e exclamou:
— Pois dê!
— Essa sai ou não sai? Perguntou alguém do lado de fora, vendo que
Rodrigo não desembainhava a adaga. O recém-chegado voltou a cabeça e
respondeu calmo:
— Não sai. Estou cansado de pelear. Não quero puxar arma pelo menos
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por um mês. – Voltou-se para o homem moreno e, num tom sério e concilia-
dor, disse:
— Aperte os ossos.
O caboclo teve uma breve hesitação, mas por fim, sempre sério, apertou
a mão que Rodrigo lhe oferecia.
— O convite é meu.
Aproximaram-se do balcão.
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Tornou a pôr o copo sobre o balcão, voltou-se para o homem moreno e disse:
— Juvenal Terra.
— Moro.
— Criador?
— Mais um trago?
— Nicolau.
— Pois te garanto que estou gostando deste lugar. – disse Rodrigo – Quando
entrei em Santa Fé, pensei cá comigo: Capitão, pode ser que vosmecê só passe
aqui uma noite, mas também pode ser que passe o resto da vida...
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— E o resto da vida pode ser trinta anos, três meses ou três dias... — filo-
sofou Juvenal, olhando os pedacinhos de fumo que se acumulavam no côn-
cavo da mão.
E quando ergueu a cabeça para encarar o capitão, deu com aqueles olhos
de ave de rapina.
— Ou três horas... – completou Rodrigo – Mas por que é que o amigo diz
isso?
Estudos literários
1. Leia o capítulo abaixo, de O Amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos, para res-
ponder às perguntas.
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a) Aponte o recurso utilizado por Cyro dos Anjos nesse fragmento, ao escre-
ver sobre o próprio ato de escrever. Cite um autor realista brasileiro que
muito se utilizou deste recurso.
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b) Por que, conforme ele mesmo, Belmiro não conseguiu seguir o plano a
que se propunha ao começar o romance?
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Texto 1
E não falou mais. Foi para a sua rede, enjeitou a janta, e na escuridão do quarto
as coisas começaram a rodar na cabeça. Não haveria um direito para ele? A terra
era do senhor de engenho, e ele que se danasse, que fosse com seus cacos para
o inferno. Um ódio de morte tomou-o de repente. Não sentira aquilo no mo-
mento em que o coronel lhe falara. Era um maluco, não tinha raiva dele.
Mas na escuridão, na rede que rangia nos armadores de corda, tinha raiva,
tinha uma vontade de destruição, de matar, de acabar com o outro. As gar-
galhadas de Marta enchiam a casa. Teria uma filha na Tamarineira. O infeliz
daquele negro Floripes pagaria. E, sem querer, levantou-se da rede. Abriu a
janela do quarto e o céu estrelado pinicava na escuridão da noite.
Em menino falavam dos que saíam de noite para beber sangue, matar
inocentes, correr como bicho danado. E sem saber explicar, o mestre José
Amaro examinou-se com pavor. O que havia no seu corpo, nos seus gestos,
na sua vida? A filha endoidecera. Mas isto nada tinha que ver com a invenção
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do povo. Ele não saía de casa, nunca fizera mal a ninguém. E por que seria
o monstro que alarmava o povo? A noite escura chiava nos insetos; ladrava
um cachorro do seu Lucindo. Sinhá e a comadre conversavam. E a filha no
falatório, na gargalhada, no sofrimento pior deste mundo. O mestre não en-
contrava apoio para fugir da preocupação. Entrou outra vez para o quarto,
e não tinha paz, não estava seguro de nada, não estava seguro de nada.
As ameaças do coronel Lula, a raiva a Floripes, tudo se diluíra com aquele
pavor quer lhe enchia o coração. Tinha medo e não sabia de que era. Ele
fazia correr menino na estrada. Era o lobisomem do povo, o filho do diabo,
encantando-se nas moitas escuras. Nunca um pensamento lhe doera tanto.
Latia aquele cachorro como se estivesse acuando um bicho. Aquela hora as
mulheres rezariam, estariam com a ideia no lobisomem que imaginavam
com as unhas grandes, a cabeça comprida de lobo, a forma de monstro em
desadoro. Corria um vento que lhe esfriava os pés. Por que seria ele para a
crença do povo aquele pavor, aquele bicho? O que fizera para merecer isso?
O coração batia-lhe muito forte. Não. No outro dia teria que fazer qualquer
coisa para acabar com aquela história. Laurentino e Floripes pagariam. Eram
eles os criadores daquela miséria. A filha no outro dia sairia para o Recife. A
sua casa ficaria mais só, mais cheia de tristeza.
Texto 2
Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um
coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros
homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.
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Trago a V. Exa. um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos
Índios em 1928.
Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim minguados, entretanto,
quase insensíveis ao observador afastado, que desconhece as condições em que o
município se achava, muito me custaram.
Começos
O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros, segundo
creio, foi estabelecer alguma ordem na administração.
Havia em Palmeira inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o comandante
do destacamento, os soldados, outros que desejassem administrar. Cada pedaço do
município tinha a administração particular, com prefeitos coronéis e prefeitos inspetores
de quarteirões. Os fiscais, esses, resolviam questões de polícia e advogavam.
Para que semelhante anomalia desaparecesse, lutei com tenacidade e encontrei
obstáculos dentro da prefeitura e fora dela – dentro, uma resistência, mole, suave, de
algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua, carregada de bílis. Pensavam
uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor, que administra melhor do que todos
nós; outros me davam três meses para levar um tiro.
Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam poucos: saíram os que faziam
política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários,
cumprem suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas. Devo muito a eles.
Não sei se a administração do município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior. (apud
CARDOSO, 2008)
Em 1936, foi preso, sob a acusação de comunismo. Essa acusação era falsa,
já que só se filiaria ao Partido Comunista do Brasil (PCB) em 18 de agosto de
1945, nove anos depois. Ficou nove meses preso. As condições precárias e o
tratamento desumano e opressor das prisões onde esteve afetaram sua saúde
e lhe deram material para escrever Memórias do Cárcere (1953) – mais do que
um mero depoimento, “um dos estudos mais sérios da realidade brasileira, um
libelo contra o nosso atraso cultural e uma denúncia das iniquidades do Estado
Novo” (PAES; MOISÉS, 1968, p. 206). Graciliano começou a escrevê-lo em 1946,
dez anos depois da prisão, e o livro seria publicado em 1953, que é também o
ano de sua morte.
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Caetés
De nítida influência naturalista, inspirado na obra de Eça de Queirós (1845-1900),
Caetés apresenta as desventuras do narrador João Valério, que pretende escrever
um romance histórico sobre os ferozes índios caetés e se envolve com Luísa, esposa
de Adrião Teixeira, seu patrão. O desfecho trágico leva João Valério a se considerar
um monstro, “um caeté”, que, incapaz de agir, provoca a ruína dos seres amados:
Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue
camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de civilização, outras raças, outros costumes. E
eu disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente o que se passa
na minha com algumas diferenças. (RAMOS, 1953b, p. 232)
São Bernardo
A desumanização do homem nordestino abordada em Caetés é reforçada em
São Bernardo, o romance seguinte, em que o narrador Paulo Honório, trabalha-
dor braçal semialfabetizado, enriquece e compra, além da fazenda São Bernar-
do, sua esposa, a professora Madalena.
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Angústia
Publicado em 1936, esse romance foi finalizado enquanto Graciliano se en-
contrava preso pelo governo de Getúlio Vargas (1882-1954), que já se preparava
para, no ano seguinte, instalar a ditadura do Estado Novo, que se estendeu até
1945. Enlouquecido, o narrador Luís da Silva acaba por assassinar o rico e ines-
crupuloso Julião Tavares, que seduzira e lhe roubara sua amada Marina. Ele assim
se analisa: “Eu sou um monstro, estúpido, deformado. Um assassino”.
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tolices, sinto que tenho um ar apalermado. Tento reprimir essas crises de megalomania, luto
desesperadamente para afastá-las. Não me dão prazer: excitam-me e abatem-me. Felizmente
passam-se meses sem que isto me apareça.
De ordinário fico no banheiro, sentado, sem pensar, ou pensando em muitas coisas diversas
umas das outras, com os pés na água, fumando, perfeitamente Luís da Silva. Uma formiga
que surge traz-me quantidade enorme de recordações, tudo quanto li em almanaques sobre
os insetos. Agora não há nenhum livro traduzido, nenhuma vaidade. Olho a formiga. Quando
ela vai entrar no formigueiro, trago-a para perto de mim, faço no chão um círculo com o dedo
molhado, deixo-a numa ilha, sem poder escapulir-se. Observo-a e penso nos costumes delas
que vi nos almanaques.
O banheiro da casa de seu Ramalho é junto, separado do meu por uma parede estreita.
Sentado no cimento, brincando com a formiga ou pensando no livro, distingo as pessoas que
se banham lá. Seu Ramalho chega tossindo, escarra e bate a porta com força. Molha-se com
três baldes de água e nunca se esfrega. Bate a porta de novo, pronto. Aquilo dura um minuto.
D. Adélia vem docemente, lava-se docemente e canta baixinho: – “Bendito, louvado seja...”
Marina entra com um estouvamento ruidoso. Entrava. Agora está reservada e silenciosa, mas
o ano passado surgia como um pé de vento e despia-se às arrancadas, falando alto. Se os
botões não saíam logo das casas, dava um repelão na roupa e largava uma praga: – “Com os
diabos!” Lá se iam os botões, lá se rasgava o pano. Notavam-se todas as minudências do banho
comprido. Gastava dez minutos escovando os dentes. Pancadas de água no cimento e o chiar
da escova, interrompido por palavras soltas, que não tinham sentido. Em seguida mijava. Eu
continha a respiração e aguçava o ouvido para aquela mijada longa que me tornava Marina
preciosa. Mesmo depois que ela brigou comigo, nunca deixei de esperar aquele momento
e dedicar a ele uma atenção concentrada. Quando Marina se desnudou junto de mim, não
experimentei prazer muito grande. Aquilo veio de supetão, atordoou-me. E a minha amiga
opôs uma resistência desarrazoada: cerrava as coxas, curvava-se, cobria os peitos com as mãos,
e não havia meio de estar quieta. Agora arrancava os botões, praguejava, escovava os dentes,
mijava. Abria-se a torneira: rumor de água, uns gritinhos, resfolegar de animal novo. A torneira
se fechava – e era uma esfregação interminável. [...]
A espuma entrando nos sovacos e nas virilhas fazia um gluglu que me excitava extraordinaria-
mente. Parecia que Marina queria esfolar-se. Imaginava-a em carne viva, toda vermelha. Imagi-
nava-a branquinha, coberta de uma pasta de sabão que se rachava, os cabelos alvos, como uma
velha. Essas duas imagens me davam muito prazer. Queria que aparecesse a Julião Tavares assim
encarnada e pingando sangue, ou encarquilhada e decrépita, os pêlos do ventre como um capu-
cho de algodão. A torneira se abria. Lá estava Marina outra vez nova e fresca, enchendo a boca e
atirando bochechos nas paredes, resfolegando, sapecando frases desconexas.
Nunca tive o desejo de vê-la nesse estado. No alto da parede há um tijolo deslocado que se
pode retirar facilmente. Pondo um caixão na beira do tanque, ser-me-ia possível afastar o tijolo
e distinguir o corpo de Marina. A experiência não me tentou. O esforço necessário pra manter-
me em equilíbrio reduzir-me-ia a atenção. E eu não queria vê-la despida sem o consentimento
dela. Contentava-me com aqueles rumores, e percebia-a como se a visse. Poderia daqui palestrar
com ela no tempo em que éramos amigos. Teríamos a impressão de que nos banhávamos
juntos. Mas a minha amiga ficaria limitada pelas conveniências, armando frases, procurando
ser amável. O que me encantava eram aqueles modos de garota estabanada, as palavras soltas
à toa, pedaços de cantigas, o gluglu da espuma e a mijada sonora. (RAMOS, p. 144-147)
Vidas Secas
Em Vidas Secas, Graciliano Ramos adota um narrador em terceira pessoa, mul-
tisseletivo, que a cada momento se centra nos pensamentos rudimentares de
uma das personagens: o sertanejo Fabiano, sua mulher Sinhá Vitória, seus filhos
sem nome – que mal falam e se comportam como animais, mais brutalizados até
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do que a cadela Baleia. Ao retratar a dura vida do sertão, Graciliano Ramos atinge
o ápice de sua denúncia da desumanização a que as duras circunstâncias sociais
levam o homem nordestino. O romance é construído por meio da somatória de
capítulos independentes, muitos dos quais foram publicados como contos em
revistas da época.
Fabiano
E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos
outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos: mas como vivia
em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se na presença dos brancos e julgava-se
cabra. (RAMOS, 1969, p. 58)
Contas
Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou o gado, arrependeu-se, enfim deixou a
transação meio apalavrada e foi consultar a mulher. Sinha Vitória mandou os meninos para o
barreiro, sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu no chão sementes de várias espécies,
realizou somas e diminuições. No dia seguinte Fabiano voltou à cidade, mas ao fechar o
negócio notou que as operações de Sinha Vitória, como de costume, diferiam das do patrão.
Reclamou e obteve a explicação habitual: a diferença era proveniente de juros.
Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que
era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se
descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando
o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar
carta de alforria!
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O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que o vaqueiro fosse procurar serviço
noutra fazenda.
Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem. Não era preciso barulho não. Se havia
dito palavra à toa, pedia desculpa. Era bruto, não fora ensinado. Atrevimento não tinha,
conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia lá puxar questão com gente rica? Bruto, sim senhor, mas
sabia respeitar os homens. Devia ser ignorância da mulher, provavelmente devia ser ignorância
da mulher. Até estranhara as contas dela. Enfim, como não sabia ler (um bruto, sim senhor),
acreditara na sua velha. Mas pedia desculpa e jurava não cair noutra.
O amo abrandou, e Fabiano saiu de costas, o chapéu varrendo o tijolo. Na porta, virando-se,
enganchou as rosetas das esporas, afastou-se tropeçando, os sapatões de couro cru batendo
no chão como cascos. (RAMOS, 1969, p. 158-159)
Memórias do Cárcere
O duro processo de desumanização do homem apresentado por Graciliano na
sua obra ficcional também se observa nos seu relato autobiográfico Memórias do
Cárcere, em que conta seu período de aprisionamento pela ditadura. Preso, o homem
endurece e, mesmo encontrando mostras de solidariedade, acaba por se brutalizar:
O indivíduo livre não entende a nossa vida além das grades, as oscilações do caráter e da
inteligência, desespero sem causa aparente, a covardia substituída por atos de coragem
doida. Somos animais desequilibrados, fizeram-nos assim, deram-nos almas incompatíveis.
Sentimos em demasia, o pensamento já não existe: funciona e para. Querem reduzir-nos a
máquinas. Máquinas perras e sem azeite. […] A cadeia não é brinquedo literário. (RAMOS,
1985, p. 215, v. 2)
Texto complementar
Baleia
A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pelo caíra-lhe
em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas
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Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidro-
fobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queima-
dos. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou
metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas
murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base, cheia de moscas,
semelhante a uma cauda de cascavel.
Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem
dizer não se diferençavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que
ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras.
— Capeta excomungado.
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[...]
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Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas o cheiro vinha
fraco e havia nele partículas de outros viventes. Parecia que o morro se tinha
distanciado muito. Arregaçou o focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade
de subir a ladeira e perseguir os preás, que pulavam e corriam em liberdade.
Esqueceu-os e de novo lhe veio o desejo de morder Fabiano, que lhe apa-
receu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão. Não
conhecia o objeto, mas pôs-se a tremer, convencida de que ele encerrava
surpresas desagradáveis. Fez um esforço para desviar-se daquilo e encolher
o rabo. Cerrou as pálpebras pesadas e julgou que o rabo estava encolhido.
Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha,
sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para
juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas.
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Abriu os olhos a custo. Agora havia uma grande escuridão, com certeza o
sol desaparecera.
Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não atri-
buía a esse desastre a impotência em que se achava nem percebia que estava
livre de responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Pre-
cisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas
ribanceiras, rondar, as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na
esteira, por baixo do caritó onde Sinhá Vitória guardava o cachimbo.
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Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lambe-
ria as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com
ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo
ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.
Estudos literários
1. Você vai encontrar, a seguir, três fragmentos de diferentes capítulos do ro-
mance São Bernardo, de Graciliano Ramos. Leia-os, para responder às ques-
tões que os seguem.
– Não.
Casimiro Lopes acocora-se num canto. Volto a sentar-me, releio estes pe-
ríodos chinfrins.
II
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[...]
– Casimiro?
– Casimiro?
III
Às vezes entro pela noite, passo tempo sem fim acordando lembranças.
Outras vezes não me ajeito com esta ocupação nova.
[...]
Lá fora há uma treva dos diabos, um grande silêncio. Entretanto o luar entra
por uma janela fechada e o nordeste furioso espalha folhas secas no chão.
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E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que hora, até que, morto de
fadiga, encoste a cabeça à mesa e descanse uns minutos.
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– Inferno, inferno.
Não acreditava que um nome tão bonito servisse para designar coisa ruim.
E resolvera discutir com Sinhá Vitória. Se ela houvesse dito que tinha ido ao
inferno, bem. Sinhá Vitória impunha-se, autoridade visível e poderosa. Se hou-
vesse feito menção de qualquer autoridade invisível e mais poderosa, muito
bem. Mas tentara convencê-lo dando-lhe um cocorote, e isto lhe parecia ab-
surdo. Achava as pancadas naturais quando as pessoas grandes se zangavam,
pensava até que a zanga delas era a causa única dos cascudos e puxavantes de
orelhas. Esta convicção tornava-o desconfiado, fazia-o observar os pais antes
de se dirigir a eles. Animara-se a interrogar Sinhá Vitória porque ela estava bem
disposta. Explicou isto à cachorrinha com abundância do gritos e gestos.
Festa
(RAMOS, 1969, p. 141-142)
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A Geração de 1945
O término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) na Europa coincidiu
com a derrocada da ditadura Vargas, o Estado Novo (1937-1945), no Brasil.
Então, os escritores brasileiros, que tanto lutaram contra a ditadura e sofre-
ram com a falta de liberdade, puderam se dedicar à busca de novos rumos
para a literatura. A reconstrução democrática foi paralela à procura de um
maior rigor e aprofundamento nos processos de elaboração poéticos e fic-
cionais. Buscaram-se critérios. Seja retomando o que havia sido combatido
pelos primeiros modernistas, como o fizeram os poetas neomodernistas ou
Geração de 1945, seja no adensamento das conquistas das gerações ante-
riores, efetuado por João Guimarães Rosa (1908-1967) e Clarice Lispector
(1920-1977), na prosa, e João Cabral de Melo Neto (1920-1999), na poesia.
Mineiro e universal
Nascido em Cordisburgo, Minas Gerais, em 1908, João Guimarães Rosa
lá viveu até os dez anos de idade, quando se transferiu para Belo Horizon-
te. Em 1926, ingressou na Faculdade de Medicina. Formado, foi clinicar no
interior do estado, onde estudou línguas estrangeiras e investigou minu-
ciosamente a língua falada pelo povo.
O estilo insólito
Embora centrada em uma região particular (o sertão mineiro), a obra de João
Guimarães Rosa em muito extrapola os limites do regionalismo convencional.
A partir do aprofundamento no regional, Rosa investiga questões psicológicas,
sociais ou filosóficas universais. “O sertão está em toda parte”, disse ele, ou ainda
“O sertão é dentro da gente”. No sertão, vemos reencenadas as aflições do Fausto
alemão, as relações de amizade entre Aquiles e Pátroclo, da Ilíada de Homero
(séc. VIII a. C.), a linguagem experimental de James Joyce (1882-1941).
A obra
Após Sagarana, João Guimarães Rosa só viria a publicar de novo em 1956,
mas esse retorno foi com toda a força, lançando seu único romance, a obra-pri-
ma Grande Sertão: veredas e, ainda no mesmo ano, a monumental coletânea de
novelas Corpo de Baile. Esse volume seria desmembrado, a partir de 1964, em
três livros: Manuelzão e Miguilim, em que se encontra a novela “Campo Geral”;
Urubuquaquá, no Pinhém, no qual está “O Recado do Morro”; e Noites do Sertão.
O volume de contos Tutameia: terceiras estórias (1967) seria seu último livro
publicado em vida, seguido pelo lançamento póstumo de Estas Estórias (1969) e
Ave, Palavra (1970), reunindo contos e relatos autobiográficos.
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Sagarana
O livro de estreia de Guimarães Rosa apresenta nove contos grandes situados
no sertão mineiro, cuja temática está centrada em questões universais, como a
honra, a memória, a religiosidade e a busca de purificação.
Até que Matraga sofre uma emboscada e é dado como morto. Dinorá e a filha
partem com Ovídio Moura, que deseja que Dinorá seja sua companheira.
Depois de muito tempo nessa vida áspera, ele descobre que, embora estives-
se feliz com Ovídio, sua filha Dinorá estava se prostituindo. Decide procurá-la e,
no trajeto, reencontra Joãozinho Bem-Bem, chefe jagunço com quem travara
amizade e a quem hospedara em sua casa antes de sua quase-morte.
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– Eu acho boa essa ideia de se mudar para longe, meu filho. Você não deve pensar mais na
mulher, nem em vinganças. Entregue para Deus, e faça penitência. Sua vida foi entortada no
verde, mas não fique triste, de modo nenhum, porque a tristeza é aboio de chamar o demônio,
e o Reino do Céu, que é o que vale, ninguém tira de sua algibeira, desde que você esteja com
a graça de Deus, que ele não regateia a nenhum coração contrito!
– Fé eu tenho, fé eu peço, Padre...
– Você nunca trabalhou, não é? [...] Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia
de capina com sol quente, que às vezes custa muito a passar, mas sempre passa. E você ainda
pode ter muito pedaço bom de alegria... Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a
sua. (ROSA, 1994, p. 441. v. 1)
Sem saber se fez realmente esse pacto, ele passa o resto da vida com medo
de perder sua alma, tentando descobrir se o demônio realmente existe:
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De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil
de dificel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp’ro, não fantasêia. Mas, agora, feita a folga
que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei neste gosto,
de especular ideia. O diabo existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias. O
senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água se caindo por
ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma?
Viver é negócio muito perigoso... (ROSA, 1994, p. 11-12, v. 2)
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Campo Geral
Esta novela, uma das mais lidas de Guimarães Rosa, é também um de seus
textos mais comoventes. O garoto Miguilim mora no Mutum, um local remoto
dos Campos Gerais, com sua família. Nhô Bero, pai de Miguilim, é um homem
rude e grosseiro que frequentemente é traído por Nhanina, sua insatisfeita e
infeliz esposa – até mesmo com Terez, que é irmão de Nhô Bero. Miguilim se
relaciona melhor com o tio Tereza que com o pai. Dito (o irmão mais próximo de
Miguilim) é curioso, perspicaz e objetivo, enquanto Miguilin é sonhador e mís-
tico, sendo capaz de inventar histórias mirabolantes. Acima de tudo, Miguilim
parece ser distraído, incapaz de ver a realidade objetivamente. Após uma série
de acontecimentos dramáticos, como a morte do irmão e o suicídio do pai, Mi-
guilim (que jamais havia visto um médico) é visitado pelo doutor José Lourenço.
O médico percebe que o garoto é completamente míope e, dando-lhe os óculos
que lhe permitem ver claramente o Mutum e as pessoas amadas pela primeira
vez, leva-o para ser educado na cidade.
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– É Mãe, e os meninos...
Estava Mãe, estava Tio Terez, estavam todos. O senhor alto e claro se apeou. O outro, que vinha
com ele, era um camarada. O senhor perguntava à Mãe muitas coisas do Miguilim. Depois
perguntava a ele mesmo: – “Miguilim, espia daí: quantos dedos da minha mão você está
enxergando? E agora?”
Miguilim espremia os olhos. Drelina e a Chica riam. Tomezinho tinha ido se esconder.
– Este nosso rapazinho tem a vista curta. Espera aí, Miguilim...
E o senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim, com todo o jeito.
– Olha, agora!
Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e
diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra,
as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui,
ali, meu Deus, tanta coisa, tudo... O senhor tinha retirado dele os óculos, e Miguilim ainda
apontava, falava, contava tudo como era, como tinha visto. Mãe esteve assim assustada; mas o
senhor dizia que aquilo era do modo mesmo, só que Miguilim também carecia de usar óculos,
dali por diante. O senhor bebia café com eles. Era o doutor José Lourenço, do Curvelo. Tudo
podia. Coração de Miguilim batia descompasso, ele careceu de ir lá dentro, contar à Rosa, à
Maria Pretinha, a Mãitina. A Chica veio correndo atrás, mexeu: – “Miguilim, você é piticego...” E
ele respondeu: – “Donazinha...”
Quando voltou, o doutor José Lourenço já tinha ido embora.
– Você está triste, Miguilim? – Mãe perguntou.
Miguilim não sabia. Todos eram maiores do que ele, as coisas reviravam sempre de um modo
tão diferente, eram grandes demais. (ROSA, 1994, p. 540-541. v. 1)
Primeiras Estórias
O livro Primeiras Estórias reúne 21 dos mais importantes contos já escritos na
língua portuguesa. São narrativas curtas, densas e de uma elaboração linguística
extraordinária. Podemos dizer que, neste livro, Rosa atingiu o ápice do seu poder
de concisão e de experimentação ficcional. Vejamos algumas importantes consi-
derações da professora tcheca Zuzana Burianová:
Com ainda maior intensidade e seleção do que o conto, a estória instala um recorte agudo
no contínuo temporal e, depurando tudo o que é secundário, reduz o fragmento captado às
linhas enxutas e essenciais. Como afirma Paulo Rónai no prefácio à 9.ª edição de Primeiras
estórias, as estórias roseanas giram em torno de um acontecimento, porém não no sentido
geral de uma ocorrência. A maioria das narrativas é marcada pelo já mencionado “tom menor”
à maneira de Tchekov, ou seja, pela falta de um conflito exterior tradicionalmente colocado
no final; em vez disso deparamos frequentemente com uma tensão que se resolve no plano
psíquico das personagens.
As narrativas de Rosa captam em geral momentos únicos, instantes de percepção da existência
na sua totalidade, de apreensão da essência do objeto. Ultrapassam os seus limites de puras
anedotas inseridas na “história” e, devido ao tratamento universal dos assuntos particulares, à
sua própria estrutura em aberto assim como à atmosfera do mistério criada pela irrupção do
irreal e insólito, entram na ordem intemporal. Este “prolongamento” além dos limites da ação
é também sugerido no próprio índice geral da 9.ª edição onde aparece, nos desenhos feitos
a pedido do autor por Luís Jardim, o signo do infinito, símbolo da eternidade. A recorrência
deste signo no início e no final de cada desenho poderia igualmente indicar que todas as
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narrativas, apesar da sua variedade temática e estrutural, formam pela atmosfera e impressão
que deixam no leitor um conjunto homogêneo no qual cada narrativa como se se referisse a
outras, como se só por elas fosse completada. Com esta interdependência das estórias cria-
se uma impressão do ciclo, apoiada também pela estreita relação que entre si guardam a
primeira e a última estória, interligadas, em termos de enredo, pelo aparecimento das mesmas
personagens e motivos. Não se trata, porém, no caso destas duas narrativas centradas em
momentos-limite na formação de uma criança, de uma simples recorrência. Trata-se mais
de uma renovação, de uma recriação qualitativa, pois existe entre elas um deslocamento da
percepção do protagonista que leva em si a ideia de amadurecimento, sabedoria e perfeição
sempre presentes no fluir do tempo por mais pequenos que sejam, como o autor confirma
em outro lugar: “O mundo se repete mal é porque há um imperceptível avanço” (“Lá nas
campinas”). (BURIANOVÁ, 2008)
Aquilo na noite do nosso teatrinho foi de Oh. O estilo espavorido. Ao que sei, que se saiba,
ninguém soube sozinho direito o que houve. Ainda, hoje adiante, anos, a gente se lembra:
mas, mais do repente que da desordem, e menos da desordem do que do rumor. Depois, os
padres falaram em pôr fim a festas dessas, no colégio. Quem nada podia mesmo explicar, o
ensaiador, Dr. Perdigão, lente de corografia e história-pátria, voltou para seu lugar, sua terra;
se vive, estará lá já após de velho. E o em-diabo pretinho Alfeu, corcunda? Astramiro, agora
aeroviário, e o Joaquincas – bookmaker e adjazidas atividades – com ambos raro em raro
me encontro, os fatos recordam-se. A peça ia ser o drama Os Filhos do Doutor Famoso, só
em cinco atos. Tivemos culpa de seu indesfecho, os escolhidos para o representar? Às vezes
penso. Às vezes, não. Desde a hora em que, logo num recreio de depois do almoço, o regente
Seu Siqueira, o Surubim sisudo de mistérios, veio chamar-nos para a grande novidade, o
pacto de puro entusiasmo nosso avançara, sem sustar-se. Éramos onze, digo, doze. (ROSA,
1994, p. 415, v. 2)
“Ao que sei, que se saiba, ninguém soube sozinho direito o que houve.” A rei-
teração do verbo saber reforça a ideia de que ninguém conseguiu entender
direito o fato. “Saber sozinho direito” refere-se a compreender, digerir.
“Ainda, hoje adiante, anos, a gente se lembra: mas, mais do repente que
da desordem, e menos da desordem do que do rumor.” A memória do
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Texto complementar
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Sorôco estava dando o braço a elas, uma de cada lado. Em mentira, pare-
cia entrada em igreja, num casório. Era uma tristeza. Parecia enterro. Todos
ficavam de parte, a chusma de gente não querendo afirmar as vistas, por
causa daqueles trasmodos e despropósitos, de fazer risos, e por conta de
Sorôco – para não parecer pouco caso. Ele hoje estava calçado de botinas,
e de paletó, com chapéu grande, botara sua roupa melhor, os maltrapos. E
estava reportado e atalhado, humildoso. Todos diziam a ele seus respeitos,
de dó. Ele respondia: – “Deus vos pague essa despesa...”
O que os outros se diziam: que Sorôco tinha tido muita paciência. Sendo
que não ia sentir falta dessas transtornadas pobrezinhas, era até um alívio.
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Isso não tinha cura, elas não iam voltar, nunca mais. De antes, Sorôco aguen-
tara de repassar tantas desgraças, de morar com as duas, pelejava. Daí, com
os anos, elas pioraram, ele não dava mais conta, teve de chamar ajuda, que
foi preciso. Tiveram que olhar em socorro dele, determinar de dar as provi-
dências, de mercê. Quem pagava tudo era o Governo, que tinha mandado
o carro. Por forma que, por força disso, agora iam remir com as duas, em
hospícios. O se seguir.
Aí que já estava chegando a horinha do trem, tinham de dar fim aos apres-
tes, fazer as duas entrar para o carro de janelas enxequetadas de grades.
Assim, num consumiço, sem despedida nenhuma, que elas nem haviam de
poder entender. Nessa diligência, os que iam com elas, por bem-fazer, na
viagem comprida, eram o Nenego, despachado e animoso, e o José Aben-
çoado, pessoa de muita cautela, estes serviam para ter mão nelas, em toda
juntura. E subiam também no carro uns rapazinhos, carregando as trouxas e
malas, e as coisas de comer, muitas, que não iam fazer míngua, os embrulhos
de pão. Por derradeiro, o Nenego ainda se apareceu na plataforma, para os
gestos de que tudo ia em ordem. Elas não haviam de dar trabalhos.
Sorôco.
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Estudos literários
Leia o fragmento a seguir, do conto “Famigerado”, do livro Primeiras Estórias,
de João Guimarães Rosa, para responder às questões.
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Disse, de golpe, trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso seco. Mas,
o gesto, que se seguiu, imperava-se de toda a rudez primitiva, de sua presen-
ça dilatada. Detinha minha resposta, não queria que eu a desse de imediato.
E já aí outro susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga,
invencionice de atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem; que muito,
pois, que aqui ele se famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a
vexatória satisfação?
– Saiba vosmecê que saí ind’hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis
léguas, expresso direto pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro...
– Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem
tem o legítimo – o livro que aprende as palavras... É gente pra informação
torta, por se fingirem de menos ignorâncias... Só se o padre, no São Ão, capaz,
mas com padres não me dou: eles logo engambelam... A bem. Agora, se me
faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que
é, o que já lhe preguntei?
– Famigerado?
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– Olhe: eu, como o Sr. me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma
hora destas era ser famigerado – bem famigerado, o mais que pudesse!...
1. Para esta primeira questão, leia também o verbete abaixo, do Dicionário Ele-
trônico Aurélio.
Famigerado. [Do lat. famigeratu.] Adj. 1. Que tem fama; muito notável;
célebre, famoso, famígero: “Não têm os biógrafos do famigerado romancis-
ta achado documentos nem tradições com que esclarecer sobejamente os
primeiros anos de Cervantes.” (Latino Coelho, Cervantes, p. 51-52); “Naquela
casa de Vila Cova ... floresceram ... padres de muito saber, uns famigerados na
oratória, outros grandes casuístas” (Camilo Castelo Branco, O Bem e o Mal, p.
39); “Tinha visto aquele encaminhar-se à engenhoca, o que o fizera acreditar
que entre os malfeitores ... se achava o famigerado bandido” (Franklin Távora,
O Cabeleira, p. 202). [Como se vê nos dois primeiros exemplos, a palavra não
se aplica só a malfeitores, embora no uso comum se observe tendência para
isso.] 2. Pop. Faminto, esfomeado.
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a) “Lá, e por estes meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem
têm o legítimo – o livro que aprende as palavras... É gente pra informação
torta, por se fingirem de menos ignorâncias...”
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a) verivérbio:
b) mumumudos:
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Iniciada em Recife, sua paixão pela literatura se tornou refúgio para a vida
isolada da menina que se transferiu para o Rio de Janeiro aos 12 anos. Pas-
sando horas na biblioteca do colégio e perambulando por livrarias, encon-
trou as obras do russo Fiodor Dostoievski (1821-1881) e de alguns escritores
de língua inglesa – James Joyce (1882-1941), Virginia Woolf (1882-1941) e
Katherine Mansfield (1888-1923).
Já nesse primeiro livro, identifica-se o estilo muito pessoal da escritora. Nas suas
páginas, Clarice explora pela primeira vez a solidão e a incomunicabilidade humana,
por meio de uma prosa inquieta, em determinados momentos próxima da poesia.
A ação interior
Desde os primeiros contos de adolescente (depois reunidos no volume
póstumo A Bela e a Fera, 1979), a obra de Clarice Lispector é marcada por uma
busca incessante de interiorização. Mais que as ações, importam as reações das
personagens:
Começou a ficar escuro e ela teve medo. A chuva caía sem tréguas e as calçadas brilhavam
úmidas à luz das lâmpadas. Passavam pessoas de guarda-chuva, impermeável, muito
apressadas, os rostos cansados. Os automóveis deslizavam pelo asfalto molhado e uma ou
outra buzina tocava maciamente.
Quis sentar-se num banco do jardim, porque na verdade não sentia a chuva e não se importava
com o frio. Só mesmo um pouco de medo, porque ainda não resolvera o caminho a tomar.
O banco seria um ponto de repouso. Mas os transeuntes olhavam-na com estranheza e ela
prosseguia na marcha.
Estava cansada. Pensava sempre: “Mas que é que vai acontecer agora?” Se ficasse andando.
Não era solução. Voltar para casa? Não. Receava que alguma força a empurrasse para o ponto
de partida. Tonta como estava, fechou os olhos e imaginou um grande turbilhão saindo do Lar
Elvira, aspirando-a violentamente e recolocando-a junto da janela, o livro na mão, recompondo
a cena diária. Assustou-se. Esperou um momento em que ninguém passava para dizer com
toda a força: “Você não voltará”. Apaziguou-se.
Agora que decidira ir embora tudo renascia. Se não estivesse tão confusa, gostaria infinitamente
do que pensara ao cabo de duas horas: “Bem, as coisas ainda existem”. Sim, simplesmente
extraordinária a descoberta. Há doze anos era casada e três horas de liberdade restituíram-
na quase inteira a si mesma: – primeira coisa a fazer era ver se as coisas ainda existiam. Se
representasse num palco essa mesma tragédia, se apalparia, beliscaria para saber se desperta.
O que tinha menos vontade de fazer, porém, era de representar.
Não havia, porém, somente alegria e alívio dentro dela. Também um pouco de medo e doze
anos [...].
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Agora a chuva parou. Só está frio e muito bom. Não voltarei para casa. Ah, sim, isso é
infinitamente consolador. Ele ficará surpreso? Sim, doze anos pesam como quilos de chumbo.
Os dias se derretem, fundem-se e formam um só bloco, uma grande âncora. E a pessoa está
perdida. Seu olhar adquire um jeito de poço fundo. Água escura e silenciosa. Seus gestos
tornam-se brancos e ela só tem um medo na vida; que alguma coisa venha transformá-la. Vive
atrás de uma janela, olhando pelos vidros a estação das chuvas cobrir a do sol, depois tornar
o verão e ainda as chuvas de novo. Os desejos são fantasmas que se diluem mal se acende a
lâmpada do bom senso. Por que é que os maridos são o bom senso? O seu é particularmente
sólido, bom e nunca erra. Das pessoas que só usam uma marca de lápis e dizem de cor o que
está escrito na sola dos sapatos. Você pode perguntar-lhe sem receio qual o horário dos trens,
o jornal de maior circulação e mesmo em que região do globo os macacos se reproduzem com
maior rapidez.
Ela ri. Agora pode rir... Eu comia caindo, dormia caindo, vivia caindo. Vou procurar um lugar
onde pôr os pés...
Achou tão engraçado esse pensamento que se inclinou sobre o muro e pôs-se a rir. Um homem
gordo parou a certa distância, olhando-a. Que é que eu faço? Talvez chegar perto e dizer: “Meu
filho, está chovendo”’. Não. “Meu filho, eu era uma mulher casada e sou agora uma mulher”.
Pôs-se a caminhar e esqueceu o homem gordo.
Abre a boca e sente o ar fresco inundá-la. Por que esperou tanto tempo por essa renovação? Só
hoje, depois de doze séculos. Saíra do chuveiro frio, vestira uma roupa leve, apanhara um livro.
Mas hoje era diferente de todas as tardes dos dias de todos os anos. Fazia calor e ela sufocava.
Abriu todas as janelas e as portas. Mas não: o ar ali estava, imóvel, sério, pesado. Nenhuma
viração e o céu baixo, as nuvens escuras, densas. (LISPECTOR, 1979, p. 99-102)
Esses momentos de revelação são epifanias, para usar o termo bíblico em-
pregado por James Joyce. Muitas vezes essas epifanias vêm acompanhadas por
uma intensa náusea existencial, como ocorre no conto “Perdoando Deus”, de Fe-
licidade Clandestina:
Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas,
sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de
uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco
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a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se
intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade.
Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de
Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória,
sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. [...]
E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era
o meu amor apenas livre.
E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada
pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava
como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas,
terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que
não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda
enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos.
Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca
infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira
minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contiguidade ligava-os. Os dois fatos
tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a
revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que
estava Deus querendo me lembrar? [...] Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um
rato. Não naquele instante. [...] Então era assim? Eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem
precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria
de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. (LISPECTOR, 1975, p. 37-39)
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Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que
não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria
pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever,
tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português.
Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português
fosse virgem e límpida. (LISPECTOR, 2008)
Vejamos também estas reflexões agudas sobre o ato de escrever: “Não posso
escrever enquanto estou ansiosa ou espero soluções porque em tais períodos
faço tudo para que as horas passem; escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo
em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível”
(LISPECTOR, 1980, p. 177).
Suas obras Água Viva (1973) e Um Sopro de Vida (1978) abandonam comple-
tamente a narrativa tradicional e sequer são designadas como romances. Clarice
elimina a intriga, desenvolvendo monólogos fragmentários e introspectivos. Ve-
jamos um trecho de Água Viva:
Meu tema é o instante? Meu tema de vida. Procuro estar a par dele, divido-me milhares de
vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os
momentos – só me comprometo como a vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no
tempo há espaço para mim. [...]
Para te dizer o meu substrato faço uma frase de palavras feitas apenas dos instantes-já. Lê
então o meu invento de pura vibração sem significado senão o de cada esfuziante sílaba, lê o
que agora se segue: “com o correr dos séculos perdi o segredo do Egito, quando eu me movia
em longitude, latitude e altitude com ação energética dos elétrons, prótons, nêutrons, no
fascínio que é a palavra e sua sombra.” Isso que te escrevi é um desenho eletrônico e não tem
passado ou futuro: é simplesmente já.
[…]
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Agora vou escrever ao correr da mão: não mexo no que ela escrever. Esse é um modo de não haver
defasagem entre o instante e eu: ajo no âmago do próprio instante. (LISPECTOR, 1980, p. 10-11, 54)
A Hora da Estrela
Em A Hora da Estrela (1977), seu último romance publicado em vida, Clarice
Lispector acrescenta a preocupação social ao descrever a vida da miserável nor-
destina Macabéa no Rio de Janeiro. Dedicar-se a questões sociais era um desejo
antigo da autora:
Em Recife, onde morei até 12 anos de idade, havia muitas vezes nas ruas um aglomerado
de pessoas diante das quais alguém discursava ardorosamente sobre a tragédia social. E
lembro-me de como eu vibrava e de como eu me prometia que um dia esta seria a minha
tarefa: a de defender os direitos dos outros.
No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que
profundamente se sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, muito pouco. (apud GOTLIB, 1995, p. 123)
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esta história deu uma fisgada funda em plena boca nossa. Então eu canto alto agudo uma
melodia sincopada e estridente – é a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há falta
de felicidade. Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que
andam por aí aos montes.
[...]
Como é que sei tudo o que vai se seguir e que ainda o desconheço, já que nunca o vivi? É que
numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o sentimento de perdição no rosto de uma
moça nordestina. Sem falar que eu em menino me criei no Nordeste. Também sei das coisas
por estar vivendo. Quem vive sabe, mesmo sem saber que sabe. Assim é que os senhores
sabem mais do que imaginam e estão fingindo de sonsos.
Proponho-me a que não seja complexo o que escreverei, embora obrigado a usar as
palavras que vos sustentam. A história – determino com falso livre-arbítrio – vai ter uns sete
personagens e eu sou um dos mais importantes deles, é claro. Eu, Rodrigo S. M. Relato antigo,
este, pois não quero ser modernoso e inventar modismos à guisa de originalidade. Assim é que
experimentarei contra os meus hábitos uma história com começo, meio e gran finale seguido
de silêncio e de chuva caindo. (LISPECTOR, 1978, p. 15-16)
Esse narrador complexo tem uma curiosa relação com a dor: é o sofrimento
(físico e psicológico) que parece movê-lo. Sua relação com a nordestina (cujas pe-
ripécias narra) é ao mesmo tempo de repulsa e de atração, asco e carinho, dor e
prazer... O que pode ser uma boa pista para interpretarmos o seu nome – Rodrigo
S. M. A sigla S. M. é internacionalmente conhecida por remeter ao sadomasoquis-
mo. Como toda a sociedade que está acima da linha da miséria, Rodrigo tem uma
relação complexa, uma relação de amor e ódio com os miseráveis – como Maca-
béa. Vejamos como a heroína é descrita:
Sei que há moças que vendem o corpo, única posse real, em troca de um bom jantar em vez
de um sanduíche de mortadela. Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender,
ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém.
(...)
Nascera inteiramente raquítica: herança do sertão – os maus antecedentes de que falei. Com
dois anos de idade lhe haviam morrido os pais de febres ruins no sertão de Alagoas, lá onde
o Judas perdera as botas. Muito depois fora para Maceió com a tia beata, única parenta sua
no mundo. Uma ou outra vez se lembrava de coisa esquecida. Por exemplo a tia lhe dando
cascudos no alto da cabeça porque o cocoruto de uma cabeça devia ser, imaginava a tia, um
ponto vital. Dava-lhe sempre com os nós dos dedos na cabeça de ossos fracos por falta de
cálcio. Batia mas não era somente porque ao bater gozava de grande prazer sensual – a tia que
não se casara por nojo – é que também considerava de dever seu evitar que a menina viesse
um dia a ser uma dessas moças que em Maceió ficavam nas ruas de cigarro aceso esperando
homem. Embora a menina não tivesse dado mostras de no futuro não vir a ser vagabunda de
rua. Pois até mesmo o fato de vir a ser uma mulher não parecia pertencer à sua vocação. A
mulherice só lhe nasceria tarde porque até no capim vagabundo há desejo de sol. As pancadas
ela esquecia pois esperando-se um pouco a dor termina por passar. Mas o que doía mais era ser
privada da sobremesa de todos os dias: goiabada com queijo, a única paixão de sua vida. Pois
não era que esse castigo se tornara o predileto da tia sabida? A menina não perguntava por
que era sempre castigada mas nem tudo precisava saber e não saber fazia parte importante
de sua vida.
Esse não-saber pode parecer ruim mas não é tanto porque ela sabia muita coisa assim como
ninguém ensina cachorro a abanar o rabo e nem a pessoa a sentir fome; nasce-se e fica-se logo
sabendo. Assim como ninguém lhe ensinaria a morrer: na certa morreria um dia como se antes
tivesse estudado de cor a representação do papel de estrela. Pois na hora da morte a pessoa se
torna brilhante estrela de cinema, é o instante de glória de cada um e é quando como no canto
coral se ouvem agudos sibilantes.
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Quando era pequena tivera vontade intensa de criar um bicho. Mas a tia achava que ter um
bicho era mais uma boca para comer. Então a menina inventou que só lhe cabia criar pulgas
pois não merecia o amor de um cão. Do contacto com a tia ficara-lhe a cabeça baixa. Mas a sua
beatice não lhe pegara: morta a tia, ela nunca mais fora a uma igreja porque não sentia nada e
as divindades lhe eram estranhas. (LISPECTOR, 1978, p. 18, 35-36)
Embora Macabéa chegue a irritar Rodrigo (e a nós também) com sua passivi-
dade, ignorância e imobilismo, o narrador insiste em reforçar a ideia de que ela
tem sim vida interior:
Tinha o que se chama de vida interior e não sabia que tinha. Vivia de si mesma como se comesse
as próprias entranhas. Quando ia ao trabalho parecia uma doida mansa porque ao correr do
ônibus devaneava em altos e deslumbrantes sonhos. Estes sonhos, de tanta interioridade,
eram vazios porque lhes faltava o núcleo essencial de uma prévia experiência de – de êxtase,
digamos. A maior parte do tempo tinha sem o saber o vazio que enche a alma dos santos. Ela
era santa? Ao que parece. Não sabia que meditava pois não sabia o que queria dizer a palavra. Mas
parece-me que sua vida era uma longa meditação sobre o nada. Só que precisava dos outros
para crer em si mesma, senão se perderia nos sucessivos e redondos vácuos que havia nela.
Meditava enquanto batia à máquina e por isso errava ainda mais. (LISPECTOR, 1978, p. 47)
Tanto tinha vida interior que vivenciava vários momentos de epifania, inten-
sos momentos de revelação interior:
Devo registrar aqui uma alegria. É que a moça num aflitivo domingo sem farofa teve uma
inesperada felicidade que era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando
o leve êxtase, ambicionou logo outro: queria ver, como uma vez em Maceió, espocarem mudos
fogos de artifício. Ela quis mais porque é mesmo uma verdade que quando se dá a mão, essa
gentinha quer todo o resto, o zé-povinho sonha com fome de tudo. E quer mas sem direito
algum, pois não é? Não havia meio – pelo menos eu não posso – de obter os multiplicantes
brilhos em chuva chuvisco dos fogos de artifício. (LISPECTOR, 1978, p. 44)
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Esta “miséria anônima”, que é Macabéa, é a própria inocência que vai sendo
pisada cada vez mais e mais intensamente durante o transcorrer da narrativa.
Pisada pelos homens e pelo destino, por sua condição social e cultural, pela vida,
enfim. E com isso o leitor vai ficando mais arrasado, sentindo-se culpado, como
Rodrigo S. M., pela situação de miséria social e mental de Macabéa.
Texto complementar
Leia o trecho final do romance A Hora da Estrela. No início do fragmento, te-
mos as previsões de madame Carlota para Macabéa e, depois, o desfecho do
romance.
Quanto ao futuro
(LISPECTOR, 1978, p. 96-104)
Mas Macabeazinha, que vida horrível a sua! [...] Tenho grandes notícias para
lhe dar: Sua vida vai mudar completamente! [...] Até seu namorado vai voltar e
propor casamento [...] e seu chefe não vai mais lhe despedir! E tem mais! Um
dinheiro grande vai lhe entrar pela porta adentro em horas da noite trazido por
um homem estrangeiro [...] Ele é alourado e tem olhos azuis ou verdes ou casta-
nhos ou pretos. [...] Parece se chamar Hans, e é ele quem vai se casar com você!
[...]
Macabéa ao cair ainda teve tempo de ver, antes que o carro fugisse, que
já começavam a ser cumpridas as predições de madama Carlota, pois o carro
era de alto luxo. Sua queda não era nada, pensou ela, apenas um empurrão.
Batera com a cabeça na quina da calçada e ficara caída, a cara mansamente
201
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[...]
[...]
Acho com alegria que ainda não chegou a hora de estrela de cinema de
Macabéa morrer. Pelo menos ainda não consigo adivinhar se lhe acontece o
homem louro e estrangeiro. Rezem por ela e que todos interrompam o que
estão fazendo para soprar-lhe vida, pois Macabéa está por enquanto solta
no acaso como a porta balançando ao vento no infinito. Eu poderia resolver
pelo caminho mais fácil, matar a menina-infante, mas quero o pior: a vida. Os
que me lerem, assim, levem um soco no estômago para ver se é bom. A vida
é um soco no estômago.
(...)
Aí Macabéa disse uma frase que nenhum dos transeuntes entendeu. Disse
bem pronunciado e claro:
– Quanto ao futuro.
Terá tido ela saudade do futuro? Ouço a música antiga de palavras e pa-
lavras, sim, é assim. Nesta hora exata Macabéa sente um fundo enjoo de es-
tômago e quase vomitou, queria vomitar o que não é corpo, vomitar algo
luminoso. Estrela de mil pontas.
O que é que estou vendo agora e que me assusta? Vejo que ela vomitou
um pouco de sangue, vasto espasmo, enfim o âmago tocando no âmago:
vitória!
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Sim, foi este o modo como eu quis anunciar que – que Macabéa morreu.
Vencera o Príncipe das Trevas. Enfim a coroação.
Qual foi a verdade de minha Maca? Basta descobrir a verdade que ela
logo já não é mais: passou o momento. Pergunto: o que é? Resposta: não é.
Mas que não se lamentem os mortos: eles sabem o que fazem. Eu estive
na terra dos mortos e depois do terror tão negro ressurgi em perdão. Sou
inocente! Não me consumam! Não sou vendável! Ai de mim, todo na perdi-
ção e é como se a grande culpa fosse minha. Quero que me lavem as mãos e
os pés e depois – depois que os untem com óleos santos de tanto perfume.
Ah que vontade de alegria. Estou agora me esforçando para rir em grande
gargalhada. Mas não sei por que não rio. A morte é um encontro consigo.
Deitada, morta, era tão grande como um cavalo morto. O melhor negócio é
ainda o seguinte: não morrer, pois morrer é insuficiente, não me completa,
eu que tanto preciso.
Macabéa me matou.
Ela estava enfim livre de si e de nós. Não vos assusteis, morrer é um ins-
tante, passa logo, eu sei porque acabo de morrer com a moça. Desculpai-me
esta morte. É que não pude evitá-la, a gente aceita tudo porque já beijou a
parede. Mas eis que de repente sinto o meu último esgar de revolta e uivo: o
morticínio dos pombos!!! Viver é luxo.
Pronto, passou.
Morta, os sinos badalavam mas sem que seus bronzes lhes dessem som.
Agora entendo esta história. Ela é a iminência que há nos sinos que quase-quase
badalam.
Silêncio.
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Eu vos pergunto:
Sim.
Estudos literários
1. Leia o trecho abaixo, de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector (1978, p. 54),
para responder ao que se pede.
Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam
diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam expostos atrás do
vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo de que
o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado:
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– Desculpe.
(LISPECTOR, 1978, p. 54)
Ele: – Pois é.
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Modernismo na Literatura Brasileira
Ela: – Eu?!
Ele: – Por que esse espanto? Você não é gente? Gente fala de gente.
II
– Cachorro-quente.
– Só?
– Só café e refrigerante.
– Que refrigerante? – perguntou ele sem saber o que falar. À toa indagou:
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– Ah, nunca! – exclamou muito espantada, pois não era doida de des-
perdiçar comida, como eu disse. O médico olhou-a e bem sabia que ela não
fazia regime para emagrecer. Mas era-lhe mais cômodo insistir em dizer
que não fizesse dieta de emagrecimento. Sabia que era assim mesmo e que
ele era médico de pobres. Foi o que disse enquanto lhe receitava um tônico
que ela depois nem comprou, achava que ir ao médico por si só já curava.
Ele acrescentou irritado sem atinar com o porquê de sua súbita irritação e
revolta.
Ela nada entendeu mas pensou que o médico esperava que ela sorrisse.
Então sorriu.
Esse médico não tinha objetivo nenhum. A medicina era apenas para
ganhar dinheiro e nunca por amor à profissão nem a doentes. Era desatento
e achava a pobreza uma coisa feia. Trabalhava para os pobres detestando
lidar com eles. Eles eram para ele o rebotalho de uma sociedade muito alta à
qual também ele não pertencia. Sabia que estava desatualizado na medicina
e nas novidades clínicas mas para pobre servia. O seu sonho era ter dinheiro
para fazer exatamente o que queria: nada.
– Ouvi dizer que no médico se tira a roupa mas eu não tiro coisa nenhuma.
Ela não sabia se isso era coisa boa ou coisa ruim. Bem, como era uma
pessoa muito educada, disse:
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– Esse nome de comida que o senhor falou eu nunca comi na vida. É bom?
– Álcool ?
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O poeta do rigor
“Os poetas não têm biografia. Sua biografia é sua obra.” Essas palavras
do diplomata, poeta e crítico mexicano Octavio Paz (1996, p. 82) ecoam
no depoimento pessoal do poeta e diplomata brasileiro João Cabral de
Melo Neto: “Eu não tenho biografia. Minha biografia é: em tanto de tanto
foi para tal lugar. Em tanto de tanto foi para tal lugar, essa é a biografia que
tenho” (MELO NETO, 1989, p. 34).
Embora superior (por ser alfabetizado), o menino era “semelhante” aos traba-
lhadores analfabetos do eito (roça em que trabalhavam os escravos), e era repre-
endido pela família aristocrática por ler com (e para) os cassacos (trabalhadores
dos engenhos) os folhetos de cordel. Aos 10 anos de idade, esse menino voltou
para o Recife, onde jogou futebol no Santa Cruz Futebol Clube, tornou-se um
dos poucos fanáticos torcedores do América de Recife e cursou o primário no
Colégio Marista.
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A partir dos 17 anos, João Cabral de Melo Neto empregou-se no serviço pú-
blico: entre 1937 e 1945, ocupou diversos cargos burocráticos em órgãos gover-
namentais, inicialmente no Recife e, a partir de 1943, no Rio de Janeiro, então
Capital Federal. Data desse período a sua iniciação literária.
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A partir dessa época, João Cabral de Melo Neto buscou uma poesia que não
deixa de emocionar ou revelar o sonho, mas o faz com o equilíbrio e o rigor ma-
temático e construtivo da engenharia:
A produção de João Cabral é uma poesia que nenhum véu encobre, uma poesia
das coisas concretas, do substantivo, que o poeta vai perseguir a partir de então,
tornando-se o mais rigoroso e exigente dos poetas da nossa literatura.
No final de 1945, João Cabral foi aprovado em concurso para a carreira diplo-
mática. No ano de 1946, trabalhou no Ministério das Relações Exteriores, casou-se
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com Stella Maria Barbosa de Oliveira e teve Rodrigo, o primeiro dos seus cinco
filhos. E em 1947 começou a perambular pelo mundo, ocupando diversos postos
na carreira diplomática.
Em 1950, foi removido para Londres, onde ficou até 1952, quando foi afasta-
do da diplomacia, acusado de subversão e comunismo. Retornou ao Brasil para
responder ao processo. Absolvido, permaneceu no país até 1956.
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Em livros como Dois Parlamentos (1960), Quaderna (1960), Serial (1961), A Edu-
cação pela Pedra (1966), Museu de Tudo (1975), A Escola das Facas (1980), Auto do
Frade (1984), Agrestes (1985), Crime na Calle Relator (1987), Sevilha Andando (1990)
e Andando Sevilha (1994), o poeta foi abordando os temas mais diversos, como a
própria poesia, a pintura, o futebol, suas memórias, a morte, a memória do Recife
na morte de Frei Caneca, suas viagens, a sensualidade das sevilhanas, o sertão etc.
Sempre tendo a feminina e gentil Espanha – Sevilha à frente – e o masculino e
árido Pernambuco para dar o tom na poesia rigorosa, consistente e ímpar que o
“poeta-engenheiro” veio construindo da década de 1940 até sua morte, em 1999.
Para evitar uma poesia vaga, cuja ambiguidade se possa confundir com falta
de clareza, o poeta optou por uma poesia feita primordialmente pela articulação
de termos concretos, substantivos ou mesmo adjetivos e verbos “concretos”. Em
entrevista a Antonio Carlos Secchin, o poeta afirmou que
Sim, porque adjetivos e verbos admitem essa categoria. Por exemplo: o adjetivo sublime é
abstrato, como tristeza. Maçã é tão concreto quanto o adjetivo torto. A literatura espanhola
usa preponderantemente o concreto, e por isso me interessou. As literaturas primitivas me
interessam. Parece que a linguagem começou pelas palavras concretas. (SECCHIN, 1985, p. 306)
O poeta apresenta essa sua teoria da poesia no poema “Falar com coisas”, de
Agrestes (1985):
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Podemos ler o conselho dado pelo ferrageiro ao poeta como uma profissão
de fé do próprio João Cabral de Melo Neto. Trabalhar com o ferro forjado é criar
e enfrentar dificuldades no fazer artístico. Para João Cabral, o poema deve ser
sempre trabalhado com esforço e suor, deve surgir como fruto do trabalho in-
tenso e não de uma inspiração fugaz e enganadora, uma facilidade.
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de Camões. Repare Manuel Bandeira ou Carlos Drummond, todos eles caíam no decassílabo.
Vinícius foi um dos poucos que fez a ficção dele de intimidade que não é em decassílabo. De
forma que você vê que a partir de Cão sem Plumas, que é um livro que eu escrevi aos 30 anos,
praticamente eu não escrevi mais verso livre. O Rio, que aparentemente é verso livre, eu mostro
a vocês aqui qual é a metrificação dele. Toda a minha poesia é metrificada. É o negócio que
Frost diz: escrever em verso livre é como jogar tênis sem rede. De forma que eu procuro me
criar dificuldades. Eu tenho alguns poemas em sete sílabas. Esse é o verso que é fácil para nós.
De forma que eu vou usar o verso de oito sílabas, tenho a impressão de que a maioria dos meus
versos é escrito em oito sílabas. No Brasil, em geral, quando se usa o verso de oito sílabas, se
usa sempre com a cesura na mesma sílaba, de forma que a coisa fica cantante. Se você usar o
verso de oito sílabas sem uma obrigação de uma cesura interna, você então dá uma aparência
de que está escrevendo em verso livre e ao mesmo tempo você se cria uma dificuldade a
vencer, que é uma coisa de que eu preciso. Agora a rima. Eu sou um sujeito estragado pelo que
me davam no colégio para ler. Eu acho a rima o troço mais chato do mundo, e o decassílabo um
negócio sinistro. De forma que eu procuro escrever um tipo de verso que pareça verso livre,
mas que me dá uma grande dificuldade para escrever. Claro, um verso metrificado pelo meu
ouvido. Talvez pelo fato de eu não ter ouvido, eu pense que estou escrevendo rigorosamente
metrificado e na verdade estou escrevendo em verso livre sem saber. Muitas vezes eu uso a
rima toante, e o espanhol, por exemplo, sente imediatamente a rima toante. Eu uso essas duas
coisas porque o verso de oito sílabas que eu uso com uma acentuação irregular interna dá a
impressão de prosa. E a rima toante, como eu sei que ela não soa no ouvido do brasileiro, dá a
impressão de que o poema não é rimado. (MELO NETO, 1989, p. 17-18)
No trecho acima, João Cabral se refere ao fato de “não ter ouvido”, ou seja, de
apresentar uma inaptidão para a música. Chegou mesmo a afirmar diversas vezes
que não gostava de música ou mesmo de ouvir palestras ou leituras de poemas.
O fragmento mostra, no entanto, como, por meio do esforço consciente, procura
conferir uma musicalidade sutil e refinada à sua poesia. Essa musicalidade ímpar,
tão presente em Morte e Vida Severina, rendeu-lhe de um dos maiores compo-
sitores de nossa música popular (Caetano Veloso, na canção “Outro Retrato”, do
disco Estrangeiro, 1989), a seguinte homenagem: “Minha música vem da música
da poesia de um poeta João/ que não gosta de música.”
As duas águas
Outra faceta importante da poética de João Cabral de Melo Neto é a divisão
que fez para sua obra quando da publicação da coletânea Duas Águas: poemas
reunidos (1956), com todos os seus poemas até aquele momento.
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Dois anos antes, em 1954, João Cabral de Melo Neto havia exposto uma tese
no Congresso Internacional de Escritores, em São Paulo, intitulada “Da função
moderna da poesia”, em que aborda exatamente a questão da incomunicabilida-
de reinante na poesia contemporânea, a dificuldade dos poetas modernos em
atingir um público mais amplo para seus textos. Vejamos:
A poesia moderna – captação da realidade objetiva moderna e dos estados de espírito do
homem moderno – continuou a ser servida em invólucros perfeitamente anacrônicos e, em
geral imprestáveis, nas novas condições que se impuseram.
Mas todo esse progresso realizado limitou-se aos materiais do poema: essas pesquisas
limitaram-se a multiplicar os recursos de que se pode valer um poeta para registrar sua
expressão pessoal; limitaram-se àquela primeira metade do ato de escrever, no decorrer
da qual o poeta luta por dizer com precisão o que deseja; isto é, tiveram apenas em conta
consumar a expressão, sem cuidar da sua contraparte orgânica – a comunicação. [...]
O caso do rádio é típico. O poeta moderno ficou inteiramente indiferente a esse poderoso meio
de difusão. À exceção de um ou outro exemplo de poema escrito para ser irradiado, levando
em conta as limitações e explorando as potencialidades do novo meio de comunicação,
as relações da poesia moderna com o rádio se limitam à leitura episódica de obras escritas
originariamente para serem lidas em livro, com absoluto insucesso, sempre, pelo muito que
diverge a palavra transmitida pela audição da palavra transmitida pela visão. (O que acontece
com o rádio, ocorre também com o cinema e a televisão e as audiências em geral).
Mas os poetas não desprezaram apenas os novos meios de comunicação postos a seu dispor
pela técnica moderna. Também não souberam adaptar às condições da vida moderna os
gêneros capazes de serem aproveitados. Deixaram-nos cair em desuso (a poesia narrativa, por
exemplo, ou as aucas catalãs, antepassadas das histórias de quadrinhos), ou deixaram que se
degradassem em gêneros não poéticos, a exemplo da anedota moderna, herdeira da fábula.
Ou expulsaram-nos da categoria de boa literatura, como aconteceu com as letras das canções
populares ou com a poesia satírica.
No plano dos tipos problemáticos, tudo o que os poetas contemporâneos obtiveram foi o
chamado “poema” moderno, esse híbrido de monólogo interior e de discurso de praça,
de diário íntimo e de declaração de princípios, de balbucio e de hermenêutica filosófica,
monotonamente linear e sem estrutura discursiva ou desenvolvimento melódico, escrito quase
sempre na primeira pessoa e usado indiferentemente para qualquer espécie de mensagem
que o seu autor pretenda enviar. Mas esse tipo de poema não foi obtido através de nenhuma
consideração acerca de sua possível função social de comunicação. O poeta contemporâneo
chegou a ele passivamente, por inércia, simplesmente por não ter cogitado do assunto. Esse
tipo de poema é a própria ausência de construção e organização, é o simples acúmulo de
material poético, rico, é verdade, em seu tratamento do verso, da imagem e da palavra, mas
atirado desordenadamente numa caixa de depósito. (MELO NETO, 1994, p. 765-766)
Duas são, portanto, as saídas para o poeta: fazer um poema moderno que não
seja apenas a própria ausência de construção e organização, o simples acúmulo de
material poético, e buscar novas formas de comunicação com o público leitor.
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Em 1966, João Cabral de Melo Neto reuniu os poemas da sua “segunda água”,
acrescidos de outros, na coletânea Morte e Vida Severina e Outros Poemas em Voz
Alta. Posteriormente, a esta coletânea seria acrescentado o “Auto do frade”, poema
dramático publicado em 1984. A “água” da comunicabilidade com o público desá-
gua no “poema em voz alta” que tende irreversivelmente para a poesia dramática.
João Cabral de Melo Neto encontrou no teatro uma ponte para sua poesia
estabelecer contato com um público que, sem o suporte da ação dramática, per-
maneceria distante, intocado. Foi exatamente por meio de Morte e Vida Severina
que o poeta pernambucano encontrou um veículo capaz de superar o “abismo
que”, segundo ele, “separa hoje em dia o poeta de seu leitor”.
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sujeitos analfabetos que ouvem cordel na feira de Santo Amaro, no Recife.” O poema é simples,
retrata a típica realidade do pernambucano que foge da seca em busca do Recife e termina
morando numa favela ribeirinha. Foi um sucesso mundial. Isso me orgulha, mas também me
surpreende porque Morte e Vida Severina passou a ser coisa de eruditos. (MELO NETO, 1991, p.
17-18)
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Estrutura geral
Morte e Vida Severina se divide em 18 cenas ou fragmentos poéticos, todos
precedidos por um título explicativo de seu conteúdo, praticamente resumos
do que encontramos no poema em si. Podemos separá-los em dois grandes
grupos.
Texto complementar
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João Cabral de Melo Neto, jogando com os nomes tão sugestivos – como
já o notara Manuel Bandeira em “Evocação do Recife” – das ruas e bairros de
Recife, cria um jogo quase surrealista. Na verdade, para quem não sabe que
estes são nomes de bairros, a passagem é completamente surrealista.
Não o vejo dentro dos mangues, E mais: para que não pensem
vejo-o dentro de uma fábrica: que em sua vida tudo é triste,
se está negro não é lama, vejo coisa que o trabalho
é graxa de sua máquina, talvez até lhe conquiste:
coisa mais limpa que a lama que é mudar-se destes mangues
do pescador de maré daqui do Capibaribe
que vemos aqui, vestido para um mocambo melhor
de lama da cara ao pé. nos mangues do Beberibe.
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Estudos literários
1. Leia atentamente o fragmento abaixo e depois responda o que se pede.
O retirante explica
ao leitor quem é a que vai (fragmento)
(MELO NETO, 1994, p. 171)
Aponte o tema central dos 30 primeiros versos da peça. Como estes versos
justificam o neologismo severina do título da obra?
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a) A ironia (acentuada por uma grande dose de humor negro) domina essa
cena da peça. Por que poderíamos dizer que a ironia predomina na pri-
meira estrofe?
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– Severino retirante,
deixe agora que lhe diga: E não há melhor resposta
eu não sei bem a resposta que o espetáculo da vida:
da pergunta que fazia, vê-la desfiar seu fio,
se não vale mais saltar que também se chama vida,
fora da ponte e da vida; ver a fábrica que ela mesma,
nem conheço essa resposta, teimosamente, se fabrica,
se quer mesmo que lhe diga; vê-la brotar como há pouco
é difícil defender, em nova vida explodida;
só com palavras, a vida, mesmo quando é assim pequena
ainda mais quando ela é a explosão, como a ocorrida;
esta que vê, severina; mesmo quando é uma explosão
mas se responder não pude como a de há pouco, franzina;
à pergunta que fazia, mesmo quando é a explosão
ela, a vida, respondeu de uma vida severina.
com sua presença viva.
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O grupo Noigandres
Tirando o nome de uma palavra misteriosa, utilizada pelo trovador pro-
vençal Arnaut Daniel (séc. XIII) e comentada por Ezra Pound (1885-1972)
no Canto XX dos seus Cantares, que posteriormente descobriram signifi-
car “antídoto do tédio”, três jovens paulistas, com pouco mais de 20 anos
de idade, formaram, em 1952, o grupo Noigandres, que acabaria por re-
volucionar a poesia mundial. Reagindo contra o formalismo academicista
da retrógrada Geração de 1945 e procurando recuperar o espírito perma-
nentemente revolucionário de 1922, Décio Pignatari e os irmãos Haroldo
e Augusto de Campos investigavam as possibilidades de uma poesia que
fosse além do verso e procurasse novas formas de expressão. E fizeram
isso ao mesmo tempo em que outros poucos jovens como o suíço Eugen
Gomringer também o faziam na Europa.
No célebre ensaio Tradition and The Individual Talent (1917), T. S. Eliot (1888-1965)
já apontava que todo artista que se tornou definitivamente significativo teve de
encontrar meios de se inserir na tradição. Para tanto – logo descobriram os jovens
componentes do Noigandres –, é necessário conhecê-la a fundo, principalmente
para vislumbrar, dentro da própria tradição, formas de reestruturá-la, acrescentan-
do algo de novo, muitas vezes sintetizando e tornando conscientes (e mesmo pro-
gramáticos) processos frequentemente apenas esboçados e apontados por artistas
do passado. Assim, Pignatari e os irmãos Campos passaram a estudar com afinco
os momentos mais inventivos e radicais da produção poética nas diversas línguas
que dominavam ou que, na sua curiosidade inquieta, passaram a estudar. Acabaram
por sintetizar a essência de experiências que combinavam a palavra e a visualidade,
como as do poeta grego Símias de Rodes (séc. III a.C.), as dos chamados metaphysical
poets ingleses Robert Herrick (1596-1674) e George Herbert (1593-1633), assim como
seu contemporâneo Gregório de Matos (1623-1696), os calligrammes de Guillaume
Apollinaire (1880-1918), as experimentações tipográficas do Un Coup de Dés de
Stéphane Mallarmé (1842-1898) e dos poemas mais radicais de e. e. cummings
(1894-1962), ou mesmo, no Brasil, os poemas de Oswald de Andrade (1890-1954)
que já uniam palavra e grafismo.
1
Ideograma: símbolo não fonético que representa um objeto ou uma ideia; caráter composto da escrita chinesa obtido pela combinação de dois
ou mais outros caracteres representativos de palavras com sentido relacionado.
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Mas nem por isso a admiração pela poesia concreta é unanimidade. Ainda hoje
o radicalismo da experimentação, como a destruição do verso, as experiências de
disposição original das palavras na página, a desintegração da própria palavra
ou a recusa à poesia discursiva assustam e afastam a mentalidade conservadora
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brasileira, gerando polêmicas acaloradas ou, pior ainda, uma estratégia de rasura
bastante evidente: no Brasil, muitos fingem que nada aconteceu, enquanto os
seus criadores são homenageados e celebrados nas mais prestigiosas universi-
dades dos Estados Unidos e da Europa. Até mesmo a infatigável busca das fontes
inspiradoras das suas propostas, realizada pelos três fundadores do movimento,
tem sido criticada. Alguns chegam a afirmar que isso comprova que nada fizeram
de original. Seria o mesmo que acusar um grande cientista, como Einstein – capaz
de sintetizar as ideias que estavam no ar, porém dispersas, no seu tempo –, de
mero repetidor.
O contexto
Quando aqueles três rapazes – Décio, Haroldo e Augusto – começaram a pu-
blicar a revista Noigandres e iniciaram um movimento de rearticulação de uma
série de ideias captadas em São Paulo e que estavam surgindo no mundo do
pós-guerra, São Paulo e o Brasil se colocaram, pela primeira e única vez, na van-
guarda da literatura em todo o mundo.
Eles eram jovens extremamente cultos, capazes, que dominavam muitas lín-
guas e tinham uma grande vantagem – é importante ressaltar – em relação aos
europeus do pós-guerra, que naquele momento estavam em países que se re-
cuperavam dos efeitos do conflito. Vantagem, porque recebiam a informação da
Europa, mas não as suas atribulações: podiam ler coisas dos mais diversos locais;
tinham o acesso e a possibilidade de se desenvolver com a tranquilidade de que
os europeus não desfrutavam.
Fica muito claro que esse acesso à cultura e à informação fez com que esses
jovens poetas procurassem sintetizar algo de novo a partir de todas essas lei-
turas. Em um livro que apresenta várias traduções – Invenção, de Augusto de
Campos – lembra-se de que
A literatura italiana antiga e moderna foi sendo visitada por Pignatari, por Haroldo de Campos
e por mim, especialmente através da velha Loja do Livro Italiano na Rua Barão de Itapetininga,
onde, no pós-guerra, adquiríamos preciosidades encalhadas, como os livros de poesia moderna
da coleção Lo Specchio, da Mondadori. (CAMPOS, 2003a, p. 260)
As propostas
Vamos ler algumas das proposições dos jovens concretistas. No “Plano-piloto
para a poesia concreta”, os três apresentaram a seguinte proposta: “poesia con-
creta: produto de uma evolução crítica de formas, dando por encerrado o ciclo
histórico do verso” (CAMPOS; PIGNATARI; CAMPOS, 1965, p. 154). Muitos disse-
ram que eles estavam afirmando que não se poderia mais escrever poesia em
versos, mas não é isso o que está escrito. Em um texto mais ou menos da mesma
época (“Arte concreta: objeto e objetivo”), Décio Pignatari afirma que,
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Finalmente, cumpre assinalar que o concretismo não pretende alijar da circulação aquelas
tendências que, por sua simples existência, provam sua necessidade na dialética da formação
da cultura. Ao contrário, a atitude crítica do concretismo o leva a absorver as preocupações
das demais correntes artísticas, buscando superá-las pela empostação coerente, objetiva, dos
problemas. (PIGNATARI, 1965, p. 38)
Então, eles procuram romper com o verso propondo algo no lugar. Vamos
ver o quê:
[…] dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a poesia concreta
começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural, espaço qualificado:
estrutura espácio-temporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico-linear.
(CAMPOS; PIGNATARI; CAMPOS, 1965)
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A palavra pluvial figura seis vezes, no sentido descendente, enquanto vai se for-
mando a palavra fluvial na horizontal. Assim, a chuva caindo se transforma no rio:
pluvial/fluvial. Como Augusto afirmou no texto acima, a poesia deve se realizar de
dentro para fora – por exemplo, a partir da descoberta da relação entre pluvial e
fluvial, ele constrói o poema. Algumas pessoas podem dizer que isso é fácil. É como
falar que “No meio do caminho tinha uma pedra”, poema de Carlos Drummond de
Andrade (1902-1987), seja fácil. O mesmo se aplica para o poema “Viva Vaia”:
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O viva escrito com as letras que Augusto escolheu, quando virado, torna-se
vaia, mas note-se que o viva vira vaia. A antítese é muito forte: viva é elogio,
vaia é reprovação. Tudo isso em uma mesma palavra. E também em um momen-
to importante: Augusto de Campos fez este poema em homenagem a Caetano
Veloso, quando o cantor-compositor foi vaiado durante sua apresentação no
Festival da Record, cantando “É proibido proibir”. Assim, o texto não é somente
a descoberta, a “brincadeirinha” de viva e de vaia: é também a afirmação de que,
na verdade, deve-se ser vaiado e gostar de ser vaiado. O grande artista deve cul-
tivar aquilo que o público vaia, e não o que o público aplaude.
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Os autores
Nesses mais de 50 anos que se passaram desde a criação do Noigandres, os
trabalhos individuais de seus membros – como poetas, tradutores, pesquisado-
res e críticos – em muito ampliaram as fronteiras das suas propostas iniciais.
Décio Pignatari
Nascido em Jundiaí (SP) em 1927, publicou seu primeiro livro, O Carrossel, em 1950,
ainda sob influência dos neomodernistas de 1945. Sua poesia, reunida em Poesia, Pois
é, Poesia (1977), apresenta, além dos textos concretos, experiências com a “poesia se-
miótica”, em que usa símbolos e não palavras. Introduziu a linguagem concreta na
propaganda e se tornou um dos maiores especialistas brasileiros em semiótica, tendo
sido professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Faculdade de Ar-
quitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Levando seu espírito inquieto
para além da poesia, publicou o livro Panteros (1992), de prosa poética.
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Haroldo de Campos
O paulistano Haroldo de Campos (1929-2003) foi o mais barroco dos con-
cretos e lançou seu primeiro livro, Auto do Possesso, em 1950. Sua poesia está
reunida nos volumes Xadrez de Estrelas (1976), Signantia: Quasi Coelum (1979), A
Educação dos Cinco Sentidos (1985), Os Melhores Poemas de Haroldo de Campos
(1992) e Crisantempo (1998). Além de numerosos ensaios críticos, publicou, em
1984, seu “livro de ensaios”, na realidade um longo poema em prosa, Galáxias,
escrito entre 1963 e 1973 e, em 2000, três anos antes de falecer, o longo poema
escrito em terza rima, A Máquina do Mundo Repensada.
Augusto de Campos
Nascido em 1931, Augusto de Campos é o mais radical dos inventores da
poesia concreta e até hoje se mantém absolutamente fiel às propostas iniciais de
uma poesia antidiscursiva, sintética, visual e contundente. Publicou seu primeiro
livro, O Rei Menos o Reino, em 1951. Durante a década de 1970, em colaboração
com o artista plástico Julio Plaza, lançou Poemóbiles (1974) e Caixa Preta (1975),
dois volumes de “poemas-objeto” contendo textos tridimensionais.
Dois livros apresentam o básico de sua obra: Viva Vaia - Poesia 1949-1979
(1979) e Despoesia (1994). Tem publicado vários livros de ensaios críticos.
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atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubrimendimulti-
pliorganiperiodiplastipublirapareciprorustisagasimplitenaveloveravivaunivo-
racidade
Por quê?
Quando se tem essa organização, essa ordem toda rompida no final, o que se
depreende?
A cidade talvez não seja tão organizada quanto se imagina. Ou então aqui
se dá a criação de uma outra palavra, que, na verdade, não é “uni”, é “oni”, o que
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seria “onívora cidade”: uma cidade que tudo devora. Uma cidade onívora é uma
cidade devoradora de tudo.
Portanto, isso que parece, a princípio, algo gratuito, não é assim. É absoluta e
rigorosamente organizado.
O que se pode interpretar além disso? Será que, por trás da cidade, que parece
tão caótica, por trás desse caos, não existe uma profunda organização?
Uma profunda organização que explica, inclusive, por que o caos predomina
na cidade moderna.
Sim: ainda que não seja um poema apenas sobre São Paulo, alguns traços
dessa cidade são muito perceptíveis – o fato de o texto estar em francês, inglês e
português revela o pendor cosmopolita de São Paulo, que já havia no Álvares de
Azevedo, quando ele, por exemplo, em Noite na Taverna, em vez de localizar os
seus contos em São Paulo, situa-os na Europa. Esse pendor está no “Cidade”. Está
também, é claro, a mescla cultural dessa cidade, o fato de a cidade representar o
mundo inteiro, ao mesmo tempo, agora.
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Nesse poema os tês são evidentemente a reprodução das antenas de TV, mas
também são túmulos. O subtítulo do poema é “tombeau de mallarmé” (tumba de
Mallarmé) – o túmulo não só de Mallarmé mas também da cultura livresca, que
morre quando as coisas não existem mais para terminar em livro, como pensava
Mallarmé, e sim para acabar em TV. Na São Paulo contemporânea encontram-se
televisores em todos os lares, em muitos dos quais não se encontra um livro. Evi-
dentemente a visão da cidade vai se tornando sempre mais crítica e sombria.
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A relação de Augusto de Campos com a cidade de São Paulo vai, de certa manei-
ra, infiltrando-se na composição dos seus poemas. Neles, visualizamos toda a história
da relação da população paulistana com a sua cidade. Percebe-se uma clara transfor-
mação: tinha-se um grande orgulho e viam-se perspectivas de saída, de progresso
para a cidade, e aos poucos essa perspectiva esperançosa vai, cada vez mais, sendo
emparedada, destruída, e os paulistanos vão se sentindo em uma cidade sem saída.
Acompanhando com atenção a evolução dos poemas de Augusto de Campos, nota-
-se nitidamente esse processo de gradual desencantamento com a capital paulista.
Outros poetas
Ao grupo Noigandres original, logo se somaram José Lino Grünewald (1931-
-2000) e Ronaldo Azeredo (1937-2006). Wlademir Dias Pino (1927) participou da
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Re-visões e traduções
Além do trabalho poético próprio, destacam-se as traduções, de diversas
línguas, feitas por Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. A lista é
muito extensa: Mallarmé, Ezra Pound, Dante Alighieri (1265-1321), Johann Wol-
fgang von Goethe (1749-1832), John Donne (1572-1631), William Shakespeare
(1564-1616), Homero (séc. VIII a.C.), textos do Velho Testamento, e. e. cummings,
Gertrude Stein (1874-1946), Arthur Rimbaud (1854-1891), Vladimir Maiakovski
(1893-1930), a lírica provençal, Gerard Manley Hopkins (1844-1889), Rainer Maria
Rilke (1875-1926), James Joyce (1882-1941)...
Como se não bastasse isso, eles ainda pesquisaram a literatura brasileira e revi-
talizaram o interesse por autores como Sousândrade (1833-1902), Pedro Kilkerry
(1885-1917), Gregório de Matos e mesmo Oswald de Andrade.
Texto complementar
poesia concreta: produto de uma evolução crítica de formas. dando por en-
cerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a poesia concreta
começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural.
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moeda concreta da fala” (sapir). daí suas afinidades com as chamadas “línguas
isolantes” (chinês): “quanto menos gramática exterior possui a língua chinesa,
tanto mais gramática interior lhe é inerente (humboldt via cassirer). o chinês
oferece um exemplo de sintaxe puramente relacional baseada exclusivamente
na ordem das palavras (ver fenollosa, sapir e cassirer).
Estudos literários
Os poetas concretos apresentam vários poetas como seus precursores. Ob-
serve, abaixo, exemplos da poesia de cinco artistas muito mencionados pelos
fundadores da poesia concreta e aponte como esses textos se relacionam ao
movimento (mesmo que o poema se apresente em outra língua, não será difícil
perceber como ele se articula com a poesia concreta).
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(APOLLINAIRE, 2008)
so
(l
f
o
l)l
(ha
c
ai)
Itude
(CUMMINGS, 1999, p. 54)
correu no milharal. Cão? Não. Isegrim orelhas-murchas. Até lobo! E ovelhas sinei-
ras param sem fôlego. Todas. A trilha do Demo ainda não se vê, rolenrola, cerro
acima, vale abaixo, vereda ruim para vagamundos. Nem atraviés da estrelândia
aquela banda de prata. Que era sobressoa? Longonga é-tarde. Só longe, scielo!
Silúmida, sus vê-se. Silene surge. Oh! Lun! Arca? No é? Nada mexe a moita. Ve-
redas volúvias da libéluaranha pousam paz nos juncos. Refolham quedos seus
folhos. Garças tácitas. Vale! Orvalha!
4. Oswald de Andrade
amor
Humor
(ANDRADE, 2000, p. 45)
255
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Oswald de Andrade
1. Configura-se nesse exemplo o poema-piada, interessado em parodiar
amplos domínios da própria literatura, de forma simpática ou demoli-
dora. A paródia simpática, como é, no caso, a de Oswald, focaliza costu-
mes e tradições do povo. Já a paródia demolidora, que Oswald também
praticou, volta-se contra as elites pretensiosas. Ambas propõem uma re-
visão da cultura brasileira: impõe-se uma tradição de ruptura, baseada
na crítica exacerbada, na negação contínua, na revolta permanente. Na
2.
Mário de Andrade
1. Coloquialismo, enumeração, pontuação alterada ou ausente nas enumera-
ções, cortes bruscos no discurso do narrador, neologismos.
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Manuel Bandeira
1.
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada.”
b) O trecho é o seguinte:
2.
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3. O verso “Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.” justifica a afirmação de
Oswald de Andrade: a conjugação do imperativo (“Entra”) é feita na segunda
pessoa do singular e na sequência há uma mudança para o pronome de tra-
tamento “Você”, característico da linguagem oral brasileira, que leva o verbo
seguinte (“precisa”) a ser conjugado na terceira pessoa do singular.
“Finas mãos pensativas” são as mãos dos intelectuais e juristas que partici-
param da Inconfidência Mineira, como Cláudio Manuel da Costa e Tomás
Antônio Gonzaga.
“Grossas mãos vigorosas” são as mãos dos militares que também se envol-
veram na Inconfidência, como Alvarenga Peixoto e o próprio Tiradentes.
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3.
a)
5. Trata-se de clara referência aos militares. O eu lírico não pode seguir carreira mili-
tar: “ouvir clarim” seria um metonímia, significando relacionar-se com os militares.
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Há, evidentemente, o sentido mais profundo, que se deduz sabendo-se das rela-
ções do autor da música, Chico Buarque, com a ditadura militar brasileira.
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Graciliano Ramos
1.
a) Embora retirados de capítulos bem distantes um do outro no interior da obra,
os três fragmentos apresentam a mesma situação: Paulo Honório, à noite, na
mesa de jantar, tomando café e fumando cachimbo, tenta, com dificuldades,
escrever a história de sua vida. Trata-se de fragmentos metalinguísticos, pois
apresentam a situação do “escritor/narrador” de São Bernardo.
2.
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2.
a) No lugar onde vive, Damázio não encontra ninguém sábio, que tenha
um dicionário, só pessoas que distorcem o saber ao se fingirem menos
ignorantes.
3.
Clarice Lispector
1.
2.
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Gabarito
2.
3.
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Poesia concreta
1. O poema de Apollinaire explora aspectos visuais da linguagem. As letras for-
mam o desenho da gravata de que o poema trata. Assim como a poesia con-
creta, os caligramas de Apollinaire davam enorme importância à distribuição
das palavras no espaço da página.
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