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II
POESIAS
COMPLETAS
L IV R A R IA M A R TIN S E D IT Ô R A S. A.
SÃO PAULO
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REMATE DE MALES
i
EU SOU TREZENTOS.
(7-VI-1929)
A Bolsa revira.
Reviram-se as bolsas. — Poeta, me deixe dormir!
As letras entram.
Os oiros saem. . .
Corrida Eu te contemplo aborrecido. . .
tombos
vitórias
delirios Devo esconder-te o meu sorriso?...
banquetes Já sei porquê o sono não chega,
orquestras. . . Filha, começas a d ançar...
Os homens dançam. . .
Danço tambem.
Teu corpo todo se enrodilha
estremece
Nunca minuetes nem bacanais!
sacode
Somos farandulas?
bate
Somos lanceiros?
lata
Somos quadrilhas?
sêco
Que somos nós!?
. . . heque! heque!. . .
Pronomes pessoais.
quebra
queima
IV reina
dança
sangue
14 horas. gosma. . .
Filha, tu vais dormir. Teus labios dançam:
— Por piedade!
Não é domingo nem dia-santo!
Eu te contemplo aborrecido. Filha, tu danças para dormir!
Que fazes estreita na cama tão larga? Tosses até que não podes mais!
Porquê te encolhes assim? Devo esconder-te o meu sorriso?...
POESIAS COMPLETAS
228 MÁRIO DE ANDRADE
IX
EU DANÇO!
(1926)
Por enquanto isso é impossível.
O meu corpo encasquetou
A Dona Eugenia Alvaro Moreyra De não gostar sinão duma. . .
Pois, pra não fazer feiura,
Meu espirito sublima
I O fogo devorador.
Faz da paixão uma prima,
Faz do desejo um bordão,
MODA DO CORAJOSO E encabulado ponteia
A malvadeza do amor.
Maria dos meus pecados,
Maria, viola de am or...
Maria, viola de amor!.
II
Não sei não. Porém, ver um Zeus, Que sufoca e, vai, com aspereza
Conhecem? Zeus de casimira, Bota a culpa na Prefeitura.
Meio suado, vou no universo
Buscando o meu fogo disperso
Que pelas coisas girogira, Minha paixão de sopetão!
Roubado pelos Prometeus. Já nem posso mais respirar!
Que pescoço! que braços! q u ê !...
B o m ... olhemos a natureza.
Às sacudidelas do bonde, O céu se encurva sobre o chão
Na minha frente rosea chama Num gesto forte de abraçar.
Crepita, ôh pescoço! Um ardor
Principiante, consolador,
Zeus (Zeus sou eu) gemendo chama: Te am o!... Que bonita que ela é ! . ..
— Fogo, onde estás, aonde? aonde? Trago comigo o cheiro dela,
Só penso nela!. . . Infelizmente
O meu caso não tem futuro,
É isso! Rapazes, encontrei Ai, Maria do perfil duro,
O fogaréu maravilhoso
Ai, Maria sempre presente!. . .
Que foi, que é meu, que será sempre
Meu! Relumeia à minha frente,
E devora num instantinho
Que friume em minha tristeza...
As minhas paus Taboas da Lei.
Rapazes! a minha alegria,
A minha alegria está prêsa
Num perfil duro de mulher!
Moralidade, lei sêca, vá-se
Ela me olha tão fria, fria. . .
Embora! Vá por Seca e Meca!
Ora! verifiquemos como
Darei Seca, Meca e Baía
Rictus: “Merde! voilá l’hiver.”
Por mais êste amor, sim, mais um,
Porque enfim é amante de poeta
Toda e qualquer mulher que passe!
Poeta, sossegue, ela é casada. . .
Pois sim. Pensemos noutra coisa.
Extase! Desejo! Loucura! No que será?.. . Negro de suéter,
Quasi dolorosa surpreza! Que engraçado!... m a s ... que tristeza!
Espanto de não ser mais só! Esta vida não vale nada!. . .
E a gente imagina que é o pó Vou cautar a Louvação do Eter!
240 MÁRIO DE ANDRADE POESIAS COMPLETAS 241
Eu velarei a corajosa
Dormindo sobre a dinam ite...
Fum os... Assombrações... Não te
POESIAS COMPLETAS 243
ECO E O DESCORAJADO
LOUVAÇÃO DA TARDE
Que nem folha de malva, que nem folha Já me bastava. Gordas invernadas
De malva. . . da mais pura malva perfumada!. Pra novecentos caracús bem . . .
Maria se ri tranqüila.
São anjos, não são? São anjos (1929)
Que não têm asas por baixo
Dos suéteres de listrão.
Já falam seu alemão I
Com a governanta comprida,
Mas que são anjos? são anjos
Da boniteza da vida!
Não sei por que espirito antigo
. . . Que anjos são êstes
Ficamos assim impossíveis...
Que estão me arrodeando,
De-noite e de-dia. . .
Padre N osso...
Ave, Maria! A Lua chapeia os mangues
Donde sai um favor de silêncio
E de maré.
És uma sombra que apalpo
Que nem um cortejo de castas rainhas.
Meus olhos vadiam nas lágrimas.
Te vejo coberta de estréias,
Coberta de estréias,
Meu amor!
V
Sol-posto.
Lá longe no sul,
Lá nos pés da Argentina,
É a escureza suave
Marulham temiveis os mares gelados,
Que vem de você,
Não posso fazer mesmo um gesto!
Que se dissolve em mim.
POESIAS COMPLETAS 263
262 MÁRIO DE ANDRADE
V II
Flores!
Apaixonadamente meus braços desgalham-se,
Flores! Não sei porque os tetéus gritam tanto esta n o ite ...
Flores amarelas do pau-darco secular! Não serão talvez nem mesmo os tetéus.
Eu me desgalho sobre teu corpo manso, Porém minha alma está tão cheia de delirios
As flores estão caindo sobre teu corpo manso, Que faz um susto enorme dentro do meu ser.
Te cobrirei de flores amarelas!
Estás imovel.
Apaixonadamente És feito uma praia. . .
Eu me defenderei! Talvez estejas dormindo, não sei.
É como o negrume da noite Nega em teu ser primário a insistência das coisas,
Quando a estrela Venus Me livra do caminho.
Vence o véu da tarde
E brilha enfim.
Côlho mancheias de meus olhares,
Meu pensamento assombra mundos novos,
E eu desejava estar contigo. . .
Nossos corpos são finos,
São muito compridos. . .
Minha mão relumeia
Ha vida por demais neste silêncio nosso!
Cada vez mais sobre você.
264 MÁRIO DE ANDRADE POESIAS COMPLETAS
X II
Lembrança boa,
Carrego comigo tua mão.
MARCO DA VIRAÇÃO
(Dezembro de 1925)
Vida de trabalho brabo, vida de todo dia. Porém num rasgo matinal, em coragem perpétua
Os gaiolas sobem lentamente o rio, Ir continuando o que um dia a gente determinou!
E os passarões, de pernas esticadas,
Mergulham em reta nas nuvens morenas do c é u ...
Eu trago na vontade todo o futuro traçado!
Não turtuveio mais nem gesto meu para indeciso!
Tudo o que acorda na manhã do dia natural
Passam por mim pampeiros de ambições e de conquistas,
Segue uma linha bem traçada, linha já sabida,
Chove tortura, estrala o mal, serenateia a alegria,
Aonde assusta de sopetão o prisco do imprevisto,
Futuro está gravado em pedra e não se apaga mais!
Ver codorna que sem querer o camarada levantou.
Por isso é que o imprevisto é para mim mais imprevisto,
Possuir consciência de si mesmo isso é a felicidade,
Guardo na sensação o medo agil da infancia,
Isso é a glória de ser, fazendo o que será.
Eu sei me rir! eu sei me lastimar com ingenuidade!
Que a vida de cada qual seja um projeto de casa!
Sêco, o projeto agride o ôlho da gente no papel,
Porém quando a casa se agarra no lombo da terra,
Nombrada da terra em fôrça nova na manhã!
Ela se amiga num átimo com tudo o que enxerga em volta,
Ao pé de mim São Paulo em rosa vibra cheirando vida!
Se adoça, perde a solidão que tinha no projeto,
O Sol abrindo o paraquedas de ouro na amplidão
Se relaciona com a existencia, um homem vive nela,
E peneirando o polem do calor sobre êsse m undo...
E ela brilha da fôrça do individuo e o glorifica.
Rangem os caminhões. Padeiro entrega o pão. O leite
Ferve no fogo. A feira grita de côr. As notícias
Correm povo no galopão folgado dos jornais.
Deflorar a virgindade boba do que tem de vir!. . .
Autoónibus bufando. Tudo bufando, abrindo asa. . .
Eu nunca andei metido em sortes nem feitiçarias,
A cidade mexe de vida fresca, temporã.
Não posso contar como é a sala das cartomantes,
É a manhã! é a manhã! a glória formidável da manhã!. . .
E minhas mãos só foram lidas pelos beijos das amadas,
Eu fiz da minha vida sempre um rasgo, uma nombrada ma
Porém sou daqueles que sabem o proprio futuro,
tinal. ..
E quando a arraiada começa, não solto a redea do dia,
Isso é a felicidade.
Não deixo que siga pro acaso, livre das minhas vontades.
É a minha glória.
O meu passado. . . Não sei. Nem nunca matuto nele.
Quem vê na noite? o que enxerga na escureza assombrada?
O que passou, passou; nossa vaidade é tão constante,
Os preconceitos e as condescendencias são tão faceis
Que o passado da gente não é mais
Que um sono bem comprido aonde um poder de sombras lentas
Mostram que a gente sonhou. Porém não sabe o que sonhou.
Não recapitular! Nunca rememorar!
POESIAS COMPLETAS 273
Não parece que dorme, nem digo que sonhe feliz, está morto.
Num momento da vida o espirito se esqueceu e parou.
De repente êle assustou com a bulha do chôro em redor,
Sentiu talvez um desaponto muito grande
De ter largado a vida sendo forte e sendo moço,
Teve despeito e não se moveu mais.
E agora êle não se moverá mais.
MOMENTO PONTEANDO SOBRE O AMIGO
(Novembro de 1925)
(Março de 1927)
Depois do calorão duma noite maldita, sem sono, Você anda facil, levianinho,
Uma neblina leviana desprendeu das nuvens lisas No labirinto das complicações.
E pousou um momentinho sobre o corpo da cidade. Que subtileza! quanta graça dançarina!. . .
Ôh como era boa, e o carinho que teve pousando! É certo que fica sempre
Não espantou, não bateu asa, não fez nenhuma bulha, Bastante pó das asas de você
Veio, que nem beijo de minha mãi si estou enfezado Nos galhos, nos espinhos,
Vem mansinho, sem medo de mim, e poisa em minha testa. Até nas flores dêsse mato. . .
Assim neblina fez, e o sôpro dela acalmou as penas Mesmo já pus reparo várias vezes
Desta cidade histórica, desta cidade completa, Nas asas de você estragadas pelas b eiras...
Cheia de passado e presente, berço nobre onde nasci. Porém o essencial, o importante
Os beijos de minha mãi são tal-e-qual a neblina madruga. . . É que apesar dêsse estrago inda você pode voar.
Meu pensamento é tal-e-qual São Paulo, é historico e completo,
É presente e passado e dele nasce meu ser verdadeiro. . .
Vem, neblina, vem! Beija-me, sossega-me o meu pensamento!
Eu não sou assim não.
Sou pesado, bastante estabanado,
Não tenho asa nem muita educação.
Careço de caminho largo, bem direito.
Si falta espaço, quebro tudo,
Me firo, me fatigo. . . Afinal caio.
No meio do mato eu paro, não posso mais caminhar.
Não posso mais.
276 MÁRIO DE ANDRADE
— “Ah, flores duma outra idade e marchas nupciais, véus de Canta, som complacente de minha voz, a louvação nupcial
noiva. . . ' com entusiasmo!
Amanhã cedo iremos a Montevidéu casar... Canta por ti, canta apostando!
Canta, que o canto nupcial é torcida tambem, torce pra êles!
Tem mais comodidade lá na Lei, até divórcio nos reserva,
A equipe nova seguiu andarilha,
E nós iremos a Montevidéu só pra casar...
Torce pra que êles cheguem juntos no destino!
Praquê matutar mais, viva o Uruguai!
Torce, ri contente, grita que embora não ouçam-te o grito,
O som irá dinamisar o ardor dos jogadores!
Dinamisa! Dá fôrça, dá ritmo, porque o jôgo bem torcido
Nem bem chegando lá vou no cabeleireiro concertar as sobran É comovente, mais movimentado e bem de esporte leal!
celhas, stou medonha, Abaixo os profissionais!
E você bota a gravata listrada que dei pra você.
Nos casaremos alinhados.
Flores de laranjeira não, bobagem! m a s... que tal umas Canta num som mui alto, casta e desnecessaria!
laranjas? Desabaladamente, feito boba, canta e recanta muito,
Umas laranjas bem geladas, bem acidas pro jan tar... Vai ser Eles estão no jôgo e já não podem cantar mais!
bom!” Torce, torce e grita boba-alegre comovida sem sentido!
Para êles vai ser a vitória ou a derrota no jôgo, despeito ou
completamento,
Porém pra ti, voz minha, resta o canto de esporte vital, acima
Ah, flores duma outra idade e marchas nupciais, véus de noiva,
dos resultados!
Até vocês podem cair sobre êles, os noivos aceitarão tudo!
Canta alegre na torcida, voz de poeta!
A Terra enorme em todos os seus gritos que ranja na marcha
Canta sem ter razão pra estar alegre!
nupcial!
Dois seres sem temor, sem matutar se uniram, dois a mais!
A burundanga dos ventos de poeira, pampeiros, noroestes, Não tens razão especial não pra estar alegre, voz de poeta?
sulões,
Pois canta assim mesmo ignorando a razão que te leva,
Cheirosos, se tecendo em véu de noiva sobre o passaro, Mas canta sempre! Canta empolgada á violência da Terra,
E a florada meridional das estréias despencando em flor sobre À violência dos seres que através das civilisações aflitivas,
êles!. . . Inda enxergam o Sol na abertura dos dias
Aceitam tudo porquê já não é mais hora de enxergar. E bailam sobre os vulcões!
E que o quarto de hotel, Montevidéu, a Terra, o mundo,
Sejam pequenos ou grandes, qual! de nada saberão mais!
POESIAS COMPLETAS 281
Porém que é que é! Será chôro? Será seresta de festa? Que a insuficiência do amor não abre
Será que é pensamento mesmo? será piá? Serapião? Será Na flor humana duma palavra...
violão! Êle ressoa 110 bojo do violão! no bordão! gentes, bem no bordão!
Que é que é balanceado no sóco de pedra Mas o violão não sabe não! ninguém não sabe!
O instrumento saracoteando anúncios de harmonias?... É tudo um som sem sin s!... Platariviux! gentes, platariviux!. . .
Os críticos analisarão todas as harmonias, Que é que é! Que é que é !. . .
Os pensamentos conceberão sistemas e tonalidades,
Será possível tirar uma regra e a regra viverá setenta-e-um
anos. . . E a tristeza iluminada, vasta, instrumental,
Mas que é que é o violão que existe e existirá Acida inquietação, maravilhando, turtuveando,
Além da regra e a regra não diz nada e o violão vê na regra Recai sobre a adivinha.
só anúncio!. . .
(18-111-1928)
(Junho de 1929)
Deve haver aqui perto uma roseira florindo, V
II
Sei que era um riacho e duas horas de sêde, E na experiencia de minha doce amiga me destes
Me debrucei, não bebi. Mais do que imaginei. . . Mas a volta foi cruel.
Mas estou até agora dêsse geito,
Olhando quatro ou cinco borboletas amarelas,
Dessas comuns, brincabrincando no ar. Eu sofro. Êh, liberdade, essência perigosa. . .
Sinto um rum or... Espelhos, Pireneus, caiçaras e todos os desesperos,
Vinde a mim que outros agora abóiam pra eu marchar!
Tudo é suavíssimo na flora dos milagres. . .
III Um pensamento se dissolve em mel e à porta
Do meu coração ha sempre um mendigo moço esmolando.. .
Mas a paisagem logo foi-se embora Contam que lá nos fundos do Grão-Chaco
Batendo a porta, escandalisadissima. Mora o morubixaba chiriguano Caiuarí,
Nas terras dele nenhum branco não entrou.
São planos ferteis que passam a noite dormindo
IV Na beira dum lagoão, calmo de garças.
Enorme gado pasta ali, o milho plumeja nos cerros,
E os homens são todos bons lá onde o branco não entrou.
Ôh trágico fulgor das incompatibilidades humanas!
Que tara divina pesa em nosso corpo vitorioso
Não permitindo que jamais a plenitude satisfeita
Nós iremos parar nesses desertos...
Descanse em nosso lar como alguem que chegou!. . .
Viajando através de fadiga e miséria,
Os dias ferozes nós descansaremos abraçados,
Não tenho esperança mais nas vossas revelações! Mas pelas noites suaves nossos passos nos levarão até lá.
Vós me destes o amor, me destes a amizade, E ao vivermos nas terras do morubixaba Caiuarí,
294 MÁRIO DE ANDRADE POESIAS COMPLETAS 295
Tudo será em comum, trabucaremos como os outros e por O Sol no poente, de novo aurorai e nativo,
todos, Fazia em caminho contrário um dia novo;
Não haverá hora marcada pra comer nem pra dormir, E as noites ficaram luminosamente diurnas,
Passaremos as noites em dança, e na véspera das grandes E os dias massacrados se esconderam no covão duma noite
bebedeiras sem fim.
Nos pintaremos ricamente a riscos de urucum e picumã.
Pouco a pouco olvidaremos as palavras de roubo, de insulto
V II
e mentira,
A terminologia das nações e da política,
E dos nossos pensamentos afinal desertarão as profecias. É hora. Mas é tal em mim o vértice do dia
Ôh, doce amiga, é certo que seriamos felizes Nesta som bra... Porque serás mais que os rapazes,
Na ausência dêste calamitoso Brasil!. . . E bem mais, muito mais do que as am antes?...
Fecho os o lh o s... É pra não ver os gestos contagiosos... Sombra!. . . Sombra de cajazeira perfumada,
Ando em verdades que deviam já não ser do tempo mais. . . Saudando a minha inquietação com a tua delícia!
A nossa gente vai muito sofrer e tenho o coração inquieto.
V II (bis)
Erguer do chão um tôco de cigarro,
Fuma-lo sem saber por que boca passou,
A terra me erriçava a lingua e uma saliva sêca É uma pena, doce amiga,
Poisando nos meus labios molhados renasceu. Tudo o que pensas em mim.
Eu sei, porque acho uma pena
Tambem o que penso em ti.
Todos os boitatás queimavam minha boca
Mas quando recomecei a olhar, ôh minha doce amiga,
Os operários passavam-se todos para o meu lado, Mesmo quando conversamos,
Todos com flores roubadas na abertura da cam isa... Ê uma pena, outras conversas
296 MÁRIO DE ANDRADE POESIAS COMPLETAS 297
X
Gosto de estar a teu lado,
Sem brilho.
Tua presença é uma carne de peixe, Os rios, ôh doce amiga, êstes rios
De resistencia mansa e um branco Cheios de vistas, povoados de ingazeiras e morretes,
Ecoando azuis profundos. Pelo Capibaribe irás ter ao Recife,
Pelo Tietê a São Paulo, no Potengi a Natal.
Pelo Tejo a Lisboa e pelo Sena a P a ris...
Eu tenho liberdade em ti.
Anoiteço feito um bairro,
Sem brilho algum. Os rios, ôh minha doce amiga, na beira dos rios
É a terra de povoação em que as cidades se agacham
E de-noite, que nem feras de pêlo brilhante, vão beber. . .
Estamos no interior duma asa
Que fechou.
Pensa um bocado comigo na vasta briga da Terra,
E nas cidades que nem feras bebendo na praia dos rios!
IX Insiste ao pé de mim neste meu pensamento!
E os nossos corações, livres do orgulho,
Mais humilhados em cidadania,
Vossos olhos são um mate costumeiro. Irão beber tambem junto das feras.
Vossas mãos são conselhos que é indiferente seguir.
Gosto da vossa boca donde saem as palavras isoladas
Que jamais não ouvi. XI
Porém o que eu adoro sobretudo é vosso corpo
Que desnorteia a vida e poupa as restrições.
A febre tem um vigor suave de tristeza,
E os simbolos da tarde comparecem entre nós;
Ôh, doce amiga! vosos castos espelhos de aurora Não é preciso nem perdoar nem esquecer os crimes
Despejam sobre mim paisagens e paisagens Pra que venha êste bem de sossegar na pouca luz.
298 MÁRIO DE ANDRADE POESIAS COMPLETAS 299
P A U L IC E A D E SV A IR A D A
D edicatória ...................................................................................................... 9
P refácio Interessantíssim o ...................................................................... 11
A r t i s t a ................................................................................................................. 14
Inspiração ......................................................................................................... 33
O Trovador ...................................................................................................... 34
Os Cortejos ...................................................................................................... 35
A E scalad a ...................................................................................................... 36
Kua de São Bento ......................................................................................... 38
O Rebanho ...................................................................................................... 40
T iêtê .................................................................................................................... 42
Paisagem N. 1 ......................................................................................... 43
Ode ao Burguês ......................................................................................... 44
T ristu ra ...................................................................................................... 46
Domingo ............................................................................................................. 48
O Domador ...................................................................................................... 50
Anhangabaú .................................................................................................... 52
A Caçada ........................................................................................................ 53
Nocturno ........................................................................................................... 55
Paisagem N. 2 ............................................................................................... 58
Tu ........................................................................................................................ 60
Paisagem N. 3 ......................................................................................... 62
Colloque Sentim ental .................................................................................. 63
Religião ............................................................................................................. 65
Paisagem N. 4 ............................................................................................... 67
As E n fib ratu ra s do Ip iranga .................................................................... 69
LOSANGO CÁQUI
Advertencia ...................................................................................................... 85
A P E N D IC E