A Fantasia em Freud
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A Fantasia em Freud
Sigmund Freud1
2.1
A importância das fantasias no pensamento freudiano
1
FREUD, S., E.S.B.-1976, vol. XVI, Conferência XXIII (1917): “Os Caminhos da Formação dos
Sintomas”, p. 430 (grifos originais).
2
FREUD, S., E.S.B-1976. Vol. II.
3
Para uma exposição mais detalhada verificar os seguintes textos freudianos: “Projeto para uma
Psicologia Científica”(1895), “Novos Comentários Sobre As Neuropsicoses De Defesa”(1896), “A
Etiologia Da Histeria”(1896) e “Meus pontos de Vista Sobre O Papel Desempenhado Pela
Sexualidade Na Etiologia Das Neuroses” (1906).
14
Numa primeira cena, a criança sofreria algum tipo de investida sexual por
parte de um adulto, sem que isso despertasse nela, neste momento, alguma
excitação. A criança na tenra infância não teria à sua disposição, condições
somáticas e nem psíquicas para poder integrar as representações. De acordo com
esse modelo a sexualidade irromperia de fora para dentro, penetrando no mundo
infantil como um corpo estranho, uma marca mnêmica ainda não dotada de
significação traumática.
No segundo momento, com a puberdade desencadeando o despertar
fisiológico da sexualidade, é que tais lembranças poderiam ser significadas
mediante alguns traços associativos. Apenas nesse segundo momento é que as
lembranças evocadas poderiam ser experimentadas como desprazer. O caráter
estranho e traumático, agora proviriam simultaneamente do exterior e do interior.
Do exterior porque é do outro que a sexualidade chega ao sujeito e do interior
porque é a partir da significação da lembrança da primeira cena, que o desprazer é
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4
LAPLANCHE, J., e PONTALIS, J.-B., Fantasia Originária, Fantasias das Origens, Origens da
Fantasia, 1988, p. 31.
5
FREUD, S., “Rascunho L” (2/5/1897), E.S.B.-1976, vol. I, p. 336.
15
6
fatos e servem ao mesmo tempo de auto-absolvição.” Alguns dias depois,
descreve para o amigo e confidente, suas incursões para compreender o processo
de construção das fantasias inconscientes. Diz ele:
2.2
Fantasias precursoras dos sintomas
6
FREUD, S., “Carta 61” (2/5/1897), E.S.B.-1976, vol. I, p.334.
7
FREUD, S., “Rascunho M” (25/5/1897), E.S.B.-1976, Vol. I, p. 340.
8
FREUD, S., ESB-1976, vol. 1, p. 350.
16
deve-se ao seu inteiro desprezo pelo teste de realidade; eles equiparam a realidade
do pensamento com a realidade externa e os desejos com sua realização – com o
fato – tal como acontece automaticamente sob o domínio do antigo princípio do
prazer. Daí também a dificuldade de distinguir fantasias inconscientes de
lembranças que se tornaram inconscientes”.9
“Basta ler o ‘Homem dos Lobos’ para ver com que afinco ele se atira à
reconstrução deste evento fundador que é a cena do coito dos pais, definindo-o em
todos os detalhes, da posição dos parceiros à hora em que se teria verificado... O
9
FREUD, S., “Formulações Sobre Os Dois Princípios Do Funcionamento Mental” (1911), ESB-
1976, vol.XII, p. 285.
17
10
MEZAN, R., “Realidade Psíquica e Realidade Material” in Freud, Pensador da Cultura , p.
405.
11
FREUD, S., “História de Uma Neurose Infantil” (1914), E.S.B.-1976, Vol. XVII.
12
MEZAN, R., “Realidade Psíquica e Realidade Material” in , Freud, Pensador da Cultura, p.
405.
13
FREUD, S., “Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise” - Conferência XXIII (1917): “Os
Caminhos da Formação dos Sintomas”, ESB-1976, Vol. XVI, p.419.
14
FREUD, S., Conferência XXIII- “Os Caminhos Da Formação Dos Sintomas” (1917), ESB-
1976, vol. XVI, p.433
18
2.3
Fantasias como realizações de desejo
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15
LAPLANCHE, J., e PONTALIS, J.-B., “Fantasia Originária, Fantasias das Origens, Origens da
Fantasia”(1985), 1988, p. 55.
16 FREUD, S., “A Interpretação dos Sonhos”, E.S.B.-1976, Vols. IV e V.
19
17
RUDGE, A. M., in “As fantasias oníricas, para que servem?”, in Psyché,1999.
18
FREUD, S., ESB-1976,Vol. V, p. 526.
19
FREUD, S.,“Personagens Psicopáticos No Palco”, ESB-1976, vol. VII, p. 289.
20
Op. Cit., p.321.
20
produzido por uma descarga completa e, por outro, a uma excitação sexual que
se apresenta”21.
O teatro, na visão freudiana, ao explorar as possibilidades emocionais acaba
proporcionando prazer à platéia, mesmo diante de situações de infortúnio e
sofrimento para os personagens. A equivalência estabelecida por Freud em sua
obra, entre o teatro, o brincar infantil e a fantasia segue além deste texto.
Em 190722, numa conferência dirigida a uma platéia em torno de noventa
pessoas, o autor retoma a aproximação entre a fantasia e a brincadeira das
crianças. Segundo ele, a criança quando brinca cria um mundo próprio ou, dito de
outro modo, reajusta os elementos de seu mundo, de modo a poder satisfazer seus
desejos. O poeta faz o mesmo, ou seja, cria um mundo de fantasias, que é tratado
com muita seriedade, e no qual investe muita emoção, apesar de manter uma
nítida separação entre sua criação e a realidade.
Freud nos indica que a própria linguagem preservou essa relação entre o
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21
Ibid..
22
FREUD, S., in “Escritores Criativos E Devaneio”, E.S.B.-1976, Vol. IX.
23
Na Amorrortu Ed. S.A. –1979, Vol. IX, p. 128.
21
“... É como se ela flutuasse em três tempos... O trabalho mental vincula-se a uma
impressão atual, a alguma ocasião motivadora no presente que foi capaz de
despertar um dos desejos principais do sujeito. Dali retrocede à lembrança de uma
experiência anterior (geralmente da infância) na qual esse desejo foi realizado,
criando uma situação referente ao futuro que representa a realização do desejo. O
que se cria então é um devaneio ou fantasia, que encerra traços de sua origem a
partir da ocasião que o provocou e a partir da lembrança. Dessa forma o passado,
presente e o futuro são entrelaçados pelo fio do desejo que os une”.26
24
Op. Cit., p. 151.
25
Op. Cit., p. 151 (Grifos Originais).
26
FREUD, S., “Escritores Criativos e Devaneio” (1907), E.S.B.-1976, vol.IX, p. 153, (Grifos
Meus).
22
origina então um desejo que encontra realização na obra criativa. A própria obra
revela elementos da ocasião motivadora do presente e da lembrança antiga”.27
Referindo-se a esta explicação, Freud afirma ser a obra literária, tal como o
devaneio, uma combinação ou substituto do que foi o brincar infantil”.28
O adulto costuma ocultar cuidadosamente suas fantasias, porque sente ter
razões para se envergonhar delas; mesmo que as comunicasse, seu relato
provavelmente nos causaria repulsa. No caso do poeta, porém, ao revelar-nos o
que julgamos ser suas próprias fantasias, incita-nos um grande prazer.
Se a escolha do material literário pelo escritor origina-se de suas fantasias e,
em última instância, de seus desejos infantis, o que tornaria a obra literária fonte
de grande prazer para seus leitores? Freud nos indica que o conteúdo “repelente”
das fantasias do autor criativo é submetido a um processo tal, que o torna capaz de
provocar-nos um intenso prazer:
repugnância, relacionado sem dúvida às barreiras que separam cada ego dos
demais”.“... O escritor mitiga o caráter egoísta de seus devaneios, mediante
alterações e disfarces e nos suborna com o prazer puramente formal, ou seja,
estético, que nos proporciona a exposição de suas fantasias.” 29
27
FREUD, S., “Escritores Criativos e Devaneio” (1907), E.S.B.-1976, vol.IX, p. 156.
28
FREUD, S., “Escritores Criativos e Devaneio” (1907), E.S.B.-1976, vol.IX, p. 157.
29
FREUD, S., “Escritores Criativos e Devaneios”(1907), E.S.B.-1976, Vol.IX, p. 158, (Grifos
Originais).
30
FREUD, S., “O Mecanismo do Prazer e a Psicogênese dos Chistes” (1905), E.S.B.-1976,
Vol.VIII, p. 160-161.
23
“... Pelo que se podia compreender deles [sonhos], diziam respeito a ações
agressivas por parte do menino contra a sua irmã ou contra a governanta, com
enérgicas reprovações e castigos por causa dessas ações... Esses sonhos davam a
impressão de operar sempre sobre o mesmo material em diferentes formas, a leitura
correta dessas reminiscências ostensivas tornou-se segura: só podia ser uma questão
de fantasias que o paciente havia elaborado sobre a sua infância, numa ou noutra
época, provavelmente na puberdade, e que agora vinham outra vez à superfície sob
forma irreconhecível”. 33
31
MEZAN, R., “As três Fontes Da Psicanálise” in Freud, Pensador Da Cultura (1985), cap.2, p.
231.
32
FREUD, S., “Fantasias Histéricas E Sua Relação Com A Bissexualidade”, E.S.B.-1976, vol. IX.
33
FREUD, S., “História de Uma Neurose Infantil” (1914), E.S.B.-1976, vol. XVII, p. 33-34.
24
“São estruturas altamente organizadas, que não contém contradições em si, mas
que se assemelham com as características do sistema consciente; por outro lado
podem ser inconscientes e incapazes de tornarem-se conscientes. Apesar do seu alto
grau de organização essas fantasias permanecem recalcadas, o que as impede de
tornarem-se conscientes”.36
34
Op. Cit., “Observações Introdutórias” - Nota de Rodapé, p. 19 (grifo meu).
35
MEZAN, R., Freud, Pensador Da cultura, p. 403.
36
FREUD, S., “O Inconsciente”, E.S.B.-1976, Vol. XIV, p. 218.
25
desse tipo é altamente catexizada, até um certo grau que a faria irromper na
consciência, ela é lançada para trás por ação do Ego”.37
Nesse texto, Freud parece não ter como preocupação primeira a distinção
entre fantasias conscientes, pré-conscientes ou inconscientes, mas sim apontar um
conteúdo comum entre elas: a satisfação de desejo. Ele nos remete à idéia da
comunicação entre os sistemas psíquicos e nos aponta os efeitos que as fantasias
provocam no aparelho.
Em 191738, Freud esclarece ainda mais a relação das fantasias com o
sintoma neurótico, a saber: os sintomas neuróticos são resultantes de um conflito
que se estabelece no aparelho psíquico, estando em jogo uma nova maneira da
libido obter satisfação. A libido insatisfeita, repelida pela realidade intransigente,
procura outras vias de satisfação, caso não consiga encontrar um objeto substituto
ou a via da sublimação. Essa libido insatisfeita tende a deixar o ego e fugir de suas
leis, que regulam a consciência, o acesso à inervação motora e, portanto à própria
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descarga.
O caminho que a libido toma é um curso regressivo em direção aos
objetos internos ou às fantasias inconscientes, que já haviam sido abandonadas. O
impulso libidinal relembra “épocas anteriores e melhores”. Nessa regressão, a
libido é atraída para pontos de fixação que ficaram ao longo do desenvolvimento,
marcas que ficaram no inconsciente e retiveram uma quantidade de libido, como
resultado de experiências passadas, das quais o ego já havia se protegido através
do recalque. Durante esse percurso regressivo, a libido recatexiza esses pontos de
fixação até certo grau de intensidade, o que acaba por provocar no ego,
novamente, o processo de recalcamento secundário.
Eis o conflito patogênico: é a luta de duas forças, ou seja, um impulso
inconsciente que sofreu um incremento libidinal e, portanto aspira à satisfação e
uma força oposta, que vem do ego e funciona como um contra-investimento. A
partir deste ponto, se a objeção por parte do ego for desenvolvida, este não
permitirá a satisfação direta, mas apenas a via do sintoma. Em suma, se não
houver objeção por parte do ego, não haverá neurose e, nesse caso, a libido
chegará a alguma satisfação real. Se há, por outro lado, veto do ego, este impede a
37
FREUD, S., “O Inconsciente” , E.S.B.-1976, Vol. XIV, p. 219.
38
FREUD, S., “Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise”- parte III, E.S.B.-1976,Vol. XVI,
Conferência XXIII: “Os Caminhos da Formação dos Sintomas”, p. 419.
26
2.4
A fantasia como resíduo do irredutível
39
FREUD, S., Conferência XXIII- “Os Caminhos da Formação dos Sintomas” (1917), E.S.B.-
1976, vol. XVI, p.419.
40
FREUD, S., “Uma Criança É Espancada – Uma Contribuição Ao Estudo Da Origem Das
Perversões Sexuais” (1919), E.S.B.-1976,Vol. XVII.
41
Op. Cit, p.227.
27
ocasiões.
2ª - Nessa fase a fantasia é transformada em “sou espancado pelo meu pai” e é
acompanhada de um prazer intenso de ordem masoquista. O autor diz que esta é a
fase mais importante e significativa da fantasia. Na maioria dos casos, jamais teve
existência real. Nunca é lembrada e jamais conseguiu tornar-se consciente. “É
uma fantasia que deve ser construída em análise, mas, nem por isso, é menos uma
necessidade”42, afirma ele.
3ª - Fase: “provavelmente estou olhando; várias crianças, geralmente meninos
na fantasia feminina, estão apanhando”.43 A identidade de quem bate não é
mais o pai: é um substituto do pai, tal como um professor ou sua identidade é
indeterminada. Essa fase é acompanhada de uma forte excitação sexual e é um
modo de satisfação masturbatória.
As crianças logo percebem que “o apanhar” significa uma privação de amor
e uma humilhação. A criança, na sua onipotência imaginária, comumente acredita-
se entronada na inabalável afeição dos pais portanto, a idéia do pai batendo numa
criança odiada (1ª fase da fantasia) é agradável, independente da cena ter sido
vista ou não. Essa idéia significa “meu pai não ama essa outra criança; ele ama
42
FREUD, S., “Uma Criança É Espancada – Uma Contribuição Ao Estudo Da Origem Das
Perversões Sexuais”, E.S.B.-1976, vol. XVII, p. 232.
43
Op. Cit., p. 233.
28
apenas a mim”. Podemos perceber que essa fantasia que gratifica o ciúme da
criança, tem um lado erótico, mas também comporta um traço sádico.
Neste período do desenvolvimento libidinal, o amor incestuoso escolhe
prematuramente um objeto. O desejo de obter uma criança do pai é constante nas
meninas, embora elas não saibam como realizar esse desejo. A criança parece
estar convencida de que os genitais têm algo a ver com isso e, nesse período,
criam conjecturas a esse respeito: são as teorias sexuais infantis. Esses desejos
libidinais em relação ao pai parecem uma premonição do que mais tarde serão os
objetivos sexuais adultos.
Na altura da fase fálica, os genitais já começaram a desempenhar seu papel
no processo de excitação, mas “chega a época em que esse florescimento
prematuro é estragado pela geada. Nenhum desses amores incestuosos pode
evitar o destino do recalque”44, nos aponta Freud. A partir daí, com o
recalcamento em curso, esses impulsos libidinais incestuosos são expulsos da
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115554/CA
44
FREUD, S., “Uma Criança É Espancada”, E.S.B.-1976, Vol. XVII, p. 235.
29
45
FREUD, S., “Uma Criança É Espancada”, E.S.B. -1976, Vol. XVII, p. 237 (grifos originais).
46
FREUD, S., “O Ego e o Id”, E.S.B.-1976, vol. XIX.
47
FREUD, S., “Uma Criança É Espancada”, E.S.B.-1976, Vol. XVII, p. 241.
30
48
FREUD, S., “Além do Princípio do Prazer” (1920), E.S.B. -1976, vol. XVIII.
49
VIDAL, E., “A Construção do Fantasma”, in 1,2,3,4, número,transferência, fantasma, direção
da cura, p. 99.