Lira Paulistana
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Lira Paulistana
MARIO DE ANDRADE
seguida de
0 CARRO DA MISERIA '
0 CARRO DA MISERIA
01
J
MARIO DE ANDRADE
LIRA PAULISTANA
seguida de
,
0 CARRO DA MISERIA
[ 9 1
S
iio Paulo pela noite.
Meu espfrito alerta
Baila em festa e metr6pole.
[ 10 1
A forma do futuro
Define as alvoradas:
Sou born. E tudo e gloria.
· 0 crime do presente
Enoitece o arvoredo:
Sou born. E tudo e c6lera.
[ 11 1
G
aroa do meu sao Paulo,
- Timbre b·iste de mart1rios
Urn negro vern vindo, e branco!
S6 bern perto fica negro,
Passa e torna a ficar branco.
[ 12 1
v
aga urn ct\u indeciso entre nuvens cansadas.
On de esta o insofrido? 0 mal das almas
Quase parece urn bern na linha das calc;adas,
A palavra se inutiliza em brisas calmas
L J.'3 1
R
uas do meu sao Paulo,
Onde esta o amor vivo,
Onde esta?
Caminhos da cidade,
Corro em busca do amigo,
Onde esta?
Ruas do meu Sao Paulo,
Amor maior que o cibo,
Onde esta?
Caminhos da cidade,
Resposta ao meu pedido,
Onde esta?
[ 15 1
~
[ 16 1
0 disco terminara e a companhia estava
vulnerada. Foi quando Camargo Guarnieri
arrancou:
- Mas nunca numa sola de concerto, se
pode obter sonoridade assim!
Um disse:
- Essa mUsica e uma mentira.
L I '7 J\
0 bonde abre a viagem,
No banco ninguem,
Estou s6, stou sem.
[ 18 1
Eu nem sei si vale a pena ·
Cantar Sao Paulo na lida,
So gente muito iludida
Limpa o goto e assopra a avena,
Esta angU.stia nao serena,
M uita fome pouco pao,
Eu so vejo na func;ao
Miseria, dolo, ferida,
Isso e vida?
[ 19]
Div6rcio pra todo o lado,
As guampas fazem furor,
Gra-finos do despudor,
No gasogenio empestado,
Das mo~s do operariado
Sao os gozosos mistt~rios,
Isso de ter filho, neris,
E se ama seia o que for,
Jsso e amor?
L -20 1 ·.
Muito concha e relamb6ria,
Sem paz, sem amor, sem gloria,
Se diz terra progredida,
Eu pergunto:
Isso e vida?
l 2l J
0 ceu claro tiio largo, cheio de calma na tarde,
E ver uma crian9a adormecida
Baixando as palpebras sem pensamento
Sobre urn mundo que ainda nao viveu.
[ 22 1
T
ua imagem se apaga em certos bairros,
Mas tua dor rasga nos ares,
Nao me deixa dormir.
[23}
N
uma cabeleira pesada
Que ondula defronte de mim
No bonde,
Ha reflexos de sol vermelho.
[ 24 1
N
a rua Barao de Itapetininga
0 meu corac;ao nao sabe de si,
Nao se ve moc;a que nao seja linda,
Minha namorada nao rpasseia aqui.
[ 25 1
Beijos mais beijos,
Milh6es de beijos preferidos,
Venho de amores com a minha amada,
Insaciaveis.
Ideais, ideais,
Ideais raivosos do insofrido,
Trago verdades novas na boca,
Insaciaveis.
}: 26 1
Jornais, jomais,
N oticias que enchem e esvaziam, ·
- Me aa uma bomba sem retardamento,
Implacavell
[ 27 1
S
ilencio em tudo. Que a musica
Rola em disco sem cessar.
Uns pensam, outros suspiram,
Urn escuta.
l 28 J
Esse clima de Sao Paulo,
Muito vento e bern calor,
Abrir e fechar de portas
N as auroras do cristal.
Lourival sentencioso,
Parceiro de dor e vale,
Nunca houve £Urias de Avemo
Em diabo grande.
1 29 J
0 arreHquim de Tintagiles, Gilda,
Me esconde tudo, neblina.
A hera deu flor. . . A saudade
Lila ri das inquietac;oes.
L 30 1
.B
ailam em saltos fluidos
N a gra9a flebil da tarde
- Adeus, meninas e violas!
Mas o goleiro alvo explode
Num fulgor que salva o gol.
[ 31 1
A catedral de Sao Paulo
Por Deus! que nunca se acaba
- Cerino minha ahna.
[ 32 1
... os que esperam, os que perdem
o motivo, os que emudecem,
os que ignoram, os que ocultam
a dor, os que desfalecem
os que continuam, os
que duvidam. . . Corac;ao,
Minna, afinna e te abrasa
Pelas millcias do naol
I as I
Agora eu quero cantar
Uma hist6ria muito triste
Que nunca ninguem cantou,
A triste hist6ria de Pedro,
Que acabou qual principiou.
[ 34 1
Pedrinho engatinhou logo
Mas muito tarde falou;
Ninguem falava com ele,
Quando chorava era surra
E aprendeu a emudecer.
Falou tarde, brincou pouco,
Em breve a mae ajudou.
N esse trabalho insuspeito
Passou o dia, e nem bern
A noite escura chegou,
Como {mica resposta
Urn sono bruto o prostrou.
[ 35 }
Sem pai, mesmo longinquo, sem
Mae, mesmo ralhando, tanta
Piasada, ele sem ninguem ...
[ 36 1
Por tras da escola de Pedro
Tinha uma serra bern alta
Que o menino nunca olhou;
Logo no dia seguinte
Quando a oficina parou,
Machucado, sujo, exausto,
Pedrinho a escola rondou.
E eis que de repente, nao
Se sa~be por que, Pedrinho
Para a serra se voltou:
- Ravia de ter por certo
Outra vida bern rnais linda
Por tnis da serra! pensou.
[ 37 1
E quando em frente da maquina,
Pensam que teve 6dio? Nao!
Pedro sentiu alegria!
A maquina era ele! a maquina
Era o que a vida lhe dava!
E Pedro tudo perdoou.
Era ,u m cacareco de
Maquina! e la, bem na £rente,
Bela, puxa vida! bela,
A primeira namorada
De Pedro, nas maos dum outro,
[ 38 1
Bela, mais bela que nunca,
Se mexendo trahalhou
0 dia inteiro. N em hem
A noite negra chegou,
0 rapaz desiludido
Urn sono hruto prostrou.
[ 39 J
Com a terceira namorada,
N a prime ira roup a preta,
Pedro de pn~to casou.
E logo vieram os filhos,
Vieram doenc;as. . . Veio a vida
Que tudo, tudo aplainou.
N ada de horrivel, nlio pens ern,
Nenhuma desgrac;a ilustre
Nern dores rnaravilhosas,
Dessas que orgulharn a gente,
Fazendo cegos vaidosos,
Tisicos excepcionais,
Ou forrnando Aleijadinhos,
Beethovens e her6is assirn:
Pedro apenas trabalhou.
Ganhou mais, foi subindinho,
Urn plio de terra cornprou.
Urn plio apenas, tres quartos
E cozinha, num suburbio
Que tudo dificultou.
Menos tempo, mais despesa,
Terra fraca, algurna pera,
Ernprego hi na cidade,
Escola pra filho, oficio
Pra filho, urn nurn choque de
Trern, invalido ficou.
[ 40]
Foi essa frase sem for9a, ·
Sem Historia Natural,
Sem maquina, sem patente
De inven9ao, que por derradeiro
Pedro na vida inventou.
E quando remoendo a frase,
A noite preta chegou,
Pedro, Pedrinho, Jose,
Francisco, e nunca Alcib:fades,
Urn sono bruto anulou.
[ 41 1
Ravia, desgrat;;ado, havia
Sim, burro, idio~a, besta,
Ravia sim, animal,
Bicho, escravo sem hist6ria,
S6 da Ristoria Natural! ...
1 42 1
N
a rua Aurora eu nasci
Na aurora de minha vida
E numa aurora cresci.
No largo do Paissandu
Sonhei, foi luta renhida,
Fiquei pobre e me vi nu.
[ 43 ]
Vieste dum fuhrro selvagem,
Todo fera e diamante bruto,
Trazido peio vento sul,
Vento sui.
[ 44 1
Mo~a linda hem tratada,
Tres seculos de familia,
Burra como uma porta:
Urn amor.
Gra-fino do .despudor,
Esporte, ignorancia e sexo,
Burro como uma porta:
Urn coi6.
[ 45 j
Quando eu morrer quero Hear,
Nao contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
[ 46 )
0 nariz guardem nos rosais,
A lingua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade ...
Os olhos la n? Jaragua
Assistirao ao que ha de vir,
0 joelho na Universidade,
Saudade ...
[ 47 j
N
um filme de B. de Mille
Eu vi pela quinta vez
A triste vida de Cristo,
Rei dos Reis.
[ 48 1
Entre o vidrilho das estrt\las dUbias,
Luisito, voas na guerra italiana . ..
:Es minuto e depois minuto, e inteiro
0 corpo novo se retesa
N a contensao dos esfon;;os finais.
[ 49 1
Luisito! tens urn sabor de promessa falhada!
[50 1
A porta vai bater fechando sem adeus.
E alguem, nao serei eu, nao seras tu, alguem,
Alguem que se quebrou em dois irremediavelmente,
Solu9ani: - Que pena ...
[ 51 1
N
unca estan1 sozinho.
A esta9ao cinquentenaria
Abre a paisagem ferrovi:hia,
Graciano vem comigo.
[ 52 1
A ponte das Bandeiras
Indaga das remotas
Zonas, imaturas zonas,
Meu sinal do Amazonas ...
[53]
A Medita~iio Sabre o Tiete
[54}
E se aclama e se falsifica e se esconde. E deslumbra.
Mas e urn momenta s6. Logo o rio escurece de novo,
Esta pegro. As aguas oliosas e pesadas se aplacam
Num gemido. Flor. Tristeza que timbra urn caminho de morte.
E noite. E tudo e noite. E o meu corac;ao devastado
E urn rumor de germes insalubres pela noite insone e humana.
[55]
Estas minhas pr6prias maos que me traem,
Me desgastarain e me dispersaram por todos os descaminhos,
Fazendo .de mim uma trama onde a aranha insaciada
Se perdeu em cisco e polem, cadaveres e verdades e ilusoes.
[56 1
Destino, predestinac;oes. . . meu destino. Estas aguas
Do meu Tiete sao abjetas e barrentas,
Dao febre, dao a morte decerto, e dao ga!rc;as e antiteses.
N em as ondas das suas praias cantam, e no fun do
Das manhas elas dao gargalhadas freneticas.
Silvos de tocaias e lamurientos jaca:res.
Isto nao s~o aguas que se beba, conhecido, isto sao
Aguas do vicio da terra. Os jabirus e os soc6s
Gargalham depois morrem. E as antas e os bandeirantes e os ingas,
Depois morrem. Sobra nao. Nem siquer o Boi Paciencia
Se muda nao. Vai tudo ficar na mesma, mas vail ... e os corpos
Podres envenenam estas aguas completas no bern e no mal.
[ 57 1
A culpa e tua, Pai TietcW A culpa e tua
Si as tuas aguas estao padres de fel
E majestade falsa? A culpa e tua
On de estao os amigos? on de estao os inimigos?
Onde estao OS pardais? e OS teus estudiosos e sabios, e
Os iletr ados?
Onde o teu povo? e as mulheresl dona Hircenuhdis Quiroga!
E os Prados e os crespos e os pratos e os barbas e os gatos e os
[ linguas
Do Instituto Hist6rico e Geografico, e os mu-
seus e a Cliria, e os senhores chantres reverendissimos,
Celso niil estate variolas gide memoriam,
Calipedes flogisticos e a Confraria Brasiliense e Clima
E os jornalistas e os trustkistas e a Light e as
Novas ruas abertas e a falta de habita<;6es e
Os mercados?... E a tiradeira divina de Cristo! ...
[ 58 1
Tu es em meio a (erase) gente pia:
Dernagogia.
Es tu jocoso enquanto o ato gratuito se esvazia:
Dernagogia.
Es dernagogia, ninguem chegue perto!
Nem Alberto, nem Adalberto nem Dagoberto
Esperto Ciumento Peripatetico e Ceci
E Tancredo e Afrodisio e tarnbern Armida
E o proprio Pedro e tambem Alcibiades,
Ninguem te chegue perto, porque tenhamos o pudor,
0 pudor do pudor, sejamos verticais e sutis, hem
Sutis!... E as tuas maos se emaranham lerdas,
E o Pai Tiete se vai num suspiro educado e sereno,
Porque es demagogia e tudo e demagogia.
[59}
E os bagres ·do lodo oliva e bilh6s de peixins japoneses;
Mas es asnatico o peixe-baleia e vai logo encalhar na margem,
Pois quis engolir a propria margem, confund£do pela facheada.
Peixes aos mil e mil, como se diz, brincabrincando
De dirigir a corrente, com ares de salva-vidas.
E la vern por debaixo e por de-banda os interrogativos peixes
Internacionais, uns rubicundos sustentados de mosca,
E OS espadartes a trote chique, esses sao espadartes! e as duas
Semanas Santas se insultam e odeiam, na lufa-lufa de ganhar
No bicho o corpo do Crucuicado. Mas as aguas,
As aguas choram baixas num murmurio livido, e se difundem
Tecidas de peixe e abandono, na mais incompetente solidao.
[ 60 1
Em busca apenas dum sabor,
Em busca dum olhar,
Urn sabor, urn olhar, uma certeza ...
[ 61 1
OJhos que me intrigam, qlhos que me denunciam,
Da cauda do pavao, tao pesada e ilus6ria.
Nao posso continuar mais, nao tenho, porque os homens
Nao querem me ajudar no meu caminho.
Entao a cauda se a~briria orgulhosa e reflorescente
De luzes inimaginaveis e certezas ...
Eu nao seria tao somente o peso deste meu desconsolo,
A lepra do meu castigo queimando nesta epiderme
Que encurta, me encerra e me inutiliza na noite,
Me revertendo minusculo a advertencia do meu rio.
Escuto o rio. Assunto estes balou<;os em que o rio
Murmura num banzei:ro. E contemplo
Como apenas se movimenta escravizada a torrente,
E rola a multidao. Cada onda que abrolha
E se mistura no rolar fatigado e uma dor. E o surto
Mirim dum crime impune.
[ 621
Nas margens e nas areias das praias sequiosas?
Elas bebem e bebem. Nao se fartam, deixando com desespero
Que 0 resto do gale aquoso ultrapasse esse dia,
Pra ser represado e bebido pelas outras areias
Das praias · adiante, que tambem dominam, aprisionam e mandam
A tragica sina do rolo das aguas, e dirigem
0 leito impassive! da injustic;a e da impiedade.
Ondas, a multidao, o rebanho, o rio, meu rio, urn rio
Que sobe! Fervilha e sobe! E se adentra fatalizado, e em vez
De ir se alastrar arejado nas liberdades oceanicas,
Em vez se adentra pela terra escura e avida dos homens,
Dando sangue e vida a heber. E a massa liquida
Da multidao onde tudo se esmigalha e se iguala,
Rola pesada e oliosa, e rola num rumor surdo,
E rola mansa, amansada imensa etema, mas
No etemo imenso rigido canal da estulta dor.
[ 63 1
0 retrato a 6lio .das inaugura~6es espontaneas,
Com bestias de operario e do oficial, imediatamente inferior,
E palminhas, e mais os sorrisos das mascaras e a profunda como~ao,
Pois naol Mdhor que isso eu lhes clava uma felicidade deslumbrante
De que eu consegui me despojar porque tudo sacrifiquei.
Sejamos generoslssimos. E enquanto os chefes e as fezes
De mamadeira ficassem na creche de laca e lacinhos,
Ingenuos brincando de felicidade deslumbrante:
Nos nos irlamos de camisa aberta ao peito,
Descendo verdadeiros ao leu da corrente do rio,
Entrando na terra dos homens ao coro das quatro esta96es.
[ 64 1
E eu nao sabia! Eu bailo de ignorancias inventivas,
E a minha sabedoria vern das fontes que ·e u nao sei!
Quem move meu bra~o? Quem beija por minha boca?
Quem sofre e se gasta pelo meu renascido cora~ao?
Quem? sinao o incendio nascituro do amor? ...
Eu me sinto grimpado no arco da Ponte das Bandeiras,
Bardo mesti~o, e o meu verso vence a cor.d a
Da ,caninana sagrada, e afina com os ventos dos ares, e enrouquece
'Omido nas espumas da agua do meu rio,
E se espatifa nas dedilha~6es brutas do incorp6reo Amor.
[ 651
E noite! e noite!... E tudo e noite! E OS meus olhos sao noite!
Eu nao enxergo siquer as barcac;as na noite.
S6 a enorme cidade. E a cidade me chama e pulveriza,
E me disfarc;a numa queixa flebil e comedida,
Onde irei encontrar a malicia do Boi Paciencia
Redivivo. Flor. Meu suspiro ferido se agarra,
Nao quer sair, enche o peito de ardencia ardilosa,
Abre o olhar, e o meu olhar procura, flor, urn tilintar
NOS ares, nas luzes Ionge, no peito das aguas,
No reflexo baixo das nuvens.
[ 66 1
Maior. . . Maior que a multidao do rio acorrentado,
Maior que a estrela, maior que os adjetivos,
Sou homem! vencepor das mortes, bem-nascido alem dos dias,
Transfigurado alt~m das profeciasl
{30-XI-44 a 12-II--45)
[ 67 1
( Acalanto para Luis Carlos, filho de Gui-
lherme de Figueiredo com Alba.)
N
asceu Luis Carlos no Rio
E todo me transportei,
Luis Carlos do meu carinho.
[68}'
Crian9a, nasces num cumulo
De nuvem rubra e pletora
Que dara volta na vida.
[ 69 1
0 Carro da Miseria
0 Carro da Miseria
a Carlos Lacerda
L 73 1
Dei-vos minas de ouro v6s me dais mineirosl
Gloria a Cicero nas vendinhas alterosas
Com a penugem dos pensamentos sutis
Feito ninho de guaxe
0 passado atrapalha os meus caminhos
Nao sou daqui venho de outros destinos
Nao sou mais eu nunca fui eu decerto
Aos peda~os me vim - eu caio! - aos peda~os disperso
Projetado em vitrais nos joelhos nas cai~aras
Nos Pireneus em pororoca prodigiosa
Rompe a consciencia nftida: EU TUDOAMO.
II
[ 74 1
E diz o prinspo
Sangue-azul louro perneta
Ontem me deu na veneta
Fui na venda pra jogar
Joguei no sangue
Companheiro de aventura
Mas o sangue se depura
Esta na moda depurar
E diz o sangue
Rebolando a rac;a fina
Tintinabulem tintinas
Que eu vou jogar no ariano
Mat nao me assustem
Que num mes viro paulista
Ganho bern suspendo a crista
E tenho quatrocentos anos.
[ 75 1
Diz o ariano
Deixe de parte seu mano
Voce fede a veterano
Da rabolu9ao de julho
Tava danado
Com a sonhan9a desses pestes
Que juguei no Julio Prestes
_Mas quem deu foi o Gerulio.
-E diz o Julio
Sou o mes nublado e frio
·Que lava a bunda no !riO
E economiza sabao
-Fui trapaceado
'Tanto heroismo tanto estralo
Que arrisquei tudo em Sao Paulo
~ Mas quem deu foi a trei9ao.
[ 76 1
Diz a trei\!liO
Navegando na agua turva
v a pela sombra e na curva
Apite que nem buzina
E foi.,.se embora
Tao elegante e gentil
Que joguei no meu Brasil
Mas quem deu foi a Argentina!
III
Pica-Fumo Rompe-Rasga
Jolio Jaffet e mariposa
Ole banqueiro da esquina
Acende a vela da esposa
Pica-Fumo funga urn choro
Rompe-Rasga masca a coisa .
Jolio Jaffet sou da imoralidade
Ole banqueiro da esquina
0 que nlio sabe imagina
Jolio Jaffet da nos sa cama ..
Deu um prisco e disse adeus
[ 77 1
Mas o banqueiro ere em Deus
Convoca na escruzilhada
Um conselho de familia
Verno Diabo vern a Pomba
Rompe-Rasga Jornalista
E a Santa Constitui9ao
Senhores grande e o perdao
0 juiz com a vela da esposa
Bateu no ceu que esfolou
Eu joguei na mariposa
Mas quem deu foi barbuleta
"Antigamente espineta
Depois mazurca, hoje samba"
Me disse urn cipreste triste
Senhor de borla e cacimba
IV
[ 78 1
Voa uma pomba no adro.
0 cagador aponta. A pomba atira.
A pia pinga o pinto pia
Morre a vizinha.
Es virgem
Virgem nasceste virgem morreste oh soneto
Vejo tua estrela morta no teu corpo frio
Onde os ratos fazem ninho.
Calma
Calma de ·rio de agua barrosa
Donde nos vern a maleita sublime
0 grande bern.. . . Vamos maninha vamos
[ 79 1
Na praia pas sear
Vou esperar o sonho que ha de vir
E quando vier o hei de matar.
v
Plaff! chegou o Carro da Miseria
Do camaval intaliano!
[ 80 1
Dos luminosos magistrais
E a luz dos raios que te partam
Colhida pelos vendavais
Faz bilboque com a bolinha do mundo
A cibaliza9ao crista.
VI
[ 81 1
Larinhos crespinhos e matarazinhos
La vern o esculapio num pingo quartao ...
VII
VIII
[ 821
Mergulho no ao do vendaval.
... toda essa multidao de caminhos malditos
Por onde puxo o Carro da Miseria feito hoi
Eu hoi? eu cobra! nao! que eu sou gaucho
Cuera na dignidade e na zanguezal
IX
[ 88 1
Basta Mussoline Trotski
A N eoscolastica Freud
Crise virtuoses cinema
Como o sereno na flor
Nao insista mais amor
sou desgrac;ado nao fumo.
[ 84 1
0 esqueleto segue zurzido
Pelas tiradeiras pelas pas pelas sementes
Um rico cidadao provindo de Barbados
Que resistiu no sorvedouro da Madeira-Mamore
Chimpa sobre o esqueleto urn insulto em ingles
Bate mas nao insulta
Fala o ·esqueleto com sua cara de pelote
E entao que o bandeirante
Aponta o clavinote
Mas Deus existe ate num pate
E o esqueleto engole o insulto
E mais a ponta do chicote.
XI
XII
[ 85 1
Que parece urn bonifrate
Isso e sangue era-nao-era
Que s6 com a Vaca-Amarela
Parou o esguicho coagulou
Com tanta arte de repuxo
Que e ver pluma de avestruz
' ' quem e'?....
Zas-tras
XIII
[ 86 ]
Torpe e a cidade. Urn desejo sombrio de estupro
Urn desejo de destruir tudo num grito
N urn grito nao num gruto
E dar urn heijo em cada mao de quem tra:balha ...
XIV
[ 87 1
Vou reentrar no meu povo
Reprincipiar minha ciencia
XV
[ 88 1
Por que nao ha de a gloria dos povos
Ruir em saudade inocencia vazia dos tempos escuros
Vertigem de tanto crime que se foi? ...
XVI
[ 89 1
N asce o dia canta o galo
Tudo e angU.stia e Tia Miseria
Grunhe junto aos port6es feito capado e donne
Acorda acorda Tia Miseria
Vern nascendo urn dia enorme
Mas pouco se ve porem!
Oi Tia Misemiseria
Tens de parir o que espero
Espero nao! esperamos
0 plural e que eu venero
N a see o dia canta o galo
Miseria pare vassalo
Pare galao pare crime
Pare Ogum pare cherem:
[ 90 1
I
~
I
lmpr~sso l!tJ