Bilinguismo
Bilinguismo
Bilinguismo
Linguística Moçambicana
Abstract: Mozambique is a multilingual and multicultural country. This linguistic and cultural
situation comes from historical and social factors. Coexist in the country several ethnic
languages of Bantu origin with the Portuguese language, and languages transplanted by
immigrants who settled in the country, linguistic diversity that makes Mozambique a
linguistic environment and multicultural society, the result of cohabitation with multiple
ethnicities, many languages and many cultures. The situation of multilingualism in the
country send us the link to language and society, subject matter of Sociolinguistics studies,
science that is concerned with explaining the linguistic variation and its relationship with
various linguistic and social factors, also seeking to relate variation and language change.
Variations in the Portuguese language in Mozambique include aspects of phonetics,
phonology, morphology, syntactics, semantics, pragmatics and rhetorics.
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Leonarda Jacinto José Maria Menezes, Avenida Vladimir Lenine, nº 565, 41, Maputo – Moçambique. Doutora
em Letras pela Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia - Brasil, docente da Universidade Eduardo
Mondlane. O artigo se insere na Área de Descrição e Análise Linguística, Linha de Pesquisa – Aquisição e
Ensino de Português e na subárea do Ensino Bilingue.
Leonarda_menezes@yahoo.com.br
não foge a esse cenário. Assim, em seu território coexistem várias línguas étnicas com a
Língua Portuguesa, além de línguas transplantadas por imigrantes que se instalaram no país,
diversidade linguística que faz de Moçambique uma sociedade plurilíngue e pluricultural,
resultado de convivências com várias etnias, várias línguas e várias culturas. Este cenário de
plurilinguismo remete-nos para estudos sobre o bilinguismo e educação bilíngue. Fatores
históricos, sociais e culturais também devem ser atentados para que os estudos linguísticos
realizados no país sejam representativos da realidade local, dado que esses fatores concorrem
para a representação da identidade do indivíduo moçambicano, na sociedade, na comunidade,
independentemente da sua língua, sua cultura e sua etnia. No entanto, esta situação de
plurilinguismo em Moçambique faz com que se verifique a possibilidade de opção por
códigos distintos por parte da população, o que significa que o uso do português acarreta uma
escolha significativa, reforçando a posição político-ideológica do indivíduo.
As línguas africanas concorrem num mesmo território com as línguas anglófonas ou
lusófonas, línguas do ex-colonizador, como é o caso de Moçambique, Angola, Tanzânia,
África do Sul, Zâmbia, e outros, dando lugar a situações de plurilinguismo ou multilinguismo.
Assim, é importante tecermos considerações teóricas acerca do plurilinguismo, fenômeno
linguístico que é observado em Moçambique e em vários outros países africanos.
De acordo com o Quadro Comum Europeu, o conceito de plurilinguismo está ligado
ao ensino de línguas estrangeiras. Este conceito difere do multilinguismo, na medida em que
este se refere basicamente à oferta de diferentes línguas estrangeiras para a aprendizagem e ao
processo de motivação dos alunos para a aprendizagem de diferentes línguas, enquanto que o
plurilinguismo não se refere apenas ao domínio de diversas línguas, mas também à estreita
relação entre língua e cultura.
Afirma o Documento:
A competência plurilíngue e pluricultural refere-se à habilidade de usar línguas para
propósitos de comunicação e tomar parte em interação intercultural, onde uma
pessoa vista como um agente social tem proficiência, de níveis variados, em diversas
línguas e experiência de diversas culturas (CONSELHO da EUROPA, 2001, p.
168).
Assim, a função do professor passa a ser não só ensinar uma língua particular, mas
possibilitar a construção e o desenvolvimento da competência plurilíngue, respeitando,
valorizando e incluindo outras línguas na sua prática curricular.
Fontão (2011, p. 4) afirma, em relação ao plurilinguismo e apoiando-se no Quadro
Europeu Comum de Referências (QECR), que o plurilinguismo decorre direta ou
indiretamente das competências de intercompreensão e de comunicação intercultural. Esse
conceito se assenta, sobretudo, na necessidade de dar resposta à diversidade linguística e
cultural de um país e de comunicar eficazmente numa sociedade que é, cada vez mais,
multilíngue e multicultural.
O plurilinguismo, segundo o autor acima citado, admite uma dimensão intercultural
que, na prática, se traduz pela interação e/ou mediação sócio comunicativa. Desse modo, a
educação em matéria de línguas constitui-se, sobretudo, como um espaço privilegiado de
objetivos políticos consignados para a cidadania democrática (FONTÃO, 2011, p. 5).
Essa definição de plurilinguismo acentua o fato de que a experiência pessoal de um
indivíduo, no seu contexto cultural, se expande para a sociedade em geral e, depois, para as
línguas de outros povos (aprendidas na escola, na universidade) ou por experiência direta.
Essas línguas e culturas não ficam armazenadas em compartimentos mentais rigorosamente
separados. Ao contrário, constrói-se uma competência comunicativa, para a qual contribuem
todo o conhecimento e toda a experiência das línguas, bem como a compreensão de como as
línguas em questão se inter-relacionam e interagem (FONTÃO, 2011, p. 5).
A seguir, passamos a apresentar o ponto referente à variação sociolinguística em
Moçambique.
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Questões que envolvem a necessidade ou o desejo de reafirmação de identidade étnica ou social
frequentemente afetam o grau de competência exibida pelo bilíngue.
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Ver a este respeito Baker (1993, p. 102), Romaine (1989, p. 99) e Gumperz (1982, p.75)
alterações e mantém o mesmo sentido. Algumas dessas palavras emprestadas de outras
línguas no português passam por um processo de aportuguesamento que não deixa claro para
o emissor que se trata de uma verdadeira influência que outras línguas exercem sobre a
mesma. Este processo ajuda na ampliação do léxico, adotando e adaptando um termo de outra
língua qualquer em determinado momento histórico. Sabe-se também que os empréstimos
fazem parte dos neologismos formais. No Português de Moçambique (PM), o processo de
formação de novas unidades lexicais passa por procedimentos normais de criação lexical, quer
através da forma, quer através do sentido, embora saibamos que não podemos confundir
neologismos com empréstimos e ‘estrangeirismos’, conforme aponta Vilela (1995, p.23). No
entanto, para o caso do PM que se encontra em contato permanente com as línguas bantu, os
empréstimos estão muitas vezes integrados aos neologismos formais, como podemos ver nos
exemplos de Silva (2009, p.113), quando demonstra que foram criados, no poema de
Craveirinha4, neologismos a partir tanto do léxico português como do ronga que foram
lexicalizados no PM, como é o caso das palavras “inconstruir” (cidades inconstruídas) no
poema “Hino à minha Terra” ou “timbileiros”, tocadores de timbila (a maviosa velha
canganhiça dos timbileiros/acaba os ócios) no poema “Timbileiro” em (Karingana wa
Karingana), de José Craveirinha. Existem ainda no léxico do PM algumas palavras que
provêm das línguas bantu ou do inglês, palavras que entraram na língua, mas que mantiveram
a sua forma original, ainda que sejam de uso corrente, como é o caso das palavras Shopping
Center, show, compact disc, feedback, workshop, nice, backgraund, (que provêm do inglês) e
txova- xitaduma, dumba-nengue, tchungamoio, vunar, etc (que provêm das línguas bantu).
Entretanto, Cavalcanti (2007), ao abordar a questão do code switching, afirma que um
bom bilíngue transita de uma língua para outra justamente porque, diferentemente do
monolíngue, tem competência nas duas línguas. O code switching não é falta de competência,
mas sinal de competência bilíngue, algo que faz muito sentido quando consideramos que a
mudança de código não se dá através de misturas ad hoc. Esses procedimentos são, para o
bilíngue, recursos comunicativos poderosos dos quais ele lança mão com frequência para,
pragmaticamente, atribuir sentidos vários aos seus enunciados, para expressar a afetividade 5,
relação de poder, mudança de tópico, identidade social e/ou étnica, dentre outras
possibilidades. Não se trata de um deficit, mas de um recurso sofisticado com que somente os
4
José Craveirinha é um escritor e poeta moçambicano que publicou várias obras quando em vida.
5
Veja-se o caso do bilíngue em Moçambique, que é falante de duas línguas maternas (a do pai e da mãe) e que,
para evitar conflitos familiares, fala numa determinada língua materna numa situação de conversação com a avó
materna e noutra língua com a avó paterna, para que todas compreendam o discurso.
bilíngues podem contar. Por essa razão, os bilíngues se sentem mais à vontade na companhia
de outros bilíngues, pois na interação com monolíngues não podem lançar mão de todas as
habilidades comunicativas que têm à sua disposição (CAVALCANTI, 2007, p. 75)6.
O estudo do bilinguismo remete-nos para a relação língua e sociedade, questão objeto
de estudos da Sociolinguística.
Para Lopes (2001, p. 84), o objeto de estudo da Sociolinguística é a fala viva em seu
contexto real, não apenas a língua idealizada, objeto de outros tipos de estudo. Afirma ainda
que a Sociolinguística é uma ciência que estuda fatos linguísticos propriamente ditos em
contextos sociais específicos, buscando descrever e interpretar as relações que tais fatos
mantêm com o contexto social de sua produção. Assim, a Sociolinguística preocupa-se em
explicar a variabilidade linguística e sua relação com diversos fatores linguísticos e sociais,
buscando também relacionar variação e mudança linguística. Desse modo, a Sociolinguística
considera a heterogeneidade como uma situação natural ou normal da língua (LOPES, 2001,
p. 84).
Lopes (2001, p. 84) afirma também que a heterogeneidade linguística é vista como
ordenada. Sendo parte integrante da economia linguística da comunidade, a heterogeneidade é
necessária para satisfazer a demandas linguísticas da vida cotidiana e deve ser entendida como
distinta da variação livre. Para a autora, a ocorrência de variantes relaciona-se a traços do
ambiente interno e a características externas, do falante e da situação (estilo contextual, status
e mobilidade social, etnicidade, sexo, idade). Assim, a escolha de variantes identifica o
falante, seu grupo social, sua faixa etária, sexo etc. As pressões sociais operam continuamente
sobre a linguagem, não apenas em um passado remoto, mas como uma força dinâmica que
atua constantemente no presente (LOPES, 2001, p. 85).
Segundo Tarallo (2007, p. 6), a cada situação de fala em que nos inserimos e de qual
participamos, notamos que a língua falada é heterogênea e diversificada. É essa situação de
heterogeneidade que deve ser estudada através de uma teoria da variação linguística em todas
as sociedades, particularmente as plurilíngues, como Moçambique, em que a maioria da
população é, pelo menos, bilíngue. Esta teoria é um modelo teórico-metodológico que,
segundo Tarallo (2007, p. 7), assume o ‘caos’ linguístico como objeto de estudo. Este modelo
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Veja-se, a título de exemplo, os estudantes estrangeiros em países monolíngues, que são bilíngues ou falantes
de mais de duas línguas, que se veem, por vezes, impotentes em uma situação de comunicação, quando querem
expressar-se em suas línguas maternas, para melhor explicarem os seus sentimentos, ou traduzirem expressões
com exemplos que só nas suas línguas maternas seriam possíveis e com maior impacto comunicacional.
seria meramente social, pois “no meio social as variantes coexistem em seu campo natural de
batalha” (TARALLO: 2007, p. 7).
Sabe-se que em toda comunidade de fala são frequentes as formas linguísticas em
variação, denominadas ‘variantes’. Assim, consideram-se como ‘variantes linguísticas’ as
diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de
verdade. A um conjunto de variantes dá-se o nome de ‘variável linguística’ (TARALLO,
2007, p. 8). De acordo com a Teoria da Variação, toda e qualquer variante de uma língua é
adequada linguisticamente e é inapropriado dizer-se que há variantes piores ou melhores. É
nesta sequência de ideias que Silva (2009, p. 18) afirma:
Além de não haver língua melhor ou pior, não há línguas primitivas ou evoluídas –
toda língua permite a expressão de qualquer conceito. Caso seja necessário
incorpora-se vocabulário novo ampliando-se o léxico da língua em questão. Todas
as línguas mudam continuamente (SILVA, 2009, p. 18).