Direito Processual Civil VI
Direito Processual Civil VI
Direito Processual Civil VI
Tema I
Notas de Aula1
1. Tutelas de urgência
Tutela é sinônimo de proteção. Aquele que busca uma tutela jurisdicional está
pretendendo que o Estado proteja alguma coisa. A tutela varia de acordo com aquilo que se
quer proteger.
A tutela mais comumente pretendida é a ressarcitória: ocorrido um fato, contrário
ao direito, causador de um dano, o prejudicado pretende haver ressarcimento de seu
prejuízo.
Há também a tutela inibitória, que se presta a prevenir a ocorrência de um ilícito,
antes que seja necessário o pleito pela tutela ressarcitória, ou seja, antes que haja
oportunidade de causação de dano. Esse tipo de tutela se dedica a evitar que um ilícito
ocorra, inibir a sua prática, repetição ou continuidade, a fim de que não venha a surgir
eventual dano. Repare que não se discute o dano, ainda, porque a tutela inibitória pretende
impedir o ato ilícito de ocorrer, consequentemente impedindo que qualquer dano, que
eventualmente decorreria do ilícito, venha a ser causado.
Há ainda a chamada tutela de evidência, consagrada, por exemplo, no artigo 285-A
do CPC, que se aplica em casos em que, ou por estar explícito, ou por não haver qualquer
evidência de que o direito pretendido realmente seja devido, pode o juiz entregar desde
logo a proteção estatal, ou refutar imediatamente a pretensão, respectivamente. Veja:
1
Aula ministrada pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 8/10/2010.
eventual provimento final que atenda a tal pretensão. É por isso que é comum que se diga
que a cautelar é o “instrumento do instrumento”, porque se dedica a instrumentalizar o
instrumento que carreará a pretensão substancial. A tutela inibitória não se confunde com
essa cautelar, porque seu escopo não é meramente instrumental: seu objetivo é prevenir a
ocorrência de um ilícito, e essa prevenção é desde logo a pretensão principal que se busca –
é material, substancial, é um fim em si mesmo, ao contrário da cautelar.
Qualquer que seja o tipo de tutela, essa poderá ser prestada de forma antecipada: a
antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, qualquer que seja a espécie, é hoje possível
em qualquer processo. É cabível a liminar em tutela ressarcitória, cautelar ou inibitória,
desde que presentes os seus requisitos, seja em processo individual, seja em coletivo.
A tutela inibitória pode ser positiva ou negativa: pode a pretensão do autor exigir
que o réu não faça algo, ou pare de fazer alguma coisa, a fim de com isso impedir que o
ilícito ocorra ou se perpetue – essa é a tutela inibitória negativa. Pode o autor, no entanto,
pretender que o réu faça alguma coisa, a fim de que seja evitado o ilícito – é a tutela
inibitória positiva, que existe quando há um dever de agir para evitar um ilícito, e esse
dever está sendo descumprido, por uma omissão do réu. Marinoni dá um bom exemplo de
tutela inibitória positiva: se o fabricante de um medicamento não redige uma bula com
informações claras sobre o uso do produto, já há o ilícito por falta de informação, pelo que
pode-se pleitear tutela inibitória positiva para compelir esse fornecedor a cumprir o dever
de informação, produzindo a bula corretamente – agir para evitar que o ilícito persista.
Sobre a tutela inibitória e suas várias nuances, segue transcrito, na íntegra, um artigo
de Luiz Guilherme Marinoni, altamente relevante e esclarecedor2.
2. Tutela inibitória
2.1. Introdução
A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, e assim não se liga
instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita "principal". Trata-se de "ação de
conhecimento" de natureza preventiva, destinada a impedir a prática, a repetição ou a
continuação do ilícito3.
A sua importância deriva do fato de que constitui ação de conhecimento que
efetivamente pode inibir o ilícito. Dessa forma, distancia-se, em primeiro lugar, da ação
cautelar, a qual é caracterizada por sua ligação com uma ação principal, e, depois, da ação
declaratória, a qual já foi pensada como "preventiva", ainda que destituída de mecanismos
de execução realmente capazes de impedir o ilícito.
A inexistência de uma ação de conhecimento dotada de meios executivos idôneos à
prevenção, além de relacionada à idéia de que os direitos não necessitariam desse tipo de
tutela, encontrava apoio no temor de se dar poder ao juiz, especialmente "poderes
executivos" para atuar antes da violação do direito. Supunha-se que a atuação do juiz, antes
da violação da norma, poderia comprimir os direitos de liberdade. Tanto é verdade que a
doutrina italiana, ainda que recente, chegou a afirmar expressamente que a tutela inibitória
2
Texto dos itens 2, 3 e 4 compilado de artigo de autoria de Luiz Guilherme Marinoni, professor titular de
Direito Processual Civil dos cursos de graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em
Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da
República.
3
Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, São Paulo, Ed. RT, 2003. 3a. ed.
4
Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni, Milano, Giuffrè, 1964, p. 428.
5
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, 3a. ed., cit., p. 38 et seq.; Marco Saviero Spolidoro, Le misure di
prevenzione nel diritto industriale, Milano, Giuffrè, 1982, p. 161 et seq.; Lodovico Barassi, La teoria generale
delle obbligazioni, cit., p. 431; Cristina Rapisarda, Inibitoria, Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p.
479; Remo Franceschelli, Studi sulla concorrenza sleale, La fattispecie, Rivista di Diritto Industriale, 1963, p.
273; Edoardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1957, p. 579.
6
Como conclui Adolfo di Majo, "resta che l’immediato referente della tutela inibitoria è il torto subito, a
prescindire dal danno che esso abbia provocato" (Adolfo di Majo, Forme e tecniche di tutela, Processo e
tecniche di attuazione dei diritti, Napoli, Jovene, 1989, p. 30).
ilícito, verifica-se que o autor não precisa alegar dano e o que réu está impedido de discuti-
lo. Bem por isso, o juiz, em tal caso, não pode cogitar sobre o dano e, dessa forma,
determinar a produção de prova em relação a ele.
É certo, porém, que em alguns casos há uma identidade cronológica entre o ato
contrário ao direito e o dano, pois ambos podem acontecer no mesmo instante. Nessas
hipóteses, a probabilidade do dano constituirá o objeto da cognição do juiz e, assim, o autor
deverá aludir a ele e o réu poderá obviamente discuti-lo. Por isso mesmo, a prova não
poderá ignorá-lo. Porém, fora daí, vale a restrição da cognição ao ato contrário ao direito,
não apenas pela razão de que essa é a única forma de realizar o desejo da norma - que
estabelece uma proibição exatamente para evitar o dano - como também porque, em
determinados casos, são proibidas ações contrárias ao direito, independentemente de
provocarem efeitos danosos.
2.4. Modalidades
A ação inibitória pode atuar de três maneiras distintas. Em primeiro lugar para
impedir a prática de ilícito, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido produzido pelo réu.
Essa espécie de ação inibitória foi a que encontrou maior resistência na doutrina italiana 7.
Isso é explicável em razão de que essa modalidade de ação inibitória, por atuar antes de
qualquer ilícito ter sido praticado pelo réu, torna mais árdua a tarefa do juiz, uma vez que é
muito mais difícil constatar a probabilidade do ilícito sem poder considerar qualquer ato
anterior do que verificar a probabilidade da sua repetição ou da continuação da ação ilícita8.
Como se vê, o problema das três formas de ação inibitória é ligado diretamente à
prova da ameaça. Enquanto que duas delas – a que visa inibir a repetição e a que objetiva
inibir a continuação –, ao se voltarem para o futuro, e assim para a probabilidade da
repetição ou da continuação, podem considerar o passado, ou seja, o ilícito já ocorrido, a
outra não pode enxergar ilícito nenhum no passado, mas apenas atentar para eventuais fatos
que constituam indícios de que o ilícito será praticado.
No caso de ilícito já praticado, torna-se muito mais fácil demonstrar que outro ilícito
poderá ser praticado, ou mesmo que a ação ilícita poderá prosseguir. Nesses casos, levando-
se em conta a natureza da atividade ou do ato ilícito, não é difícil concluir a respeito da
probabilidade da sua continuação ou da sua repetição9.
Note-se que as três ações se diferenciam na medida em que se distingue o que nelas
deve ser provado. Isso não quer dizer, como é óbvio, que a necessidade de ação inibitória
possa ser vista de forma diferenciada diante das três hipóteses elencadas. A necessidade de
ação inibitória não tem nada a ver com a questão da prova. A dificuldade da prova não pode
constituir obstáculo à ação inibitória, seja ela qual for.
Lembre-se que a modalidade mais pura de ação inibitória, que é aquela que interfere
na esfera jurídica do réu antes da prática de qualquer ilícito, vem sendo aceita em vários
países preocupados com a efetividade da tutela dos direitos. Assim, por exemplo, no direito
alemão, não obstante o teor da letra do §1.004 do BGB, que se refere expressamente a
7
Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni, cit., p. 428.
8
Como diz Frignani, o problema dessa modalidade de ação inibitória consiste "nel fatto che qui la prova del
pericolo della commissione di un illecito è più difficile, in quanto è estremamente arduo dare una valutazione
ex ante dell’idoneità dei mezzi messi in atto nei preparativi ai fini della perpetrazione dell’illecito" (Aldo
Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, Milano, Giuffrè, 1974, p. 429).
9
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 429.
10
Dieter Medicus, Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, München, C. H. Beck’sche
Verlagsbuchhandlung, 1986, v. 4, p. 963 et seq.; Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, München, C. H.
Beck’sche Verlagsbuchhandlung, 1972, p. 528 et seq.
11
É o que diz Arwed Blomeyer: "Therefore in some countries an ‘initial violation’ as well as a ‘danger of
repetition’, are prerequisites for the action, as under the German CC 1004, in the socialist systems and, for the
most part, under Anglo-American law. To a substantial extent, however, modern law has outgrown these
requirements. German and Swiss practice admit a complaint for injunctive relief even before an initial
violation; and Anglo-American law has developed the quia timet injunction for just this purpose" (Arwed
Blomeyer, Types of relief Available (Judicial remedies), International Encyclopedia of Comparative Law, v.
16, p. 54).
12
Art. 156 da Lei 633/1941: "Chi ha ragione di temere la violazione di un diritto di utilizzazione economica a
lui spettante in virtù di questa legge, oppure intende impedire la continuazione o la ripetizione di una
violazione già avvenuta, può agire in giudizio per ottenere che il suo diritto sia accertato e sia interdetta la
violazione...".
13
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, Padova, Cedam, 1987, p. 92; Aldo Frignani,
Inibitoria, Enciclopedia del diritto, v. 21, p. 560.
14
Como dizem Rapisarda e Taruffo, "in sostanza, la concezione meramente risarcitoria della tutela di
condanna apre dei vuoti di grande rilievo nell’attuazione concreta della garanzia di cui all’art. 24, 1 co., Cost.;
per contro, l’estensione di tale garanzia alle situazioni sostanziali non tutelabili in via risarcitoria impone di
ammettere per esse la tutela inibitoria. Essa deve, quindi, essere atipica, proprio per poter svolgere la funzione
generale di tutela prevista dalla norma costituzionale" (Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria,
Enciclopedia Giuridica Trecanni, v. 17, p. 9).
15
Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modelo costituzionale del processo civile italiano, Torino,
Giappichelli, 1990, p. 89; Luigi Paolo Comoglio, Commentario della Costituzione (a cura di G. Branca),
Bologna-Roma, Zanichelli-Foro italiano, 1981, p. 1 et seq.; Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti,
Milano, Giuffrè, 1993, p. 1; Andrea Proto Pisani, Brevi note in tema di tutela specifica e tutela risarcitoria,
Foro italiano, 1983, p. 128 et seq.; Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione, Rivista
Critica del Diritto Privato, 1986, p. 635 et seq.; Ferruccio Tommaseo, Appunti di diritto processuale civile,
Torino, Giappichelli, 1995, p. 169 et seq.
16
"A prescindire dal fatto che la tutela inibitoria appare sempre di più generalizzata a nuove categorie di diritti
(oltre quelli tradizionali), è da sottolineare comunque che essa, proprio per la sua funzione di prevenzione,
non può non ritenersi parte integrante di un complessivo sistema di tutela dei diritti, ove naturalmente
sussistano le ragioni della prevenzione. Il fondamento più immediato di essa è il principio costituzionale
secondo cui la tutela dei diritti deve essere ‘effettiva’ (art. 24)" (Adolfo di Majo, Forme e tecniche di tutela,
Processo e tecniche di attuazione dei diritti, cit., p. 30).
reservada às normas penais. Essa função preventiva passou a ser exercida através de
normas proibitivas e impositivas de condutas. Na verdade, com a evolução da sociedade,
cada vez mais surgiram direitos dependentes de algo que deveria ser feito, não mais
bastando a simples abstenção (ou não-violação). Ou seja, o próprio direito material passou
a depender de ações positivas. Essas últimas passaram a ser imprescindíveis para a
prevenção dos direitos.
Isso significa que a prevenção deixou de se contentar apenas com a abstenção,
passando a exigir um fazer. Nessa perspectiva, ficou fácil perceber que o ilícito poderia ser,
além de comissivo, também omissivo. Se alguém possui dever de fazer para que um direito
não seja violado, é evidente que o não-fazer implica em ato contrário ao direito, o qual pode
ser qualificado de ilícito omissivo.
Dessa forma, torna-se fácil compreender que a ação inibitória não visa somente
impor uma abstenção, contentando-se, assim, com um não-fazer. O seu objetivo é evitar o
ilícito, seja ele comissivo ou omissivo, razão pela qual pode exigir um não-fazer ou um
fazer, conforme o caso18.
O direito brasileiro possui normas processuais (arts. 84, CDC, e 461, CPC) que
autorizam ao juiz não apenas impor um fazer ou um não-fazer, como também impor um
fazer quando houver sido pedido um não-fazer, desde que o fazer seja mais adequado à
proteção do direito no caso concreto.
De modo que, se o direito material exige um não fazer, nada impede que o juiz
ordene um fazer para que o direito seja efetivamente tutelado. Assim, por exemplo, se
alguém está proibido de perturbar a vizinhança, nada impede que o juiz, ao invés de
ordenar a paralisação da atividade, ordene a instalação de determinado equipamento. Nesse
caso, partindo-se da premissa de que não há regra de direito material que obrigue a
instalação do equipamento, a imposição do fazer decorre do poder conferido ao juiz, pela
legislação processual (arts. 84, CDC, e 461, CPC), de se valer – evidentemente mediante
fundamentação – da medida executiva mais adequada ao caso concreto.
Porém, quando é o próprio direito material, com o objetivo de assegurar a
prevenção, que estabelece um dever de fazer, a violação da norma já configura violação de
dever positivo. Assim, a diferença é que, na hipótese do parágrafo anterior, estabelece-se
dever negativo e, nesta última, dever positivo. Entretanto, se o dever negativo pode levar a
uma ordem de fazer (em razão da legislação processual), e nesse caso há prestação de tutela
inibitória positiva, é pouco mais do que óbvio que a ordem judicial de fazer, que objetiva
impor a observância do dever positivo, constitui tutela inibitória positiva.
Supor que a ordem para o cumprimento de dever de fazer não constitui tutela
inibitória, seria o mesmo que aceitar que a inibitória positiva somente existe quando o
direito material não prevê dever positivo, mas apenas dever negativo. É esquecer que o
próprio direito material, em alguns casos, possui função preventiva, e que a tutela
jurisdicional destinada à atuação deste direito não tem como perder o caráter inibitório da
norma não observada.
dever de fazer observar uma norma (por exemplo) ou um dever de realizar algo para
proteger um direito. Em outras palavras, não é correto pensar que o dever do Estado
fiscalizar a proibição de corte de árvores possui natureza distinta do dever do Estado tratar
dos esgotos urbanos e industriais.
É certo que nem todo dever de prestação fática configura dever de prestar algo para
a prevenção Para que se possa dizer que tal dever se destina à prevenção, deve-se
considerar a finalidade do dever. Lembre-se que a Constituição Federal, no seu art. 225,
"caput", afirma expressamente que incumbe ao Poder Público e à coletividade o dever de
defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Assim, por
exemplo, quando se retira do art. 208 da Constituição do Estado de São Paulo o dever do
Município tratar da higiene dos rios, para evitar a poluição do meio ambiente, não há como
deixar de concluir que esse dever se destina a proteger um bem inviolável. Referindo-se
exatamente a essa questão, anota Alvaro Luiz Valery Mirra que o Poder Público, nesse
caso, "deve agir para alcançar o fim previsto na norma, ação essa precipuamente
preventiva", pouco importando que essa atuação ocorra sem ou com a intermediação do
Poder Judiciário, uma vez que "tal atividade não pode ser postergada por razões de
oportunidade e conveniência nem mesmo sob a alegação de contingências de ordem
financeira e orçamentária"19.
Esse dever de realizar algo objetiva preservar ou proteger o meio ambiente, não
importando que não seja um dever de atuar sobre os particulares (ação normativa ou, por
exemplo, fiscalizadora), mas sim um dever de fazer algo que incida diretamente sobre o
direito fundamental (tratamento de um rio). É evidente que o dever de tratar de um rio deve
ser englobado no dever de proteção do Estado aos bens fundamentais.
Se o processo serve para permitir a obtenção da tutela do direito, e o direito
material, visando à preservação do meio ambiente, confere ao Poder Público determinado
dever de fazer, a ação processual, ao tomar em consideração esse dever, objetiva evitar que
a omissão ilícita se perpetue como fonte de danos. A não-ação, quando o Estado possui
dever de atuar para proteger um bem, configura "ação" que precisa ser suprimida para que a
fonte dos danos não fique aberta. O ilícito, assim como a fonte dos danos que não foi
secada em virtude da omissão, perpetua-se no tempo, constituindo um não agir continuado.
Assim, a tutela jurisdicional que objetiva obrigar a Administração a praticar o ato
necessário para que o ilícito não se perpetue, possui a mesma natureza do dever de fazer
não observado. Não há dúvida que essa tutela jurisdicional determina o adimplemento de
um dever. Mas, se o próprio dever possui o fim de evitar a violação do meio ambiente, a
ação voltada a efetivá-lo logicamente presta tutela inibitória, ou melhor, a própria
prevenção desejada pelo direito material20.
Quem não raciocina com a distinção entre dano e ilícito, realmente não tem
condições de pensar em ilícito que se perpetua como fonte de danos. O não cumprimento de
um dever legal por parte da Administração, necessário para evitar a degradação do meio
ambiente, perpetua-se no tempo. A distinção entre ato contrário ao direito (ilícito) e fato
danoso permite enxergar que a simples violação de um dever pode abrir ensejo a danos, na
medida em que a omissão ilícita caminha no tempo. Em um caso como esse, a ação
processual não se volta contra um ato ilícito ou fato danoso que já se exauriu, mas sim
19
Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental, Ação Civil
Pública, São Paulo, Ed. RT, 1995, p. 56.
20
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 109.
contra uma omissão ilícita que prossegue no tempo. Tanto é verdade que se, depois de
violado o dever, a Administração realizar o ato, não haverá simples outorga de
ressarcimento, mas evitar-se-á que danos sejam ocasionados.
A prática desse ato não configura simples observância de um dever, destituída de
qualquer conteúdo, mas sim o cumprimento de um dever instituído com finalidade de
prevenção21. O próprio direito material, ao impor dever ao Poder Público, objetiva conferir
prevenção ao meio ambiente. Trata-se de observância de prestação material imprescindível
para o Estado se desincumbir do seu dever de proteção ao direito fundamental.
Ao considerar a natureza desse dever, o juiz pode identificar a verdadeira situação
concreta, que não só não pode perder de vista a inviolabilidade do direito, como também
não pode permitir que o magistrado se deixe seduzir por teses que podem ter racionalidade
em países como a Alemanha e os Estados Unidos, mas que não se importam, nem de longe,
com a realidade brasileira. Perceba-se que, apenas quando se toma em conta a razão do
dever imposto ao Estado e a sua imprescindibilidade para evitar a degradação do meio
ambiente – que deve ser preservado para as presentes e futuras gerações -, é que se pode
perceber a necessidade e a impostergabilidade da prestação, que não pode, então, ficar
submetida a meras alegações de impossibilidade orçamentária.
Nesse caso, as costumeiras alegações de conveniência e oportunidade são mais do
que descabidas, e a mera afirmação de indisponibilidade orçamentária não pode desonerar o
Estado do seu dever, sob pena de se admitir que ele pode entender que não deve dispor de
dinheiro para evitar a degradação de um direito afirmado inviolável pela própria
Constituição Federal. É por isso que a ação coletiva - fundada no art. 84 do CDC – voltada
à obtenção dessa prestação, objetiva evidente tutela preventiva ou inibitória do direito
ambiental22, que não pode ser vista como uma simples e neutra tutela de um dever legal.
Anote-se, aliás, que se o Estado realmente demonstrar (o ônus da prova é seu) sua
impossibilidade orçamentária, a conclusão será a de que ilegalmente deixou de considerar
tal necessidade. Portanto, o juiz deverá ordenar sob pena de multa que o Estado não só
inclua, em seu próximo orçamento, dinheiro necessário para a realização da prestação, mas
também que o use de modo a cumprir o seu dever constitucional.
A multa – em qualquer um dos casos acima - não poderá incidir em relação à pessoa
jurídica de direito público, mas sim sobre a pessoa física da autoridade pública. Como essa
multa possui fim coercitivo, não há como imaginar que ela possa incidir sobre um
patrimônio, na hipótese o patrimônio da pessoa jurídica. Tal multa, diante de sua finalidade,
somente pode visar uma vontade. Como a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por
meio da autoridade pública, a multa coercitiva somente pode ser pensada se for imposta
diretamente à autoridade capaz de dar atendimento à decisão judicial.
Não se diga, simplesmente, que não se pode impor multa em relação a quem não é
parte no processo. É que essa multa não constitui pena, mas somente ameaça para que
alguém, de quem depende o cumprimento da ordem judicial, atue em conformidade com a
decisão. É claro que a multa somente pode ser direcionada à autoridade que tem capacidade
21
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 109.
22
A doutrina fala expressamente na omissão Estatal que abre oportunidade para que sejam produzidos danos
ambientais. Segundo Álvaro Luiz Valery Mirra, "a prática tem revelado inúmeras situações em que o Poder
Público, notadamente a Administração, deixa de agir, omite-se no cumprimento do seu dever de adotar as
medidas necessárias à proteção de bens e recursos ambientais, causando com isso diretamente danos ao meio
ambiente ou permitindo que degradações ambientais se concretizem" (Álvaro Luiz Valery Mirra, Ação civil
pública e reparação do dano ao meio ambiente, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2002, p. 367).
para atender a decisão, e não outra. Perceba-se que a autoridade sempre terá a escolha entre
obedecer ao juiz ou arcar com a multa. Não há nada de arbitrário aí, pois a autoridade,
diante da decisão judicial, deve cumprir a ordem. O contrário seria admitir que a autoridade
pode descumprir decisão jurisdicional que determina a observância de prestação que
decorre de dever constitucional. Seria admitir, de uma só vez, que é possível desobedecer à
lei e ao juiz.
3.1. Introdução
Como já foi possível perceber, a ação de remoção do ilícito possui duas direções.
De um lado olha para trás, mirando um ato que já ocorreu; de outro zela pelo futuro, ainda
que indiretamente, impedindo que danos sejam produzidos.
Assim, em relação ao ato contrário ao direito, que é o verdadeiro alvo atacado, a
ação de remoção é repressiva. A sua preventividade é indireta, ou melhor, conseqüência
imediata da sua finalidade, uma vez que a remoção do ilícito impede a ocorrência de danos.
Essa espécie de ação, ao remover o ilícito, dá tutela ao direito absoluto,
independentemente do dano. Porém, o seu efeito preventivo mais evidente advém de sua
ligação com a regra de direito material que, visando proteger um direito, proíbe uma
conduta. A ação de remoção do ilícito é imprescindível para dar efetividade à proibição, e
assim realiza o próprio desejo preventivo da norma não observada.
Como essa ação se volta contra o ilícito, ela logicamente não tem como
pressupostos o dano e o elemento subjetivo relativo à imputação ressarcitória23.
23
Como diz Bonasi Benucci: "il motivo per il quale la dominante dottrina intravede nella colpa un elemento
costitutivo dell’illecito civile va ricercato, a nostro avviso, nel fatto che l’illecito si è sempre esaminato sotto
l’angolo visuale della responsabilità per i danni ad esso conseguenti: e poiché la sussistenza della
responsabilità per tali danni è normalmente condizionata alla colpa (art. 2043 c.c.), si è costruito l’illecito su
base soggettiva ossia sulla base della colpa dell’agente" (Edoardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza
sleale, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 579).
24
Isso em regra, pois, como é sabido, existe obrigação de ressarcir derivada de ato lícito.
25
Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza, Rivista
Critica del Diritto Privato, 1984, p. 380-381.
26
Como explica Helmut Rübmann, o § 249 do CC alemão fala em obrigação de estabelecer a situação que
existiria caso o dano não houvesse ocorrido. "§ 249 Satz 1 gibt dem Gläubiger einen Anspruch auf
Herstellung in Natur" (Helmut Rübmann, Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch. Darmstadt,
Luchtenhand, 1980, p. 185).
27
Como ensina Adolfo di Majo, a diferenciação entre remoção do ilícito e ressarcimento na forma específica é
necessária para evidenciar que o ressarcimento na forma específica objetiva eliminar as conseqüências
prejudiciais do fato danoso e não simplesmente restaurar o "status quo ante". Conforme adverte o jurista,
garantir o ressarcimento na forma específica quer dizer, em outras palavras, assegurar a reconstituição da
mesma situação de fato que existiria caso o dano não houvesse ocorrido (Adolfo di Majo, La tutela civile dei
diritti, cit., p. 225).
28
Ver Peter Erman, Handkommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch. Münster: Aschendorf, 1993, v.1, p. 22.
29
O ressarcimento pode ser prestado de duas maneiras: na forma específica ou pelo equivalente monetário.
Lembre-se que ressarcir é reparar e, assim, em princípio implica em uma obrigação de fazer fungível ou em
uma obrigação de entregar coisa igual à destruída. O ressarcimento pelo equivalente monetário nada mais é do
que a obrigação de pagar a soma equivalente ao valor do dano, e desta maneira deve ser vista como uma
forma de reparação não adequada ao ressarcimento de direitos do porte do direito ao meio ambiente.
Como já foi visto, as ações inibitória e de remoção do ilícito se dirigem contra o ato
contrário ao direito, e assim não têm entre seus pressupostos o dano e o elemento subjetivo
(culpa ou dolo) relacionado à imputação ressarcitória.
De modo que, a não ser nos casos em que se teme um ilícito que se identifica
cronologicamente com o dano, o autor não deve e não precisa invocar dano para obter a
tutela inibitória. No caso de ação de remoção, existindo regra estabelecendo um ilícito, a
invocação da violação da norma é suficiente para permitir a remoção do ilícito de eficácia
continuada.
Os problemas das ações inibitória e de remoção, nessas hipóteses, são justamente os
dos limites da defesa do réu e o da extensão da cognição judicial. Ou seja, o que se
pergunta é se, quando basta evidenciar a proibição de uma conduta, há como justificar a
impossibilidade do réu discutir o dano e o juiz perguntar sobre ele nessas ações.
Não temos dúvida que sim. No caso de direito absoluto, pouco importa o fato
danoso, uma vez que o seu titular tem o direito de impedir qualquer ato que lhe seja
contrário. O mesmo acontece em relação a normas que, embora relacionadas a direitos
individuais, objetivam protegê-los através da vedação de condutas.
Mas, o que mais importa são as normas que, também por intermédio da proibição de
condutas ou ações, protegem determinados direitos transindividuais (direito ao meio
ambiente, direito do consumidor etc). Ora, se a norma objetiva dar tutela ao direito,
impedindo certa conduta, ela foi editada justamente porque a sua prática pode trazer danos,
e por isso deve ser evitada. Assim, ampliar a cognição das ações inibitória e de remoção do
ilícito, viabilizando a discussão do dano, é o mesmo que negar a norma jurídica. Em outros
termos: caso o réu pudesse negar a norma, afirmando que sua conduta não produziria dano,
a norma não teria significação alguma. Do que adiantaria a norma proibir uma conduta, por
entendê-la capaz de produzir dano, se o procedimento judicial abrisse oportunidade à
discussão do que foi nela pressuposto? Pense-se, por exemplo, na norma que proíbe a venda
de determinado remédio ou produto, reputados nocivos ao consumidor. Caso não existissem
30
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 463-464.
direito material e para a existência dessas ações processuais. Ou seja, da mesma forma que
na ação possessória não se discute o domínio, nas ações inibitória e de remoção do ilícito
não se discute o dano. Porém, e como é evidente, esse poderá ser discutido através de ação
inversa posterior.
dessas normas é proteger o consumidor, é evidente que aquele que deve ser tutelado por
elas, ou mesmo aquele que tem legitimidade para tutelar os direitos do consumidor, pode
discuti-las em juízo. De modo que, ainda que um produto tenha atendido às regras técnicas,
ele pode ser afirmado nocivo ou perigoso, quando então a cognição do juiz será
aprofundada em relação a essa particular questão. Porém, o fato de um produto ser
afirmado altamente nocivo ou perigoso, dispensa a investigação acerca da probabilidade do
dano, uma vez que essa, nesse caso, é presumida. Portanto, a situação é exatamente a
mesma da relativa à ausência de norma proibitiva. Quando é evidenciada a periculosidade
ou a nocividade, dispensa-se a investigação em torno da probabilidade de dano.
É interessante analisar, ainda, os casos em que a administração pública licenciou
uma atividade ou obra i) ao arrepio da necessidade de estudo do impacto ambiental; ii)
desconsiderando, sem fundamentação, esse estudo; ou iii) baseando-se em estudo de
impacto ambiental contraditório, incompleto ou fincado em omissão ou falsa descrição de
informações relevantes.
Nessas hipóteses, como é óbvio, não se pode pensar que não é possível inibir a
atividade ou a obra (e, nesse caso, até removê-la) apenas porque o licenciamento foi
concedido. Ora, se o licenciamento pode ser questionado judicialmente em todas essas
situações, não pode haver dúvida quanto à possibilidade das ações inibitória e de remoção
do ilícito. Com a desconstituição do licenciamento, deve haver inibição da atividade ou da
obra e, se for o caso, a obra realizada – ou parte dela – deverá ser removida. Mas, diante
dessa possibilidade, é inevitável, mais uma vez, a extensão da cognição.
Mas, outra vez se perguntará se a cognição do juiz deverá se aprofundar na
probabilidade do dano. Ora, ao se desconstituir o licenciamento, evidencia-se que a
atividade ou a obra não tem suporte para prosseguir, e isso é o que basta para a concessão
da tutela inibitória final, sendo completamente equivocado pensar em probabilidade do
dano.
Frise-se que, quando basta evidenciar o alto grau de nocividade ou de
periculosidade ou a ilegalidade do licenciamento para a concessão da tutela final, a
probabilidade do dano não importa nem mesmo em relação à tutela antecipatória. Para a
obtenção dessa última, basta demonstrar a probabilidade de alto grau de nocividade ou
periculosidade ou ainda a probabilidade da ilegalidade do licenciamento.
4.3. A prova
Após tudo isso, é necessário atentar para duas normas processuais que dão ao juiz
instrumentos hábeis para a prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito. Trata-se
dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Tais artigos têm redação praticamente idêntica.
Lembre-se que ambos fazem menção à tutela das obrigações de fazer e de não-fazer.
Porém, a identidade entre tais normas é apenas aparente, pois suas funções são
distintas. O art. 84 do CDC foi instituído para servir às relações de consumo e à tutela de
quaisquer direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. É certo que, em uma
análise mais rápida, alguém poderia supor que essa norma, por estar inserida no CDC,
apenas poderia tratar dos direitos do consumidor. Acontece que, para a tutela dos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos, há um sistema processual próprio, composto
pela Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e pelo Título III do CDC. Como diz o art. 90
do CDC, às ações fundadas no CDC se aplicam as normas da Lei da Ação Civil Pública.
Por outro lado, complementa o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública que as disposições
processuais que estão no CDC são aplicáveis à tutela dos direitos que nela estão previstos39.
Essa interligação entre a Lei da Ação Civil Pública e o CDC faz surgir, como já dito,
um sistema processual para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos. Como o art. 84 está inserido no Título III do CDC, e assim dentro desse
sistema processual, ele se aplica à tutela de quaisquer direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos. Nesse sentido, o art. 84 do CDC é a base processual para as ações
coletivas inibitória e de remoção do ilícito40.
38
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 190.
39
Ver Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas do Processo Civil, São Paulo, Malheiros, 2000, 4a.ed., p. 86 e
ss.
40
Sobre a ação coletiva inibitória, ver Sérgio Cruz Arenhart, Perfis da tutela inibitória coletiva, São Paulo, Ed.
RT, 2003.
Ainda que o art. 84 do CDC também tenha sido pensado para dar tutela aos direitos
individuais do consumidor, o posterior surgimento do art. 461 do CPC, por ser capaz de dar
tutela a qualquer espécie de direito individual, tornou desnecessária a invocação do art. 84
do CDC para a tutela dos direitos individuais do consumidor. Ou se a lembrança dessa
norma ainda pode ser feita quando em jogo direitos individuais do consumidor, isso se deve
à necessidade de relacionar as normas de direito material de proteção do consumidor com
uma norma de caráter processual para ele especificamente criada.
De qualquer forma, se há no sistema de proteção aos direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos uma norma (art. 84 do CDC) que serve para a prestação das tutelas
inibitória e de remoção do ilícito (entre outras tutelas), essa deve ser apontada como a base
da ação coletiva, deixando-se o art. 461 do CPC como sustentáculo para as ações
individuais.
Tanto o art. 84 do CDC, quanto o art. 461 do CPC, abrem oportunidade para o juiz
ordenar sob pena de multa ou decretar medida de execução direta (por exemplo, a busca e
apreensão), no curso do procedimento ou na sentença. Portanto, ainda que a tutela inibitória
não tenha que se ligar necessariamente à ordem sob pena de multa, e a tutela de remoção do
ilícito possa não se contentar apenas com medidas de execução direta, uma vez que ambas
podem, consideradas as peculiaridades da situação concreta, exigir um ou outro desses
mecanismos executivos, o certo é que tais normas possuem instrumentos adequados à
prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito aos direitos coletivos (lato sensu) e
individuais. Assim, por exemplo, no caso de concorrência desleal, deverá ser invocado o
art. 461 do CPC, mas na hipótese de direito ao meio ambiente o art. 84 do CDC.
Isso tudo é reflexo do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, que se dirige
não apenas contra o legislador, obrigando-o a edição do procedimento judicial adequado,
mas também contra o juiz, que deve prestar a efetiva tutela ao direito material e ao caso
concreto. No caso da outorga de uma maior esfera de poder ao juiz para a utilização da
técnica processual adequada à situação conflitiva concreta, o juiz tem o dever de buscar a
efetividade da tutela jurisdicional à luz da regra da proporcionalidade.
O aumento do poder do juiz, necessário para a adequação do procedimento às
variadas situações conflitivas, retira do jurisdicionado a prévia ciência dos limites do
processo jurisdicional, e assim exige um controle do exercício do poder judicial no caso
concreto. Esse controle exige a observância da regra da proporcionalidade e, requer,
especialmente, justificação capaz de convencer que a técnica processual foi utilizada de
maneira justa e racional.
existir sentenças que, ainda que independentes da ação de execução, devem exigir
prestações do réu – pois dependentes de algo que, mesmo após a sentença, ainda está na sua
esfera jurídica. Porém, mesmo essas sentenças, ao dispensarem a ação de execução, não
possuem apenas o simples significado de que a execução, a partir de agora, pode ser
realizada no próprio processo de conhecimento.
No que diz respeito ao que aqui interessa, ou seja, às medidas de execução direta
dos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, a quebra da dualidade conhecimento-execução
também implica na ruptura do princípio da tipicidade das formas executivas. Em outras
palavras, antes desses artigos a sentença de condenação deveria ser implementada através
da ação de execução de obrigação de fazer, segundo os seus estritos termos e em
conformidade com os meios executivos para ela previstos. Assim, não há como negar que a
unificação do conhecimento com a execução, posta nos artigos 461 do CPC e 84 do CDC,
teve a intenção de dar ao juiz maior mobilidade para a adequação da medida executiva ao
caso concreto.
Quando a tutela inibitória objetiva evitar um fazer, o ideal é o uso da multa como
medida destinada a convencer o demandado a não praticar o ato temido. Entretanto, não se
descarta a possibilidade de utilização de medida de execução direta para impedir a prática
de ilícito. Pense-se na nomeação de administrador para atuar no seio de uma pessoa jurídica
com o objetivo de impedir a violação de direito.
No caso em que se teme a repetição de uma omissão, a multa, em princípio, também
é mais eficaz do que a execução direta. De qualquer maneira, diante da situação concreta, o
juiz poderá optar por uma medida de execução direta para garantir o fazer, e assim impedir
o ilícito omissivo.
Quando um dever de fazer decorre de uma imposição para a prevenção, esse,
mesmo depois de violado, deve ser objeto de tutela jurisdicional para que o desejo da
norma seja efetivamente atuado pelo Estado. Ainda que tal dever constitua uma "obrigação
fungível", e portanto passível de execução direta, não há motivo para se priorizar essa
forma de execução em detrimento da multa. É o caso concreto, novamente, que vai
determinar a melhor opção.
No caso de remoção do ilícito, em princípio basta a execução direta, como, por
exemplo, a busca e apreensão. Mas, a multa poderá ser utilizada quando a remoção do
ilícito depender de algo que seja de conhecimento do demandado ou apenas possa ser feito
por ele, ou ainda, excepcionalmente, quando, diante do caso concreto, mostrar-se mais
eficaz que a execução direta.
O que não é possível esquecer, diante de todas essas hipóteses, é a justificativa da
escolha da medida executiva, pois é essa que permitirá o controle do poder do juiz.
Uma das grandes inovações dos art. 84 do CDC e 461 do CPC está na possibilidade
de o juiz poder se desvincular do pedido, podendo conceder a tutela solicitada ou um
resultado prático equivalente, e, ainda, aplicar a medida executiva que lhe parecer
necessária e idônea para a prestação efetiva da tutela jurisdicional.
Tal possibilidade vem expressa nos referidos artigos, e decorre da tomada de
consciência de que a efetiva tutela dos direitos depende da elasticidade do poder do juiz. É
apenas por esse motivo que tais normas ampliaram o poder do juiz, eliminando a
necessidade da sua adstrição ao pedido.
Assim, no caso de ação inibitória destinada a impedir a prática ou a repetição do
ilícito (comissivo ou omissivo), ou mesmo a continuação de um agir ilícito, o juiz tem o
poder de conceder o que foi pedido pelo autor, ou algo que, vindo em sua substituição, seja
efetivo e proporcional, considerando-se os direitos do autor e do réu (ver a seguir, item
3.11).
Por outro lado, o juiz pode determinar medida executiva diversa da requerida, seja a
ação inibitória ou de remoção do ilícito. O seu poder, nesse caso, novamente deverá atender
à regra da proporcionalidade (ver a seguir, item 3.11).
tutela do direito. Aqui ainda não se raciocina em termos de necessidade da ação escolhida,
mas sim sobre sua adequação, isto é, sobre sua capacidade de atingir o fim almejado.
Passando-se para a questão da necessidade, a pergunta que deve ser esclarecida é se tal ação
(em termos de limites) é necessária, ou melhor, se pode ser substituída por outra que, com a
mesma efetividade, cause uma menor restrição à esfera jurídica do réu. Como é fácil
perceber, toda ação adequada pode ser necessária, mas não se pode falar em ação necessária
que não seja adequada. Por fim, ainda que a ação seja adequada e necessária, ela pode
significar um gravame despropositado diante da restrição que causa ao direito do réu.
Porém, nessa hipótese, não há propriamente balanceamento dos bens em colisão, mas sim
balanceamento entre o direito do autor e a restrição causada pela ação necessária para a
efetiva prestação da tutela jurisdicional.
Resumindo: quando se raciocina em relação aos limites do fazer ou do não-fazer –
por exemplo, cessação da atividade ou instalação de equipamento antipoluente -, e não
sobre a medida executiva para a implementação da ação material – por exemplo, ordem sob
pena de multa para a cessação ou interdição da fábrica -, o juiz deve justificar a adequação,
a necessidade e a prevalência do direito do autor sobre a restrição que pode ser causada ao
direito do réu. Assim, por exemplo, se o Ministério Público, alegando que o réu está
poluindo o meio ambiente, pede a cessação de suas atividades, e a prova pericial demonstra
que basta, para conter a poluição, apenas a instalação de um equipamento antipoluente, não
há racionalidade em desconsiderar a demonstração de que a atividade do réu está causando
poluição ambiental. Como o juiz, no caso, está autorizado a conceder a tutela específica ou
um resultado prático equivalente, ele tem o poder de fugir do pedido e, sempre
considerando a sua fundamentação, impor a ação que se mostrou, em razão do
desenvolvimento do contraditório, eficaz à proteção do direito do autor e, ao mesmo tempo,
geradora da menor restrição possível ao réu (a instalação do equipamento antipoluente). Se
a situação for inversa, tendo o Ministério Público pedido a instalação de equipamento
antipoluente, e o contraditório demonstrado a necessidade de cessação das atividades, o juiz
deverá demonstrar que o acolhimento do pedido do autor não será capaz de proporcionar o
fim que deriva da fundamentação da petição inicial. Dessa forma, poderá determinar a
cessação das atividades do réu, ainda que o pedido tenha sido de instalação de equipamento
antipoluente.
Ademais, como a sentença deve fixar a ação material e o meio executivo capaz de
implementá-la, é preciso atentar, em relação a esse último, para as regras da adequação e da
necessidade. Em relação à adequação não há grande dificuldade, pois é evidente que o meio
executivo deve ser capaz de proporcionar a realização da ação prevista na sentença. Porém,
no que diz respeito à regra da necessidade, é preciso mais cuidado. São as circunstâncias do
caso concreto que poderão indicar a medida executiva que configura a menor restrição
possível.
É possível dizer, embora a regra da necessidade somente possa ser solucionada
diante do caso concreto, que a tutela inibitória, em princípio, encontrará mais efetividade
com a imposição da multa, ainda que se almeje um fazer fungível, enquanto que a tutela de
remoção do ilícito, também em princípio, encontrará mais efetividade com a imposição de
uma medida de execução direta, como a busca e apreensão. Porém, nada impede que as
circunstâncias de determinado caso concreto indiquem que a medida de execução direta é
mais idônea para a tutela inibitória, ou que a multa é mais idônea para a prestação da tutela
de remoção do ilícito, por ser essa dependente de algo que somente é conhecido pelo
demandado, por exemplo.
A prisão, como meio de coerção, não pode ser imposta para constranger o
demandado a dispor de dinheiro ou de patrimônio. Assim, não é possível utilizá-la no caso
de soma em dinheiro (sem natureza alimentar, por óbvio), entrega de coisa ou fazer
fungível. Mas, como já dito, não há motivo para não admitir o seu uso para evitar a
violação de um direito por parte de quem tem o dever de não-fazer ou de prestar um fazer
infungível que não exige a disposição de dinheiro. Aí, além de não se cogitar do uso da
prisão por dívida, estar-se-á permitindo, quando a multa e a execução direta não se
mostrarem eficazes, a efetiva prevenção do direito.
É necessário frisar, porém, que a escolha do agir e da medida executiva, na
perspectiva da regra da proporcionalidade, torna imprescindível a justificação do juiz. A
justificação, como fundamentação da escolha judicial, é indispensável no presente caso. A
sua ausência torna arbitrária a opção do juiz, pois cabe à justificação demonstrar a perfeição
do raciocínio amparado na regra da proporcionalidade. Frise-se que quando o juiz reputa, a
partir da regra da necessidade, que a ação não configura a menor restrição possível, cabe a
ele, além de impor o agir que traz a mesma utilidade para o autor e uma menor restrição ao
réu, justificar adequadamente o seu procedimento, explicando a razão da sua decisão.
A sentença deve concluir que determinado agir é i) adequado à tutela do direito, ii)
significa a menor restrição possível e iii) não representa algo desproporcional. Na fase de
execução, se o agir fixado na sentença não for observado pelo réu, esse - que configura, de
acordo com a sentença, a menor restrição possível - poderá ser alterado, pois aquele que
seria o meio mais idôneo para tutelar o direito do autor, por ter sido recusado pelo réu, não
pode mais assim ser considerado, e portanto exige a definição de outro agir, que possa ser
idôneo à tutela do direito. Como se vê, não é possível ao juiz questionar, na fase de
execução, se o agir fixado na sentença é adequado à tutela do direito ou se nela foi
corretamente observada a regra da proporcionalidade em sentido estrito. É apenas a regra
da necessidade que pode ser novamente analisada, e isso diante do fato de o agir não ter
sido observado pelo réu. O réu, com o não cumprimento da sentença, abre oportunidade
para que outro agir seja imposto, uma vez que o fixado na sentença restou inidôneo. Por
isso, outro agir, idôneo à tutela do direito, deve ser escolhido pelo juiz. Isso tudo,
evidentemente, com a devida justificação.
Para exemplificar: o juiz não pode, na fase de execução, considerar que a instalação
de equipamento antipoluente – imposta na sentença – i) não é adequada para a tutela do
direito; ii) não representa a menor restrição possível; ou iii) configura algo desproporcional.
O juiz apenas pode inovar, na fase de execução, quando o réu não atende à sentença, e
assim o agir não se configura, por culpa sua, como meio mais idôneo, permitindo que um
outro seja imposto no seu lugar. De modo que se o réu não instala o equipamento,
atendendo à ordem sob pena de multa, o juiz não é obrigado a determinar que o
equipamento seja instalado por terceiro – alterando apenas o meio executivo -, mas fica
com a possibilidade de determinar a interdição da fábrica.
Em relação ao meio executivo – multa, execução direta ou prisão -, importam as
regras da adequação e da necessidade. No que concerne à adequação e à necessidade, é
possível verificar se o valor da multa, que observou essas regras no momento em que a
sentença foi proferida, não deve ser aumentado ou diminuído, diante das circunstâncias
concretas. Ademais, se a sentença foi descumprida, o juiz, considerando a situação concreta
4.12. Distinção entre as ações de remoção do ilícito e inibitória em face da ação cautelar
A ação inibitória, como a ação de remoção, é obviamente uma ação autônoma, e por
isso de conhecimento. O que é uma ação autônoma? Autônoma é a ação dita "satisfativa",
compreendido esse último termo no sentido leigo, de "satisfação". Trata-se da ação que
"satisfaz" o desejo de tutela jurisdicional do autor, e assim lhe é "bastante". A ação
"satisfativa" é a ação "bastante", ou melhor, a ação que basta para satisfazer o autor.
As ações inibitória e de remoção são "bastantes" porque o desejo de tutela
jurisdicional pode se limitar à inibição ou à remoção do ilícito. É absurdo imaginar que tais
tutelas possam ter um significado menor do que a ressarcitória, ou que dessa última sejam
meros instrumentos. Pensar que o desejo do autor deve se direcionar ao ressarcimento é
esquecer que, a partir do momento em que se percebeu que o direito não podia mais ser
compreendido como uma coisa dotada de valor de troca, houve uma ruptura entre as
categorias da ilicitude e da responsabilidade pelo dano, a qual deve necessariamente refletir
sobre o processo civil.
Note-se que a ação em que se deseja impedir a violação de um direito da
personalidade, quando pensada à distância da teoria da ação inibitória, certamente receberia
o rótulo de cautelar, pois essa seria a única ação - para aqueles que desconhecem a ação
inibitória - capaz de conferir tutela preventiva. Contudo, se essa ação fosse concebida como
cautelar, tendo sido concedida a tutela para impedir a violação, seguramente surgiria a
problemática da finalidade da "ação principal". Ora, seria impossível encontrar fim para a
"ação principal" pela simples razão de que o único objetivo do autor foi "satisfeito" com a
ação rotulada de "cautelar". Tal ação, ainda que denominada de cautelar, por ser
"satisfativa" é, por conseqüência, autônoma. E daí a conclusão final: toda ação autônoma –
que evidentemente não seja uma ação de execução - é uma ação de conhecimento, e não
uma ação instrumental ou cautelar. De modo que a ação inibitória, especialmente nos dias
de hoje, não pode ser compreendida ou confundida com uma ação cautelar.
44
Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória e julgamento antecipado, São Paulo, Ed. RT, 2002, 5a.
ed. Sobre o tema, ver ainda Rogéria Dotti Doria, A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da
demanda, São Paulo, Ed. RT, 2003, 2a. ed.; Fredie Didier Jr., Processo de conhecimento, in A nova reforma
processual (Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Jr e Marcelo Abelha Rodrigues), São Paulo, Saraiva, 2003.
Casos Concretos
Questão 1
mérito sustentou que as expressões utilizadas não são ofensivas, não maculam, nem inibem
a imagem do autor , que além do mais há liberdade de expressão, pugnando pela
improcedência do pedido.
1) Autos conclusos, decida sobre o pedido liminar.
2) Essa liminar tem natureza cautelar ou de antecipação dos efeitos da tutela
principal?
3) A ação proposta pelo Sindicato tem natureza declaratória ou condenatória?
4) Há litispendência entre as duas ações?
5) Há distinção entre tutela inibitória e tutela cominatória?
6) Há distinção entre tutela inibitória e tutela cautelar?
Resposta à Questão 1
1) A veiculação não foi ofensiva, e por isso a liminar não deve ser concedida.
2) Trata-se de antecipação de tutela, pela coincidência entre o pedido e o
provimento final. Todavia, há julgados que entendem ser cautelar.
3) É condenatória, de natureza inibitória.
4) Não: os objetos são distintos.
5) Certamente, pois ambas são impositivas, mas a cominatória pressupõe dano,
enquanto a inibitória pode ser concedida sem que o haja, antes de sua
ocorrência, pois se dedica a afastar o ilícito (que pode ou não gerar dano).
6) Sim: a inibitória é satisfativa, e a cautelar não.
Questão 2
Aparecida ajuizou ação de indenização por danos morais cumulada com obrigação
de fazer em face do Banco X, e pleiteou liminarmente a exclusão do seu nome dos
cadastros do SERASA e SPC.
Resposta à Questão 2
A tutela inibitória inicia sob cognição sumária, mas ao ffinal deve se pautar em
cognição exauriente.
Veja o REsp. abaixo:
“REsp 190616 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relator(a) Ministro RUY ROSADO
DE AGUIAR. Órgão Julgador - QUARTA TURMA. Data do Julgamento
15/12/1998. Data da Publicação/Fonte DJ 15/03/1999 p. 252.
Ementa: BANCO DE DADOS. SERASA. SPC. ACIPREVE. Cabe o deferimento
de liminar para impedir a inscrição do nome do devedor em cadastros de
inadimplência enquanto tramita ação para definir a amplitude do débito. Art. 461, §
3º, do CPC. Recurso conhecido mas improvido.”
Questão 3
Reposta à Questão 3
Tema II
Antecipação dos efeitos da tutela: conceito, finalidade e momentos em que pode ser concedida. Distinção de
figuras afins: tutela cautelar e julgamento antecipado da lide. A antecipação da tutela e o princípio do
contraditório e da correlação ou da congruência. Revogação ou modificação da decisão antecipatória da
tutela de mérito.
Notas de Aula45
que lá será dedicada a satisfazê-lo tenha eficácia. Por não ser satisfativa, o seu uso com esse
escopo substancial é equivocado – equívoco esse que aconteceu, bastante, antes da previsão
da liminar genérica do artigo 273 do CPC, justamente por falta de opção dos autores das
pretensões de urgência.
Veja um erro muito comum de concepção: não é porque o processo principal, a que
se refere uma cautelar, não foi necessário, que se pode dizer que a cautelar foi satisfativa.
Entenda com um exemplo: o autor de uma cautelar preventiva de produção antecipada de
prova obtém provimento desse pleito acautelatório, e produz a prova; ao fazê-lo, percebe
que seu direito substancial não é bom, e deixa de ajuizar o processo principal, no qual
aquela prova seria usada, porque sabe que sua pretensão é infundada. A cautelar não foi
satisfativa, por óbvio, mesmo que tenha-se exaurido o seu propósito: jamais foi analisado,
na cautelar, o próprio direito que seria deduzido pelo autor.
A cautelar nunca tem cognição exauriente: sua cognição é sempre sumária, pois é
suficiente para que haja provimento cautelar que exista o fumus boni juris e o periculum in
mora, a fim de que nessa pauta de probabilidade seja conferido ao autor o provimento de
seu pleito acautelatório, porque o direito material não é analisado em seu fundo, nem
provido ou improvido – é apenas acautelado. A cautelar, como dito, é instrumento de um
instrumento, pautada nessa chamada instrumentalidade hipotética, instrumentalidade ao
quadrado, como chamou Calamandrei.
É possível, também na cautelar, a antecipação dos efeitos da tutela. Pode haver
liminar no processo cautelar. Se o autor demonstrar que a providência cautelar precisa, ela
própria, ser antecipada, a fim de que o provimento não perca efetividade, a antecipação é
possível. A liminar da cautelar funciona exatamente da mesma forma que a liminar no
processo satisfativo, com a diferença de que o seu nível de cognição é ainda mais
perfunctório, pautado em juízo de mera possibilidade, e não probabilidade (porque o
próprio rito da cautelar já é todo pautado em cognição de probabilidade, sumária).
Como dito, a cautelar teve seu uso bastante banalizado, antes da previsão genérica
do artigo 273 do CPC vir ao ordenamento. De forma atécnica, situações que claramente
eram satisfativas, porque o provimento liminar era exatamente o mesmo que se pretendia ao
final, só que provisoriamente concedido, eram deduzidas por meio de cautelares,
desvirtuando o procedimento, e dando origem à já antiga discussão sobre a existência ou
não de “cautelares satisfativas”, expressão que é uma contradição em termos.
Com a criação da tutela antecipada genérica, a concepção técnica dos instrumentos
passou a ser mais claramente exigível. Se a pretensão é satisfativa, o cabimento é de pedido
de antecipação de tutela no rito em questão; se é assecuratória, o pleito deve ser cautelar,
preventiva ou incidental.
Vejamos, então, o artigo 273 do CPC:
“Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de
Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de
26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e
nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.”
A Lei 10.444/02, que promoveu grande parte do sincretismo processual como hoje
se conhece, promoveu também o sincretismo processual entre cautelares e processo
principal de conhecimento, ao inserir o § 7º no artigo 273 do CPC, supra. Essa regra, ao
contrário do que já se apregoou – que teria igualado medidas antecipatórias a medidas
cautelares –, veio reforçar a linha divisória entre tais medidas: ao dizer que “se o autor, a
título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz,
quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter
incidental do processo ajuizado”, o dispositivo traçou com clareza a existência de diferença
entre cautelares e antecipatórias satisfativas, pois se fossem a mesma coisa, não haveria por
que se prever fungibilidade entre si. Na verdade, o que esse dispositivo diz é que há
realmente uma dificuldade em se identificar, por vezes, qual é a natureza da medida, se
cautelar ou satisfativa, e por isso poderá haver a fungibilidade.
A tutela antecipada tem requisitos cumulativos e alternativos para sua concessão. É
preciso que esteja presente: 1) a prova inequívoca que convença da verossimilhança da
alegação, e 2) que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou 3)
fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do
réu. O primeiro requisito, fumus boni juris, deve sempre estar presente, cumulando-se com
o segundo, periculum in mora, ou com o terceiro, abuso de defesa. Os requisitos da liminar
na cautelar, por seu turno, são restritos ao fumus boni juris e periculum in mora, em
cognição superficial.
Na tutela inibitória, há que se observar uma peculiaridade: como não se discute
dano, ali, mas apenas o ilícito potencialmente causador de dano, não se pode exigir da parte
que requer a antecipação da tutela inibitória a prova do risco de dano – requer-se a prova do
risco de ocorrência de um ilícito, somente
“Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no
entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
(...)
VII - confirmar a antecipação dos efeitos da tutela; (Incluído pela Lei nº 10.352, de
26.12.2001)”
O requerimento de tutela antecipada, por questão de lógica, é feito pela parte autora,
pois é ela quem pede a providência jurisdicional, e por isso tem interesse em que essa seja
prestada antecipadamente. Quem pede a antecipação dos efeitos do provimento de sua
pretensão é quem deduz tal pretensão, ou seja, o autor. O réu só poderá pedir tutela
antecipada em uma eventual reconvenção, mas quando assim o fizer, estará ocupando uma
posição de autor, pois estará formulando pretensão. No pedido contraposto, idem: mesmo
continuando na posição de réu, estará deduzindo pretensão, e por isso pode pedir
antecipação dos efeitos dessa pretensão.
Em uma ação dúplice, entendida essa não como a ação em que se permite o pedido
contraposto, como o faz parte da doutrina, mas sim aquela em que a mera contestação pode
ensejar mudança na situação fática do réu, favorecendo-o, poderia se cogitar de um pedido
de antecipação da tutela por parte do réu.
A tutela antecipada definitiva é aquela que se encarta no § 6º do artigo 273 do CPC,
que diz que a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos
pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. A tutela antecipada da parte
incontroversa é clara medida de implemento da lógica, pois se há parte do pedido que não
está sendo resistida pelo réu – ou seja, há o reconhecimento parcial do pedido –, não há
porque não ser concedida desde logo. Se não há controvérsia alguma, é caso de julgamento
antecipado da lide, como se sabe.
Da decisão que incide nesse caso do § 6º, da tutela antecipada definitiva, cabe
agravo de instrumento, porque mesmo que seja uma decisão de mérito, que incorre no
artigo 269, II, do CPC – reconhecimento do pedido – não é considerada sentença, porque o
conceito de sentença que hoje é prevalente é o de decisão que incorre nos artigos 267 ou
269 do CPC e que põe termo ao processo ou fase processual – o que essa antecipação não
faz. Não se cogita mais, portanto, da “apelação por instrumento”, como se chegou a cogitar,
porque não é mais considerada uma sentença parcial. Se essa decisão interlocutória não for
impugnada por agravo, fará coisa julgada material, e poderá ser executada definitivamente.
A regra, na antecipação de tutela, é que haja contraditório prévio à sua concessão.
Todavia, nem sempre esse será possível, dada a urgência, pelo que a liminar inaudita altera
parte será admissível. Há quem refute esse cabimento de antecipação sem contraditório,
mas a maior corrente pugna pelo cabimento. O novo CPC que está em discussão, todavia,
preza muito pelo contraditório, prevendo até mesmo que nem as matérias de ordem pública
podem ser abordadas pelo juiz sem abrir à manifestação das partes.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
A questão é discutível, havendo quem entenda das duas formas. O STJ tem
manifestado que é antecipação de tutela não só o pedido exatamente congruente com a
prestação final, mas também o pedido de antecipação da consequência do provimento do
pedido. Ao contrário, porém, veja o seguinte julgado, do TJ/RJ:
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Questão 4
artigo 588 do CPC (pela Lei n. 11.232/05), a que faz expressa referência o artigo 273,
parágrafo 3° do CPC.
Pergunta-se: Correta a decisão do magistrado? Fundamente.
Resposta à Questão 4
Tema III
Notas de Aula46
1. Antecipação de tutela
46
Aula ministrada pelo professor Sérgio Mandelblatt, em 13/10/2010.
II - quando ocorrer a revelia (art. 319). (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973).”
puder resultar em um prejuízo irreversível à parte autora: se assim for percebido, o juiz
deve proteger o direito do autor, concedendo a medida – mesmo que a medida concedida
seja faticamente irreversível.
Entenda-se com um exemplo: um pedido antecipatório de uma transfusão de sangue
é fisicamente irreversível, se concedido – o sangue não poderá ser devolvido pelo autor –;
contudo, a não concessão também pode gerar dano irreversível a esse autor – a sua morte.
Sendo assim, o juiz, ponderando os valores – a vida do autor e o prejuízo material do réu –,
deverá conceder a medida, pois a irreversibilidade da não concessão é mais gravosa do que
a irreversibilidade da concessão.
Assim, em regra a reversibilidade é exigida, mas quando se estiver diante de
possível irreversibilidade reversa, a ponderação deve ser feita, e a concessão de medida
irreversível deve ser operada.
O § 3º do artigo 273 do CPC encaminha o cumprimento da medida antecipatória de
pagamento ao artigo 588 do CPC, mas com a revogação desse, a norma passa a ser
remetida parta o artigo 475-O do mesmo diploma, já transcrito, que trata a execução
provisória de obrigação de pagar. Se for obrigação de fazer ou não fazer, o rito a ser
seguido é o do cumprimento provisório desse tipo de obrigação, e o mesmo se dá com as
obrigações de dar coisa diferente de dinheiro.
O momento de concessão da antecipação de tutela pode ser qualquer um até a
sentença. Em regra, é necessário o contraditório, porém, pelo que a concessão antes da
citação é excepcionalíssima (mas possível, a depender do grau de urgência e
verossimilhança).
A concessão pode se dar na sentença, quando se presta ao afastamento do efeito
suspensivo de uma eventual apelação, como já se adiantou.
A antecipação da tutela pode ser deferida em fase recursal, mas é importantíssimo
salientar que ali se pleiteará a antecipação dos efeitos da decisão que será proferida no
recurso, porque a pretensão já foi enfrentada, de forma exauriente, na sentença. Na fase
recursal, portanto, a dinâmica da antecipação é exatamente idêntica à da primeira fase, mas
com a diferença de que o que se pede é que antecipe o efeito do provimento do recurso.
O § 6º do artigo 273 do CPC estabelece uma inovação bastante positiva: a
antecipação dos efeitos da tutela em relação à parte incontroversa do pedido, a partir da
contestação. Veja que, nesse caso, os requisitos para a antecipação são totalmente
diferentes: não se exige prova inequívoca que indique verossimilhança, porque sendo
matéria incontroversa, a cognição se exauriu; também não se exige abuso do direito de
defesa. Tecnicamente falando, portanto, essa decisão que antecipa a tutela é, na verdade,
um julgamento antecipado, travestido de antecipação de tutela, é formalmente uma tutela
antecipada, desafiando agravo de instrumento.
O maior detalhe é que essa antecipação de tutela de matéria incontroversa é decisão
definitiva, irreversível (senão por recurso), e poderá ser executada na forma do
cumprimento definitivo. Essa matéria não poderá ser alterada ou revogada pelo juiz.
O § 7º do artigo 273 do CPC trata da fungibilidade entre a providência antecipatória
e a cautelar. A distinção entre antecipação e cautelar está na mira do que alvejam: a
antecipação se destina a garantir o direito material em foco, satisfazendo-o
antecipadamente; a cautelar, pretende assegurar a eficácia da tutela jurisdicional, e não
satisfazer o próprio direito em disputa.
Ocorre que essa distinção entre objetos não é sempre evidente em casos concretos,
pelo que o legislador preferiu garantir uma maior efetividade do processo, prevendo que
haja fungibilidade entre os institutos, quando requerida uma a antecipação de tutela que, na
verdade, é uma providência cautelar: o juiz poderá receber como pedido de medida cautelar
aquele pedido de antecipação de tutela.
A transformação da antecipação de tutela em cautelar é possível, mas e o oposto?
Haveria uma via de mão dupla, em que pode o juiz reconhecer, em uma cautelar autônoma,
a natureza satisfativa do provimento requerido, e transformá-la numa antecipação de tutela,
recebendo o pedido como se fosse uma inicial cognitiva com pedido de antecipação de
tutela?
Parte da doutrina dizia que sim: havia essa via de mão dupla, segundo Cândido
Rangel Dinamarco. Todavia, esse entendimento, que sempre foi minoritário, agora inexiste,
pois até mesmo esse autor alterou sua visão sobre o tema, como já se viu anteriormente.
A fungibilidade não esbarra no quesito negativo do erro grosseiro, como ocorre na
fungibilidade recursal. Aqui, mesmo que o requerente erre grosseiramente, pedindo
antecipação de tutela quando é claramente caso de cautelar, não há óbice à fungibilidade.
que os limites para concessão de antecipação da tutela criados pela lei sob exame
não discrepam da disciplina positiva que impõe o duplo grau obrigatório de
jurisdição nas sentenças contra a União, os Estados e os Municípios, bem assim as
respectivas autarquias e fundações de direito público, alcançando até mesmo os
embargos do devedor julgados procedentes, no todo ou em parte, contra a Fazenda
Pública, não se podendo dizer que tal regra seja inconstitucional. Os Ministros
Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes
incorporaram aos seus votos os adendos do Min. Menezes Direito. Vencido o Min.
Marco Aurélio, que, reputando ausente o requisito de urgência na medida
provisória da qual originou a Lei 9.494/97, julgava o pedido improcedente, e
declarava a inconstitucionalidade formal do dispositivo mencionado, por julgar que
o vício na medida provisória contaminaria a lei de conversão.
ADC 4/DF, rel. orig. Min. Sydney Sanches, rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello,
1º.10.2008. (ADC-4).”
Dessarte, as restrições que constavam dessas leis revogadas não mais persistem,
mesmo que fossem consideradas, quando vigentes, constitucionais. Vige, portanto, a
restrição do artigo 1º da Lei 8.437/92, específico para as cautelares, mas também aplicável
às antecipatórias pela referência do artigo 1º da Lei 9.494/97. Veja, pela ordem:
“Art. 1° Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no
procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou
preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações
de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
§ 1° Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a
sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de
segurança, à competência originária de tribunal.
§ 2° O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular e
de ação civil pública.
§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o
objeto da ação.
§ 4° Nos casos em que cabível medida liminar, sem prejuízo da comunicação ao
dirigente do órgão ou entidade, o respectivo representante judicial dela será
imediatamente intimado. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 5º Não será cabível medida liminar que defira compensação de créditos
tributários ou previdenciários. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de
2001).”
“Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de
Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de
26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e
nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
A tutela pode ser concedida, por força do artigo 273 do CPC, desde que haja o
fumus boni juris e o periculum in mora, bem como a presença de prova inequívoca de que
haja verossimilhança daquelas alegações, ou do abuso do direito de defesa do réu. No caso
em exame, não estão todos presentes, porque o autor não sofrerá prejuízo em aguardar o
provimento final – não há periculum in mora.
Questão 2
uma vez que teria sido veiculada matéria ofensiva à pessoa do autor, havendo prova
inequívoca de que os fatos não se passaram como noticiado.
Em agravo de instrumento contra a referida decisão, a empresa jornalística
sustenta a irreversibilidade da medida concedida. Analise a questão.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
pago ao beneficiário, eis que estão presentes os requisitos dessa antecipação, ponderando-se
os riscos da não concessão com os riscos da concessão, prevalecendo o direito do autor.
Questão 4
Mévio foi mordomo por mais de quarenta anos na casa de família da alta sociedade
de São Paulo. Com a morte do patriarca, já viúvo, os filhos e herdeiros do de cujus
permitiram a estada do empregado por mais dois anos no local, até que ele encontrasse
outra morada.
Após o decurso do prazo, Mévio não se mudou da casa, e se recusou a dela sair
para que os herdeiros providenciassem a venda da propriedade.
Diante dessa situação, eles propuseram ação de reintegração de posse, requerendo
a antecipação da tutela, com base no inciso II, do artigo 273, do CPC.
É possível a antecipação da tutela no caso?
Resposta à Questão 4
Sim, não há qualquer óbice a essa antecipação de tutela para imissão na posse dos
herdeiros. É insustentável a pretensão do empregado em se manter na posse, sendo devida a
liminar possessória antecipatória.
Questão 5
Resposta à Questão 5
Questão 6
Trata-se de ação civil pública proposta pelo MPF, em face de Cia. de Seguros.
Proferida decisão interlocutória de antecipação dos efeitos da tutela em desfavor da parte
demandada, esta interpôs o recurso de agravo de instrumento para impugnar a
antecipação, bem como para aduzir a ilegitimidade ad causam ativa, rechaçada pelo
magistrado.
Quando do recebimento do recurso pelo relator, este negou seguimento ao recurso,
sob o fundamento de perda de objeto. O fato é que, antes do recebimento do recurso, já
havia sido proferida sentença de mérito.
Pergunta-se: O advento da sentença de mérito inviabiliza o conhecimento e o
julgamento do recurso de agravo no caso concreto acima descrito? Fundamente.
Resposta à Questão 6
vigente, o art. 273, § 3º (com a redação dada pela Lei n. 8.952/1994), bem como o
item III e parágrafo único do art. 588 (citado no art. 273, § 3º, do CPC) em sua
redação anterior à Lei n. 11.232/2005 e, por fim, referiu-se à regra do pedido de
cumprimento de sentença constante do art. 475-O, II, III, § 1º (incluído pela Lei n.
11.232/2005). Por outro lado, para a tese vencida, não haveria dúvida de que,
processualmente, estaria prejudicado o julgamento do agravo de instrumento
interposto contra a decisão deferitória da liminar, uma fez que ela esgotou
inteiramente a função para a qual foi deferida no processo. Pois as medidas
liminares, tanto as antecipatórias quanto as tipicamente cautelares, são
provimentos jurisdicionais com características e funções especiais, além de
desempenharem funções temporais, ao contrário dos provimentos finais, como as
sentenças. Assim, dava provimento aos embargos de divergência e confirmava a
decisão do tribunal a quo. Nesse contexto, a Corte Especial, ao prosseguir o
julgamento, por maioria, rejeitou os embargos de divergência. Precedentes citados:
REsp 546.150-RJ, DJ 8/3/2004 e AgRg no Ag 470.096-RJ, DJ 13/10/2003. EREsp
765.105-TO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgados em 17/3/2010.”
Tema IV
A ação cautelar. Finalidade. Natureza jurisdicional do processo cautelar. Características dos provimentos
cautelares: a instrumentalidade; a provisoriedade; a acessoriedade; a revogabilidade; a autonomia; a
fungibilidade. Processo cautelar, procedimento cautelar e tutela cautelar. Requisitos da tutela cautelar: o
fumus boni iuris e o periculum in mora. A concessão ex officio. Classificação do processo cautelar
(preparatório e incidental) e do procedimento cautelar (típico e atípico).
Notas de Aula47
1. Ação cautelar
47
Aula ministrada pelo professor Sérgio Mandelblatt, em 13/10/2010.
“Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula
no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que
julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do
julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”
Esse artigo fundamenta o poder geral de cautela do juiz. Critica-se a redação desse
dispositivo, porque ali há, na verdade, dois casos possíveis de concessão de medidas
cautelares de ofício: quando for excepcionalmente necessária, e quando for prevista em lei.
Entender que são cumulativos os requisitos é uma incoerência: se se exigir que para
determinar essa cautela de ofício o caso precise ser excepcional e previsto em lei, inexistirá
caso que assim o seja, porque se o evento chegar a estar previsto em lei, é porque é
recorrente no mundo fático, e por isso não é mais excepcional. Nesse sentido, por todos,
Alexandre Câmara.
Há previsões legais de medidas cautelares de ofício nos artigos 1.001 e 1.018 do
CPC:
“Art. 1.001. Aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no
inventário, requerendo-o antes da partilha. Ouvidas as partes no prazo de 10 (dez)
dias, o juiz decidirá. Se não acolher o pedido, remeterá o requerente para os meios
ordinários, mandando reservar, em poder do inventariante, o quinhão do herdeiro
excluído até que se decida o litígio.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
ambos do CPC), uma vez que não houve requerimento do autor quanto à medida cautelar
concedida.
Decida fundamentadamente, com destaque para a possibilidade ou não de
concessão de medidas cautelares ex officio.
Resposta à Questão 2
“Esse princípio dogmático vigora também, como norma geral, no campo da tutela
cautelar. Sofre, contudo, abrandamento em duas circunstâncias peculiares aos
juízos de segurança ou prevenção, a saber: a) pela previsão excepcional de
medidas cautelares ex officio (art. 797); e b) pelo poder reconhecido,
implicitamente, ao juiz de modificar a medida cautelar que lhe foi requerida pela
parte, ou de eleger a medida que julgar adequada diante do caso concreto (arts. 798
e 807). A permissão, porém, de medidas cautelares de ofício encontra rigorosas
limitações no direito positivo. O art. 797 só as admite em 'casos excepcionais' e
desde que 'expressamente autorizados por lei. Esse poder nunca compreende o de
abrir um verdadeiro processo cautelar; mas apenas consiste em tomar medidas
cautelares avulsas, dentro de outros processos já existentes, em situações
adredemente reguladas pela lei." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.Curso de
Direito Processual Civil, Vol. III, 41ª ed: Forense).”
Tema V
As chamadas "ações cautelares satisfativas" e a nova releitura do assunto após a criação da tutela
antecipada. O art. 273, parágrafo 7º e o esvaziamento do processo cautelar. A permanência dos processos
cautelares tendentes à reunião de provas e aos inominados para efeito suspensivo a recurso e para
destrancamento de recursos constitucionais. Utilização de ação cautelar inominada em caso para o qual a
lei prevê o uso de ação cautelar nominada. Limites ao poder de cautela em relação ao Poder Público.
Notas de Aula48
O Livro III do CPC de 1973 veio dedicado ao processo cautelar, desde a sua
redação original. Nessa redação, não há qualquer menção aos provimentos antecipatórios,
as liminares antecipatórias de cunho satisfativo, dedicando-se o legislador apenas às
medidas assecuratórias, acautelatórias.
O processo cautelar, portanto, em sua essência, contemplou apenas uma tutela
dedicada à efetividade de outro processo, e não um objeto substancial próprio. Todavia,
com a praxe forense, os advogados perceberam que havia situações em que se necessitava
de mais do que isso, mais do que simplesmente resguardar a efetividade de um outro
processo: era preciso resguardar o próprio direito substancial. Com isso, os advogados
passaram a pleitear em juízo a proteção desse direito material, na tutela cautelar – que era a
única tutela urgente positivada –, criando o que se chama de “cautelar satisfativa”.
48
Aula ministrada pela professora Flávia Pereira Hill, em 14/10/2010.
Com essa previsão, criou-se uma resposta técnica à necessidade de tutela urgente
percebida na prática, além de incrementar a segurança jurídica para o jurisdicionado, que
não mais dependeria da tolerância do juízo à criação jurisprudencial da cautelar satisfativa.
Desde então, a doutrina passou a tecer bastantes estudos para definir a exata
distinção entre a cautelar e a tutela antecipada. Após tantas digressões, a distinção, hoje, é
clara: a antecipação da tutela é essencialmente satisfativa, enquanto a cautelar é
instrumental, assecuratória de outro processo, o principal; a tutela antecipada adianta os
efeitos de um provimento jurisdicional favorável ao direito do requerente, enquanto a
cautelar tutela a efetividade de outro processo, permitindo que ele opere seus devidos
efeitos ao final; a tutela antecipada protege o próprio direito material, enquanto a cautelar
protege a efetividade da justiça; a tutela antecipada é provisória, subsistindo até nova
decisão pautada em cognição exauriente, enquanto a cautelar é temporária, perdurando
apenas enquanto o risco existir, e não até que haja outra decisão; a tutela antecipada deve
ser preferencialmente reversível, enquanto a medida cautelar, por ser apenas assecuratória,
é essencialmente reversível.
A medida cautelar não apresenta espécies, enquanto a tutela antecipada poderia ser
assecuratória, punitiva ou pautada na incontrovérsia, ou seja, quando a parte ré não
questionasse determinada pretensão, ela poderia ser desde logo entregue. Mesmo por isso,
um outro elemento distintivo que a doutrina costumava apontar era quanto aos requisitos
para provimento da medida requerida: para a cautelar, exige-se o fumus boni juris clássico e
o periculum in mora; para a antecipação de tutela, os requisitos variariam de acordo com a
tutela requerida, com a espécie de antecipação, se punitiva (abuso do direito de defesa),
assecuratória (risco ao direito material) ou por incontroversão (clara ausência de contra-
argumentos por parte do réu).
Todo esse panorama levou a uma exigência doutrinária e jurisprudencial de que os
advogados não se equivocassem na escolha da medida. Inicialmente intolerante com os
erros, a doutrina, porém, passou a admitir uma certa fungibilidade entre as tutelas. Araken
de Assis, na verdade, foi o primeiro a apregoar que ambas as tutelas, cautelar e
antecipatória, eram espécies de um mesmo gênero, integrando um só regime denominado
de tutelas de urgência.
Essa fungibilidade ganhou força com o passar do tempo, e o legislador achou por
bem adotá-la expressamente: em 2002 editou-se a Lei 10.444, que incluiu o § 7º no artigo
273 do CPC, supra, que como se vê consigna expressamente a fungibilidade nas tutelas de
urgência.
A fungibilidade, no entanto, precisa ser aplicada com certa parcimônia, segundo
Marinoni. A boa técnica deve sempre ser privilegiada, e o erro do advogado não deve ser
sempre ignorado pelo juízo. O magistrado deverá aplicar a fungibilidade apenas nos casos
em que ele perceber que o equívoco do advogado é fundado em uma dúvida razoável, em
uma casuística de difícil definição dos contornos do provimento esperado.
Acerca da fungibilidade, a doutrina admite-a em uma mão dupla: tanto o
requerimento de medida cautelar pode ser convertido, pelo juízo, em medida antecipatória,
como pode o provimento satisfativo ser convertido em medida cautelar. Alexandre Câmara,
ao contrário, não admite essa mão dupla, dizendo que só há fungibilidade da antecipação
satisfativa em cautelar, e não o inverso.
O projeto do novo CPC traz essa fungibilidade com ainda mais clareza, trazendo o
gênero, tutelas de urgência, expressamente em seu teor.
Candido Rangel Dinamarco, já sob esse prisma da fungibilidade, defende que não
mais há diferenças entre os requisitos das tutelas antecipadas e das cautelares. Para ele, por
exemplo, o fumus boni juris deve ser medido em sua intensidade de acordo com o grau de
invasividade sobre o réu da medida requerida, e não de sua espécie: quanto mais invasiva a
medida, maior o aprofundamento probatório exigido pelo juiz para concessão da medida. É
assim que, por exemplo, uma medida de arresto, cautelar, pode representar muito mais
chance de dano para o réu do que uma antecipação de tutela de não fazer.
A jurisprudência, no entanto, trata o tema de forma um pouco diferente,
especialmente o STJ, Luiz Fux, por exemplo, tem julgados recentes em que deixa claro que
identifica uma gradação na intensidade probatória entre as medidas cautelares e as
antecipatórias: na cautelar, identifica fumus boni juris simples, enquanto na antecipação
entende que é exigido o fumus qualificado, mais profundo.
A cautelar para obter efeito suspensivo do recurso infraconstitucional não tem sido
admitida, ao menos no TJ/RJ, porque se entende que a parte deve interpor um recurso da
decisão que recebe o recurso original sem tal efeito suspensivo, justamente para obter esse
efeito. É o caso de, por exemplo, se interpor um agravo de instrumento da decisão que
recebe a apelação apenas no efeito devolutivo, como estabelece a parte final do artigo 522
do CPC:
“Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na
forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão
grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos
relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua
interposição por instrumento. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)
Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo. (Redação dada pela Lei nº
9.139, de 30.11.1995)”
“Súmula 634, STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida
cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi
objeto de juízo de admissibilidade na origem.”
Segundo requisito para essa cautelar é a existência dos requisitos básicos de toda
cautelar, ou seja, a presença de fumus boni juris e periculum in mora.
“Art. 542. Recebida a petição pela secretaria do tribunal, será intimado o recorrido,
abrindo-se-lhe vista, para apresentar contra-razões. (Redação dada pela Lei nº
10.352, de 26.12.2001)
§ 1º Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso,
no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº
8.950, de 13.12.1994)
§ 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.
(Incluído pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)
§ 3º O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra
decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à
execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no
prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-
razões. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)”
Uma vez retido o recurso excepcional interposto contra decisão interlocutória, surge
o eventual interesse em ajuizar cautelar para que o recurso seja apreciado imediatamente,
para o recorrente que entenda que a espera pelo julgamento final, quando ocorrerá o natural
destrancamento do recurso, é-lhe prejudicial.
Essa cautelar tem sido admitida pelos tribunais superiores, e o STJ tem admitido,
nesses casos, até mesmo o atravessamento de uma simples petição avulsa, contendo apenas
esse pedido de destrancamento, petição que conta com procedimento absolutamente
simplificado. O STF admite, além da cautelar e dessa petição avulsa, ainda, a reclamação
constitucional com esse mesmo objetivo de destrancamento.
Em todos os instrumentos, vale dizer, é necessário que haja a demonstração do
periculum in mora e do fumus boni juris.
1.3. Cautelares inominadas ajuizadas em casos em que há cautelar típica prevista em lei
A doutrina e a jurisprudência não têm admitido esse expediente, por ser uma clara
tentativa de burlar requisitos que o legislador achou por bem impor. Veja, nesse sentido, o
trecho do julgado abaixo, do STJ:
que o instituto criado pela lei oriunda do poder legislativo competente não pudesse
ser revogada, substituída ou modificada, haja vista que isto estaria na raiz das
sociedades democráticas, não sendo admissível trocar as competências distribuídas
pela CF. Considerou que o Supremo tem o dever maior de interpretar a
Constituição, cabendo-lhe dizer se uma lei votada pelo Parlamento está ou não em
conformidade com o texto magno, sendo imperativo que, para isso, encontre a
viabilidade constitucional de assim proceder. Concluiu que, no caso, o fato de o
Congresso Nacional votar lei, impondo condições para o deferimento da tutela
antecipada, instituto processual nascido do processo legislativo, não cria qualquer
limitação ao direito do magistrado enquanto manifestação do poder do Estado,
presente que as limitações guardam consonância com o sistema positivo. Frisou
que os limites para concessão de antecipação da tutela criados pela lei sob exame
não discrepam da disciplina positiva que impõe o duplo grau obrigatório de
jurisdição nas sentenças contra a União, os Estados e os Municípios, bem assim as
respectivas autarquias e fundações de direito público, alcançando até mesmo os
embargos do devedor julgados procedentes, no todo ou em parte, contra a Fazenda
Pública, não se podendo dizer que tal regra seja inconstitucional. Os Ministros
Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes
incorporaram aos seus votos os adendos do Min. Menezes Direito. Vencido o Min.
Marco Aurélio, que, reputando ausente o requisito de urgência na medida
provisória da qual originou a Lei 9.494/97, julgava o pedido improcedente, e
declarava a inconstitucionalidade formal do dispositivo mencionado, por julgar que
o vício na medida provisória contaminaria a lei de conversão.
ADC 4/DF, rel. orig. Min. Sydney Sanches, rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello,
1º.10.2008. (ADC-4).”
“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia,
em decisão sujeita a agravo.
§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o
Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso
suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo
para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação
do ato.
“Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem
ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no
caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-
se o réu para comparecer à audiência que for designada.
Parágrafo único. Contra as pessoas jurídicas de direito público não será deferida a
manutenção ou a reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos
representantes judiciais.”
Em linhas gerais, o que todos esses dispositivos autorizam é que, uma vez
concedida uma medida urgente contra o Poder Público, tanto o MP quanto o próprio ente
que suporta os efeitos de tal medida, podem requerer diretamente ao presidente do
respectivo tribunal a suspensão de tal medida, sob alguns fundamentos expressamente
estabelecidos para tal suspensão: manifesto interesse público, flagrante incorreção, ou para
evitar lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas.
A natureza dessa suspensão é sui generis, não se encartando em nenhum
instrumento processual conhecido.
Se a suspensão for concedida, vigorará até o trânsito em julgado da decisão final do
processo em que foi exarada a decisão liminar.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Não, pois não inaugurou-se ainda a competência superior, como exigem as súmulas
634 e 635 do STF, já vistas, eis que a admissibilidade a quo é necessária.
Veja o seguinte julgado:
Tema VI
Notas de Aula49
1. Processo cautelar
49
Aula ministrada pela professora Flávia Pereira Hill, em 14/10/2010.
“Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula
no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que
julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do
julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”
O parágrafo único do artigo supra trata de uma situação até mesmo corriqueira: o
risco surgido após o processo já se encontrar em instância superior. Se assim for, esse
tribunal ad quem ganha competência para a cautelar. Se o risco surgir entrementes, entre a
interposição de um recurso e sua subida ao tribunal ad quem, diz Dinamarco que a
competência será do juízo a quo, eis que os autos ainda se encontram em seu poder, desde
que a urgência não possa aguardar a subida dos autos.
A cautelar de ofício só pode ser deferida em casos excepcionais. Repare que o artigo
fala, ao mesmo tempo, que a cautela de ofício deve ser concedida apenas em casos
excepcionais e expressamente autorizados por lei, mas a doutrina majoritária apregoa que
não são requisitos cumulativos: se deferirá cautelar de ofício em situação excepcional, ou
em situação que a lei expressamente autorize. A lógica é simples: se há autorização legal, é
porque não é mais, a situação, excepcional, ou não teria alçado até mesmo previsão legal.
Exemplos de cautelas de ofício legalmente previstas vêm nos artigos 1.001 e 1.018 do CPC:
“Art. 1.001. Aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no
inventário, requerendo-o antes da partilha. Ouvidas as partes no prazo de 10 (dez)
dias, o juiz decidirá. Se não acolher o pedido, remeterá o requerente para os meios
ordinários, mandando reservar, em poder do inventariante, o quinhão do herdeiro
excluído até que se decida o litígio.”
2. Procedimento cautelar
No inciso III, o que o legislador quis foi que o autor da cautelar exiba, em linhas
gerais, quais são os contornos do processo principal que pretende ajuizar no futuro, e que é
alvo da proteção ora requerida cautelarmente. Tanto é assim que o parágrafo único dispensa
esse requisito se a cautelar for incidental, eis que, por óbvio, o juízo já terá ciência do que
se trata a lide principal acautelada.
Além dos requisitos específicos do artigo supra, a petição inicial deve ser produzida
na mesma forma de qualquer inicial, com observância do artigo 282 do CPC, que dispensa
transcrição aqui.
O valor da causa do processo cautelar não se confunde com o valor da causa dado
ao processo principal. O conteúdo econômico desses processos não se confunde, mesmo
porque seria uma hipótese de bis in idem da taxa judiciária, se o processo cautelar
precisasse ser custeado no mesmo montante do principal que ele pretende proteger.
Estando a petição em ordem, o magistrado a receberá, determinará a emenda ou a
indeferirá, tal como qualquer processo, na forma do artigo 295 do CPC, que também não
precisa ser revisto.
Em situações excepcionais, o juiz poderá, assim que recebida a inicial, conceder a
cautela inaudita altera parte, na forma do já visto artigo 797, e do artigo 804 do CPC:
Se o juiz se convencer de que a mera ciência do processo, pelo réu, pode acarretar
risco ao provimento do processo principal, poderá conceder essa tutela antes mesmo da
oitiva do réu.
Esse artigo supra traz uma medida intermediária: a justificação prévia. Se o juiz
entender que, antes da concessão da cautelar inaudita, é preciso maiores esclarecimentos
por parte do autor, exigirá essa justificação, para somente após o que deferir a cautela,
ainda antes de citar o réu.
No processo cautelar são cabíveis as mesmas espécies de citação do processo
comum, sem ressalvas. Citado, o réu tem prazo de cinco dias para contestar, na forma do
artigo 802 do CPC:
“Art. 802. O requerido será citado, qualquer que seja o procedimento cautelar,
para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido, indicando as provas que
pretende produzir.
Parágrafo único. Conta-se o prazo, da juntada aos autos do mandado:
I - de citação devidamente cumprido;
II - da execução da medida cautelar, quando concedida liminarmente ou após
justificação prévia.”
A exiguidade desse prazo de cinco dias é ferrenhamente criticada pela doutrina, mas
é previsão legal vigente.
Esgotado o prazo in albis, aplicam-se ao processo cautelar os mesmos efeitos da
revelia que se aborda no processo cognitivo. Veja o artigo 803 do CPC:
“Art. 803. Não sendo contestado o pedido, presumir-se-ão aceitos pelo requerido,
como verdadeiros, os fatos alegados pelo requerente (arts. 285 e 319); caso em que
o juiz decidirá dentro em 5 (cinco) dias. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
Parágrafo único. Se o requerido contestar no prazo legal, o juiz designará audiência
de instrução e julgamento, havendo prova a ser nela produzida. (Redação dada pela
Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”
“Art. 810. O indeferimento da medida não obsta a que a parte intente a ação, nem
influi no julgamento desta, salvo se o juiz, no procedimento cautelar, acolher a
alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor.”
Por força do próprio artigo 520, IV, do CPC, a apelação interposta contra a sentença
cautelar só conta com efeito devolutivo:
“Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no
entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
(...)
IV - decidir o processo cautelar; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
(...)”
“Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da
data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento
preparatório.”
O prazo é peremptório, decadencial, não sendo suspenso nem mesmo por causas
que suspendem o processo cautelar, como as exceções.
Há alguns julgados que entendem que esse prazo de trinta dias se aplica
peremptoriamente apenas para as medidas cautelares constritivas de direitos da parte ré.
Não há porque perder eficácia, por exemplo, uma medida de produção antecipada de
provas, eis que não há prejuízo, e nem mesmo lógica, na mantença da decisão cautelar
mesmo se passarem trinta dias desde sua concessão, sem ajuizamento do feito principal.
Terceira hipótese de cessação da eficácia da medida cautelar é a não execução dessa
medida no prazo de trinta dias desde sua concessão, do inciso II do artigo 808 do CPC,
supra. Esse prazo é também decadencial e peremptório, e a sua lógica é que, se a cautela é
pautada no risco, a sua não execução em trinta dias revela que não há tanto risco assim – o
comportamento é incompatível com a urgência. É claro que se a demora na execução não
for imputável à parte autora, mas ao réu ou ao próprio Judiciário, não há que se falar em
perda da eficácia da medida.
A quarta hipótese de perda da eficácia da cautelar, do inciso III do artigo 808 do
CPC, é causada pelo desfecho do processo principal, desfavorável ao autor, julgado com ou
sem resolução do mérito. Se o processo principal for procedente, é claro que a medida de
cautela se manterá o quanto for necessária. Veja que se o processo principal for julgado
improcedente, mesmo assim pode ser recomendável que a cautelar se sustente vigente, ao
menos preventivamente, até que haja o trânsito em julgado de tal decisão, eis que, se for
revertida, a perda da eficácia da cautelar poderá acarretar prejuízo irreversível.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
extinção do processo principal, com ou sem exame do mérito, deixa de existir a situação de
perigo que a cautelar visa proteger, pondo fim ao processo cautelar. Assim, julgado o
processo principal, fica ela prejudicada por perda de seu caráter preventivo ou preparatório.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema VII
Procedimentos cautelares típicos: arresto, sequestro, busca e apreensão, caução e alimentos provisionais.
Notas de Aula50
50
Aula ministrada pelo professor Ademar Vidal Neto, em 15/10/2010.
2. Arresto
“Art. 814. Para a concessão do arresto é essencial: (Redação dada pela Lei nº
5.925, de 1º.10.1973)
I - prova literal da dívida líquida e certa; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
II - prova documental ou justificação de algum dos casos mencionados no artigo
antecedente. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
Parágrafo único. Equipara-se à prova literal da dívida líquida e certa, para efeito de
concessão de arresto, a sentença, líquida ou ilíquida, pendente de recurso,
condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro
possa converter-se. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)”
Conseguindo o requerente do arresto provar a dívida, por qualquer meio, o juiz pode
entender presente o fumus boni juris.
O artigo seguinte, 815 do CPC, trata da justificação prévia, também possível no
arresto:
Essa audiência já faz parte do procedimento padrão, e por isso esse artigo seria
dispensável, eis que poderia supri-lo a previsão da parte geral, na forma do artigo 812 do
CPC.
O artigo 816 do CPC estipula que é dispensável a justificação prévia, mesmo se o
juiz não estiver plenamente convencido dos requisitos (pois se estiver, pode dispensá-la ope
judicis), em duas hipóteses: quando requerida pela Fazenda, ou quando o credor prestar a
contracautela. Veja:
Na cautelar de arresto, só podem ser arrestados os bens que, no futuro, possam ser
penhorados e excutidos, pois a função do arresto é justamente permitir que essa penhora
seja possível. Se o bem é impenhorável, não pode ser arrestado.
Arrestado o bem, ele é entregue a um depositário. Comumente, o próprio devedor é
nomeado depositário, a não ser que esse ofereça motivos para que o juiz desconfie que,
mesmo sob a constrição, ele vá desvirtuar o bem.
O artigo 820 do CPC trata de hipóteses em que o arresto cessa, mas menciona
apenas os casos de extinção da obrigação principal, que levam à natural dispensa da
constrição:
Na verdade, o arresto cessa também quando for convertido em penhora, porque esse
é o destino dos bens arrestados, em última análise. E cessa também por causas processuais,
na forma do já abordado artigo 808 do CPC.
O arresto pode também ser suspenso, na forma do artigo 819 do CPC:
3. Sequestro
“Art. 823. Aplica-se ao seqüestro, no que couber, o que este Código estatui acerca
do arresto.”
A única previsão do arresto que não se aplica ao sequestro é a do artigo 819, II, do
CPC, porque é incompatível com o objeto do sequestro, eis que o credor não quer dinheiro,
e sim a coisa certa, específica, seqüestrada.
Deferida a liminar, o juiz nomeia depositário, tal como no arresto, podendo ser
também o próprio devedor, se recomendável:
“Art. 824. Incumbe ao juiz nomear o depositário dos bens seqüestrados. A escolha
poderá, todavia, recair:
I - em pessoa indicada, de comum acordo, pelas partes;
II - em uma das partes, desde que ofereça maiores garantias e preste caução
idônea.”
Somente se o juiz nomear o autor como depositário há que se falar em caução, pois
não há sentido essa contracautela se o réu é o depositário.
4. Caução
“Art. 829. Aquele que for obrigado a dar caução requererá a citação da pessoa a
favor de quem tiver de ser prestada, indicando na petição inicial:
I - o valor a caucionar;
II - o modo pelo qual a caução vai ser prestada;
III - a estimativa dos bens;
IV - a prova da suficiência da caução ou da idoneidade do fiador.”
“Art. 830. Aquele em cujo favor há de ser dada a caução requererá a citação do
obrigado para que a preste, sob pena de incorrer na sanção que a lei ou o contrato
cominar para a falta.”
“Art. 835. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se
ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução
suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no
Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.”
“Art. 836. Não se exigirá, porém, a caução, de que trata o artigo antecedente:
I - na execução fundada em título extrajudicial;
II - na reconvenção.”
No processo de exigir caução, pode ser que, no decurso, a caução prestada por força
da decisão liminar se demonstre insuficiente. Ocorrendo isso, pode o autor demandar do
juiz que imponha ao réu o reforço da caução, ainda que o processo esteja em fase recursal.
Veja os artigos 837 e 838 do CPC:
“Art. 838. Julgando procedente o pedido, o juiz assinará prazo para que o obrigado
reforce a caução. Não sendo cumprida a sentença, cessarão os efeitos da caução
prestada, presumindo-se que o autor tenha desistido da ação ou o recorrente
desistido do recurso.”
5. Busca e apreensão
hipóteses que se tratam de medidas de cunho satisfativo, e não cautelar, como é o caso do
Decreto-Lei 911/69, que trata da busca e apreensão em alienação fiduciária, ou a execução
específica de coisa certa, na forma do artigo 461-A, § 2º, do CPC:
“Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a
tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. (Incluído pela
Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 1º Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o
credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao
devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.
(Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 2º Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do
credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar
de coisa móvel ou imóvel. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1o a 6o do art. 461.
(Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)”
No próprio sequestro há também uma busca e apreensão, quando o bem tiver que
ser entregue pelo devedor e não o for de bom grado.
A busca e apreensão cautelar, aqui abordada, não é satisfativa. Ela se destina
unicamente a assegurar a efetividade do processo principal, como qualquer cautelar. Um
exemplo desse cabimento seria a busca e apreensão de documentos em poder do réu, para
assegurar a prova de uma ação principal de cobrança pelo autor. Mas repare que, apesar de
ser uma hipótese clara, nesse caso há uma cautelar típica mais específica, que será
abordada, e que deve ser observada: a exibição de documentos.
Como se vê, é difícil identificar hipóteses de cabimento dessa busca e apreensão
cautelar, de fato. É claro que, havendo ajuizamento de uma cautelar de busca e apreensão
quando houver outra medida cautelar mais específica, o juiz apenas converterá o rito, e não
rejeitará a inicial, de acordo com a fungibilidade (desde que o erro seja justificável, como
se viu).
Nem mesmo a busca e apreensão de pessoas é uma hipótese em que se identifica
bem o cabimento dessa cautelar: na verdade, a busca e apreensão de um filho, com o fim de
garantir sua segurança até o fim de um processo de guarda, por exemplo, é uma medida
antecipatória da tutela jurisdicional da guarda – satisfativa, portanto –, e não um
provimento essencialmente cautelar.
Sobre o procedimento, a inicial da busca e apreensão, além dos requisitos gerais do
artigo 282 do CPC, deve observar o artigo 840 desse Código:
“Art. 842. O mandado será cumprido por dois oficiais de justiça, um dos quais o
lerá ao morador, intimando-o a abrir as portas.
§ 1º Não atendidos, os oficiais de justiça arrombarão as portas externas, bem como
as internas e quaisquer móveis onde presumam que esteja oculta a pessoa ou a
coisa procurada.
§ 2º Os oficiais de justiça far-se-ão acompanhar de duas testemunhas.
§ 3º Tratando-se de direito autoral ou direito conexo do artista, intérprete ou
executante, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão, o juiz
designará, para acompanharem os oficiais de justiça, dois peritos aos quais
incumbirá confirmar a ocorrência da violação antes de ser efetivada a apreensão.”
6. Alimentos provisionais
Se o autor de uma dessas ações supra pode requerer, nela mesma, a antecipação da
tutela, com base no artigo 273 do CPC, não há interesse em ajuizar uma ação cautelar
própria de alimentos provisionais – por isso é que se diz que os alimentos provisionais são
sempre antecedentes, e nunca incidentais ao processo principal. Se porventura houver o
“Art. 853. Ainda que a causa principal penda de julgamento no tribunal, processar-
se-á no primeiro grau de jurisdição o pedido de alimentos provisionais.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
proveitoso igual ou mais efetivo do que a medida cautelar requerida (artigo 797 do CPC).
No entanto, existem aqueles que entendem que não é esta a melhor interpretação do artigo
805 do CPC, conforme se aquilata na obra de Alexandre Freitas Câmara, que pugna pela
impossibilidade do juiz proferir sentença extra petita no processo cautelar;
Questão 2
Caio move ação de cobrança em face de Tício, cuja sentença julgou procedente o
pedido. Interposta a apelação por Tício, Caio ajuíza ação cautelar incidental de arresto,
visando a indisponibilizar os bens de Tício, eis que este procurou ausentar-se furtivamente
do país, só não alcançando o êxito por ter sido negado o visto norte-americano que havia
solicitado.
Tício contesta, alegando a carência de ação por falta de interesse de agir na
modalidade interesse-adequação, eis que a cautelar de arresto só pode ser proposta em
sede de execução, seja fase executiva, seja ação autônoma de execução. No mérito, alega
Tício que deve ser o pedido julgado improcedente, eis que a simples caracterização de uma
das hipóteses do art. 813 do CPC não autoriza a concessão da medida, sendo
indispensável demonstrar que, com a prática do ato descrito no citado art. 813, verifica-se
o periculum in mora. Não havendo mais provas a serem produzidas, como magistrado,
decida acerca da alegação de carência de ação suscitada e sobre o mérito da ação
cautelar.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
litisconsórcio é facultativo, correrá apenas para a ação em face daquele réu, e não para as
ações principais contra todos.
Tema VIII
Notas de Aula51
1. Exibição
“Art. 355. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa, que se ache
em seu poder.”
“Art. 357. O requerido dará a sua resposta nos 5 (cinco) dias subseqüentes à sua
intimação. Se afirmar que não possui o documento ou a coisa, o juiz permitirá que
o requerente prove, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à
verdade.”
“Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por
meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar:
I - se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo
do art. 357;
II - se a recusa for havida por ilegítima.”
“Art. 362. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz
lhe ordenará que proceda ao respectivo depósito em cartório ou noutro lugar
designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o embolse das
despesas que tiver; se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de
apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo da
responsabilidade por crime de desobediência.”
“Art. 381. O juiz pode ordenar, a requerimento da parte, a exibição integral dos
livros comerciais e dos documentos do arquivo:
I - na liquidação de sociedade;
II - na sucessão por morte de sócio;
III - quando e como determinar a lei.”
“Art. 382. O juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e
documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como
reproduções autenticadas.”
exposta: na ação cautelar de exibição movida contra a parte, aplica-se a presunção do artigo
359 do CPC, e por isso a multa cominatória é providência desnecessária, eis que pior, para
o autor, do que a mencionada presunção.
Na petição inicial, além dos requisitos gerais de toda inicial, há que se observar o
artigo 848 do CPC:
“Art. 849. Havendo fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito
difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação, é admissível o exame
pericial.”
“Art. 850. A prova pericial realizar-se-á conforme o disposto nos arts. 420 a 439.”
Produzida a prova, o juiz que conduz a sua colheita não a valora, porque essa se
destina ao juízo do processo principal, e somente nesse será avaliada.
3. Arrolamento de bens
“Art. 856. Pode requerer o arrolamento todo aquele que tem interesse na
conservação dos bens.
§ 1º O interesse do requerente pode resultar de direito já constituído ou que deva
ser declarado em ação própria.
§ 2º Aos credores só é permitido requerer arrolamento nos casos em que tenha
lugar a arrecadação de herança.”
“Art. 860. Não sendo possível efetuar desde logo o arrolamento ou concluí-lo no
dia em que foi iniciado, apor-se-ão selos nas portas da casa ou nos móveis em que
estejam os bens, continuando-se a diligência no dia que for designado.”
4. Justificação
“Art. 861. Quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica,
seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova
em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção.”
“Art. 862. Salvo nos casos expressos em lei, é essencial a citação dos interessados.
Parágrafo único. Se o interessado não puder ser citado pessoalmente, intervirá no
processo o Ministério Público.”
“Art. 866. A justificação será afinal julgada por sentença e os autos serão entregues
ao requerente independentemente de traslado, decorridas 48 (quarenta e oito) horas
da decisão.
Parágrafo único. O juiz não se pronunciará sobre o mérito da prova, limitando-se a
verificar se foram observadas as formalidades legais.”
“Art. 871. O protesto ou interpelação não admite defesa nem contraprotesto nos
autos; mas o requerido pode contraprotestar em processo distinto.”
“Art. 872. Feita a intimação, ordenará o juiz que, pagas as custas, e decorridas 48
(quarenta e oito) horas, sejam os autos entregues à parte independentemente de
traslado.”
“Art. 874. Tomado o penhor legal nos casos previstos em lei, requererá o credor,
ato contínuo, a homologação. Na petição inicial, instruída com a conta
pormenorizada das despesas, a tabela dos preços e a relação dos objetos retidos,
pedirá a citação do devedor para, em 24 (vinte e quatro) horas, pagar ou alegar
defesa.
Parágrafo único. Estando suficientemente provado o pedido nos termos deste
artigo, o juiz poderá homologar de plano o penhor legal.”
O credor pignoratício legal, das hipóteses supra, poderá tomar o bem garantidor por
mão própria, mas o penhor só se considerará válido, apto a produzir seus efeitos de
garantia, após esse procedimento cautelar típico do CPC.
Veja os demais artigos do CPC sobre essa cautelar:
Repare que o que o credor quer, de fato, é cobrar uma dívida, que está supostamente
garantida pelo penhor legal. Por isso, esse procedimento é verdadeiramente cautelar, porque
seu escopo é garantir a excução judicial futura daquele bem.
E note-se que, peculiarmente, esse processo cautelar se destina a proteger o réu: se o
autor está na posse do bem de propriedade do réu, por penhor realizado de mão própria, a
homologação visa a proteger o réu de penhores indevidos.
Mesmo que o penhor não seja homologado, porque considerado indevido pelo juízo,
a ação principal de cobrança não resta perturbada de forma alguma. Na cautelar de
homologação, não se discute o crédito, mas tão somente a regularidade do penhor
empreendido pelo credor.
Homologado o penhor, os autos ficam no cartório, porque a ação de cobrança
correrá no mesmo juízo – não havendo que se entregar ao autor em quarenta e oito horas,
como diz o artigo 876, supra.
“Art. 877. A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar
seu estado de gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério
Público, mande examiná-la por um médico de sua nomeação.
§ 1º O requerimento será instruído com a certidão de óbito da pessoa, de quem o
nascituro é sucessor.
“Art. 878. Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença,
declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro.
Parágrafo único. Se à requerente não couber o exercício do pátrio poder, o juiz
nomeará curador ao nascituro.”
8. Atentado
da demarcatória até que corrija a inovação é providência correta, pois o autor tem pressa em
mover o processo e demarcar sua área, mas se quem inovou foi o réu, não deve haver
suspensão até a reforma da inovação, pois o réu poderá atrasar o feito, o que
presumidamente é seu interesse – dever-se-á impor-lhe multa cominatória.
O artigo 881 estabelece que o requerido na cautelar de atentado fica impedido de
falar nos autos da ação principal. Essa previsão é claramente inconstitucional, porque atenta
contra o acesso à justiça, mas há quem entenda que seja um mecanismo válido de coerção –
o que não prevalece, decerto.
Veja os artigos 882 a 887 do CPC, bastantes para compreensão dessas cautelares:
“Art. 885. O juiz poderá ordenar a apreensão de título não restituído ou sonegado
pelo emitente, sacado ou aceitante; mas só decretará a prisão de quem o recebeu
para firmar aceite ou efetuar pagamento, se o portador provar, com justificação ou
por documento, a entrega do título e a recusa da devolução.
Parágrafo único. O juiz mandará processar de plano o pedido, ouvirá depoimentos
se for necessário e, estando provada a alegação, ordenará a prisão.”
III - a posse provisória dos filhos, nos casos de separação judicial ou anulação de
casamento;
IV - o afastamento do menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos
pais;
V - o depósito de menores ou incapazes castigados imoderadamente por seus pais,
tutores ou curadores, ou por eles induzidos à prática de atos contrários à lei ou à
moral;
VI - o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal;
VII - a guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita;
VIII - a interdição ou a demolição de prédio para resguardar a saúde, a segurança
ou outro interesse público.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
O segundo maior acionista de uma S.A. move contra essa sociedade empresária
Ação Cautelar de Exibição de Documentos, de que trata o artigo 844, II do Código de
Processo Civil.
Resposta à Questão 3
Veja:
recorrida. REsp 513.707-SC, Rel. originário Min. Carlos Alberto Menezes Direito,
Rel. para acórdão Min. Castro Filho, julgado em 14/2/2006.”
Questão 4
Resposta à Questão 4
Tema IX
A sentença cautelar. Estrutura. Objeto. Natureza. Coisa julgada. Encargos da sucumbência. Recursos
interponíveis.
Notas de Aula52
1. Sentença cautelar
Ernani Fidélis entendem que não faz coisa julgada material, de fato, mas não porque é
pautada em cognição sumária, e sim porque poderá ser modificada ou revogada, na forma
do artigo 807 do CPC:
Assim, julgado improcedente um pedido cautelar, até pode ser repetida a demanda
cautelar, desde que por novo fundamento, nova causa de pedir, ou seja, é uma ação diversa
da originalmente proposta e refutada, demonstrando que aquela improcedência original
transitou, sim, em julgado, materialmente – adquiriu imutabilidade, porque a reiteração será
uma nova ação.
Com isso, esses autores acabam fixando uma espécie de coisa julgada secundum
eventum litis para o processo cautelar: se procedente, a coisa julgada é meramente formal;
se improcedente, faz coisa julgada material.
Dinamarco entende que o capítulo referente à sucumbência, uma vez transitado em
julgado, faz coisa julgada material, porque esse sim ganha inquestionável imutabilidade. É
um capítulo estável, totalmente independente da decisão do processo principal (seguindo-se
a melhor técnica, que demanda duas sentenças, sempre, uma cautelar e uma do processo
principal).
A revogação do provimento liminar no processo cautelar deve ser expressa, mas há
quem sustente que a mera improcedência acarreta revogação implícita da liminar outrora
concedida. Nagib cita, nesse sentido, a súmula 405 do STF, que trata de situação análoga:
“Súmula 405, STF: Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no
julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida,
retroagindo os efeitos da decisão contrária.”
A regra é que a cautelar não tem influência sobre a demanda principal, mas quando
na cautelar se perceber prescrição ou decadência do direito futuramente pretendido, há
vinculação. Veja o artigo 810 do CPC, que assim estabelece:
“Art. 810. O indeferimento da medida não obsta a que a parte intente a ação, nem
influi no julgamento desta, salvo se o juiz, no procedimento cautelar, acolher a
alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Deve ser mencionado que a coisa julgada formal sempre se fará presente na
sentença cautelar. A coisa julgada material somente ocorre nas situações indicadas no artigo
810 do CPC (reconhecimento de prescrição e decadência). Ressalva-se que, para Wilson
Marques, se a sentença for de improcedência haverá coisa julgada material, mesmo que em
sede de ação cautelar, pois nesta situação não se aplica o disposto no artigo 807 do CPC.
Deve ser acrescentado ainda que, para Wilson Marques e Cândido Rangel
Dinamarco, também o capítulo da sentença relativo aos encargos da sucumbência e no de
indenização por danos (artigo 811, CPC) farão coisa julgada material. Vale dizer que este
doutrinador também entende que a sentença que reconhece a prescrição e a decadência faz
coisa julgada material, tal como prevê o artigo 810 do CPC.
Porém, para Luiz Fux, se a sentença na ação cautelar não reconhecer a decadência
ou a prescrição (hipótese inversa àquela indicada no artigo 810, CPC), tal situação não
impedirá que estas matérias sejam novamente ventiladas nos autos da ação principal. De
resto, destaca-se que Fux, ao comentar a redação do artigo 810 do CPC, também
reconheceu, embora por outros fundamentos, que a sentença na ação cautelar tem um
conteúdo que se toma imodificável. Segundo este autor:
“Denegado o pedido por outra razão, somente por novos fundamentos poderá ser
renovado. Desta sorte, muito embora a provisão da sentença não se refira ao direito
substancial, ela se toma imutável. Em conseqüência, não se pode negar que há um
mérito cautelar, uma lide cautelar e, a fortiori, coisa julgada geradora de
imodificabilidade da decisão cautelar. Entretanto, é possível voltar a juízo por
novos fundamentos, porquanto não há eficácia preclusiva a impedir, conforme a
própria lei o autoriza expressamente no parágrafo único do artigo 808 do CPC (...)
esta é a ótica singular através da qual se revela o fenômeno da coisa julgada na lide
cautelar.”
Questão 3
Tício propôs, em face de Caio, ação cautelar de arresto dos bens do demandado.
O pedido foi julgado improcedente por sentença, da qual não se recorreu. Alegando que a
decisão da causa foi proferida por juízo absolutamente incompetente, Tício propôs em face
de Caio ação rescisória da sentença, com alardeado suporte no artigo 485, II, do Código
de Processo Civil.
Resposta à Questão 3
Tema X
Cumprimento da sentença cautelar. A responsabilidade do autor da ação cautelar pelos prejuízos que a
execução da medida cautelar causar ao réu. Liquidação e execução do valor da indenização. Tutelas
cautelares em face da Fazenda Pública. Requerimento de suspensão dos efeitos das decisões judiciais (Lei nº
8.437/92). Efetivação do provimento antecipatório.
Notas de Aula53
Antes da criação da tutela antecipada do CPC, havia inúmeras leis que restringiam a
tutela liminar contra a Fazenda Pública, em procedimentos específicos. A Lei 9.494/97
estendeu essas restrições à tutela antecipada, criada posteriormente a tais leis restritivas.
Muito se discutiu a constitucionalidade dessas restrições, tanto que foi proposta a
ADC 4, já mencionada, mas que precisa ser revista:
53
Aula ministrada pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 18/10/2010.
Mesmo quando estava vigente apenas a liminar nessa ADC 4, o STF emprestou
caráter vinculante a tal decisão. Concluída a votação, como se vê no informativo acima, que
manteve o entendimento de que as restrições às tutelas de urgência contra a Fazenda
previstas em lei vigente (pois algumas foram revogadas, como já se viu, pela Lei
12.016/09) são perfeitamente constitucionais.
Mas há casos em que a restrição não se aplica, mesmo diante desse permissivo
jurisprudencial. Por exemplo, o caso que fez ser editada a súmula 729 do STF:
“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia,
em decisão sujeita a agravo.
§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o
Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso
suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo
para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação
do ato.
(...)”
“Art. 16. Quando o habeas data for concedido e o Presidente do Tribunal ao qual
competir o conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da
sentença, desse seu ato caberá agravo para o Tribunal a que presida.”
“Art. 25. Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional,
compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do
Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada,
e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública,
suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão
concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância,
pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito
Federal.
§ 1º O Presidente pode ouvir o impetrante, em cinco dias, e o Procurador-Geral
quando não for o requerente, em igual prazo.
§ 2º Do despacho que conceder a suspensão caberá agravo regimental.
§ 3º A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem
efeito, se a decisão concessiva for mantida pelo Superior Tribunal de Justiça ou
transitar em julgado.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
4. O dissídio não prospera quando não existe similitude fática do paradigma com o
tema tratado no Acórdão recorrido, sendo certo que, no caso, o Tribunal local
cuidou de interpretar cláusula do contrato para concluir pelo deferimento da
liminar, presente, portanto, a Súmula nº 05 da Corte.
5. Recurso especial não conhecido.”