Artigo Acadêmico Auto Da Compadecida - Por Conseguinte
Artigo Acadêmico Auto Da Compadecida - Por Conseguinte
Artigo Acadêmico Auto Da Compadecida - Por Conseguinte
Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo investigar a cultura popular nordestina, em
especial as marcas da tradição oral na obra Auto da Compadecida de Ariano Suassuna.
Notadamente híbrido, o texto do autor se identifica majoritariamente aos espetáculos de
circo e à tradição popular, por sua maneira de apresentar os acontecimentos.Nesta obra,
a moral católica aparece em primeiro plano, dialogando com o estilo quinhentista
português de Gil Vicente e com as tradições locais e regionalistas do folclore brasileiro.
Os instrumentos culturais mais relevantes na peça são as crendices e a literatura de
cordel da realidade regional brasileira, mais precisamente da realidade regional
nordestina. Acredita-se queas lendas, mitos, contos populares e fábulas não fazem parte
apenas do exótico no mural da literatura brasileira.Indagaremos, assim, se a
grandiosidade do conteúdo comunicativo que percorre a narrativa deve-se à
transposição de elementos da cultura popular brasileira presentes nas diferentes
personagens e descrições do texto.Para o alcance desses propósitos,mergulharemos no
aporte teórico de Ortiz (1992); Cascudo (1982; 1988); Vassalo (1993), Canclini (1983);
Hall (2000), Antonio Candido (2010), entre outros.
Abstract:
This study aims to investigate the Northeastern popular culture, in particular the marks
of oral tradition in the work of the Auto Compadecida of ArianoSuassuna. Notably
hybrid, author of the text is identified mostly to circus shows and the popular tradition,
on the way to present events. In this work, the Catholic moral appears in the foreground,
talking with the sixteenth-century Portuguese style of Gil Vicente and local traditions
and regionalist of Brazilian folklore. The most relevant cultural instruments in the play
are the beliefs and string literature of the Brazilian regional realities, specifically the
northeastern regional reality. It is believed that the legends, myths, folk tales and fables
do not just exotic part of the wall of Brazilian literature. Indagaremos, the grandeur of
the communicative content that runs through the narrative due to the transposable
29
Mestranda em Letras – estudos do texto e do discurso, pelo Programa de Pós-graduação em Letras da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, situada à linha de Pesquisa 3 – Texto Literário, Crítica e
Cultura. Email: elenuema@gmail.com.
30
Doutor em Teoria e História Literária (UNICAMP), atualmente professor da Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte (UERN), Departamento de Letras Estrangeiras. E-mail:
sebastiaomarques@uol.com.br.
154
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
elements of Brazilian popular culture present in the different characters and text
descriptions.To achieve these purposes. We dive into the theoretical framework of Ortiz
(1992); Krab (1982; 1988); Vassallo (1993), Canclini (1983); Hall (2000), Antonio
Candido (2010), among others.
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo investigar a cultura popular
nordestina e a relevância do folclore para a literatura oral, permeando a religiosidade, na
obra Auto da Compadecida de Ariano Suassuna (2008). Enfatizamos que o texto
aproxima-se dos espetáculos circenses e da tradição popular por sua maneira de
apresentar os acontecimentos.
A escolha da obra Auto da Compadecida, como corpus dessa pesquisa, foi
motivada por ser a produção mais representativa no conjunto da produção de Suassuna.
Destacamos que a trajetória percorrida por Ariano Suassuna possui forte ligação com o
Nordeste e, num contexto mais abrangente, com o popular. A intencionalidade da obra
refere-se à moral católica, seguindo o estilo quinhentista português de Gil Vicente,
buscando em determinadas tradições locais e regionalistas do folclore brasileiro.
Os instrumentos culturais mais relevantes no enredo são as crenças e a
literatura de cordel da realidade regional brasileira, mais precisamente da realidade
regional nordestina. Pesquisar e analisar o Auto da Compadecida é um imergir na
cultura popular nordestina, seu folclore, sua nação e religiosidade.
A narrativa Auto da Compadecida é fundamentada em romances e narrações
populares. Composta de elementos que expõem a cultura popular do homem do
Nordeste, Ariano Suassuna aborda assuntos universais através de figuras populares, que
mostram integramente a figura do povo nordestino, um povo oprimido tanto por
aspectos climáticos quanto sociais. O autor faz, ainda, uso do humor e da crítica ao
falar sobre a realidade do homem nordestino.
Ariano Suassuna
Ariano Suassuna nasceu em João Pessoa, na época em que essa cidade ainda
se chamava Nossa Senhora das Neves. Seu pai era João Suassuna, governador da
Paraíba. Após o término do mandato, Ariano retorna com sua família para o sertão
155
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
paraibano, onde tinham terras. Muda-se para Taperoá, devido ao assassinato de seu pai.
É nessa cidade que o autor faz seus primeiros estudos. No ano de 1938,a família muda
para Recife, onde Ariano estudou pintura e música. Ingressa na Faculdade de Direito
em 1946, começando a advogar em 1952. Entretanto, abandona a carreira para se
dedicar à literatura e ao magistério, atividades que exerce até sua morte em 2014.
Suas principais obras são: Romance – Romance d’A Pedra do Reino e o
Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971); História d’O Rei Degolado nas Caatingas
do Sertão: Ao Sol da Onça Caetana (1976). Teatro–Auto da Compadecida (1959); A
Farsa da Boa Preguiça (1960); O Santo e a Porca (1964).
A obra teatral de Ariano Suassuna caracteriza-se por sincretizar o teatro de
origem erudita com o de origem popular, ligado mais especificamente à cultura popular
nordestina, utilizando-se do seu rico folclore.
Auto da Compadecida, peça que segue o modelo vicentino, é uma comédia
de caráter popular e religioso, tem como protagonistas Chicó, o mentiroso ingênuo, e
João Grilo, o malandro. Metem-se numa confusão, em virtude do enterro de um
cachorro, que envolverá todos os personagens da trama: o padeiro tolo, sua mulher
devassa, o bispo, o padre corrupto e o sacristão. Sem contar o cangaceiro Severino,
responsável pelo assassinato em massa de todos, menos Chicó, que conseguira se safar.
Para o julgamento dos mortos aparecem o Encourado (Demônio) e Manuel
(Jesus). Todos eram pecadores. Por decisão de Manuel, o bispo, o sacerdote, o sacristão,
o padeiro e sua mulher são mandados para o purgatório. Os cangaceiros são enviados ao
céu. Já João Grilo, muito esperto, apela para nossa Senhora da Compadecida, que lhe dá
uma segunda chance e o faz reviver, para que pudesse estar ao lado de seu amigo Chicó.
Emissário das remotas narrativas, das antigas tradições, em verso ou prosa,
da cultura brasileira, Suassuna apresenta em sua obra a energia dos cordéis, dos
cantadores, das representações autênticas da cultura popular do Brasil.
156
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
157
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
158
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
159
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
tentativa de vingança por um delito que não foi punido, como não ocorrência de
Severino de Aracaju, personagem da peça Auto da Compadecida que lidera o cangaço e
que em uma das cenas da peça rouba as personagens, determina suprimir o padre, o
bispo, o padeiro, a mulher do padeiro e João Grilo. Após tais crueldades e com um
histórico repleto de pecados, a personagem pode ser interpretada, sob uma visão
desatenta, impetuosa e incapaz. Entretanto, a cena do julgamento traz uma
esclarecimento ou justificativa de seus modos, Manuel ―Jesus‖afirma:
Contra o qual já sei que você protesta, mas não recebo protesto. (dirige essa
fala ao Demônio). Você não entende nada dos planos de Deus. Severino e o
cangaceiro dele foram meros instrumentos de sua cólera. Enlouqueceram
ambos, depois que a polícia matou a família deles e não eram responsáveis
por seus atos. Podem ir por ali. Severino e o cangaceiro abraçaram os
companheiros e saem para o céu (SUASSUNA, 2008, p. 155) [grifo do
autor].
160
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
162
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
163
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
164
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
Se partirmos do princípio que o ato criativo é uma via de mão dupla já que se
completa no momento da leitura (da recepção) [...] O diálogo que
pressupomos na realização artística, entre o emissor e o receptor chama a
atenção para um terceiro elemento do âmbito da linguagem: o contexto
(MOREIRA, 2002, p. 139-140).
165
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
apresenta complexa, pois não envolve elementos que, segundo Canclini, são essenciais
para refletir o popular atualmente.
Lígia Vassalo (1993) analisa a sociedade e a cultura do Nordeste,
considerando a produção de Ariano Suassuna. Avalia que o fato de o autor ter escolhido
retirar as fontes de suas produções do campo periférico da cultura popular para incluí-
las no espaço central de literatura citadina, configura uma visão crítica e um movimento
de inversão carnavalesca. Ao considerarmos tal enfoque, percebemos predicados do
hibridismo na obra de Ariano, como disse anteriormente Canclini.
Contudo, para Suassuna, as ―práticas‖ que fez uso para a construção do
texto podem ser explicadas como uma forma de fazer com que a cultura popular
brasileira fosse mais representativa de uma identidade nacional, e, consequentemente,
menos influenciada pela cultura externa, o ―lixo cultural‖, como se referia. Deste modo,
essa forma de resistência, em favor da preservação da cultura popular, faz com queo
autor, de certa maneira, cristalize o passado ao resistir ao moderno que parece
incomodá-lo.
Conforme Lúcia Pimentel Góes (1984, p. 106–107), ―lenda é uma narrativa
localizada, individualizada, objeto de fé‖, também acrescenta autora que ―as lendas são
a base fundamental da cultura dos povos‖. Para se garantir a efetiva contribuição da
―memória popular‖, assegura-nos Ortiz (2003, p. 135): ―é necessário que essa memória
se transforme em vivência,pois é isto que garante a sua permanência‖. Nessa lógica, as
reproduções teatrais, funcionam como meio cristalizador daquilo que se constitui como
―memória popular‖ em ―vivência popular‖.
As lendas, constantes nas histórias, como partes constituintes da literatura
oral, caracterizam-se como bons artifícios do fenômeno folclórico. Este, por
conseguinte, desde então, é distinguido como tradicional, anônimo e popular, com
soberania da oralidade, ou melhor, da transmissão direta entre indivíduos,determinadas
pelo envolvimento e pela proximidade.
As lendas estão estreitamente conectadas a outro modelo folclórico, que são
as superstições e crendices. Nesse âmbito, encontram-se os presságios, profecias, o
mundo sobrenatural, os literatos e devoções, os demônios, a magia, finalmente, um
extenso elenco de peculiares representantes das autênticas manifestações folclóricas,
que estão presentes no Auto da Compadecida. Outro exemplo passível de averiguação
na escrita de Ariano Suassuna relaciona-se à questão de usos e costumes, notadamente
167
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
nos rituais, cerimônias, chamadas ritos de passagem que assinalam: comunhão, noivado,
batismo, primeira, casamento e principalmente no sertão nordestino – a morte ―com o
canto das carpideiras do nordeste‖.
Para tanto, as lendas, que se configuram como elementos tão importantes
dessa cultura, manifestam-se como aspectos expressivos na obra do escritor. Segundo a
definição exposta por Câmara Cascudo (s.d., p. 511) ―lenda é um episódio heroico ou
sentimental com o elemento maravilhoso ou sobre-humano,transmitido e conservado na
tradição oral popular, localizável no espaço e no tempo‖.
E ainda a respeito das lendas, o folclorista brasileiro Câmara Cascudo, em
seu livro Literatura Oral no Brasil, diz o seguinte:
Iguais em várias partes do mundo, semelhantes há dezenas de
séculos,diferem em pormenores e, essa diferenciação, caracteriza sinalando
otípico, imobilizando-o num ponto certo da Terra. Sem que o
documentohistórico garanta veracidade, o povo ressuscita o passado,
indicandopassagens, mostrando, como referências indiscutíveis para
verificaçãoracionalista, os lugares onde o fato ocorreu (CASCUDO, 1987, p.
51).
Considerações finais
168
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
REFERÊNCIAS
CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. 11. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul,
2010.
169
Revista Entrelaces – Ano V – nº 06 – jul.-dez. 2015 - ISSN 1980-4571
CASTRO, Telma Cristina Jesus de. A memória cultural nas recriações de Auto da
Compadecida e Farsa da Boa Preguiça sob o viés da polifonia de Bakhtin. 2010.
Dissertação de mestrado - Departamento de Letras, Artes e Cultura, Universidade
Federal de São João del- Rei, São João del-rei/MG.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Liv Sovi (Org.) Belo
Horizonte: UFMG; Brasília: UNESCO, 2003.
MAGALDI, Sábato. Panorama do teatro brasileiro. 6. ed. São Paulo: Global, 2008.
ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas: cultura popular. São Paulo: Ed. Olho
d´água,1992.
170