Artigo NVivo
Artigo NVivo
Artigo NVivo
Introdução
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). E-mail: valesca.ames@gmail.com.
A emergência destes programas computacionais configura uma mudança no processo
de pesquisa sociológico, pois modificam funções cognitivas humanas, representando uma
nova forma de “pensar, representar e vincular dados” (PUEBLA, 2003). A exposição das
potencialidades e limites do uso destes programas constitui-se no objetivo do artigo que ora se
inicia.
As características, potencialidades e limites do uso do programa NVivo será
apresentada, de uma forma geral, na primeira seção do artigo, através de uma revisão de
literatura sobre o tema. Na segunda seção do artigo, iremos apresentar os recursos básicos do
NVivo, que serão utilizados para a organização dos dados da nossa pesquisa exemplo. A
pesquisa exemplo constitui-se de um estudo que busca compreender o processo de construção
social do Aeromóvel em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A exposição dos objetivos,
hipóteses e metodologia dessa pesquisa constitui a terceira seção do artigo. Por fim, na quarta
seção, buscaremos visualizar a aplicação do software NVivo ao nosso exemplo, salientando
suas contribuições na análise deste caso específico.
De uma forma geral, o uso dos programas para análise de dados qualitativos
apresentam potencialidades que se expressam através da possibilidade de registro de todo o
processo de investigação; possibilidade de pesquisas múltiplas sobre o mesmo material;
organização do material da pesquisa; “economia de tempo e de custos; possibilidade de
explorar de forma acurada o relacionamento entre os dados e as vantagens em termos de uma
estrutura formal que auxilia na construção conceitual e teórica dos dados” (TEIXEIRA;
BECKER, 2001, p. 95).
Apesar dos benefícios acima descritos, ainda há debates sobre os riscos envolvidos
com o uso dessas ferramentas de apoio à pesquisa. Algumas dificuldades referem-se ao
possível distanciamento entre pesquisador e dados, ou seja, o distanciamento entre a
experiência viva entre pesquisador e pesquisado e a transcrição e análise da entrevista, onde a
geração de grandes bases de dados ou “nós” pode aparecer como o objetivo central da análise;
tentação de reduzir os dados qualitativos a dados quantitativos, na falsa ilusão de que os
segundos sejam mais “objetivos” do que os primeiros; possibilidade de perder o controle no
processo de codificação, com o risco de o pesquisador tentar adequar sua metodologia às
funcionalidades da ferramenta (LAGE, 2011).
Uma maneira de evitar esses problemas relacionados ao uso indevido dos programas
de análise qualitativa é adotar uma postura de vigilância epistemológica, de constante crítica
do trabalho sociológico, não esquecendo o processo de construção social e sociológico do
dado observável, como salientado por Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1999).
O sociólogo deve sempre ter em mente que a compreensão do significado dos textos
depende de uma série de pressupostos teóricos que acompanham a pesquisa em todas as suas
fases. Os conceitos e categorias que são geradas para a análise qualitativa de textos com o
auxílio do programa NVivo dependem dos objetivos, hipóteses e desenho da pesquisa,
portanto, dependem de uma escolha teórica por parte do investigador. Por este motivo, a
análise dos dados não pode ser reduzida a alguma relação supostamente objetiva entre
categorias e dados, mas depende de uma análise interpretativa criativa por parte do
investigador.
O Nvivo, por si só, não analisa os dados, mas apenas auxilia esse processo, através de
um ambiente onde torna-se possível “criar, gerenciar e explorar ideias e categorias,
minimizando as rotinas de trabalho e maximizando a flexibilidade da análise, para descobrir
novas ideias e desenvolvê-las” (SANTOS, 2001, p. 132). Este processo de criação e
exploração de ideias e categorias pode ser realizado através da codificação dos textos e da
exploração de ideias sobre as informações disponíveis.
Antes de ter início a codificação do material no NVivo, o pesquisador deve ter em
mente quais são as perguntas que pretende responder através de sua pesquisa, quais são seus
objetivos e hipóteses. Além disso, deve conhecer os recursos básicos do NVivo, e a maneira
como podem ser utilizados. Quando tudo isto está bem delimitado, e quando o material de
pesquisa (matérias de jornais, entrevistas transcritas, vídeos, fotos) está organizado, este pode
ser importado para o programa, codificado e analisado. A seguir, apresentamos os principais
recursos do NVivo, que serão utilizados na análise de nossa pesquisa exemplo.
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O Aeromóvel é um projeto tecnológico de transporte urbano concebido no final da década de 1960 pelo técnico
em aeronáutica Oskar Coester. O projeto, desde então, passou por várias tentativas de implantação,
especialmente ao longo da década de 1980, porém sem sucesso. A inauguração desse projeto está prevista para o
ano de 2013, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
processo controverso estabiliza-se e culmina com a aceitação ou não da tecnologia por parte
da sociedade.
Dado que o objetivo da pesquisa consiste em compreender o processo de construção
social do Aeromóvel, os procedimentos metodológicos buscarão reconstruir e compreender a
maneira pela qual a tecnologia foi interpretada por diferentes grupos sociais e como essas
interpretações, que deram origem a controvérsias entre os grupos, interferiram no projeto de
implantação do Aeromóvel.
O método de pesquisa será o estudo de caso do processo que se caracteriza por
tentativas de implantação do Aeromóvel em Porto Alegre, iniciado no final da década de 1970
e que se estende até o ano de 2013.
A primeira etapa da pesquisa será documental, consistindo na busca de registros na
mídia impressa de Porto Alegre (jornal Zero Hora) desde a década de 1970, em que
começaram os primeiros testes com o Aeromóvel. A segunda etapa da pesquisa será uma
análise dos contextos sociais, históricos, econômicos e políticos vinculados aos momentos
controversos de desenvolvimento do Aeromóvel. Por fim, a última etapa da pesquisa
consistirá na realização de entrevistas narrativas com pessoas que compõem os grupos sociais
relevantes e análise dos relatórios técnicos produzidos por cientistas e engenheiros que se
envolveram no projeto Aeromóvel.
A primeira e segunda etapa da pesquisa permitirá delimitar os grupos sociais
relevantes, a partir dos quais selecionaremos aqueles membros que se envolveram mais
diretamente com a construção do Aeromóvel e que, por este motivo, serão nossos
entrevistados. Na etapa da realização das entrevistas, atentaremos para os problemas ou
vantagens que cada grupo social enxerga com relação ao artefato, onde interpretações
diferentes, relacionadas aos diferentes grupos sociais, poderão ser identificadas.
Além das entrevistas, também serão analisados os relatórios técnicos referentes ao
projeto do Aeromóvel, formulados pela FUNDATEC/UFRGS (Fundação Universidade-
Empresa de Tecnologia e Ciências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e pelo IPT
(Instituto de Pesquisas Tecnológicas), e que foram também alvo de interpretações diferentes
por parte de diferentes cientistas e engenheiros.
Após a transcrição das entrevistas, a seleção das matérias de jornais, bem como de
projetos que objetivaram analisar a viabilidade técnica e econômica do Aeromóvel, o material
será analisado por meio de uma análise de discurso, que será realizada com a ajuda do
programa de análise qualitativa NVivo.
3. Etapas de organização e análise de dados com o NVivo
No caso da pesquisa que aqui utilizamos como exemplo, os dados serão organizados em
três etapas, conforme apresentado na Figura 1.
Uma segunda pasta na aba nós, como pode ser visualizado na figura 3, diz respeito
àquilo que denominamos “temas”. Os “temas” compreendem nós que se referem a
características das falas dos nossos entrevistados, que depois servirão como base para a
codificação das entrevistas realizadas.
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As palavras em itálico referem-se a alguns dos nós que servirão como base para a codificação do material da
pesquisa.
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Como pode ser visualizado na figura 3, os nós ainda não estão classificados hierarquicamente, o que será
elaborado assim que tivermos todo o material da pesquisa importado e adequadamente lido e analisado.
(LAGE, 2011, p.210). O pesquisador deve estar atento ao momento de parar com a codificação,
pois pode correr o risco de codificar além do necessário para responder ao problema de pesquisa.
Com os recursos do NVivo também é possível codificarmos todas as respostas a uma
determinada pergunta e posteriormente compararmos as respostas dos nossos entrevistados.
Por exemplo: podemos codificar todas as respostas à pergunta referente às causas da
postergação da implantação do Aeromóvel e posteriormente analisar as respostas de acordo
com diferentes atributos dos respondentes.
A codificação também pode ser facilitada através do uso da aba “consultas”, visto que
essa permite a codificação automática das fontes com base em palavras ou frases que elas
contenham (TUTORIAL NVIVO 9.2, 2011). Por exemplo, podemos procurar pela palavra
costumes e codificar automaticamente todas as passagens em que ela aparece.
Após a codificação dos documentos da pesquisa, podemos passar para a fase de
análise dos dados. Essa fase pode ser facilitada através do uso dos recursos disponíveis nas
abas “coleções”, “consultas”, “relatórios” e “modelos”.
A aba “consultas” pode auxiliar no teste de ideias, exploração de padrões e conexões
entre temas, tópicos, pessoas e lugares (TUTORIAL NVIVO 9.2, 2011). Por exemplo, é
possível visualizarmos as partes codificadas com determinadas palavras (vantagens e
desvantagens, por exemplo), e explorar suas diferenças; agrupar passagens de nós
classificados de acordo com certos atributos e questionar, por exemplo, o que os grupos de
políticos pensam sobre as vantagens do Aeromóvel?
Através do uso dos recursos da aba consultas, é possível, também, executar uma
consulta de frequência de palavras para ver aquelas que são mais constantes nas falas dos
nossos entrevistados, ou para ver qual o nó em que há maior ocorrência de uma determinada
palavra. As passagens em que essas palavras aparecem podem então ser salvas em um nó para
análise futura.
Na aba “classificações” é possível trabalharmos com dados estruturados em tabelas.
Aqui, os casos específicos (Oskar, Jorge, Cloraldino) ganham atributos. Assim, posso ter
várias fontes para Oskar (várias entrevistas) e estas são classificadas segundo algumas de suas
características. Por exemplo: posição em relação ao Aeromóvel (favorável ou contrário),
grupo social do qual faz parte (políticos, empresários, engenheiros). Deste modo, essa
instância encerrará todas as características referentes à entrevista de Oskar. Isso torna possível
o cruzamento entre nós e atributos, a comparação entre falas de diferentes entrevistados
segundo seus atributos particulares, etc. através do uso das consultas. Por exemplo, caso
classifiquemos nossas fontes em um nó de acordo com o atributo grupo social, poderão ser
feitas perguntas como: qual a posição mais frequente com relação ao Aeromóvel no grupo de
políticos?
A classificação realizada de acordo com a pesquisa exemplo (no caso, com a entrevista
realizada com Oskar Coester) pode ser visualizada na figura 4.
Os resultados da pesquisa podem ser apresentados e visualizados sob a forma de
gráficos ou modelos de informações. Estes recursos servem para visualizarmos conexões
entre nós ou itens que estão conectados a uma determinada fonte ou nó.
Os modelos “podem ser gerados automaticamente pelo NVivo, a partir dos dados
codificados e dos relacionamentos criados entre eles ou desenhados pelo pesquisador; ou, ainda, a
partir de um misto de ambos” (LAGE, 2011, p. 212). Um modelo pode ser apresentado com
formas, cores, tamanhos e cor de letras diferentes, e pode ser editado pelo pesquisador a qualquer
momento do desenvolvimento da pesquisa no ambiente NVivo. No caso da pesquisa exemplo,
podemos gerar um modelo para representar os principais problemas relacionados ao
Aeromóvel, segundo os nossos entrevistados.
Figura 4 – Classificação do nó Oskar Coester, segundo alguns de seus atributos
Considerações finais
Referências bibliográficas
PUEBLA, C. Analisis cualitativo asistido por computadora. Sociologias, Porto Alegre, ano 5,
n. 9, p. 288-313, jan/jun, 2003.
QSR INTERNACIONAL. Tutorial NVivo 9.2. 2011.