À MARGEM DA HISTÓRIA DO CEARÁ Versão Escolar
À MARGEM DA HISTÓRIA DO CEARÁ Versão Escolar
À MARGEM DA HISTÓRIA DO CEARÁ Versão Escolar
À MARGEM
DA HISTÓRIA
DO
CEARÁ
3ª EDIÇÃO
GUSTAVO BARROSO
Constantes da 1ª edição
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Em livro que a respeito publiquei há perto de 40 anos, disse: “Os bandidos não
são produtos exclusivos das terras brasileiras do Nordeste. Em todos os povos, têm
existido com denominações diversas. O jagunço não é criminoso por mero acidente do
seu caráter; não é criminoso, as mais das vezes, por si próprio. Ele termina uma série de
antecedentes os mais variados ou é um elo na seriação de causas as mais diversas.”
Seu pai, o capitão José Bernardo de Sousa Uchoa, antigo presidente do Senado
da Câmara, proprietário da fazenda do Fechado, era um dos homens mais influentes da
localidade. Representante legítimo por sua posição, educação e tendência do antigo
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patriarcalismo feudal que informou a vida pastoril nordestina e degenerou, mais tarde,
no coronelismo, lutava pelo domínio da política municipal e, naturalmente, se tinha
muitos amigos, também fizera muitos inimigos. Entre estes, o maior era o tenente-
coronel Manoel Mendes da Cruz Guimarães. No sertão, o ódio dos pais passa para os
filhos e as famílias se empenham em lutas renhidas, que se propagam através das
gerações como na Itália medieval.
No dia da eleição, houve grande e grave conflito entre os partidários dos Uchoas
e dos Cruz Guimarães. A briga começou a cacete e faca na Igreja, onde se realizava o
pleito, acabando e tiroteio pelas ruas, durante o qual morreu baleado o tenente-coronel
Manoel Mendes da Cruz Guimarães. Apontou-o José Antônio como autor do feito. Foi
outra vez processado e submetido a julgamento. De novo, os juízes de fato o
absolveram. Murmurava-se que desta, como da primeira vez, por influência da família e
do seu partido político.
- Minha casa fica ali adiante, por trás daquele morro. Estou lá às suas ordens. É a
fazenda do Fechado e eu sou o José Antônio.
Em avançada idade, atingiu o limiar do Século XX, de vez que faleceu em 1918,
com 94 anos de idade, na fazenda da Lagoa das Pedras, onde nos últimos tempos de sua
vida passou a residir. Durante alguns anos, foi obrigado a morar em Fortaleza, capital
do Estado, a fim de evitar a perseguição política que lhe moviam na terra natal. E o
curioso é que se casou aos 86 anos. Fibra extraordinária a desses velhos sertanejos
criados em contato com a natureza agreste e rude, formadora duma raça de fortes. Deles
diria Júlio César o que disse dos belgas, que eram os mais viris dos povos da Gália,
porque viviam longo das cidades, isto é, dos centros de civilização e amolecimento, de
todas as coisas que ad affeminando animos pertinent.
Essa devoção nasceu no sertão do Ceará com a grande seca de 1792. Trouxera-a
para Canindé um português vindo do Recife, o capitão Francisco Xavier de Medeiros.
Favoreceu-a a pregação feita naqueles rincões pelos missionários franciscanos frei
Manuel de Santa Maria e São Paulo, frei Bartolomeu e frei José de Santa Clara Monte
Falco, que, de 1759 a 1800, andaram em desobriga pela então freguesia de S. José de
Ribamar, que se estendia do litoral até o alto sertão, compreendendo os seus limites
tanto Fortaleza como o povoado de Canindé, onde outrora se aldearam os índios desse
nome. Quando acabou a Seca Grande, como foi chamada, o povo dessa localidade e
suas redondezas decidiu levantar ali uma Igreja ao santo, que os consolara e salvara nas
dramáticas aperturas da crise. Foi benfeitor principal das obras da construção o capitão
Francisco Xavier de Medeiros.
O cearense emigrado, aonde quer que vá, leva no coração a fé na proteção de seu
grande santo, como aqueles humildes soldados feridos em defesa da honra do Império
nos campos inóspitos do Paraguai. Nas selvas amazônicas, nas minas do Amapá, nos
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seringais do Acre, nos confins de Mato Grosso, nos cafezais do Paraná ou no asfalto da
Babilônia paulista, ao sofrer qualquer golpe do destino, moral ou físico, volta-se para o
miraculoso padroeiro da pequena cidade do sertão: - Valha-me S. Francisco das Chagas
de Canindé. Faz-lhe a sua promessa e religiosamente a paga, seja como for. Poderá
faltar tudo, menos ao seu querido protetor celeste. Em todas as angústias e aflições,
dirigiu-se seu pensamento para o santuário da sua terra natal: a Basílica do Pobrezinho
de Assis.
Nas suas horas de necessidade e de dor, esses cearenses fazem suas promessas a
São Francisco das Chagas de Canindé e, como não dispõem de outro meio de
comunicação com sua terra natal, sabendo que os ribeiros correm para os rios e os rios
corem para o mar, como diz a velha canção portuguesa, constroem esses barcos, alguns
até com um certo gosto artístico, ornamentando-os com carinho, colocam neles ex-votos
ou dinheiro, às vezes 2 ou 3 mil cruzeiros, calafetam-nos completamente e os lançam às
águas do igarapé ou do rio amazonense onde estão vivendo. Além do endereço: Para S.
Francisco de Canindé, pintam em lugar visível outros letreiros neste estilo, por
exemplo: Pede-se a pessoa que encontrar este barco na beira fazer o favor de pôr para o
meio. Graças alcançadas deste Grande Santo, ou: Quem me encontrar parado me
empurre para o meio.
dos frades de Canindé com sua carga intacta. A honestidade daquela pobre gente não
lhe permite tocar no dinheiro do santo. E, se tocasse decerto lhe aconteceria grande
desgraça. São às dezenas os barcos dessa espécie que chegam anualmente a Canindé.
Isto que aqui se narra é tão impressionante que até parece episódio da história de
outras eras, dum Brasil, que não é mais deste tempo utilitário, que talvez já se esteja,
por nosso mal, acabando, mas que é belo, por demais belo, assim cheio da inocente, da
puríssima fé em Nosso Senhor Jesus Cristo e nos milagrosos santos da Sua Madre
Igreja, sobretudo, naquele Poverello, tão suave e tão pobre, que sabia falar às aves e aos
peixes, e recebia nas mãos e nos pés os mesmos estigmas rubros de seu Deus imolado
pelos homens, como ele lanceado no flanco e coroado em sangue pela mesma coroa de
Glória e de Martírio.
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Canindé é uma terra mística que encanta as pessoas de fé, porque existe nesta terra
um grande mistério do amor e da misericórdia de Deus, que se manifesta através dos
milagres e das curas, das bênçãos e das graças operados por São Francisco das Chagas.
Na intimidade vivida diariamente com este mistério cresce a cidade que acolhe doentes
e sofredores, devotos e romeiros do Brasil inteiro, mas sobretudo do Nordeste sofrido e
chagado, mas também teimoso na esperança e solidário na fé.
As crianças e os jovens de Canindé somente vão amar sua terra natal em
profundidade, quando conhecerem bem suas raízes de fé e de devoção, a história do
Santuário de São Francisco das Chagas pesquisada e contada pelos mais velhos.
Escolhi umas fontes históricas e pedi ao professor de português do Colégio
Menino Jesus e da Escola Profissional Capelão Frei Orlando, José Narcélio Agostinho
Bastos, que elaborasse uma versão escolar destas fontes, para que os alunos pudessem
estudar num português atual estes escritos antigos e pudessem se identificar com o
destino desta terra maravilhosa seguindo a Jesus no jeito de São Francisco.