A Criança Contemporanea3232
A Criança Contemporanea3232
A CRIANÇA
CONTEMPORÂNEA
E SUAS EXPRESSÕES
Edda Bomtempo, Luana Carramillo Going e Sabrina Torres Gomes
(organizadoras)
Chanceler Dom Tarcísio Scaramussa, SDB
Reitor Prof. Me. Marcos Medina Leite
Pró-Reitora Administrativa Profª. Dra. Mariângela Mendes Lomba Pinho
Pró-Reitora de Graduação Profª. Dra. Rosângela Ballego Campanhã
Pró-Reitor de Pastoral Prof. Me. Pe. Cláudio Scherer da Silva
Coordenador
Prof. Me. Marcelo Luciano Martins Di Renzo
Atendimento
leopoldianum@unisantos.br
Edda Bomtempo
Luana Carramillo Going
Sabrina Torres Gomes
(organizadoras)
A CRIANÇA
CONTEMPORÂNEA
E SUAS EXPRESSÕES
Santos
2019
Dados Internacionais de Catalogação
____________________________________________________________________________
ISBN: 978-85-60360-96-3
CDU e-book
_______________________________________________________________________________________
Maria Rita C. Rebello Nastasi – CRB 8/2240
Revisão
Júlia de Lucca
Sobre o ebook
Formato: 160 x 230 mm • Mancha: 130 x 200 mm
Tipologia: Times New Roman (textos/títulos)
Distribuidora Loyola
Rua São Caetano, 959 (Luz)
CEP 01104-001 – São Paulo – SP
Tel (11) 3322.0100 – Fax (11) 3322.0101
E-mail: vendasatacado@livrarialoyola.com.br
PARTE I
PARTE II
PARTE IV
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Dentro de uma mesma cultura, as crianças brincam com temas comuns:
educação, relações familiares e vários papeis que representem as pessoas que
integram essa cultura. Os temas, em geral, representam o ambiente das crianças
e aparecem no contexto da vida diária. No entanto, a impregnação cultural
derivada da manipulação de brinquedos não é um condicionamento, uma
apropriação passiva de conteúdos, mas muito mais um processo dinâmico de
inserção cultural, no qual a criança apropria-se ativamente de conteúdos pré-
existentes, transformando-os e até mesmo negando-os, pois elas costumam
reagir de forma diferente ao mesmo brinquedo de acordo com a idade, gênero,
nível de desenvolvimento, tempo e exposição ao brinquedo, como também à
própria complexidade do material. De acordo com o seu desenvolvimento e
grau de predisposição à fantasia, ela perceberá maneiras diferentes de lidar com
um determinado objeto.
Assim, ao mesmo tempo em que as expressões lúdicas apresentam conteúdos
e transmitem mensagens, essas mensagens podem ser modificadas e percebidas
de forma diferente pelas crianças, de acordo com o seu universo de valores,
os costumes e as situações que permeiam o seu cotidiano. O brincar aparece,
portanto, como um pedaço de cultura colocado ao alcance da criança e é seu
parceiro na brincadeira, sendo também portador de novos valores por meio da
penetração no mundo social.
Não se trata mais das diversas formas de brincar ou jogar, mas do que o
lúdico pode expressar no seu tempo e espaço, independente da sua relação com
as crianças. Ele é julgado como se fosse outra coisa que não algo imaginário,
mas como se a realidade que ele representa, valesse por si só. A força das
representações altera a percepção da brincadeira, para fazer dela um ritual de
adesão a uma maneira de viver, a adesão à valores sociais. Por meio do brincar
a criança constrói uma imagem que traduz a sua própria relação com o mundo,
assim no final, as diferentes formas de expressões da dela estarão mais ligadas
ao sonho, ao irreal, do que ao universo cotidiano.
O presente livro é produto do grupo de trabalho Brinquedo, Aprendizagem
e Saúde e foi planejado no XVII Simpósio de Pesquisa e Intercambio
Científico em comemoração aos 35 anos da Associação Nacional e Pesquisas
de Pós-Graduação de Psicologia (ANPPEP). O trabalho foi organizado a
partir de reflexões sobre o brincar e a criança contemporânea e suas expressões
nos diversos espaços sociais brasileiros. O livro está dividido em quatro eixos
temáticos, contém dez capítulos e tem como objetivo apresentar os resultados
de pesquisas realizadas, em Psicologia, sobre o lúdico nos contextos da Saúde,
Educação e Políticas Públicas. Os trabalhos foram realizados por pesquisadores,
docentes e discentes, membros do grupo de trabalho e alguns convidados
externos, de distintos programas de Pós-Graduação, em universidades públicas
e particulares do Brasil.
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A primeira parte do livro, A criança contemporânea e suas expressões nas
instituições, envolve três trabalhos.
Inicia com a pesquisa Percepções de crianças em acolhimento institucional:
a contação de histórias como recurso metodológico participativo. O objetivo é
discutir sobre a contação de histórias como recurso de metodologia participativa,
a partir de um estudo desenvolvido com crianças em acolhimento institucional
do município de Belém-PA.
Segue com o artigo O que sei dos comportamentos: significado, frequência
e intensidade dos comportamentos que ajudam e não ajudam nas interações
sociais de crianças abrigadas. Esse segundo capítulo tem como objetivo
apresentar o que as crianças entendem por comportamentos que ajudam ou
não na interação social e ainda discutir a importância da aprendizagem de novos
repertórios. Para tal, foi utilizado parte das cartas do baralho do comportamento,
de Caminha e Caminha (2013), com crianças entre 10 e 12 anos de idade de
uma casa de acolhimento na cidade de Santarém no Pará.
O terceiro capítulo traz O que vocês fazem aqui? A gente brinca. Aprende:
o fazer musical na percepção de crianças participantes de um projeto de
inclusão sociocultural mediante a música em Santarém, Pará. A pesquisa tem
como objetivo apresentar as percepções sobre o fazer musical e sua ligação com
o lúdico, na perspectiva de crianças participantes de um projeto de inclusão
sociocultural mediante a música, na cidade de Santarém, Pará. Foram realizados
grupos focais com 20 crianças de 8 a 12 anos e as falas analisadas mediante a
técnica do Discurso do Sujeito Coletivo.
A segunda parte Brincar é preciso, na escola, contempla o quarto e o quinto
capítulos que abordam sobre as questões do brincar nos espaços escolares.
A criança fala, o olhar das crianças sobre as brincadeiras na educação
infantil. Essa pesquisa apresenta algumas aproximações entre a Psicologia do
Desenvolvimento e a Sociologia da infância e tem como objetivo levantar, com
as crianças, a Educação Infantil, como lugar destinado a elas. Foram realizadas
entrevistas aqui chamadas de interlocuções com desenho, sobre brincadeiras na
Educação Infantil, com crianças entre 4 e 6 anos de idade, matriculadas em dois
Centros de Educação Infantil, um público e um privado, ambos localizados no
município de Salvador, Bahia.
O quinto artigo, O primeiro ano e a necessidade de uma escola brincante:
reflexos da atualidade, apresenta uma pesquisa realizada em Santos\ São Paulo.
A escola, parte integrante de uma sociedade em constante transformação, tem
visto os espaços destinados às brincadeiras das crianças diminuírem. Nesse
movimento, vem recebendo os alunos gradativamente sendo matriculados em
período integral. Por meio de pesquisa bibliográfica, este trabalho tem o objetivo
de verificar o porquê da tensa relação entre a entrada no ensino fundamental e
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a diminuição do brincar nas instituições escolares.
A terceira parte do livro A criança contemporânea e suas expressões na
rua, é composta pelos sexto e sétimo capítulos.
O capítulo Parquinhos públicos: lugares de crianças? Tem como objetivo
apresentar algumas reflexões sobre o uso que as crianças fazem dos parquinhos
públicos na contemporaneidade e como elas se apropriam destes espaços A
primeira parte do capítulo traz uma discussão a respeito da participação das
crianças nos espaços públicos, a segunda parte descreve o surgimento dos
parquinhos no mundo e no Brasil e a terceira parte apresenta evidências científicas
de como as crianças se apropriam desses espaços na contemporaneidade, a partir
de pesquisas desenvolvidas com as mesmas e das contribuições de teóricos da
psicologia do desenvolvimento.
O seguinte, Eu não pedi pra nascer, análisa as produções culturais de
crianças em situação de rua. São estudadas as produções culturais de crianças
em situação de rua inseridas em uma instituição de atendimento na cidade de
Salvador/Bahia. Tem como objetivo verificar o uso da música e das produções
culturais dessas crianças e se permite compreender não apenas o universo
simbólico e cultural das mesmas, mas também conhecer aspectos objetivos da
realidade em que vivem e que incluem as mais diversas formas de violação de
direitos.
A quarta parte, Reflexões sobre o brincar na contemporaneidade,
apresenta três capítulos.
Segue com O brincar livre, a sociedade contemporânea e o futuro. Este
artigo apresenta “brincar livre” sob o olhar da sociedade contemporânea e
mostra-nos um desafio, que é compreender o que propriamente significa ser
espontâneo hoje e, ao mesmo tempo, dar curso à singularidade pessoal. Viver
na sociedade atual é enfrentarmos os desafios acerca da construção de uma
sociedade em que a inteligência artificial ganha extenso poder substituindo o
trabalho humano em espaços e funções que nos obrigam a considerar que as
crianças de hoje habitarão um mundo distinto daquele que conhecemos.
O nono capítulo, O brincar na infância como caminho para a aprendizagem,
a expressão emocional e a convivência social, constitui uma reflexão teórica
sobre o brincar na infância de todos os tempos e na contemporaneidade, com
o objetivo de mostrar o espaço que as brincadeiras ocupam na vida da criança.
O livro encerra com a pesquisa Segregação de gênero nas brincadeiras
de crianças em sites e/ou aplicativos: da manutenção a transgressão de
fronteiras. O objetivo deste capítulo é discutir como se configura a segregação
nas brincadeiras em sites e aplicativos e de como as crianças ressignificam as
tipificações de gênero presentes nos jogos para meninos e meninas. Para tal
realizamos entrevistas semiestruturadas, mediadas por um tablet, com 12
10
crianças (6 meninos e 6 meninas), na faixa etária compreendida entre 6 e 11
anos, residentes em bairros periféricos da cidade de Salvador/BA.
Esperamos que o livro possa dar um breve panorama de algumas pesquisas
sobre o brincar, a criança cotidiana e suas expressões, no qual no universo
infantil o real é percebido por meio do filtro deformante de representações
culturais preexistentes. Ele é traduzido para exprimir o desejável para uma
criança; e, por fim, transformado para se prestar à brincadeira. Em um mundo
de tantas adversidades, possibilitar por meio do lúdico, a construção da fantasia
e da criatividade, significa dar luz à vida da criança.
Edda Bomtempo
Luana Carramillo-Going
REFERÊNCIAS
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PARTE I
PERCEPÇÕES, AS
INTERAÇÕES SOCIAIS E O
LÚDICO NAS INSTITUIÇÕES
PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS EM ACOLHIMENTO
INSTITUCIONAL: A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
COMO RECURSO METODOLÓGICO PARTICIPATIVO
INTRODUÇÃO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: A CONTAÇÃO DE
HISTÓRIAS COMO RECURSO METODOLÓGICO PARTICIPATIVO
de acolhimento, uma vez que, como descrito por Bronfenbrenner (1996; 2011),
além das características objetivas do contexto, deve-se considerar a realidade a
partir do mundo subjetivo da pessoa. Em outras palavras, é importante focar no
modo pelo qual o contexto é percebido pelas pessoas que estabelecem interações
nele e com ele.
Diante do exposto, o presente capítulo se embasa no pressuposto da
sociologia da infância, que assume as crianças como atores sociais competentes
na revelação de suas realidades e considera as metodologias participativas como
um recurso metodológico importante (SOARES; SARMENTO; TOMÁS, 2005;
SARMENTO, 2008) e na proposição bioecológica de Urie Bronfenbrenner
(1996; 2011), que enfatiza os processos psicológicos da percepção no tocante
ao conteúdo, ou seja, ao que é percebido, desejado, temido, adquirido como
conhecimento e a maneira pela qual a natureza desse material psicológico
se modifica em função da exposição e interação entre a pessoa e o contexto.
Em razão do exposto, pretende-se discutir sobre a contação de histórias como
recurso de metodologia participativa, a partir de um estudo desenvolvido com
crianças em situação acolhimento institucional em um serviço do município de
Belém-PA.
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: A CONTAÇÃO DE
HISTÓRIAS COMO RECURSO METODOLÓGICO PARTICIPATIVO
PERCURSO METODOLÓGICO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: A CONTAÇÃO DE
HISTÓRIAS COMO RECURSO METODOLÓGICO PARTICIPATIVO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: A CONTAÇÃO DE
HISTÓRIAS COMO RECURSO METODOLÓGICO PARTICIPATIVO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
Bela: História.
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PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: A CONTAÇÃO DE
HISTÓRIAS COMO RECURSO METODOLÓGICO PARTICIPATIVO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
elaboração de projetos que versem sobre sua trajetória futura e das decisões a
seu respeito, garantindo que elas tenham sua opinião considerada, conforme
apontado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e o Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA (BRASIL,
2009), considerando o seu grau de desenvolvimento. Dessa forma, a fala de
Branca de Neve indica um caminho para o serviço de acolhimento, no sentido
de valorizar e explorar atividades lúdicas, onde as crianças tenham suas vozes
respeitadas. Quanto às falas de Polícia e Barbie, que disseram como se sentiram,
observa-se que as histórias trazem sempre um significado, que podem mobilizar
com mais ou menos intensidade, emoções e sentimentos, sugerindo que houve
alguma identificação, mesmo que haja dificuldade em verbalizar e discriminar
tal identificação. (ELAGE et al., 2010).
Em relação ao contexto de acolhimento institucional, quando as crianças
foram perguntadas sobre a primeira ordem que dariam na instituição, se fossem
reis como o personagem da história Onde vivem os monstros, Cinderela e
Branca de Neve responderam:
História contada – Onde vivem os monstros
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PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: A CONTAÇÃO DE
HISTÓRIAS COMO RECURSO METODOLÓGICO PARTICIPATIVO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: A CONTAÇÃO DE
HISTÓRIAS COMO RECURSO METODOLÓGICO PARTICIPATIVO
REFERÊNCIAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: A CONTAÇÃO DE
HISTÓRIAS COMO RECURSO METODOLÓGICO PARTICIPATIVO
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O QUE SEI DOS COMPORTAMENTOS:
SIGNIFICADO, FREQUÊNCIA E INTENSIDADE
DOS COMPORTAMENTOS QUE AJUDAM E NÃO
AJUDAM NAS INTERAÇÕES SOCIAIS DE CRIANÇAS
ABRIGADAS
INTRODUÇÃO
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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O QUE SEI DOS COMPORTAMENTOS: SIGNIFICADO, FREQUÊNCIA E INTENSIDADE
DOS COMPORTAMENTOS QUE AJUDAM E NÃO AJUDAM NAS INTERAÇÕES SOCIAIS DE
CRIANÇAS ABRIGADAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
A PESQUISA
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O QUE SEI DOS COMPORTAMENTOS: SIGNIFICADO, FREQUÊNCIA E INTENSIDADE
DOS COMPORTAMENTOS QUE AJUDAM E NÃO AJUDAM NAS INTERAÇÕES SOCIAIS DE
CRIANÇAS ABRIGADAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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O QUE SEI DOS COMPORTAMENTOS: SIGNIFICADO, FREQUÊNCIA E INTENSIDADE
DOS COMPORTAMENTOS QUE AJUDAM E NÃO AJUDAM NAS INTERAÇÕES SOCIAIS DE
CRIANÇAS ABRIGADAS
AGRESSIVIDADE/PASSIVIDADE
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
AGRESSIVIDADE/PASSIVIDADE
100
80
60
40
20
0
C1 C2 C3 C4 C5 C6
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O QUE SEI DOS COMPORTAMENTOS: SIGNIFICADO, FREQUÊNCIA E INTENSIDADE
DOS COMPORTAMENTOS QUE AJUDAM E NÃO AJUDAM NAS INTERAÇÕES SOCIAIS DE
CRIANÇAS ABRIGADAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
RESPEITO
100
80
60
40
20
0
C1 C2 C3 C4 C5 C6
Sendo assim, se a criança marcou que foi “muito forte” seu respeito na
situação relatada (pergunta 1), sua resposta será classificada em 100% para o
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O QUE SEI DOS COMPORTAMENTOS: SIGNIFICADO, FREQUÊNCIA E INTENSIDADE
DOS COMPORTAMENTOS QUE AJUDAM E NÃO AJUDAM NAS INTERAÇÕES SOCIAIS DE
CRIANÇAS ABRIGADAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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O QUE SEI DOS COMPORTAMENTOS: SIGNIFICADO, FREQUÊNCIA E INTENSIDADE
DOS COMPORTAMENTOS QUE AJUDAM E NÃO AJUDAM NAS INTERAÇÕES SOCIAIS DE
CRIANÇAS ABRIGADAS
REFERÊNCIAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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“O QUE VOCÊS FAZEM AQUI? A GENTE BRINCA.
APRENDE”: O FAZER MUSICAL NA PERCEPÇÃO DE
CRIANÇAS PARTICIPANTES DE UM PROJETO DE
INCLUSÃO SOCIOCULTURAL MEDIANTE A MÚSICA
EM SANTARÉM, PARÁ.
INTRODUÇÃO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
O termo lúdico vem do latim Ludus, que segundo Huizinga (2004, p. 41)
significa “jogos infantis, recreação, competições, representações litúrgicas e
teatrais e os jogos de azar”. Luckesi (2006) afirmou que a atividade lúdica permite
a sensação de liberdade, plenitude e entrega para a vivência lúdica. Segundo
esse autor, a ludicidade é interna, ainda que vivenciada na coletividade, pois
é um estado interno, ainda que a partilha ocorra. Nesse sentido, o lúdico está
relacionado “ao prazer que reside no que se faz, como algo que reside em nós e
no modo como nos relacionamos com o mundo”. (LEAL; AVILA, 2014, p.50).
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“O QUE VOCÊS FAZEM AQUI? A GENTE BRINCA. APRENDE”: O FAZER MUSICAL
NA PERCEPÇÃO DE CRIANÇAS PARTICIPANTES DE UM PROJETO DE INCLUSÃO
SOCIOCULTURAL MEDIANTE A MÚSICA EM SANTARÉM, PARÁ
A PESQUISA
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“O QUE VOCÊS FAZEM AQUI? A GENTE BRINCA. APRENDE”: O FAZER MUSICAL
NA PERCEPÇÃO DE CRIANÇAS PARTICIPANTES DE UM PROJETO DE INCLUSÃO
SOCIOCULTURAL MEDIANTE A MÚSICA EM SANTARÉM, PARÁ
Fonte: os autores
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“O QUE VOCÊS FAZEM AQUI? A GENTE BRINCA. APRENDE”: O FAZER MUSICAL
NA PERCEPÇÃO DE CRIANÇAS PARTICIPANTES DE UM PROJETO DE INCLUSÃO
SOCIOCULTURAL MEDIANTE A MÚSICA EM SANTARÉM, PARÁ
Fonte: os autores
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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“O QUE VOCÊS FAZEM AQUI? A GENTE BRINCA. APRENDE”: O FAZER MUSICAL
NA PERCEPÇÃO DE CRIANÇAS PARTICIPANTES DE UM PROJETO DE INCLUSÃO
SOCIOCULTURAL MEDIANTE A MÚSICA EM SANTARÉM, PARÁ
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“O QUE VOCÊS FAZEM AQUI? A GENTE BRINCA. APRENDE”: O FAZER MUSICAL
NA PERCEPÇÃO DE CRIANÇAS PARTICIPANTES DE UM PROJETO DE INCLUSÃO
SOCIOCULTURAL MEDIANTE A MÚSICA EM SANTARÉM, PARÁ
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ARANTES, L. F. Tem gente ali que estuda para a vida! Um estudo de caso so-
bre jovens que musicam no Projeto Social Orquestra Jovem de Uberlândia.
2011. 269 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Programa de Pós-Graduação
em Artes do Instituto de Artes da Universidade Federal de Uberlândia.
Uberlândia, 2011.
BRÉSCIA, V. L. P. Educação musical: bases psicológicas e ação preventiva.
São Paulo: Átomo, 2002.
BROH, B. A. Linking extracurricular programming to academic achieve-
ment: who benefits and why? Sociology of Education, v. 75, p. 69-95, 2002.
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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“O QUE VOCÊS FAZEM AQUI? A GENTE BRINCA. APRENDE”: O FAZER MUSICAL
NA PERCEPÇÃO DE CRIANÇAS PARTICIPANTES DE UM PROJETO DE INCLUSÃO
SOCIOCULTURAL MEDIANTE A MÚSICA EM SANTARÉM, PARÁ
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PARTE II
BRINCAR É PRECISO, NA
ESCOLA
A CRIANÇA FALA: O OLHAR DAS CRIANÇAS SOBRE
AS BRINCADEIRAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL.
INTRODUÇÃO
Apesar das controvérsias que dizem respeito ao início dos estudos sobre o
desenvolvimento humano sabemos que historicamente se trata de uma área
de pesquisa recente. Entre as décadas de 1920 e 1939, a maioria dos estudos
esteve voltada para conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança, com
destaque para os aspectos cognitivos com ênfase na inteligência e nos fatores
maturacionais. Sem muitas alterações nos objetivos das pesquisas dos anos
subsequentes, a partir da década de 1990 foi que surgiram novas perspectivas
nos estudos do desenvolvimento, inclusive ampliando o olhar para além da
infância ao mesmo tempo em que se constituía em uma ciência cujo diálogo
com outras disciplinas passou a se fortalecer. (MOTA, 2005)
Anteriormente ao período em que a ciência do desenvolvimento passou
a figurar no cenário acadêmico, conforme a breve descrição anterior, durante
alguns séculos na história da humanidade, o que existiu em relação à criança e à
infância foi um absoluto descaso, pois não havia separação clara entre crianças
e adultos, assim como não se considerava a infância como um período especial
da vida. (ARIÈS, 1973) Ainda assim, após o reconhecimento da categoria
infantil como uma esfera social distinta, principalmente familiar, outros séculos
precisaram passar para que se constituísse em uma etapa do desenvolvimento a
ser cuidada e protegida. (POSTMAN, 2011)
A partir do reconhecimento da criança como alguém que necessita de
certos cuidados, foi se constituindo a categoria social que deveria determinar
as características para essa etapa da vida a qual se chamou infância. Esta, por
sua vez, desde o seu surgimento, configurou-se como a “idade do não”, pois
durante muitos anos foi (e ainda tem sido) determinada por aquilo que as
crianças ainda não sabem, cerceada por visões de mundo adultocêntricas que
vinham reforçando e mantendo esse lugar para elas. (SARMENTO, 2007) Suas
influências não somente figuram o cenário familiar, mas também no âmbito
escolar e na maneira através da qual as ciências humanas e sociais vinham
realizando pesquisas sobre crianças ao invés de pesquisas com crianças.
A distinção entre essas duas formas de fazer pesquisa se torna mais clara
quando tomamos conhecimento sobre a maneira através da qual a infância
veio sendo investigada pela psicologia. Exemplo disso é o estudo de Santos e
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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A CRIANÇA FALA: O OLHAR DAS CRIANÇAS SOBRE AS BRINCADEIRAS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
A PESQUISA
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A CRIANÇA FALA: O OLHAR DAS CRIANÇAS SOBRE AS BRINCADEIRAS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Brincadeiras Preferidas
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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A CRIANÇA FALA: O OLHAR DAS CRIANÇAS SOBRE AS BRINCADEIRAS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Brinquedos preferidos
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
Parceiros de brincadeira
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A CRIANÇA FALA: O OLHAR DAS CRIANÇAS SOBRE AS BRINCADEIRAS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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A CRIANÇA FALA: O OLHAR DAS CRIANÇAS SOBRE AS BRINCADEIRAS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
também a influência dos pais nessas atividades. Foi notório também o fato de
que para as meninas participantes houve menos flexibilidade nas escolhas por
parceiros do sexo oposto do que a literatura tem relatado. Entre os meninos,
cujas preferências por parceiros exclusivamente do mesmo sexo prevaleceu, o
exemplo de Ronnie e Tito respectivamente, ambos com 5 anos, ilustram com
clareza essa prevalência: “Menina brinca de boneca, menino brinca de carro”
e “Menina brinca com menina. Tem que brincar de boneca e menino tem que
brincar de boneco.”.
Como é possível notar, as falas das crianças da escola pública referentes às
questões de gênero nas brincadeiras foram mais marcantes e claras, denotando
relevância do contexto em suas avaliações sobre o que é tipicamente masculino
e feminino. Conforme Marques e Bichara (2011), desde a infância participamos
de contextos onde homens e mulheres representam papéis sociais distintos,
sendo que as experiências vividas pelas crianças fortalecem as diferenças de
gênero. Quando representadas através de brincadeiras, podem ser consideradas
como adaptações para a vida adulta. Por outro lado, não podemos deixar de
pontuar que, para essas crianças os espaços de convivência fora da sala de aula,
especialmente o parque, foram restritos, podendo ter refletido nas escolhas aqui
apresentadas.
Espaços da brincadeira
73
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
Apesar do uso dos espaços não ter sido a categoria mais enfatizada pelas
crianças, ao longo das entrevistas algumas delas fizeram relação entre as escolhas
das suas brincadeiras e os lugares onde preferiam brincar. Em ambas as escolas,
o dado que mais se destacou em relação à categoria espaços da brincadeira foi o
espaço do parque como referência de lugar para brincar. Ainda que o espaço da
sala de aula tenha sido reconhecido pelas crianças como lugar de brincadeira,
não ganhou destaque em suas falas.
O parque foi o espaço escolhido por três crianças da escola particular e
por sete crianças da escola pública como sendo o melhor lugar para brincar.
Entre as outras crianças, duas de cada escola apontaram a sala de aula como o
lugar preferido e as demais não indicaram preferências. Esses dados corroboram
a afirmação de Silva (2007) que relaciona o parque à hora do recreio, sendo
considerado o espaço mais rico da escola onde as brincadeiras são permitidas
e ocorrem de maneira mais espontânea. Por sua vez, suas escolhas estiveram
novamente relacionadas à oportunidade do uso de determinados brinquedos
ou equipamentos e, não exatamente ao uso dos espaços, conforme apontam
Fernandes e Elali (2008).
Uma das brincadeiras descritas por Anne (5 anos; escola particular), que
disse gostar de brincar no parque, ilustra a afirmação anterior pois nesse
espaço tem uma “casinha” (palavra usada por ela) de plástico onde as crianças
cabem dentro. Nesse brinquedo ela diz brincar de “várias brincadeiras” citando
uma delas que chamou de “McDonald’s” na qual, segundo ela, uma colega
“leva o pedido e eu anoto o pedido no meu caderninho”. Sua fala posterior é
ainda mais categórica e não deixa dúvidas sobre as relações entre o parque e
as preferências das crianças: “[prefiro brincar] no parquinho, porque tem um
monte de brinquedos e na sala tem pouco”.
Por outro lado, ainda que as respostas das crianças da escola particular a
respeito dos espaços preferidos para suas brincadeiras serem representativas
para o grupo das crianças da escola pública, para essas últimas a escolha pelo
parque foi, não somente mais representativa no que diz respeito à quantidade de
crianças, mas também pareceu agregar um valor a mais: acesso aos brinquedos.
Vale destacar que durante a época da coleta a escola pública estava em reforma
e o acesso ao parque foi bastante limitado. Portanto, essas crianças passavam a
manhã toda praticamente dentro da sala de aula, saindo somente para aulas de
música e refeitório, sempre em ambientes fechados.
74
A CRIANÇA FALA: O OLHAR DAS CRIANÇAS SOBRE AS BRINCADEIRAS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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NA EDUCAÇÃO INFANTIL
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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NA EDUCAÇÃO INFANTIL
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O PRIMEIRO ANO E A NECESSIDADE DE UMA
ESCOLA BRINCANTE: REFLEXOS DA ATUALIDADE.
INTRODUÇÃO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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O PRIMEIRO ANO E A NECESSIDADE DE UMA ESCOLA BRINCANTE:
REFLEXOS DA ATUALIDADE
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O PRIMEIRO ANO E A NECESSIDADE DE UMA ESCOLA BRINCANTE:
REFLEXOS DA ATUALIDADE
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
pessoal e social.
Essa escola detalhada pelo autor considera uma visão integral do aluno.
Segundo Calçada-Kohatsu (2017), esse tipo de educação busca convergir
sujeitos, saberes, espaços dentro e fora da escola, articulando saberes, atividades
diversificadas específicas e regionais, considerando o currículo regular
obrigatório.
Diante dessa visão de educação, cabe questionar: se desde o início deste
século já era latente e observável a necessidade de considerar um aluno de forma
integral, sendo ainda uma ideia defendida atualmente, por que muitas práticas
ainda remetem à recepção da criança no primeiro ano meramente como aluno
acumulador de informações? Por que o brincar ainda não é unânime nas aulas
voltadas ao primeiro ano?
Atualmente, na maioria dos lares, os adultos (vale tratar aqui de adultos, pois
em muitos casos só há a figura de um dos pais ou de outrem que os represente)
veem a necessidade de trabalhar fora para que a família possa ser sustentada
economicamente. Outra característica desta época é o aumento populacional
nas cidades. Com isso, as ruas possuem tráfego intenso, o que oferece riscos
à integridade física das crianças, que perderam esse espaço de brincadeira.
Almeida (2016) lembra-se da própria infância, em que as brincadeiras na rua e
na praça eram frequentes. Nesses espaços havia encontros e desencontros que
permitiam a construção de laços entre as pessoas, influenciando a resolução de
conflitos e a afirmação de valores.
Essa possibilidade de realizar brincadeiras na rua hoje também é diminuída
pela violência urbana. (OLIVEIRA, 2000). Bomtempo (2006, p. 47) levanta que
“A cada dia os espaços para crianças estão ficando menores. Os apartamentos
são muito pequenos, a própria família diminuiu bastante, as crianças têm
poucos amigos e poucas oportunidades”. A liberdade das crianças vem sendo
abafada pelo medo do que lhes possa acontecer ao permanecer na rua durante
muito tempo.
Outra situação que diminui a recorrência de brincadeiras no espaço da
rua é a saída dos adultos para trabalhar, matriculando as crianças por maior
tempo nas escolas. Segundo Calçada-Kohatsu (2017), o município de Santos
(local onde realizou sua pesquisa de Mestrado) atendia cerca de 21.000 alunos
do primeiro ao nono ano do ensino fundamental em 2017, dos quais 6.700 em
tempo integral nas três modalidades oferecidas: a) escolas de período integral,
em que todas as crianças permaneciam na mesma unidade de manhã e à tarde;
b) escolas híbridas, onde parte das crianças frequentava a unidade em período
86
O PRIMEIRO ANO E A NECESSIDADE DE UMA ESCOLA BRINCANTE:
REFLEXOS DA ATUALIDADE
87
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
alunos atendidos, que defendem ser esse um espaço de estudar, não de brincar.
(BOMTEMPO, 2006) A autora reforça que esse pensamento decorre do
histórico de vida desses adultos, que geralmente cresceram em um espaço em
que a rua era um lugar mais seguro e onde as crianças encontravam com seus
pares para momentos de integração.
A “negação” do lúdico nas salas de primeiro ano é preocupante, pois é
por meio das brincadeiras que as crianças encontram uma forma de encarar o
luto pertinente à perda relativa dos cuidados maternos, encontrando forças e
desafios para aprender a andar com suas próprias pernas. (OLIVEIRA, 2000)
A escola recebe esses alunos e significa, nesse contexto, um dos lugares mais
férteis à socialização com outros indivíduos da mesma faixa etária e um espaço
privilegiado de brincadeiras e aprendizado, semelhante àquele que os pais
encontravam nas ruas antigamente.
Para que não seja necessária essa negação, basta compreender que a
intenção dos pais é a de que seus filhos aprendam. Diante de seu histórico de
vida, brincar na escola apresenta uma contradição ao processo de alfabetização,
pois não compreendem sua importância como uma forma de humanização da
criança, valioso para a construção de suas concepções futuras ao formar sua
autonomia e sociabilidade. (OLIVEIRA, 2000) Ao professor, que nessa relação
é o indivíduo dotado de saberes pedagógicos, cabe explicar os benefícios que
essa didática brincante pode oferecer aos alunos.
No entanto, Bomtempo (2006) apresenta que os professores não recebem
formação que relacione brincar e aprender, culminando no olhar de adulto
sobre esse ato, com limitações e necessidades de manutenção do currículo. Além
dessa falha na formação, a autora apresenta que os docentes pouco utilizam o
lúdico devido à escola cobrar o ensino acadêmico, ignorando que a criança
possa aprender brincando.
Com isso, muitos docentes não conseguem defender a ideia de que, por
passarem a maior parte do seu tempo na escola, as crianças necessitam de
momentos em que a interação se dê de forma lúdica. Assim, as brincadeiras na
escola possibilitam situações de criação e imaginação, principalmente em jogos
simbólicos. (PIAGET, 2014) Um exemplo muito presente na faixa da educação
infantil e que pode permanecer no ensino fundamental, principalmente entre
crianças de seis anos, é o jogo de faz-de-conta ou o jogo imaginativo:
Nesse tipo de brincadeira a criança progride da necessi-
dade de experimentar alguma coisa para a habilidade de
pensar sobre ela. Quando a criança é muito pequena, está
muito presa ao concreto, mas, na medida em que começa a
internalizar as coisas presentes num objeto ou numa situa-
ção, falará sobre elas sem precisar da presença do objeto
ou do modelo (BOMTEMPO, 2006, p. 45)
88
O PRIMEIRO ANO E A NECESSIDADE DE UMA ESCOLA BRINCANTE:
REFLEXOS DA ATUALIDADE
Nesse tipo de jogo, a noção de mundo da criança vai sendo construída por
meio da abstração de objetos reais, onde ela pode ser a mãe e replicar todas as
características observadas em sua genitora, ou ser o astronauta que conheceu
em um livro ou desenho animado etc.
As interpretações das crianças e o papel docente exercido durante esse
momento dão margem à inferência de que, desde cedo, elas pensam sobre
sua realidade e conseguem externá-la por meio do brincar, importante para
o desenvolvimento infantil ao adaptar a imaginação simbólica aos dados da
realidade, aumentando a capacidade de assimilar regras coletivas. (PIAGET,
2014) Ao ter contato e socializar-se com os demais por meio de jogos, a construção
de regras permite a descentração, onde a criança consegue, gradativamente,
desvincular-se de uma visão egocêntrica por meio de uma conduta baseada em
cooperação e respeito mútuo. (PIAGET, 1994), percebendo as ações do outro,
algo necessário para a construção da autonomia e a vida em sociedade. Os
esquemas necessários para que isso ocorra envolvem a construção de símbolos, o
que vai se refletindo na organização das letras e da escrita. Assim, a brincadeira,
apesar de utilizada para diversão, constitui um potente instrumento para a
aprendizagem, rebatendo a ideia de que brincar é perder tempo.
Quando, ainda assim, a escola opta por uma metodologia que priorize
conteúdos em detrimento do brincar, conferindo ao lúdico o papel de desvio
da atenção necessária para aprender, pode-se deixar de dar a oportunidade
da criança construir, pelo imaginário, situações de interação entre seus pares.
Incorre em grave erro dos educadores optarem pela ideia de que seriedade
significa mau humor quando, pelo contrário, torna-se necessário informar e
formar o professor para o belo, para a riqueza do lúdico no desenvolvimento
infantil.
Por meio da construção simbólica de amigos, famílias, vilarejos, reinos,
cidades, viagens por água, terra e ar, personagens como comerciantes, artesãos,
piratas, soldados, astronautas, heróis e vilões, os quais só podem ser criados no
mundo da fantasia por essa criança, é possível dar-lhe a oportunidade da troca
de ideias com os outros, pois, precisam enfrentar os desafios cognitivos, afetivos
e sociais que aparecem durante esse faz de conta.
A criança vive um universo imaginário que lhe dará oportunidade de
compreender o outro e confrontar-se com o próprio egocentrismo. Por meio do
personagem que representa, ela terá de descentrar-se para dar um sentido nessa
relação espaço, tempo e causalidade do imaginário inventado. O jogo simbólico
requer o respeito mútuo e a cooperação entre seus iguais, e só assim é possível
que a brincadeira ocorra e tenha um significado para o grupo que a inventou.
Piaget (2014) verifica que brincar é importante para o desenvolvimento infantil,
pois favorece a socialização do grupo, bem como o jogo adota regras e adapta
89
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As escolas brincantes não são uma realidade, pois brincar e aprender são
considerados dicotômicos na realidade educacional brasileira. Isso porque pais
e professores encontram um grande conflito: suas vivências enquanto alunos
permitiam as brincadeiras na rua, com colegas diversos, no período do dia em
que não estavam frequentando a escola, o que levou à visão que desconsidera a
necessidade de brincar durante as aulas, pois seria uma perda de tempo fazê-lo.
No entanto, diante da necessidade de saída dos adultos para trabalhar e a
gradativa ampliação de vagas em período integral, as escolas constituem para
muitas crianças, o espaço em que permanecerão pelo maior tempo do seu dia,
não lhes sendo possível gozar das brincadeiras em outros espaços e grupos como
os adultos antes faziam.
Considerando que a brincadeira constitui um importante fator para o
desenvolvimento da inteligência, imaginação e criatividade infantil, cabe aos
professores, por sua formação e preparação para docência, adotar práticas
lúdicas no trato com esses alunos do primeiro ano do ensino fundamental,
que geralmente tem contato com essas práticas na educação infantil recém-
concluída. Contudo, é possível que surjam críticas dos pais quanto a essa prática,
principalmente pelo desconhecimento dos benefícios para o crescimento dos
90
O PRIMEIRO ANO E A NECESSIDADE DE UMA ESCOLA BRINCANTE:
REFLEXOS DA ATUALIDADE
filhos, que precisam ser combatidas por meio de informação. Assim, cabe aos
docentes, que por meio de estudos e reflexões sobre a prática superaram os
conflitos inicialmente detalhados, e detentores de plena convicção daquilo
que pretendem atingir ao brincar com as crianças, construir uma relação de
segurança com as famílias quanto ao trabalho realizado.
Entretanto, apesar de brincarem durante sua infância e saberem como
isso é feito, a prática profissional deve vir alicerçada em pressupostos teóricos.
Do contrário, a proposta de brincadeiras como preenchimento de tempo livre
servirá somente para que a visão de escola como espaço exclusivamente de
transmissão de conteúdos tome força para dirimir quaisquer práticas lúdicas
de seu interior. Ao docente cabe buscar compreender como o lúdico pode ser
o fio que tece a interdisciplinaridade entre os saberes, rompendo o paradigma
histórico de escola como espaço rígido, cujos alunos devem permanecer em seus
lugares recebendo e processando informações, ou mesmo aquele que crianças
livres são aquelas que selecionam o próprio conhecimento, pois ainda não
possuem autonomia para tal.
A pesquisa bibliográfica oferece subsídios para essa reflexão, pois apresenta
realidades diversas e em diferentes contextos, possibilitando refletir e observar
que permanecer em uma prática tradicional e mais escolarizada vai de encontro
ao que as crianças encontram nos momentos em que estão em suas residências:
a internet apresenta cada vez mais informações que precisam ser discutidas em
sala de aula, ao invés de serem trabalhadas como um conteúdo desconhecido.
O professor necessita planejar suas aulas tendo conhecimento das crianças e dos
conteúdos teóricos em busca de atender às reais necessidades dos alunos. Uma
forma efetiva é utilizar do lúdico já tão citado por diversos pesquisadores, bem
como os jogos simbólicos e de regras, a oralidade, os contos de fadas e literatura
de um modo geral, além das brincadeiras com o próprio corpo, com música e
dança.
Professores e pesquisadores são convidados para a observação da
possibilidade de novas práticas docentes inovadas e transformadoras, que
incluem o lúdico como forma de trabalho interdisciplinar dos saberes nos anos
iniciais do ensino fundamental.
REFERÊNCIAS
91
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
92
O PRIMEIRO ANO E A NECESSIDADE DE UMA ESCOLA BRINCANTE:
REFLEXOS DA ATUALIDADE
93
PARTE III
A CRIANÇA
CONTEMPORÂNEA E SUAS
EXPRESSÕES NA RUA
PARQUINHOS PÚBLICOS: LUGARES DE CRIANÇAS?
INTRODUÇÃO
97
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
98
PARQUINHOS PÚBLICOS: LUGARES DE CRIANÇAS?
99
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
por vapor, rodeadas por sujeira, poluição, sem abastecimento de água, sistema
de esgoto e espaços abertos. Não se construíam praças públicas, parques ou
mesmo igrejas. (BORGES, 2008)
Essa situação de precariedade habitacional, bem como o estresse e a fadiga
causados pelo excesso de trabalho e a falta de respeito à dignidade humana nessa
sociedade urbano- industrial, acabou gerando uma série de movimentos em
defesa dos direitos da população e higiene do corpo e da mente do trabalhador.
(BORGES, 2008) Um destes movimentos se refere à necessidade de construção
de equipamentos públicos destinados ao lazer. Esses equipamentos urbanos
começaram a surgir no final do século XIX, primeiramente na Alemanha,
espalhando-se pela Europa e posteriormente pelas Américas. Tal ideia coincide
com o surgimento da pedagogia e da psicologia moderna franco-germânica
que valoriza o lúdico para o desenvolvimento das emoções das crianças.
(NIEMEYER, 2002)
Na Alemanha ocorreu uma prática pioneira dos chamados jogos motores no
colégio alemão Brunnschwick, com os professores Konrad e Corvinus, dando
base para o surgimento das comunidades infantis (Kindergarten alemães), que
são os percussores do jardim de infância. A partir desta iniciativa, o juiz alemão
Emil Hartwigt (1843-1886) faz uma proposta de criação de um programa de
recreação infantil que resultou na construção de diversos parques infantis em
escolas e áreas livres da Alemanha e depois por toda a Europa. (NIEMEYER,
2002)
Assim, os primeiros parquinhos ou playgrounds foram criados na Europa e
Estados Unidos nos espaços abertos. O movimento americano de construção
de Parques infantis se iniciou nos jardins escolares no final do século XIX e
posteriormente foram autorizados a ser implantados nos parques públicos
urbanos, como uma proposta de organização do lazer infantil e a retirada das
crianças do meio das ruas. (NIEMEYER, 2002)
Verificava-se que as crianças eram a parcela da população mais prejudicada
com as transformações das zonas urbanas. As ruas, antes cenários de brincadeiras,
passaram a ser vistas como ameaçadoras e proliferadoras de maus-hábitos e
criminalidade, influenciando negativamente os infantes.
No início do século XX o movimento de implantação dos playgrounds,
juntamente com o da implantação de parques deu início em 1900 ao movimento
Reform Park e em 1906 fundou-se a “Playground and Recreation Association of
America”, gerando uma mudança significativa nos Parques Públicos Urbanos.
(NIEMEYER, 2002) No seguimento do movimento Reform Park começou a
existir a necessidade dos playgrounds e qualquer área de lazer estar mais próxima
à população em diversas áreas nos centros das cidades, nas vizinhanças e não
nos arredores das cidades, com a finalidade de serem utilizadas diariamente pela
100
PARQUINHOS PÚBLICOS: LUGARES DE CRIANÇAS?
101
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
102
PARQUINHOS PÚBLICOS: LUGARES DE CRIANÇAS?
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PARQUINHOS PÚBLICOS: LUGARES DE CRIANÇAS?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
REFERÊNCIAS
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PARQUINHOS PÚBLICOS: LUGARES DE CRIANÇAS?
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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PARQUINHOS PÚBLICOS: LUGARES DE CRIANÇAS?
111
“EU NÃO PEDI PRA NASCER”: ANÁLISE DAS
PRODUÇÕES CULTURAIS DE CRIANÇAS EM
SITUAÇÃO DE RUA.
INTRODUÇÃO
113
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
114
“EU NÃO PEDI PRA NASCER”: ANÁLISE DAS PRODUÇÕES CULTURAIS DE
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA
115
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
(2006), a partir dos sentidos individuais que são dados às músicas, estas se
tornam uma forma de exteriorização de subjetividades. Assim, as músicas são
vinculadas a experiências passadas, presentes e ao devir, sendo que, quando
relacionadas a sentimentos e emoções dão o significado individual para as
músicas. (WAZLAWICK; CAMARGO; MAHEIRIE, 2007) Nessa inter-relação,
a música, despertando a afetividade, vai influenciar em como o sujeito significa
sua realidade. (WAZLAWICK, 2006) Portanto, conhecer as preferências e
interpretações musicais de crianças em situação de rua é uma forma de conhecer
não apenas os sentidos individuais, como também, seus modos de vida.
MÉTODO
Contexto de Investigação
PARTICIPANTES
Durante toda a pesquisa foram contatadas 55 crianças com idades entre oito
e 16 anos, 40 do sexo feminino e 15 do sexo masculino. Cada criança, porém,
participou das diversas etapas da investigação de forma diferenciada, já que
algumas ficaram na instituição apenas um dia enquanto outras permaneceram
durante toda a realização da pesquisa. Outro ponto a ser ressaltado é que as
experiências de cada criança com a rua eram bem diferenciadas, apesar de
todos os participantes terem estado em situação de rua, seja antes ou durante
a investigação. No que diz respeito ao grupo focal, participaram sete crianças,
sendo dois meninos e cinco meninas, com idades entre nove e 12 anos. Os
nomes das crianças serão mantidos em sigilo, sendo que os pseudônimos
utilizados foram escolhidos pelas próprias crianças no começo da investigação.
116
“EU NÃO PEDI PRA NASCER”: ANÁLISE DAS PRODUÇÕES CULTURAIS DE
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA
INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
118
“EU NÃO PEDI PRA NASCER”: ANÁLISE DAS PRODUÇÕES CULTURAIS DE
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA
– Eu juro mãe.
119
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
em dobro / Pra amarrar minha mãe na cama, por querosene e meter fogo”.
Percebemos uma comparação entre os outros (aqueles que vivem em condições
tidas como ideais) e as vivências das crianças em situação de rua.
No trecho ápice da música, a criança relata um dia em que decide fugir do
controle da mãe e viver um dia de criança, mesmo tendo que se submeter aos
castigos físicos que a mãe lhe inflige. Como resultado, a criança é espancada e
opta por encerrar o seu sofrimento não através de uma agressão contra a mãe,
o que de acordo com a narrativa da música seria se igualar a ela, mas através do
suicídio.
Essa música pode ser utilizada como emblema das condições de vida das
crianças em situação de rua, principalmente pela explicitação das contradições
entre a infância socialmente esperada e que se preconiza que seja vivida por todas
as crianças, e a infância efetivamente vivenciada por um grande contingente de
crianças pelo mundo. Na música, reforça-se a ideia de que todas as crianças
mereceriam viver a infância que se caracteriza por um período de proteção, de
brincadeiras, de carinho. Contudo, é necessário reafirmar a ideia defendida
por Marchi (2007) de que tal infância jamais foi pensada para todas as crianças,
sendo as crianças em situação de rua destinadas a permanecer no lugar da
não-criança, daquela que, por não aceder a nenhuma dessas experiências da
sonhada infância, se constitui enquanto uma aberração social.
Após essas considerações sobre a música, cabe descrever a atividade
realizada e a análise feita pelas crianças. No início do grupo focal foi feita a
leitura do nome de todas as faixas do CD Direto do Campo de Extermínio
(FACÇÃO CENTRAL, 2003) do grupo de Rap de São Paulo. Foi solicitado
que as crianças optassem por aquelas que gostariam de ouvir e depois debater,
sendo escolhidas por elas três músicas. A primeira música escolhida foi “Eu não
pedi pra nascer” (FACÇÃO CENTRAL, 2003), como era previsível em função
da sua popularidade.
Na filmagem da atividade foi possível, mais uma vez, verificar o efeito
progressivo que a música foi tendo sobre as crianças. No início da música,
algumas ainda estavam inquietas, brincando umas com as outras, conversando
sem prestar muita atenção. Mas à medida que a música foi sendo escutada, as
crianças foram se envolvendo com a letra e acabaram todas por cantá-la com
entusiasmo. As crianças, antes mesmo de a música acabar, pediram para ouvir
novamente. No entanto, foi proposto que a discussão ocorresse antes da música
ser reproduzida outra vez.
Durante a audição da música, a participante Eliana fala: “Desgraçada
essa! Essa mãe aí, eu matava ela”. Após a audição, perguntou-se a opinião das
crianças e todas começaram a falar simultaneamente, sendo que elas afirmaram
não gostar da música, no que se refere à história retratada. Alguns comentários
120
“EU NÃO PEDI PRA NASCER”: ANÁLISE DAS PRODUÇÕES CULTURAIS DE
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA
iniciais foram:
Eu não gosto dessa música porque no começo ela fala seu
desgraçado, você não trouxe dinheiro pra casa e começa a
bater nele. (Renato)
121
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
como diz a música mesmo, pra fumar droga, pra beber, aí é errado”.
O importante nas falas de Eliana não é verificarmos se ela de fato conhece
ou não crianças que vivenciaram abusos, mas a forma como ela valora o
comportamento de pedir em sinal por imposição materna. De acordo com
ela, se a mãe faz isso em função de necessidade de sobrevivência, então se
trata de um comportamento absolutamente aceitável, ou nas palavras de José,
“certamente certo”. No entanto, se a mãe exige que os filhos mendiguem no
sinal para satisfazer os próprios vícios, então se trata de um comportamento
censurável.
A discussão se dirigiu então ao tema da sobrevivência na rua, em que
as crianças relataram as suas estratégias para sobreviver nesse ambiente, que
em muitos sentidos pode ser extremamente hostil. É possível notar que cada
criança percebe as estratégias de sobrevivência (pedir/esmolar, furtar, roubar,
ser prostituída) de forma bastante diferenciada, sendo que uma coisa é comum
para todas elas: é necessário sobreviver! E para isso cada um lança mão das
estratégias que possuem. Como afirma Eliana: “Quando a gente tá na rua a
gente procura um jeito de se virar. A gente vai passar fome? Não vai!”.
Ao final da discussão, voltamos a ouvir a música e é importante referir
que os comentários feitos nesse momento diferiram do primeiro discurso mais
pacifista de algumas crianças, que dessa vez exprimiram sua revolta contra a
personagem materna da música:
Óie essa mãe? Me chame de excomungada, o que quiser,
mas eu mato uma mãe dessa. (Eliana)
122
“EU NÃO PEDI PRA NASCER”: ANÁLISE DAS PRODUÇÕES CULTURAIS DE
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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“EU NÃO PEDI PRA NASCER”: ANÁLISE DAS PRODUÇÕES CULTURAIS DE
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
126
“EU NÃO PEDI PRA NASCER”: ANÁLISE DAS PRODUÇÕES CULTURAIS DE
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA
p. 1-15, 2001.
WAZLAWICK, P. Significados e sentidos construídos nas histórias de
relação com a música. Anais IV Fórum de Pesquisa Científica em Arte,
(20 a 26 de outubro de 2006). Curitiba, PR, Brasil. 2006.
WAZLAWICK, P.; CAMARGO, D. de; MAHEIRIE, K. Significados
e sentidos da música: uma breve “composição” a partir da psicolo-
gia histórico-cultural. Psicologia em Estudo, Maringá, v.12, p. 105-113,
2007.
127
PARTE IV
REFLEXÕES SOBRE
O BRINCAR NA
CONTEMPORANEIDADE
O BRINCAR LIVRE, A SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA E O FUTURO.
INTRODUÇÃO
131
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
132
O BRINCAR LIVRE, A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E O FUTURO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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O BRINCAR LIVRE, A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E O FUTURO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O BRINCAR LIVRE, A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E O FUTURO
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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O BRINCAR LIVRE, A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E O FUTURO
REFERÊNCIAS
139
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
140
O BRINCAR NA INFÂNCIA COMO CAMINHO PARA
A APRENDIZAGEM, A EXPRESSÃO EMOCIONAL E A
CONVIVÊNCIA SOCIAL.
INTRODUÇÃO
141
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
O SIGNIFICADO DO BRINCAR
142
O BRINCAR NA INFÂNCIA COMO CAMINHO PARA A APRENDIZAGEM, A EXPRESSÃO
EMOCIONAL E A CONVIVÊNCIA SOCIAL
ocorre por meio das interações, o jogo lúdico e o jogo de papéis, como, por
exemplo, brincar de mamãe e filhinha ou brincar de escolinha permitem que
haja uma atuação na zona de desenvolvimento proximal do indivíduo, uma vez
que são criadas condições para que determinados conhecimentos e/ou valores
sejam consolidados pela criança. Isso ocorre porque ela consegue imaginar
situações, representar papéis, seguir regras de conduta de sua cultura, entre
outras ações.
A brincadeira de faz de conta de Vygotsky (1989; 2010) corresponde ao
jogo simbólico de Piaget, conforme citado anteriormente, em que a criança se
relaciona com o significado que atribui a um objeto ou a uma situação e não com
o objeto real. Por exemplo, ao usar um tijolo como se fosse um carrinho. Além
disso, as brincadeiras, mesmo imaginárias, são regidas por regras. Dessa forma,
nas situações do brincar de escolinha, tem que haver a figura da professora e dos
alunos que a criança representa por meio de objetos concretos fazendo o papel
desses personagens. Assim, quer seja pela criação de uma situação imaginária
ou pela definição de regras específicas, o brincar acaba tornando-se uma zona
de desenvolvimento proximal, uma vez que a criança acaba se comportando de
maneira mais adiantada do que se comporta nas atividades diárias da vida real e
acaba aprendendo a separar objeto e significado. Por outro lado, ao brincar com
seus pares, desenvolve melhor sua linguagem e amplia suas relações interpessoais
e sociais. (VYGOTSKY, 1989; 2010)
As brincadeiras possibilitam que a criança se projete no mundo dos
adultos e ensaie atividades, comportamentos que ainda não fazem parte de seu
repertório, mas que ela acaba internalizando, a partir do real e, dessa forma
promova o desenvolvimento cognitivo.
De acordo com Winnicott (1978) a brincadeira constitui uma parte muito
importante da vida da criança, pois esta adquire experiência por meio do lúdico.
Se para o adulto suas experiências de vida, internas e externas, contribuem para
seu desenvolvimento psicológico, para sua formação ética e moral, a evolução da
criança ocorre por intermédio das brincadeiras realizadas só ou compartilhadas
com seus pares ou com adultos. Ainda, a partir de Winnicott (1978), a criança
brinca por prazer, para exprimir agressividade, para dominar as angústias, para
aumentar suas experiências e estabelecer contatos sociais. Portanto, para o
autor, as relações sociais também são favorecidas por meio das brincadeiras.
Pode-se afirmar que, por meio do brincar, a criança combina espontaneidade
e criatividade, aprende a aceitar as regras sociais e morais, bem como a conciliar
a afirmação de si mesma à criação de vínculos afetivos mais sólidos e duradouros.
Ela se humaniza, aprendendo a aceitar o outro, respeitar e conviver com as
diferenças individuais, desenvolvendo a empatia, aprendendo a colaborar.
Outrossim, aprende a competir sem diminuir o outro, perceber que, numa
143
A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
brincadeira, num jogo, nem sempre se vence, mas sempre aprimorando nosso
aprendizado. Sendo assim, é incontestável e fundamental o papel do brincar na
educação da criança. A vivência que a brincadeira provoca dá a ela a chance de
exteriorizar seus sentimentos, exercitar sua iniciativa, assumir a responsabilidade
por seus atos. Por meio da brincadeira, a criança aprende a viver, trabalha sua
autoestima, adquire maior autoconfiança.
Para alguns autores, entre eles Friedman (1996), os jogos tradicionais (correr,
pular, entre outros) possibilitam que a criança se enriqueça culturalmente,
desenvolva ou melhore suas habilidades motoras, assim como a área cognitiva
(memória, percepção, raciocínio, atenção), contribuindo, dessa forma para o
desenvolvimento de sua aprendizagem.
O jogo tradicional faz parte do patrimônio lúdico-cultural
infantil e traduzem valores, costumes, formas de pensa-
mentos e ensinamento. Seu valor é inestimável e constitui
para cada indivíduo cada grupo, cada geração, parte fun-
damental da sua história de vida. (FRIEDMANN, 1996,
p. 43)
Por fazer parte das brincadeiras lúdicas, o jogo tradicional, portanto, deve
ser valorizado, visto que, por meio dele, são transmitidos valores e ensinamentos
que fazem parte da vida do adulto e que vem sendo passado de geração a geração.
Se pararmos para observar e analisar o jogo, nota-se o desenvolvimento
nas áreas físico-motoras, cognitivas, afetivas e sociais. Dessa forma, constata-se
que, por meio dos jogos e brincadeiras, a criança constrói sua aprendizagem,
descobre o mundo, assimilando novos conhecimentos. A partir das brincadeiras,
observa-se que sua imaginação se intensifica e representa o mundo social que a
cerca, bem como as formas de comportamento que lhes são referentes. (LIRA;
RUBIO, 2014)
Bastos (2014), referindo-se à teoria walloniana, afirma que Wallon preconiza
que a criança inicia sua comunicação com o mundo por meio das emoções,
sendo que um dos estágios foi por ele denominado impulsivo-emocional, por
meio do qual a criança expressa seus desejos, suas necessidades, tanto físicas
como afetivas. Sendo assim a expressão da emotividade representa papel
importante nas relações sociais e a criança, por meio das brincadeiras deixa
transparecer, espontaneamente, o que sente.
Temos observado que, muito embora as crianças contemporâneas tenham
mais acesso à tecnologia, computadores e celulares, estes últimos com mais
frequência e facilidade, as características básicas e essenciais das brincadeiras,
não desapareceram. É só verificarmos a linguagem simbólica da criança ao
cuidar do Pooh, que representa uma criatura que necessita ser alimentada,
banhada, acariciada, como se fosse um filho. Na realidade, esse ser estaria
substituindo a figura da boneca, objeto preferido pelas meninas dos séculos
144
O BRINCAR NA INFÂNCIA COMO CAMINHO PARA A APRENDIZAGEM, A EXPRESSÃO
EMOCIONAL E A CONVIVÊNCIA SOCIAL
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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O BRINCAR NA INFÂNCIA COMO CAMINHO PARA A APRENDIZAGEM, A EXPRESSÃO
EMOCIONAL E A CONVIVÊNCIA SOCIAL
nexo e significado.
O brincar é considerado uma das principais expressões do comportamento
infantil. Por intermédio de jogos e brincadeiras, a criança interage com o seu
ambiente material e emocional, compõe conhecimento, adota e gera cultura
e também estabelece e certifica sua maneira própria de ser e estar no mundo.
Sendo importante, o brincar é tido como base central do trabalho pedagógico
na educação infantil, pronunciando várias linguagens e experiências curriculares
nessa primeira etapa da Educação. (BARBOSA; MARTINS; MELO, 2017)
A maneira lúdica de aprender na educação infantil é de
extrema importância, pois leva o aluno a sensações e emo-
ções fundamentais para o seu desenvolvimento. Afinal,
brincando a criança forma sua personalidade e aprende
a lidar com o mundo. Assim, pelo fato da brincadeira es-
tar intrinsecamente ligada ao desenvolvimento infantil,
também deve estar inserida no contexto escolar com o
objetivo de auxiliar o processo de aprendizagem. (LIRA;
RUBIO, 2014, p.1)
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
A criança brinca desde muito cedo. No primeiro ano de vida, ela brinca
de esconde-esconde: com o lençol, ela cobre o seu rosto e imediatamente o
descobre. Ela brinca de explorar o seu corpo e tudo que o rodeia. Ela brinca
com o seio da mãe, lambe, explora com as pontas dos dedos, aperta e cheira.
Segundo Freud (1912-1974), nesse período a criança tem mais prazer na zona
oral. Ela começa a descobrir o mundo através da boca. Ele preconiza que a
criança durante a seu desenvolvimento psicossexual tem o prazer localizado na
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O BRINCAR NA INFÂNCIA COMO CAMINHO PARA A APRENDIZAGEM, A EXPRESSÃO
EMOCIONAL E A CONVIVÊNCIA SOCIAL
zona oral (0 a 1 ano), anal (1 a 3 anos), fálica (3 a 5 anos), latência (dos 5 aos 10
anos) e genitalidade.
Ao brincar, a criança desenvolve as suas potencialidades, se relaciona com o
outro, com o mundo e tem a oportunidade de aprimorar seu desenvolvimento
físico, cognitivo, emocional e psicossocial. Durante o brincar, ela projeta os seus
desejos, sonhos, no outro e nos objetos. Por exemplo, quando brinca de mamãe
e apresenta as suas experiências e fantasias de amor e ódio no que diz respeito
à maternagem. Para Aberastury (2007), a criança adquire diversos modos de
elaborar a angústia de perda. Através de seus brinquedos intui, sente e elabora
que as pessoas ou os objetos tanto podem aparecer como desaparecer. Expressa
isso em seu mundo lúdico. É capaz de passar muito tempo reconhecendo os
objetos, afastando-os e aproximando-os de si. O brincar representa não só
satisfação, mas a elaboração de situações que provocaram sofrimento e traumas.
A utilização de brinquedos tem a ver com a sua maturidade emocional. É
significativo o brincar só e em grupo. Ao brincar em grupo a criança utiliza a
sua tolerância à frustração, precisa dividir o espaço, o brinquedo etc. Por meio
do brincar a criança pode trocar de objeto ou repetir a situação quantas vezes
quiser, o que na vida real ela não consegue.
Melanie Klein (1932), foi a primeira psicanalista infantil, antes dela oferecia-
se à criança um atendimento praticamente educativo. Por meio de sua teoria
podemos compreender o que ocorre quando a criança começa a estruturar a sua
relação com o mundo. Essa fase é marcada por muita ansiedade e ao brincar a
criança elabora o seu sofrimento.
Na análise infantil, a criança projeta seus conflitos, o que possibilita
reconstruir suas vivências passadas, no agora da sessão, por meio da transferência
ao analista que interpretando promove alivio as suas angustias e sintomas. O
brincar na criança corresponde ao discurso no adulto que já está equipado com
o vocabulário.
Com aproximadamente 5 anos e até os 10 anos, as crianças, meninos e
meninas, entram no período de latência e passam a se reunir meninos com
meninos e meninas com meninas, pois eles precisam se conhecer e conversar
sobre a curiosidade, sobre o sexo, sobre a vida, sobre o início do conhecimento
intelectual e artístico, nesta etapa utiliza intensamente o mecanismo de
sublimação. Pouco a pouco, vão substituindo o mundo dos brinquedos da
infância, por aqueles que de certa forma respondem questões que tem acerca
do mundo e da vida. Também atualmente, pelos jogos eletrônicos mais
sofisticados. Na puberdade, quando os dois grupos se unem, tem início em
diferentes aspectos as experiências amorosas, platônicas ou não. Na adolescência
os interesses são outros, eles não somente se despedem dos brinquedos e jogos
infantis e de seu mundo lúdico, como também se desprendem para sempre de
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo que foi explanado, podemos afirmar que o brincar faz parte do
desenvolvimento do ser humano, não importa a cultura, a época histórica
ou a etnia. Quer seja por meio das brincadeiras e jogos tradicionais ou pelo
uso atual da tecnologia, a criança enriquece seu aprendizado, adquire maior
conhecimento, entra em contato com suas emoções e aprende a identificá-las
nos outros ao seu redor. Aprende, igualmente, a controlá-las, contribuindo para
seu desenvolvimento socioemocional. Outrossim, melhora sua socialização
pois, precisa reconhecer seus limites, direitos e deveres bem como respeitar os
de seus pares e os dos adultos.
Além do destacado, constata-se que o brincar cria condições de um contato
mais humanizado à criança hospitalizada, além da possibilidade de continuar
aprendendo, tanto cognitiva como emocionalmente, por meio da brinquedoteca
que em geral existe nos hospitais, e por manter contato com outras crianças, o
que lhe permite continuar aprimorando suas relações sociais.
Não há dúvidas de que a criança contemporânea necessita despender
algumas horas de seu dia para brincar, da mesma forma que a criança do
passado. Contudo, nem sempre tem a oportunidade de fazê-lo, num espaço
mais amplo ou porque reside em apartamento (e é o que acontece com a
maioria) o qual, por mais espaçoso que seja (muitos ocupam um andar inteiro
do prédio), não tem uma área livre apenas para as brincadeiras tradicionais. Essa
prática de brincar nas ruas ainda é possível encontrar em alguns bairros mais
afastados das zonas centrais ou ditas nobres. Por outro lado, muitos pais têm
receio de permitir que seus filhos brinquem na rua do bairro, até por questão de
segurança. Infelizmente, tal fato é lamentável, embora bastante comum.
Seria importante que os grandes centros urbanos pudessem ter locais abertos,
porém dotados de segurança para que as crianças tivessem oportunidade de
brincar de modo mais livre, autônoma, utilizando mais o corpo, o movimento e,
ao mesmo tempo, exercitando sua mente, imaginação enfim, todo seu potencial
criativo, além de contribuir para o enriquecimento das relações sociais.
Para finalizar, concordamos com Borba (2005, p.33) ao afirmar que: “A
experiência do brincar cruza diferentes tempos e lugares, passados, presentes e
futuros, sendo marcada ao mesmo tempo pela continuidade e pela mudança”.
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EMOCIONAL E A CONVIVÊNCIA SOCIAL
REFERÊNCIAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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SEGREGAÇÃO DE GÊNERO NAS BRINCADEIRAS
DE CRIANÇAS EM SITES E/OU APLICATIVOS: DA
MANUNTENÇÃO A TRANGRESSÃO DE FRONTEIRAS.
INTRODUÇÃO
GÊNERO NA INFÂNCIA
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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SEGREGAÇÃO DE GÊNERO NAS BRINCADEIRAS DE CRIANÇAS EM SITES E/OU APLICATIVOS:
DA MANUNTENÇÃO A TRANGRESSÃO DE FRONTEIRAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
Fiaes et al. (2010) e Souza, Carlos e Pinto (2015) ao se debruçarem acerca das
brincadeiras em parques públicos na cidade de Salvador (BA), constataram que as
diferenças entre meninos e meninas aparecem, mas não são tão presentes como
no contexto escolar. Além disso, as duas pesquisas destacaram o predomínio de
brincadeiras de esforço físico (pular, subir e escorregar), certamente por conta
dos aparelhos presentes nos parques, e por conta do contexto que promoveu
uma certa proximidade entre meninos e meninas, prevalecendo o interesse em
brincar com outras crianças, independente do sexo.
Bahia (2016) e Gomes (2009) realizaram estudos com crianças acometidas
por algum tipo de enfermidade na cidade de Salvador (BA). A pesquisa de
Bahia (2016) foi realizada em um hospital especializado em doenças cardíacas
e renais e a de Gomes (2009) em uma casa de apoio a crianças com câncer.
As autoras constataram que a particularidade dos contextos aproximou as
crianças, independente do sexo e da idade, favorecendo a formação de parcerias
em grupos mistos e heterogêneos com muita naturalidade. Meninos e meninas
aproximaram-se uns dos outros propondo brincadeiras ou se inserindo em
alguma brincadeira em andamento, evidenciando o interesse muito maior pelo
ato de brincar em si do que a identificação do gênero como primeiro critério
para a inicialização das brincadeiras.
Já Becker (2013), em seu estudo sobre as atividades lúdicas realizadas por
crianças na internet, constatou que o número de meninas que acessaram jogos
considerados masculinos foi consideravelmente maior em comparação aos de
meninos que acessaram jogos e conteúdos considerados femininos. Contudo,
a segregação pôde ser claramente percebida no discurso das crianças, inclusive
entre as meninas que acessaram os jogos de meninos. Portanto, nesse estudo
em específico, as crianças não só demonstram preferências por parcerias e
conteúdos correspondentes ao seu gênero, como evitam aproximação de
parceiras ou conteúdos relacionados ao sexo oposto.
No entanto, Becker (2017) ao dar continuidade nas suas pesquisas, mas desta
vez enfatizando a apropriação criativa das crianças no que se refere ao uso das
tecnologias digitais, constatou que as crianças parecem dar uma ênfase maior
a importância de manter a interação entre seus pares, utilizando as tecnologias
digitais como estratégias para estabelecer essa relação de proximidade mesmo
estando em ambientes distintos. As questões de gênero não apareceram neste
estudo, o que sugere ter sido uma temática irrelevante para essas crianças.
Conforme Aydt e Corsaro (2003) os grupos, segregados ou não, produzem
culturas distintas. Assim, grupos de meninos e meninas podem construir suas
próprias culturas diferenciando-se cada vez mais uns dos outros. A respeito
dessas especificidades culturais existentes nos mais diversos contextos, as
plataformas digitais têm se mostrado representativas devido ao frequente acesso
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SEGREGAÇÃO DE GÊNERO NAS BRINCADEIRAS DE CRIANÇAS EM SITES E/OU APLICATIVOS:
DA MANUNTENÇÃO A TRANGRESSÃO DE FRONTEIRAS
A PESQUISA
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
intensa relação entre narração e imagens existentes tanto nas redes sociais como
nos jogos, vislumbrou-se desenvolver com as crianças uma espécie de narrativa
imagética, pois os jogos digitais são atividades lúdicas criadas a partir de
mecanismos audiovisuais e em sua maioria são baseados em histórias (ALVES
et al., 2013), o que permite uma mediação simbólica associada às práticas sociais
e culturais das crianças.
Com o uso do tablet, a entrevista tornou-se mais dinâmica e interativa, já
que os participantes ao manuseá-lo puderam realizar pesquisas online, e assim,
mostraram aos pesquisadores quais os seus jogos preferidos, como acessá-los
e como utilizá-los. As entrevistas foram gravadas em um gravador de aparelho
celular e foram posteriormente transcritas.
Vale salientar que foram tomadas todas as precauções no que diz respeito
aos direitos da criança e cuidados éticos com esse tipo de pesquisa. Ou seja, no
momento anterior à realização das entrevistas, o termo de consentimento foi
apresentado aos pais, os quais receberam todas as informações a respeito dos
objetivos e procedimentos da pesquisa. Da mesma forma ocorreu com as crianças.
Antes da entrevista, foi explicado o que significa o termo de assentimento, sendo
também informadas sobre o propósito da pesquisa. Como nem os pais e nem
as crianças tiveram dúvidas acerca dos termos, após a explicação, as entrevistas
foram realizadas.
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SEGREGAÇÃO DE GÊNERO NAS BRINCADEIRAS DE CRIANÇAS EM SITES E/OU APLICATIVOS:
DA MANUNTENÇÃO A TRANGRESSÃO DE FRONTEIRAS
considerada pelas crianças como sendo sem tipificação. Nos jogos citados pelas
meninas, das 11 categorias citadas por elas, 6 jogos foram classificados como
femininos (cuidado, maquiagem, salão, moda, vestir, quebra-cabeça), 4 jogos
como masculinos (aventura, construção, futebol e corrida) e uma categoria
considerada sem tipificação. Vale o registro de que os jogos de quebra-cabeça
foram denominados como jogos de meninas apenas por se tratarem de temas
femininos nas gravuras disponíveis.
Assim, os jogos relatados como preferidos por meninos e meninas, indicam
que suas escolhas apresentam características tipificadas, atualizando os estudos
de Bichara e Carvalho (2008) e Becker (2013). Apesar da tipificação evidente
nessas escolhas das crianças, é possível destacar alguns pontos de superação da
tipificação em alguns jogos citados pelos participantes. Um desses exemplos
é relativo aos jogos de cozinhar citados pelos meninos e que não apresentam,
nos sites onde estão, características tipificadas como enfeites e cores (rosa, por
exemplo). A esse respeito é interessante notar que nos sites e jogos femininos a
cor rosa predomina, cor essa que não aparece nos jogos neutros ou masculinos,
certamente pela suposição de que a cor rosa é feminina e não costuma ser bem
vista por meninos, pois também por razões culturais, os tons de rosa retratam
algum tipo de ameaça à masculinidade. (KROPENISCKI; PERURENA, 2017)
Sobre o uso do rosa, observou-se que em um dos jogos de cuidado citado pelas
meninas, por exemplo, um animal virtual chamado Tom, que requer vários
cuidados como dar comida, dar banho etc., apresenta em todos cômodos da sua
casa elementos de decoração e tipos de penteados que remetem ao feminino.
Ao acessar os sites e aplicativos citados pelas crianças constatou-se que eles
possuem anúncios de jogos e novos lançamentos, sempre enfatizando o fator
gênero. Esses anúncios reforçam a visão de que a publicidade está inserida em
uma cultura, de maneira que se observa uma certa distância sobre o que está
acontecendo na sociedade, para a partir daí, elaborar suas ideias. (SABAT,
2003). Dessa forma, buscam seguir tendências de padrões culturais e ditames do
mercado mundial, portanto, modificações acontecem, mas de modo gradativo.
(KROPENISCKI; PERURENA, 2017) Assim, as escolhas de jogos de alguns
meninos e meninas retratam exatamente o que a cultura mostra na atualidade,
ou seja, o reflexo das poucas mudanças envolvendo os papéis de gênero na
sociedade e o que está na moda em termos de acessos as redes digitais.
Em seguida questionou-se às crianças sobre as possibilidades de brincar e
jogar juntos nos sites e aplicativos. Das 12 crianças entrevistadas, 9 apresentaram
discurso contrário à segregação por gênero para brincar. Dessas crianças, 6 estão
na faixa etária compreendida entre 8 a 11 anos e as três restantes com 7 anos, sendo
4 do gênero masculino e 5 do gênero feminino. Para a análise dessas respostas
reproduzimos aqui algumas falas das crianças que nos parecem emblemáticas
de como as crianças representam essas questões. Quando perguntamos se seria
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SEGREGAÇÃO DE GÊNERO NAS BRINCADEIRAS DE CRIANÇAS EM SITES E/OU APLICATIVOS:
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Larissa: Sim!
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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SEGREGAÇÃO DE GÊNERO NAS BRINCADEIRAS DE CRIANÇAS EM SITES E/OU APLICATIVOS:
DA MANUNTENÇÃO A TRANGRESSÃO DE FRONTEIRAS
acerca das questões de gênero, como também, recriam suas concepções. Tais
constatações corroboram os estudos de Corsaro (2011) e Sarmento (2002,
2003) ao afirmarem que as crianças se apropriam das informações vindas do
adulto para criarem culturas específicas. Essas constatações são evidenciadas
ao se perceber que durante as entrevistas, algumas crianças, ao mesmo tempo
em que aceitam as normas, também contestam, criticam e transcendem ideias
e práticas generificadas.
REFERÊNCIAS
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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ORGANIZADORAS
Edda Bomtempo
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
AUTORES
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DA MANUNTENÇÃO A TRANGRESSÃO DE FRONTEIRAS
Hélio Alves
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SEGREGAÇÃO DE GÊNERO NAS BRINCADEIRAS DE CRIANÇAS EM SITES E/OU APLICATIVOS:
DA MANUNTENÇÃO A TRANGRESSÃO DE FRONTEIRAS
Lucas Vezedek
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A CRIANÇA CONTEMPORÂNEA E SUAS EXPRESSÕES
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SEGREGAÇÃO DE GÊNERO NAS BRINCADEIRAS DE CRIANÇAS EM SITES E/OU APLICATIVOS:
DA MANUNTENÇÃO A TRANGRESSÃO DE FRONTEIRAS
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Afiliado