E-Book UERN. 2018. Artigo. Jailson e Ramon
E-Book UERN. 2018. Artigo. Jailson e Ramon
E-Book UERN. 2018. Artigo. Jailson e Ramon
ENSINO E FORMAÇÃO:
NOVAS PERSPECTIVAS
PARA O COTIDIANO
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Reitor
Pedro Fernandes Ribeiro Neto
Vice-Reitor
Fátima Raquel Rosado Morais
Diretora de Sistema Integrado de Bibliotecas
Jocelânia Marinho Maia de Oliveira
Chefe da Editora Universitária – EDUERN
Anairam de Medeiros e Silva
Capa:
Helder Cavalcante Câmara
Diagramação:
Helder Cavalcante Câmara
Revisão:
Aryanne Sérgia Queiroz de Oliveira
373p.
PREFÁCIO 07
Luiz Gomes da Silva Filho
APRESENTAÇÃO 10
Lucas Súllivam Marques Leite, Aryanne Sérgia Queiroz de Oliveira e Helder Cavalcante Câmara
FILOSOFIA AFRICANA TECENDO SABERES ANCESTRAIS E
11
ENCANTADOS: CONHECIMENTO AFRORREFERENCIADO
Adilbênia Freire Machado
DIÁLOGOS ENTRE UM ESTUDANTE E UM DOCENTE ACERCA DA
24
FORMAÇÃO ACADÊMICA EM DIREITO
Ramon Rebouças Nolasco de Oliveira e Jailson Alves Nogueira
DIREITOS HUMANOS E FORMAÇÃO: A LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO
DO CAMPO DA UFERSA E AS POSSIBILIDADES PARA O SEMIÁRIDO 37
POTIGUAR
Luiz Gomes da Silva Filho
UM OUTRO PENSAR FILOSÓFICO EM SALA DE AULA: introdução sobre a
47
abordagem multirreferencial em sala de aula
Francisco Ramos Neves
EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL: A PARTICIPAÇÃO DOCENTE NO
53
CONTEXTO ESCOLAR
David Sousa Garcês, Lucas Súllivam Marques Leite e Maria Cristina Rocha Barreto
EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL: REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO
ESCOLAR QUILOMBOLA E A PRÁTICA DOCENTE INTERDISCIPLINAR 64
NAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Daiane Duprat Serrano, Élida Joyce de Oliveira, Lucas Súllivam Marques Leite e Guilherme Paiva de
Carvalho
EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL: PERCEPÇÕES DE PROFESSORES(AS)
78
SOBRE A LEI 10.639/2003
Diêgo Matos Araújo, David Sousa Garcês, Lucas Súllivam Marques Leite e Maria Cristina Rocha
Barreto
A RESSIGNIFICAÇÃO DOS CORPOS NA EDUCAÇÃO FÍSICA: DOCILIZAR
88
NÃO É EDUCAR
Aryanne Sérgia Queiroz de Oliveira
A METARMOFOSE CERCEADA DA BORBOLETA: A TRANSEXUALIDADE
95
NAS TEIAS DA EDUCAÇÃO
Aryanne Sérgia Queiroz de Oliveira e Guilherme Paiva de Carvalho
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA-
LICENCIATURA DA UFC: PERSPECTIVAS E IMPRESSÕES DOS 115
ACADÊMICOS
Ana Patrícia Freires Caetano e Jônatas Andrade de Oliveira
PREFÁCIO
buscam imprimir outros sentidos à Escola, como, por exemplo, a socialização, visto que seus
conteúdos e informação tornaram-se obsoletos pela interatividade advinda com a Era da
informação.
Porém, apesar do cenário parecer desolador, sabemos que a Educação continua tendo
uma função ímpar na sociedade. Até porque toda essa parafernália tecnológica também acabou
por externar fenômenos sociais que somente a Educação é capaz de apontar algum caminho. O
Bullying, o racismo, o machismo, a homofobia e tantas outras formas de discriminação espraiadas
na internet foram potencializadas e adentraram as escolas e os espaços formativos com uma
violência impactante que, por vezes, nos deixam perplexos. Daí que o papel do professor e da
professora adquire hoje um sentido ainda mais notório. A Escola e a Educação, de forma mais
ampla, continuam sendo os principais caminhos para superar estas transgressões que pipocam,
dia após dia, não somente em nossas timelines, mas principalmente, e mais violentamente, no
cotidiano real de cada um e cada uma.
Outro aspecto que merece destaque é a expansão do conservadorismo nos dias de hoje.
Aliás, no caso brasileiro, não merece essa denominação, até porque o conservadorismo enquanto
uma doutrina econômica ou social é aceitável e convive com outras formas de pensamentos em
diversas partes do mundo. Porém, aquilo que tem se chamado de conservadorismo no Brasil é,
na verdade, um completo atentado à condição humana. É uma concepção destrutiva de
sociedade ― assentada na vingança em detrimento da justiça ―, tendo na tortura sua ferramenta
básica e, além disso, espalha um ideário preconceituoso que macula anos e anos de luta por um
país minimamente decente.
Daí que, mais uma vez, recai sobre a Educação uma tarefa hercúlea, da qual ela não pode
se negar, ou seja, a formação de sujeitos que consigam conviver em sociedade, que aprendam que
diferença não se hierarquiza, se respeita, que aprendam a resolver os conflitos que são inerentes
ao meio social, sem a necessidade de acreditar que o porte de arma para todos os cidadãos é uma
opção para este fim.
Talvez se diga que “este não é o papel da Escola”, que “nada tem que ver a Escola ou a
Educação com questões de cunho político”, que “a Escola deve ser neutra, cabendo a ela apenas
passar os conteúdos dos livros didáticos aos alunos”. Pois foi justamente assentado nesta
concepção que um dos grandes atentados à Escola se fundamentou. O chamado “Escola Sem
Partido” (PL nº 867/2017) ― que por si mesmo representa uma ideologia política e cujo objetivo
central é, na verdade, uma Escola com um único partido, cujas teses são por nós sabidas e que
em nada se aproxima daqueles e daquelas excluídos socialmente ― fez bater à nossa porta uma
9
ameaça real de censura e um atentado a condição ontológica do homem, que por natureza é um
ser político.
Visto por este ângulo, é fato que o papel do/a professor/a tem um sentido muito grande
nos dias de hoje. Indubitavelmente maior que em qualquer outro tempo, sobretudo porque está
em risco e os muitos exemplos aqui apresentados dão conta disto. Os inúmeros cortes de verbas
da Educação também dão provas disto. Cada vez mais tem se buscado instrumentalizar as massas
populares, fazendo destas uma massa de consumidores que pouco liga para o cenário político, ou
ligam seletivamente para os inúmeros casos de corrupção que assolam este país. Não é de forma
alguma ingenuidade pensar que há muitos interesses na manutenção do status quo social. Há
muitas pessoas mantendo uma vida de luxo e privilégios, assentadas primordialmente na
resignação política da maioria.
Assim, para finalizar, este trabalho representa um importante canal de interação entre
pessoas interessadas no fenômeno educativo do nosso tempo, pessoas não dispostas aos, como
dito, modismos, aos pacotes e programas cada vez mais “racionalizados”. São, portanto,
caminhos para pensar a formação, formação do/a professor/a, do/a aluno/a, mas,
principalmente, na formação de sujeitos sociais, históricos e culturais. A busca por tempos
melhores ― por mais fraternidade, alegria, ética e cidadania ― passa inevitavelmente pelo cenário
educativo, seja ele escolar ou fora dele. Por isso mesmo, passa também por professores/as
comprometidos/as com a sociedade enquanto bem coletivo.
Esperamos assim que estes escritos contribuam de forma significativa na caminhada de
todos/as aqueles/as verdadeiramente comprometidos/as com nosso tempo, aqueles/as que
teimam em inventar caminhos no meio das pedras.
APRESENTAÇÃO
Estudar, pesquisar, tecer-se desde a filosofia africana parte de dois conceitos, duas
filosofias fundantes, a ancestralidade e o encantamento, numa relação de pertencimento e
direito. E é sobre isso que esse texto irá discorrer, propondo um diálogo outro na filosofia que
vemos nas escolas e universidades brasileiras, fazendo uma denúncia contra o monocentrismo
ainda vigente em nossa educação, na escola e no ensino superior... Propondo a saída desse
monocentrismo para uma perspectiva multi, pluri, diversa... Nesse sentido, dialogaremos desde
um pensamento / conhecimento afrorreferenciado, ou seja, um conhecimento que tem o
continente africano, sua cultura e seu povo, seus saberes como referência. Uma perspectiva
epistemológica plural, diversa e que tem o diálogo entre os saberes como preponderante,
concebendo os saberes como horizontal, ou seja, diferentes e não melhor ou pior, inferior ou
superior. Não! Deseja-se pensar desde a diversidade própria do mundo que nos tece, universal
por partir de um lugar e não um universal que deve imperar em todos os lugares, como deseja o
pensamento europeu. Ou seja, pensar / criar / aprender / ensinar desde referenciais que possam
trazer à tona nossa ancestralidade, nos tirar (o/a negro/a) da periferia do conhecimento,
reconhecer e produzir desde os nossos valores, nossas conquistas, nossos saberes, nossas
epistemologias, educar desde outros repertórios culturais e não desde um repertório único.
É afrorreferenciado também por partir de uma origem reconhecida, tecida e fortalecida
em mim (em nós), parte da ancestralidade africana que me (nos) move, tece, encanta, dança.
Assim, esse texto é tecido desde o pertencimento que me move, faço desde um eu que intenta
um olhar coletivo, pois se reconhece desde o coletivo africano de ser.
1 Doutoranda em Educação Brasileira (UFC), Mestra em Educação (UFBA), Bacharela e Licenciada em Filosofia
(UECE). Membra da Rede Africanidades (UFBA), dos Grupos de Pesquisa GRIÔ: Culturas Populares,
Ancestralidade Africana e Educação (UFBA) e Núcleo das Africanidades Cearenses – NACE (UFC). Assento na
cadeira 39 da Academia Afrocearense de Letras (AAFROCEL). E-mail: adilmachado@yahoo.com.br
12
2. ANCESTRALIDADE
Sabemos que quando os povos africanos vieram para o Brasil, trazidos escravizados,
tentaram roubar-lhes seu pertencimento, seus corpos foram negados, suas línguas silenciadas,
seus nomes roubados, suas culturas negadas... humanidades despedaçadas, animalizadas.
Liberdade confinada, roubada...
Entretanto, esses povos carregavam em si algo maior, mais forte que tudo, sua pertença
(pertencimento), suas tradições, suas culturas, delineada pela ancestralidade entranhada na força
de lutar, de reinventar-se, de negar a negação de si, de ter suas raízes fincadas no modo de ser /
estar no mundo. Onde a
Somos um país descendente dessa cultura, temos entranhado em nosso modo de ser /
estar no mundo vestígios fortes e contundentes dos povos africanos e suas culturas que tornaram
nosso país o que ele é. Potências de resistências que permitiram a re-existência desses povos e
suas culturas em terras estrangeiras. Potências de resistências que permitem o Brasil resistir, re-
existir em meio às políticas de desencantamento do mundo, de nós mesmos, que impera em
nosso país. Políticas de destruição, de negação, de desconstrução da potência de existir dos povos
jogados à margem, povos afro-brasileiros e indígenas. Entretanto, a ancestralidade que os (nos)
tece ultrapassa o tempo, encanta e nos permite re-existir nesse mundo desencantado,
encantando... Pois,
Canto tecido pela ancestralidade, uma teia invisível que perpassa o tempo, é partilhada,
compartilhada... está em toda parte, em nosso pensamento, em nosso modo de ser / fazer, de
estar no mundo, de agir. Tudo o que existe está na ancestralidade, ela é o êxtase, o vazio e a
plenitude, é o que dá forma, sentido. Memórias vivas... experiências! É ela que nos permite
pensarmos e produzirmos desde a cosmopercepção africana, nos impele a questionamentos
13
numa perspectiva de saída do silenciamento acerca dos saberes afros, pois é importante
compreendermos que
3. ENCANTAMENTO
o ato de existir é um ato sem previsão e sem controle. Tudo está em tudo e em
toda parte tudo é difuso. O mundo que vemos são os olhos que veem [...] e, a
pele da cultura recobre com sua tessitura o que chamamos de real; mas o real
não é mais que a pele da cultura; a pele da cultura não é mais que um olho que
vê e um ouvido que escuta e um corpo que sente... (Ibidem, p. 196).
Existir é esse mais que “um olho que vê e um ouvido que escuta e um corpo que sente”, é
o que está para além, são as dobras de cada um desse ver, ouvir, sentir. Talvez o existir seja sem
15
começo e sem fim, é um círculo aberto para o infinito, para o outro. Existir como vertigem tem a
ética como fundamento principal, pois “a ética, como relação fundamental de alteridade, tem sua
fonte na vertigem – por isso seu critério é o Outro” (Idem, p. 197), o outro nos leva ao
conhecimento de si mesmo enquanto o conhecemos, ele nos põe frente aos nossos medos,
anseios, segredos.
É importante pontuarmos que o encantamento tem o seu próprio tempo, tempo este
conduzido pela ancestralidade, não adianta querer apressá-lo, só acontece no tempo “certo”, o
tempo do aprendizado, aprendizados que também se constroem com errâncias, construção e
desconstrução, e o tempo certo também é o arriscar-se continuamente. O encantamento é o
sentido para o existir! O encantamento é sentido que implica em novos sentidos!
A ancestralidade e o encantamento geram pensamentos, reflexões críticas, produções
outras de sentidos plurais e diversos. São construções subjetivas que se dão em realidades
objetivas. Desse modo, é a ancestralidade e o encantamento que sustentam o meu pensar / criar
/ refletir desde a filosofia africana contemporânea. Essa filosofia que nasce do encantamento e
nos implica em virtude da ancestralidade que nos atravessa, que nos faz ser quem somos.
A Filosofia Africana é uma filosofia tradicional que traz novidades, pois aprender as
novidades dos antigos é sempre uma sabedoria atualizada, é filosofia que se abre para todas as
possibilidades, é filosofia do sentido, da escuta, do acolhimento, da alteridade, da diversidade,
encara a diferença como atitude, como uma ética de sentidos. Filosofia que cria e encanta
mundos, ressignifica e dá sentidos, caracteriza-se fundamentalmente por ser uma ética implicada
no cuidado de si e do/a outro/a, do desejo e respeito pelo/a Outro/a.
4. FILOSOFIA AFRICANA
reflexão crítica pressupõe uma interpretação da realidade, onde esta não aparece “como algo
absoluto ou como uma necessidade, mas como uma contingência” (idem). É movimento!
É o ato de refletir que nos leva a uma ação contínua de criação, não apenas de conceitos,
pois não é suficiente que a filosofia se defina apenas pela criação de conceitos, pois como diziam
Gilles Deleuze e Félix Guattari (1996), “fazer conceito é questão de devir”. Assim a filosofia faz-
se desde uma criação contínua de conceitos, reflexões que levam a ações reais para o bem-estar e
o bem-viver em comunidade, é o compromisso com o/a Outro/a e com a sociedade em que se
vive, ou seja, ela tem seu lugar como referência. Como reflexão e interrogação é fruto de
encontros, de diálogos. A função da filosofia é criar conceitos, mas sua finalidade é encantar, já
dizia Eduardo Oliveira (2007).
Para Platão a filosofia é “amor à sabedoria, ao conhecimento”, o saber em proveito do humano.
Dessa forma, onde existir seres humanos haverá filosofia, pois o conhecimento é resultante da
capacidade que temos de conhecer / aprender / refletir / questionar. Ou seja, a filosofia existe
em todo e qualquer lugar, pois a capacidade de conhecer está intrínseca à existência humana. Ela
é, então, fruto das experiências, da vivência, é, portanto da ordem do acontecimento, onde o
conhecimento e a possibilidade permitem a filosofia, ou seja,
Entretanto, a história da filosofia nos mostra que ela é considerada como uma das mais
significantes e elaboradas formas de pensar, assim, ela fora usada por muito tempo para justificar
o racismo, além de um pensamento monocultural e machista. Nessa perspectiva, desde o
Iluminismo a África fora considerada um local incapaz de filosofar, de produzir filosofia.
Encontramos essa concepção, por exemplo, em Hegel, Kant, Hume, Voltaire. Hegel está entre os
filósofos mais importantes de todos os tempos e também um dos que mais negaram qualquer
capacidade intelectual do ser africano, chegando a declarar a África como um papel em branco
contra o qual se poderia comparar toda a razão. Ainda encontramos em sua leitura, uma teoria
em que ele chega a classificar a África como o “país da infância” onde o negro torna-se o
representante da “natureza em seu estado mais selvagem”, estado de total inocência. Kant irá
falar que “os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve
acima do ridículo” (KANT apud FOÉ, 2011). Em textos como “A leitura do Tratado sobre os
caracteres nacionais” Hume fala sobre a raça negra ser inferior a raça branca, dizendo ainda que
17
os negros ignoram aquilo que se refere à inteligência, citando a manufatura, a arte e a ciência.
Voltaire defende a escravidão justificando-a porque os povos africanos traficam seus próprios
filhos3. Para legitimar a servidão, o Iluminismo decretou a inferioridade do negro. Intentando
explicar essa falácia, o ganense Kwame Anthony Appiah afirma que “parte da explicação deve
residir (...) no racismo: que reação mais natural a uma cultura europeia, que pretende – com
Hume e Hegel – que o intelecto seja propriedade de homens de pele branca, que insistir que há
algo de importante na esfera do intelecto que pertence aos negros” (apud FRACCALVIERI,
2007, p. 54).
Desse modo, compreender a filosofia africana exige, em um primeiro momento, a
desconstrução do imaginário acerca do continente africano, desconstruindo a falácia em torno da
sua capacidade de pensar, raciocinar, criar pensamentos lógicos, enfim, de filosofar. Também
exige a desconstrução do que compreendemos por filosofia, o que ela é, perpassando pelo
questionamento acerca de quem pode ou não filosofar e o que sustenta isso. Impele termos
referências outras de pensar / criar / aprender / ensinar.
Desse modo, falar em filosofia africana4ainda traz inquietações, não apenas entre
intelectuais da África, mas também em círculos de intelectuais europeus (que em muito nem
concebe que ela exista), até mesmo no Brasil. Questiona-se a existência de uma filosofia
especificamente africana, uma filosofia própria, que parte da sua cultura, das suas próprias
construções epistemológicas ou seria uma ideia acerca da filosofia ocidental aplicada noutro
contexto cultural. Ainda há o preconceito de que a filosofia africana é toda ela “tradicional”,
dentro de moldes eurocêntricos, como “se los africanos modernos no [...] intenten filosofar de
una manera que tenga en cuenta el actual desarrollo del conocimiento” (MONTOYA, 2010, p. 31
/ 32), como se estivéssemos estagnados/as num tempo passado, não nos atualizando. Questiona-
se onde, intelectualmente, acaba o continente africano e inicia o resto do mundo. Fernando
Montoya (idem) aponta-nos motivos que levam a confundir a filosofa africana com a tradição
popular: “los nacionalistas en busca de una identidade africana, los afroamericanos en busca de
sus raíces africanas, los estranjeros en busca de exótico entretenimento”. Segundo o autor, os
grupos citados acima buscam uma filosofia africana diferente da filosofia ocidental, mas por ser
3 Indico a leitura do artigo “A questão do negro no mundo moderno” de Nkolo Foé, 2011.
4Fernando Montoya, 2010, p. 31, traz a seguinte nota: “Fue en 1958 cuando Jahneinz Jahn en su libro Muntu.
L’homme africain et l aculture néo-africane utilizo por primera vez en un escrito oficial la expresión filosofía africana.
Expresión retomada e significativa y definitoria por la Subcomisión de Filosofía del II Congreso de escritores y
artistas negros que tuvo lugar em Roma em 1959. Ese mismo año, bajo la pluma de Taita Tower, en su obra Le rôle
d’un philosophe négro-africain, se identifican, tomándolas por sinónimos, las apelaciones filósofo negro-africano y filosofia negro-
africana com filósofo africano e filosofía africana”. Jahneinz Jahn é alemão, etnógrafo e especialista em literatura africana,
não encontrei referências sobre Taita Tower.
18
baseada numa “tradicion folclórica”, afirma ainda que os filósofos africanos contemporâneos
lutam contra essa concepção.
A filosofia africana contemporânea tem a cultura como um grande eixo da sua
constituição, como fruto da experiência, é aquela filosofia feita não apenas por filósofos/as
africanos/as, mas também por aqueles/as que estão implicados/as em direcionar sua atenção aos
problemas dos/as africanos/as, sejam os/as nascidos/as em África ou aqueles/as que são frutos
das diásporas, ou seja, sejam aqueles/as nascidos/as na África ou aqueles/as que têm a África
nascida em si. É uma filosofia que tem a si como referência, ou seja, é afrorreferenciada. Intenta-
se resolver os problemas desde suas concepções de vida, suas culturas, crendices, mitos, poesias,
conhecimentos, etc...
A preocupação é com a comunidade, com a pessoa, com o/a Outro/a, onde esse/a
outro/a é fundante... e o/a outro/a é o todo, partindo-se da própria natureza, pois o ser humano
não existe sem a natureza, desse modo, essa filosofia, ao partir do teu seio, do seu contexto,
caracteriza-se por ser intrinsecamente ligada à cultura, onde as análises críticas do pensamento
africano que delineará essa filosofia aparece como um modo de pensar distinto do europeu, não
inferior e ainda com algumas influências do “pensamento europeu”, pois muitos/as filósofos e
filósofas africanos/as tem uma formação filosófica europeia, além de que a colonização deixou
muitas marcas.
O filósofo nigeriano e especialista em filosofia africana pós-colonial Emmanuel Eze
(2001, p. 63/64) diz que “al tener a la emigración y la inestabilidade como elementos crónicos de
la moderna historia de África, la filosofia debe hallar modos de dar sentid a (y hablar de) las
multiplicidades y los pluralismos de estas experiencias ‘africanas’”. Em nosso caso, como afro-
brasileiros/as que somos, falamos das experiências que são frutos da diáspora, experiências essas
que são perpetuadas e atualizadas por meio da ancestralidade e potencializadas pelo
encantamento.
Assim, o tema “filosofia africana” tem sido recente nas investigações dos/as
estudiosos/as africanos/as. Há pouco mais de sessenta anos começou-se a realizar essas
reflexões, tendo-a como tema acadêmico de investigação, debate e aprendizagens, ou seja, “o
início do debate filosófico africano moderno equipara-se para muitos à sua entrada como
disciplina acadêmica nas universidades em África” (SEILER, 2009, p. 22). Tshiamalenga (apud
ONDÓ, 2006, p. 42) considera que:
Para Paulin Hountondji5 não é surpreendente que até recentemente o Ocidente resista a
aceitar que africanos empregassem o conceito de filosofia, aparecendo na elite intelectual. A
sociedade que “domina” o conhecimento julga que as civilizações africanas, com base em culturas
orais, não têm capacidade de exercício intelectual que leve a uma análise rigorosa e a
conceituações acerca do desenvolvimento moral, físico, psicológico e ético, enfim, não poderia
dominar os princípios de conduta do bem viver. Esse preconceito da sociedade “dominadora” do
conhecimento dá-se na medida em que julgam os/as negros/as como incapazes de pensar de
maneira lógica, científica, afirmando assim a ideia de superioridade intelectual europeia. É
fundante compreenderemos que
5
Nasceu na República do Benin em 1942, é filósofo e político. Sua filosofia versa em torno da crítica à natureza da
Filosofia Africana, seu principal alvo é a Etnofilosofia de Placide Tempels e Alexis Kagame.
20
africanos” (Idem, p. 165), desse modo, tendo a ética como fundamental dessa articulação, é “a
fonte de onde emergem os elementos fundamentais da tradição africana” (Idem). Já a diversidade é
o princípio que valoriza as singularidades à medida que respeita a diversidade étnica, cultural e
política. Diversidade essa que não leva ao isolamento em virtude do princípio de integração, que
tem na inclusão o seu guia, fazendo com que as singularidades sejam submetidas à ética que
prima pelo bem-estar da comunidade, já a tradição é a teia que dá sustentação a tais princípios, é
dinâmica e molda-se aos novos tempos. Mateus Aleluia diz que “ancestralidade é nossa forma de
estar no mundo”6, assim também entendo o Filosofar Africano e Afrodescendente, entendo
como filosofias implicadas nesse estar no mundo, estar com o outro indivíduo, outro natureza e
consigo mesmo/a.
Percebe-se, então, a relação direta do pensamento filosófico africano com o contexto no
qual se está inserido, na compreensão das relações sociais, culturais, políticas e econômicas, ou
seja, as filosofias africanas estão diretamente ligadas, referenciadas pelas diversas culturas que
compõem o continente, a relação com a natureza, o respeito aos antepassados, ou seja, a tradição
e a ancestralidade como características que dão coesão ao seu pensamento. Baseado nessa
concepção, falo de uma filosofia africana, no intento de dá certa unidade ao pensamento filosófico
daquele continente, compreendendo que são “filosofias africanas”.
A filosofia na África surgiu da inquietude motivada pela curiosidade, pela busca de
compreender, além de questionar os valores e as interpretações acolhidas sobre a realidade dada
pelo senso comum e pela tradição. Irá apresentar-se com a tarefa fundamental de desalienação da
consciência, pois como disse Azomba Menda apud Euclides Mance, 1995:
6Vide: https://www.youtube.com/watch?v=l_tqq6xcrHk
7
“[...] O negro pode conceber a identidade somente através da negação histórica de sua raça. A posse de si mesmo
por si mesmo (ou a auto-possessão de si) que ele procura na particularidade o conduz (ou o obriga) a querer (ou
desejar) uma ação capaz de acabar com o sistema histórico que o colocou fora da história. O reconhecimento da
identidade negra passa necessariamente pela reapropriação prática de sua essência como homem, e claro, pela
destruição do sistema que o negava como um homem [...]. A tomada de consciência pelo Negro deve significar uma
mudança da orientação dos eventos. Uma nova interpretação da cultura, uma nova orientação da existência: uma
revolta consciente onde não há motivo para reconhecer ao Negro uma existência teórica, mas de encontrá-lo na
afirmação contra a dupla negação: a escravidão e a colonização” (Tradução Livre).
21
Essa filosofia que reflete o indivíduo africano desde uma negação contínua da
escravização e colonização, e afirmando positivamente a si e a sua cultura, nasceu com o nome de
“etnofilosofia”8, consistindo no intento de elaborar sistematicamente uma filosofia através do uso
das categorias etnológicas tradicionais, marcando um ponto do início da filosofia africana,
proporcionando o desenvolvimento do pensar africano consciente de si, da sua diversidade
cultural.
Essa filosofia pensa desde seu local, pensando em si como análogo ao seu local de
origem, concentrando-se na análise fenomenológica do mundo africano, do que seria a vida para
os povos africanos, intentando resgatar seu território intelectual que fora apropriado, por vários
séculos, pelos europeus, além de objetivar transformar a realidade em que estavam inseridos. A
filosofia africana definirar-se não apenas por meio da sua geografia ou da identidade dos seus
praticantes, por seus protestos e histórias, mas, sim por seus questionamentos, suas contestações
e formulações.
8Vide Machado, 2014, onde apresento mais detalhadamente a filosofia africana contemporânea e suas correntes.
22
negro/a é uma construção afetiva, efetiva, em muitos casos é um reconhecimento que se dá por
meio do reconhecimento da nossa ancestralidade africana, por meio de uma construção positiva
da imagem do/a negro/a, do conhecimento da nossa história, da nossa cultura, do papel dos/as
africanos/as na construção do pensamento social brasileiro. É uma ação formativa, implicada,
onde o aprender / conhecer leva ao sentir(se), ser em devir. Ancestralidade é o que dá sentido.
Encantamento é o sentido da ação, é o fazer. Corpo é o movimento do sentir e do fazer.
Produção de sentidos desde as inspirações formativas oriundas da ancestralidade e do
encantamento se faz numa teia construtiva que captura, mas não amarra, não prende, ao
contrário, liberta, pois a magia fora transformada em encanto. O encantamento nos tira do lugar
do “apropriar-se” de conhecimentos sem refletir o que é transmitido, sem refletir nossas ações, o
encantamento nos ensina e nos faz aprender a pensar, a construir a nossa formação desde as
experiências experimentas e refletidas. Experienciar, sentir... implicar-se com o nosso estar no
mundo.
Assim, compreendemos que a ancestralidade e o encantamento tecidos pela filosofia
africana pensada / criada desde o Brasil é um saber afrorreferenciado, implicado com o bem-
viver, ou seja, a busca dos direitos (todos eles) para todas e todos, o direito a nossa humanidade
negada, o reconhecimento de nossos saberes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FOÉ, Nkolo. A questão do negro no mundo moderno. Sankofa. Revista de História da África
e de Estudos da Diáspora Africana. Ano IV, Nº 8, Dezembro de 2011.
23
FRACCALVIERI, Bianca. Libertar-se é preciso. FILOSOFIA - Ciência & Vida. Ano II, Nº14,
2007.
WHITE, Evelyn C. Apresentação. In: O Livro da Saúde das Mulheres Negras: nossos passos
vêm de longe. WERNECK, Jurema; MENDONÇA, Maisa; WHITE, Evelyn C (Orgs). Tradução
de Maísa Mendonça, Marilena Agostini e Maria Cecília MacDowell dos Santos. – 2. ed. – Rio de
Janeiro: Pallas / Criola, 2006.
24
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho consiste numa efetiva coautoria expressa na forma de diálogo entre um
estudante e um docente sobre algumas experiências acerca da formação jurídica. Partimos de uma
perspectiva (auto)crítica, democrática e emancipatória da educação superior. A narrativa
contemplará as concepções discentes (do autor Jailson Nogueira) e docentes (do autor Ramon de
Oliveira), levando em consideração o período entre 2014-2017, quando aquele iniciara sua
graduação em Direito na UERN, enquanto este último começara a exercer a função docente na
UFERSA.
Investimos, aqui, num tipo de autobiografia11 como método, sendo de dois sujeitos que se
encontram em formação acadêmica em níveis distintos (graduação e doutoramento). Segundo
Belmira Bueno (2002, p. 17), “esse método corresponde à exigência de uma nova antropologia,
devido aos apelos vindos de vários setores para se conhecer melhor a vida cotidiana”.
A relação professor-aluno (educador que aprende-aprendiz que ensina), tão tematizada no
campo da educação ― pois é fundamental ao processo ensino-aprendizagem ― será trazida nestes
escritos como diálogos e autobiografias que resultaram na coautoria de relatos de experiências
(aproxima-se do que se tem chamado “histórias de vida” 12). Pede-se especial atenção do leitor
para distinguir as vozes de cada coautor, quando falam sobre suas trajetórias específicas, pois se
está diante uma narrativa polifônica.
9 Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Ciências Sociais e Humanas, Especialista
em Direitos Humanos e Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Professor Assistente na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). Coordenador do Projeto de Extensão
Direitos Humanos na Prática (UFERSA). Advogado. Contato: ramonreboucas@gmail.com.
10 Graduando em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Contato:
autobiográfico e os estudos com histórias de vida de professores: a questão da subjetividade”, Belmira Bueno adverte
e admite “os riscos que podem advir desse tipo de trabalho” e a proposta é “como ‘ensaio e tentativa’”, por ser uma
novidade no “campo pedagógico e não há dúvidas quanto aos resultados fecundos que esse caminho alternativo tem
favorecido”.
12 “Esta concepção implica, portanto, que se examine, de um lado, a história de vida e de formação intelectual dos
professores em seus vários aspectos e fases e, de outro, como já se apontou, em considerar que tanto os professores
como os futuros mestres são os agentes principais desse processo” (BUENO, 2002, p. 23).
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meio das atividades de ensino com aulas expositivas e leituras de manuais. Pretende-se, com isso,
uma educação crítica, emancipatória, e, também ― por que não?! ― capaz de atender às
exigências do mercado de trabalho. Porém, esse último enfoque da educação não pode ser
tratado como um fim em si mesmo. Analisaremos, a partir das experiências pessoais (trajetórias
de vida) e reflexões teóricas de outros autores, como os cursos jurídicos enfrentam esse tripé
universitário e os desafios de fomentar a autonomia e a emancipação dos estudantes.
Num modelo democrático de educação, a opinião ou os argumentos ― tanto de alunos
quanto de professores ― são aptos para construção de perspectivas, dignos de análise séria e
rigorosa, seja para fortalecer a consistência, testar a validade, seja para refutar e apontar falhas de
raciocínio, visando dar respostas concretas e não enlatadas às demandas sociais.
I). Sem o pensar da complexidade e sem a transdisciplinaridade, tais intenções parecem apenas
quimeras.
Como seres no mundo ― que habitam o mesmo planeta, que passam por crises globais e
ao mesmo tempo enfrentam as angústias profundas do cotidiano das cidades e campos com suas
particularidades e ameaças ― faz-se fundamental investir numa educação atenta a estes reclames.
Daí o conceito de cidadania planetária, que incute esta consciência como um lembrete desta
condição que afeta a todos e joga responsabilidade sobre o outro.
Como docentes e discentes somos chamados a assumir funções e solidarizar-se com os
outros e conosco, certos que somos incapazes “de assegurar a exploração exaustiva do terreno,
consciente das incertezas e das incógnitas, e assumindo plenamente o desafio sobre o
‘pensamento complexo’” (MORIN, 1992, p. 30). Com feito, Edgar Morin (2007, p. 22) fala que
“se eu abordo o tema da complexidade e transdisciplinaridade, devo dizer que são dois termos
inseparáveis que remetem um ao outro”. Esclarecendo o sentido do termo “complexo”, Morin
(2003, p. 14) sustenta ser aquilo “que é tecido junto”.
Atualmente, como estudante de graduação, iniciada em 2014, na UERN, fui frustrado em
minhas expectativas. Tinha o objetivo de me preparar para os “quiz shows13”, mas tive a
(in)felicidade de encontrar professores críticos ― inclusive o que compartilha saberes comigo
neste artigo ― que veem o Direito de forma incomum do que predomina nos cursos jurídicos do
país. Prezamos por uma educação jurídica libertadora e tecida junto com outros saberes. Logo no
primeiro semestre do curso de Direito, tive contato com as Ciências Sociais, ao inserir-me no
Grupo de Pesquisa do Pensamento Complexo GECOM/UERN. A partir do primeiro encontro,
confesso que foi impactante, pois não sabia do que se tratava o Pensamento Complexo, que
parecia não fazer sentido para um aluno de Direito. Mesmo assim, passei a frequentar,
assiduamente, e trazer leituras para dialogar com os saberes jurídicos, objetivando tecer tudo
junto (MORIN, 2003) e fazer uma ecologia dos saberes (SANTOS, 2004).
As leituras paralelas de outros ramos do saber realizadas durante o curso de Direito me
fizeram evoluir acadêmica e humanamente. Porém, há certo desconforto em perceber que essas
contribuições de outras áreas são marginalizadas pela educação jurídica, sobretudo por alunos e
professores na vã pretensão de que “o discurso jurídico é considerado pela doutrina tradicional
como autônomo e autossuficiente, encontrando explicação em si mesmo e sendo suscetível de
uma análise imanente que não deve remeter-se a elementos extra-normativos” (WARAT, 1980, p.
148).
13 Termo utilizado pelo professor Lenio Streck para se referir às questões mal elaboradas de concursos públicos da
área jurídica (STRECK, 2017, p. 63).
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14 “A implantação dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil, em 1827, um em São Paulo e outro em Recife
(transferido de Olinda, em 1854), refletiu a exigência de uma elite, sucessora da dominação colonizadora, que
buscava concretizar a independência político-cultural, recompondo, ideologicamente, a estrutura de poder e
preparando nova camada burocrático-administrativa, setor que assumiria a responsabilidade de gerenciar o país”
(WOLKMER, 2003, p. 67).
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Talvez seja por isso que se desencanta o jovem estudante de direito. Talvez seja
por isso que, dizem, o curso de direito atrai os alunos acomodados, os
carneirinhos dóceis, os bonecos que falam com a voz do ventríloquo oficial, os
secretários e office boys engalanados de um só legislador, que representa a
ordem de interesses estabelecidos. O uso do cachimbo entorta a boca, ensinada
a recitar, apenas, artigos, parágrafos e alíneas de “direito oficial”. Mas, então, é
também uma injustiça cobrar ao estudante a mentalidade assim formada, como
se fosse um destino criado por debilidade intrínseca do seu organismo
intelectual. Sendo as refeições do curso tão carentes de vitaminas, que há de
estranhar na resultante anemia generalizada? (LYRA FILHO, 1980, p. 28).
recebe sem questionar e compartilhar dos seus saberes enquanto discente. Isso representa um
imprinting15da educação jurídica no país.
Gilmar Bedin (2003, p. 177) afirma que o discurso hegemônico da dogmática jurídica não
revela suas condições de produção, que são (re)produzidas acriticamente pelos doutrinadores e
pelos cursos de Direito “que alicerçam suas propostas de ensino em um conjunto de crenças
mitificadas como se fossem verdades inatacáveis e em pressupostos teóricos-políticos
naturalizados por versões pseudocientíficas do Direito”. Essas crenças e pressupostos formam o
que Warat (1987) chamou de “senso comum teórico dos juristas” (SCTJ), pois dispensa a reflexão
sobre as regras do jogo.
Dizendo de outro modo, a sala de aula, os projetos de pesquisa e de extensão precisam
estar atentos à complexidade dos fenômenos e à sua multidimensionalidade. Isso quando há
pesquisa e extensão. Do contrário, só resta a aula para um auditório que se sente impotente por
não ser empoderado para o debate horizontal.
A flexibilização curricular é um ponto importante neste processo emancipatório, visando
uma maior autonomia do estudante dentro de “um processo de autoanálise para colocar em
questão o tipo de atitude por ele assumida com relação à própria formação” (STRECK, 2017, p.
67). Não se pode esquecer de que é necessário um “núcleo duro” que deverá fundamentar, dar
conhecimentos básicos para sua formação interdisciplinar.
A disciplinarização é marca dos cursos jurídicos. Pouco espaço se encontra pesquisa e
extensão, mesmo disciplinares. O estudante/professor que “ousa” sair do quadro da
normalidade, corre o risco de se marginalizar perante os pares. Menos ainda se investe na
proposta de Lenio Streck (2017, p. 68), que orienta os estudantes a se debruçarem na literatura,
pois terá “a possibilidade de se deparar com personagens fictícios que enfrentam dramas da vida
próximo daqueles que [...] os juristas enfrentam”.
Se não houver uma atitude atenta e uma perspectiva humilde de cidadania planetária,
corre-se o risco de que o Direito perca a oportunidade de dar respostas de qualidade, por isolar-
se das outras dimensões humanas e sociais que lhe são inseparáveis.
Ora, “não há justiça social global sem justiça cognitiva global. A justiça cognitiva global só
é possível mediante a substituição da monocultura do saber científico pela ecologia dos saberes”
(SANTOS, 2004, p. 88). Afinal, “o verdadeiro jurista há de ser também um cientista social, sob
pena de não ser nada, cientificamente” (LYRA FILHO, 2000, p. 505).
15Morin diz que o “imprintingé um termo proposto por Konrad Lorenz para dar conta da marca indelével imposta
pelas primeiras experiências do animal recém-nascido (como ocorre com o filhote de passarinho que, ao sair do ovo,
segue o primeiro ser vivo que passe por ele, como se fosse sua mãe), o que Andersen já nos havia contado à sua
maneira na história d’ O patinho feio” (MORIN, 2000, p. 28).
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professor que dialoga comigo neste artigo. Troquei a oportunidade de estágio remunerado por
uma formação sólida no ensino e enriquecedora humanisticamente na extensão. Em alguns
momentos é decepcionante perceber que a efetivação dos direitos não é tão romântica quanto os
manuais academicistas trazem, mas é desafiador no sentido de que a luta pela efetivação precisa
da participação dos estudantes. O projeto de extensão tem sido uma ferramenta que auxilia no
controle, monitoramento e efetivação das políticas públicas que buscam a efetivação dos direitos.
Dialogando com a fala do colega-estudante, posso dizer que, durante a graduação (2005 a
2010) tive acesso a uma sólida formação dogmática (técnico-profissional). Nunca imaginei que
esta visão seria exclusiva ou excludente de outras perspectivas. Ao contrário, tive contatos com
pessoas e leituras que não me deixaram ilhados no “Direito”.
Como consequência, ao invés de optar pelas pós-graduações lato sensu “dogmáticas”,
enveredei na Especialização em Direitos Humanos da UERN (2010 a 2012), permitindo
aprofundar conhecimentos jurídicos em diálogos necessários com outras áreas. Como fruto dessa
relação profícua, ingressei no Mestrado Acadêmico (interdisciplinar) em Ciências Sociais e
Humanas (2013 a 2014).
Como já havia um desejo pela docência e uma inquietude durante a graduação quando das
aulas monótonas e legalistas, esta jornada me impeliu a tentar ser um professor que não olvidasse
da formação técnica rigorosa, porém que não tratasse os fenômenos jurídicos de modo
unidimensional. Isso me levaria a encarar os desafios do pensamento complexo e a desenvolver
esforços de uma docência transdisciplinar.
Durante o mestrado, também atuei como pesquisador do Grupo de Pesquisa do
Pensamento Complexo (GECOM) da UERN, a partir da perspectiva de Edgar Morin, espaço
aberto para participação dos membros e convidados de várias áreas profissionais e acadêmicas.
Hoje, cursando Doutorado em Direito na UnB, iniciado em 2015, tenho a “educação jurídica”
como minha temática para a tese.
Assim que ingressei na UFERSA como docente, percebi, de imediato, a necessidade de
difundir as formas de se trabalhar o pensamento complexo no Direito. Então, em 2014, passei a
ministrar minicursos sobre “Educação Jurídica e Desafios Interdisciplinares” e “Estratégias para
pesquisas interdisciplinares em Ciências Sociais e Humanas”.
Recentemente, na UFERSA, assumi a vice-liderança do Grupo de Pesquisa intitulado
“Observatório de Práticas Jurídicas: uma análise do campo profissional”, com atividades iniciadas
em 2015. As linhas de pesquisa se voltam à investigação das “Práticas do Professor/Pesquisador
do Direito” e “Práticas do Profissional Forense: a tecnologia dogmática em uso”. Entendemos
que esta modalidade de pesquisa, de caráter socioantropológico, contribui para renovar a
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Admitimos o risco de andar pelas margens para travar diálogos com o ambiente
extracelular ou transdisciplinar, que está após a membrana e distante do centro dos status, na
busca por uma abertura da racionalidade jurídica a outros saberes.
Atualmente, como membro do Núcleo Docente Estruturando (NDE) do curso de
graduação em Direito da UFERSA, pretendo contribuir com a reforma do PPC do Curso,
inserindo os princípios do pensamento complexo e pensando nos eixos/ciclos de formação
numa perspectiva transdisciplinar, com intuito de fomentar que o perfil do egresso observe as
demandas contemporâneas do desenvolvimento humano.
4. CONCLUSÃO
Com a crise da educação jurídica, o professor deve procurar ser um humanista e atuar ao
lado dos estudantes de forma horizontalizada na prática do ensino-aprendizagem. O
comportamento docente, dentro e fora da sala de aula, com respeito e alteridade, é de
fundamental importância para manter o aluno motivado, capaz de transformar as disciplinas
“chatas” em disciplinas proveitosas. Eis um relato conclusivo de um estudante de graduação.
Para não ficar preso nestes embaraços formativos, venho buscando ser um facilitador
para meus estudantes, no intento de que façam as religações necessárias, condições essenciais
para sua “cidadanização” planetária e menos alienada da sua condição humana, que implica numa
comunidade de destinos com os demais seres humanos em relação com o ambiente. Em meio a
tantas carreiras jurídicas, optei pela docência, consciente da atratividade de melhores salários em
outras profissões. Desempenho tal tarefa com afeto pelos estudantes, que são parceiros de
caminhada, aprendizes que também ensinam.
REFERÊNCIAS
BEDIN, Gilmar Antonio. Ensino jurídico: do Senso Comum Teórico dos Juristas ao
Reconhecimento da Complexidade do Mundo. Revista Direito em debate, ano XI, v. 1, n. 19,
jan/jun. 2003. Disponível em: <https://www.revistas.unijui.edu.br/> Acesso em: 06 out. 2014.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
LYRA FILHO, Roberto. A nova escola jurídica brasileira. In: Revista Notícia do Direito
Brasileiro, n. 7, Brasília: UnB, 2000.
______. O direito que se ensina errado: sobre a reforma do ensino jurídico. Brasília, Centro
Acadêmico de Direito da UnB, 1980.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad. Eloá
Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
______. Ciência com consciência. 9. ed. Tradução: Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio
Dória. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
______. Para um pensamento do sul, p. 8-21. In: MORIN, Edgar (Cord.). Para um
pensamento do sul: diálogos com Edgar Morin. Rio de Janeiro: SESC, Departamento Nacional,
2011.
______. Para uma Revolução Democrática da Justiça. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011b.
SANTOS, Boaventura de Sousa; NUNES, João Arriscado; Meneses, Maria Paula. Para ampliar
o cânone da ciência: a diversidade epistemológica do mundo. In: SANTOS, Boaventura de
Sousa (org.). Semear outras soluções. Os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais.
Porto: Edições Afrontamento, 2004.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – o senso incomum? Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora , 2017.
WARAT, Luis Alberto. As vozes incógnitas das verdades jurídicas. Revista Seqüência,
Florianópolis, ano 7, v. 08 n. 14, p. 57-61, 1987. Disponível em <https://periodicos.ufsc.br/>.
Acesso em: 27. abr. 2017.
WOLKMER, Antonio Carlos. História do direito no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2003.
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1. INTRODUÇÃO
combatermos, diuturnamente, estas opressões que roubam esperanças e sonhos, que oprimem e
pregam uma política medíocre e meritocrática e que não veem mais vida fora do neoliberalismo,
cujo resultado tem sido uma sociedade anêmica, anônima e, sobretudo, atômica. O presente
artigo tem como assento a negação histórica na qual as populações do semiárido potiguar
estiveram submetidas. Para tanto, utilizamos de referencial teórico alguns autores que dialogam
sobre a temática em questão, como Paulo Freire, Gramsci e Marx.
Quando se negligencia a educação como direito do homem e da mulher do campo, está se
negando a esses sujeitos uma condição humana fundamental, qual seja; a condição de ser mais. O
direito de ler e escrever seu contexto e os textos que dele emanam ler e escrever sua cultura
(FREIRE, 1983) e o seu mundo. O direito, inclusive, de transformar esse mundo é um direito
dos mais nobres e essenciais, portanto, cercear-lhe é um dos crimes mais perversos e desumanos
que um ser humano pode cometer ou com ele vir a ser conivente.
Dizer que os homens são pessoas e, como pessoas, são livres, e nada concretamente fazer para que esta
afirmação se objetive, é uma farsa.
(FREIRE, 2011, p.50)
Inicialmente, é importante destacar que as reflexões que florescem nesse trabalho não são
oriundas de abstrações e devaneios filosofistas, mas antes da filosofia da práxis, da realidade em
que estamos imersos. Compactuamos que a busca pelos direitos humanos foi a busca do homem
por um antídoto para as grandes tragédias da humanidade. Assim os “fueros españoles, las cartas
inglesas, las declaraciones norte-americanas” (NINO, 1989, p.02) representam estes pressupostos que
desencadearam na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, na qual se amplia a
compreensão de direitos inerente à condição humana.
É dentro desse contexto histórico que emerge a cultura dos Direitos Humanos como nos
interessa nesse ensaio. Esta temática vem passando por um ápice nos dias de hoje, porém, sabe-
se que o cerne dessa questão reside nos primórdios da humanidade (DORNELLES, 2006). De
modo semelhante, podemos dizer que a Educação do Campo enquanto um debate assentado na
ótica da política pública é uma questão demasiadamente recente, porém, a categoria camponesa e
suas lutas por direitos atravessam séculos e confundem-se com a própria história da humanidade.
É importante destacar que a compreensão de Direitos Humanos a qual nos filiamos é
ratificada a partir de Dallari (1998), que afirma que a expressão é na verdade uma abreviação dos
direitos fundamentais da pessoa humana, quer dizer, aqueles direitos sem os quais o sujeito não
consegue existir ou desenvolver-se em sua plenitude. Pensando a Educação do Campo a partir
dessa perspectiva, percebe-se que o direito à educação das populações do campo goza da
prerrogativa de se inserir como um direito fundamentalmente necessário ao seu pleno
desenvolvimento. Do mesmo modo, a negação desse direito, ou seja, o analfabetismo que
atravessa os povos do campo é, destarte, compreendido como uma violação dos Direitos
Humanos.
Os Direitos Humanos tal qual concebemos nos dias de hoje, têm muito a ver com os
horrendos crimes praticados contra a humanidade durante a Segunda Guerra Mundial (SANTOS,
1997). Foi devido a esses horrores que a Organização das Nações Unidas (ONU) surgiu e, logo
em seguida, a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.
De forma semelhante, a Educação do Campo precisou conhecer a violência do opressor
para ser pensada enquanto política pública. Conforme Ribeiro (2010), os episódios de
Corumbiara, no Estado de Rondônia em agosto de 1995, e o massacre de Eldorado dos Carajás
no Pará, em abril de 1996, representam o quão caro foi a criação do Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (PRONERA), uma das maiores conquistas da Educação do
Campo até hoje.
Pensar a Educação do Campo enquanto um direito ao povo do campo é,
necessariamente, pensar sobre ausência e sobre a precarização da educação rural. Ao mesmo
tempo, pensar sobre a cultura dos Direitos Humanos é sempre pensar na seara das grandes
violações de direitos fundamentais. Por isso mesmo, é indissociável a linha teórica que une estas
duas perspectivas, umas vez que ambas têm como pressuposto histórico tanto a negação quanto a
luta pela efetivação.
A história da Educação do Campo, quer dizer, da educação que estamos pautando hoje
para e com as populações do campo, remete necessariamente à história da Educação Rural. Ou
seja, um modelo de educação assentado na exploração da mão-de-obra, no esvaziamento cultural,
40
na precarização da vida e no uso da terra como instrumento de opressão. A vista desse ponto nos
faz coadunar com o ponto de vista de Shalin (1976):
17
Freire (1992) usa uma analogia ao continente Sul como sentido para quem o habita, não mais o Norte.
41
Assim, podemos afirmar que o Programa é, na verdade, uma conquista pela via da luta e
da organização da sociedade camponesa em prol de um direito humano fundamental, que é a
educação. A Educação do Campo está embrionariamente ligada aos movimentos sociais, pois é a
educação pensada por esses movimentos e não para eles (SILVA FILHO, 2014).
Outra conquista singularmente importante e cara ao movimento de Educação do Campo
foi as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo, que procura alargar o
43
entendimento de campo, isto é, o que antes era entendido como lugar de plantar, passa por uma
ampliação que abrange comunidades de quilombos, comunidades indígenas, pescadores,
assentados da reforma agrária, áreas ribeirinhas, comunidades sem-terra, e seus sujeitos;
agregados, caboclos, meeiros entre outras (RIBEIRO, 2010).
18Estamos tratando da concepção de ideologia a partir do pensamento gramsciano, segundo o qual a ideologia forja-
se preponderantemente na sociedade civil (escolas, igrejas, partidos políticos, sindicatos) e é formada por uma das
visões de mundo que conquistou hegemonia, nunca individuais, mas de um sujeito coletivo real.
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Vale salientar que os direitos humanos e a educação do campo estão interligados pelo fato
de serem direitos de todos e todas e devem estar assegurados diante da sociedade.
4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Não é segredo que as grandes questões de nosso tempo dão conta de uma disputa de
projetos de sociedade que no final é a materialização e a realidade da luta de classes. Por isso que
aqueles e aquelas, cujo sentimento de mudança lhes é marca, têm hoje uma tarefa das mais
salutares. Como já salientamos, o entendimento da Educação do Campo enquanto um direito
humano é uma leitura necessária. Pensar o analfabetismo, a exploração do trabalho camponês ou
o preconceito que assolam o campo não somente como temas pontuais, mas como a violação
dos Direitos Humanos é um passo importante nessa caminhada. Do mesmo modo, visualizar a
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efetivação dos Direitos Humanos a partir da experiência da Ledoc da Ufersa é outro passo, e
como se sabe, passo a passo é que se faz um caminho.
Assim, partimos do pressuposto que não esgotaríamos a questão da Educação do Campo
ou dos Direitos Humanos, mas antes disso, nosso interesse teve como base fazer aproximações,
pontes, expandir a compreensão desses temas para além dos seus próprios campos, mostrando
que o campo de cada um é também o campo do outro e que essa luta não cabe somente a “um”
ou ao “outro”, mas que agora, ela cabe a todos nós.
Do mesmo modo que não chegamos aqui sozinhos, sozinhos também não saímos.
Andarilhos que somos, continuamos nossa caminhada, agora atravessada por reflexões realizadas
neste trabalho, das quais duas delas são fundamentais: a primeira consiste na necessidade de
buscarmos sempre aproximações em temas como Educação do Campo e Direitos Humanos.
Procurar o que nos une parece ser o parecer mais equânime entre Educação do Campo e Direitos
Humanos; a segunda diz respeito ao alargamento da importância da Ledoc. Pensá-la a partir da
perspectiva que abordamos aqui, significa pensá-la na sua integralidade, pensá-la ética e
politicamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DALLARI, Dalmo. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.7-9.
DORNELLES, José Ricardo Wanderley. O que são direitos humanos? 2ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 2006.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais no início do Século XXI: antigos e novos
desafios. (organizadora), 4. ed. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2010.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Trad. NEVES, Célia; TORÍBIO, Alderico. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2010.
VANNUCHI, Paulo. Programa Nacional de Direitos Humanos. In: CALDART, Roseli Salete. et
al(org.) Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de
Saúde Venâncio, Expressão Popular, 2012, p. 618-626.
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Este artigo propõe uma reflexão acerca do processo da prática filosófica no contexto
escolar em uma abordagem multirreferencial20 que se desvencilhe das práticas educacionais
ligadas à mentalidade da tradição iluminista. Tratar desse processo rompendo com a abordagem
tradicional implica em repensar o próprio discurso conceitual aplicado no contexto escolar,
quando se trata da perspectiva filosófica. Para refazer minimamente este discurso, começamos
com a recusa em aplicar o termo “ensinar filosofia” ou “ensino de filosofia”, que remete ao
“ensinar” como meio de transmissão de conhecimento. O processo do filosofar é autônomo, ou
não é filosofar. Dessa forma, não se ensina filosofar ou filosofia, mas se possibilita o filosofar,
como bem nos adverte Kant. O ensino acontece em relação a uma atividade fabril que requer
apenas repetição de procedimentos e técnicas específicas, que podem ser repetidas por qualquer
outro que siga as devidas orientações estabelecidas para obter o mesmo resultado. Algo diferente
pode sair deste processo de ensino-aprendizagem, ou por imperícia e falta de habilidade em não
aprimorar a técnica referencial, ou quando se inova na concepção fabril do objeto, dando-lhe
novos contornos ou novas funções diferenciadas. É na inovação e na diferenciação que reside o
filosofar, mesmo que embrionário. E este inovar e diferenciar não se ensina; cabe ao criador e
idealizador da novidade e da diferença a intervenção filosófica no que cria e inova, que vai além
da mera repetição.
Inicialmente enfatizamos que levamos em consideração que o processo filosófico não é
ensinado, ele pode ser desenvolvido contextualmente no universo investigativo dos indivíduos
em sua interação dinâmica com o pensamento emitido por outros, em escritos ou diálogos
expostos pela linguagem falada oralmente e publicamente. O indivíduo inserido no universo de
aprendizagem filosófica, escolar ou extraescolar, se relaciona com o pensamento filosófico por
meio de leituras e diálogos com colegas e professores e inicia ou, de acordo com o nível de
maturidade filosófica de cada um, aprimora seus conhecimentos filosóficos. Nesse contexto, o
professor de filosofia não ensina filosofar, mas indica os caminhos por meio dos exercícios
VIII). Representa uma proposta a ser pensada, aplicada e desenvolvida no âmbito da educação e das ciências
humanas em geral, que surge para problematizar uma possível redefinição do fazer pedagógico em sala de aula, em
contraposição aos procedimentos tradicionais adotados. Que aqui introduzimos a compreensão e a possível
adequação ao pensar filosófico em sala de aula e às suas atividades pedagógicas.
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desenvolvidos de reflexão, de acordo com sua experiência filosófica própria. O termo “ensino”
pode até ser utilizado, tendo em vista que está impregnado no discurso escolar e sua supressão
imediata poderia causar problemas na comunicação entre os falantes submetidos ao jogo de
linguagem escolar. Além do mais, as palavras não podem ser abolidas para não incorrermos em
um novo discurso repressivo, agora no âmbito linguístico; mas as palavras podem e devem ser
desconstruídas e ressignificadas. O uso da palavra “ensino” pode ser orientado à compreensão de
um sentido mais aberto, como demonstração, representação do que se intenciona dizer e mostrar.
Neste sentido, em uma abordagem multirreferencial, que não seja mutilante a ponto de
privilegiar apenas algum aspecto isolado da formação humana, a expressão “ensino de filosofia”
pode ser compreendida como representação ou como “mostra” que expõe as diversas
possibilidades de conhecimento, que exige uma participação ativa da imaginação criativa do
educando. “Mostra” no sentido de uma exposição de como o professor desenvolve sua pesquisa
e suas reflexões, mas no cuidado de orientar que estes processos filosóficos demonstrados são
característicos de sua própria experiência enquanto pensador da filosofia. Esse cuidado serve para
orientar que cada indivíduo, apesar de “estar” com a coletividade pensante, deve “ser pensante”
na coletividade; isto é, precisa demonstrar que o filosofar não se dissocia de um pensar autônomo
edificante, mesmo levando em consideração e se abrindo para o que os outros pensam em uma
relação crítica de interação reflexiva. Como diz Castoriadis (1992, pp. 160-61)
pensamento, o que não pode ser ensinado, pois exige um crescimento intrapessoal e a formação
de uma autoconsciência. Mas isto não implica se aferrar a uma defesa intransigente de uma
espécie de solipcismo, o indivíduo consigo mesmo, por isso ser quase impossível dado a
complexidade da tessitura do pensamento. Ninguém tece o pensamento sozinho, por mais que se
isole em sua subjetividade, visto que o pensamento é linguagem que se comunica com o espírito-
mente, e a linguagem é o lugar que nos abriga e nos faz presente e nos faz projeção. No contexto
escolar, o educador é visto mais como mediador e provocador da reflexão filosófica, e muito
menos como proprietário da verdade sobre o processo do filosofar.
A tradição tem seu discurso próprio e a abordagem multirreferencial aplicada ao processo
filosófico no contexto escolar requer uma ruptura. Esta tradição tem suas raízes no imperativo de
uma racionalidade instrumental e positivista que pensa o filosofar aplicado no contexto escolar
como um processo linear e vertical de imposição de verdades e conceitos absolutos (ensino). A
abordagem multirreferencial aprofundada por Jacques Ardoino, da Universidade de Vincennes
(Paris VIII), desenvolvida no âmbito da educação e das ciências humanas em geral, surge para
redefinição do fazer pedagógico em sala de aula, em contraposição aos procedimentos
tradicionais adotados. Esta abordagem tem como principais colaboradores Michel Lobrot, René
Barbier, Georges Lapassade, René Lourau, Remi Hess e outros. A concepção multirreferencial de
abordagem nos fenômenos educacionais e na articulação do pensamento desvencilhado das
amarras racionais e instrumentais da tradição regida pelo pensar calculador, vem se destacando
gradualmente no campo da pesquisa educacional e nas diversas áreas do saberes.
A abordagem multirreferencial ainda é uma discussão em gestação que não se propõe
como teoria, visto que não representa um sistema fechado de pensamento, mas é teoricamente
construída a partir de múltiplos olhares, pensamentos e práticas em constante problematização,
tendo em vista a complexidade das situações vivenciadas no fazer e no pensar a educação. Porém,
podemos enfatizar que sua discussão ainda não é amplamente conhecida e tematizada no debate
acadêmico aqui no Brasil. Essa abordagem não representa uma novidade em termos de
referências filosóficas, pois recorre às temáticas existentes sobre a complexidade, alteridade,
transdisciplinaridade, e outros. No entanto, representa uma abordagem diferente no âmbito das
atividades teórico-práticas do fazer educacional, que envolve conteúdos, métodos, currículos,
didáticas, competências, habilidades e atitudes, sem se reduzir a um só aspecto deste universo.
Por ser uma abordagem diferenciada, tende a ser objeto de polêmicas e críticas, sobretudo por ser
um marco na ruptura com o modelo de educação fundamentado no princípio da redução. “O
princípio de redução leva naturalmente a restringir o complexo ao simples” (MORIN, 2000, p.
42).
50
21Burnham citando Barbier (1992) diz que podemos tratar a multirreferencialidade em dois sentidos, um interno e
outro externo Segundo ela: “A multirreferencialidade interna é considerada a opacidade de referências que um sujeito
humano dotado de desejos desenvolve durante seus múltiplos itinerários existenciais, traçando assim sua 'itinerância',
que não pode ser abordada senão de uma maneira compreensiva e fenomenológica, já que é portadora de sentidos. A
multirreferencialidade externa remete à rede simbólica de referências teóricas, de sistemas de conceptualizações
científicas e de visões filosóficas do mundo, que necessariamente encharca de sentido o sujeito” BURNHAM (1993,
p. 08).
22A respeito ver sobre a concepção de uma didática magna (universal) em Comenius (1592-1670) que propôs um
modelo metodológico de aplicação da filosofia no contexto escolar, que servisse para todas às ciências, seguindo uma
ordem exata em tudo, baseado na repetição e na monorreferencialidade. Modelo este que serviu e ainda serve até
nossos dias para orientação da abordagem tradicional do que se denomina ensino. Ver: COMENIUS (2006).
51
REFERÊNCIAS
ARDOINO, J. Abordagem multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. In:
BARBOSA, J. G. (coord.). Multirreferencialidade nas ciências sociais e na educação. São
Carlos: UFScar, 1998.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez,
Brasília: UNESCO, 2000.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5. ed. São Paulo: Cortez,
2008.
53
1. INTRODUÇÃO
23Graduado em Ciências Contábeis pela UFC, Especialista em Políticas Públicas e Intervenção Social pela FID,
Especialista em Gestão Pública pela UNILAB e Pós-Graduando em Políticas Étnicos Raciais no Ambiente Escolar
pela UNILAB. Atualmente é Tutor Docente Presencial pela UNILAB, Pós-Graduando em Políticas Étnicos Raciais
no Ambiente Escolar pela mesma instituição de ensino superior e Mestrando no Programa de Pós-Graduação
Interdisciplinar em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH) pela UERN. E-mail: balgarces@yahoo.com.br
24Graduado em Licenciatura em Filosofia, membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB/UERN. E-mail:
sullivamml@gmail.com
25Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFPB, Mestre em Ciências Sociais e Doutora em Sociologia pelo
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Sociologia, respectivamente pela UFPB. Atualmente é Professora
Adjunta IV na UERN, assim como é docente do Departamento de Ciências Sociais e Política (DCSP) e do Programa
de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH) respectivamente pela UERN. E-mail:
mcrbarreto@gmail.com
54
2. METODOLOGIA
No decorrer desta pesquisa, foi adotada uma abordagem qualitativa, a qual não busca
numerar ou medir eventos através do emprego de dados estatísticos à análise das informações.
“Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de
determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar
processos dinâmicos vividos por grupos sociais”, (BEUREN et al., 2008 apud RICHARDSON,
1999 p.91). A abordagem qualitativa visa realizar uma análise mais profunda acerca do fenômeno
56
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Essa indagação é que nos norteiam para gerarmos o objetivo central do referido estudo,
que é justamente analisar se os professores da EMEIF Santa Mônica estão aplicando em seus
currículos escolares o que a Lei 10.639/03, a qual alterou a Lei nº 9.394/96, determina, que é no
tocante a obrigatoriedade do ensino sobre a História e Cultura Afrodescendente.
Partindo dessa perspectiva, e para poder responder a questão que norteia o referido
estudo, foram realizadas visitas junto à instituição de ensino em epígrafe, no período de maio a
junho de 2016 com o intuito de observar o cotidiano dos professores, gestores, funcionários e
alunos.
Nessa circunstância, também foram realizadas entrevistas semiestruturadas junto a 04
(quatro) professores, os quais fizeram questão em participar da pesquisa, após serem esclarecidos
da relevância que ela traria ao mundo acadêmico.
A seguir, podemos constatar a tabela 1 contendo o roteiro de perguntas realizadas junto
aos entrevistados, com o fim de responder a indagação realizada no início do referido estudo:
58
[...] a lei 10.639/03, que altera a lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
(LDB) / Lei 9.394/96 torna obrigatório o estudo sobre a cultura e história afro-
brasileira e africana nas instituições públicas e privadas de ensino, com a
finalidade de ser um instrumento legal de enfrentamento da problemática das
relações raciais no Brasil, traçando estratégias para combatê-lo [...] (P1,
conforme entrevista aplicada no dia 06 de junho de 2016).
Mas é interessante frisar que, infelizmente, mesmo com toda uma preocupação por parte
de especialistas e estudiosos sobre a temática, ainda encontramos alguns profissionais da área da
educação apáticos no tocante à importância e relevância que a referida lei traz à formação
sociocultural dos estudantes, onde podemos observar essa situação a partir da afirmação
encontrada no estudo de Aguiar e Aguiar (2010), a saber:
[...] Sim. Por uma educação antirracismo no Brasil, ressaltando a importância da cultura
negra na formação da sociedade brasileira, construindo cidadãos mais justos e menos
discriminatórios, para que, enfim, as diferenças culturais, sociais, religiosas sejam
respeitadas e valorizadas [...] (P1, conforme entrevista aplicada no dia 06 de junho de
2016).
[...] Sim, devido ser de importância da questão histórica para a formação de um cidadão
mais consciente [...] (P2, conforme entrevista aplicada no dia 06 de junho de 2016).
[...] Sim. Em sala de aula acredito que a diversidade seja ponto preponderante [...] (P3,
conforme entrevista aplicada no dia 06 de junho de 2016).
Esses relatos mais do que provam que devemos ter políticas públicas mais voltadas a essa
situação que possibilitem o conhecimento da Lei 10.639/03 para todos os professores de
distintas áreas do conhecimento. É fundamental a preparação do corpo docente ― das
instituições de ensino fundamental e médio, tanto particulares quanto públicas ― para possam
60
estar mais bem preparados e seguros ao abordarem dentro de suas salas de aulas os conteúdos
que versem sobre a história e cultura do povo africano/afrodescendente.
A obrigatoriedade da lei em si não irá mudar a atual conjuntura a qual se encontram os
negros/afrodescendentes em nosso país, mas servirá como instrumento de socialização e
diminuição das desigualdades sociais sofridas por esses atores. Mas, é claro que, para se alcançar
essa realidade, devemos ter profissionais do setor educacional qualificados em relação à temática
afro, para que possam disseminar através de suas práxis, os referidos conhecimentos. Tal
disseminação deve acontecer dentro das instituições de ensino como forma de conscientização
para que a situação de racismo e desigualdades sociais, que os negros/afrodescendentes estão
expostos até os dias de hoje, possam a vir ser amenizadas com o auxílio da educação.
Dito isto, e de acordo com o que trata um pequeno trecho das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, podemos perceber que:
A pergunta de número 4 foi uma das mais significativas, pois, a mesma, vem retratar
através dos discursos dos professores sobre a influência/posição que seu trabalho como
educador exerce no processo de formação identitária/social de seus educandos, onde podemos
constatar:
[...] Sim. Para que esse conflito tenha valor prático, uso roda de conversa
estimulando a reflexão e o confrontamento das ideias do racismo, preconceito
[...]. Na sala de aula podemos tornar visível socialmente à importância de
exercer a cidadania com direito de liberdade em todos os setores, refletindo
historicamente a respeito da significância da influência africana para a formação
da sociedade brasileira, mostrando a desigualdade que afronta a dignidade dos
cidadãos brasileiros, que raramente são merecedores de seus direitos cabíveis
[...] (P1, conforme entrevista aplicada no dia 06 de junho de 2016).
[...] Sim, instruindo para uma melhor socialização [...] (P2, conforme entrevista
aplicada no dia 06 de junho de 2016).
[...] Sim. Através de atividades dinamizadas em grupo, construção na criança e
no adolescente o seu senso crítico e autônomo [...] (P3, conforme entrevista
aplicada no dia 06 de junho de 2016).
A grande maioria das falas desses profissionais, nos remete, a percebermos que o papel
do professor frente à formação de seus alunos é de extrema importância, pois os mesmos acabam
se tornando, após a família, um dos primeiros referenciais de sociabilidade, cultura, ética,
cidadania, servindo como norteadores à construção da identidade de seus alunos.
A pergunta de número 05, conforme a tabela 1, faz o fechamento da entrevista aplicada
aos professores e, assim como a pergunta de número 4, também se faz muito significativa à
pesquisa, devido ser averiguado o papel da escola frente ao processo de formação social e
identitária dos educandos, partindo da perspectiva dos estudos que tratam sobrem as temáticas
afrodescendentes dentro do contexto escolar, a saber:
[...] através de projetos, onde o alunado mostra seu conhecimento, usando suas
habilidades com os mesmos direitos e deveres [...] (P1, conforme entrevista aplicada no
dia 06 de junho de 2016).
[...] através da inclusão e socialização, na realização de práticas socioeducativas como:
atividades em grupo [...] (P2, conforme entrevista aplicada no dia 06 de junho de 2016).
[...] Enquanto educador da instituição é notório a presença da construção identitária dos
alunos no planejamento educacional para que os professores repassem na prática [...]
(P3, conforme entrevista aplicada no dia 06 de junho de 2016).
A escola como espaço deliberativo de opiniões e ideias se faz sim de extrema importância
no processo de formação identitária e social de seus alunos. Conforme os discursos dos
educadores acima citados, podemos constatar que a EMEIF Santa Mônica influencia na
formação identitária/social/cidadã de seus distintos alunos, independente de etnia ou religião.
62
Influencia mesmo enfrentando algumas dificuldades como mencionados por esses professores
(durante a entrevista) que fazem parte do “corpus” desse estudo ― dificuldades por parte de
professores em dominar determinado conteúdo; disciplinas importantes para a formação social
não serem contempladas na grade curricular; ensino conteudista, dentre outros ―, respeitando a
pluralidade de ideias e opiniões.
Contudo, nessa perspectiva, podemos averiguar que, os profissionais da referida escola
ora analisada, necessitam cada vez mais de participação em cursos que tratem sobre a temática
afrodescendente, para que os mesmos venham a possuir cada vez mais conhecimentos sobre a
temática em questão. Isso para poder nutrirem-se de arcabouços teóricos e desenvolverem suas
atividades e práxis pedagógicas, instigando dentro da sala de aula junto aos seus educandos,
discussões e aplicações pertinentes sobre os estudos da história e cultura africanas, e, com isso,
buscarem auxiliar junto aos seus alunos uma formação mais social/humana e livre de
preconceitos.
4. CONCLUSÃO
práticas que acabem, ou pelo menos amenizem as atitudes de alguns seres sociais que diferenciam
e marginalizam outros por terem a cor da pele mais escura. Essas atitudes podem ser mudadas
dentro do contexto escolar, conforme foi observado a partir das experiências da Escola
Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Santa Mônica relatadas por seus educadores.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Janaina C. Teixeira; AGUIAR, Fernando J. Ferreira. Uma reflexão sobre o ensino
de história e cultura afro-brasileira e africana e a formação de professores em Sergipe.
Revista Fórum Identidades. Itabaiana: GEPIADDE, Ano 4, Volume 7 | jan-jun de 2010.
BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em Ciências Sociais. 4 ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
BEUREN, Ilse Maria et al. Como elaborar trabalhos monográficos em contabilidade: teoria
e prática. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BRASIL. Marcos Legais da Educação Nacional. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
1. INTRODUÇÃO
bacharela em Ciências Sociais. Integra o Grupo de Estudos Culturais e o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, todas
as ações pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: elidajoyce@hotmail.com
28 Graduado em Licenciatura em Filosofia, membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB/UERN. E-mail:
sullivamml@gmail.com
29Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. É docente permanente do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH/UERN) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e do
Programa Interinstitucional de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO/UERN/UFERSA/IFRN). E-mail:
guimepaivacarvalho@gmail.com
30 Segundo o jornal El País, datado de 16/11/2015, “A população brasileira que se autodeclara negra ou parda está
aumentando na última década. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2014, realizada
pelo IBGE e divulgada nesta sexta-feira, 53% dos brasileiros se declararam pardos ou negros no ano passado, diante
de 45,5% que se disseram brancos”.
In: <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/13/politica/1447439643_374264.html>. Acesso em 30.05.2017.
31 A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 6º que, in verbis: “São direitos sociais a educação, a saúde,
a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade
e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (Redação dada pela EC nº 90, de 2015).
65
conquista desse direito, já que para esse movimento social, a educação seria praticamente o único
meio para se combater as desigualdades sociais (e raciais) em nosso país.
Precisamos oferecer uma educação que possa romper com os preconceitos arraigados em
nossa sociedade desde a época do colonialismo (consequência de uma cultura eurocêntrica) e,
assim, formar cidadãos capazes de conviver com a diversidade e a pluralidade cultural. Com
efeito, a pesquisa que deu origem ao presente artigo foi desenvolvida ao longo da disciplina
“Ensino e interdisciplinaridade na Escola Pública”, cursada no programa de Pós-Graduação em
Ensino, no período de 2017.1.
O artigo foi dividido em três partes: a primeira trata da importância da Lei 10.639/2003
para a educação étnico-racial, em que abordamos o surgimento desse marco na educação
brasileira, uma vez que a escola é um local onde a diversidade prevalece e, por consequência, um
espaço de fundamental importância no combate ao racismo e a discriminação racial; a segunda
parte trata da Educação Escolar Quilombola e suas especificidades, em que serão apontados
aspectos relevantes das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola;
por fim, a terceira parte trata da interdisciplinaridade na prática docente e sua relação com a
educação para as relações étnico-raciais na escola.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, em que buscamosanalisar a
importância da educação para as relações étnico-raciais nas escolas e a questão da
interdisciplinaridade na prática docente. Para isso, encontramos arrimo em autores como Candau
(2008), Fazenda (2008), Gomes (2002), Lück (2016), Munanga (2005), Thiesen (2008), dentre
outros. Realizamos entrevistas semiestruturadas com três professores/as de Sociologia e uma
professora de História de três escolas de ensino médio da rede pública e privada, em
Mossoró/RN.
As entrevistas foram realizadas no final do mês de maio de 2017, oportunidade em que
levantamos questionamentos sobre interdisciplinaridade (se os professores adotam uma atitude
interdisciplinar em suas práticas) e se eles/as discutem a temática das relações étnico-raciais em
suas disciplinas. Por ocasião desse artigo, os docentes serão identificados através das iniciais dos
seus nomes, de modo a garantir o sigilo ético e proteção dos sujeitos envolvidos na pesquisa.
66
Nesse sentido, depreende-se do teor da lei que, para oferecer uma formação integral aos
alunos/as enquanto sujeitos sociais, eles devem conhecer a história da formação do povo
brasileiro e a nossa herança africana32, que deverá ser apreendida por meio do (re)conhecimento e
valorização da história e cultura da África, através do ensino da história e cultura afro-brasileira e
africana na educação básica, em todo território nacional.
Não se pode olvidar que um caminho muito árduo foi percorrido por pessoas que já não
estão mais aqui e que lutaram muito contra as injustiças e desigualdades sociais que permeiam
nossa sociedade e pela conquista de direitos. Foi através das reivindicações do Movimento
Negro, que desde a década de 1940, na época do Teatro Experimental do Negro (TEN) – cujo
principal expoente foi Abdias do Nascimento33, o Brasil passou a lutar pela implantação de
políticas públicas em prol da população afro-brasileira, que valorizassem a identidade, a história e
a cultura do povo negro.
32 O parágrafo 4º do artigo 26 da LDB também respalda esse entendimento, senão vejamos: “§ 4º. O ensino da
História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo
brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia”. (Grifo nosso).
33 De acordo com o sítio Fundação Cultural Palmares, Abdias nasceu em 1914, no município de Franca/SP.
“Embora de família pobre, conseguiu se diplomar em contabilidade em 1929. Aos 15 anos alistou-se no exército e
foi morar na capital São Paulo, onde [...] se engajou na Frente Negra Brasileira e se envolveu na luta contra a
segregação racial. Dramaturgo, poeta e pintor, atuou como deputado federal, senador e secretário de Estado [...].
Autor das obras Sortilégio, Dramas para Negros e Prólogo para Brancos e O Negro Revoltado, relatou em seus
livros as realidades quilombolas e levantou temas como o pensamento dos povos africanos, combate ao racismo,
democracia racial e o valor dos orixás nas religiões de matriz africana. Com uma trajetória marcada pelo ativismo,
Abdias teve como resultado de suas iniciativas importantes desdobramentos na defesa e na inclusão dos direitos dos
afrodescendentes brasileiros. [...]”. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?page_id=95>. Acesso em
15.05.2017.
67
[...] Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos
bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e cultura de
seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à
sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de temas
decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se
restringe à população negra, ao contrário, dizem respeito a todos os
brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no
seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir
uma nação democrática (Parecer CNE/CP nº 3/2004, p. 8, grifo nosso).
34 Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se
obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
35 “O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população
Com efeito, a escola tem uma função importante no que diz respeito à eliminação das
discriminações e do racismo. Ela deve proibir toda forma de desqualificação e estereótipos em
relação aos negros (como apelidos e brincadeiras de mau gosto), uma vez que essas atitudes
aprendidas em casa ou na rua perpassam pelo cotidiano escolar. Os estabelecimentos de ensino
devem adotar uma política de reconhecimento e valorização dos negros e afrodescendentes,
respeitando a sua história e cultura. Nesse sentido, Gomes leciona que
Para sair dessa inércia em relação à questão racial, na escola, é preciso assumir
o compromisso pedagógico e social de superar o racismo, entendendo-o à
luz da história e da realidade social e racial do nosso país. Nesse caso, veremos
que a presença significativa de alunas e alunos negros nas ditas classes especiais
representa um reflexo da desigualdade racial que assola a sociedade brasileira e
impregna a estrutura de suas diversas instituições. Ou seja, a própria estrutura
da escola brasileira, do modo como é pensada e realizada, exclui os
alunos e as alunas negros e pobres. Essa exclusão concretiza-se de maneiras
diversas: por meio da forma como alunos e alunas negros são tratados; pela
ausência, ou pela presença superficial, da discussão da questão racial no interior
da escola; pela não existência dessa discussão nos cursos e centros de
formação de professores/as; pela baixa expectativa dos professores/as em
relação a esse/a aluno/a; pela desconsideração de que o tempo de trabalho já
faz parte da vida do/a aluno/a negro/a e pobre; pela exigência de ritmos
médios de aprendizagem, que elegem um padrão ideal de aluno a ser seguido
por todos, a partir de critérios ditados pela classe média branca, pelo mercado e
pelo vestibular, sem considerar a produção individual do aluno e da aluna
negra, assim como de alunos de outros segmentos étnico/raciais (GOMES,
2002, p.41) (Grifo nosso).
Nessa perspectiva, é importante notar que o professor tem um papel protagonista nesse
processo de formação integral dos/as alunos/as. Daí a importância em averiguar se a União
(através de seus órgãos competentes) está ofertando programas de formação continuada para
professores, gestores e funcionários das escolas, com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana, de modo que os estabelecimentos possam contemplar a temática em seus projetos
político-pedagógicos, bem como os professores possam trabalhar as questões étnico-raciais em
suas disciplinas. Segundo Gomes,
orientações seguem as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para Educação Básica. De acordo
com ela:
No entanto, para que a educação escolar quilombola (modalidade da educação básica) seja
efetivada, há que se reconhecer: a existência das comunidades quilombolas; suas histórias; a
realidade e especificidades das comunidades e dos sujeitos que nelas vivem; suas vivências; seus
processos culturais; e, por fim, as relações sociais nelas estabelecidas cotidianamente. Para isso, a
escola deve se constituir em um espaço de diálogo entre o conhecimento escolar e a realidade
local, valorizando a noção de convivência, o trabalho, a cultura, a luta pelo direito à terra e ao
território.
Sobre o projeto político pedagógico e o currículo para as escolas quilombolas, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na educação básica (2012,
71
Inicialmente, para que se possa ter um alcance sobre a questão interdisciplinar, é preciso
falar acerca do conceito de disciplina. Como é cediço, toda e qualquer disciplina é constituída
pelo seu campo de interesses, possui suas particularidades e seus interditos. Para Lück,
Percebe-se, pelo teor das respostas dos professores, que eles possuem conhecimento
teórico sobre o que é interdisciplinaridade. No entanto, a prática de uma atitude interdisciplinar é
74
obstaculizada por uma política educacional ainda pautada em um currículo fragmentado, com
conteúdo isolados, impossibilitando aos alunos, muitas das vezes, atingir a visão do todo. Não
obstante as barreiras (institucionais e pessoais) encontradas, os professores conseguem, dentro de
suas possibilidades, articular pensamentos, ideias e juntar aquilo que aparenta estar separado,
estabelecendo pontes entre os vários campos do conhecimento.
Outrossim, em relação a implementação da educação para as relações étnico-raciais,
perguntamos aos professores se eles/as abordam temas sobre a história e cultura afro-brasileira e
africana em suas disciplinas e como essa prática ocorre em suas aulas. O professor AEN fala
sobre a sua experiência no sentido de promover uma educação às relações étnico-raciais na escola
em que leciona a disciplina de sociologia. Segundo o professor:
[...] Embora não haja um conteúdo que trate especificamente dessa temática no
nosso livro didático, desenvolvo uma discussão com base nos estudos sobre
cultura, dando ênfase a formação do povo brasileiro, com destaque para a nossa
miscigenação, ressaltando a importância da cultura afrodescendente e indígena,
com o intuito de construirmos uma relação de respeito, reconhecimento e
valorização da nossa cultura.
Artística, Literatura e História. No entanto, a pluralidade cultural é tema transversal, e como tal, a
temática das relações étnico-raciais deve estar presente em todo o currículo escolar. Moreira e
Candau (2008, p. 71) ratificam o caráter interdisciplinar da Lei 10.639/2003, quando enfatizam
que
Por fim, fazer uso da interdisciplinaridade para aplicação da Lei 10.639/2003 é permitir
que a escola reassuma seu papel como agente de transformação da realidade social; fazer uso
dessa atitude é proporcionar aos alunos uma compreensão da realidade global, permitindo-lhes a
conscientização de que vivemos num país multicultural e que a diversidade está presente não
apenas no chão da escola, mas em todos os caminhos pelos quais os jovens irão percorrer.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
______. Governo Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996. Brasília: 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 20 de dezembro de
1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm > Acesso em: 10
Jun. 2017.
______. Governo Federal. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Brasília: 2003. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm> Acesso em: 20 Mai. 2017.
FAZENDA, Ivani Fazenda (Org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008.
______. Educação e Relações Raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação (p.
147). In: MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2ª ed. Brasília:
MEC/SECAD, 2005.
1. INTRODUÇÃO
37 Graduado em Licenciatura Plena em Pedagogia pela UVA, Graduado em Licenciatura Plena em Química e
Biologia pela UVA, Especialista em Biologia pela UFLA, Especialista em Nutrição Humana e Saúde pela UFLA e
Especialista em Políticas Étnicos Raciais no Ambiente Escolar pela UNILAB, assim como é Mestre em Ciências da
Educação pela Universidade Americana - UA-PY. Atualmente é Professor Convidado na Pós-Graduação em Gestão
de Saúde Pública e Meio Ambiente pela FMB, assim como é Professor da Graduação em Licenciatura Plena em
Pedagogia pela FAK, Graduando no Bacharelado em Agronomia pela UNILAB. E-mail: diegomatos9@hotmail.com
38 Graduado em Ciências Contábeis pela UFC, Especialista em Políticas Públicas e Intervenção Social pela FID,
Especialista em Gestão Pública pela UNILAB e Pós-Graduando em Políticas Étnicos Raciais no Ambiente Escolar
pela UNILAB. Atualmente é Tutor Docente Presencial pela UNILAB e Mestrando no Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH) pela UERN. E-mail: balgarces@yahoo.com.br
39 Graduado em Licenciatura em Filosofia, membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB/UERN. E-mail:
sullivamml@gmail.com
40Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFPB, Mestre em Ciências Sociais e Doutora em Sociologia pelo
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Sociologia, respectivamente pela UFPB. Atualmente é Professora
Adjunta IV na UERN, assim como é docente do Departamento de Ciências Sociais e Política (DCSP) e do Programa
de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH) respectivamente pela UERN. E-mail:
mcrbarreto@gmail.com
79
No entanto, não podemos negar de forma alguma que nas aulas de História do Brasil,
ministradas pelos nobres professores do nosso país, o ensino da história e cultura afro-brasileira e
africana não foi ofertado fundamentalmente com a linha de tema: a escravidão negra africana. No
momento em que ocorre a ressignificação da grande contribuição que os povos africanos
forneceram à criação da sociedade brasileira como a conhecemos atualmente, corrige-se uma
visão anteriormente ensinada, na tentativa de manter vivas essas manifestações culturais da
negritude e seus ancestrais, o que é importante no fortalecimento de sua identidade étnica e seu
reflexo na formação do nosso povo.
De acordo com Nascimento (1978), Munanga (1996) e Silva, (1996/ 1988) a educação
formal (leia-se escola) não foi e nem será o remédio para os problemas dos negros brasileiros.
Autores e intelectuais da negritude descobriram que a escola também tem responsabilidade na
perpetuação das desigualdades raciais, onde historicamente o ensino brasileiro pregou, e ainda
prega, uma educação formal de embranquecimento/branquitude cultural em sentido amplo. Tal
educação é eurocêntrica, endeusando os Estados Unidos da América (USA) e desqualificando a
cultura do continente africano. Fortalecendo essa perspectiva de pensamento, Abdias do
Nascimento diz que
Com a promulgação das leis ditas de ações afirmativas, existe atualmente uma base legal
muito forte no sentido de dar vez e voz àqueles que foram silenciados, marginalizados, negados
80
por anos e anos. Surge uma real esperança de mudanças sociais, como é o caso dos
afrodescendentes que, sempre hierarquicamente na sociedade brasileira, ocuparam posições
inferiores no contexto histórico e que sempre foram pessoas deixadas à margem da socialização,
contexto que é fundamentalmente aprendido e ensinado na escola. Com relação a essa reflexão,
Abreu; Boakari questionam:
Partindo dessa perspectiva é que se faz urgente e necessário observar como está o
conhecimento dos professores da Escola de Ensino Médio Deputado Ubiratan Diniz de Aguiar
acerca da Lei Federal nº 10.639/03 nas séries iniciais do ensino médio, observando dessa forma,
seus anseios e desejos em relação à temática afro.
O interesse em realizar a respectiva investigação partiu das inquietações pessoais,
profissionais e sociais dos autores que realizaram o referido estudo, no tocante a temática em
questão. A pesquisa foi realizada em uma escola do sertão cearense, onde um dos pesquisadores
atua como professor desde 1999 e na escola pesquisada desde 2000, onde foi observado o “chão
de escola” de forma empírica.
Nesse sentido, tomou-se como embasamento teórico os estudos de renomados
pesquisadores que trabalham com a temática afro, tais como: Nascimento (1978); Santomé
(1995); Munanga (1996); Santos (2005), dentre outros que trazem suas contribuições ao
enriquecimento do referido estudo.
Mesmo com essas inquietações, podemos afirmar que a discussão das relações étnico
raciais nas políticas de educação do Brasil vem tomando cada vez mais espaço nos debates de
promoção à igualdade racial, tão prejudicada até os dias de hoje pelo mito da democracia racial.
2. METODOLOGIA
O presente estudo foi realizado junto à Escola de Ensino Médio Deputado Ubiratan de
Aguiar, localizada na cidade de Capistrano no Estado do Ceará, onde foi realizada ― junto aos
docentes que se propuseram a fazer parte do referido estudo ― entrevista semiestruturada, no
81
dos professores das séries iniciais do ensino médio no tocante a Lei 10.639/03, assim como
verificar como eles utilizam esses conhecimentos em suas práticas pedagógicas.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A questão da discriminação racial com o passar dos tempos vem ganhando espaços de
discussão em distintos contextos sociais, e a escola, como responsável pela formação cidadã, não
poderia deixar de participar dessa arena de discussão.
Dessa forma, de acordo com Santos (2005), o processo de discriminação racial
Corroborando com essa questão e analisando o contexto escolar como reprodutor desse
processo de discriminação racial, Santomé enfatiza ― em seus estudos no tocante a relação
existente entre culturas negadas e silenciadas e currículo escolar ― que
Rocha (2006) reflete que se a Lei 10.639/03 for trabalhada no sistema de ensino brasileiro
segundo uma perspectiva de combate às desigualdades, de superação da ideologia das raças,
contribuirá como
Nesse sentido é que se fez necessária a realização de um estudo voltado para se identificar
como está o conhecimento no tocante a Lei 10.639/03 por parte dos professores das séries
iniciais do ensino médio, de uma escola do sertão cearense.
Partindo desse viés e observando os relatos dos professores ora investigados, resolvemos
expor os seguintes posicionamentos dos mesmos no tocante à temática em questão, conforme o
quadro nº 01 a seguir:
84
QUADRO No01. Apresentação de Excerto de Depoimentos (ED) dos professores acerca da Lei
10.639/03.
P “2” “Conheço sim a Lei. Aprovada em Março de 2003, é a lei que determina a
obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura dos Afro-Brasileiros nas escolas
de Educação Básica”.
P “3” “Conhecimento muito básico, pouco aprofundado. Só sei que é uma lei que
obriga o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas Escolas de
Ensino Fundamental e Médio.”
P “4” “Não sei muito, mais conheço a obrigatoriedade da lei. Ainda não me dediquei a
estudar essa lei. […]”
P “5” “Conheço sim de forma razoável a Lei 10.639/2003 por conta de um curso de
extensão que fiz pelo Instituto da Mulher Negra em 2013. Essa Lei obriga o
Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nos departamentos de Ensino do
Brasil, no sentido de promover a valorização da cultura negra que influenciou a
construção da sociedade brasileira, bem como busca a lei também a correção do
fluxo de negação da cultura negra existente no Pais”.
Diante do exposto no quadro acima, dos cinco professores inquiridos, 100% (05
professores), informam que “conhecem” a Lei. Porém, percebe-se que 40% (02 professores)
acreditam conhecer a lei mais “profundamente”, ao passo que a grande maioria dos professores
investigados, 60% (03 professores) afirmam ter conhecimentos básicos e superficiais da Lei
10.639/03.
Entendemos com relação ao conhecimento da Lei 10.639/03 que não basta saber que a
mesma existe e que há uma legislação que ampara sua aplicabilidade. É necessária uma formação
aos docentes sobre os fundamentos da lei, seus princípios e suas concepções político-
pedagógicas. Fica essa necessidade evidente até mesmo antes da promulgação da Lei 10.639/03,
85
nas orientações dos PCNs (1997), quando chama atenção para a formação profissional sobre o
tema Pluralidade Cultural:
4. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ABREU, Antonia Regina dos Santos; BOAKARI, F. M. Debate sobre a Lei 10.639/03 e sua
implicação no espaço escolar. ISBN: 9788574636610. In: V ENFORSUP, 2013, Teresina, PI.
V ENFORSUP - anais. Teresina, PI.: EDUFPI, 2013. v. 00. p. 01-18.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96. Brasília, MEC, 1996.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Editora Atlas 2006 –
2009.
ROCHA, Luiz Carlos Paixão da. Políticas afirmativas e educação: a lei 10639/03 no contexto
das políticas educacionais no Brasil contemporâneo. Dissertação (Mestrado em Educação e
Trabalho) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2006. Disponível em:
<http://www.nupe.ufpr.br/>. Acesso em: 05 out. 2012.
SANTOS, Â. M. dos. Vozes e silêncio do cotidiano escolar: análise das relações raciais entre
alunos negros e não-negros em duas escolas públicas no município de Cáceres-MT. Dissertação
de Mestrado. Cuiabá, 2005.
SANTOS, SALES A. dos. A Lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento
Negro. EDUCAÇÃO anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal n° 10.639-2003. Brasília:
MEC: SECAD, 2005, p.21-37.
1. INTRODUÇÃO
Na trajetória cultural e educacional dos corpos existe uma clara divisão, separando as
pessoas em dois estereótipos, sendo um representando pessoas denominadas de homens e o
outro conceituando pessoas como mulheres. O sujeito-corpo dissidente, ou seja, aquele que não
se considera pertencente ao grupo que a sociedade estabeleceu para ele se inserir, fica à mercê,
não sendo acolhido por nenhum dos dois modelos citados.
Isso acontece também em todo o sistema educacional, não ficando de fora as aulas
práticas da disciplina de Educação Física que, desde a sua implantação na grade curricular das
escolas, trabalha incisivamente sobre os corpos e reforça a desigualdade entre sujeitos masculinos
e femininos. De acordo com Neil Franco, as
[...] vivências nas aulas de Educação Física destacam essa área de conhecimento
como um dos vetores do preconceito e da discriminação em relação àqueles/as
que não construíram seus gêneros e/ou vivem suas sexualidades dentro dos
parâmetros hegemonicamente estabelecidos (FRANCO, 2016, p.62).
Dos/as transgêneros é cobrada a total adaptação às regras impostas pela Educação para
que haja organização e ausência de perturbação, não devendo qualquer sujeito atrapalhar a
disciplina e perturbar a ordem. Porém, a simples presença de pessoas dissidentes nas aulas
práticas de Educação Física já gera um mal-estar àqueles/as que se encontram perfeitamente
ajustados/as às normas binárias de gênero.
Neil Franco acredita que
Neste viés, é fácil perceber que o sistema educacional dá significados a dois tipos de
corpos, não levando em consideração a subjetividade dos sujeitos e sim, ao que biologicamente
está destacado, isto é, aos órgãos sexuais masculinos e femininos: pênis e vagina. O corpo que a
Biologia considera como o da mulher ou como o do homem deverá se adaptar às atividades
físicas que a disciplina desportiva estabelecer como corretas para cada gênero.
Os/as educadores/as das práticas desportivas perpetuam a ideia de que existem atividades
naturalmente femininas e outras naturalmente masculinas. Os esportes que se utilizam de força,
de esforços físicos deverão ser praticados por pessoas pertencentes ao estereótipo do homem,
90
enquanto que as atividades que demonstram leveza, suavidade, delicadeza de gestos, terão que ser
realizadas por pessoas pertencentes ao estereótipo oposto, isto é, ao da mulher.
Neste sentido, o sujeito que nasce biologicamente homem, ou seja, possuindo um pênis,
no decorrer de sua vida deverá praticar exercícios voltados para estimular a sua agressividade
através da força física. Já aquela pessoa que nasce biologicamente mulher, com uma vagina, é
considerada o “sexo frágil”, não precisando submeter-se a exercícios que lhe exijam a aplicação
de muita energia.
Percebe-se que tais divisões de práticas educativas
[...] fazem com que os alunos e alunas sejam organizados, assim como os
operários e operárias de uma fábrica, dentro de um sistema de normas de
comportamento, com a imposição de uma série de tarefas que visam um
objetivo maior de docilizar os corpos [...] (LIMA; DINIS, 2007, p.247).
4. CORPOS DÓCEIS
Submeter as pessoas à normatividade é privilégio do poder discursivo, que cria regras nas
disciplinas do sistema educativo e faz com que elas permeiem não só dentro das instituições, mas
igualmente fora, no meio sociocultural. Dessa forma, o discurso criado acerca dos gêneros
homem/mulher transpassa os bancos escolares, domesticando os corpos e dando significados a
eles dentro e fora do campo educacional.
Nesta senda, Michel Foucault aduz que
[...] a Educação Física deveria servir para formar, criticamente, o sujeito (aluno)
em seu processo de aprendizado, de conscientização e de aquisição de
conhecimentos e experiências para a vida, respeitando as diferenças, o próprio
corpo e o corpo do outro (GONÇALVES, 2007, p.02).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FRANCO, Neil. A Educação Física como território de demarcação dos gêneros possíveis:
vivências escolares de pessoas travestis, transexuais e transgêneros. Motrivivência v. 28, n. 47, p.
47-66, maio/2016.
LIMA, Francis Madlener de; DINIS, Nilson Fernandes. Corpo e gênero nas práticas escolares
de Educação Física. Currículo sem Fronteiras, v.7, n.1, pp.243-252, Jan/Jun 2007. Disponível
em: <http://www.curriculosemfronteiras.org/> Acesso em: 16 abr. 2017.
OLIVEIRA, Vitor Marinho. O que é educação física. São Paulo: Brasiliense; 2008. (Coleção
primeiros passos; 79).
95
1. INTRODUÇÃO
43 Possui graduação em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2014); Mestra em Ciências
Sociais e Humanas pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas – UERN (2017). Técnica
Administrativa no Departamento de História-UERN, e nos grupos de pesquisas: Epistemologia e Ciências Humanas
e História do Nordeste: sociedade e cultura. E-mail: aryannesqo@gmail.com
44 Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e Professor Permanente do Programa de Pós-
Além dos/as docentes foram realizadas entrevistas com 03 (três) discentes transexuais,
referenciadas com as siglas T1, T2 e T3. Como procedimento metodológico, o estudo se norteou
pela análise qualitativa de conteúdo. Segundo Flick (2004), na análise qualitativa de conteúdo
parte-se de quadros teóricos de referência.
No Ocidente, a identidade de gênero do sujeito transexual é constituída por práticas
discursivas e saberes produzidos no campo científico do Direito e da Saúde. Esses discursos
normatizam as identidades de gênero a partir da teoria da oposição binária da sexualidade,
levando as pessoas a se adaptarem aos padrões normativos da heterossexualidade normativa.
Assim, a matriz cultural da heteronormatividade cerceia a construção da identidade de gênero do
sujeito transexual.
Para tratar da relação entre heteronormatividade, transexualidade e educação, o estudo
toma como referência a perspectiva de Judith Butler (2010), Joan Scott (1985), Berenice Bento
(2006) e Guacira Louro (1997). A teoria do reconhecimento é abordada a partir de Axel Honneth
(1997) e Nancy Fraser (2006).
97
A identidade de gênero daquele/a que se autodeclara transexual não é refletida pelo sexo
biológico que seu corpo irradia, causando um estranhamento diante das pessoas. O testemunho
declarado sobre sua própria identidade sexual não se adéqua ao padrão binário da sexualidade.
Diante dessa ótica, caso o indivíduo não deseje parodiar fielmente essas performances
reivindicadas, será interpretado pelos profissionais da área médica como uma pessoa doente,
como um problema a ser resolvido. A patologização da transexualidade fora estabelecida pelos
saberes-poderes médicos a partir de um padrão de normalidade que impõe a heterossexualidade
como norma. Tais saberes produzem tecnologias e saberes para transformação dos corpos,
gerando uma necessidade no transexual de utilizar-se delas para que seu manequim se associe
com o gênero ao qual se identifica.
transgressoras e desviantes. Nos discursos jurídicos, biológicos e das ciências médicas, a oposição
binária da sexualidade conduz a uma concepção patológica das sexualidades consideradas
desviantes.
A supervalorização da heterossexualidade e a invisibilidade de identidades que
transgridem esse padrão de comportamento dificultam o reconhecimento de pessoas e grupos
que possuem desejos diferenciados e do sujeito transexual na instituição escolar. Para “se
reconhecer como homossexual, será preciso que ele/ela consiga desvincular gay e lésbica dos
significados a que aprendeu a associá-los” (LOURO, 1997, p.83). Dessa maneira, a visão acerca da
homossexualidade, da transexualidade ou da intersexualidade, aparece associada ao desvio, à
patologia, ou a formas que contrariam a natureza e o padrão de normalidade da sexualidade.
Assim sendo, a Resolução tem o condão de regular matéria de outros atos administrativos
anteriores que não produziram eficácia e que necessitavam de uma especificidade de tratamento
103
para resolver a questão positivada. Porém, é de caráter legislativo e não executivo, significando
que fora elaborada e finalizada por pessoas competentes, possuidoras da função de prescrever
leis.
As Resoluções diferem dos Decretos, que são atos privativos do Poder Executivo
(Presidente da República, Governador de Estado-membro e Prefeito) ― ou seja, não passam pelo
crivo do Poder Legislativo ― e servem para regulamentar leis, possuindo hierarquia inferior a
estas.
A Resolução que importa para esta pesquisa é originária do Conselho ― vinculado ao
Ministério da Justiça e Cidadania ― integrante da estrutura básica da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República (SDH/PR), criado por meio da Medida Provisória Nº
2216-37, de 31 de Agosto de 2001. O Conselho Nacional de Combate à Discriminação e
Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – CNCD/LGBT
fora instituído pelo então Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, por meio
do Decreto nº 7388, de 09 de dezembro de 2010.
O Conselho em questão é um órgão colegiado formado por 30 (trinta) membros ― 15
(quinze) sendo representantes da Sociedade Civil e os outros 15 (quinze) sendo representantes do
Governo Federal. O motivo maior de inquietação do Conselho exposto é estimular a promoção
de políticas públicas, além das tentativas frequentes em comover os órgãos de Estado nas
atividades de defesa e garantia dos direitos da população LGBT.
Neste condão, a Resolução em comento privilegia 03 (três) direitos que deverão ser
garantidos no âmbito das instituições educacionais. São eles: o reconhecimento e adoção do
nome social; o uso livre dos banheiros; e o uso de uniformes, caso haja. Apesar desta pesquisa
voltar o seu olhar para o Ensino Superior, é de se colocar em relevo que tais direitos foram
elencados para serem garantidos em todos os níveis da Educação e não só no Ensino Superior.
Nos artigos 1º ao 5º, a Resolução trata do uso do nome social. Eis na íntegra:
Art. 3º - O campo "nome social" deve ser inserido nos formulários e sistemas
de informação utilizados nos procedimentos de seleção, inscrição, matrícula,
registro de frequência, avaliação e similares.
104
É importante revelar que o uso do nome social é um paliativo diante das dificuldades de
mudar o nome registrado civilmente. Em razão do processo moroso que existe para a alteração
do nome civil, as pessoas que preferem ser chamadas e reconhecidas socialmente por outro
prenome, adotam o nome social. E em respeito ao direito de personalidade de cada indivíduo de
querer ser tratado da melhor forma que lhe convém, é necessário que o nome social seja adotado,
enquanto este não substitui o nome civil nos Registros Públicos do país.
A Resolução ora exposta pretende amenizar os efeitos dessa lentidão e busca proteger o
direito de personalidade dos sujeitos. As pessoas transexuais que possuem nome social e aspiram
serem tratadas oralmente ou nos instrumentos de identificação acadêmico por ele, dentro das
instituições de ensino, poderão requerer essa garantia. O sistema educacional deverá ser adaptado
em seus registros administrativos para assegurar a identificação dos indivíduos transexuais, seja na
lista de frequência, no ato da matrícula, nas avaliações semestrais, sendo recomendado que haja a
emissão nos documentos oficiais do nome social, concomitante ao nome civil, com maior ou
igual destaque.
Quanto ao uso dos banheiros, o art. 6º da Resolução declara que “deve ser garantido o
uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo
com a identidade de gênero de cada sujeito”. Neste caminho, compreende-se que qualquer
situação que usurpe o direito de liberdade ― da pessoa de identidade de gênero diversa do
binarismo ― ao adentrar nos banheiros, poderá ser reivindicada à instituição a garantia de
reconhecimento de seu direito de ir e vir.
No tocante ao art. 7º, este preconiza que “caso haja distinções quanto ao uso de
uniformes e demais elementos de indumentária, deve ser facultado o uso de vestimentas
conforme a identidade de gênero de cada sujeito”. Ou seja, não deverá ser obrigatória à pessoa
transexual a utilização de fardamento, pois poderá ferir a sua identidade sexual ou poderá
constrangê-la dentro ou fora da sala de aula na Universidade. Aqui, o direito de personalidade
deve preponderar, tendo a coletividade o dever de respeitá-lo sempre, não estabelecendo prazos,
horários ou lugares específicos para ser garantido.
Partindo desses pontos essenciais que trata a Resolução Nº 12/2015-CNCD/LGBT,
levantou-se uma questão sobre ela na entrevista realizada com os profissionais docentes da área
105
Jurídica e das Ciências da Saúde, assim como com os discentes que se autodeclaram transexuais.
É o que será apontado a seguir.
Não, não conhece. Destaca que por ser um professor de Direito e a Resolução tratar de
PJ-01
pessoas, já demonstra que há uma deficiência também de sua parte.
PJ-02 Só conhece em razão de a entrevistadora ter falado, mas ainda não leu.
Não e acha que os docentes de sua área não estão qualificados para identificar. Afirma
PJ-03 que não compreende e não tem o conhecimento da resolução, nem como ela foi
difundida ou discutida nas universidades.
Não, não conhece. Nunca se debruçou, mas conhece a respeito da questão da chamada,
inclusive já tratou sobre isso com o setor de informática da instituição, para ver se inseria
PJ-04 dentro da chamada o nome social, embora nunca tivesse tido uma iminência como
professor nesse sentido, mas se houvesse seria muito constrangedor, pois não saberia
como chamar.
Já ouviu falar dessa resolução, mas ainda não parou pra se debruçar e fazer um estudo,
PJ-05
uma análise sobre ela.
Já ouviu falar, mas nunca leu. Lembra que já foi discutido no âmbito da Faculdade de
PJ-06
Direito em uma reunião, mas não conhece integralmente o texto.
A resolução em si não, mas conhece na prática, que existe um nome social, de que a
pessoa assume essa identidade e ela quer ser tratada e reconhecida com esse outro nome,
e aí é um direito da pessoa exigir que seja tratada com esse nome. Às vezes se cria alguns
PS-01
conflitos, mas nunca teve esse conflito. Afirma que tem um aluno que pediu para ser
tratado – corrige-se! – uma aluna que pediu para ser tratada com seu nome social e é
tratada normalmente.
PS-02 Não.
Sabe que existe, mas ainda não aprofundou os estudos nela. Sabe que existe porque
dentro da área da enfermagem têm muitos profissionais que já realizam seminários acerca
PS-03
de identidade, de gênero em saúde. Afirma que sempre procura estar conhecendo,
procurando essas coisas mais inovadoras, mas não conhece ainda.
Já ouviu falar, mas não leu a fundo. Acha que permeia por essa questão do professor
reconhecer como o aluno se reconhece, mas os docentes de sua área nunca debateram
PS-04 sobre isso e também não leu a fundo. Acha que, talvez, porque o problema ainda não
apareceu. Viu apenas uns discursos bem rasos sobre isso, que também não considerou
porque achou que foram abordagens bem de mídia social, com muito pouco a
acrescentar, nada aprofundado a discutir sobre isso.
PS-05 Não, não conhece.
106
Houve respostas diferentes à questão levantada: enquanto a pessoa T-01 diz não
conhecer, mas sabe que é certo ter esses direitos protegidos, T-02 não sabia do que se tratava e T-
03 conhece “médio”, pois já viu na prática o desenrolar da Resolução, na Universidade que
frequenta. Deste modo, a conclusão surgida é que até mesmo as pessoas transexuais ― que
deveriam estar mais atentas à proteção de seus direitos ― não possuem propriedade ao falar de tal
documento oficial.
Sob essa ótica, além da ausência de domínio por parte dos/as docentes, conforme vimos
acima, também existe uma carência de conhecimento sobre a Resolução por parte dos indivíduos
transexuais. Assim, constata-se a insuficiência de informações, em geral, sobre a proteção dos
direitos e garantias dos referidos sujeitos no âmbito acadêmico.
Pode-se fazer uma comparação com o filme “O Homem Elefante” (Lynch, 1980) ―
baseado em fatos reais ― que retrata uma anomalia em um inglês chamado John Merreck, o qual é
retirado de um circo pelo médico Frederick Treves para ser cuidado em um hospital, pois sofria
vários maus-tratos naquele ambiente. Porém, apesar de ser bem tratado nas dependências do
hospital pela equipe, o médico citado também o utiliza como objeto de espetáculo entre os seus
108
se encontra a efetividade, mas sim a eficiência. Portanto, existe uma diferença entre eficiência e
efetividade da lei, do ordenamento jurídico etc.
O que se quer retratar aqui é que não adianta ter um arcabouço documental sem um papel
efetivo. Comparando com um corpo humano, pode-se inferir que a simples existência de uma
variedade de ossos compondo um esqueleto ― pronto a estruturar músculos, peles, órgãos e
tecidos ― não significa que há vida pulsante, produzindo efeitos reais. Segundo a Ciência, todo e
qualquer corpo humano necessita de vida, de palpitação, de um coração que bombeie sangue e
faça toda a estrutura corpórea movimentar-se e repercutir na Existência. Já algumas religiões,
alguns credos, algumas correntes filosóficas, propalam que é preciso também um espírito, uma
Essência maior, para fazê-lo mover-se. Isto não é objeto desta pesquisa, porém, se faz necessário
entender aqui que o Ordenamento Jurídico, como um corpo humano, é aparelhado por vários
“ossos”, vários “órgãos”, vários tipos de “tecidos” que precisam de uma força motriz para
impulsionar a sua existência real, para se fazer concreto na rotina dos sujeitos.
O reconhecimento da identidade de gênero e do direito das pessoas transexuais ainda não
se concretiza de maneira plena na vida destas. Como Berenice Bento afirma, em uma de suas
inúmeras palestras, é que os direitos dessas pessoas-cidadãs vem “à conta gota”, existindo uma
“gambiarra de cidadania”, ou como a mesma prefere, uma “cidadania precária”.
Para a socióloga, o Brasil até este momento não forneceu uma legislação que ampare de
forma ampla e concreta o direito de cidadania aos sujeitos que não fazem parte do binarismo.
Existe uma má vontade do Poder Legislativo em garantir legalmente os direitos de tais sujeitos e
às vezes o Poder Judiciário os socorre ― paulatinamente, quando provocado ― e promove em
suas sentenças o reconhecimento do nome social e das identidades de gênero. No entanto, é um
processo bastante moroso, cansativo e que não preenche as reais necessidades no dia a dia de
todos os indivíduos transexuais.
O Poder Legislativo, em vez de proteger tais pessoas, pois fazem parte da sociedade e
precisam ser amparadas, fazem o efeito inverso: tentam suspender as Resoluções e os Decretos
que auxiliam no reconhecimento das identidades transexuais. Um forte exemplo disso ocorreu
quando parlamentares de 10 (dez) partidos tentaram sustar o Decreto Nº 8727/2016 da
Presidência da República, aprovado pela até então Presidente Dilma Rousseff no dia 28 de abril
de 2016.
O referido Decreto concede às pessoas travestis e transexuais o direito de trabalhar no
serviço público federal utilizando o nome social em seus crachás e documentos oficiais. Tal
garantia ofendeu quase 30 (trinta) parlamentares que se uniram para propor um projeto de
decreto que sustava o Decreto da Presidente Dilma, agora afastada por um processo de
112
impeachment. Ou seja, a bancada evangélica parlamentar uniu forças para impedir que o direito ao
nome social fosse garantido no serviço público, ofendendo assim à função do Poder Legislativo,
que é proteger a sociedade e os seus direitos, por meio de leis.
Outro exemplo de ultraje aos direitos das pessoas transexuais é encontrado no Projeto de
Lei Ordinária Nº 880/2016 do Estado de Pernambuco, que “dispõe sobre a utilização de
banheiros, vestiários e outros ambientes similares pelo critério de segregação por sexo biológico
nos estabelecimentos públicos e privados do Estado de Pernambuco”. Percebe-se que em vez de
auxiliar no processo de reconhecimento do direito ao uso do banheiro, tal Projeto insulta as
identidades de gênero não-binárias.
Ele vislumbra somente o sexo biológico e declara que “considera-se identidade de gênero
o conceito individual, psíquico ou subjetivo que seja divergente do sexo biológico da pessoa” e,
por isso, não garante o acesso aos vestiários às pessoas, podendo aplicar penalidades àqueles/as
que descumprirem o que dispõe a Lei.
Com os exemplos trazidos à baila, percebe-se a incapacidade de discernimento e o
desprezo em relação ao reconhecimento das identidades de gênero e dos direitos dos sujeitos em
tela, no nosso país. A efetivação da garantia dos direitos de uso dos banheiros e de utilização do
nome social seria um primeiro passo ― de muitos que precisam ser calcados! ― para se construir
um caminho de conquistas no Ordenamento Jurídico Brasileiro.
Pelo que se assimilou no decorrer desta pesquisa, a questão da efetividade dos direitos das
pessoas transexuais e do reconhecimento de suas identidades ainda será, por um bom tempo, o
calcanhar de Aquiles da sociedade heteronormativa preconceituosa. No universo acadêmico,
apesar de já existirem pontos de luz que brilham em direção aos sujeitos em exame, percebe-se
que há, ainda, muita escuridão nas mentes dos docentes sobre a temática trabalhada aqui.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
________. Social Justice in the Age of Identity Politics: Redistribution, Recognition, and
Participation. In: FRASER, Nancy; HONNETH, Axel. Redistribution or recognition?: a
political-philosophical exchange. London; New York: Verso, 2003.
HONNETH, Axel. La Lucha por el Reconocimiento: Por una gramática moral de los
conflictos sociales. Traducción castellana de Manuel Ballestero. Barcelona: Novagràfik, 1997.
SCOTT, J.W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Revista Educação e
Realidade, Porto Alegre, vol. 20, n 2, jul/dez, 1995.
SIMMEL, Georg. A natureza sociológica do conflito. In: Moraes Filho, Evaristo (org.), Simmel.
São Paulo: Ática, 1983.
115
1. INTRODUÇÃO
45 Graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Especialista em Atividades Aquáticas
pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Mestranda em Educação pelo programa POSEDUC da Faculdade do
Estado do Rio Grande do Norte.
46 Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FE – UERN). Especialista em
Estudos Literários (CEEL – UERN). Especialista em Práticas Educativas, Recursos Didáticos e Aprendizagens
(POSEDUC – UERN) e Mestrando em Educação (POSEDUC – UERN).
116
47Conceitoque engloba as diferentes etapas do processo de formação de professores como a formação inicial e a
formação permanente ou continuada.
117
No século XXI, com o avanço cada vez maior e mais abrangente da tecnologia da
informação, as transformações sociais, políticas, educacionais, dentre outras, têm ocorrido em um
ritmo vertiginoso, o que tem demandado dos professores a obtenção de conhecimentos cada vez
mais diversificados, além de uma postura inovadora, crítica e reflexiva, acarretando em desafios à
formação inicial para a docência, tendo em vista as constantes mudanças e exigências atreladas ao
ensino. Porém, ainda são encontradas limitações nos espaços formativos no que se referem aos
modelos de formação que são, por vezes, pautados por uma padronização da atuação
profissional. Assim, o movimento por uma educação popular e de escolarização das massas
representou mutações para educação, que conduziram a uma necessidade de reinvenção das
práticas docentes, assim como da organização escolar, o que tem promovido mudanças
formativas, haja vista as modificações do papel e do trabalho docentes (CANÁRIO, 2006).
A globalização promoveu uma ampliação do campo docente em função das atuais
exigências emergentes nos espaços educativos. No que concerne à diversidade sociocultural do
público escolar, demandou-se uma formação de professores pautada em aspectos indispensáveis,
tais como inovação, autonomia e unidade teórico-prática (VEIGA, 2009).
Todavia, Perrenoud (2002) considera que as perspectivas para a formação de professores
no século XXI ainda são as mesmas instituídas no século XX, sendo um dos principais desafios
da atualidade reinventar a escola e a organização do trabalho docente, tornando o professor
sujeito ativo e participante das transformações na educação. Conforme o autor, a formação inicial
docente tem fornecido uma visão prescritiva da profissão, realidade que deve ser modificada em
razão de uma formação que se estruture em torno das competências, da articulação entre teoria e
prática e de uma postura reflexiva.
Perante as transformações na educação e das reflexões acerca da necessária renovação do
processo formativo dos docentes, de forma geral, a formação em educação física, em conjunto
com as demais áreas do conhecimento, tem passado por intensa reformulação, objetivando
superar o racionalismo técnico e o mecanicismo centrado na prática. Desse modo, a educação
física é entendida como campo de estudo que compreende os elementos da cultura do
movimento (o jogo, os esportes, a ginástica, dentre outros), elementos culturalmente
determinados, além de compreender o processo de aprendizagem sobre o movimento e pelo
movimento (TANI; MANOEL, 2004).
Por muito tempo, a educação física teve seu enfoque em um processo de
instrumentalização do corpo, advindo de uma cultura capitalista, cujo único objetivo era o
118
48Refere-se por espaços extras escolares os campos de atuação do profissional bacharel em educação física, como
clubes, academias, dentre outros, assim como mencionado por Benites, Neto e Hunger, sendo o enfoque dessa
pesquisa a formação em licenciatura e sua atuação no espaço escolar (2008).
119
Entendido na maioria das vezes como parte prática da formação profissional docente,
esse componente disciplinar deve possibilitar a aproximação entre os conteúdos teorizados e a
perspectiva da atuação em atividades cotidianas no ambiente de trabalho para assim favorecer o
confronto de experiências e teorias que perpassam o contexto formativo. No entanto, superar a
visãoque dissocia teoria e prática atribuída ao estágio tanto por parte das universidades, ao
conferirem um caráter suplementar ao estágio (Piconez, 2012),quanto por parte das escolas, que
muitas vezes desvalorizam o estagiário (Kulcsar, 2012),ainda tem se apresentado como umas das
principais problemáticas a serem discutidas no campo formacional. Lima e Costa (2014, p. 43)
definem que:
Para Lima (2012), uma prática com fim em si mesma, sem ligação com a teoria, fortalece a
ideia de dissociabilidade entre ambas, o que vem por distanciar o trabalho docente de uma
reflexão em contexto na qual a educação deveria apresentar-se situada a uma visão de mundo.
Além de tal distanciamento, Pimenta e Lima (2008, p. 33) ratificam que “[...] os currículos de
121
formação têm-se constituído em um aglomerado de disciplinas isoladas entre si, sem qualquer
explicação de seus nexos com a realidade que lhes deu origem”.
A formação inicial dos professores é um processo que implica em uma série de saberes,
experiências e competências indispensáveis ao ser docente. Necessita-se de uma articulação de
todos esses elementos relativos à profissão e que esses estejam firmados na correlação entre os
componentes de ordem teórica e prática.Na compreensão de que o trabalho do professor é
desenvolvido e aprimorado da prática da sala de aula, o Estágio Supervisionado apresenta-
secomo um dos principais componentes curriculares ao se considerar as possibilidades
diversificadas de atuação profissional ainda na graduação.
De acordo com a Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002, em seu Art. 11, a
matriz curricular para formação de professores deve contemplar eixos previamente fixados, como
os designados pelos incisos I e VI, relativos à articulação dos diferentes âmbitos do
conhecimento profissional e a articulação entre teoria e prática, respectivamente.
Defronte a tal concepção, torna-se substancial assegurar ao processo formativo do
professorado a complementaridade e interligação entre as variadas dimensões constituintes do
curso de preparação profissional, dentre as quais se destaca a indispensabilidade do componente
prático.Assim, no parágrafo 2º do Art. 12 da Resolução CNE/CP 1/2002 dispõe-se que a prática
deve perpassar todo o período da formação dos professores. No que tange aos procedimentos
relacionados à prática, o parágrafo 1° do Art. 13 da mesma Resolução determina que esse
propicie a ênfase na observação e reflexão das situações-problemas do cotidiano profissional. Já o
parágrafo 3º do mesmo artigo define que no campo docente:
Embasados por tal perspectiva, de acordo com UFC (2015), define-se por estágio a ação
supervisionada, com finalidades educativas, através da qual o discente se envolve com a prática
profissional nos mais diversos espaços de atuação. “O estágio se configura como uma excelente
oportunidade de desenvolvimento de atividades relacionadas às respectivas áreas de formação
profissional dos estudantes (UFC, 2015, p. 14).
No que concerne ao Estágio Curricular Supervisionado, na graduação em educação física-
licenciatura, tal componente é regulamentado por um manual especificamente criado para
direcionar as atividades a serem desenvolvidas na formação dos futuros docentes da área. Dessa
forma, o principal objetivo do documento é instruir os acadêmicos acerca das normas e
procedimentos referentes ao estágio, já que através dele se “[...] possibilita a experiência de
conhecer o cotidiano de sua profissão, por meio do acesso a práticas relacionadas com sua área
de formação-atuação, em instituições diversas onde você poderá ampliar e diversificar sua
formação inicial” (UFC, 2016, p. 8).
Ao estabelecerque a vivência profissional em lócus ainda na graduação é imprescindível
na construção do ser docente capaz de interpretar a realidade pedagógica tal e qual ela se
apresenta, confere-se, no curso de Educação Física da UFC, relevância a atividade curricular do
estágio como etapa formativa, cuja finalidade reside em conferir ao educador físico em formação
a oportunidade de se aproximar, investigar e refletir acerca das condutas/posturas relativas à
docência por meio da observação e intervenção (UFC, 2016).
Nessa perspectiva, na graduação em educação física-licenciatura, o Estágio
Supervisionado se encontra dividido nos quatro semestres finais do curso, cada qual objetivando
a experimentação e inserção na realidade com enfoques distintos, os quais são: a) Estágio
Supervisionado I- Conhecimento e Investigação da Realidade; b) Estágio Supervisionado II-
Educação Infantil e Ensino Fundamental I; c) Estágio Supervisionado III- Ensino Fundamental
II; d) Estágio Supervisionado IV- Ensino Médio e/ou EJA.
Tal organização e divisão dos componentes partem dos seguintes pressupostos: o estágio
inicial objetiva a inserção do estudante no cotidiano profissional para que assim se torne possível
compreender e problematizar a realidade de ensino; os estágios posteriores se centram na
intenção de possibilitar aos acadêmicos uma observação-participante que permita a reflexão sobre
123
4. PERCURSO METODOLÓGICO
perguntas no esquema da entrevista [...]” (MAY, 2004, p. 146). Desse modo, buscou-se apreender
o entendimento e a percepção dos alunos-estagiários acerca de como essa atividade reflete na
preparação e atuação profissional. Ademais, solicitou-se aos estudantes o apontamento de
aspectos positivos e negativos relacionados ao modelo de estágio vivenciado no curso de
educação física da UFC.
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO
O objetivo do artigo era saber quais sentidos foram atribuídos à disciplina de Estágio
Curricular Supervisionado pelos alunos do curso de Licenciatura em Educação Física da UFC.
Além disso, buscou-se entender como o estágio contribuiu para a preparação e atuação
profissional dos graduandos, sendo ainda também explicitadas, através das entrevistas realizadas,
as questões apontadas pelos estudantes que vivenciaram tal experiência. Junto a isso, somou-se
ainda uma análise do que foi obtido e será aqui apresentada e discutida.
Aos entrevistados, apresentaram-se as seguintes perguntas: 1. Você acredita que o estágio,
enquanto componente curricular, configura-se como um espaço de preparação e exercício da
atuação profissional?; e 2. Você consegue apontar aspectos positivos e negativos desse formato
de estágio que vivenciou na licenciatura em educação física? Buscou-se que os sujeitos cursassem
o Estágio Supervisionado IV pela experiência obtida nos outros três.
Letras do alfabeto identificaram os entrevistados. Sobre a questão um, as respostas
apresentadas por A, B, C e D diferiram pouco. Para A, tem-se isso: “Preparar não, mas ele dá um
norte, porque a parte, pelo menos a nossa parte de intervenção e observação, querendo ou não
ela é muito curta”. Já B diz que o estágio capacita, mas precisa ir além das horas pré-definidas:
“Nesse modelo sim, porque como havia falado, né, nesse modelo proporcionou que a gente se
sentisse realmente professor, né. Embora eu ache que ainda seja pouco tempo”. Já C centrou suas
falas nas deficiências do estágio: “Eu acredito que em partes não. Como eu falei, às vezes são
experiências muito vagas[...]”. C ainda traz outros elementos além-estágio que acabam por
prejudicar o melhor rendimento do mesmo: “[...]o estudante, sei lá, por ter bolsa, por tá com
semestre muito cheio, ele não valoriza o estágio quando deveria valorizar[...]”. D, além do estágio,
reitera a questão das bolsas: “Eu acho que sim, embora as outras atividades, como as bolsas
preparem bem mais do que o estágio. Acho que o estágio podia ajudar um pouco mais. As bolsas
acabam preparando você bem mais pra isso”. Foi unânime para eles que o potencial de ajuda do
Estágio é encoberto por certos problemas.
125
Aspectos negativos, é, só acho que é aquela que poderia ser um pouco mais de
tempo por aluno, né, porque dependendo da, do grupo, você tirar um grupo
muito grande, você não consegue dar tantas aulas, mas isso não é nem um
aspeto tão negativo porque você vai tá ajudando o outro professor que está à
frente a fazer suas atividades, né, você vai tá observando, você vai tá ajudando a
controlar turma, né, mas nesse sentido mesmo de conseguir dar mais aulas [...].
Como ponto negativo eu coloco que, assim, tinha tudo pra ser algo contínuo, o
estágio, porque você vai ter uma carga horária de 20,30 horas pra cumprir,
cumpriu aquelas trintas horas, pufo, depois você não vai mais nem lá, não, não
generalizando porque acontece de ir, de fazer uma despedida, mas é uma coisa
muito pontual.
Assim, o aspecto, é positivo e negativo. Positivo porque a gente faz o que quer
e negativo porque a gente faz o que quer. Não tem quase fiscalização nenhuma,
nenhum professor, pelo menos os que eu fiz, a gente fica bem livre em relação
a tudo. A gente, quem quer realmente ter a experiência, tá livre pra ir para a
escola, é beneficiado com isso, mas quem não quer, tá livre também.
Na compreensão de estágio como atividade formadora que visa inserir os acadêmicos nas
rotinas profissionais, ele é assinalado na fala dos estudantes como um momento no qual se torna
possível assumir condutas e posturas profissionais de maneira progressiva. Ratificando o que foi
dito, no Projeto Pedagógico do curso de Educação Física da UFC firma-se “[...] que o estágio
supervisionado constitui um processo e transição profissional que associa duas lógicas, educação
e trabalho, e que proporciona ao egresso a oportunidade de demonstrar e construir
conhecimentos e habilidades adquiridas [...]” (UFC, 2012, p. 83).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
para isso, existem elementos nele que trazem contribuições para os estagiários. Dentro do que se
buscava alcançar, os entrevistados responderam sobre os aspectos positivos e negativos que eles
perceberam quando de suas vivências. Aspectos positivos foram citados nas respostas relatadas,
mas os discentes tiveram maior facilidade para listarem os pontos negativos. Em dois casos
específicos, como em B e C, surgiram preocupações com a estrutura organizacional do estágio,
ou ainda o que ficou para os espaços onde aconteceram as permutas do saber, como para o
segundo. Além ainda da percepção sobre a temporalidade do estágio, dessa falta de continuidade
além dele.
Ainda que este artigo não intente ser um manual onde se possa encontrar uma lista de
problemas e suas consequentes resoluções sobre o Estágio, espera-se que ele possa trazer
contribuições não apenas para a disciplina em questão, mas para o curso de Educação Física,
visto que o artigo funcionou como plataforma de espaço e púlpito de fala para que quatro
discentes pudessem, de forma livre, discorrer sobre suas experiências e o que o que delas tiraram
não apenas negativamente, mas também positivamente da disciplina que cursaram.
O artigo buscou apresentar uma discussão que permitisse com que novos olhares
pudessem também se identificar com o que aqui se relatou. Além do mais, não haveria condições
de existência se não os espaços de falas dos alunos não existissem. Desse modo, considera-se que
o objetivo traçado inicialmente foi alcançado de forma exitosa, já que se abriu o espaço de fala,
perguntas foram feitas, respostas foram obtidas de forma livre e houve posteriores análises para
cada uma das perguntas respondidas.
REFERÊNCIAS
BETTI, Mauro. Educação Física escolar: ensino e pesquisa-ação. Ijuí, RS: UNIJUÍ, 2009.
128
CANÁRIO, Rui. A escola tem futuro? Das promessas às incertezas. Porto Alegre: Artmed
2006.
GARCÍA, Carlos Marcelo. Formação de professores para uma mudança educativa. Portugal:
Editora Porto, 1999.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
KULCSAR, Rosa. ‘O estágio supervisionado como atividade integradora’. In: PICONEZ, Stela
B. (Coord.). A prática de ensino e o estágio supervisionado. 9. ed. Campinas: Papirus, 2012.
p. 38-48.
LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e aprendizagem da profissão docente. Brasília: Líber
Livro, 2012.
MAY, Tim. Pesquisa social: questões, métodos e processos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
MELO Luiz Gonzaga de; FINCK, Silvia Christina Madrid . Formação docente e prática
pedagógica dos professores de Educação Física: uma análise das relações no contexto
escolar. IX ANPED SUL - Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul. 2012.
PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência. São Paulo:
Cortez, 2008.
129
TAFFAREL, Celi Zulke et al. Formação de professores de Educação Física para a cidade e
o campo. Pensar a Prática, v. 9, n. 2, p. 153-179, jul./dez de 2006.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. A aventura de formar professores. Campinas, SP: Papyrus,
2009.
1. INTRODUÇÃO
A disciplina de História tem sofrido significativas mudanças ao longo dos anos, deixando
de caracterizar-se como uma disciplina isolada ― a qual busca enfatizar prioritariamente a
compreensão e entendimento de fatos históricos passados, direcionando principalmente à
49Graduando no Curso de Licenciatura em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID/UERN, Subprojeto de História do
Campus Central de Mossoró/RN.
131
50ABUD, Kátia Maria. A construção de uma didática da história: algumas ideias sobre a utilização de filmes no
ensino. História, São Paulo, 22 (1): 183-193, 2003. p. 184
51 PIRES, João Ricardo Ferreira; SOUZA, Renato João de. Os desafios do ensino de História do Brasil.
S/d, p. 2-3.
132
Observamos que o ensino de História está se modificando cada vez mais com o passar
dos tempos. Essas modificações propõem uma renovação do pensamento histórico, a fim de
ultrapassar uma perspectiva de ensino voltada a uma educação tradicional, a qual só impunha
valor aos acontecimentos pertinentes aos grandes feitos, elencando heróis e figuras imponentes 53.
Assim, busca-se hoje, uma história que retrate os acontecimentos diários, do cotidiano do aluno.
Neste caso, é importante destacar que ter conhecimento dos eventos do passado é primordial
para compreensão do nosso presente, no entanto, ressaltamos a necessidade de buscarmos novos
meios de explanação sobre esse passado, com outro olhar, não apenas dando privilégio aos
acontecimentos dos grandes nomes, mas também, aqueles acontecimentos que ocorrem na nossa
história presente, realizadas por pessoas comuns em seu cotidiano.
Para Souza e Pires:
Dessa forma, corroborando com o pensamento do autor, percebemos que por mais que o
ensino de História tenha passado por relevantes mudanças ao longo dos anos, nós encontramos
ainda muitas dificuldades na prática educativa, além das que já foram citadas pelos autores. É
possível identificar também as condições de infraestrutura e o desinteresse por parte de alguns
alunos pela disciplina. Este e outros fatores fragilizam o processo de ensino-aprendizagem.
Contudo, mesmo diante de tamanhas dificuldades encontradas pelos professores em seu
cotidiano escolar, percebemos que algumas transformações realizadas ― como a inserção de
novas ferramentas didático-pedagógicas na relação de ensino aprendizagem ― possibilitaram aos
53 Está perspectiva é decorrente do positivismo, momento pelo qual a visão de fonte limitava-se aos documentos
“oficiais”, tratando o historiador como reprodutor de idéias já existentes,não possibilitando a este a problematização
e reflexão sobre estes documentos e discursos, exigindo neutralidade e imparcialidade em sua escrita e
concomitantemente em sua fala. Ver: BARROS, José D’Assunção. Considerações sobre o paradigma positivista
em História. Revista Historiar – Universidade Estadual vale do Acaraú – V.4.n.4 (jan./jun.2011). Sobral-CE: UVA,
2011.
54 Idem, p. 4
55 Ibidem, p. 3
133
professores a busca por outras formas de socializar o conhecimento na sala de aula, tais como o
uso de imagens, fotografias, documentário, etc.
O professor de História tem muitas vezes apenas nos livros didáticos uma fonte
para a exploração das imagens, quando se dispõe a fazer uso destas. Pra alguns,
as imagens são vistas apenas como um complemento dos textos, uma ilustração,
quando são, na verdade, um outro texto, com uma leitura própria e tão
importante quanto o escrito. Ao aluno não cabe ver a imagem como uma
fotografia do real daquele fato histórico estudado, mas questionar a sua função. 58
56LITZ, Valesca Giodarno. O uso da imagem no ensino de história. Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2009, p.5.
57 ABUD, Kátia Maria. A construção de uma didática da história: algumas idéias sobre a utilização de filmes no
Percebemos que durante a prática da regência, ainda é bem pouco usado outros meios de
trabalhar variados tipos de imagens por parte de alguns professores, mantendo-se geralmente o
foco apenas na utilização das imagens que estão presentes no livro didático. Outro grande
problema que foi possível perceber é a falta de livros didáticos59 para todos os alunos que, em
muitos casos, são obrigados a passarem alguns meses, ou mesmo todo o ano letivo sem alguns
livros. Assim, diante do problema citado, percebemos que fazer a prática da utilização de imagens
somente através do livro didático nem sempre configura uma boa alternativa, pois estes alunos
que foram e não receberam os livros, podem vir a ser prejudicados durante o processo de ensino-
aprendizagem.
Segundo Fabrício, Azevedo e Cunha (2014):
Destarte, segundo o pensamento dos autores, percebemos que a utilização de imagens nas
aulas de História nasce da busca de uma prática educativa que possibilite ao professor auxiliar os
alunos no processo de ensino-aprendizagem e, portanto na explicação dos conteúdos abordados
na aula. A leitura de imagens pode chamar a atenção do aluno, ocasionando uma melhor
participação no decorrer das aulas, além de possibilitar que os discentes efetuem pesquisas e
formulem questionamentos decorrentes de suas inquietações, geridas no contato com as imagens.
Contudo, observamos também que ainda existe um déficit considerável na utilização de
imagens pelos professores, fato este que muitas vezes permeia desde a sua formação acadêmica.
Em alguns casos, essa forma de não utilizar, ou não saber utilizar de forma adequada as imagens,
vem como consequência da pouca experiência resultante da falta dessa prática durante o seu
período de vivência no espaço acadêmico.
59VAZ, Maria Luíza; PANAZZO, Silvia. Jornadas.hist.História, 6º ano, 2ª edição, São Paulo, Saraiva, 2012.
60FABRÍCIO, Arthur Rodrigues et al.Fontes escritas e imagens em sala de aula de história: reflexão no âmbito
da formação inicial de professores. Revista Educação e Linguagens, Campo Mourão, v. 3, n. 5, jul./dez. 2014, p.
4.
135
A indisciplina é um dos fatores que vem crescendo bastante dentro da sala de aula, e que
tem trazido consequências à prática docente, prejudicando o processo de ensino-aprendizagem.
Ela vem sendo praticada de diversas maneiras, desde a conversa paralela, evasão escolar na sala
de aula e principalmente a falta de respeito ao professor na sala de aula.
É importante destacarmos também alguns fatores que de certa maneira influenciam o
mau comportamento destes alunos, dentre os quais podemos citar: má influência passada por
outros jovens; residir em áreas periféricas onde o índice de criminalidade é alto; baixa condição
social; o não acompanhamento dos pais na prática escolar dos seus filhos; e a transmissão da
responsabilidade de educar passada à escola e aos professores.
De acordo com Baú e Ruiz “a indisciplina escolar inviabiliza a prática educacional, pois, a
desorganização do trabalho proposto pelo professor prejudica resultados que a classe poderia
atingir.”.61 A indisciplina praticada por alguns alunos na sala de aula reflete na aprendizagem dos
demais alunos, como também na prática do professor, que tem planejado toda uma maneira de
explicar a aula, direcionando as abordagens que seriam feitas e indagações acerca da compreensão
do conteúdo explicado aos alunos, ficando impossibilitado de executar tais ações devido à
indisciplina.
Assim, segundo Baú e Ruiz:
61BAÚ, Liliane Blauth; RUIZ, Adriano Rodrigues. Indisciplina x Ensino-Aprendizagem: Questões Atuais. S/d,
p.1.
62 Idem.
136
elevada, ou advertindo os responsáveis que seriam intimados a saírem da sala de aula, caso
continuassem em seus atos de desrespeito.
Dessa forma, Baú e Ruiz argumentam:
63 Ibidem, p. 2.
137
5. CONCLUSÃO
As mudanças que ocorreram e vem ocorrendo no ensino de História ao longo dos anos
possibilitaram significativas mudanças que favoreceram o processo de ensino-aprendizagem na
disciplina de História. O uso de imagens pode auxiliar na prática docente, favorecendo uma aula
mais dinâmica, além de ser de fácil acesso, e de possibilitar o aluno a participar de forma mais
direta na discussão do conteúdo que está sendo abordado.
Ao voltar o olhar do aluno para as discussões em sala a partir do uso de novas
metodologias pode contribuir para amenizar alguns problemas encontrados na sala de aula, como
é o caso da indisciplina, pois atividades inovadoras que permitem uma visão mais crítica,
dinâmica e construtiva dos conteúdos escolares podem despertar no alunado o interesse pela
disciplina.
Contudo, é necessário salientar que a inserção da utilização das imagens em sala de aula
não garante, em sua excelência, que a aula seja produtiva. É primordial que o educador
desenvolva ações que possam relacionar a explicação do conteúdo com as imagens. Para os
professores, existe uma diversidade de instrumentos didáticos que podem contribuir ao processo
de ensino aprendizagem, as imagens, neste caso, se configuram como um meio dentre muitas
outras possibilidades.
REFERÊNCIAS
ABUD, Kátia Maria. A construção de uma didática da história: algumas ideias sobre a
utilização de filmes no ensino. História, São Paulo, 22 (1): 183-193, 2003.
FABRÍCIO, Arthur Rodrigues et al. Fontes escritas e imagens em sala de aula de história:
reflexão no âmbito da formação inicial de professores. Revista Educação e Linguagens, Campo
Mourão, v. 3, n. 5, jul./dez. 2014.
GODOY, Adriana Cristina de. O uso das imagens no ensino de História. SME-PMRP/USP.
PIRES, João Ricardo Ferreira; SOUZA, Renato João de. Os desafios do ensino de História do
Brasil. Professores em Formação. ISEC/ISED, Nº1, 2º semestre 2010.
VAZ, Maria Luíza; PANAZZO, Silvia. Jornadas.hist.História, 6º ano, 2ª edição, São Paulo,
Saraiva, 2012.
139
1. INTRODUÇÃO
64Graduanda do curso de História da UERN e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à docência.
E-mail : jucinethelopes@gmail.com
65Graduando do curso de História da UERN e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à docência.
E-mail : kaioclisman@gmail.com
66O programa já existia, mas o caráter unificador do livro didático que vamos focar se dá no período do século XXI.
a produção do livro didático teve que evoluir para assim atingir uma condição maior de vendas e
gerar mais lucros. O livro didático se adaptou ao mercado capitalista.
Além da compra e distribuição, o PNLD coloca uma série de regras à aprovação do livro
didático, dando assim diretrizes que têm que ser atendidas na produção desse livro, com isso,
tornando-se ainda mais semelhante para os discentes do Brasil. O livro didático se torna assim a
base de estudo dos discentes para uma disputa mais igualitária, seja na sua formação pós-ensino
básico ou até mesmo no mercado de trabalho. Unido a isso, o livro também tem que trazer uma
maior condição da construção do cidadão social. Dessa forma, vemos uma evolução do livro
didático, onde a mesma foi influenciada pela lógica mercantil do capitalismo moderno.
Essa distribuição universaliza, mas com base em regras que também transformam o livro
didático em instrumentos de poder. Se pensarmos que esse livro parte da construção com base
em uma editora e/ou de um autor, a sua escrita vai ser ligado a escolhas e ideologias do autor, ou,
da editora, levando assim a um direcionamento da visão imposta no livro. Unido a isso, o PNLD
também baseia diretrizes, que fala o que não deve e o que deve ser colocado no livro didático.
Dessa forma, o livro que chega aos alunos também é um instrumento de poder, seja utilizado na
manutenção desse poder ou até mesmo em modificações, sendo que o mesmo leva o
conhecimento à maior parte da população brasileira que estão nas escolas. A cultura popular
acaba absorvendo uma memória desse livro didático, onde o mesmo traz a verdade, construindo
assim um senso comum do livro.
Mas não podemos colocar os receptores desse material como simples massas de
manobras da mão do governo, ou da editora. Toda a recepção de um conhecimento passa por
uma transformação autônoma por parte daquele que está recebendo. Um exemplo disso é a
liberdade que o professor tem para fazer a escolha desse material. A escolha do material é feita
por parte do professor, onde o mesmo escolhe o livro que mais abrange as suas visões dos fatos,
dando assim uma autonomia ao docente. Temos também que reforçar que o livro didático não é
sagrado, sendo sim passível de erros e o professor deve procurar outras formas de material
didático para utilizar no processo de ensino-aprendizagem. E por vezes, a utilização desse livro
141
2. A ESCOLA
A Escola Estadual Professor José de Freitas Nobre está situada na cidade de Mossoró, no
Estado do Rio Grande do Norte, funcionando no turno matutino com o Fundamental II, do 6º
ao 9º e o vespertino com o 9º ano do Fundamental II e Ensino Médio. De acordo com dados do
Projeto Político Pedagógico da escola e do Sistema Integrado de Gestão da Educação, ocupa hoje
uma área de 3.621 m, dispondo de 08 (oito) salas de aula, 01 (uma) biblioteca, 02 (dois)
laboratórios (um de informática e outro de ciências), 01 (uma) sala de multimídia, 01 (uma) sala
de Recursos Multifuncionais-SRMS para o Atendimento Educacional Especializado, 01 (uma)
sala do Programa Mais Educação, 01 (sala) sala de professores, secretaria, direção, cozinha,
dispensa, sala de arquivo e digitação.
A escola, atualmente, conta com uma clientela de aproximadamente 496 alunos, em
grande parte moradores da própria comunidade. Mas também abrange discentes vindos das
comunidades de Passagem de Pedras, Parque Universitário, Alto do São Manoel, Geraldo Melo,
Alto da Pelonha e Conjunto Vingt Rosado. Todos esses bairros são considerados como sendo da
142
periferia, com grande vulnerabilidade social. A questão social é um dos pontos que constroem a
desvantagem de alunos em ingressar em um ensino superior.
A ausência do livro traz mais desvantagens, pois se o conteúdo previsto não for visto
como é necessário, acarreta uma desigualdade com os demais que têm acesso a esse material. O
livro didático dá um caráter cultural ao conhecimento, fazendo uma integração entre os
consumidores, já que o mesmo é uma base de ensino presente em todas as escolas, e com isso,
dando uma ideia de nivelamento na condição de obtenção do conhecimento. A sua ausência
causa um déficit, fazendo com que aqueles que não têm acesso a esse material concorram de forma
desigual ao mercado de trabalho ou a um futuro ingresso no ensino superior, que seriam esses os
próximos passos desses discentes ao saírem das escolas. Essa condição demonstra assim que a
sua falta causa uma concorrência mais desigual, onde por muitas vezes os mais afetados são
alunos das escolas públicas, em contrapartida do alto nível tecnológico das escolas particulares,
onde essa ausência é quase nula.
A docente observada aplica para seus alunos a teoria de Libâneo sobre desenvolvimento
mental do discente. Através da sua aula, ela explica o conteúdo trazendo à vivência do alunato, na
tentativa que consiga interiorizar, ou seja, desenvolver conceitos sobre o assunto e aplicar de
forma crítica. A apropriação do que foi explicado pela professora por parte dos alunos depende
muito dos conhecimentos prévios que essa tem sobre a realidade de seus discentes. Em razão
disso, vislumbra-se como muito importante as discussões realizadas em sala de aula que trazem o
conteúdo estudado à vivência do estudante, auxiliando assim no processo de ensino-
aprendizagem.
Ao usar exemplos e colocar o alunato para pensar o assunto de acordo com sua realidade,
a professora faz com que esses se sintam como indivíduos históricos, se encontrem como
pertencentes de um grupo e formulem concepções críticas sobre as representações que o
presente produz sobre o passado.
Nos questionamentos passados, a professora afirmou que os alunos não podem levar o
livro didático para casa por que o Estado fornece menos do que o necessário. Não leva em
consideração a quantidade de alunos específica de cada escola. Assim, os alunos ficariam
“limitados”67 ao estudo apenas em sala de aula, por isso a professora, visando a melhor forma de
aprendizado dos alunos, começou a passar resumos, onde esses serviriam como base de consulta
67Não que o livro seja o único meio para os alunos estudarem o assunto, mas, como também foi dito pela professora,
eles não são motivados e muitas vezes não procuram conteúdos em outros lugares, e o livro facilita muito o encontro
entre o aluno e o conteúdo escolar.
144
4. METODOLOGIA DE PESQUISA
A pesquisa foi realizada no tipo de observação participante, onde requer uma olhar
distanciado dos sujeitos. Participante não de maneira ativa, mas o simples fato de me manter lá e
interagir com os alunos constitui uma participação. O estudo depende de como os observados
agem, por isso a convivência foi importante para que se pudesse compreender como os
estudantes recebiam o conhecimento através das formas que a professora encontrou de repassar
o assunto sem o livro.
A observação em sala de aula foi essencial para que surgissem indagações a respeito dos
métodos didáticos da professora, como também na produção dos questionários que os
estudantes responderam. Através da vivência durante semanas na sala de aula junto à docente, foi
possível perceber os seus desdobramentos para que a carência de livros não prejudicasse os
discentes durante atividades de estudo em casa e em processos seletivos futuros.
145
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
período de provas. No término da observação, alguns livros do 9° ano chegaram à escola e foi
distribuído ao alunato e esses puderam levá-los para casa, ficando apenas os alunos do 8° sem
amplo acesso ao livro didático.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O livro didático, ao longo do tempo, passou a ser não apenas recurso do professor, mas
uma ferramenta central na sala de aula, não substituindo o papel do professor como responsável
por fazer uma mediação entre o aluno e o conhecimento, mas sendo essencial para que a relação
professor-aluno no ensino-aprendizagem seja bem sucedida. Com isso, podemos por o livro
didático como uma forma de alicerce que sustenta essa relação, mas não sendo apenas ele o
material completo da construção do conhecimento no ensino básico. A forma como o docente
conduz sua aula torna-se fundamental na aprendizagem do aluno, por isso a didática usada pela
professora da Escola Estadual Professor José de Freitas Nobre chamou a atenção e tornou-se um
exemplo de profissional que pretendemos ser em sala.
A ausência do livro não prejudica apenas os alunos, mas também os professores, pois
mesmo que existam outras formas de trabalhar o conteúdo, quando chegam as avaliações, os
alunos sentem faltam de ter um suporte para estudos, como afirmou a professora que estava
sendo observada ao ser perguntada sobre se sentia dificuldade em dar aulas sem que os alunos
tenham sempre em mãos o material. Dessa forma, podemos falar que a falta desse livro didático
prejudica o processo de ensino-aprendizagem, sendo que o mesmo seria a base de leitura dos
alunos. E caso o docente não possua uma boa formação 68,não conseguirá contornar essa situação
de maneira que não prejudique os estudantes.
Podemos concluir falando sobre a importância do estágio de observação, pois esse
proporciona ao graduando contato com o ambiente escolar, suas dificuldades, desafios e
possibilidades. Podendo perceber como é o ensino na prática, como o trabalho docente não é só
aplicar o que se aprende no ensino superior, pois a realidade da academia não se assemelha em
nada com o ensino escolar, e mesmo recebendo toda uma carga teórica de conhecimento nunca
se é possível estar totalmente preparado para as características individuais e socioculturais do
alunado, por isso torna-se necessário salientar a importância de uma didática de sala. Ter contato
68 Ou não disponha de recursos para ensinar, sendo que muitas vezes a escola tem condições precárias, o que
dificulta a prática de boas ideias que surgirem do professor. Fazendo com que esse sinta-se impotente, tendo um
bom preparo teórico para a realização de inovações em sala de aula, mas não dispondo dos recursos necessários.
147
REFERÊNCIAS
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aulas. Goiânia: PUC GO, 2011.
LUCA, Tania Regina de. O Debate em Torno dos Livros Didáticos de História. Univesp.
2012.
MAY, Tim. Pesquisa Social: Questões, métodos e processos.trad. Carlos Alberto Silveira Netto
Soares. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
MUNAKATA, Kazumi. Livro Didático Como Indício Da Cultura Escolar. Revista História
da Educação, v. 20, p. 119-138, 2016.
PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre o
uso de fontes na sala de aula. Anos 90, v. 15, 2008.
TIMBO, Isaíde Bandeira. Livro didático de história: cultura material escolar em destaque.
Anais do XXV Simpósio Nacional de História, 2009.
148
1. INTRODUÇÃO
Em primeiro lugar, a seleção da escola para executar o estágio foi relativamente fácil, pois
é a mesma escola na qual realizo meus projetos de bolsista do PIBID71 de História na UERN
(Campus Central). Dado já pelo contato que pude obter com os alunos e as alunas durante o
projeto, minha relação de observador com os/as observados/as se deu amistosamente sem
nenhum prejuízo. Tanto ao que se refere à professora supervisora, que tive a sorte de ser
anteriormente seu aluno na UERN, facilitou amplamente o nosso diálogo e a flexibilidade
durante a atuação do Estágio. Quanto ao corpo docente que compõe a escola, de forma geral,
demonstrou exímia organização e cuidado com os seus devidos estagiários. Em segundo lugar,
quero dizer que a escola a qual pude estagiar foi bastante acolhedora, assim como as respectivas
turmas que me instalei foram bastante respeitosas com os devidos estagiários também de outros
cursos que por lá existem. Pude, sem dificuldade, observar as turmas do 8º ano “a” e “b” nas
terças e quartas-feiras, das 07:00 às 11:30 horas, concluindo um total de 05 horas por dia.
Este relato visará esboçar como os recursos didáticos, em sala de aula, são usados para
dinamizar o ensino, cativar a atenção dos discentes e produzir o máximo possível de
conhecimento histórico. O recurso selecionado para repousarmos uma análise crítica neste
trabalho foi a devida utilização do livro didático que, sendo apenas um dos tantos utilizados pela
professora, está presente na maioria das aulas. Tal recurso, há mais de dois séculos, está presente
no cotidiano escolar, visto como um dos principais instrumentos de ofício integrantes da dita
“tradição escolar” de professores/as e alunas/os.
A professora não permite apenas um único recurso didático tomar de conta de sua sala de
aula. Faz questão, felizmente, de uma transição inteligente e célere entre as metodologias
planejadas, partindo para um slide, em seguida para uma análise fotográfica, iniciando a leitura do
livro didático e concluindo com a proposta das atividades encontradas nos devidos capítulos
abordados. Com o livro didático em mãos, os discentes podem exercer tarefas como as citadas
acima, como: leitura de texto em aula; discussões a partir dos principais apontamentos escolhidos
pela professora; e resoluções das atividades propostas em cada fim de capítulo e de sua temática.
Claramente há dificuldades por parte de muitos em focarem considerável atenção à leitura e,
apesar disto, ainda se mostra um dos melhores recursos utilizados pela professora.
Nesse sentido, num determinado dia ocorreu uma atividade advinda da leitura de um livro
que trouxe, contudo, uma proposta para que a turma fosse capaz de refletir sobre seu próprio
cotidiano a partir do século XVIII, nas sociedades de corte da França. Embora pertençam ao
setor cultural e sejam produzidos especialmente para a escola, criticados ainda por carregar as
mazelas da disciplina de História e tidos como tema polêmico, os livros didáticos “caracterizam-
se por uma linguagem própria”72 que ― não obstante servem como instrumentos à cargo de uma
ou mais ideologias e da perpetuação de um “ensino tradicional” ― permanecem ainda hoje como
um dos recursos mais manuseados no trabalho diário das escolas. 73 Outro recurso didático
eficiente, passível de observação durante o Estágio na escola, tem sido o recurso da análise crítica
de imagens e fotos referentes, direta ou indiretamente, ao conteúdo selecionado pelo docente.
Certa vez, se discutiu na sala sobre a diferenciação e a desigualdade a partir do uso de imagens,
sátiras e charges com o propósito de cativar a atenção dos discentes, que vem a ser também um
ponto abordado posteriormente neste trabalho.
É salutar compreender a existência da diversidade dos materiais didáticos e de suas
diferenças que nem de longe são poucas, como bem foram consideradas pela professora Circe
Bittencourt, ao dizer que são “mediadores do processo de aquisição do conhecimento,” assim
também “como facilitadores de apreensão de conceitos, do domínio de informações e de uma
linguagem específica da área de cada disciplina” 74. Portanto, tornam-se pontos estratégicos que
envolvem o comprometimento tanto do professor quanto de sua comunidade escolar, podendo
ainda ser definidos como “um instrumento de trabalho do professor e do aluno”, 75 responsável
por “seu papel de instrumento de controle do ensino, por parte dos diversos agentes do poder.”76
Como bem nos ensina Bittencourt, ao afirmar que
No entanto, em sentido geral, retomando essa falta de atenção citada acima por parte
das/dos alunas/os concebo que dá-se pela ausência de aproximação do currículo escolar com o
cotidiano e a experiência das/dos alunas/os, o que acontece por muitas vezes de nem ocorrer um
devido diálogo sobre a própria História local da cidade na qual a referida escola se insere. Ou seja,
esse diálogo deixado de lado pela professora implica no esquecimento de fazer essa relação e/ou
ligação do conteúdo escolar com a contemporaneidade local, regional e, sem dúvidas, nacional.
Mas o tempo, sem sombras de dúvidas, é o pior inimigo na produção e troca desse conhecimento
histórico na sala de aula.
Por conseguinte, o que vem a se tornar mais interessante para os/as discentes? Conversar
sobre o fim de semana que, em suas imaginações, sempre está próximo, ou abrir espaço para
bater um conjunto de fotos em equipe (“selfies”), durante a execução da aula. Completamente
“desligados/as” do ambiente e dos assuntos tratados pela professora, somado à sua devida
seriedade, se tornam indiferentes defronte suas responsabilidades. Há um real culpado? Quem
poderia ser, os/as discentes? A professora? A instituição escolar? Ou podemos considerar as
bases educacionais sucateadas a verdadeira culpada? Se houver um culpado, a culpa jamais
poderia ser retida apenas a um ou dois aspectos como problemas, mas em todo seu conjunto
estrutural e nos seus planejamentos, seus envolvidos e participantes, profissionais ou não.
76Idem.
77 BITTENCOURT, Op. Cit. p. 295.
151
É por essa e outras que devemos rever o “como fazer” com os recursos didáticos, como
o livro didático, sem negá-lo ou aboli-lo do processo de ensino-aprendizagem, e sim reformulá-
lo, saber como manusear adequadamente. Pois quando analisado profundamente numa
perspectiva histórica, somos capazes de conceber um livro didático cheio de mudanças e
inovações em seus aspectos formais. Mas ora, qualquer outro recurso didático pode tender a
causar prejuízos tanto na elaboração quanto na execução, principalmente no processo de ensinar-
aprender e aprender-ensinar, se manipulado de maneira ultrapassada ou com bloqueios de
ampliação interpretativos. Qual o nosso papel, portanto, diante dessas dificuldades
metodológicas? Antes de qualquer coisa, deve-se entender que o problema não vem a ser
necessariamente pelo tipo de recurso didático selecionado. Ledo engano supor e esperar um
recurso didático ideal (diria até perfeito) que pudesse ser aplicado em qualquer situação, contexto
e ambiente escolar. Tanto o livro didático como qualquer outro material dessa natureza,
compreendidos em sua limitação, imbuídos de vantagens e desvantagens, é de risco afirmar que
jamais existirá um recurso didático mais ou menos ideal do que outro para se utilizar numa sala,
tampouco um que possa substituir o trabalho do/a professor/a.
Dessa maneira, o que deve ser notado é, justamente, o modo como fazemos e incidimos
sob um determinado recurso didático, da maneira como o criticamos ou, até mesmo, destruímos
velhas percepções tradicionais acerca de seu uso e ensino em sala de aula. É crucial a
transformação desses recursos trabalhando com resignificações de manuseio. É ensinar a História
durante esse processo de desmonte de antigas crenças às novas demandas político-sociais e
culturais em pauta na contemporaneidade. Até pela circunstância da História ser uma das
disciplinas mais visadas pelas autoridades, vigiada por órgãos nacionais e internacionais ainda
hoje, se torna vital a utilização consciente e (des)construtiva de seus suportes de formas
diferentes. No caso do livro didático e de sua utilização percebida na experiência durante o
andamento do Estágio, é importante não só a sua leitura por si mesmo, como um fim, pois
mesmo com as diversas modificações em suas estruturas e alicerces de fabricação, continua sendo
um meio (facilmente) útil para conservar inúmeras linearidades históricas, salvo quando se faça
presente, genuinamente, um confronto dos lados e dos ângulos históricos referenciados no
livro.78É fundamental, portanto, enquanto desejo de que possa ser efetivo no processo educativo,
entendermos todas as dimensões e complexidades impressas nos livros didáticos.79
Assim como a Literatura, sabemos que a História pode ser compreendida como uma
expressão de linguagens, passível de ser atingida de todos os lados com incontáveis versões e
memórias flexíveis, uma ciência mutável. Ou seja, o que se espera dessa nova geração de
professores, ao que tange a utilização do livro didático como recurso didático, mais ou não
preferido, é se serão capazes de lidar com o cuidado nas desconstruções das narrativas históricas
evidenciadas, em grande parte, nos livros didáticos. No intuito de que se evite um mau uso para e
na formação dos discentes, torna-se indispensável manejar o livro didático com bastante cautela,
no intuito de ao mesmo tempo deter o potencial para que faça diferentes (des)construções para e
no ensino de História.
De uma coisa é certa, se esses mesmos livros forem examinados com parcial ou total
despreocupação de uma historicidade, sem levar devidamente a sério, serão fortes veículos de
manutenção conservadora e tradicional à apreensão da História do Brasil e do mundo, dando
permissão para que haja a continuação de deficiências de conteúdo, das lacunas e erros
conceituais ou informativos na educação do ensino de História.80
Voltando às experiências em sala de aula, num certo dia, a professora trouxe um projetor
à sala no intuito de expor a temática que deveria ser trabalhada: o Antigo Regime. Vale ressaltar
que a professora sempre aplica os mesmos recursos didáticos (leitura de livro, exibição de vídeos,
análise de fotos etc.) em turmas diferentes, com as mesmas abordagens e intervenções.
Dependendo de sua condição física no presente dia da aula, seleciona o recurso didático que mais
possa compensar sua indisposição, como exibir um filme durante a aula para que se dispense sua
quase ininterrupta oralidade, geralmente, a mais prejudicada em seus piores dias, dependendo da
turma.
Especificamente, ao observar as turmas dos 8ºs anos “a” e “b”, constatamos que uma das
formas da professora chamar a atenção dos alunos é através do compadecimento da parte
deles/delas com seus problemas pessoais ― que não, necessariamente, são mentirosos. Um
exemplo disso é citar doenças recentemente adquiridas (gripe) e, com maior destaque, expor sua
condição de garganta inflamada que, subliminarmente, transmite a ideia suavizada aos alunos/ as
alunas de colaborarem com silêncio suficiente para que não se precise mais falar tão alto (ou
superar o nível das conversas paralelas que, previsivelmente, se instalam). Pois caso façam com
que o docente, mesmo depois de suas súplicas, faça uso de sua voz de maneira que danifique ou
agrave seu problema na garganta, proporciona-se um sentimento de culpa à turma e com isso
consegue, ao menos desta maneira, a atenção para assistir e participar da aula e dos
desdobramentos de seus respectivos temas. Assim, a professora poderá continuar com o seu
dever e serviço enquanto docente, sem prejuízo de sua responsabilidade e obrigações.
Um dos grandes desafios da escola é saber utilizar, eficientemente, o tempo disponível
para lecionar aos seus alunos e suas alunas, no tocante ao ensino de História, todos os conteúdos
que estão inseridos no currículo escolar. Em vista disso, percebemos algumas defasagens. É
notável o quanto se prioriza o ensino dos conteúdos da grade curricular em detrimento, por
exemplo, de exercer uma análise crítica enquanto docente, que atua na educação, sobre outros
temas bastante pertinentes, durante a aula. Os temas são vários: de política e machismo, a
racismo e violência. As aulas possuem um tempo tão ínfimo para se levantar o conteúdo,
problematizá-lo e ensiná-lo aos discentes que, não raras vezes, o docente opera uma vista grossa
diante de inúmeros comentários e discursos de ódio, de vários tipos, pela razão de que não se
pode perder tempo desconstruindo preconceitos e estereótipos múltiplos quando se tem pela
frente uma carga considerável de conteúdo para concluir, em tão pouco prazo.
Não é de intenção supor, com isso, que a professora em questão seja conivente com os
comentários citados anteriormente ou mesmo os compactue para si mesma. A evidência de
verdade, porém, é trazer o quanto complicado se torna a disposição do número de aulas por dia,
especificamente a de História, sem dúvidas, a mais prejudicada, no programa escolar. Há uma
turma, inclusive, que só possui uma única aula durante toda a semana letiva. Daí, questiono:
como deveríamos proceder enquanto educadores frente a uma realidade tão desestimulante igual
a essa? A postura da professora pode ser considera coerente? Quais são nossas prioridades, no
fim das contas? Formar cidadãos e cidadãs cientes de todos os processos, lutas, resistências,
conquistas e perdas da nossa História; construir pessoas que possuam criticidade de seu próprio
contexto histórico, político e social; ou simplesmente bater os conteúdos curriculares letivos do
semestre, indiferentes da certeza de que boa parte do corpo discente esteja, independente ou não
de sua aprovação na disciplina de História, amplamente desinformado, acrítico e ignorante? Há
uma sinceridade enorme quando lhes respondo: é mais complicado que apenas tomar uma
postura. Prezar a garantia da continuidade do emprego ou prezar a garantia de um ensino
transformador que ponha a formação crítica de suas alunas e de seus alunos acima de qualquer
outra obrigação institucional: eis o quadro a se refletir.
No mais, foram observadas peculiaridades outras durante o Estágio. Como a merenda da
escola, aliás, é a responsável por muitas vezes ditar o horário que se termina as aulas, onde a
154
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
superior ―, suas pressões, de maneiras distintas, foram sendo atendidas pouco a pouco, mas vista
com maus olhos, em certas ocasiões, até pelas próprias mulheres. Contudo, podemos considerar
que “a categoria de gênero vem ganhando” bastante aceitação “nos meios acadêmicos”. 83
Ainda hoje o nosso falho sistema educacional, especificamente em História, tenta
desesperadamente dar fôlego às novas demandas que se pautam como necessárias ao
estabelecimento de uma criticidade vital para a construção da cidadania. Porém, da mesma
maneira que compreendemos os mecanismos da História, apesar de tantas rupturas no que
concerne às limitações e sobre o acesso à educação, houve permanências significativas da
estrutura religiosa de pensamento dentro do espaço escolar, começando pelo Ensino
Fundamental. Já no Ensino Básico, percebemos configurações veladas de como se (des)tratar a
respeito do estudo de gênero no interior das salas de aula. Torna-se também perceptível a
resistência de boa parte do corpo docente a essas diferentes maneiras de educar nossas crianças,
devido às suas fortes crenças pessoais que invadem o circuito dinâmico de ensino-aprendizagem
de maneira bastante antiprofissional. Há, sim, muita repressão, censura e desrespeito com esses
termos específicos do estudo de gênero nas escolas e, por vezes, tanto os/as discentes quanto o
corpo docente, quando não o rejeitam, simplesmente o ignora ou o exclui, deixando-o a título de
teoria mofada em papel.
2. O LUGAR DA HISTÓRIA
A autora Luciana Gandelman salienta que as coisas na História não precisam continuar
sendo da maneira como estão, de determinada maneira. Isso é entendido como noção de
contingência, conceito trabalhado pela historiadora em seu texto sobre “gênero e ensino”. Dessa
maneira, ela traça entendimentos diversos acerca dos conceitos de gênero e sexo, assim como
suas posições acerca deles. Evidencia que é comum se atribuir o termo “gênero” em várias
formas, como, por exemplo, sendo uma característica de construção social, portadora de uma
série de artefatos sociais, sobrepostos aos dados biológicos do sexo. Já o termo “sexo” seria algo
biologicamente dado, localizado fora da cultura e da História. Com esse aparato, dá largada a
problematizações no que concerne a noção da visão dos PCN’s sobre o devido tema.
Gandelman demonstra que no texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais sobre a
categoria de gênero ― que se localiza dentro de um dos eixos transversais contido em seu
programa voltado ao ensino fundamental ― há muitas incoerências e falhas. Por exemplo, ao
afirmar que existe “um antagonismo/polarização historicamente construídos pelas sociedades
modernas ocidentais, como um dado ‘natural’”85 na sociedade, e isso serviria para justificar a
realidade binária sexo/gênero apenas dentro dos âmbitos familiares e das relações interpessoais,
como trata os PCN’s. Sendo que, na verdade, a categoria de gênero detém aspectos também
políticos e, sobretudo, históricos. Nesse ângulo, percebemos que os PCN’s negligenciam os
conflitos que existem dentro dessa categoria, assim como omitem os sujeitos históricos que estão
inseridos nela. Devemos, portanto, tratar o tema como fruto de embates constantes, não como
representações simplesmente prontas e acabadas, como sugere os PCN’s. E a crítica de
Galdeman não acaba por aqui, pois defende que
Entre outras coisas, é perceptível que o gênero não pode ― nem deveria ― ser resumido a
um mero grupo social, como uma “minoria”. Antes precisa ser entendido como categoria
primária que entrecorta a sociedade de maneira singular e específica: é, além de tudo, um aspecto
geral da organização social. Ora, são por essas e outras que podemos confirmar à História o
importante papel na configuração da categoria de gênero nas sociedades, ou seja, deve inclusive
tratar a respeito de como essas “categorias de identidade do homem e da mulher foram
construídas”87, e é principalmente nesse viés que irá percorrer toda a nossa pesquisa. Nesse
sentido, a História se torna praticamente ausente, pois os PCN’s não se propõem a trabalhar a
articulação dos elementos de gênero, e sim a focar tão somente à questão do indivíduo. Os
conhecimentos tanto do presente quanto do passado são barrados por essa visão e esta, por sua
85Idem. p. 213.
86 GALDELMAN. op. cit. p. 218
87Idem. p. 214.
158
No questionário que fora realizado numa sala de 7º ano do ensino fundamental, com 32
estudantes matriculados, apenas 24 se dispuseram a participar, sendo 15 do sexo masculino e 09
do sexo feminino. As provocações foram no sentido de proporcionar-lhes reflexões e posições
acerca do debate de sexo/gênero na sociedade. A análise do questionário em questão, dessa
forma, se dará no tocante a problematizações acerca das respostas de maior e menor número, no
intuito de compreender a posição da maioria sobre determinado aspecto em relação ao tema e,
em seguida, tratando de que forma isso implica no processo de ensino-aprendizagem na
disciplina de História, na Educação Básica.
Já na primeira questão, fora solicitado que respondessem acerca da frequência com que
conversavam sobre seus problemas íntimos com amigos e/ou familiares. Aqui, a maior parte
respondeu que somente às vezes conversam sobre seus problemas e tristezas com alguém,
enquanto mais da metade dos outros alunos restantes, defenderam nunca sequer conversar sobre
suas dificuldades com ninguém. E quando questionado as razões, o silêncio e os risos
88Idem. p. 215.
159
desajeitados se fizeram uníssono para cobrir o espaço da resposta que permaneceu vaga, nos
deixando levantar ainda mais questões adiante. Sabe-se que crianças angustiadas por um punhado
de atenção e desejo por amor, principalmente paternal, buscam desesperadamente a aceitação
externa através de demonstrações de força e poder, ou seja, é preciso segurar as dificuldades
quase sempre sozinhas, do contrário, não serão considerados “meninos de verdade”. No que
concerne à visão das meninas nesse quesito, a grande maioria também respondeu “às vezes” em
relação a frequência que compartilhavam suas crises emocionais.
Em seguida, tivemos uma recepção, quase unânime de ambos os sexos, no que se refere
sobre a distinção entre sexo e gênero, avaliando que um não poderia ter a capacidade de
determinar o outro, mas que, por outro lado, estaríamos em eterno processo de (des)construção
de nós mesmos, desde a nossa mais tenra infância. Tal resultado, este de perceber o binarismo
sexo/gênero como distintos, embora dialogados em processo, irá denotar contradições ao longo
da análise de nossa respectiva pesquisa. Eis o que Galdelman fala a respeito:
Esta distinção binária opera dentro de uma biopolítica [...] a qual especializa os
corpos em funções de um sistema reprodutivo, sendo os corpos femininos
reservados à maternidade e, tanto estes quantos os masculinos, à
heterossexualidade. Na biopolítica ocidental, portanto, devemos encarar [...]
tanto a maternidade quanto a heterossexualidade compulsória como instituições
políticas que produzem não só indivíduos humanos generificados, mas
igualmente relações de dominação, hierarquização, poder e assimetria.89
realmente consideram compactuar de uma noção de homem como aquele que é indispensável
para as outras pessoas, sobretudo entre os próprios homens; uma figura de caráter protetor, mas
ao mesmo tempo controlador e dominante. Assim, identificamos uma hierarquia de dominação
interna, de competição e vigília. As meninas, em sua maioria, tomaram a posição de que os
homens são o que querem ser, independente de educação, mas isso se transformou numa
contradição significativa ao percebemos seus posicionamentos na questão posterior que tratava
sobre si mesmas: o que é “ser mulher”? Surpreendentemente, não conclamaram a mesma
liberdade que sugeriram aos homens. Será que daí surge o início da autossabotagem de que tanto
Simone de Beauvoir tratou em seu célebre livro, “O Segundo Sexo”? Provavelmente, sim.
No mais, ao tratarmos a última questão de caráter objetivo, pautamos sobre a percepção
que tinham acerca do significado da questão: “o que é ser mulher?”. Na parte dos garotos, dos 15
que se propuseram a participar dessa pesquisa, 11 se posicionaram da seguinte forma: “mulheres
são donas de casa, responsáveis pela educação da prole”. Houve poucos que as relegaram a um
aspecto dócil, de inocência e gentileza, imagem essa bastante disseminada também no imaginário
popular. Isso nos remete a defender que a temática das relações de gênero é pouco discutida na
prática dentro do currículo escolar, mais especificamente daquele que se refere ao ensino prático
de História.
Essa nuance primitiva de papéis sociais designados às pessoas, identificando-as apenas
pelo sexo biológico, afeta a construção histórica de uma cidadania genuína, ameaçada
escancaradamente, dessa forma, nas órbitas de turmas escolares do ensino fundamental, como é o
nosso caso. As garotas, nesse mesmo sentido, umas optaram por um posicionamento mais ligado
aos comportamentos e personalidades, ou seja, alegando a imagem constitutiva das mulheres à
docilidade, à inocência e à gentileza, e apenas 01 das 09 questionadas respondeu que ser mulher
estava ligado a casa e a educação da prole. Por mais animador que seja perceber que as meninas
estão perdendo essa visão de se sentirem apenas domésticas no reino do cárcere privado de suas
vidas, persistem na imagem da mulher como inocente e frágil, insistindo na reprodução de uma
educação aos moldes medievais, onde a comunidade feminina se resumia apenas à subserviência
de uma autoridade conjugal: a do marido. Isso retorna, sem dúvidas, à percepção dicotômica de
papéis sociais através da observação do sexo biológico como determinante.
Por último, e com certeza não menos importante, temos nossa única questão de caráter
subjetivo, na qual apenas algumas pessoas se dispuseram a responder. A provocação tratava sobre
falar alguma confissão não compartilhada com as outras pessoas ― fosse por medo, vergonha ou
falta de incentivo necessário―, um tipo de espaço para que pudessem abrir, de forma anônima,
aquilo que mais os afligissem e os preocupassem no íntimo de suas emoções mais profundas e
161
sombrias. Todas as garotas se preocuparam em trazer à tona suas dificuldades amorosas e coisas
semelhantes, levando o amor em consideração como algo a se preocupar mais urgentemente do
que qualquer outra coisa.
No outro lado, a resposta dos meninos fora bastante densa e caracterizada por medos e
frustações, geralmente reprimidas, inconscientemente ou não, por suas condutas construtivas de
“ser macho” na prática, a qualquer custo. Assim, 04 dos 15 garotos nos revelaram medos comuns
e complexos, mas de grande censura nociva à constituição de suas formações enquanto homens,
noções essas reforçadas pela e na própria instituição de ensino escolar. Em especial, uma das
respostas fora peculiarmente interessante, ao que se refere à comparação crítica de estudos
históricos com as teorias desenvolvidas por outros profissionais das áreas humanas. Esse garoto
desnudou não só a dor e o sofrimento em sua fala, mas retratava sobre um pesado fardo que
precisa ― por alguma razão não escrita ― suportar para ser reconhecido enquanto “macho”, seja
pela sua família ou pelo seu ciclo de amigos, que não chora e não desiste de nada, detentor de
uma raiva incontrolável. A seguir, deixa nítido que “emoções demais só servem para atrapalhar” o
crescimento da sua vida. Por que sentir tanta dor, para a comunidade masculina, torna-se algo tão
incogitável, na maioria dos casos? É nesse mesmo ritmo que, no final de sua confissão, o
estudante ressalta que “sempre” faz “um sorriso falso para ser legal” entre seus amigos, já que
exibir emoções, como tristeza e dor, é traduzido por denotar fraqueza, não sendo considerado
“homem de verdade”.
Por vezes, para fins de fornecer mais imagens à problemática, imagino os homens se
pensando como algum tipo de “tribo”, fechada e restrita, na qual existem normas e regras muitas
vezes não verbalizadas, consentidas e/ou oficializadas entre as partes. Ver alguém de “dentro” da
tribo “desviando” do caminho da masculinidade passa a ser um risco total. Encontrar outro
homem que insiste em demonstrar, dentro dos parâmetros masculinizantes, fraqueza ao exibir
seus medos e sentimentos e/ou se aproximando cada vez mais de uma feminilidade extrema,
pode ser entendida quase como uma traição ao nome dos homens. Por isso que há essa
necessidade de policiá-los, puni-los e, por fim, excluí-los do ciclo social masculino.
4. EDUCAÇÃO TRANSVALORADA
A par disso, percebemos que as permanências históricas dessa noção de sexo ― como um viés
determinante para seguir modelos de vida ― estão ainda hoje diluídas em nossas salas de aula. Tal
lugar é um alvo crucial e decisivo para se agarrar e destruir-se, de fato, o desejo de formar
cidadãos e cidadãs que se respeitem entre si e consigo mesmos, seja mesmo tão verdadeiramente
uma prioridade para nossa sociedade.
E muito embora a professora Galdeman defenda que homens e mulheres não são povos
distintos, há de se discordar. Ora, homens e mulheres são fundamentalmente diferentes sim,
entre si e enquanto relação, e é essa diferença que precisa ser afirmada, posto que a igualdade
nivela as pessoas a patamares sociais supostamente idênticos de gênero, sendo que possuímos
níveis de diferença relacional e para consigo mesmos bastante marcados, na história e em nossos
corpos. O documentário aqui trabalhado como auxílio para nossas discussões acerca da
problematização e da intensidade sobre a temática de sexo/gênero na educação, crê em algo
semelhante, crê na igualdade como esperança. Uma igualdade baseada na diferença, assim como
defendeu Simone de Beauvoir, é o que de fato precisamos construir: a igualdade baseada na
diferença. Esta deve ser pelo direito de acesso às oportunidades por ambas as partes, ou sexos,
não como algo que descaracterize a singularidade e o devir de ser homem e de ser mulher.
Já existe uma educação de gênero na família, na escola e na sociedade, uma educação
heteronormativa inegociável. Propor novas educações pautadas em discussões acerca de gênero é
fazer a crítica ao modelo educacional já estabelecido e reproduzido há centenas de anos, com suas
próprias especificações históricas.
REFERÊNCIAS
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Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
LOURO, Guacira. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2.ed. Tradução dos artigos:
Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
É fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior; ou então, ainda, que é geral na extensão de
uma sociedade dada, representando uma existência própria, independente das
manifestações individuais que se possa ter (DURKHEIM, 1990, p.11).
Após a construção do conceito de fato social, o autor propõe regras que possibilitariam a
observação científica destes. Seu primeiro enunciado torna-se clássico no pensamento
166
sociológico: os fatos sociais devem ser tratados como coisas. Essa finalidade só seria atingida se o
investigador desenvolvesse o esforço sistemático de se libertar do que Durkheim denominou
como “pré-noções”. Estas representariam os conceitos formados fora do campo científico,
através das impressões, das evidências adquiridas na cotidianidade. Tal tipo de conhecimento
dominante no espírito das massas é desqualificado pelo autor, sendo considerado falso e de
pouco valor. O trabalho do sociólogo constituiria-se, justamente, no distanciamento dessas
noções vulgares, através da autovigilância, da autoproibição do emprego destes conceitos.
Trabalho que para o autor representaria “a base de todo método científico” (DURKHEIM, p.
27). Aqui se caracteriza o que Santos (2000, p. 31-32) considera o movimento da primeira ruptura
epistemológica, que funda o campo da ciência moderna enquanto produtor de conhecimentos,
distinguindo-se do chamado senso comum.
É ainda em Durkheim (Ibidem, p. 30) que vemos a anunciação de estratégias
metodológicas com a finalidade de estudar objetivamente os fenômenos sociais (fatos). O autor
parte do princípio de que “toda a investigação científica” seria dirigida a um determinado grupo
de fenômenos, necessitando de uma definição precisa dos conceitos que serão utilizados para que
o sociólogo se acerque do seu objeto, para que seja possível a existência de provas e verificações de
suas conclusões. A partir desta reflexão, propõe suas regras do método sociológico: 1. o objeto da
pesquisa social deve compreender fenômenos aglutinados em grupo e previamente definidos, por
características comuns e exteriores a eles; 2. para investigar os fatos sociais, o sociólogo deverá
considerar apenas os aspectos em que seu objeto está livre das manifestações individuais, ou seja,
a realidade quantificável que possibilitará uma investigação científica (Ibidem, p. 30-40).
Em síntese, Durkheim pode ser considerado como o fundador da sociologia acadêmica,
sua perspectiva reduz os objetos de estudo desta disciplina às dimensões externas mensuráveis,
quantificáveis e “observáveis” dos fenômenos sociais (SANTOS, 2001, p. 20). Acreditamos que
em seu trabalho podem ser encontradas diversas apropriações do modelo “positivista”
constituído no campo das ciências naturais, o que não significa dizer que não estamos
considerando na sua produção os elementos singulares, fruto do exercício criativo e criador de
seu pensamento. No entanto, a filiação ao paradigma “positivista”, talvez seja possível de ser
identificada através da presença de expressões, de ideias, de concepções consideradas reveladoras.
Bons exemplos podem ser encontrados na preocupação com a objetividade, com a comprovação
e a verificação das hipóteses, com a exterioridade do objeto da investigação, com quantificação e
o tratamento estatístico dos dados da pesquisa sociológica.
Não obstante, não encontramos no texto tomado como base à produção de nossa análise,
qualquer referência à “descoberta” de leis gerais, que possibilitassem não só a explicação dos
167
fenômenos, mas a sua previsão. Neste sentido, a produção comteana exemplificaria uma
perspectiva sociológica com tal pretensão. No caso de Durkheim, vemos que seu trabalho
poderia ser considerado antes “positivo” que “positivista”, manifestando uma imensa
preocupação com a fundamentação científica da pesquisa sociológica, com a cientificidade do
conhecimento produzido. Desta forma, acreditamos que suas formulações caracterizam uma
adesão clara ao modelo da unidade das ciências.
No campo da epistemologia da História, o autor que produziu a defesa mais eloquente e
otimista deste modelo foi Carl Hempel. Vinculado à filosofia analítica de língua inglesa, pode ser
considerado um “neopositivista”. Os neopositivistas têm em comum a crença de que as Ciências
Sociais, incluindo-se a História, constituem-se em um conhecimento eminentemente científico,
possuindo inclusive os mesmos padrões de cientificidade das outras ciências. Eles negam o
caráter compreensivo, narrativo da História, defendendo a unidade teórico-metodológica do
campo científico. Hempel é uma das principais referências desse segmento. Em seu clássico
artigo “A Função de Leis Gerais em História” produz uma eloquente argumentação a favor do
modelo nomológico, ou nomológico-dedutivo, para a explicação histórica, caracterizando uma
adesão bastante otimista a perspectiva da História como ciência (REIS, 2003).
Para Hempel, e essa é a tese central do artigo, as leis gerais desempenham as mesmas
funções em todas as ciências empíricas, estando incluída nesse conjunto a História (HEMPEL,
1984). Uma lei geral poderia ser definida como uma afirmação condicional e universal com
capacidade de confirmação por meio de descobertas empíricas. Segundo esse autor, uma lei geral
expressa uma regularidade do tipo: “Em todo os casos em que um evento do tipo (C) ocorra em
determinado lugar e tempo, um outro evento de tipo (E) ocorrerá num lugar e num tempo de
modo típico relacionados com o lugar e o tempo da ocorrência do primeiro evento” (HEMPEL,
1984, p. 422).
Representada graficamente esta regularidade, poderia ser configurada da seguinte forma:
C1, C2, .....Cn, então E.
O que significa afirmar que sempre quando ocorram eventos como os definidos no
primeiro grupo (C), fatalmente terão lugar os eventos apresentados no segundo (E). Esse
esquema explicativo submete todo o caráter singular de um evento ao talante de uma
generalização. Seria um molde que serviria para todas as áreas do conhecimento científico. Esta
posta aqui sua tese da unidade teórico-metodológica do processo de explicação nas ciências, da
unidade do padrão de produção do conhecimento científico. A explicação científica, dentro de
um mesmo modelo teórico-metodológico, possuiria para Hempel uma estrutura lógica comum.
168
A perspectiva que defende essa especificidade lógica da História e das Ciências Sociais,
caracterizando a segunda vertente do pensamento científico referido anteriormente, encontra sua
fundamentação primeira nas elaborações do chamado historicismo. A constituição desta corrente
ocorre no século XIX, como os positivistas, também em contraposição às filosofias da História.
Para essa vertente, a História e as Ciências Sociais não deixavam de ser ciências, mas possuíam
um sentido diferente para a atividade científica (Reis, 1996, 6-10). O método científico não seria
unitário, mas dual. As ciências da natureza seriam nomotéticas, buscavam a descoberta de leis
generalizantes, apenas constatavam a realidade objetiva, repetitiva, dos fatos naturais. As ciências
do espírito, ao contrário, seriam individualizantes e avaliadoras, buscariam o entendimento do
particular, de uma realidade humana, subjetiva, sem leis, sendo ideográficas e não nomotéticas. O
conhecimento histórico era constituído por um método específico, com uma operação cognitiva
própria. Este recebera a denominação de “compreensão empática” (REIS, 2003, p. 116-117).
Wilhelm Dilthey é uma referência obrigatória no que tange a abordagem compreensiva.
Filósofo e Historiador do final do século XIX, pode ser considerado um dos teóricos fundadores
das ciências humanas. Seu pensamento, considerado pobre e desarticulado para alguns, vigoroso,
dinâmico e coerente para outros, não pôde ser ignorado, sendo mencionado pela grande maioria
das teorias nas Ciências Sociais (REIS, 2003, p. 235).
Dilthey criticava fortemente a busca das Ciências Sociais por se enquadrar nos cânones de
cientificidade das “ciências duras”. Considerava pseudocientíficos trabalhos como os de Comte e
Spencer, pois tentavam oferecer explicações causais para a vida humana e seus movimentos
sempre contraditórios. Ele foi autor que formulou a base da distinção bipolarizada entre as
ciências, apresentada acima. O cientista explica baseado na observação externa, utilizando uma
abordagem cujo fulcro são as leis generalizantes, mas quem se dedica as humanidades, deve se
utilizar da observação interna, falando a linguagem da experiência (BURKE, 2000,p. 19).
Aqui entramos na originalidade do método proposto por esse autor. Para ele, a
compreensão seria o método específico das ciências do espírito. A compreensão faria parte da
vida humana, da cotidianidade. Ela constituiria-se de uma dedução implícita por analogia, ou seja,
a partir das experiências compartilhadas na cultura, deduz-se uma experiência ou expressão
particular. Essa “compreensão elementar” seria a base para a compreensão exercida pelo cientista
social: a “compreensão superior”. No entanto, suas estruturas lógicas difeririam
significativamente. Enquanto na compreensão cotidiana realiza-se o movimento dedutivo já
explicitado, na compreensão empática a operação é indutiva, indo das expressões particulares ao
170
todo individual. Para Dilthey, essa última revelaria ao pesquisador o mundo histórico, o mundo
dos indivíduos, dos sujeitos produtores de sentidos. Assim, a operação cognitiva da compreensão
empática caracteriza-se por uma retrospecção, por uma revivência das experiências passadas. Esse
processo segue o movimento inverso dos acontecimentos. Partindo deles para estabelecer
conexões de sentido com os seus antecedentes. Esse é um exercício que envolve a subjetividade.
É um método específico que não leva a leis gerais, mas à produção do sistema ordenador, que
reúne os casos, integrando as partes em um todo coerente. Diante dessa formulação lógica, desse
processo particular de indução, as ciências do espírito nada têm em comum com as ciências
naturais. O Historiador produz um conhecimento que é resultado do diálogo entre presente e
passado, entre suas experiências e as experiências vividas pelos homens de gerações anteriores.
Esse conhecimento, sendo de natureza complexa e subjetiva, não poderia apresentar resultados
definitivos e sem equívocos (REIS, 2003, p.121).
O programa epistemológico formulado por esse autor procurava representar às Ciências
Sociais o que a obra kaniana correspondeu para as ciências naturais. Por considerar que Dilthey
não havia alcançado o êxito de tal empresa, Max Weber se propõe o mesmo desafio. No texto
weberiano eleito como referência para as nossas análises (WEBER, 2010), ele se coloca no debate
epistemológico apresentado. Neste artigo, a partir das reflexões realizadas, consideramos a
tomada de posição de Weber como uma produção de síntese, portanto, apesar de explicitar
elementos tanto do modelo positivista, quanto do modelo compreensivo diltheyliano, constitui-se
em uma perspectiva significativamente diferente das correntes citadas.
Weber inicia sua proposição apresentando a definição de sociologia. Em sua perspectiva,
ela trata-se de “[...] uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la
causalmente em seu curso e em seus efeitos” (2010, p. 03). Vemos que nesta definição, estão presentes
elementos de uma perspectiva compreensiva, bem como a explicitação do reconhecimento das
relações de causalidade, elemento intrínseco do modelo científico moderno.
A visão weberiana da compreensão é mais racionalista ou seria melhor dizer mais
racional. Não estando restrita a empatia, considerada uma operação psicológica, mas deveria
transcendê-la, pois a compreensão científica representaria uma operação lógica. O objetivo de sua
sociologia, coerente com a definição apresentada, seria o de “compreender interpretativamente as
ações orientadas por um sentido” (ibidem, p. 06), entendendo-se ação os comportamentos
humanos em que os agentes relacionam um sentido subjetivo, a especificação “social” refere-se
àquelas em que o sentido visado pelos agentes remete aos comportamentos de outros. Sentido
aqui é concebido como os subjetivamente visados. Apenas as ações com sentido poderiam ser
compreensíveis. Não obstante, compreender o sentido visado não significa se colocar no lugar do
171
outro. O pesquisador não necessita vivenciar experiências pessoais para compreender o sentido
subjetivamente pretendido pelo agente. Para compreender César não é preciso viver o que ele
viveu. Não é considerada assim uma condição absoluta à compreensão de sentido da ação sua re-
vivência. Esta nos pareceu uma nítida contraposição à compreensão diltheyliana (ibidem, p. 04).
Para o Weber toda interpretação científica busca alcançar “evidências”. No que se refere à
compreensão, ela poderia ser de caráter racional (lógico ou matemático) ou intuitivo (emocional,
receptivo-artístico). Racionalmente evidente seria o que se compreende intelectualmente, em sua
conexão de sentido. As conexões de sentido referentes a comportamentos irracionais são
consideradas na investigação como “desvios” presentes nas ações reais. A compreensão
sociológica dar-se-ia a partir da utilização de uma importante estratégia metodológica: a
construção de um modelo de ação estritamente racional, orientada para um determinado fim.
Esta criação de uma ação ideal, racionalmente orientada, foi denominada pelo autor de “tipo ideal”
(ibidem, 5). Segundo Reis, o tipo ideal weberiano
Vemos assim que o tipo ideal é uma hipótese, uma construção racional produzida para
apreensão do real, ele representa o mais valioso instrumento epistemológico da sociologia
compreensiva. Como uma criação ideal é realizada pelo pesquisador a partir do contato com o
fenômeno estudado. Esta ação ideal possibilita, através da comparação com a ação real, a
compreensão-explicação do curso dos eventos, na qual se verificam os desvios e fatores presentes
(WEBER, 2010, p. 07).
Um bom exemplo do potencial e da consistência epistemológica desse recurso
metodológico é a explicação formulada por Weber para o surgimento do capitalismo. Segundo o
autor, são as mudanças nas concepções morais da ética puritana, referentes às categorias do
trabalho, riqueza, lucro, que possibilitam a acumulação de capitais, através do fornecimento de
justificativas religiosas ao nosso modo de vida. Esse seria para Weber o verdadeiro “espírito do
Capitalismo”, por que liberou psicologicamente o acúmulo (WEBER, 2004, p.120-123).
Vale salientar, no que se refere à definição de compreensão, a perspectiva weberiana
também possui sua acepção singular. O autor diferencia a compreensão atual da explicativa. A
compreensão atual corresponde direta, não-ambígua, na qual o sentido visado da ação é
percebido de maneira atual. A compreensão explicativa é aquela que remete aos motivos que
172
levaram a ação. Por motivos entende-se a razão do comportamento para o agente ou seu
intérprete (ibidem, 08). Weber exemplifica sua tipologia para a compreensão com a utilização de
uma proposição matemática. Quando compreendermos o sentido de que 2+2 é = a 4, dar-se uma
compreensão racional atual da ação, no entanto, quando compreendemos o sentido pelo qual o
agente foi levado a escrever 2+2=4, temos uma compreensão explicativa, ou seja, uma
compreensão racional de motivação. Assim vemos, explicação e compreensão articuladas em um
mesmo movimento epistemológico.
Na perspectiva weberiana, explicar remete a apreensão da conexão de sentido da ação, enquanto
que compreender significa uma apreensão interpretativa dessa conexão. Diferentemente das ciências
naturais, com sua explicação observadora, a explicação interpretativa da sociologia compreensiva
transcenderia a mera constatação das conexões e regra, para buscar como já foi dito, a
compreensão do comportamento dos indivíduos envolvidos nas ações investigadas (ibidem, p.10).
A partir de nossa leitura, consideramos que na elaboração teórico-metodológica de
Weber, está presente certo privilegiamento nas análises do indivíduo e da racionalidade. Contudo,
o próprio autor, adverte para o equívoco de relacionar a perspectiva da sociologia compreensiva
com uma postura individualista e racionalista. A racionalização do processo de construção dos
tipos ideais representa um recurso metodológico, não significando uma adesão a crença corrente
do predomínio da razão ou da conduta racional no comportamento humano. Da mesma forma, a
valorização de uma lógica individual ― privilegiando os sujeitos envolvidos nos fenômenos em
estudo para poder penetrar na sua intencionalidade, na interpretação dos motivos das ações ―
não remeteria a um convite individualista. Para Reis (2003, p.124), as justificativas de Weber não
libertam sua produção de uma visão racionalista do ser humano da História.
No campo da epistemologia histórica, as formulações weberianas representam uma
referência essencial à corrente dos historicistas. Selecionamos para nossa reflexão os trabalhos de
dois historiadores deste seguimento, que em suas produções explicitam apropriações das
propostas de Weber. O primeiro é Henri-Irenée Marrou. Em sua obra “Sobre o Conhecimento
Histórico”, produz uma reflexão acerca da Epistemologia da História ou do processo
epistemológico que constitui o conhecimento histórico.
Sua epistemologia da História começa com uma concisa definição do conhecimento
histórico: “A História é o conhecimento do passado humano” (MARROU, 1978, p. 28).
Conhecimento que pode ser considerado como “cientificamente elaborado”. Elaboração esta não
pela via única da epistéme científica, mas pela via particular da ciência histórica, fruto de um
trabalho rigoroso, sistemático, com método próprio, que produz um saber oposto ao
conhecimento vulgar da cotidianidade.
173
h = P/ p
91 No Brasil, o pensamento weberiano influenciou, entre outros historiadores, Sérgio Buarque de Holanda. Este
utilizou tipos ideais como instrumento estruturador em diversos trabalhos. Um bom exemplo é seu “homem
cordial”. Ver HOLANDA (2001).
174
REFERÊNCIAS
DURKEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. 14o Edição, São Paulo: Editora
Nacional, 1990.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
REIS, José Carlos. A Especificidade Lógica da história. In Reis, José Carlos. História e Teoria:
Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade. Rio de Janeiro: FGV, 2003.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.
178
Lucas Souza94
Antonio Marcos de Sousa Silva 95
pela Universidade Federal do Ceará; Coordenador da área de ensino de Sociologia do curso de licenciatura em
Sociologia/Unilab.
179
entre as disciplinas obrigatórias do sistema escolar brasileiro. Foi neste ano que a Reforma
Capanema marcou o fim de sua obrigatoriedade. Os motivos que levaram a supressão da
Sociologia, de certa forma, repousam nas mesmas bases com as quais foi cogitada sua inclusão na
grade curricular, no fim do século XIX: seu aspecto científico. A Sociologia, ainda em estado
embrionário de sistematização e consolidação disciplinar, foi preterida em função de ciências
mais estabelecidas no campo acadêmico e educacional, como a ciências físicas, por exemplo
(MORAES, 2011).
A primeira LDB (Lei de Diretrizes e Bases), firmada em 1961, pouca coisa alterou na
estrutura educacional que emergiu após a Reforma Capanema e tornou a Sociologia uma
disciplina opcional dentre mais de uma centena de outras. Em 1971, no auge do governo
ditatorial-militar, a lei n. 5692\71, fez uma reformulação da LBD aprovada dez anos antes,
redefinindo a nomenclatura do primário e do secundário, chamados agora de 1º grau e 2º grau;
este assumindo um caráter mais eletivo e profissionalizante. Apesar da Sociologia figurar no agora
recém nomeado “magistério”, como Sociologia da educação, na Educação Básica, o conteúdo da
disciplina foi completamente dissolvido e substituído por Educação Moral e Cívica e
Organização Social e Política Brasileira (OSPB). Neste contexto, estas disciplinas tinham um
caráter bastante ufanista de revalorizar ideais nacionalistas, tão enaltecidos no governo militar. A
disciplina Sociologia ficou muito associada ao “socialismo”, fazendo com que, aos poucos, ela
fosse desaparecendo da agenda de discussões acadêmicas e políticas educacionais
(MENDONÇA, 2011; MORAES, 2014).
Divergências e disputas no interior do campo sociológico também foram responsáveis
por colocar o ensino de sociologia em um segundo plano. Cindidos em Licenciatura e
Bacharelado, a maioria dos cursos superiores de Ciências Sociais dava pouca atenção à prática
pedagógica da disciplina, voltando-se mais exclusivamente à prática da pesquisa.
A Sociologia ganharia novo fôlego apenas em 1982, quando a Lei n. 7044/82, passou a
flexibilizar a obrigatoriedade do 2º grau profissionalizante, abrindo espaços para uma educação
mais formativa geral. Desse período em diante, a própria classe dos sociólogos passou a se
empenhar no retorno da obrigatoriedade da disciplina na grade curricular. A Sociedade Brasileira
de Sociologia e a Federação Nacional dos Sociólogos capitanearam essa luta e promoveram uma
série de fóruns de debates acerca da questão, em inúmeros eventos pelo país (CARVALHO,
2004).
Em 1996, a proposta de uma nova Lei de Diretrizes e Bases foi apresentada pelo senador
Darcy Ribeiro e sancionada sob a denominação LDB n. 9394\96. O art. 36, §1 determinou,
muito vagamente, que das competências exigidas dos estudantes incluíam-se “domínios de
180
anos cindiram essas duas esferas. É durante o Estágio que o licenciando acompanha os múltiplos
momentos em que uma aula é concebida, principalmente o hiato entre o plano de aula e execução
da atividade docente. A observação do planejamento da aula é fundamental para que o
licenciando compreenda a transformação dos conhecimentos adquiridos na vida acadêmica em
conteúdos pedagógicos e os recursos didáticos mobilizados em sua transmissão.
Assim, para Oliveira (2013a), o estágio deve ser pensado e problematizado num processo
crítico da realidade escolar brasileira, seja no que tange às organizações de trabalho docente, seja
no que se refere à própria realidade da disciplina de Sociologia. Em face disso, o Estágio deve
acionar no estudante a compreensão da escola como um espaço polimorfo, carregado de
pluralidades, das didático-pedagógicas às socioculturais. Nesse sentido, o acompanhamento do
estágio não pode ser entendido como um mero momento de observação e descrição, mas sim
sob condição analítica, em que se problematiza os dados encontrados, transformando essa
realidade em um lócusprivilegiado de pesquisa.
A chamada Sociologia do Currículo se apresenta como uma área fértil de debates na seara
da educação e na própria Sociologia da educação. Autores como Basil Bernstein (1996), Michael
Apple (1982) e André Chervel (1990) vêm demonstrando que a escolha de um currículo escolar
não é, de forma alguma, algo imparcial e isento de interesses. Na eleição das disciplinas
obrigatórias e os tópicos a serem lecionados em cada uma delas se envolvem concepções
dominantes acerca da educação, sociedade e Estado, pois são dessas concepções que emanam os
modelos curriculares de ensino.
Segundo Bernstein (1996), a constituição de um currículo é feita pela interação de três
campos de saberes. O primeiro ele chama de “contextualização”, que seria o espaço científico
acadêmico de formulação de teorias; o segundo, o campo da “recontextualização oficial”, ou seja,
os Estados, governantes e secretarias que elaboram os documentos de propostas curriculares; e o
terceiro, o campo da “recontextualização pedagógica”, composto pelo universo escolar, que,
através de materiais pedagógicos, aplica os conteúdos curriculares em sala de aula. O frágil
equilíbrio desses campos determina grande parte das dificuldades de constituição de um currículo
escolar.
Ileizi Silva (2007) faz uso dos trabalhos de Bernstein para analisar as dificuldades de
construção de um currículo único de Sociologia no Brasil, que desde 2008, quando foi incluída na
184
matriz obrigatória das disciplinas do Ensino Médio, pena com a falta de documentos
propositivos de uma grade curricular comum. Esta constatação marca, de início, uma defasagem
no campo da “recontextualização oficial”, que ainda não chegou a um consenso acerca de uma
matriz curricular obrigatória da disciplina. O campo da “recontextualização pedagógica” também
apresenta problemas, uma vez que a disciplina possui pouca tradição dentro do ensino médio,
dada sua intermitência como matéria obrigatória.
A Sociologia possui uma longa tradição acadêmica no Brasil, sendo um dos primeiros
cursos formados na Universidade de São Paulo, na década de 1930. Este legado, de certa forma,
também dificulta a construção de uma matriz curricular pedagógica para disciplina, uma vez que,
como mostra Bernstein (1996), quanto maior autonomização de um campo científico, maior a
dificuldade de formulação de currículos pedagógicos escolares que o extrapolem. Fazendo uso do
sociólogo Pierre Bourdieu (2001), é possível afirmar que a autonomização de um campo
científico se marca pela desconsideração deste com o mundo e regras sociais que lhe são externas,
o que o autor chamou de “interesse pelo desinteresse”. Assim, produções científicas e intelectuais
feitas para um público externo ao campo são, de imediato, colocadas como ligeiras e inferiores.
Prática esta que pode ser notada, também, na maneira como se menospreza os cursos de
licenciatura dentro do campo científico das Ciências Sociais.
A ausência de um currículo escolar nacionalmente consagrado não significa que não haja
temas que estão consolidados no ensino de Sociologia, o que pode ser verificado através das
diretrizes curriculares estaduais. Mário Bispo dos Santos (2012), ao analisar os currículos de
Sociologia de diversos Estados brasileiros, percebeu que existe grande homogeneidade entre eles,
apontando para um mapa comum relativo às diretrizes curriculares estaduais.
Flávio Sarandy (2004), ao comparar o conteúdo dos livros didáticos mais utilizados nas
escolas brasileiras, também constatou muitos pontos em comum entre eles e o PCN (Parâmetro
Curriculares Nacionais) e os OCN (Orientações Curriculares Nacionais). Todavia, como chama
atenção o autor, essas homogeneidades não querem necessariamente dizer que exista uma efetiva
padronização das matrizes temáticas lecionadas, pois não há nenhuma orientação prática e
metodológica em torno desses conteúdos, quando abordados em sala de aula. Existira, segundo o
autor, uma espécie de transposição direta dos conteúdos dos cursos de Ciências Sociais no ensino
de Sociologia em nível médio.
Mesmo não existindo atribuições nacionais acerca da matriz curricular do ensino de
Sociologia, há dois documentos importantes que, mesmo sem força de lei, são responsáveis pelas
orientações gerais para o ensino Sociologia em nível médio, o PCN (1999) e o OCN (2006).
185
O PCN e o OCN são pareceres e orientações que visam indicar conteúdos, caminhos e
métodos do ensino de Sociologia e do professor de Sociologia no Brasil. São documentos oficiais,
produzidos por consultores do Ministério da Educação e submetidos, diretamente, às DCNEM
(Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, 1998) e da LDB (Lei de Diretrizes e Bases,
1996), estes dois documentos sim, com força de lei.
Produzidos em contextos distintos, o PCN e o OCN deixam marcas evidentes dos
embates sociais, políticos e educacionais que envolveram suas confecções. Feito no calor da
promulgação do DCNEM, o PCN de Sociologia guarda muitas das diretrizes ideológicas
neoliberais que inspiraram o primeiro documento. Respondendo à confusa necessidade de dar ao
aluno conhecimentos básicos de Filosofia e Sociologia, importantes para uso de sua cidadania,
como consta na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, o PCN de Sociologia nasce infestado pelas
concepções de transdisciplinaridade e competências, próprias das Diretrizes Curriculares do
Ensino Médio.
A chamada “Pedagogia da Competência” seria uma espécie de apropriação neoliberal das
teorias de Vigostky, em que o professor assume um papel de mediador do saber, incentivador e
motivador, que tem como função fazer com que o aluno aproveite os conhecimentos já
adquiridos, incitando-o a conhecer novos elementos. Basicamente, o aluno teria que “aprender a
aprender” e o professor, facilitar e controlar o conteúdo (DUARTE, 2001).
Sob orientações neoliberais, a pedagogia das competências aparece, no Brasil, no fim da
década de 1990, com a finalidade de conciliar a racionalidade pedagógica e a racionalidade
econômica. O fundamento do capitalismo flexível moderno estava inspirando uma educação
flexível, orientada, unicamente, para o mercado de trabalho e enquadrada na lógica de “perdas e
ganhos”, que qualquer empresa deveria ter. Como salienta Mészaros (2008, p. 15), “no sistema
capitalista, a natureza da educação está vinculada ao destino do trabalho”. Desse modo,
professores altamente graduados são dispensáveis, pois custam caro, o espaço da escola é
colocado em segundo plano, pois exige muitos recursos, as disciplinas de cunho básico vão sendo
pasteurizadas e divididas em áreas de conhecimento. Assim, a sociologia foi diluída em outras
disciplinas e ministrada por professores sem qualificação específica.
O PCN de Sociologia, incluído na área de conhecimento “ciências humanas e suas
tecnologias”, foi construído, basicamente, por pessoas sem ligação específica à área e tinha, entre
suas orientações curriculares mais efetivas, uma imprecisa necessidade da Sociologia para a
cidadania como competência fundamental. Sem definir, ao certo, o que seria essa suposta
cidadania, salpica em algumas linhas do parâmetro a “consciência acerca do pagamento de
impostos ou o reconhecimento dos direitos legais do cidadão”. É possível inferir que a noção de
186
Sociologia vem acumulando dificuldades e uma das principais repousa na confecção e utilização
de manuais, ou seja, livros didáticos.
Vista como área menos nobre nas Ciências Sociais, a tradição acadêmica, em âmbito
universitário, pouco se concentrou na transposição dos conhecimentos científicos para o âmbito
pedagógico. Como mostra Sarandy (2004), o estudo sobre os livros didáticos ainda penam com
esse desprestígio, pois o mesmo é visto como um “livro menor”, “datado”, “restrito” etc. Para o
autor, os PCNs ainda carecem de orientações didáticas e metodológicas apropriadas para o
ensino de Sociologia. As experiências realizadas no ensino médio são localizadas, dispersas e
fragmentadas, e essas poucas experiências foram ainda mal documentadas e raramente analisadas
pela academia. Assim, chama atenção Sarandy (Idem) que os livros didáticos de Sociologia e a
seleção de conteúdos adequados ao nível médio refletem ou um academicismo agudo, ou, pelo
contrário, constroem-se ao redor de cursos temáticos de pouca profundidade teórica. Portanto,
os livros didáticos da área vivem em torno de um impasse representado pela abordagem temática,
de proximidade e visibilidade dos alunos mais facilitada, porém menos conteudistas e outra
abordagem mais teórico-referencial, inchada de teorias e conceitos, mas pouco apetitosa à
aprendizagem escolar.
Simone Meucci (2000) detectou que a construção dos primeiros manuais de Sociologia
entre os anos 30 e 40, sob ranço positivista, fazia dessa ciência uma espécie de ferramenta de
civilidade e desenvolvimento. Funções que mesmo diminuídas e abrandadas ainda estão presentes
em alguns livros. O estudo desenvolvido por Sarandy com os principais livros didáticos
produzidos e utilizados pelas escolas públicas brasileiras revela que entre eles existe ainda uma
espécie “visão redentora”, às vezes mais explícita, outras menos declarada, quando o assunto é o
objetivo de cada manual. Na sua maioria, o objetivo dos livros gira em torno de propósitos mais
amplos, como o uso da cidadania e transformação social. No mais, o conteúdo expresso neles é
bastante homogêneo, carregando preocupações constantes com conceitos entendidos como
fundamentais como: socialização, fato social, Estado e ação social, mesmo como algumas
temáticas como trabalho, movimentos sociais, relação indivíduo-sociedade, desigualdade social,
política e educação.
Embora as discussões sobre os manuais didáticos ou transposição de conteúdos do
bacharelado embasem as arguições sobre metodologia, práticas escolares e didática, existem nos
documentos de referência para o ensino de Sociologia, principalmente os OCN (2006),
orientações importantes na forma como os conteúdos da disciplina podem ser utilizados. Amaury
Moraes e Elizabeth Guimarães (2010) retomam mais uma vez a discussão das questões
metodológicas presentes nas diretrizes centrais do documento. Segundo o OCEM, a presença da
189
Os cuidados com recursos midiáticos devem ser sempre tomados para superar o caráter mais
lúdico e de entretenimento que, em algumas ocasiões, esse tipo de material pode assumir, como
alerta Oliveira e Costa (2008).
Amauri Moraes ainda coloca dois recursos didáticos interessantes, visita a museus e aulas
musicadas. Frequentar lugares que guardam parte da cultura local, de maneira guiada, é
importante para dar visibilidade ao que foi ensinado e desnaturalizar acontecimentos e fatos
corriqueiros. O recurso musical também se torna uma ferramenta interessante ao tentar encontrar
conceitos históricos e sociológicos no conteúdo das letras.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
_____. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio: área Ciências Humanas e
suas tecnologias. Brasília, DF: CNE, 1999.
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa.
Teoria & Educação. Porto Alegre, n.2, p. 177-229, 1990.
GOMES, Ana Laudelima F. Notas críticas sobre as Orientações curriculares nacionais para
o ensino de Sociologia no ensino médio. Cronos, Natal-RN, v. 8, n. 2, p. 475-486.
MÉSZÁROS, István. Educação para além do capital. Rio de Janeiro. Boitempo, 2008.
SARANDY, Flávio. A sociologia volta à escola: Um estudo dos manuais de sociologia para
ensino médio no Brasil. Dissertação – Mestrado em Sociologia – Programa de Pós-Graduação
em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2004.
TOMAZI, Nelson; LOPES, Edmilson. Uma angústia, duas reflexões. In: CARVALHO,
Lejeune (Org.). Sociologia e Ensino em Debate. Experiências e Discussões de Sociologia no
Ensino Médio. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004.
194
1. INTRODUÇÃO
96Mestrapelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (PPG: CISH/UERN). E-mail: raquelcienciassociais@hotmail.com;
97Doutora em Ciências Sociais (UFRN), professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
didáticos a serem utilizados em sala de aula? Meksenas (1994 p. 77) defende que a Sociologia no
Ensino Médio deve apresentar um conteúdo programático muito bem estruturado. Cabe ao
professor proceder a uma “seleção criteriosa”, considerando diferentes aspectos relacionados à
sua abordagem didática. Igualmente, se houver uma “seleção criteriosa” dos livros didáticos,
acreditamos que a Sociologia poderá tornar-se uma disciplina atraente ao público do Ensino
Médio, até porque ela trata de questões que estão arraigadas na existência conflituosa dos jovens.
Assim posto, com uma análise da escolha dos livros didáticos, evita-se o risco de ofertar
uma disciplina que discuta somente questões efêmeras e se dedique a um mero entendimento
superficial dos fenômenos estudados, desenvolvendo no educando a competência de lembrar e
de decorar, e não de pensar, refletir.
Correa defende que
99 Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência que tem como base a inter-relação escola/universidade,
integrando o professor da escola básica na política de formação de futuros professores.
197
Art. 36. O currículo do Ensino Médio será composto pela Base Nacional
Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados
por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância
para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de Ensino, a saber:
(Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017)
I - Linguagens e suas Tecnologias; (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017)
II - Matemática e suas Tecnologias; (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017)
III - Ciências da Natureza e suas Tecnologias; (Redação dada pela Lei nº
13.415, de 2017)
IV - Ciências Humanas e Sociais aplicadas; (Redação dada pela Lei nº 13.415,
de 2017)
199
Essa alteração da LDB não mostra a disciplina de Sociologia e Filosofia como disciplina
obrigatória do Ensino Médio. Essa reforma prejudica imensamente o desenvolvimento da
Sociologia, pois os professores formados em Ciências Sociais estavam começando a ganhar
espaço na sua área, bem como estavam participando do processo de escolha dos livros, através
do Programa Nacional do Livro Didático PNLD.
Essa reforma ilustra grandes prejuízos aos graduados na área de Licenciatura em Ciências
Sociais que passaram quatro anos em uma Universidade se preparando para a docência. Prejudica
também os cursos de Ciências Sociais nos quais a demanda vai se reduzir devido à falta de
perspectiva de atuação. De igual modo, poderão causar danos aos alunos do Ensino Médio que
podem perder a oportunidade de estudar uma disciplina que ajude a desenvolver o pensamento
crítico diante da realidade social, afeta a sociedade que pode perder alunos críticos que lutem por
um mundo melhor, por uma sociedade igualitária de direitos e deveres.
Esta pesquisa também explana os critérios de escolha dos livros pelos professores da
Paraíba e do Rio Grande do Norte. Ou seja, a tabela 1 exemplifica critérios de escolha dos livros
pelos professores de Mossoró.
suas aulas. Mas observa-se que os professores não utilizam todos os critérios do PNLD como
seus principais critérios de escolha, uma vez que existem outros critérios mais importantes para
os professores no momento da escolha dos livros.
Uma professora utiliza como critério de escolha do livro didático de Sociologia a análise
dos temas, dos conteúdos, ou melhor, a mesma observa se o livro apresenta o tema meio
ambiente no qual é a área de sua Especialização. Isso demonstra que para a professora é um tema
indispensável na Sociologia do Ensino Médio a discussão sobre Meio Ambiente. A mesma
também utiliza como critério o suporte que as Editoras proporcionam ao professor para trabalhar
com outros materiais pedagógicos. Isso mostra que o processo de escolha dos livros didáticos são
influenciados pela divulgação das editoras, e que essas abrem sede na cidade bem como os
representantes das editoras visitam as Escolas para tentar influenciar na escolha dos professores.
Isso vai de encontro com o pensamento de Santos (2006) sobre o Pilar da Regulação que é mais
reforçado pela trajetória do desenvolvimento capitalista.
Outro professor ilustra como seleciona e enfatiza o conteúdo do livro didático, ou seja, o
primeiro critério de escolha do livro é analisar a ordem dos capítulos por ano. Demonstra que
segue a ordem dos capítulos estabelecidos pelo livro para cada ano do Ensino Médio, tem seu
roteiro acerca do conteúdo que cada Ano do Ensino Médio deve apresentar, logo o livro que
seguir essa ordem será o livro selecionado. O segundo critério de escolha são as atividades
expostas nos livros. Este mesmo professor, através dos critérios de escolha do livro, expressa seu
modelo de ensino que é o tradicional ou como menciona Ketzer (2007), movimento reducionista,
no qual se refere à apresentação de definições, teoremas, fórmulas e regras, proposição de
exercícios, aplicação de provas. Ou seja, diferente do ensino que é orientando o foco para o
aprender, em que o professor “reconhece que o caminho cognitivo percorrido pelo aluno passa
por um processo semelhante ao do pesquisador: identifica um problema, levanta hipóteses, busca
apoio em referenciais teóricos, experimenta, demonstra, sistematiza” (KETZER, 2007, p.98).
Os critérios de escolha do livro de Sociologia por outro professor se refere à linguagem,
bem como às sugestões de filmes e de livros. De tal modo, depois que a Sociologia retomou ao
currículo do Ensino Médio em 2008 com a “Lei n.11.684/08”, essa disciplina foi inserida pela
primeira vez no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2012 e pela segunda vez em
2015. Os livros de Sociologia estavam melhorando na quantidade e qualidade, mas na atualidade,
com o atual governo do Presidente Michel Temer, a Sociologia pode sair do currículo do Ensino
Médio. Com isso, podem ficar prejudicados o desenvolvimento de metodologias, a produção de
livros didáticos de Sociologia, os professores formados nessa área e os alunos que não vão ter a
oportunidade de estar desenvolvendo seu pensamento crítico sobre a realidade social.
201
Tem a questão também das grandes editoras, inclusive com a Sociologia ainda
não acontece, mas com professores de Física, por exemplo, as editoras
promovem jantares em grandes restaurantes para atrair o professor, então isso é
real (EREMURUS).
Sobre o estudo na Paraíba, este trabalho mostra os critérios de escolha dos livros pelos
professores.
Tabela 2: Critérios de Escolha do Livro Didático de Sociologia na Paraíba
que fez o curso percebeu que tinha feito uma má escolha em relação ao livro adotado, devido não
ter uma visão ampla acerca do processo de seleção dos livros.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sobre os critérios que os educadores utilizam, visualizamos que dois professores do Rio
Grande do Norte e um educador da Paraíba utilizam como parâmetro para a escolha do livro
uma leitura resumida dos capítulos, observando as sugestões de filmes e atividades. Dois
professores do Rio Grande do Norte escolheram o livro tendo em vista a visita e os materiais
paradidáticos ofertados pela Editora. Dois professores da Paraíba selecionaram o livro por este
ilustrar quantidades suficientes aos alunos. Para os professores da Paraíba o critério mais
importante é a Contextualização do Conhecimento.
Este estudo apresentou que a seleção dos livros didáticos como também a intermitência
da Sociologia no currículo escolar estão ligados a interesses mercantis e políticos. Isso vai ao
encontro com o pensamento de Santos (2006) acerca do pilar da Regulação que é composto pelo
Estado, o Mercado e a Comunidade, em que o Mercado, que nesse caso são as Editoras dos
livros, é o principal princípio regulador moderno.
REFERÊNCIAS
BATISTA. Tereza Raquel Gomes. A Escolha dos Livros Didáticos de Sociologia no Ensino
Médio. Dissertação defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas
- PPGCISH/UERN. Maio/2017.
CORREA, Lesi 2004. Laboratório de Ensino de Sociologia. In: CARVALHO, Lejeune (org.)
Sociologia e Ensino em Debate: experiências e discussões de sociologia no ensino médio. Ijuí:
Unijuí.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São
Paulo: Cortez, 2006.
SILVA, Ileizi Luciana Fiorelli. 2004, A Sociologia no Ensino Médio: perfil dos professores,
dos conteúdos e das metodologias no primeiro ano de reimplantação nas escolas de Londrina –
PR e Região – 1999. In: CARVALHO, Lejeune (org.). Sociologia e Ensino em
Debate:experiências e discussões de sociologia no ensino médio. Ijuí: Unijuí.
STRAY, Chris. Quia Nominor Leo: Vers une sociologie historique du manuel. In: CHOPPIN, Alain
(org.) Histoire de l'éducation. n° 58 (numéro spécial). Manuels scolaires, États et sociétés. XIXe-
XXe siècles, Ed. INRP, 1993.
1. INICIANDO O DIÁLOGO...
A história da Educação Infantil é marcada por um trajeto nada acessível para aqueles que
trilharam o percurso e abriram muitas veredas para o alcance desse contexto atual. No entanto,
esse trabalho não intenciona contar as dificuldades desse trajeto e sim, apresentar os avanços
alcançados à luz da legislação - a partir da Constituição de 1988 no que diz respeito às mudanças
na conceituação sobre Educação Infantil e criança - presentes na legislação brasileira e suas
repercussões nas atividades pedagógicas da Educação Infantil. Para demonstrarmos essas
conquistas, faremos um percurso histórico, iniciando pela Constituição Federal de 1988 (CF/88),
perpassando por outros aportes legais conquistados nas três últimas décadas. Desse modo, a
pesquisa apresenta-se na perspectiva de análise de dados formais presentes nos referidos
documentos e as suas implicações para as práticas escolares. Considera-se que a pertinência do
estudo em foco contribui para uma maior reflexão acerca de Educação Infantil e das práticas
vivenciadas em sala de aula.
A Carta Magna aponta a educação como um direito de todos, conforme o artigo 205, e a
efetivação do atendimento às crianças de 0 a 05 anos em creches e pré-escolas (CF. 1988, ART.
208, INCISO IV). De acordo com Conselho Nacional de Educação, parecer nº 20/2009:
100 Professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e do POSEDUC (Programa de Pós
Graduação em Educação da UERN). Atuante nas áreas de formação de professores e Educação Infantil. E-mail:
giovana_melo@hotmail.com
101 Professora da Rede Municipal de Ensino (PMM) atualmente atuando na supervisão de uma Unidade de Infantil.
A nova LDB, que apesar de já ter completado seus 20 anos, se caracterizou como um
marco histórico importantíssimo à Educação Infantil, pois responsabilizou os municípios no
atendimento das crianças de 0 a 6 anos e estabeleceu um curto espaço de tempo para que os
mesmos se organizassem e assumissem a Educação Infantil em seus respectivos sistemas de
ensino. Para dar a tônica da qualidade do atendimento, a partir das orientações do Ministério da
Educação e não mais da Assistência Social como secularmente era submetida, foram lançados os
Referencias Curriculares Nacionais à Educação Infantil (RCNEI), que trouxe uma definição
específica sobre o conceito de criança. Segundo Brasil:
A criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de
uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma
determinada cultura, em um determinado momento histórico. É
profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também o
marca (1998, vol. I p. 20).
Nessa conjuntura, a criança passa a ser vista dentro da sua singularidade e é estabelecido
um "currículo" nacional que homologa princípios filosóficos e de atendimento pedagógico à
criança, com foco na organização de eixos e conteúdos. No referido documento, explicitava-se a
organização do atendimento de crianças de 0 a 3 anos em creches e de 4 a 6 anos em pré-escolas,
ficando esta última com a responsabilidade de iniciar o processo de alfabetização da criança.
Com toda essa ampliação de conceitos acerca do que venha a ser criança, de quem deve
promover a educação nesta fase da vida e reconhecê-las como cidadãos de direitos, as "Diretrizes
Pedagógicas" abordam que as crianças merecem ser cuidadas e educadas. Dessa forma, ao longo da
história tem havido uma superação considerável em relação ao caráter assistencialista que vinha
sendo encontrado historicamente quando se falava em criança ou infância. O lema a ser
impregnado é de que é responsabilidade dos adultos e do Estado educar e cuidar das crianças,
independente de cor, raça, deficiência, classe social, etnia ou qualquer forma de preconceito que
seja aplicado de forma negativa contra a imagem da criança. Neste sentido, toda criança deve ser
respeitada por suas características individuais, na sua condição e direito de ser única, com suas
particularidades marcadas pela sua história, cultura e seu meio social.
A escola deve formar a criança para/no o ambiente social. Essa dimensão de instituição
voltada à introdução das crianças na cultura e à apropriação por elas de conhecimentos básicos,
requer tanto seu acolhimento quanto sua adequada interpretação em relação aos processos
educativos das crianças pequenas. O paradigma do desenvolvimento integral da criança a ser
necessariamente compartilhado com a família, adotado no artigo 29 da LDB 9.394/96, define
que dimensiona finalidades na consideração das formas como as crianças vivenciam o mundo,
208
pedagógicas. Nesse contexto atual, segundo a referida resolução, fica delegado ao Estado a
responsabilidade na educação coletiva das crianças, complementando a ação das famílias. As
creches e pré-escolas devem promover a igualdade e cumprir a sua função sociopolítica e
pedagógica, assumindo a responsabilidade de torná-las espaços privilegiados de convivência, de
construção de identidades coletivas e de ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes
naturezas. Devem realizar por meio de práticas que atuem como recursos de promoção da
equidade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais, no que se
refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância, considerando novas
formas de sociabilidade e de subjetividades. As DCNEI trazem uma concepção de criança que
inspira e sugere uma nova concepção de práticas pedagógicas.
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que
vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a
sociedade, produzindo cultura (2010, p. 12).
Para isso, traz uma nova definição de currículo e de proposta pedagógica considerando
esses novos processos educativos que devem estar comprometidos com a democracia e a
cidadania, com a dignidade da pessoa humana, com o reconhecimento da necessidade de defesa
do meio ambiente e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica,
étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa.
Nesse ínterim, as DCNEI assumiram a missão de substituir os RCNEI que, por mais de
uma década, subsidiaram as práticas pedagógicas da Educação Infantil. A esse respeito,
Kishimoto (2016, p.10) faz uma reflexão sobre o insucesso dessa substituição, afirmando que:
Em 2012, a lei 12.796 alterou a Lei No 9.394/96. Dentre as alterações feitas, destaca-se a
obrigatoriedade da Educação Infantil a partir dos 04 (quatro) anos de idade. Isso significa maior
garantia do tempo de aprendizagem e da convivência entre grupos de diferentes faixas etárias.
Em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi promulgado e a universalização da
pré-escola e ampliação da creche está explícita na meta 1 com prazos definidos. O PNE
estabelece o limite de até um ano para que os municípios adaptem, a partir dele, seus planos
municipais de educação e, executem-os conforme exposto nos planos. A meta 1 traz
210
seria desonesto negar, que há também práticas inovadoras, desafiadoras e significativas que são
semeadas no solo pedregoso dessa longa estrada. Na prática e no chão da escola a teoria sem a
prática é falácia e a prática sem teoria é intuição, não EDUCAÇÃO.
REFERÊNCIAS
_____. LDB. Lei 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em
<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 Jun. 2003.
LEITE FILHO, Aristeo. Proposições para uma Educação Infantil cidadã. In: GARCIA, Regina
Leite; LEITE FILHO, Aristeo (orgs.). Em defesa da Educação Infantil. Rio de Janeiro:
DP&A, 2001. p. 29- 46. (O sentido da escola; 18).
1. INTRODUÇÃO
103Graduado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; mestrando do programa de pós-
graduação em Ciências Sociais e Humanas da UERN (PPGCISH); professor substituto do Departamento de
Filosofia (DFI) na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (FAFIC) da UERN; membro e contribuidor do site
Universo Racionalista nas áreas de Filosofia e Neurociência; Pesquisador nas áreas de ética da neurociência e
neuroética. Email: jecpm22@hotmail.com.
104Mestra em Ciência da Computação pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e Universidade Federal
no estado da arte da neurociência, que descobriu haver uma relação direta entre a empatia e um
grupo de neurônios denominados neurônios-espelho.
Assim como existem mecanismos de anulação na capacidade de sentir empatia, também
existem os mecanismos sociais e psicológicos que a estimulam e que são extremamente
importantes às instituições sociais: da literatura e teatro, passando pelo cinema e pela fotografia, o
ser humano pode estimular a empatia através de inúmeras práticas. Por isso acreditamos que a
seleção e o desenvolvimento de materiais que possam ser aplicados em sala de aula, alinhados ao
conteúdo programático da aula, podem servir como ferramentas de estímulo da empatia, tais
como: documentários, filmes, peças teatrais, séries, vlogs, redes sociais, sites, etc. Esse estímulo é
possível através da neuroplasticidade cerebral, que é a capacidade de reorganização do sistema
nervoso frente às experiências vivenciadas ao longo da vida, ou melhor, a neuroplasticidade
permite até certo ponto uma reconfiguração cerebral (Lent, 2002). Estamos refletindo a respeito
da possibilidade de melhorar a configuração mental de crianças e adolescentes, no sentido de
permitir que estes tornem-se mais empáticos.
Ao longo do texto, faremos várias reflexões acerca da proposta citada, com o objetivo de
discutir o bullying também sob um aspecto neurocientífico.
ter baixa autoestima, atitudes mais agressivas e tendem a ser menos populares que as vítimas
típicas. Já os agressores são aqueles denominados como “populares”, geralmente aparecem como
líderes de grupos (as famosas “panelinhas”), possuem opinião de desprezo e negatividade em
relação às vítimas e a escola em geral (Lopes, 2011 & Berger, 2007), demonstrando falta de
empatia em relação à vítima. A empatia pode ser definida como a capacidade de capturar
sentimentos e identificar-se com a perspectiva do outro (Del Prette e Del Prette, 2001), ou seja,
colocar-se na situação ou “no lugar” do outro. Os déficits de empatia estão associados a um
conjunto de aspectos como distorções perceptivas e problemas de regulação e autocontrole
emocional (Covell e Scarola, 2002; Geer Estupinan e Manguno-Mire, 2000), que favorecem o
comportamento agressivo.
O amplo avanço da neurociência105, graças ao surgimento de modernas técnicas de
neuroimagem como a TAC (tomografia axial computadorizada), PET (tomografia por emissão de
pósitrons) e RMN (exame de ressonância magnética), permite que a estrutura e função do
cérebro vivo sejam estudadas. Cientistas podem ver quais as áreas do cérebro se "acendem" de
atividade quando uma pessoa saudável realiza uma tarefa mental, ou eles podem examinar
pacientes que sofreram uma sequela ou uma doença para ver quais partes do cérebro, quando
afetadas, correspondem as quais déficits de função neural. De modo especial, se estabeleceu uma
relação entre diferentes áreas do córtex cerebral e comportamentos humanos em situações
concretas. Tais conexões levaram numerosos neurocientistas a crer que o conhecimento das
bases cerebrais do comportamento humano em diferentes campos, como a política, a economia,
o direito, a moral, a educação, etc., pode explicar como funcionam estas áreas. O estado da arte
da neurociência descobriu haver uma relação direta entre a empatia e um grupo de neurônios
denominados neurônios-espelho106. A neurociência aponta que a capacidade de empatia está no
cérebro e que a mesma tem um papel importante no comportamento ético, no entanto, também
existem mecanismos sociais com o poder de anular nossa capacidade empática. A psicopatia, o
comportamento antissocial e violento, por exemplo, podem ser estimulados por mecanismos
sociais de anulação da capacidade de empatia, como a desumanização das vítimas através de uma
doutrinação cultural: no Holocausto e no Genocídio em Ruanda, em 1994, houve uma intensa
animalização das vítimas, identificando-as a animais daninhos que necessitavam ser eliminados
(ARENDT, 1998). A estrutura burocrática também é outro mecanismo de desumanização, uma
vez que roubar do Estado, por exemplo, dificulta a percepção clara de que as verbas desviadas
em benefício próprio não afetam negativamente apenas ao ente abstrato chamado “Estado”, mas
destrói especialmente a vida das pessoas que dependem dele. Dessa perspectiva, se o desvio de
verba da saúde não é considerado penalmente um crime de homicídio de milhares de pessoas (e
de tentativa de homicídio contra muitos outros) e sim, apenas “Desvio de verba”, é porque a
estrutura burocrática cria um lapso entre o crime contra o Estado e o crime contras pessoas
específicas que dependem do Estado. Além deste, há vários outros mecanismos de
desumanização e anulação da capacidade de empatia, cujos efeitos sobre a sociedade são nefastos.
De um ponto de vista educacional, a formação humana ―após o fenômeno da
globalização e as transformações técnico-organizacionais no trabalho, que desencadearam
inúmeras mudanças no âmbito da educação em geral e da formação profissional ― que é mais
abrangente e que inclui além de conhecimentos pontuais, técnicos e científicos, também valores
éticos e espirituais (a rigor, seria a formação do que consideramos qualitativamente humano,
como a capacidade crítica e a empatia), não dispõe de demasiada atenção, por assim dizer, da
mesma maneira que as novas demandas por qualificação profissional, cujos efeitos sobre a
educação da juventude são, predominantemente, objetos de maior preocupação. A formação
humana e o desenvolvimento profissional docente, ou seja, a tentativa de pensar o papel do
ensino/docência e do seu aprimoramento como função à formação do ser humano em seus
aspectos mais abrangentes ― como ser social, ser afetivo, ser ético, ser existencial ― têm forte
relação com o desenvolvimento de práticas pedagógicas que privilegiem atividades que estimulem
a empatia dos alunos para com o próximo. Este pode ser não apenas o seu colega de classe, mas
seu professor, seus familiares e toda a sociedade. Tal abordagem pode contribuir para uma
educação voltada à formação de cidadãos conscientes e críticos a despeito daquela voltada
somente à formação de profissionais técnicos.
Dado a importância e urgência dos fatos supracitados com relação ao bullying ― por
entender que este tem relação direta com o desenvolvimento da empatia e pela necessidade de
iniciativas que melhorem a formação moral e cidadã dos educandos ―, este projeto propõe o
estudo do impacto da intervenção dos professores na prevenção e enfrentamento do bullying
através do estímulo da empatia à luz das novas descobertas da neurociência sobre os neurônios-
espelho.
216
Há boas razões para acreditar que a arte e a literatura “têm conduzido seres humanos por
jornadas empáticas desde que os cidadãos da antiga Atenas choravam pelos personagens que
viam no palco durante o festival de Dionísio” (KRZNARIC, 2015, p. 190). Através das narrativas
literárias e cinematográficas, ou através de imagens de sofrimento feitas por fotógrafos
talentosos, a arte tem conseguido estimular empatia e compaixão nos seus expectadores e, através
desses sentimentos, tem provocado mudanças de comportamento: desde a mudança de opinião
acerca de um determinado grupo de pessoas, promovendo a dissolução de preconceitos, até a
adesão de medidas práticas, como participar de um protesto ou prestar ajuda humanitária a uma
pessoa ou grupo. Historicamente, a arte se tornou um meio à produção de empatia, “seja para a
luta contra o trabalho infantil ou a participação no movimento pacífico” (KRZNARIC, 2015, p.
160), entre outros.
A partir da invenção da prensa móvel por Gutenberg em 1452, a publicação e a compra
de livros tornaram-se mais acessível, sendo esse episódio histórico demasiadamente significante
para mudanças de comportamento social e empático. Antes de tal invenção, cada exemplar de
livro deveria ser manuscrito, de modo que deixava os livros maiores, a letra manuscrita era mais
difícil de ler e a quantidade de papel encarecia a encadernação, o armazenamento e a remessa dos
livros. A partir do século XVII houve uma verdadeira explosão na publicação dos livros. Outro
dado importante é que a alfabetização esteve igualmente em crescimento em outras partes da
Europa Ocidental nessa época. Isso significou um rompimento com as leituras bíblicas e as
pessoas começaram a ler obras seculares. Além disso, a Revolução Científica passou a divulgar
mais sobre a experiência cotidiana e as novas descobertas da ciência, ou seja, a ciência passou a
desenvolver temáticas inovadoras e a divulgar resultados que poderiam ter um alcance, em termo
de conhecimento, maior. A empatia, no sentido de adotar o ponto de vista do outro, capacidade
oriunda do estado neurológico do ente humano, parece aflorar à medida que o exercício da
leitura é colocado em prática:
de mulheres simples (inclusive criadas) com quem eles não tinham nada em comum. Um oficial
militar reformado derreteu-se numa carta a Rousseau (se referindo ao romance Júlia, ou a nova
Heloísa de 1761 escrito pelo próprio Rousseau):
O senhor deixou-me louco por ela. Imagine então as lágrimas que verti por sua
morte. [...] Nunca derramei lagrimas assim deliciosas. Tão poderoso efeito
produziu em mim a leitura que, creio, teria morrido feliz naquele momento
supremo (Apud PINKER, 2013, p. 254).
O estímulo da empatia demonstra que tal ação promove altruísmo genuíno e pode se
estender a novas categorias de pessoas quando alguém assume a perspectiva de um membro
desse grupo, mesmo sendo um membro fictício.
O bullying nas escolas começou a ser pesquisado pelo Professor Dan Olweus, na
Universidade de Bergen – Noruega. O pesquisador publicou a obra: Aggression in the Schools:
Bullies and Whipping Boys (Olweus, 1978)que propôs um modelo anti bullying que viria a ser seguido
e adaptado por vários pesquisadores, desde então (Pereira ET AL, 2015). O que ele propôs foi
uma mudança conceitual para se concentrar em indivíduos através da lente da psicologia da
personalidade característica, ou seja, definir o perfil dos envolvidos no bullying e, a partir disso,
propor mudanças de comportamento.
O trabalho desenvolvido por Pingoelllo (2012) em sua tese de doutorado propõe um
estudo com o objetivo de realizar ações educativas visando a prevenção e educação escolar,
através do levantamento de dados a respeito dos perfis ― tanto das vítimas quanto dos agressores
― e de ações educativas a respeito do conhecimento do bullying e suas implicações por parte dos
professores. Foram realizadas ações tanto para os professores como seminários, palestras,
construção de ações interventivas, etc., quanto para os alunos, que envolveu palestras, debates,
elaboração de cartazes, músicas, recital, mostra de vídeo. Embora o trabalho não explicite o uso
da estimulação da empatia, é evidente, de acordo com as pesquisas em neurociência, que tais
atividades promovem isso. O resultado do trabalho de intervenção foi muito positivo e
mensurado por meio de questionários aplicados em um primeiro momento, antes da aplicação da
intervenção e em um segundo após a realização da mesma. Já Bouchard (2000) propõe o uso de
narrativas, por parte dos alunos, onde os mesmos possam contar sobre os problemas que tiveram
219
e apresentar ao grupo, se assim desejarem. Nesse último estudo, o autor propõe uma forma de
superação das consequências sofridas pelo bullying. Em Silva (2015) é proposta a criação e
implementação de um programa de prevenção do bullying desde a primeira infância. De acordo
com o autor, o bullying pode ser prevenido através do desenvolvimento de competências sócio
emocionais. Gonçalvez (2016) também analisa o fenômeno do Bullying no ambiente escolar e
verifica sua interferência nos processos de aprendizagem bem como o papel dafamília na
dissolução desse conflito.
REFERÊNCIAS
Berger KS. Update on bullying at school: Science forgotten? Dev Rev 2007; 27(1):90-126.
Currie, C., Zanotti, C., Morgan, A., Currie, D., de Looze, M., Roberts, C., Samdal, O., Smith, O.,
& Barnekow, V. (2012). Social determinants of health and well-being among young people:
Health Behaviour in School-Aged Children (HBSC) study: International report from the
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DEL PRETTE, A. & Del Prette, Z. A. P. Psicologia das Relações Interpessoais: vivências
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220
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Psychiatry, 171(7), 777–784.
221
1. INTRODUÇÃO
Embora não se trate de uma problemática recente na história da humanidade, é fato que,
no contexto da globalização, o meio ambiente, considerado em sua totalidade ― o que envolve
aspectos naturais, culturais e sociais, dentre outros ―, vem sendo cada vez mais afetado. A
degradação dos recursos naturais vem sendo intensificada dada à competitividade que caracteriza
o atual estágio de desenvolvimento, tendo por base a apropriação e a exploração indevida dos
recursos naturais, conforme explicitam os signatários do manifesto ecossocialista, ao afirmarem
que os problemas ambientais resultam de
E-mail: helenanatst@gmail.com
109 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em ensino/PPGE/UERN Campus Pau dos Ferros
E-mail: joaobiologia2013@gmail.com
222
Brasil aprovou a sua Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), por meio da lei
9.795/99. Consequentemente, em 2012, tivemos a aprovação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Ambiental (DCNEA), definindo a educação ambiental como
atividade intencional da prática social. Ela deve imprimir ao desenvolvimento individual um
caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando
potencializar essa atividade humana com a finalidade de torná-la plena de prática social e de ética
ambiental (BRASIL, 2012).
Ao tratarmos de educação ambiental, partimos da compreensão de que esta é “[...] uma
práxis educativa e social que tem por finalidade a construção de valores, conceitos, habilidades e
atitudes que possibilitem o entendimento da realidade de vida e a atuação lúcida e responsável de
atores sociais individuais e coletivos no ambiente” (LOUREIRO, AZAZIEL E FRANCA, 2003,
p. 15). Corroborando com a conceituação dos autores, temos a devida clareza de que se trata de
uma perspectiva teórica situada em um grande espectro conceitual que caracteriza o debate acerca
da educação ambiental. Nos leva a refletir os contextos locais, considerando que os problemas
ambientais se expressam de modo diferenciado e que cada comunidade responde a estes
problemas de acordo com sua cultura, experiência e possibilidades. A educação ambiental insere-
se nesse movimento histórico no qual a educação “é concebida como uma prática social, uma
atividade humana e histórica que se define no conjunto das relações sociais, no embate dos
grupos ou classes sociais, sendo ela mesma forma específica desta relação social” (FRIGOTTO,
2003, p. 31). Essa concepção traz em si a necessidade de compreendermos a educação a partir da
pluralidade conceitual, identificando-a como um campo político de disputas ideológicas e
determinado por relações sociais concretas e dialéticas.
De certo modo a PNEA, ao definir em seus princípios uma educação ambiental pautada
na concepção do meio ambiente em sua totalidade ― considerando a interdependência entre o
meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade e, ainda, numa
abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais ―, chama a
atenção à necessidade e importância da educação ambiental na perspectiva do semiárido.
Desse modo, neste trabalho buscamos contribuir com algumas reflexões que julgamos
importantes para que, no contexto do semiárido brasileiro, possamos viabilizar práticas de
educação ambiental conectadas com as características sociais, culturais, políticas e ambientais
dessa região. Ou seja, uma educação ambiental contextualizada no semiárido. Esse
direcionamento deve considerar a exigência de uma formação docente conectada com tais
objetivos, demandando às universidades um compromisso social com as realidades locais.
Notadamente, as universidades situadas no semiárido precisam assumir um compromisso com a
223
diversidade que caracteriza esse espaço geográfico, político e social, de modo que, sem perder de
vista uma problemática que é global, possam atuar localmente.
A contribuição por parte da academia se faz de suma importância, pois, no contexto local
e diferenciado como o semiárido brasileiro, é necessário que os docentes advindos das instâncias
educacionais superiores tenham em seu escopo de conhecimento, espaços que versem sobre a
educação ambiental na totalidade da sua existência e das suas necessidades. Desse modo, pode
desenvolver atividades e ações efetivas e eficientes para entender e lidar com as condições
ambientais, socioeconômicas e culturais imposta por essa microrregião climática.
Nosso trabalho tem por base a pesquisa bibliográfica e nele discutimos a importância e a
necessidade de inserção da educação ambiental no currículo da formação docente, refletindo que,
ao se desenvolver no contexto do semiárido, considere suas especificidades. Assim, discutimos
também algumas características importantes dessa região, apontando alternativas teórico-
metodológicas à sua viabilização enquanto prática social, no contexto educacional formal.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a
Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília, 1999.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 2003.
______; TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Teoria social crítica e pedagogia histórico-
crítica: contribuições à educação ambiental. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação
Ambiental da FURG. ed. Especial, jul./2016.
1. INTRODUÇÃO
110Graduanda do Curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), voluntária no
Programa de Educação Tutorial – PET Pedagogia e bolsista no Programa Institucional de Iniciação Cientifica
(PIBIC/UERN). E-mail: thalitajmeneses@hotmail.com;
111Graduada do Curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail:
geyce_ok@hotmail.com;
112 Professora Pró-Labore na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Especialista em Psicologia
Destarte, buscamos teorizar esta experiência nos fundamentando em autores como Freire
(1989), na tentativa de compreender a relação alfabetizadora a partir da realidade e do
conhecimento de mundo do educando como prática transformadora; Caliman (2006), que nos
sugere uma compreensão sobre a escola diante dos sujeitos em situação de risco e violência; e
Fialho (2012), que nos ajuda a refletir sobre a trajetória social do jovem em conflito com a lei,
dentre outros autores.
Partindo dessa discussão teórica e frente ao objetivo proposto, dividimos o presente
estudo em cinco seções. A primeira versa sobre o contato com o CEDUC, por intermédio do
curso de Pedagogia da UERN; a segunda seção traz uma breve contextualização do
CEDUC/Mossoró; descrevemos na terceira seção a estrutura e funcionamento da escola na
referida instituição; na seção seguinte, abordamos sobre quem são os alunos do CEDUC, como
discorremos sobre o seu interesse, participação e motivação nas atividades desenvolvidas na
escola; e, por fim, tratamos na última seção a alfabetização como prática educativa de inserção
social, como atividade do estágio supervisionado.
Nesse sentido, consideramos a temática relevante e imprescindível ao afloramento das
discussões no âmbito educativo, uma vez que compreendemos que a educação possibilita a
formação humana, permitindo a ressocialização do jovem em conflito com a lei, proporcionando
uma postura consciente, crítica e ética perante a sociedade.
social, que modifica os seres humanos nos seus estados físicos, mentais,
espirituais, culturais, que dá uma configuração à nossa existência humana
individual e grupal’.
Ferreira (2008, p. 180) acrescenta ainda que para Libâneo (2002, p. 64) a educação é
prática social que “[...] busca realizar nos sujeitos humanos as características de humanização
plena. Todavia, toda educação se dá em meio a relações sociais [...]”, sendo ela também
necessariamente crítica por lidar com os diversos grupos sociais e questões voltadas à gestão e
políticas sociais.
histórico escolar do jovem, para que este seja cadastrado no Sistema Integrado de Gestão da
Educação (SIGEDUC).
As turmas são divididas por níveis de aprendizagem e de interação entre os jovens, pois
por serem sujeitos que lidam com a criminalidade, a maioria fazem parte de facções (Primeiro
Comando da Capital – PCC e Sindicato do Crime do RN) que mantêm o crime no estado do RN.
Devido a rivalidade entre estas, a instituição evita que os jovens mantenham contato com seus
rivais. Desse modo, o horário de aula é divido em dois momentos, geralmente das 14h às 15h um
grupo de alunos participa da aula e das 15h às 16h outro grupo.
As aulas acontecem de segunda a quinta-feira, pois a sexta-feira é destinada à visita dos
amigos e familiares dos jovens, sendo descartado qualquer tipo de atividades com os alunos.
Diante disso, este dia é reservado para o planejamento do professor, sendo realizado
semanalmente.
Em um dos dias de observação, ao chegar na escola, encontramos uma turma de alunos
dos anos finais do ensino fundamental reunidos na biblioteca. A professora estava fazendo uma
avaliação na ótica dos jovens sobre as necessidades da escola. Um deles ressaltou a falta de
materiais escolares, demonstrou a importância de cursos profissionalizantes, como o de
computação, por exemplo, chegou a reclamar dos dias que eventualmente não tem aulas, pois
acabam ficando tempo a mais no alojamento e sugeriu a realização de mais atividades que os
ocupassem durante o tempo que passam ali.
Pudemos perceber a partir do relato da pedagoga e do contato com a escola que este é
um trabalho desafiador, pois são jovens que pouco ou nunca frequentaram a escola e que chegam
à instituição muitas vezes sem saber ler e/ou escrever, até mesmo o seu próprio nome.
Durante a observação, percebemos que o trabalho da professora é de alfabetização, em
que desenvolve atividades que envolvam o alfabeto e as famílias silábicas, bem como a
alfabetização matemática, iniciando as quatro operações matemáticas.
As professoras não têm suporte suficiente em materiais didáticos, tendo que se desdobrar
e dar aula usando o quadro, o pincel e atividades no caderno dos jovens. Aos poucos, com o
diálogo, vão introduzindo o cotidiano do aluno, buscando fazê-los refletir sobre a condição que
os levaram até ali. No entanto, compreendemos que esta não é uma tarefa fácil, pois exige do
professor uma formação reflexiva e humana que auxilie a sua prática de forma a contribuir na
ressocialização destes jovens.
237
A partir do exposto, não podemos considerar que estes aspectos citados acima possam
ser determinantes para que o sujeito venha a cometer atos ilícitos, porém, a partir dessa
compreensão, pudemos refletir sobre os motivos aos quais os levaram a tais atos. Assim,
analisando os relatos dos jovens, percebemos que em alguns casos os acontecimentos familiares,
a dinâmica do local onde vivem, as necessidades de sobrevivência, entre outros aspectos, podem
vir a estimular os sujeitos que vivem em situação de fragilidade social a situações de delinquência.
Pela fala dos jovens, compreendemos que a escola é vista por eles como uma atividade
que contribuirá para acelerar sua saída da instituição, pois a participação nas atividades que a
instituição proporciona, sejam elas esportivas, artísticas, dentre outras, são registradas no Plano
Individual do Aluno (PIA) para análise e avaliação do comportamento do jovem privado de
238
liberdade. Assim, além de ver a escola como uma oportunidade de sair dos alojamentos, onde
ficam isolados, apesar do pouco desejo, relatam vontade de aprender a ler e escrever.
Contudo, diante de algumas falas, não conseguimos identificar a importância da escola na
vida desses jovens. Percebemos algumas perspectivas como sair do mundo do crime, encontrar
um emprego e mudar de vida, que conforme Fialho (2013), a educação formal aos jovens em
conflitos com a lei, tem a sua importância, porém, não depositam objetivos ou expectativas de
futuro com relação a esta, pondo em primeiro lugar o interesse pelo ingresso no mercado de
trabalho.
Compreendemos que mudar de perspectiva dentro da realidade em que vivem não é
tarefa fácil, pois já fazem parte de um sistema que nem sempre lhes oportunizam esta mudança,
devido os atos já cometidos, as rivalidades etc. Os alunos percebem que a sociedade não lhes
possibilita chances para transformar sua realidade, sofrendo preconceito e exclusão social.
Desse modo, passamos a questionar sobre qual seria a função social da escola na vida
destes jovens? Será que escola fracassou por não compreender/auxiliar os alunos que apresentam
forte personalidade e que refletem os problemas vividos fora dos seus muros, já que os
adolescentes que hoje estão na escola do CEDUC já passaram pela escola regular? Como pensar
práticas que estimulem esses jovens a refletir sobre as condições que vivem e assim modificar seu
próprio contexto? Como pensar uma educação que proporcione mudanças sociais mais humanas
e que modifique o atual quadro de marginalidade?
Elaboramos o diagnóstico com base no teste das quatro palavras e uma frase.
Pretendíamos compreender em qual nível apresentado pela autora, os jovens se encontravam:
pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético. Assim, selecionamos uma palavra
monossílaba, dissílaba, trissílaba e polissílaba de classe de animais, respectivamente: Rã, bode,
cavalo e elefante. Posteriormente, depois de escrevê-las, eles tentariam escrever a frase “O cavalo
é marrom”.
O aluno 1 não conseguiu identificar as palavras relacionando-as ao som e mostrou-se
bastante desmotivado por não conseguir realizar a atividade, enquanto o aluno 2 pediu-nos ajuda,
questionando algumas letras ou a formação de algumas sílabas. No momento mostrou outras
palavras que conseguia fazer como “bola” e “faca”.
Desse modo, pudemos concluir que o aluno 1 se encontrava no nível silábico por
demonstrar bastante dificuldade na formação das palavras. Em sua tentativa conseguiu escrever a
palavra “bode”, pois conseguiu atribuir valor sonoro a sílaba “bo” e representou a segunda
apenas com a vogal “e”, formando “boe”. Assim, com base em Ferreiro (2001, p. 24) no nível
silábico o sujeito percebe que “[...] as partes da escrita (suas letras) podem corresponder a outras
tantas partes da palavra (suas sílabas)”. Podendo representar uma letra para cada sílaba das
palavras, atribuindo para cada letra um valor sonoro da quantidade de sílabas.
O aluno 2, por sua vez, conseguiu após algumas tentativas, identificar e atribuir valor
sonoro a algumas letras e sílabas com menos dificuldade do que o aluno 1. No nível silábico-
alfabético, os sujeitos percebem que “[...] a sílaba não pode ser considerada como uma unidade
[...]” (FERREIRO, 2001, p.27) e passam a escrever as palavras com a quantidade de sílabas
corretamente, enfrentando pequenos problemas ortográficos.
As atividades foram pensadas para trabalhar o sistema alfabético, compreendendo a
diferença entre vogais e consoantes, a formação das famílias silábicas, relacionando o sistema de
escrita aos sons das letras, sílabas e palavras. Percebemos que não foi uma atividade fácil, pois
não tínhamos noção de como desenvolver propostas de forma que contemplasse cada nível.
Sentíamos falta de referenciais que nos auxiliassem a compreender este tipo de modalidade, bem
como trabalhar de maneira que estimulasse a aprendizagem dos alunos, relacionando o conteúdo
ao seu contexto e ao conhecimento de mundo, pois acreditamos ser necessário respeitar o
conhecimento dos educandos (FREIRE, 1996).
Tentávamos levar atividades de maneira lúdica, utilizando outros materiais que não
fossem somente o caderno e o lápis. Em outro momento, levamos encartes de supermercado e a
ideia era que identificassem e colassem no caderno, em locais específicos, os rótulos ou palavras
que iniciavam com vogais e consoantes. No entanto, ao chegar à escola, não pudemos levar as
240
tesouras para a sala de aula, pois um dos nossos alunos tinha fugido, desse modo a instituição
estava muito movimentada e alerta a qualquer tipo situação.
Ficamos angustiadas por não realizar a atividade como planejamos, porém como éramos
apenas estagiárias e tínhamos pouca experiência no local e com aquele público, recebemos as
instruções do CEDUC e realizamos a atividade identificando e escrevendo as palavras no
caderno.
Em outro momento realizamos uma tarde mais divertida, levando um bingo com as letras
do alfabeto. A marcação da cartela era individual e a cada letra que conseguissem identificar o
aluno deveria dizer uma palavra que iniciasse com a letra sorteada. Nesta atividade, percebemos
que iam buscando recordar palavras que estavam em seu cotidiano.
Observamos que a maioria dos jovens tem dificuldade de concentração na realização das
atividades. Saiam da sala para beber água inúmeras vezes, para ir ao banheiro, para realizar a
atividade fora da sala de aula, pedindo a ajuda das/os educadoras/es, para conversar com os
colegas, educadores e funcionários que passavam ao lado de fora da escola e isso por várias vezes
nos deixou intrigadas. Nos questionávamos sobre as atividades que levávamos, pois será que os
alunos não estavam atribuindo sentido ao que estávamos propondo? Como trabalhar de maneira
que conseguisse envolvê-los, sentindo-se motivados a realizar as atividades? E de acordo com o
nível de cada educando, como pensar estratégias que contemplem cada sujeito? Eram questões
que nos incomodavam e a pouca experiência nos motiva a buscar maneiras de tornar a
aprendizagem destes jovens mais significativa.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
educação que é desenvolvida com poucos recursos, o que pode vir a dificultar o exercício do
professor.
A escola é vista como um importante espaço para trabalhar o processo de ressocialização
do jovem em conflito com a lei, porém esta não é vista dessa forma pelos alunos, compreendida
como uma prática que lhe auxiliará a cumprir a medida socioeducativa e lhe permitirá ter sua
liberdade de forma mais rápida, além de ser um espaço ao qual os ajudam a sair dos alojamentos,
onde ficam maior parte do tempo.
Essa experiência nos provocou reflexões sobre a condição humana e como as práticas
educativas alfabetizadoras podem ser pensadas a fim de possibilitar aos sujeitos em conflito com
a lei, pensar sua própria condição de maneira crítica, reflexiva e questionadora. Assim, o trabalho
de alfabetização pode vir a contribuir com a formação humana ao proporcionar momentos de
interação, reflexão, partindo da codificação e decodificação de sinais. Nesse sentido,
consideramos a temática relevante e imprescindível para um afloramento das discussões no
âmbito educativo, especialmente da formação docente, haja vista que a escola pública
constantemente vem vivenciando situações de adolescentes e jovens em contexto de
vulnerabilidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. Tradução Horácio Gonzales (et. al.). São
Paulo: Cortez, 2001, 24 ed – (Coleção da Nossa Época: v. 14).
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em: <http://forumeja.org.br/>Acesso em: 08 Jun. 2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários á prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996. Disponível em: <http://forumeja.org.br/>Acesso em: 09 Jun. 2017.
242
PAIVA, Jacyara Silva de. Caminhos do Educador Social no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial,
2015.
1. INTRODUÇÃO
Estudar a cidade abarca uma compreensão que ultrapassa as ruas, os prédios e sua
estrutura morfológica. Conceber a cidade como palco de constantes transformações
desencadeadas pelas relações sociais é reconhecer as diversas representações subjetivas dos
espaços criados. A cidade de Mossoró/RN possui em sua urbanização a predominância
de espacialidades construídas historicamente em torno da memória de grandes acontecimentos,
"o país de Mossoró", que se apresenta como instrumento ideológico de reprodução de
simbolismos favoráveis aos grupos políticos hegemônicos da região.
Nesse ínterim, as praças da cidade são símbolos carregados de significados apropriados
pela população e resignificados por ela mesma. Observa-se então que as praças do corredor
cultural estão inseridas em um contexto histórico de modernização do espaço urbano de
Mossoró/RN e sua base concentradora de serviços e equipamentos urbanos provoca implicações
socioespaciais no âmbito da segmentação, do consumo e do uso da cidade.
A pesquisa em questão faz parte do projeto “Cidade e lugar: Representações e
resignificações das praças do corredor cultural da cidade de Mossoró/RN” financiado
peloPIBIC/CNPq e voltado para alunos do ensino Médio integrado à educação profissional do
IFRN (Campus Mossoró). O estudo foi desenvolvido em consonância com a disciplina de
geografia visando compreender a resignificação do imaginário popular mossoroense na vivência
do uso das praças públicas do corredor cultural da cidade e como se configura a representação
desse espaço. O presente trabalho justifica-se pela possibilidade de interpretação do espaço
geográfico, através da simbologia dos monumentos e praças públicas resignificados
pelo imaginário e uso social. O traçado urbanístico da cidade de Mossoró revela intencionalidades
113 Mestre em estudos Urbanos e Regionais (UFRN). Professor de Geografia do IFRN (Campus Mossoró). E-mail:
avelinodahora@gmail.com
114 Estudante do ensino médio profissional integrado em eletrotécnica do IFRN (Campus Mossoró). E-mail:
evillinlissandra13@gmail.com
115 Estudante do ensino médio profissional integrado em eletrotécnica do IFRN (Campus Mossoró). E-mail:
felipemedeiros@gmail.com
244
e contradições que precisam ser exploradas para que um planejamento urbanístico voltado às
reais demandas da população seja efetivado.
Nos últimos anos, vivenciamos acontecimentos no nosso país que levaram à tona a
exposição de problemas típicos das cidades brasileiras: precarização e aumento da tarifa do
transporte público; falta de espaços de lazer; violência urbana; e restrição no acesso e qualidade
nos serviços de saúde e educação.
Nesse contexto, os espaços da cidade aparecem como importantes palcos de
reivindicação e insurgência de diferentes classes e suas pautas. Esse movimento não é diferente
em Mossoró/RN, onde as praças do corredor cultural se apresentam como espaços de
subjetividades e uso que vão além do projeto urbanístico no qual foram criadas. Toda essa
problemática envolve diversas áreas do conhecimento na busca por explicações e soluções na
construção de uma cidade mais justa e democrática. A geografia integra esse olhar holístico e
interdisciplinar em consonância com o ensino politécnico desenvolvido pela educação
profissional, articulando ciência, trabalho, cultura e tecnologia.
Ao desenvolvimento do estudo optou-se por utilizar a pesquisa bibliográfica como
fomentadora das reflexões acerca da cidade, com ênfase nos conceitos de lugar e espaço público.
Nessa etapa, as bases conceituais da pesquisa serão abordadas de forma a ajudar na interpretação
do objeto de estudo. Em seguida, fundamentados pela pesquisa bibliográfica, entrevistas foram
realizadas ao público frequentador dos espaços estudados, no caso, as praças do corredor cultural
da cidade de Mossoró.
A ideia de cidade liga-se, inicialmente, ao modo de vida que permeia essa estrutura urbana
marcada pela luta de classes. Ela pode ser compreendida como fruto da intervenção humana no
espaço, algo que está além de uma definição quantitativa, por considerar as relações de poder
como modeladoras do seu uso e forma. Isso sugere afirmar que a cidade é produto e condição de
reprodução de uma sociedade.
Abreu (1998) acrescenta também que a cidade é lócus do coletivo, do intersubjetivo,
assim, podemos afirmar que a mesma é lugar da memória, do passado e do presente, inscritos nos
espaços construídos pela vida cotidiana. Jodelet (2002) encara esse movimento transformador
contínuo da cidade como ritmo de vida citadino, onde são elaboradas as diferenças e desenvolve-
245
canteiros, além de obras de grande porte, como o Teatro Dix-Huit Rosado e o Ginásio
Poliesportivo Pedro Ciarlini. Tudo isso contribuiu ao principal objetivo: criar uma imagem de
centro regional recheado de oportunidades com um bônus de oferecer uma excelente qualidade
de vida aos seus moradores. Esse período foi denominado de especialização prestadora de serviços
dentro uma política neoliberal.
Rocha, ao longo do livro, também discorre acerca das especializações que a cidade sofreu,
entretanto, procura analisar a expansão urbana mossoroense através da sua tríade econômica: as
atividades salineiras, de fruticultura irrigada e petrolífera. Somando-se a isso, busca inserir a
importância do poder político local na articulação dessas economias. Essa relação só ocorreu por
causa do enaltecimento dos interesses das iniciativas privadas e do grupo político dominante no
aperfeiçoamento e/ou criação das estruturas existentes em Mossoró.
Em razão do viés escolhido por Rocha e por Pinheiro, pode-se observar que a
urbanização de Mossoró se alicerçou nos ideais da “Cidade do Capital” (ROLNIK, 2012). Assim
como as demais cidades mercadológicas mundiais, Mossoró viveu e ainda vive em função do
mercado. A economia rege o modo pelo qual o cidadão mossoroense apropria-se dos espaços
públicos, que além de ter um número reduzido, são localizados no centro da cidade. Assim, a
segregação socioespacial, somada ao precário serviço de transporte público, resulta numa
segmentação desses próprios locais que, teoricamente, por ser uma cidade de médio porte,
deveria abranger toda a população.
250
A população que não tem poder aquisitivo para acessar o “mercado imobiliário
capitalista” fica à margem da “cidade planejada”, “infraestruturada”, servida de
saneamento, transporte e acesso facilitado a equipamentos de lazer, saúde e
educação. A construção de praças, parques e largos ou mesmo calçadas é
igualmente rareada nas áreas ocupadas pela população desprovida
economicamente (CERQUEIRA, 2013, p. 68-69).
Figura 1: Corredor Cultural. Adaptada do Google Earth por Evillin Santana, 2016.
Faz-se necessário a análise de que mesmo sendo o centro da vida urbana mossoroense,
nem todos os habitantes têm acesso a esse local em razão da própria distância dos bairros
251
periféricos. Somente frequenta as praças aqueles que moram nos bairros vizinhos ou que têm
algum meio de transporte, tendo em vista a fragilidade do serviço de transporte público, isso
ocasiona uma seleção de quem ocupa os espaços do Corredor Cultural. O único período do ano
onde a maioria das classes sociais apodera-se dessa região é durante o Mossoró Cidade Junina,
principal evento da cidade, realizado em junho, que atrai público externo devido as atrações
culturais.
“Eu perdi meu emprego ano passado e a [Praça dos Patins Sadraque Tavares] se mostrou um lugar onde
poderia ganhar dinheiro, porque sempre tem muitas pessoas por lá. Mas, por ser muito distante da minha casa
pareceu ser um desafio para mim, então juntei um dinheirinho e comprei uma bicicleta. Hoje, saio de casa às 17h
com meu isopor para vender os doces que minha esposa faz. O Mossoró Cidade Junina é o período que mais ganho
dinheiro.” – Trabalhador informal, 45 anos.
Merece destaque também o sentimento de insegurança que perpassa a todos que
frequentam as praças do Corredor Cultural. Mesmo reconhecendo que há rondas policiais
periódicas por todo o espaço, a maioria dos usuários desse objeto já sofreu ou conhecem alguém
que já tenha passado por algum assalto e/ou furto, principalmente nas imediações do Memorial
da Resistência e do Teatro Dix-Huit Rosado. Há uma peculiaridade no público que visita o
Memorial, lá não é raro encontrar usuários de drogas, a julgar por essa praça possuir ambientes
mais reservados que atrai esses transeuntes.
“Sou apaixonada pela história de luta e resistência da cidade desde pequena, pois meu avô era um grande
entusiasta do tema e sempre que ia a casa dele me contava alguma história. Quando soube que o Memorial da
Resistência de Mossoró (MRM) ficou pronto, fiz questão de ir conhecê-lo o mais rápido possível. Porém hoje,
quando vou ao Rust Café do MRM, fico triste ao ver o que o descaso da população e do governo municipal fez.
Não posso nem mais frequentar o lado vizinho ao Fórum, porque já perdi as contas de quantos familiares e
amigos foram assaltados naquele espaço.” – Microempresária, 30 anos.
A metodologia de pesquisa utilizada durante o projeto foi a de pesquisa com survey
uma vez que a mesma oferecia uma melhor obtenção de dados qualitativos e de informações
necessárias para concluir que o Corredor Cultural é um ambiente que reflete o modo como a
sociedade contemporânea relaciona e correlaciona a vida urbana com os espaços públicos. As
nove praças são ocupadas não somente ao entretenimento e ao lazer, mas também para satisfazer
a necessidade da população no viés econômico e político.
O Corredor Cultural comprova o fato de que Mossoró ainda hoje se encontra no modelo
de especialização prestadora de serviços dentro uma política neoliberal. Com a construção desse complexo
de nove praças, a cidade consolidou o seu epíteto de “Capital da Cultura do Rio Grande do
252
Norte”116, como também serviu de objeto de estudo para compreender o que de fato é um espaço
público.
5. REFERÊNCIAS
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Geografia, I série, vol. XIV, Porto, 1998, PP. 77-97.
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Caldas da Rainha. 2013. 107 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2013.
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Ribeirão Preto e Monte Alto/SP. 2006. 175 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e
Urbanismo, Puc - Campinas, Campinas, 2006.
116Mossoró foi transformada em Capital da Cultura do Rio Grande do Norte, por causa de um projeto da Prefeitura
que visa resgatar a história da cidade, e principalmente, incentivar a autoestima de seu povo através da valorização da
cultura.
253
FELIPE, José Lacerda Alves. A (re)invenção do lugar: os Rosados e o “país de Mossoró”. João
Pessoa, PB: Grafset, 2001
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 4. ed. São Paulo: Centauro, 2004. 145 p.
MARX, Murillo. Cidade Brasileira. São Paulo: Melhoramentos: EDUSP, 1980. 152 p.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983.
254
Falamos em ler e pensamos apenas nos livros. Mas, a ideia de leitura aplica-se a um vasto
universo. Nós lemos emoção nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão,
lemos o Mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da intenção de
descoberta do nosso olhar.
Mia Couto
1. INTRODUÇÃO
assim como a vida de mulheres presentes na vida de comunidades, devem ser do conhecimento
de todos.
Trata-se de um estudo ainda em processo de construção e, por isso mesmo, apresenta
nesse momento as interpretações bibliográficas acerca do assunto proposto. Utilizando da
abordagem da (auto) biografia, pretendemos compreender como estas mulheres anônimas
ressignificam suas vidas, os fazeres e saberes vivenciados ao longo de toda uma existência.
A sociopoética é um método de pesquisa que visa a produção da subjetividade,
utilizando-se da sensibilidade, da criatividade e da relação com o outro. Este método considera o
corpo na sua totalidade como fonte de conhecimento. Ou seja, abrange o emocional, o intuitivo,
o sensível, o sensual, o gestual, o racional e o imaginativo.
Segundo Gauthier et al. (1998, p.173): “[...] é uma característica da sociopoética buscar
além (ou dentro) do corpo, um outro corpo [...] um corpo recalcado [...] Este corpo sabe [...]
muito mais do que a fala explícita e consciente, muito mais do que a razão”. Por isso, a sua
aproximação com a abordagem (auto) biográfica que enfatiza a subjetividade do sujeito e suas
experiências pessoais nos espaços de pertença e de identidade.
Sobre a abordagem (auto) biográfica, Josso (2010, p. 62-63), aponta que “a reflexão
biográfica permite, portanto, explorar em cada um de nós as emergências que dão acesso ao
processo de descoberta e de busca ativa da realização do ser humano em potencialidades
inesperadas”. É através da mediação do trabalho biográfico que as experiências tornam-se
significativas enquanto representações de si mesmas e do seu ambiente humano e natural.
A pesquisa qualitativa prima por uma realidade que não pode ser quantificada. Por isso,
busca respostas para questões muito particulares, sequenciadas num universo de significados,
crenças e valores que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Certos controles das pesquisas quantitativas não devem ser aplicados a situações em que
as pesquisas sociais se desenvolvem. Por exemplo, ao se tratar de histórias de vida, a
operacionalização da pesquisa vai além de constatações científicas classistas. Aqui as
subjetividades ancoram todo o processo investigativo em que não se busca comprovações de
fatos narrados, mas interpretá-los a partir de experiências vividas e partilhadas.
Através de suas narrativas, buscamos compreender como estas mulheres anônimas e
excluídas conseguem manter a sua cultura por meio dos fazeres e saberes vivenciados ao longo de
suas vidas e em suas comunidades.
Benjamin nos instiga a uma reflexão acerca da importância do narrador e a primazia da
história oral como fundamentais à transmissão das experiências vividas. Isso é confirmado
quando o autor afirma que
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Ainda de acordo com o referido autor, vemos pertinência de suas afirmativas com os
saberes populares das mulheres à margem, ao tratar da resistência da narrativa. Para Benjamin
(1987, p. 204) “ela não se entrega. Ela conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é
capaz de se desenvolver”.
São vivências desenvolvidas em locais variados, de acordo com o lugar de vivência da
mulher, ícone da comunidade que se destaca em seu tempo e no que faz. As narrativas e suas
histórias de vida constituem-se como um recontar de uma história sem registro material.
A pesquisa da vida e o registro biográfico das vivências dessas mulheres à margem da
sociedade servirão, também, para recompor a história do lugar. Nesse sentido, buscar as histórias
de vida das mulheres à margem é acreditar nas suas potencialidades enquanto processos
históricos e construtores de saberes.
Nem todos os saberes estão na academia. Muitos estão na convivência diária entre os
indivíduos pertencentes a uma dada sociedade, descobertos e transmitidos, muitas vezes pela
tradição oral. Nesse ínterim, a academia carece de tornar-se palco dos saberes populares que
continuam imersos no anonimato e que carregam uma riqueza ímpar de cheiro de povo,
subjetividades construídas na dinâmica de se conhecer fazendo. Dos saberes extraídos dos
universos coletivos, diversos e adversos. Pois, como bem afirma Josso (2010, p. 298), “[...] a
educação tem, entre outras funções, a de assegurar a transmissão do capital cultural e das
memórias do coletivo”.
Nessa interpretação, as memórias das mulheres à margem configuram-se como um
arcabouço de narrativas que servirão como instrumentos de formação, em que se pretenda
apontar esta formação na direção de novos olhares aos sujeitos, suas identidades e suas
contribuições a uma educação verdadeiramente humana e inclusiva.
Ao falar das memórias e sua força na constituição da identidade individual e coletiva,
Pollak enfatiza a importância destas à manutenção da tradição de um povo. Sobretudo, de um
povo esquecido no anonimato e sem assento na sociedade.
257
Para ele,
E nessa dinâmica de (re) construção é inegável a presença das mulheres nos diversos
momentos da vida. Mesmo sendo uma presença invisibilizada pela sociedade, ela se faz presente
nas tessituras da história, sobretudo, quando falamos dos sujeitos marginalizados, excluídos e
ignorados. As mulheres sempre foram as maiores vítimas da opressão e das mordaças que
abafaram suas vozes.
A existência das mulheres na sociedade e a relação destas com as questões mais humanas
― enquanto olhares, zelos e condições de vida com e para o outro ― são inegáveis,
principalmente quando buscamos conhecer as histórias de vida de cada uma, representando os
espaços à margem dos outros contextos sociais.
De acordo com Arendt (2007, p. 17), “O que quer que toque a vida humana ou entre em
duradoura relação com ela, assume imediatamente o caráter de condição da existência humana”.
A existência feminina é um fato real, concreto. Esta se faz presente no seio da comunidade como
sujeito da ação e construção de subjetividades e intersubjetividades, assim como no processo de
interação sócio cultural e histórico. Desde os afazeres domésticos como em muitas atividades e
ofícios determinados pelo machismo, como sendo ações desenvolvidas pelo sexo feminino, a
mulher contribui ao desenvolvimento cotidiano do espaço social, habitado por homens e
mulheres.
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Estão presentes na transmissão oral dos costumes e das crendices, no ato de criação dos
filhos ou mesmo na ausência destes, sempre são protagonistas das responsabilidades atreladas à
educação do ser, desde o ato do nascimento. Era, no passado, atribuída a elas a função de
trazerem a luz da vida às crianças, assumindo assim o ofício de parteiras. Na ausência da
medicina, pela prática e repetição dos atos de observar as mulheres parindo, logo muitas eram
escolhidas como as parteiras das comunidades.
Não bastando esse ofício, um saber vai sendo acrescido de outro. Na ausência do
farmacêutico, nos momentos de doenças, a artimanha de descobrir a cura vai dando notoriedade
às mulheres que, no poder da oração, vai descobrindo que um galho de arruda pode retirar o
quebranto posto naquela criança pelo olhar invejoso do outro. Um galho de vassourinha é capaz
de espantar a febre e o olhar quebrado de indivíduos adoentados.
A fama espalhada pela mistura da fé com material colhido da natureza e pelo sincretismo,
mistura de atos indígenas, afros e europeus, as mulheres deixam de ser seres “normais” para se
tornarem as rezadeiras de meninos e meninas, homens e mulheres, adultos e idosos.
A benzedura é uma prática social de pessoas que detêm liderança e poder local em suas
comunidades, no resguardo de códigos e crenças que transitam entre as relações com a sabedoria
medicinal e as ciências empíricas e a religião, podendo, por isto, ser vista como uma prática de
resistência. Vai além de uma terapia popular e está imersa em elementos simbólicos que têm na
crença e na fé a sua maior significação religiosa, pois é na estreita relação com o sagrado que
reside a sua verdade e poder de cura.
A cultura do benzimento perpassa gerações e permanece viva entre pessoas de diversas
religiões. Segundo Nery (2006, p.01), um dos preceitos desta prática é que “para todos os males
que atingem o corpo e a alma do homem há sempre uma reza para curar”. É por isso que, apesar
do tempo e dos avanços da medicina, a tradição da benzedura ainda persiste. E esta guarda seus
remédios, suas preces, suas devoções, seus rituais, enquanto tiverem algum sentido na vida. O
mundo contemporâneo continua permeado por essa ligação entre o mágico-religioso.
Embora muitos estudos apontem que a benzedura tenha surgido entre pessoas católicas,
ela não é exclusivamente realizada no catolicismo. Ao contrário, há uma forte ligação com rituais
da Umbanda, do Candomblé e de indígenas. Também é real a vivência de evangélicas praticando
a benzição, reforçando a existência de um universo heterogêneo, tanto no que diz respeito à
religiosidade, quanto ao uso das técnicas de cura.
Entre estas se encontram também as praticantes das religiões afrodescendentes, as mães
de santo e as brincantes das artes populares. Estas mulheres vão se multiplicando pelos ofícios
desenvolvidos, muito herdados de antepassados, e a vida particular vai se misturando à vida
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coletiva, o nome de batismo é esquecido e um novo batismo social é realizado por aqueles
agraciados pelos dons, pelos trabalhos realizados por mulheres sacerdotisas de um povo.
Para enfermidades populares, as garrafas, os chás, os lambedores, as misturas de ervas ou
comidas especiais vão abrolhando das mãos de piedosas mulheres, responsáveis pela saúde e
livramento da morte de tantos enfermos espalhados no meio das comunidades.
Num olhar de distância, mulheres parteiras, rezadeiras, curandeiras vão sendo vistas
praticando saberes e ofícios desenvolvidos pela vivência, pela prática, pelas ações dos papéis
domésticos internalizados pela cultural da naturalização sexista, de que são funções normatizadas
pelos acordos impostos que as mulheres devem se apropriar de tais atos.
Perceber-se no mundo é condição essencialmente humana, pois é a partir dessa
visibilidade com o outro que fazemo-nos sujeitos da história. Desse modo, através de seus
saberes e ofícios, vão fazendo-se partes, mesmo fragmentadas, desse (re) contar da vida. Freire
(1996, p. 54), nos empurra ao mergulhar reflexivo da nossa existência na história quando afirma
que
Outro ponto que destacamos é de como elas constroem as suas identidades a partir da
afirmação do seu ethos120. Para elas, o lugar e sua pertença a ele são aspectos indissociáveis na
identidade que as revela. Dessa forma, manter viva a tradição de seu povo é reforçar a sua
identidade, valorizando a sua construção pessoal e dos grupos que fazem parte.
No momento presente, o próprio conceito de tradição está sendo posto à prova, num
quadro social em que se observam processos de ruptura de valores e costumes considerados
tradicionais, esquecidos ou suplantados por práticas contemporâneas.
O que acontece é que com o avanço da tecnologia e as novas ordens econômicas, essas
mulheres, mestras dos saberes e fazeres populares, são conduzidas ao anonimato, vivem à
margem da sociedade, sem nenhum reconhecimento de sua existência, registro de sua vida ou
significação do ofício desenvolvido ao longo de toda uma vida de serviço prestado à comunidade.
120Conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da
cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região.
260
Por mais que a mulher faça, desenvolva, não é dado a ela o mérito do ofício
desenvolvido. A mulher é calada, omitida, posta no anonimato pela falta de políticas públicas
culturais, condizentes com a realidade de construção e registros das identidades de mulheres
produtoras de saberes.
Se nos reportarmos à história das mulheres, estas sempre foram condicionadas às
situações de subordinação e submissão impostas pela sociedade extremamente machista e
excludente. As relações entre homens e mulheres foram pautadas nas diferenças entre os gêneros,
alicerçadas numa justificativa meramente naturista e que em nada sustenta esta diferenciação
discriminatória.
Naturalmente as diferenças entre homens e mulheres são perceptíveis e estruturadas nas
questões biológicas, e isso é incontestável. No entanto, o que não justifica é que essas diferenças
sejam usadas para responder a uma relação de desigualdade entre o gênero masculino e feminino,
na qual se estabelece o poder do macho sobre a fêmea, usando das condições genéticas para isso.
Ou seja, o que é biologicamente diferente não pode, jamais, ser visto ou aceito naturalmente
como diferença social, transformando, assim, em desigualdade sexista e atribuindo às mulheres
uma condição de inferioridade e subordinação.
Particularmente em relação às mulheres, é preciso haver um olhar diferenciado no sentido
de enxergar nas entrelinhas dos discursos e das práticas as posturas que rotulam e ainda reforçam
essa condição. Para Nobre (2005, p. 44), “olhar para a complexidade das relações de gênero é
querer, mais do que ver suas formas aparentes, entender sua dinâmica, a forma como produzem e
reproduzem desigualdades para poder superá-las”.
Muitas são silenciadas nos livros de história que contam a história da cidade. Muitas são
postas no esquecimento pela falta de ações afirmativas ou interesse de se registrar essas vozes
sumidas pelo vento, sem o merecido reconhecimento do trabalho desenvolvido. Não viram nome
de rua, não são contempladas em homenagens a espaços públicos, não são conduzidas aos
grandes públicos porque seu oficio e a história de sua vida foram conduzidos ao túmulo junto
com o corpo.
Thalita (2012, p. 54-57) destaca em uma reportagem algumas moradoras de periferias de
Mossoró, conhecidas pelos nomes de Damiana, Ritinha, Inês e Kinara, mulheres que praticam a
benzedura, confirmando não só a existência da prática no município de Mossoró, como também
a resistência dessas benzedeiras num cenário de pouca ou quase nenhuma visibilidade,
comprovando uma tradição que não se perdeu no tempo.
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Da mesma forma são as “mães de umbigo”, como são conhecidas as mulheres parteiras,
esquecidas no anonimato e na falta de registros e de visibilidade de seu ofício. Mulheres que
sobrevivem de outras ocupações, mas preservam a tradição dos seus saberes na arte de “pegar
menino”, repassando os conhecimentos que não encontramos na academia, mas desenvolvem-se
a partir das experiências que foram sendo praticadas nas comunidades populares.
Sobre as parteiras, Morim as define como:
É justamente nessa perspectiva que queremos trazer as vozes dessas mulheres anônimas e
à margem, para que os seus ofícios avancem para além dos muros domésticos e ocupem todos os
espaços em que os saberes se façam necessários à formação humana. Pois é, também, papel da
educação e seus processos educativos difundir as diversas formas de manifestação cultural dos
diferentes espaços.
Nas afirmativas de Morin (2011, p. 47), a condição humana alicerça-se a partir do que é
desenvolvido através da cultura, ultrapassando a condição biológica, visto que a cultura se faz
naquilo que é transmitido e aprendido. O ser humano somente se realiza plenamente pela cultura
e na cultura.
Quando afirmamos que nada se cria, tudo se copia, intencionamos levar à compreensão
de que os processos de formação se dão através das experiências que foram realizadas e
socializadas no decorrer das construções pedagógicas. Nessa perspectiva, enveredar pelos
caminhos dos saberes populares mantidos no anonimato e experimentados pelas mulheres à
margem da sociedade, é propor um novo jeito de formar profissionais com olhares e práticas aos
sujeitos, suas vozes, seus cheiros, seus lugares e seus jeitos de ser e de se fazer ser no seu ethos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma iniciativa que buscará mergulhar num mundo cheio de vida, de saberes e vivências,
mas também de conflitos entre a luta pela manutenção de suas tradições e o avançar cada vez
mais agressivo de uma cultura hegemônica e repressora.
Traremos, ainda, os seus exemplos de resistência e autoafirmação que mantêm os seus
saberes vivos e permeados das simbologias que os enriquecem e os reconfiguram.
Nos abasteceremos dos cantos, dos ritos e das vozes dessas mulheres e seus anonimatos,
trazendo à academia uma nova sonoridade e outras formas de se construir saberes que vão além
dos saberes técnicos e que, certamente, apontarão na direção de outras possibilidades formativas
e reflexivas, onde o humano seja realmente considerado, os sujeitos e suas culturas estejam no
centro das elaborações e intervenções profissionais.
REFERÊNCIAS
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 1996.
HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 1990.
JOSSO, M.C. Experiências de vida e formação. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasilia,
DF: UNESCO, 2011.
NOBRE, M. Relações de Gênero e Agricultura Familiar. In: Feminismo e Luta das Mulheres.
Análises e Debates. São Paulo: Fabracor, 2005.
POLLAK, M.Memória e Identidade Social. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol. 5, n.
10, p. 200-212, Dora Rocha, 1992.
264
THALITA, I. Reza forte, seu doutô. Revista Contexto, Mossoró, ano 1, n.7, p. 54-58, dez 2012.
265
Não existe um consenso sobre o conceito de cidadania nas ciências sociais, mas segundo
o sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall, a cidadania é constituída de três elementos:
os direitos individuais, políticos e sociais. Na prática, cidadania consiste no exercício da atividade
política inerente a todo cidadão, na defesa dos próprios direitos e no respeito às liberdades e aos
direitos dos demais. O exercício da cidadania é essencial a uma sociedade mais justa e solidária. A
intenção desse estudo foi identificar como os alunos de uma turma de ensino médio do Centro
de Educação Integrado Professor Eliseu Viana (CEIPEV) Mossoró-RN, compreendem a
cidadania em uma perspectiva além das teorias, que também foram abordadas de maneira
explanatória neste trabalho, ou seja, as práticas cotidianas estão associadas ao exercício da
cidadania?
Este trabalho teve como instrumento de pesquisa uma oficina intitulada “Cidadania:
Direitos, Deveres e Participação política”. Tanto a oficina como este trabalho foram realizados
por um graduando em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) em uma turma de ensino médio da escola Centro integrado Professor Eliseu Viana
(CEIPEV). A pesquisa bibliográfica do desenvolvimento da cidadania e de contextos atuais
também foi utilizada neste estudo. A oficina e este trabalho foram elaborados para as avaliações
da disciplina de Laboratório de Ensino em Ciências Sociais do curso de Licenciatura.
A oficina na qual foi feita a pesquisa consistiu-se na seguinte prática: foram trabalhadas
algumas narrativas curtas, ilustradas com exemplos corriqueiros do cotidiano e que relatavam
situações onde uma conduta cidadã era posta em prática. Das três narrativas, duas trazem um
exemplo negativo de uma prática cidadã e outra um exemplo de participação política. Após cada
um desses exemplos, foi feita uma sequência de perguntas, as mesmas para ambos os exemplos,
121Graduando no curso de Ciências Sociais, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. E-mail:
robson2108@gmail.com
122Docente lotada no Departamento de Ciências Sociais e Política, na Universidade do Estado do Rio Grande do
depois de obter as respostas, uma breve explicação sobre aquele exemplo, relacionando-o com a
ideia de cidadania, foi transmitida aos alunos.
A idade moderna trouxe consigo mudanças radicais para vida em sociedade. A percepção
teológica dos fenômenos sociais, alimentada pela igreja católica e que legitimava uma ordem
social hierarquizada, fundada em privilégios de nascença, foi perdendo força diante das críticas
internas dos religiosos da reforma e dos cientistas do renascimento. A crise da sociedade feudal e
as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII também contribuíram diretamente com a
mudança de paradigmas.
Neste período, o homem passa a questionar as desigualdades através de uma consciência
histórica, momento em que acontece uma importante transformação, a do citadino/súdito para o
citadino/cidadão. Habitar a cidade não basta mais ao homem, os novos tempos exigem que
possuam direitos na cidade e não apenas deveres (MONDAINE, 2010). O fato dos estudos
apontarem que o desenvolvimento da cidadania está ligado a vida nas cidades, não excluem o
homem do campo como cidadão. O contexto da modernidade e principalmente da revolução
industrial é marcado pela grande imigração do campo às cidades, tornando-se estes lugares de
grandes desigualdades sociais e, portanto, um ambiente de intensos conflitos sociais.
O desenvolvimento dos direitos dos cidadãos na Europa centro-ocidental é marcado por
bastantes conflitos sociais, não transcorrendo de forma imediata, pois foram necessários pelo
menos três séculos de acirrados embates, que estão relacionados à conquista dos três conteúdos
de direito.
O desenvolvimento da cidadania é composto por três tipos distintos de direito: os direitos
civis, compostos dos direitos necessários à liberdade individual (liberdade de ir e vir, liberdade de
imprensa, pensamento e fé, direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à
justiça); os direitos políticos, que consistem no direito de participar no exercício do poder
político, como membro de um governo ou de um parlamento, por exemplo, ou como um eleitor
dos investidos de tais funções; e o direito social, que se refere àquilo que diz respeito a um
mínimo de bem-estar econômico até a segurança ao direito de participar, por completo, na
herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na
sociedade. O direito à educação, ao trabalho, direito de um salário justo, à saúde e previdência
social são exemplos de direitos sociais. Na Inglaterra, esses direitos surgiram em uma
267
determinada ordem cronológica: os direitos civis surgiram no XVIII; os políticos no século XIX;
e, por último, os direitos sociais no século XX. Na sociedade inglesa, esses direitos foram frutos
de conflitos sociais, onde as classes menos favorecidas de direitos reivindicavam-nos através do
embate com as classes dominantes (MARSHAL, 1967).
Thomas Humphrey Marshallelabora sua teoria tomando como exemplo a Inglaterra, pois
é nesse país o ponto de partida ao desenvolvimento da cidadania, onde acontece a primeira
revolução burguesa da história, a revolução inglesa (1640-1688). Mesmo as revoluções burguesas
sendo em longo prazo revoluções conservadoras ― pelo fato de a burguesia manter uma posição
dominante ―, naquele cenário foram necessárias, pois romperam como a visão teológica das
coisas e com o conformismo das massas.
novo império continuou a ignorar a existência da escravidão. Por esse motivo não se considera a
existência dos direitos civis, já que não existia a igualdade de todos os homens diante da lei.
Mesmo a Carta Magna, no início do século XIX, permitindo o voto a todos os homens
com certa idade e renda, incluindo analfabetos, a maioria dos cidadãos não tinha noção do que
era um governo representativo. Já os servidores públicos, que eram mais esclarecidos, votavam
segundo a vontade do governo. As eleições eram uma ferramenta de dominação de alguns
políticos e não uma prática de cidadania.
A proclamação da república não trouxe grandes mudanças, na verdade houve um
retrocesso nos direitos políticos, os analfabetos foram excluídos das votações. Ao adotar o
modelo de federação, onde os governantes dos novos estados passaram a ser eleitos pela
população, ocorreu a formação de oligarquias locais, pois se apenas uma pequena parte da
população elege um representante local, as famílias privilegiadas de cada estado estavam com o
caminho aberto ao poder público. Quanto aos direitos civis e sociais ― durante o período da
colonização até o final da república velha ― pode-se dizer muito pouco, a sociedade brasileira
ainda era escravocrata mesmo com a abolição formalmente concretizada, uma vez que o estado
negligenciava a assistência social.
Grande parte do século XX foi marcado por golpes de estado e governos autoritários.
Mas é nesse período onde se encontra a origem do que conhecemos por direitos sociais no Brasil,
tais como a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, uma legislação trabalhista e
previdenciária.
Por outro lado, os direitos civis e políticos estiveram ausentes no período de 1964 a 1985
em uma experiência de regime ditatorial militar que marcou um momento difícil à cidadania no
Brasil. Os direitos civis e políticos foram violentamente atacados por uma série de governos
autoritários, as liberdades eram violentadas, houve perseguições políticas e até mesmo relatos de
homicídios e torturas. Os direitos sociais conquistados outrora foram mantidos como uma
espécie de “paternalismo nacional”. O período ditatorial teve seu fim em 1985 graças às
mobilizações civis pelas diretas já, partidos que se opunham ao regime e a pressões internas.
Em 1988, através de uma assembleia constituinte, é fundada uma nova constituição que
passa a ser considerada a mais democrática da história do país, intitulada constituição cidadã, que
garante os direitos individuais, proteção à dignidade dos indivíduos e um estado democrático.
Pelo menos formalmente, este é o momento em que a sociedade brasileira se torna uma
sociedade cidadã. A Constituição atual permite um conjunto de práticas cidadãs: o respeito aos
direitos dos indivíduos; a liberdade de manifestação e participação política; o pluralismo religioso;
o combate ao preconceito étnico; a defesa da dignidade humana; e os direitos sociais.
269
A cidade em que vivemos é dividida em vários mundos, ou seja, todo o espaço de uma
cidade é constituído de ambientes distintos, porém complementares. Há o ambiente de trabalho
onde vivemos boa parte de nossas vidas e firmamos várias de nossas relações sociais; há a
moradia, onde passamos maior parte de nosso tempo, propícia ao descanso; ambientes de lazer,
religiosos, de prestação de serviços públicos, de trânsito etc. O primeiro exemplo levantado com
os alunos envolve aspectos de um fenômeno público e privado e envolve um direito primordial
que é o da liberdade de circulação.
Um indivíduo sai de sua moradia, atrasado para ir ao seu ambiente de trabalho, durante o
percurso se depara com um semáforo vermelho, uma regra proposta pelo sistema de circulação.
Ao analisar rapidamente a situação, o indivíduo decide transgredir essa regra e ultrapassar o
semáforo. Após esse exemplo, foi perguntado aos alunos o seguinte: “Vocês já presenciaram, ou
até mesmo fizeram algo assim?”. Alguns alunos responderam essa questão, afirmaram ter
presenciado, mas apenas um aluno compartilhou uma experiência na qual ele foi o praticante do
ato. Segundo o aluno, ele ultrapassou o semáforo vermelho em uma motocicleta e quase
provocou um acidente.
A segunda pergunta foi “como você se sentiu ou se sente e como você imagina que o
outro se sente ao praticar ou presenciar tal ação?”. A maioria dos alunos respondeu que tem um
sentimento de indignação. Aqui foi percebida certa omissão dos alunos em imaginar como o
outro se sente ao ter seus direitos transgredidos ou negados. Somente com o decorrer da oficina e
a repetição das questões de modo a provocar uma reflexão mais apurada, foi que os alunos
começaram a enxergar o outro como categoria importante na discussão.
Sobre esse primeiro exemplo, no mundo público da circulação urbana, nos deparamos
com essas regras que têm como objetivo estimular o indivíduo a respeitar a integridade do outro
e proteger a si mesmo. Porém, esses estímulos também podem afetar negativamente, tornando o
ambiente um local menos propício para práticas cidadãs. É o caso de uma cidade sem um
planejamento urbano adequado onde o indivíduo se vê constantemente em situações estressantes.
Outros fatores do mundo particular podem condicionar o indivíduo a emoções contrárias ao
exercício da cidadania, como a raiva.
Avaliemos nossa vida à luz dessas possibilidades nas grandes cidades brasileiras.
Saímos descansados e recompostos do mundo da moradia, porque ali
encontramos um ambiente de conforto ambiental e segurança, mas logo em
seguida enfrentamos um sistema de circulação estressante. Nele, somos
270
Um segundo exemplo foi problematizado com os alunos. Uma pessoa em uma fila de um
banco movimentado percebe uma oportunidade de passar à frente dos demais sem que eles
percebam, e assim o faz. As mesmas perguntas lançadas no exemplo anterior foram repetidas
aqui: “Vocês já presenciaram, ou até mesmo fizeram algo assim?” E “como você se sentiu ou se
sente? Como você imagina que o outro se sente ao presenciar tal ação? Ninguém respondeu que
já tinha feito ou presenciado esse tipo de prática, reagiram com desaprovação, afirmaram que se
sentiriam estressados e não permitiriam algo assim acontecer. O outro foi lembrado nas
respostas, como por exemplo “Todos têm os mesmos direitos” e “É revoltante para os que estão
na fila”.
É possível destacar nas respostas relacionadas a esse exemplo o ponto de vista de dois
alunos acerca da corrupção e da prática cidadã. Um dos alunos falou que na “oportunidade” de
transgredir uma fila ele o faria, fundamentou sua resposta afirmando que infelizmente a sociedade
brasileira é corrupta e que de certa forma essas práticas não iriam alterar esse quadro. Além disso,
o aluno afirmou que no caso dele não aproveitar essas “oportunidades”, outro o faria.
A corrupção nasce da fragilidade dos laços sociais existentes em uma sociedade mais
coesa, que é uma sociedade onde todos compartilham um sentimento de participação de uma
comunidade (RIBEIRO, 2000). O fato de vivermos em uma sociedade cada vez mais
individualista ― onde as relações são cada vez mais frágeis e no cenário específico do Brasil, onde
diariamente os jovens têm acesso a relatos de corrupção envolvendo os políticos e o estado ―,
pode desestimular o indivíduo a pensar em si enquanto membro de uma comunidade, a acreditar
nos seus semelhantes e a realizar práticas cidadãs em seu cotidiano.
Uma segunda aluna demonstrou maior otimismo ao ouvir a afirmação do colega de
classe. Segundo a aluna, o pensamento negativo de mudança atrapalha o combate à corrupção,
pois é preciso que as práticas cotidianas de respeito aos direitos dos outros e dos próprios direitos
sejam usadas no nosso cotidiano. Afirma que é mudando essas atitudes que o país vai melhorar.
Reforçando o que foi dito pela aluna, Malta considera: [...] “O fato é que cada passo dado, por
menor que possa parecer, poderá contribuir de modo positivo para alterar o processo mais
amplo” (MALTA, 2004, p. 125).
Por último, um exemplo envolvendo uma situação de participação política. Um cidadão
cansado de sofrer com a coleta irregular do lixo em sua rua, decide tomar algumas providências.
271
Ao perceber que em seu bairro não existe uma associação de moradores, ele mobiliza os demais
moradores através do diálogo, expondo as situações e propondo uma associação para reivindicar
os direitos dos moradores. Feito isso, propõe reivindicar junto ao órgão com a competência de
garantir a coleta no bairro. Em seguida, as mesmas questões levantadas nos outros dois exemplos
foram usadas aqui. Os alunos primeiramente não demonstraram disposição para responderem,
um único aluno compartilhou o motivo que o levou a participar de uma chapa de grêmio
estudantil em sua escola. Segundo este, foi para reivindicar melhorias para os seus colegas. Neste
momento foi lançada mais uma pergunta aos alunos, com a intenção de provocá-los, “O que
vocês acham do fato do colega de vocês participarem do grêmio para buscar melhoria para todos
vocês?” A resposta veio por meio de uma ou duas palavras como “Legal” ou “Bacana”.
O Estado, em certas ocasiões, não consegue responder às demandas da sociedade,
principalmente os segmentos marginalizados que se juntam em torno de um problema comum.
No processo de reivindicação e de luta, os sujeitos organizados coletivamente constroem sua
autonomia diante do estado, expressando suas aspirações e necessidades. Tornam-se atores
sociais que não lutam apenas por políticas públicas, mas também para serem reconhecidos como
parte da sociedade e pela construção e efetivação de seus direitos. A participação política nasce
do coletivo e não há como resumi-la a um simples ato individual.
O fato de não haver respostas mais elaboradas acerca do tema participação política pode
significar uma falta de disposição da turma para com esse tema. A participação política faz parte
de uma prática cidadã. Se estes alunos pretendem viver em uma sociedade cidadã, é preciso que
comecem a atuar em seus mundos. Para que alcancem uma mudança social, como uma sociedade
menos corrupta, precisam começar a mudar a concepção/disposição sobre participação política,
isso se quiserem alcançar uma mudança social mais ampla.
Para alcançar processos sociais mais amplos, a mudança deve começar a partir
dos “mundos” onde atuamos, em nosso cotidiano. Especialmente no mundo
da moradia, por exemplo, podemos agir de muitos modos. Um dos modos mais
efetivos será sempre a opção de nos organizarmos em associações de
moradores. Ou, então, se for o caso, ajudarmos a fundar uma, se nenhuma
existir no bairro ou se a que porventura já exista tenha sido dominada por
272
No final da oficina, foi feita a seguinte indagação aos alunos: Vocês acham que a nossa
conversa foi uma aula de cidadania? Se sim, o que vocês entendem por cidadania? Os alunos
responderam que sim, haviam assistido a uma aula sobre cidadania e que esta consistia em um
conjunto de atitudes e ações cotidianas que envolvem defender os seus direitos e respeitar o
direito do outro. Mais uma vez, os alunos não enfatizam a importância da ação política na
construção da cidadania.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho.3 ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
MALTA, Cândido. Práticas cidadãs para uma nova cidade. In: PINSKY, Jaime (Orgs).
Práticas de Cidadania. São Paulo: Contexto, 2004.
MONDAINE, Marco. O Respeito aos direitos dos indivíduos. In: PINSKY, Jaime; PINSKY,
Bassanezi (Orgs). História da Cidadania. 5. ed., São Paulo: Contexto, 2010.
MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar,
1967.
RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
1. INTRODUÇÃO
O ato de ser professor nos dias atuais ainda é um desafio, tendo em vista as longas horas
semanais de trabalho, as estruturas das escolas públicas em condições precárias. Além desses
desafios durante a formação do docente, é comum se estabelecer uma barreira entre a teoria vista
na Academia com o que é aplicado de fato na sala de aula, gerando uma dualidade no ensino, e
muitas vezes um estranhamento com o curso de licenciatura escolhido.
Um momento crucial para estabelecer de fato a identidade com o curso de licenciatura é o
Estágio Supervisionado de observação e/ou regência. O Estágio Supervisionado torna-se um elo
constante dessa reflexão teoria-prática. Esse momento é de extrema importância na formação do
aluno de um curso de licenciatura, pois é uma etapa de aprendizagem na qual o aluno irá
conhecer a realidade do espaço escolar, ambiente esse que o mesmo irá atuar após a conclusão da
sua graduação.
O período de estágio é adequado para o aluno assimilar os conteúdos vistos ao longo do
curso, com a prática aplicada na sala de aula. Para Santos (2014), o estágio é uma etapa
123Graduanda do curso de licenciatura em História na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN,
bolsista do Programa de Instituição de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, Campus Central – Mossoró. E-
mail: rusianehistoria@gmail.com.
275
Durante a formação do docente, os termos teoria e prática são temas de longos debates.
Alguns autores enfatizam que eles são algo que caminham juntos e indissociáveis, outros
ressaltam o distanciamento entre eles, sendo esse um dos maiores dilemas enfrentados por alunos
de cursos de licenciatura. Cursos de licenciatura são aqueles que qualificam profissionais para
atuarem na área de docência, conforme destaca Pereira (2000):
276
Essa Lei [Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional] determina que a
formação docente para a educação básica aconteça em nível superior, em curso
de licenciatura de graduação plena, em Universidades e Institutos Superiores de
Educação, admitindo como formação mínima para o exercício do magistério na
educação infantil e séries iniciais a oferta em nível médio, na modalidade
normal (PEREIRA, 2000, p. 73).
Ao concluir qualquer curso de licenciatura, o aluno deve sair preparado para exercer o
oficio de professor. Lima (2012) destaca que ninguém aprender a ser professor do dia para a
noite, é necessário muita prática escolar. Diante disso, podemos compreender que a experiência
escolar é importante no quesito formação do docente. Embora o “aprender a ser professor” seja
um processo lento e contínuo, o estágio oferece ao aluno de graduação essa experiência, onde o
aluno é o professor de uma sala que será sua temporariamente.
Um ponto que merece destaque diz respeito à postura do graduando durante o período
de estágio. Alguns quando iniciam o estágio docente têm a ideia de “copiar” o professor titular da
sala, reproduzir sua metodologia de ensino, suas atividades, a forma de tratar os alunos. Essa
teoria deve ser descartada pelo licenciado, conforme destaca Pimenta e Lima (2004):
Durante o estágio, o estagiário deve adotar uma postura crítica reflexiva ao analisar o
professor titular na sala de aula. Fazer uma análise de seus erros e acertos. O ato de imitar pode
acarretar erros graves, tendo em vista que no próximo estágio da faculdade o licenciado estará em
outra escola, com outro professor e outros alunos. Assim a metodologia e didática de ensino
deverá ser outra. O aluno deve aproveitar esse período para elaborar suas próprias técnicas
metodológicas, seu próprio jeito de “ser professor”.
A finalidade dos estágios consiste em proporcionar aos futuros professores uma
aproximação com a profissão escolhida, a relação teoria-prática precisa ser observada pelo aluno
como algo unido, sem diferenciação, não existe o fim da teoria e o início da prática, são processos
277
interligados. Ao entrar no campo de estágio, o aluno/professor precisa ter uma teoria que
fundamentará sua prática.
A Lei n. 11. 788/2008 define o estágio Supervisionado, logo no seu artigo 1°, como
sendo
Dessa forma, a ideia central dos estágios é preparar o aluno ao exercício da docência,
consistindo em um treinamento, uma capacitação. O estágio supervisionado nos cursos de
licenciatura geralmente é dividido em etapas, com o intuito da exploração máxima de cada um
desse momento na formação do docente. Dentre essas etapas, podemos citar: observação do
espaço escolar; observação da sala de aula; pesquisa nos arquivos da escola; e por fim, o período
da regência. Vale destacar que alguns cursos costumam realizar essas tarefas no nível
Fundamental e Médio de ensino.
Sobre a observação da sala de aula e do espaço escolar, podemos destacar a necessidade
de se conhecer o lugar onde será realizado o estágio. O contato com o ambiente escolar se torna
necessário na formação do aluno, sendo o momento oportuno para avaliar o quadro e o perfil do
docente, assim como os alunos observarem a relação existente entre aluno e professor; professor
e o corpo docente; professor e demais profissionais da escola.
A respeito dessa pesquisa realizada antes de entrar na sala de aula, Pimenta e Lima (2004)
cita que
É necessário conhecer a escola na qual será realizado o estágio, conhecer sua localidade,
em aspecto geográfico, econômico e social, seu público alvo, o funcionamento da escola, as datas
comemorativas, os projetos, as feiras de ciências. Por fim, a última etapa do estágio é a regência.
No caso específico da regência, há uma maior aproximação com o cenário escolar do que no
278
estágio de observação, tendo em vista que o estagiário irá desenvolver conteúdos e metodologias
mediante aquilo que já foi observado na sala de aula e estudado durante todos os anos na
universidade.
“O desenvolvimento do estágio precisaser orientado por procedimentos definidos que
visem ao melhor aproveitamento dosmomentos destinados a disciplina” (KENSKI, 1991, p.39).
Durante essa orientação, é necessário que o professor da disciplina Estágio Supervisionado
prepare o aluno aos desafios que podem aparecer no período da regência, dos quais podemos
destacar: falta de material à realização das atividades planejadas; desinteresse por parte de alguns
alunos; dificuldade em conduzir a aula, ocasionado por questões como nervosismo e ansiedade.
“Uma das expressões das dificuldades e desafios apresentados pelos estagiários se traduz,
inicialmente, nos receios e medos e também na resistência que muitos demonstram na relação
com as escolas no período de realização dos estágios” (BEZERRA, 2011, p. 43). Esse medo,
geralmente costuma durar nas primeiras semanas de estágio.
A regência durante o estágio é o momento de colocar toda a teoria em planos de aulas.
Essa é uma etapa essencial na formação docente, tendo em vista que a prática da regência será
um ensaio para seu trabalho quando já formado. Na regência, como já enfatizado anteriormente,
é o momento de visualizar a teoria-prática. É comum nos currículos dos cursos de licenciatura
haver uma separação entre as disciplinas com atividades teóricas e atividades práticas. A disciplina
de estágio deve quebrar essa divisão, onde a teoria e a prática são elementos indissociáveis.
No estágio de regência, o ato de ensinar deve ser considerado um dos mais ilustres. O
estagiário carrega consigo o desafio de expor todos os seus aprendizados, mediar um conteúdo, e
se colocar à frente de uma sala. Defendemos o pensamento de que o professor não é o único
possuidor do saber e de que este deve ser construído na relação professor/aluno, no processo de
ensino/aprendizagem. Nesse sentido, aquele que ensina aprende e quem aprende produz na sua
trajetória os valores do ensinar. Dessa forma, o aluno na condição de estagiário também aprende
no período de estágio da regência. Aprende com os alunos, com o professor titular da sala, com o
orientador acadêmico da disciplina e com os demais membros da escola.
Classificando a turma, estamos generalizando os alunos. Alguns alunos não tinham tanto
interesse em aprender, entretanto, outros apresentam vontade de estudar e realizar as atividades
propostas. Esse título foi um desestímulo a mais aos alunos. Frequentemente reclamavam que
não gostavam quando diziam isso, além de comentarem por inúmeras vezes que por conta desse
“slogan”, alguns professores não gostavam deles e não se dedicavam em elaborar aulas diferentes,
como faziam nos demais turmas do nono ano.
Embora a regência tenha sido realizada em duas turmas do 9º ano, era preciso a
elaboração de dois planos de aula distintos, tendo em vista que cada turma apresenta sua
peculiaridade. Nas aulas, no 9º “B” os alunos participavam, opinavam, tiravam dúvidas e faziam
perguntas, em contrapartida no 9º “C” a participação do aluno é escassa, assim os planos de aulas
precisavam sermodificados.
No período do estágio foi possível perceber o entrave existente entre a teoria vista
durante a graduação com a prática, principalmente no que diz respeito ao uso do livro didático. É
comum durante a graduação alguns professores elaborarem críticas ao livro didático,
apresentando uma ideia de que o livro não apresenta elementos que favoreçam a reflexão por
parte do aluno. Entretanto, se pode perceber no livro didático utilizado na escola124 elementos
como imagens, mapas, dicas de filmes, de músicas, de outros livros que podem ser explorados
pelo professor. Sobre os livros didáticos de História, Miranda e Luca destacam que
Embora o livro didático seja o recurso mais utilizado nas aulas, ele precisa ser elemento
de constante reflexão. A relação teoria-prática foi evidente durante as 60 horas de regência. A
teoria fundamentou a realização da prática. Podemos dizer que a música se apresentou como a
atividade de cunho prático, entretanto, uma teoria fundamentou essa didática. A utilização desse
recurso sonoro não deve ser utilizada apenas com o intuito de deixar a aula mais atraente, mais
aminada, é preciso criar metodologias que proporcionem um aprendizado. O mesmo se deu na
utilização de filmes históricos acerca da temática Segunda Guerra Mundial. A relação teoria-
124O livro utilizado na escola faz parte da coleção: Projeto Araribá: história/organizadora Editora Moderna; obra
coletiva, concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; editora responsável Maria Raquel Apolinário. 4,
ed. – São Paulo: Moderna, 2014.
281
prática também se fez presente na elaboração dos planos de aulas, que precisavam ser entregues
ao orientador da disciplina semanalmente. Sobre planos de aula, Selbach enfatiza:
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
proximidade com o ambiente escolar e permite maior identificação de seus aspectos, sejam eles
positivos ou negativos. A disciplina deve ser considerada um dos principais momentos da
graduação, pois é quando o graduando/estagiário, de fato, se descobre com o universo escolar,
campo de trabalho após a conclusão do curso.
É nesse momento que o aluno na condição de estagiário consegue vivenciar a profissão.
Um período de auto-avaliação onde observando a didática do professor, o aluno vai dar início a
elaboração a sua própria didática. O Estágio Supervisionado III, realizado na Escola Centenário
de Mossoró, foi um momento propício para observar a didática e a metodologia que o professor
utiliza na sala. Observar quais recursos didáticos podem ser acrescentados no Ensino de História
e enxergar a relação inseparável entre a teoria com a prática a ser exercida na sala de aula. Um
bom relacionamento com os envolvidos no estágio é indispensável: um bom convívio com os
alunos; com o professor; com a direção da escola; e com o orientador da disciplina de estágio.
Podemos enfatizar assim a importância do componente curricular do estágio no processo
de formação do docente. O estágio serviu como uma preparação para o ofício de professor.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes [...] e
dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 set. 2008. [2008b]. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/>Acesso em: 30 Mai. 2017.
JR.SANTOS, F.G.; MEDEIROS, A.S.; MOURA, J.P.; OLIVEIRA, T.A.; PEREIRA, S.N.S. As
contribuições do PIBID na formação docente para além dos estágios supervisionados.
Associação Internacional de Pesquisa na Graduação em Pedagogia, Santa Maria, jul./ago.
2014.
LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e aprendizagem da profissão docente. Brasília: Líder
Livro, 2012.
MIRANDA, Sonia Regina; LUCA, Tania Regina de. O livro didático de História hoje: um
panorama a partir da PNLD. Revista brasileira de História, vol. 24, núm. 48, 2004, pp. 123-144.
283
PIMENTA, Selma Garrido; LIMA Maria Socorro Lucena. Estágio e docência: diferentes
concepções. São Paulo: Cortez, 2004.
PONTUSCHKA, N. N. Para ensinar e aprender geografia. 1ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.
SELBACH, Simone (supervisão geral). História e Didática. Petrópolis: Vozes, 2010. [Vários
autores]. (Coleção Como bem ensinar).
284
1. INTRODUÇÃO
125Graduada em Pedagogia pela UERN; Pós-graduada em Educação pela UERN – área de concentração:
Alfabetização; Mestranda do POSEDUC/UERN – Linha de Pesquisa: Formação Humana e Desenvolvimento
Profissional Docente.
285
Ocidente (476 d.C.) no Mediterrâneo antigo, a educação era tida como a “centelha que alimentou
todo o mundo ocidental, vinculando a cultura no sentido plural, dinâmico, aberto [...]” (CAMBI,
1999, p.48). Neste período, a instituição escolar entre o Egito e a Grécia, que ora era estatal, ora
particular, já era pensada e organizada para acolher filhos das classes dirigentes e média, dando a
instrução básica (cultura – retórica -literária) do bem falar e do bem escrever. O Pedagogo já era
figura presente.
Pode-se recorrer a Cambi para caracterizar a figura do pedagogo nesta época:
Percebe-se que a figura do pedagogo possui uma significância à sociedade daquela época.
Surge assim, a ideia grega de Paideia, que sendo termo originário da palavra Paidos, cujo
significado é criança, representando simplesmente, criação de meninos. Para os gregos, a palavra
estava ligada a um ideal de formação educacional, que procura desenvolver o homem em todas as
suas potencialidades, para que ele pudesse ser o melhor cidadão. Além disso, significava ainda a
própria cultura construída a partir da educação. Para os gregos, a Paidéia combinava ethos
(hábitos) que fizessem o homem ser digno e bom, tanto como governado como sendo
governante. O objetivo não era ensinar ofícios, mas sim treinar a liberdade e a nobreza. Ou seja,
o ideal educativo grego aparece como Paidéia, formação geral, visando construir o homem e o
cidadão.
A educação no mundo antigo era uma educação por classes, separada entre os dominados
e os dominantes, era dualista: retórica, para aqueles que se empenhavam no governo da pólis, que
queriam a política; e a anti-técnica que valorizava o uso da palavra, livre e autorregulada.
Com a revolução neolítica, que é também uma revolução educativa, tem-se a fixação da
divisão educativa, paralela à divisão do trabalho (entre homens e mulheres). Ela fixa a
importância da família na reprodução da infraestrutura cultural e nela há o surgimento das
primeiras civilizações agrícolas, com grupos sedentários.
A partir de então, ocorre o surgimento de uma sociedade com forte divisão do trabalho e
com nítida distinção entre as classes sociais. Quanto à educação, tem-se a transmissão da tradição
e aprendizagem por imitação, ligada à linguagem (oral e escrita). Neste período, há uma
reclamação por uma institucionalização, um local destinado a tradição (escola).
286
avaliações e até alguns conteúdos culturais da escola moderna e contemporânea. Na alta Idade
Média, o problema educativo coloca-se de forma radicalmente dualista.
A Idade Moderna traz em seu bojo uma revolução em muitos âmbitos, desde o
geográfico, econômico, político, social até o ideológico, cultural e pedagógico. Foi um período de
grandes descobrimentos e de contatos entre diferentes povos do mundo, com etnias e culturas
diversas. É o fim do modelo feudal e o nascimento do modelo capitalista. Politicamente, ocorre o
nascimento do Estado Moderno, que é centralizado, controlado pelo soberano em todas as
funções. Socialmente, é o período do surgimento da burguesia. Do ponto de vista ideológico-
cultural, há uma dupla transformação: primeiro, de laicização, emancipando a mentalidade da
visão religiosa do mundo e da vida humana, ligando o homem à sua história e à direção de seu
processo; segundo, de racionalização, produzindo uma profunda revolução nos saberes, através
do uso da razão. É o Iluminismo.
Tudo isso produz uma revolução também na educação e na pedagogia, mudando os fins
da educação, destinada a um indivíduo ativo na sociedade. A pedagogia-educação se renova,
delineando-se como saber e como práxis.
“A sociedade moderna, na sua identidade educativa e no seu desejo de pedagogização,
atribui assim um papel central à família e à escola, renovadas na sua identidade, mas estende a sua
ação conformativa, também a muitos outros âmbitos” (CAMBI, 1999, p. 207). A escola assume
um papel ideológico, definido por Althusser como um Aparelho Ideológico do Estado, que
conforma, reproduzindo a força de trabalho, sobretudo, a ideologia.
Neste período, a renovação pedagógica deu-se também no currículo de estudos. Nele,
destacam-se grandes pedagogos da Modernidade, como Comenius, Locke e Rousseau.
No século XVI, a educação e a pedagogia cumprem um esforço de renovação que vai
muito além dos studia humanitatis e das rupturas do humanismo, formando uma civilização
pedagógica nova. Foi um período de profundas transformações no que se refere ao aspecto
religioso, com o movimento da reforma religiosa, iniciado por Lutero na Alemanha, que tem
importantes consequências na história da cultura europeia e assume importante significado
educativo.
Nos séculos XVII e XVIII, os processos educativos, as instituições formativas e as
teorizações pedagógicas também vão se renovando. Eles incidem sobre a profissionalização. De
um lado temos as academias e de outro, as escolas técnicas.
Neste período, temos a ênfase das ideias de Comenius, cuja concepção pedagógica
baseava-se num profundo ideal religioso que concebe o homem e a natureza como manifestações
de um preciso desígnio divino, colocando Deus no centro do mundo e da própria vida do
288
homem. Para Comenius, a formação deveria começar desde a mais tenra idade, quando as mentes
ainda não estão ocupadas e deve ocorrer na instituição escolar.
A época contemporânea nasce convencionalmente em 1789 com a Revolução Francesa.
Na pedagogia contemporânea colocou-se como tema central a função política da pedagogia.
Neste sentido, destacam-se Pestalozzi, Comte, Dewey, Gramsci, dentre outros. “Outra
característica que atravessa a contemporaneidade pedagógica e que a marca profundamente é a
renovação a organização escolar e a sua vocação reformista” (CAMBI, 1999. p. 308).
A reestruturação pela qual a escola tem passado ao longo destes séculos demonstra que
ela vai se adequando à sociedade, tornando-se uma instituição central da vida social.
O século XIX foi “o século do triunfo da burguesia” (CAMBI, 1999, p. 408), mas
também de grande temor pelo socialismo-comunismo. Neste período merece destaque o
pensamento pedagógico de Pestalozzi, em cujo centro se colocam três teorias: a primeira, refere-
se a da educação enquanto processo, que deve seguir a natureza (com base nos postulados de
Rousseau), ou seja, o homem deve se assistido no seu desenvolvimento para liberar suas
capacidades morais e intelectuais. “Isso significa que a educação deve desenvolver –
harmonicamente – todo o homem [...] (CAMBI, 1999, p. 418); a segunda, refere-se à formação
espiritual do homem como unidade de “coração”, “mente” e “mão”, devendo a educação ser
trabalhada de modo que abrangesse de maneira estreitamente interligada aos aspectos moral,
intelectual e profissional; e a terceira teoria refere-se à instrução, e neste aspecto Pestalozzi define
como ponto de partida a aprendizagem, a intuição, o contato direto com a natureza de modo
concreto.
As teorias pedagógicas e didáticas definidas por Pestalozzi são relacionadas ainda com
uma reflexão sociopolítica e esta reflexão
[...] insere-se como fator chave a educação: todo homem deve ser eticamente
aperfeiçoado para agir como cidadão e tal aperfeiçoamento é obra, sobretudo,
da educação e não apenas da natureza. E de uma educação que conjugue a
formação da humanidade de todo homem à consciência nacional [...] (CAMBI,
1999, p. 419).
A primeira lei geral brasileira relativa ao ensino primário, conhecida como lei
das escolas de primeiras letras aprovada em 15 de outubro de 1827, estabelecia
que a instrução seguiria o método do ensino mútuo (lancasteriano) e que os
professores deveriam ser treinados nesse método nas capitais das respectivas
províncias [...].
Dentre tantas determinações e alterações, ela estabelece o nível de graduação como sendo
obrigatório para todos os docentes, inclusive para a educação infantil e para a educação de jovens
e adultos e, no caso específico, dos cursos de Pedagogia, “essa licenciatura passa a ter amplas
atribuições da escolarização, embora tenha como eixo a formação de docentes para os anos
iniciais da escolarização” (GATTI, 2010, p. 1357). Além disso, fica delimitado um período para
que esta transição ocorra. A partir de então, houve uma grande corrida aos bancos acadêmicos
em busca do título por aqueles que, por motivos diversos, não tinham cursado ainda uma
graduação, mas que já exercia a docência.
Desta forma, diante de toda esta caracterização, todas estas modificações trazidas pelas
questões legais, contextuais, necessário se faz também analisarmos questões referentes ao
exercício da docência, mais especificamente, à construção da identidade profissional docente e
aos saberes necessários ao exercício da docência.
292
A questão da identidade do professor tem sido constantemente discutida, uma vez que o
contexto socioeducativo no qual estamos imersos, ser professor não se resume à prática de
transferência de conhecimentos. Segundo Pimenta (1997, p. 05) “[...] cada vez mais se torna
necessário o seu trabalho, enquanto mediação nos processos constitutivos da cidadania dos
alunos, para o que concorre a superação do fracasso e das desigualdades escolares”.
Sendo assim, é fundamental abordar sobre a construção da identidade do professor.
Pimenta (1997, p.6) ressalta que
A identidade não é um dado imutável. Nem externo, que possa ser adquirido.
Mas, é um processo de construção do sujeito historicamente situado. A
profissão de professor, como as demais, emerge em um dado contexto e
momento históricos, como resposta a necessidades que estão postas pelas
sociedades adquirindo estatuto de legalidade.
Até aqui, fica explicitado que os saberes necessários ao exercício da docência extrapolam
o simples domínio do conteúdo ou das técnicas de como transferir os conteúdos. Temos hoje,
nos bancos escolares, alunos que fazem parte de uma sociedade globalizada, aonde as
informações chegam de uma forma vertiginosa e, por isso, necessitam ser instigados para
transformar todas estas informações em conhecimentos úteis, eficazes à sua construção enquanto
ser histórico, social, cultural, diverso, que saiba respeitar o outro e que possa usar os saberes
construídos em prol da sociedade na qual ele vive. De forma geral, estas são algumas das
exigências que a educação deve ser capaz de suprir e, para isto, a formação docente deve fornecer
instrumentos, saberes que tornem o professor capaz de estar também construindo seus
conhecimentos, refletindo sobre sua prática, pesquisando, enfim, que não reduza o exercício da
docência ao simples fazer pedagógico.
Para delinear alguns saberes necessários à prática docente nos dias de hoje, teremos como
referência Pimenta (1997), Tardiff (2002) e Freire (1996). Segundo Pimenta (1997), os saberes da
docência são agrupados em três grupos que ela define como sendo a experiência, o conhecimento
e os saberes pedagógicos.
Considerando a formação inicial dos professores, os saberes experienciais são baseados
no que é ser professor, tendo como parâmetro sua experiência enquanto aluno. Ou seja, são
saberes baseados no que se configura ser um bom professor, ter uma boa didática, saber ensinar
294
etc. Neste processo de formação é necessário transpor este entendimento, ou seja, é necessário o
aluno se ver como professor.
O segundo saber necessário à docência, segundo Pimenta (1997, p.8), refere-se ao
conhecimento que segundo ela “não se reduz à informação. Esta é um primeiro estágio daquele.
Conhecer implica em um segundo estágio, o de trabalhar com as informações classificando-as,
analisando-as e contextualizando-as”. Desta forma, entende-se que ser docente exige que não se
tenha somente a informação, mas que se possa transformar esta informação em conhecimento
útil, contextualizado, importante à atuação enquanto ser social e ao processo de humanização.
O terceiro saber refere-se aos saberes pedagógicos que não se reduzem ao saber ensinar,
ter “didática”, às técnicas do fazer pedagógico. Eles extrapolam esta perspectiva, uma vez que
devem ser articulados à ação-reflexão-ação, ou seja, devem contribuir à práxis do professor e,
consequentemente, para a construção de sua identidade profissional.
Outro autor que discorre sobre a formação docente e sua identidade profissional é Tardiff
cujo aporte teórico aponta para a prática interativa entre os saberes profissionais e os saberes das
ciências da educação. De acordo com o autor, os saberes docentes é o saber deles e está
relacionado à sua pessoa e sua identidade, sua experiência de vida, sua história profissional, suas
relações com os alunos em sala de aula e com outros atores do contexto educativo.
Para tanto, Tardiff (2002) apresenta os saberes que constroem a profissão docente. São
eles:
Saberes de formação profissional, das ciências da educação e da ideologia
pedagógica;
Saberes disciplinares, que correspondem aos diversos campos do conhecimento;
Saberes curriculares, que correspondem aos programas escolares, com objetivos,
conteúdos, métodos;
Saberes experienciais que são aqueles que se incorporam à experiência individual e
coletiva sob forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e saber ser.
Tardiff concorda com Shön, quando aponta que as aprendizagens profissionais são
temporais, considerando o social como ferramenta de construção do profissionalismo docente.
Por assim ser, ele centraliza seus estudos na racionalidade docente, partindo das
vivências/experiências que constroem seus saberes profissionais. É enfático ao apontar que não
se pode mais separar o trabalho do professor da pessoa do professor e, para tanto, é
imprescindível que as universidades considerem o docente como principal agente do sistema
escolar.
295
O autor acima argumenta ainda que é necessário considerar os professores como sujeitos
do conhecimento e não somente, objetos de pesquisa, ou seja, é necessário unir pesquisa e
ensino. Desta forma, as políticas voltadas à educação, devem, ao mesmo tempo, valorizar os
professores e promover sua formação continuada, buscando a construção de conhecimentos e a
valorização de sua prática educativa. Destaca a importância da mobilização dos saberes
docentes, por onde perpassa a ideia de movimento constante, construção, renovação, de
totalidade do ser professor.
Diante desta perspectiva, tem se tornado cada vez mais imprescindível a formação do
professor reflexivo em oposição ao professor técnico, ou seja, aquele que domina as técnicas
metodológicas, didáticas, mas não contribui a um processo construtivo, reflexivo, igualitário.
As atuais políticas voltadas à formação docente tendem a superar a separação existente
entre os conhecimentos acadêmicos e os práticos.
Tomando como referência Freire (1996), destaca-se na sequência alguns saberes que o
mesmo delimita como sendo necessários à prática educativa. É importante enfatizar que os
saberes ora referenciados não estarão se sobrepondo aos demais.
O professor, no exercício da docência, deve ter claramente definido que ele é um ser que
faz história e que, por assim ser, não é só o sujeito da prática educativa, mas também objeto,
uma vez que na relação que estabelece com os educandos ele não só ensina, mas também
aprende. Ou seja, entre eles deve haver uma relação dialógica, onde se problematiza, se ensina a
pensar.
Desta forma, Freire (1996, p.39) coloca que “por isso é que, na formação permanente dos
professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando
criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” .
Em suma, temos que ser professor nos dias atuais exige saberes que transpõem a
capacitação técnica. Exige cada vez mais, preparo político, filosófico, ideológico, técnico-
metodológico, sociológico e, não mais importante que os demais, mas preparo para lidar com o
outro, que é um ser humano possuidor de diversidades que precisam ser respeitadas e que
contribuem também para o seu crescimento não só como docente, mas também humano. É
extremamente importante que o professor se perceba não como dominador da situação, mas sim
coparticipante do processo de ensino e aprendizagem.
Por isso, sua formação deve ser pensada e desenvolvida baseada também nestes
pressupostos, que o leve a refletir sobre a importância da docência para a sua autoconstrução e
para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e humana.
296
[...] Nos países avançados, e também nos países emergentes como o Brasil, o
setor de serviços e, no seu interior, os grupos de profissionais, cientistas e
técnicos não cessam de crescer, e passam a ocupar posições de destaque em
relação aos trabalhadores que produzem bens materiais [...]. O crescimento das
profissões referidas está ligado ao crescimento desmesurado das informações e
de suas formas de circulação, possibilitado pelo avanço tecnológico [...]. Além
da importância econômica, o trabalho dos professores também tem papel
central do ponto de vista político e cultural. O ensino escolar há mais de dois
séculos constitui a forma dominante de socialização e de formação nas
sociedades modernas e continua se expandindo (GATTI, 2005, p.15).
Esta é uma questão que já vem sendo discutida, pois necessário se faz elevar a qualidade
dos cursos de formação inicial, através da oferta de um currículo sólido e sistematizado, com
ênfase na interseção dos saberes teóricos e práticos. Quanto à formação continuada, que também
possui sua importância, precisa ter a característica de desenvolvimento profissional, fortalecendo
a capacidade reflexiva do professor e também a sua condição de ser pensante, reflexivo e
autônomo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 6.ed. São Paulo, Cortez,
2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura).
299
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa fez uma análise da prática docente dos professores de Geografia do ensino
fundamental e a influência no processo de ensino-aprendizagem dos alunos, a partir da Escola
Estadual Nossa Senhora de Fátima, localizada no bairro Aeroporto em Mossoró-RN,que foi
parceira no segundo estágio supervisionado.Identificamos quais os recursos didáticos-
metodológicos são utilizados em sala de aula, constatamos quais eram as dificuldades do ponto
de vista teórico-metodológico dos professores que interferiam em suas práticas, como também
conhecemos a visão dos alunos do ensino fundamental em relação ao ensino de Geografia
ministrado pelos docentes.Com isso, para realização dessa pesquisa, levantamos o seguinte
questionamento:Em que medida a prática docente dos professores de Geografia do ensino
fundamental da escola pesquisada contribui no processo de ensino-aprendizagem dos alunos?
A escolha do tema dessa pesquisa resultou do interesse de conhecer como o ensino de
Geografia está sendo ministrado no ensino básico, fortalecido durante o primeiro e segundo
estágio supervisionado no ensino fundamental, através de observações e coletas de dados
referentes ao diagnóstico do professor colaborador e dos alunos. Percebe-se a visão que os
alunos têm da Geografia como uma disciplina decorativa e menos importante que as outras e o
modelo tradicional de ministrar os conteúdos se encontra presente nas aulas de muitos
professores. Essa ideia se fortaleceu principalmente com as leituras dos textos de alguns
componentes curriculares, como ensino de Geografia I e II.
Desse modo, a pesquisa foi elaborada seguindo o paradigma qualitativo, onde as técnicas
de pesquisa para dar andamento ao trabalho foram divididas em algumas etapas. A primeira foi a
pesquisa bibliográfica, já que a pesquisa empírica não pode ser analisada sem um embasamento
teórico, sendo necessário um suporte.
A Pesquisa de campo nos proporcionouconhecer melhor a realidade do ensino básico e o
ambiente de trabalho do professor, analisando aspectos a partir de algumas técnicas, tais como o
diagnóstico da escola, observação nas aulas dos professores, entrevista semiestruturada com os
docentes e aplicação de questionários aos discentes.
No primeiro momento, foi feito uma análise na estrutura da escola e os dados foram
coletados a partir do questionário do segundo estágio supervisionado que tinha sido entregue a
coordenadora. Os dados foram atualizados com base nas visitas feitas ao campo de pesquisa,
seguido de registro de fotografias de todo o espaço físico da escola. No segundo momento, foi
aplicado questionário com 20% dos alunos matriculados, possuindo a escola 247 alunos, dos
quais participaram da pesquisa 50 alunos, sendo cerca de 5 a 6 alunos por turma, onde a pesquisa
abrangeu os turnos manhã e tarde.As perguntas estavam voltadas a saber a visão dos alunos em
relação ao ensino de Geografia e a prática de ensino dos professores, como também os seus
procedimentos de estudos, verificando a relação existente entre o ensino de geografia ministrado
pelos professores e a sua contribuição na aprendizagem dos alunos.
Outra fase da pesquisa correspondeu a entrevista semiestruturada com os três professores
da escola, embora o docente B optou por responder o questionário. As entrevistasforam
transcritas de gravações em áudio onde cada entrevista seguiu o momento disponível por cada
docente. As perguntas eram discursivas,tinham como objetivos conhecer a formação inicial e
continuada, planejamento, metodologia de ensino, recursos didáticos pedagógicos que auxiliavam
as aulas, avaliações, desafios e dificuldades. A última fase da pesquisa empírica correspondeu
àobservação nas aulas dos docentes onde a transcrição das aulas seguiu um roteiro de observação.
Todos os registros, fotos de atividades, avaliações, planos de aula, mantiveram sigilo para evitar a
identificação dos docentes.As observações nas aulas dos docentes corresponderam a 12 horas-
aula no total (4 horas-aula para cada professor).
atuação, ou seja, a organização de uma sequência de ações para atingi-los. Os métodos são assim
meios adequados para realizar objetivos”. Desse modo, a escolha do método pelo professor
depende de um planejamento, dos objetivos a serem alcançados, da determinação de que assunto
irá ser abordado em sala, do conhecimento do nível de desenvolvimento de aprendizagem da
turma e do uso de recursos didáticos. Esses métodos têm influência na forma como os alunos
estudam os conteúdos da disciplina e no desenvolvimento da aprendizagem. Se o docente utiliza
um método correto, o aluno tende muitas vezes a copiar a ação do professor, baseado na atitude
e no exemplo, e consequentemente criarão seus próprios procedimentos de estudo.
As técnicas são os procedimentos, de que forma o professor irá elaborar o seu trabalho.
Segundo Rangel (2003), “a técnica é como fazer o trabalho, como desenvolver seu processo de
construção, seu encaminhamento”, no entanto, o método mais a técnica forma a metodologia de
ensino dos professores que, para ele, a metodologia é o conjunto de métodos e técnicas
escolhidos pelos docentes em suas aulas para proporcionar a aprendizagem dos alunos. Os
recursos didáticos pedagógicos fazem parte da prática docente e auxiliam no ensino da disciplina
e, segundo Libâneo (1990, p.169), “por meios de ensino designamos todos os meios e recursos
materiais utilizados pelo professor e pelos alunos para a organização e condução metódica do
processo de ensino-aprendizagem”.
Conhecendo a diferença entre esses conceitos é possível o professor repensar a sua
prática e ampliar a sua metodologia diária em sala de aula. Atualmente a Geografia escolar
ministrada pelos professores é encarada de alguma forma pelos discentes como uma disciplina
decorativa e uma ciência menos importante do que as outras. Essas dificuldades não são vistas
somente no período atual, mas são frutos da própria ciência que estava atrelada à memorização
dos conteúdos pelos alunos e tendo como fundamentação somente a descrição dos lugares e do
espaço terrestre, sem ter uma preocupação com o senso crítico dos alunos.
Da mesma forma que existe inúmeros métodos, existe recursos que podem auxiliar a
prática do professor, a exemplo das TICS (tecnologias da informação e da comunicação), através
de Softwares como o Google Maps e o Google Earth, uma vez que a sociedade vivencia a era
tecnológica, onde as ferramentas digitais e a internet estão cada vez mais inseridas no cotidiano dos
estudantes. Segundo o Parâmetro Curricular Nacional (1998, p.31)
Outro meio seria a confecção de livros pop-up e maquetes, com isso os aspectos físicos e
humanos da Geografia poderiam ser trabalhados de forma conjunta, aumentando a dinâmica
educacional e possibilitando a contextualização da teoria vista em sala de aula. A aula de campo
também é exemplo de um recurso que pode ser trabalhado e inserido nas aulas de Geografia e no
cotidiano escolar dos alunos desde o ensino fundamental. Tem como principal contribuição no
estudo da Geografia à concatenação entre a teoria passada pelo professor em sala de aula e a
realidade contida no espaço estudado, que vai ser observado pelo educando.
Essa é uma forma da Geografia deixar de ser vista por muitos alunos como uma ciência
monótona que se preocupa somente com a descrição dos rios, nomes de países, lugares e sim
uma nova forma de entender as influências que um determinado tipo de solo tem para a prática
da agricultura de uma área, ou a importância da mata ciliar para a preservação de um rio e o
quanto esse rio interfere na economia e cultura de uma determinada comunidade. Essa parte
prática, palpável, permite ao educando construir um novo olhar às temáticas que envolvem a
Geografia e às novas descobertas e concepções sobre o que está sendo estudado.
A Geografia ministrada em sala de aula ainda guarda traços fortes desse tradicionalismo,
então, é possível mudar essa realidade? Como reverter esse quadro? Quais seriam os primeiros
passos? O livro didático é um dos primeiros recursos utilizados em sala de aula e o mais utilizado
atualmente nas escolas brasileiras. O livro deve ser um complemento e não o único recurso,
também podendo ser bem trabalhado desde que o professor saiba usá-lo, não norteando toda a
prática pedagógica do docente. Ele também trabalha com as temáticas da Geografia padronizada,
cabendo ao professor articular as diferentes escalas de análise.
No entanto, é necessário que o professor ministre os conteúdos com um foco preciso no
local, para que o aluno, a partir do seu cotidiano e da sua vivência, possa entender o regional,
nacional e o global.Segundo Callai (2003, p.59),“para que a análise seja capaz de dar conta das
explicações do conjunto e do fenômeno estudado como um todo, além das explicações de caráter
nacional, há que se incorporar os outros níveis de análise [...]”. É comum o aluno conhecer as
diversas abordagens da Geografia, como a cultura, política e economia dos diversos países, mas
não conhecem as relações culturais, sociais do seu lugar, da sua cidade. Deste modo, Cavalcante
(2010, p.6) afirma que “ao estudar o lugar, pode-se atribuir maior sentido ao que é estudado,
permitindo que se façam relações entre a realidade e os conteúdos escolares”.
Existem diferentes formas de ministrar uma aula de Geografia que tenha como
pressuposto despertar o pensamento e a reflexão do educando. Inicialmente, parte-se do
princípio da diversificação de técnicas metodológicas elaboradas pelo professor, oferecendo uma
303
nova oportunidade ao aluno de aprender para que o mesmo vivencie essas novas práticas, que
tenha uma nova visão dos fenômenos e conceitos do ambiente vivido e uma nova noção
geográfica do mundo. Nesse sentido, Cavalcante afirma que
Tabela 01- Perfil geral dos professores da Escola Estadual Nossa Senhora de Fátima
Fonte: Pesquisa de campo. Coletado pela autora através do instrumento de pesquisa entrevista (2016).
Sujeito Docente A: As metodologias utilizadas são aquelas mais simples, porque são os
recursos que são disponibilizados pela escola. São uso de mapas, slides, a gente faz atividade
escrita, fazemos também o uso de documentários, filmes, debates. Sempre tem um projeto
durante o ano que sempre utilizamos algo como maquetes, pesquisas, mas é só uma vez no ano,
pois precisa de um apoio financeiro.
Sujeito Docente B: Especificamente nessa escola, utilizo de aula expositiva, interação com os
discentes, acompanhamento do conteúdo didático do livro. Utilização de slides pelo Datashow,
exercícios prontos e pesquisados, apresentação de trabalhos.
Sujeito Docente C: Eu gosto mais da aula expositiva, né!
Fonte: Pesquisa de campo. Coletado pela autora através do instrumento de pesquisa entrevista (2016).
De acordo com os dados coletados, percebemos que o método mais utilizado é a aula
expositiva, sendo o mais citado nas falas, assim como percebido durante a observação das aulas.
Em relação aos recursos didáticos pedagógicos citados pelos discentes, ainda percebemos que o
livro sempre estava presente durante o transcorrer das aulas.Entre os recursos mais citados nas
falas dos docentes percebemos o uso do livro didático e de slides, onde são recursos
disponibilizados pela escola. No entanto, durante as observações, percebemos o uso do livro, o
quadro e o lápis como os mais presentes.
Com relação às atividades desenvolvidas em sala de aula, foi indagado aos professores
quais seriam as maiores dificuldades, veja o quadro 02:
Sujeito Docente A: São muitas. Primeiro infraestrutura, na nossa escola infelizmente as salas
são pequenas, não tem como fazer mesa redonda, não tem como trabalhar com maquetes com a
turma, porque não temos mesa para isso. As dificuldades também estão relacionadas aos alunos
porque muitos nem vêm para aula e não vêm com o desejo de aprender. Muitos alunos não têm
acompanhamento em casa com os pais, eu coloco as atividades do livro e na aula seguinte não
respondem.
Sujeito Docente B: Falta de um ambiente confortável, acústico e a falta de acesso a alguns
recursos, como a internet.
Sujeito Docente C: É a estrutura da escola, desinteresse por parte dos alunos, salas pequenas,
barulho em sala e falta de responsabilidade e atenção por parte dos alunos.
Fonte: Pesquisa de campo. Coletado pela autora através do instrumento de pesquisa entrevista (2016).
As falas dos docentes nos mostram que as maiores dificuldades estão centradas no fato da
escola apresentar uma infraestrutura irregular, poucos recursos, pois segundo os professores isso
influencia tanto na aprendizagem do aluno como durante o ato de ensinar. Outra dificuldade
citada é o pouco interesse por parte da maioria dos discentes.
306
Sujeito Docente A: Geografia crítica. Assim, lógico que no mundo de transformação que
vivemos hoje a geografia participa muito, no mundo capitalista desse que tá constantemente
sendo modificado, transformado. Então, o senso crítico e a liberdade de pensamento é
fundamental, por isso que a gente trabalha mais nessa área da Geografia crítica, onde a
construção do conhecimento vai ser ampliada com as discussões que vão tendo no dia a dia e é
importante que o aluno tenha a compreensão de mundo, das transformações e ela contribui
muito no mundo que estamos vivendo.
Sujeito Docente B: Geografia crítica. A Geografia tradicional encontra-se ultrapassada.
Sujeito Docente C: Geografia crítica. Porque assim, o nosso livro didático ele é tradicional, e se
você tem que trabalhar com esse livro então não pode sair desse tradicionalismo, isso tem que
ser dado de forma reflexiva. Agora, eu não posso falar em Guerra Fria e não falar das
consequências disso aqui no Brasil.
Fonte: Pesquisa de campo. Coletado pela autora através do instrumento de pesquisa entrevista (2016).
As respostas dos docentes nos mostram que o ensino de Geografia ministrado está
baseado no construtivismo, em uma Geografia que leva o aluno a pensar o meio em que está
inserido, a levar o aluno a construir ideias, a saber, tomar decisões corretas, como também saber
ser crítico diante de um mundo que exige escolhas. Entretanto, as observações das aulas nos
levam a afirmar que a Geografia Tradicional ainda se encontra presente em muitos momentos
durante o percorrer das aulas.
Foi indagado aos alunos se eles gostam da disciplina de Geografia. Percebemos que a
maioria dos alunos do ensino fundamental gosta da disciplina de Geografia tanto pela presença
do professor, como pelo conteúdo: os alunos que responderam o “professor” foram os alunos
do turno manhã, “o sujeito docente A”; e os que afirmaram o “conteúdo” sempre citaram o que
estão estudandono momento. A Geografia como ciência torna-se atualmente fundamental para
explicar a realidade. Ver o seguinte gráfico:
307
14%
86%
Sim Não
Fonte: Pesquisa de campo. Coletado pela autora através do instrumento de pesquisa questionário (2016).
6%
38%
56%
O gráfico 02 revela que 56% dos alunos estudam os assuntos de Geografia decorando,
38% estudam construindo ideias, enquanto que 6% afirmaram através de outras formas. Os
dados da pesquisa e o cruzamento tanto da entrevista, como do período de observação nos
308
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho nos mostrou que existem inúmeros recursos e métodos que poderão auxiliar a
prática, desde que ela seja repleta de pesquisa e que o método de trabalho independente e a aula
expositiva fazem parte e estão presentes assiduamente nas aulas de Geografia. Então, se a visão
que os professores da Escola Estadual Nossa Senhora de Fátima possuem de uma Geografia
renovada ―que estimula a construção do conhecimento, compreendendo o cotidiano vivido e
um mundo repleto de contradições verificado durante a entrevista ― fosse colocada em prática,
provavelmente o processo de ensino-aprendizagem poderia acontecer com mais êxito, passando
de meras informações à construção de ideias e conceitos, a partir da íntima relação existente entre
os sujeitos professor/aluno.
É desafiador a profissão docente diante das dificuldades enfrentadas pelos professores no
seu ambiente de trabalho, seja na carência das escolas ― no que se referem à estrutura adequada,
recursos tecnológicos, laboratórios, onde o único recurso ofertado é o livro didático ― ou o
próprio professor que diante da indisciplina e desinteresse de alguns alunos se sente entediado,
309
aborrecido. Isso tem impossibilitado o docente de aproximar sua prática de reflexões teóricas e
da possibilidade de sonhar com perspectiva de mudança, tendo como resultado aulas repetitivas
aplicadas em todas as turmas e nas diferentes instituições que o docente irá ensinar.
Isso torna evidente na pesquisa que ainda é bastante desafiador aos docentes elaborar
propostas inovadoras, fortalecendo a hipótese de que a prática docente de muitos professores de
Geografia ainda é pautada por um modelo refletindo as abordagens que remontam em parte à
Geografia tradicional ― caracterizada pela descrição, a enumeração e o apelo à memorização ―,
não promovendo efetivamente o despertar do senso crítico e a valorização de uma Geografia
renovada como instrumento à transformação social.
REFERÊNCIAS
Pois é. U purtuguêis é muito fáciu di aprender, purqui é uma língua qui a genti iscrevi
ixatamenti cumu si fala. Num é cumu inglêis qui dá até vontadi di ri quandu a genti
discobri cumu é qui si iscrevi algumas palavras. Im portuguêis, é só prestátenção. U
alemão pur exemplu. Qué coisa mais doida? Num bate nada cum nada. Até nu espanhol
qui é parecidu, si iscrevi muito diferenti. Qui bom qui a minha lingua é u purtuguêis.
Quem soubé falá, sabi iscrevê.
[Jô Soares, Revista Veja, 28 de novembro de 1990]
1. INTRODUÇÃO
Aprender a escrever não é simples. A criança inicia seu processo de construção da leitura
e da escrita e, com isso, também dá início às primeiras significações. Na escola, essas
aprendizagens exigem habilidades de linguagem que, ocasionalmente, apresentam desvios de
percurso. Até aí, previsível. No caso da escrita, podemos identificar diferentes tipos de desvios
que podem ser classificados de acordo com sua frequência e natureza.
Nesse trabalho, verificaremos como as crianças dos anos iniciais do ensino fundamental
adquirem a língua escrita e suas irregularidades ortográficas através de suas próprias experiências
práticas. Para tal, realizou-se uma pesquisa prévia em referências bibliográficas, posteriormente
uma coleta de dados em campo em duas escolas da cidade de Assú/RN, sendo uma da rede
pública e uma da rede particular de ensino.
Os objetivos do trabalho envolvem a construção de conhecimentos a respeito do
processo de aquisição da língua escrita, uma vez que esse também faz parte do público com que
atuaremos enquanto professores de Línguas. Faz-se necessário conhecer, além da teoria, os
problemas que são enfrentados durante os percursos da licenciatura. Assim, é possível pensar em
soluções e formas de lidar e contornar tais situações.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
percorre inúmeras fases, dentre elas o errar e acertar. Sabe-se que, mesmo sem domínio da língua
escrita, a criança chega na escola já com uma competência linguística ― a saber, crianças surdas,
que não ouvem, porém compreendem e utilizam outras linguagens. Cagliari defende que
Nesta proposta, o autor compreende um dos problemas iniciais da escrita infantil na troca
de experiências com os educadores e sugere que seria mais adequado ensinar não à criança a
aprender para em seguida esquecer letras de fôrma, já que geraria uma duplicidade de
informações para alguém que ainda está em processo de construção de conhecimento.
A língua portuguesa é composta de características adversas e regida por regras que
compreendem uma gramática. As convenções estabelecidas nesta são pontos trabalhados desde o
início da aquisição da língua, o que torna laborioso dominar a escrita e a oralidade. É possível ver
em um texto escrito de uma criança as marcas desse processo, principalmente quando há desvios
ortográficos, onde o “errar” caracteriza-se como as tentativas de uso um complexo sistema.
Travaglia define a língua como um código, ou seja,
Assim, entende-se que é uma capacidade de emitir sons em um padrão (língua) através de
um ato individual que envolve cognição, estruturas físicas e convenções sociais. Nesse sentido, há
a necessidade de compreender como se dá todo o processo de aquisição da língua. Discutiremos
aqui a parte da escrita. Para tanto, é preciso delimitar as fases de aquisição da língua escrita.
Para Ferreiro (2001), existem 5 níveis antes de acontecer a apropriação da escrita. Para a
autora, só se sabe e consegue escrever quando há o conhecimento sobre a função da escrita e
quando há a percepção de que um desenho, por exemplo, não faz parte dessa habilidade. Os
níveis da escrita, então, são: nível pré-silábico, silábico, silábico-alfabético, alfabético e
ortográfico.
312
Nível pré-silábico
A criança, inicialmente, não consegue estabelecer relações entre fala e escrita. Tudo que
ela consegue fazer envolve desenhos, rabiscos e letras aleatórias através da repetição do que vê. O
que se pode dizer é que há um início de compreensão acerca da função da escrita, porém não é
possível compreender a intenção da criança em comunicar algo, uma vez que às outras pessoas é
algo ininteligível.
Nível silábico
Adiante sua trajetória, nesse nível há uma aquisição de certa consciência em relação ao
que está sendo aprendido e, principalmente, a função dessa “coisa” que agora faz parte do
conhecimento. A criança compreende que há aproximação entre fala e escrita, iniciando a
utilização de critérios quantitativos e qualitativos.
Nível silábico-alfabético
Mais adiante, a criança passa por uma transição entre o seu domínio silábico e alfabético.
Nesse nível, há a percepção de formação de sílabas na junção de duas letras, sendo comum
encontrar palavras escritas juntas e ver as crianças “engolindo letras” ou fazendo-as sobrar.
Nível alfabético
Nível ortográfico
Agora se inicia o nível onde a língua será continuamente polida junto às suas regras e
funções. As irregularidades ainda surgem, mas com rara frequência.
313
Entende-se como escrita uma forma superior de linguagem, pois requer da pessoa a
capacidade de conservar uma ideia e “transformá-la” em texto. No caso da aquisição da língua
escrita das crianças, Condermarin (1986) aponta alguns dos problemas comuns de serem
encontrados durante essa fase, que são: (1) confusão entre letras, sílabas ou palavras com
pequenas diferenças de grafia: a-o; c-o; e-c; f-t; h-n; v-u etc.; (2) confusão entre letras, sílabas ou
palavras com grafia parecida, mas com diferentes direções estéticas: b-d; b-p; b-q; d-p; n-u; w-m;
a-e; (3) confusão entre letras que possuem acústica similar: d-t; j-x; c-g; m-b-p; v-f; (4) inversão de
sílabas ou palavras: me-em; sol-los; som-mos; sal-las; pal-pla; (5) substituição de palavras por
outras estruturas similares; (6) criação de palavras com diferentes significados: soltou-salvou; era-
ficava; (7) adição ou omissão de sons, sílabas ou palavras: famoso-fama; casa-casaco; (8) repetição
de sílabas, palavras ou frases; (9) pular linhas durante a escrita ou retroceder para a linha anterior
e perder a linha ao ler; (10) excessivas fixações do olhar para a linha onde está escrevendo; (11)
soletração defeituosa: reconhecimento de letras isoladas, mas sem organização das palavras
completas, leitura de sílaba por sílaba das palavras ou de palavra por palavra do texto; (12)
problema de compreensão; (13) ilegibilidade; (14) ocupação de toda a largura da página durante a
escrita; (15) escrita de palavras com letras iguais: BATATA/AAA; (16) palavras diferentes escritas
da mesma forma: SUCO/UO; (17) nomes próprios escritos pela metade: ANA/AA.
3. METODOLOGIA
Para a execução desse trabalho foi realizada uma coleta de dados com algumas crianças de
ambos os sexos com idades entre 6 e 8 anos, que estudam entre os 1º e 5º anos de escolas
públicas e particulares da cidade de Assú/RN. Solicitou-se primeiramente às direções das escolas
a possibilidade de execução dessa coleta de dados e, em seguida, foi feita a seleção de 06
estudantes com as características já apresentadas e que estivessem em fase de aquisição de língua
escrita e não apresentassem desempenho ortográfico complexo. Na presença das crianças, foi
solicitada a escrita de uma história por cada um dos estudantes (real ou fictícia). Rapidamente as
crianças atenderam ao pedido e cada história foi armazenada para utilização dos seus dados no
estudo presente.
314
4. RESULTADOS
Foram coletadas 06 (seis) histórias escritas pelas crianças que estiveram dispostas a
colaborar com a análise desse trabalho, ao passo que analisaremos suas características. Na
primeira história (Anexo 1) percebe-se uma narrativa linear com uma sequência de
acontecimentos lógica do que seria uma história de contos de fadas. Sobre a escrita, identificamos
pequenos desvios ortográficos: ausência de pontuação; a escrita ocupa corretamente os espaços
da página; algumas palavras escritas com desvio ortográfico: “completace”, “inha”, “po”,
“pricipe”.
Na segunda história (Anexo 2), a criança criou uma história bastante interessante e com
bastante significado, pois trata-se de um assunto complexo, principalmente quando consideramos
sua idade. Na escrita, podemos identificar algumas palavras sem acentuação, ocultação de
palavras, ausência de pontuação, repetição de conectores, uso do tempo verbal de forma
equivocada, flexão verbal incorreta, desvio ortográfico em algumas palavras: “enfrolou”,
“cancerde”, “lralamento”, “felos”, “lema”, “quba”.
A terceira criança (Anexo 3) fez uma pequena história com ausência de elementos
coesivos, o que prejudicou também a coerência. Supõe-se que não foi muito fácil para a criança
escrever. Há a repetição de expressões, uma mesma palavra escrita de duas formas (ambas
incorretas): “frosinha” e “flosinha”, além da presença de outra palavra com desvio de ortografia:
“ceudo”. Os tempos verbais também estão inconsistentes.
A história da quarta criança (Anexo 4) conta, provavelmente, um relato pessoal ou
possível da experiência pessoal da mesma. Essa foi uma escrita que apresentou diversos erros e
desvios, entre eles a falta ou excesso de palavras, desvios ortográficos: “quado”, “regreio”,
“tivava”, “coria”, “ea”, “ficol”, pouca coesão textual, flexão verbal incorreta, muita repetição de
palavras, troca de letras com sons semelhantes, separação de sílabas de uma palavra.
A quinta criança (Anexo 5) escreveu uma música do seu imaginário, que podemos
identificar pela familiaridade e conhecimento de mundo. Assim, podemos observar que a criança
escreveu as palavras de acordo com a musicalidade, há momentos onde percebe-se que a criança
não consegue lembrar ou escrever a música corretamente, mas a melodia o auxilia na substituição
por outra palavra. Observam-se alguns desvios ortográficos: “nunha”, “qualqui”, “a
qarela”,gardachuva”, “pin guinho”, “pedasinho”, “istante”.
A sexta e última criança (Anexo 6) escreveu uma história autoral com coerência, apesar
da ausência de alguns elementos coesivos e da pontuação. Há a presença de palavras com desvios
315
ortográficos durante todo o texto: “muto”, “doescuro”, “mutomuto”, “ficasór”, “vio”, “qui”,
“gretou”, “meuto”, “paro”, “felez”, “cenpre”, “faei”, “dugo”. Algumas dessas palavras são
inteligíveis, outras estão flexionadas de maneira equivocada, há também a repetição de conectores
e ausência de outros, união de palavras e ocultação de letras.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. 10. Ed. São Paulo: Editora Scipione,
1997.
CODERMARIN, Mabel. Dislexia: manual de leitura corretiva. Porto Alegre: Artes Médicas,
1986.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 24. Ed. São Paulo: Editora Cortez, 2001.
316
ANEXOS
BELA ADORMECIDA
Era uma vez uma menina chamada Aurora
Aurora nasceu todo mundo ficou feliz mas a bruxa não foi convidada ela ficou com muita raiva
ela vez um feitiço que quando a bela completace 15 ela inha espeta o dedo ela inha adormece po
1000 anos mas ai um pricipe apareceu e assim eles viveram felizes para sempre.
317
O menino sonhador
Era uma vez um menino sonhador que quando era criança ele era muito pobre mas
sempre gostou de ajudar as Pessoas e a ajudar sua a sua familia mas como sempre ele enfrolou
muitas barreiras um felos foi quando ela lema sonos perdeu sua mãe por uma doença que era
cancerde mama, cura mas como não tinha verba que era pra fazer o lralamento ele colocou em
sua cabeça que quba a se medico por isso ia ajudar as pessoas que não levasse verba para o
lralamento e salva muitas vidas por doenças bravas.
O menino de ouro
318
A menina frosinha
Era uma vez uma menina que ela Andava pela a floresta e um certo dia ela foi andar pela a
floresta e ela encontrou uma senhora ceudo no chão e a flosinha foi levantar ela e quando ela
levantou era uma velha mar.
319
A qarela.
Nunha folha qualqui eu desenho um sol amarelo e com cinco céus reters, chove com dois riscos
tenho um gardachuva.
Se um pin guinho de tinta cai num pedasinho azul do papel num istante imagino uma linda
gaivota vou no ceu.
321
o Menino Medroso
Era uma vez um Menino muto medroso, que ele tem Medo doescuro, que ele tem medo de rato
e de barata, e de cabra, ele tem medo de ficasór e ele tem mutomuto medo que ele vio uma barata
qui ele gretou que a mãe e disse a ela que ele e meuto medroso que ele paro de ser medroso e o
Menino ficou valente e Mãe ficou felez para cenpre que escreveu faei dugo
322
1. INTRODUÇÃO
130Formada em Letras/Português pela UFRN e em Letras/Espanhol pela UERN, com mestrado em Letras pela
UERN e Professora de língua portuguesa da rede básica de ensino.
131Professora do curso de letras-espanhol da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e doutoranda em
Letras pelo PPGL da UERN.
323
Fazendo um breve percurso histórico, conferimos que, mais ou menos do sec. XVII ao
sec. XIX, o estudo do latim clássico constituía a base das metodologias de ensino de línguas em
meio institucional. Neste sentido, o texto literário era considerado modelo do sistema linguístico
e, através dele, o vocabulário e a gramática se constituíam como os objetivos imediatos do ensino
de língua. Esta concepção de ensino de língua acabou sendo aplicada ao ensino de língua até
meados do sec. XX.
Afastando-nos um pouco do foco da metodologia tradicional, relembremos o estudo da
língua com base no curso proposto pelo mestre genebrino Saussure. Segundo ele, a língua era
vista como um fenômeno social, mas era analisada como um código simplesmente, interessando-
lhe apenas o sistema e a forma, sem levar em conta a sua realização na fala ou no seu
funcionamento em textos. Após esta instância, notamos que o estruturalismo de Bloomfield se dá
de maneira eminentemente analítico e descritivo, centrando-se no estudo da morfologia e da
sintaxe a partir da frase como unidade máxima analisável. Neste sentido, empregavam-se os
métodos de redução, que permitiam decompô-la em seus elementos constituintes imediatos, até
chegar ao morfema, unidade mínima indivisível. Aparte disso, Chomsky reagiu a essa forma
estruturalista dos distribucionalistas e passou a analisar as estruturas (sintática, fonológica e
semântica) das orações em dois níveis: o profundo e o superficial, para indicar as transformações
produzidas ao se passar de um nível para outro e as regras que regem as transformações
(COSTA, 2008). Observamos nessas últimas concepções que o estudo da língua ainda se dá num
recorte que se limita ao contexto frasal. Felizmente, após o estruturalismo e o gerativismo,
rechaça-se o limite frasal e o texto passa a ser visto como unidade de comunicação.
Diante dessas concepções em torno dos textos, não podemos deixar de mencionar
Bakhtin (2003), o qual afirmava que expressamos nossas ideias, pensamentos, emoções, vontades
e desempenhamos diversos papéis sociais por meio da língua, através da produção de enunciados,
afinal “a vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo gênero
discursivo” (BAKHTIN, 2003, p. 282). Sua teoria estipula que “falamos por meio de gêneros no
interior de determinada esfera da atividade humana” (FARACO, 2009, p.126). A partir disso,
Bakhtin conceitua gêneros do discurso como os “tipos relativamente estáveis de enunciado.”
(FARACO, 2009, p.127).
No entanto, apesar dessa diversidade de gêneros, Bakhtin (2003) os classifica em dois
tipos: primários (determinados tipos de diálogo orais realizados espontaneamente) e secundários
(são gerados em contextos mais complexos e usados nas atividades científicas, artísticas,
324
filosóficas, jurídicas e etc.). Salienta ainda que a extrema heterogeneidade dos gêneros deve incluir
as réplicas do diálogo cotidiano; o repertório variado dos documentos oficiais e o diversificado
universo das manifestações publicísticas e as manifestações científicas em todos os gêneros
literários. Dessa forma, “os gêneros primários e secundários possuem determinados referentes,
em determinada forma de composição e um determinado estilo” (VIAN JR, 2001, p. 153). Vale
ressaltar que Bakhtin (2003) afirma que a imensa maioria dos gêneros literários é constituída de
gêneros secundários, complexos, formados por diferentes gêneros primários transformados.
Delineando nosso pensamento em direção ao texto literário (TL), Santos (2007) orienta
que o primeiro passo para que se empregue esse tipo de texto é diferenciar a linguagem não
literária da literária, tendo em vista que a primeira tem uma finalidade prática; enquanto que na
segunda, não só os conteúdos são importantes, mas também a forma, que pode se apresentar em
prosa ou em verso. Ressalta, em seguida, que quando o professor deixa de trabalhar com o TL
em sala de aula, está impedindo que o aluno desenvolva o conhecimento da organização textual.
Neste sentido, compartilhamos da ideia de que, através do seu emprego nas aulas de
língua, seja promovido um movimento contínuo de leitura “partindo do conhecido para o
desconhecido, do simples para o complexo, do semelhante para o diferente, com o objetivo de
ampliar e consolidar o repertório cultural do aluno” (COSSON, 2009, p. 47 e 48). Afinal de
contas, como bem acrescenta Vargas Llosa (2004, p. 380), “nada ensina melhor que a literatura a
ver, nas diferenças étnicas e culturais, a riqueza do patrimônio humano e a valorizá-las como uma
manifestação de sua múltipla criatividade”.
Ampliamos essa discussão acrescentando cinco fortes razões para incluir a literatura 132 em
aulas de língua espanhola, conforme apontou Albadalejo (2007): Primeiro, os temas literários
apresentados em seus textos possuem um caráter universal, fazendo com que o texto se aproxime
do mundo do aluno; segundo, a literatura é um material autêntico, logo, não foi desenvolvida
para fins específicos e que, portanto, o aluno pode enfrentar amostras de língua dirigidas a
falantes nativos; terceiro, a carga de valor cultural que a literatura apresenta, acarreta em um
benefício à transmissão de códigos sociais e de conduta da sociedade onde se fala a língua meta;
quarto, oferece uma ampla riqueza linguística, tanto pelo vocabulário, como pelas estruturas
sintáticas, variações linguísticas e estilísticas e formas de conectar as ideias; por último, o poder
que dispõe em envolver o leitor para que se crie um compromisso pessoal com a obra (ou o
texto) que lê.
Na maioria das vezes não é fácil perceber o texto literário enquanto material completo ao
ensino de língua. Enquanto material didático, o TL pode ser um facilitador à aprendizagem da
língua, nesse caso, da língua estrangeira. Tomlinson (apud VILAÇA 2009, p.6) define como
material didático “qualquer coisa que ajude a ensinar aprendizes de línguas”. Ou como sugere
Bandeira (2009, p.14), “o material didático pode ser definido amplamente como produtos
pedagógicos utilizados na educação e, especificamente, como o material instrucional que se
elabora com finalidade didática”. Quem vai direcionar esse produto pedagógico é o docente.
Em sala de aula o texto literário faz a regulação e a manutenção das estratégias cognitivas
que os alunos desenvolvem quando instigados à leitura, pelo seu ritmo, pela sua musicalidade,
pelas imagens poéticas que tocam especificamente ao texto poético, preservando a autonomia,
tanto do leitor, quanto do texto. Ativa as estruturas da linguagem enquanto matéria de
comunicação permitindo sua reestruturação enquanto dialógica.
Por ser um documento autêntico e multimodal, o texto literário reproduz particularidades
pragmático-culturais bem como elementos intrinsecamente relacionados à comunicação, já que é
individual, mas também social, já que é discursivo, mas também poético, o indivíduo age sobre
ele e esses inúmeros elementos discursivos são refletidos no indivíduo.
Entendendo o TL também como um material didático, riquíssimo para a compreensão e
apreensão das nuances comunicativas, estamos apontando para um conjunto de estratégias e
objetivos articulados, antes até da leitura do texto, com o intuito do máximo aproveitamento no
processo de ensino-aprendizagem como aponta Mestre & Antolí (2013).
Quando o texto literário funciona como material didático ele se dispõe ao leitor/aluno
não apenas como superfície textual, mas como um intrincado de possibilidades cognitivas e
metacognitivas ao desvelamento da intencionalidade textual e seus desdobramentos implícitos. O
aprendente percebe o jogo que se instaura e se predispõe a participar ou não.
Para que o aluno reconheça-se participante ativo nesse jogo, a mediação do professor é
imprescindível, uma vez que esse profissional já percorreu os caminhos que são propostos ao
aluno e já planificou, objetivou e direcionou os esquemas de aprendizagem que serão utilizados a
326
partir do TL. Mais do que ensinar a ler um material literário ou simplesmente a apreciá-lo, o
mediador deverá saber porque aquele texto é significativo em sala de aula, qual a mensagem que
ele deixa aos alunos e porque os discentes devem se envolver com ele. Se o professor souber, o
aluno também saberá.
É necessário também que o texto literário seja dinâmico, crítico, atual, provocador, que
incite primeiro uma aproximação furtiva para depois obtermos um envolvimento mais profundo.
É um processo de conquista e quanto mais o aluno estiver ligado a esse material, mais percorrerá
seus fartos caminhos.
Para Fillola (2007), o texto literário abarca várias funções, desde um material real, didático
e autêntico133 para o ensino de uma LE em sala de aula, até um componente central e expoente
linguístico de determinadas sequências do contexto curricular. Como fonte de inúmeros “inputs”,
esse material didático seria um recurso motivador do fenômeno da variedade linguística e um
expoente cultural.
O trabalho com o TL em língua estrangeira sugere tantas possibilidades quanto maior for
o interesse e a criatividade do professor em proporcionar aos seus alunos campos de
descobrimento pessoal e interacional. Através desse material, temos um aperfeiçoamento da
associação cognitiva e uma manutenção programada do contínuo linguístico do aprendiz,
imprescindíveis ao manejo das práticas comunicativas. Consideramos que aquele aluno que está
permanentemente em contato com o material literário matiza sua própria vivência em
comunidade, ou seja, permite que sua interação verbal delimite até onde pode ir sua competência
comunicativa e vice-versa.
Desta forma, o professor que utiliza o material literário em sala de aula contribui para que
o aluno se torne um ser autônomo, autêntico, crítico e responsável por todo o conteúdo
comunicativo que lhe chega ou que dele parte, e que constrói os intricados linguísticos
necessários à sua inserção em sociedade.
Para a elaboração destas atividades, tomamos como objeto os dois livros adotados nas
escolas públicas do município de Mossoró para o ensino médio: Enlaces (vol.1) e Cercanía (vol.1).
Para cada atividade, como mencionamos na introdução, tem-se um TL retirado da própria
133Entende-se material autêntico o texto que “por encima de sus rasgos estilísticos, asuma perspectivas y
posibilidades de formación tanto de valor cultural, como de orden pragmático y sociolingüístico”. (FILLOLA, 2007,
p.67 e 68)
327
unidade ou escolhemos outro texto que melhor se adequasse ao objetivo da lição. Todas as
instruções são dadas em espanhol para atender diretamente a segunda língua do nosso público
alvo: os professores de espanhol do ensino médio.
Cada atividade foi organizada da seguinte forma: primeiro mencionamos o gênero a ser
utilizado, depois nosso objetivo e em seguida seguimos as etapas de Cosson (2009): motivação,
introdução, leitura e interpretação. Em cada passo, segue a nossa orientação de desenvolvimento
da atividade em espanhol para o professor ter ciência, na língua meta, como deve proceder.
Para este artigo, apresentamos a proposta sugerida para o capítulo 6 do manual Cercanía e
a unidade 5 do Enlaces. Ambos os livros se referem ao volume 1, destinados à 1a série do ensino
médio. Vale destacar que estes manuais foram indicados pelo Plano Nacional do Livro Didático
(PNLD).
Género literario: Cuento (se trata de un capítulo del libro Primavera con una esquina rota de Mario
Benedetti).
Objetivo: Discutir la importancia de la libertad y su responsabilidad social.
Etapas
1-Motivación:el profesor les muestra a los alumnos (puede ser en data show) imágenes y les pregunta que les parece.
¿Qué sugieren las imágenes? ¿Qué palabra podría resumírselas? ¿Será que todos compartimos de este sentimiento o
sensación? ¿Qué significa alguien libre? ¿Podemos expresar siempre nuestras opiniones o en la mayoría de las veces
nos sentimos presos por no poder expresárselas? ¿Por qué? Qué relación existe entre lo que discutimos con este
título: Beatriz (Una palabra enorme). [Cuestiones que el profesor puede instigar: si Beatriz está fuera del
paréntesis, ¿sería Beatriz la palabra enorme? ¿A qué palabra enorme se estaría refiriendo? ¿Qué relación podría
existir Beatriz y esa que sería la palabra enorme?]. Después el profesor explica que este texto se tratará de uno de
los capítulos del libro: Primavera con una esquina rota del escritor uruguayo Mario Benedetti.
Graciela, que es mi mami, me encarga alguna compra. Por ejemplo está prohibido llegar tarde a la escuela, aunque
en ese caso hay que hacer una cartilla mejor dicho la tiene que hacer Graciela, justificando por qué. Así dice la
maestra: justificado.
Libertad quiere decir muchas cosas. Por ejemplo, si una no está presa, se dice que está en libertad. Pero mi papá
está preso y sin embrago está en Libertad, porque así se llama la cárcel donde está hace ya muchos años. A eso el
tío Rolando lo llama qué sarcasmo. Un día le conté a mi amiga Angélica que la cárcel en que está mi papi se
llama Libertad y que el tío Rolando había dicho que era un sarcasmo y a mi amiga Angélica le gustó tanto la
palabra que cuando su padrino le regaló un perrito le puso de nombre Sarcasmo. Mi papá es un preso, pero no
porque haya matado o robado o llegado tarde a la escuela. Graciela dice que papá está en libertad, o sea está preso,
por sus ideas. Parece que mi papá era famoso por sus ideas. Yo también a veces tengo ideas, pero todavía no soy
famosa. Por eso no estoy en Libertad, o sea que no estoy presa. [...]
O sea que la libertad es una palabra enorme. Graciela dice que ser un preso político como mi papá no es ninguna
vergüenza. Que casi es un orgullo. ¿Por qué casi? Es orgullo o es vergüenza. ¿Le gustaría que yo dijera que es casi
vergüenza? Yo estoy orgullosa, no casi orgullosa, de mi papá, porque tuvo muchísimas ideas, tantas y tantísimas
que lo metieron preso por ellas. Yo creo que ahora mi papá seguirá teniendo ideas, tremendas ideas, pero es casi
seguro que no se las dice a nadie, porque si las dice, cuando salga de Libertad para vivir en libertad, lo pueden
meter otra vez en Libertad. ¿Ven cómo es enorme?
Primavera con una esquina rota, Mario Benedetti.
Fonte: http://www.loscuentos.net/cuentos/other/2/20/160/
4 – Interpretación: Después de la lectura, el profesor verifica si las hipótesis hechas sobre el texto fueron
confirmadas. En seguida, cuestiona a los alumnos qué tipos de ideas tendría el papá de Beatriz que lo llevó a la
cárcel; si ellos están de acuerdo de que la palabra libertad es una palabra enorme; qué hacemos para lograr ser
libres; qué relación hay entre el título y el texto; ¿ser libre significa que podemos hacer todo a nuestro capricho?
1-Motivación: El profesor presenta la tapa del libro de Lorca y los pregunta: ¿sería esta tapa de un cartel? ¿De
una película? ¿De un libro? ¿De una pieza de teatro? ¿De qué asunto trataría? ¿Ya han escuchado hablar de
Federico García Lorca?
3- Lectura: El profesor explica que el fragmento que les va a entregar, se trata de una charla entre el tío, la tía y
la ama sobre algo que pasó en su jardín. Enseguida, les entrega la copia del fragmento y explica que algunas
hablas del Tío fueron omitidas. Al paso que el profesor va leyendo el texto, los alumnos van completando con los
fragmentos quitados del texto original.
Fragmentos quitados:
A. Uno. Pero yo ese día lo pienso pasar al lado para ver cómo se pone blanca.
B. Yo me pregunto ¿quién volcó la meceta*? (*el vaso)
C. Una que se está abriendo.
D. Anda, barre el invernadero*. (*estufa)
E. No, no le ha pasado gran cosa, pero pudo haberle pasado.
(texto original):
330
TÍO. Bien está que se pisen las semillas, pero no es tolerable que esté con las hojitas tronchadas la planta derosal que más quiero. […]
(A la Tía.) Entra, entra y la verás.
TÍA. ¿Se ha roto?
TÍO. No, no le ha pasado gran cosa, pero pudo haberle pasado.
AMA: ¡Acabáramos!
TÍO: Yo me pregunto ¿quién volcó la meceta*? (*el vaso)
AMA: A mí no me mire usted.
TÍO . ¿He sido yo?
AMA: ¿ Y no hay gatos y no hay perros, y no hay golpe de aire que entra por la ventana?
TÍO. Anda, barre el invernadero*. (*estufa)
AMA. Está visto que en esta casa no la dejan hablar a una.
TÍO. (Entra.) Es una rosa que nunca has visto;una sorpresa que te tengo preparada. Porque es increíble la rosa declinada de capullos
caídos y la inermisque no tiene espinas, que maravilla, ¿eh?, ¡ni una espina! (…). Los botánicos la llaman rosa
mutabile, que quiere decir: mudable; que cambia... En este libro está su descripción y su pintura, ¡mira!(Abre el libro.) Es roja por la
mañana, a la tarde se pone blanca, y se deshoja por la noche.
Cuando se abre en la mañana.
roja como sangre está.
El rocío no la toca
porque se teme quemar.
Abierta en el mediodía
es dura como el coral.
El sol se asoma a los vidrios
para verla relumbrar.
Cuando en las ramas empiezan
los pájaros a cantar
y se desmaya la tarde
en las violetas del mar,
se pone blanca, con blanco de una mejilla de sal.
Y cuando toca la noche
blando cuerno de metal
y las estrellas avanzan
mientras los aires se van,
en la raya de lo oscuro,
se comienza a deshojar.
4- Interpretación: El profesor inicia: Por el fragmento, ¿cuál la relación del tío con sus rosas? ¿Qué relación hay
entre este fragmento y el tema de esta unidad?
Ahora, por el habla de los personajes, ¿cuál el contexto temporal (presente, pasado o futuro) que prevalece en el
fragmento? ¿Cómo se lo podemos identificar? (suponiendo que van a hablar de los verbos, el profesor pide que, en
seguida, ellos los subrayen). El profesor explica que en una obra de teatro, como las hablas se dan en el momento
de los hechos, el tiempo verbal que predomina es el presente de indicativo.
Ahora, para entrenar los verbos en presente indicativo, el profesor recoge las fotocopias y les entrega otra
con el mismo fragmento, solo que ahora omitiendo los verbos conjugados en presente para que ellos
completen en 5min.
TÍO. Bien está que se pisen las semillas, pero no es tolerable que esté con las hojitas tronchadas la planta derosal que más quiero. […]
(A la Tía.) Entra, entra y la verás.
TÍA. ¿Se ha roto?
331
Hecho eso, el profesor les entrega la fotocopia original para que ellos mismos hagan la corrección.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A utilização do texto literário em sala de aula ainda enfrenta muitos receios por parte dos
professores e também por parte dos alunos, não só nas aulas de língua materna, mas
principalmente nas aulas de língua estrangeira. Até meados do séc. XX esse material didático era
visto como modelo de língua ao aprendizado do vocabulário e da gramática. Só com Bakhtin é
que se desconstrói um pouco a imagem estática do texto quando o autor enuncia que nos
comunicamos através de gêneros.
332
Atualmente, a imagem do TL já é bem mais ampla, quando o professor o leva à sua sala
de aula e reconhece que, enquanto material autêntico e didático, o texto literário é um compêndio
que reúne todo um patrimônio histórico, étnico, político dentre outros aspectos necessários ao
desenvolvimento crítico e reflexivo do aluno.
Da mesma forma pelo caráter universal da literatura, o aluno consegue aproximar-se dos
códigos sociais, linguísticos, culturais da sociedade onde se fala a língua meta como também o
poder que dispõe em envolver o leitor para que se crie um compromisso pessoal com a obra.
Neste sentido,pretendemos demonstrar que é possível o trabalho com o TL em sala de
aula, a partir dos textos que já se encontram nos livros utilizados no Ensino Médio ― Enlaces
(vol.1) e Cercanía (vol.1) ― ou pelas sugestões que as autoras propuseram. A intenção foi
comprovar que o TL pode ser usado para trabalhar questões de interpretação, para aprendizagem
do léxico ou da gramática em língua espanhola ou qualquer conteúdo proposto no programa
delíngua estrangeira.
O que ficou claro também é que a mediação do docente é imprescindível para que o
aluno entenda todas essas questões ditas acima, de reconhecimento do texto literário não como
pretexto para o ensino da língua, mas ao entendimento de que esse material carrega em si todos
os aspectos inerentes à própria língua e deve ser instigado também como deleite, a um
envolvimento futuro mais profícuo.
Para este artigo, socializamos apenas duas propostas com o TL que podem servir de base
para o professor de língua espanhola aproveitar melhor outros textos do livro e enfrentar seus
receios no trato com o TL. É um caminho possível a ser trilhado.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 4 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
COIMBRA el al. Cercanía joven: espanhol, 1º ano; ensino médio. São Paulo: edições SM, 2013.
COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Editora Contexto, 2009.
333
OSMAN el tal. Enlaces 1- español para jóvenes brasileños. 3 ed. São Paulo: Macmillan, 2013.
VARGAS LLOSA, M. V. A literatura e a vida. In: LLOSA, M. V. A Verdade das mentiras. São
Paulo: Arx, 2004.
VIAN JR, O. Sobre o conceito de gêneros dos discurso: diálogos entre Bakhtin e linguística
sistêmico-funcional. In: BRAIT, B. (Org.). Estudos enunciativos no Brasil: histórias e
perspectivas. Campinas, SP: Pontes, 2001.
VILAÇA, Márcio Luiz Corrêa. O material didático no ensino de língua estrangeira: definições,
modalidades e papéis. In: Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades da Unigranrio.
Vol. VIII, N.XXX, jul./set. 2009.
334
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo geral analisar como as professoras do 3°Ano do Ensino
Fundamental I de uma escola pública de Mossoró têm trabalhado a Educação inclusiva em sala
de aula. Assim posto, as motivações para a escolha deste tema foram: minha vivência com
crianças que apresentam Necessidades Educacionais Especiais (NEE); e o desejo de aprimorar
minha prática pedagógica, tendo em vista que as escolas onde trabalho durante 11 anos de
carreira docente vêm seguindo, a cada ano, numa perspectiva de inclusão social.
A escola onde foi desenvolvida a pesquisa é uma instituição pública de boa referência em
Mossoró, no que diz respeito ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), o que, em
parte, justifica o número relevante de alunos com NEE a cada ano. Essa também é a razão de ter
sido escolhida como lócus desta investigação.
Decerto, constatamos, através de depoimentos das mães de alunos com NEE, que o
atendimento educacional voltado à inclusão, nesta escola, tem sido satisfatório. Nesse sentido, o
Ministério da Educação e Cultura (MEC) destaca que “a escola exerce um papel primordial no
desenvolvimento da consciência, da cidadania e de direitos, visto que é neste espaço de cidadania
que a criança começa a conviver num ambiente diversificado” (BRASIL, 2004, p. 09). Ao exercer
este papel, os sistemas educacionais passam por uma transformação, no sentido de promover a
garantia do acesso ao ensino básico e a satisfação das necessidades de aprendizagens para todos
os cidadãos da sociedade.
Ao tornar-se um espaço que deve ser acessível a todos, a escola tem, então, o papel de
disponibilizar uma educação a todos os cidadãos, sem distinção, haja vista que as pessoas com
NEE têm o direito a tratamento com respeito quanto as suas diferenças individuais e de serem
incluídas em um ambiente acolhedor.
Estado do Rio Grande do Norte. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande
do Norte, Campus Mossoró. Licenciada em Filosofia e Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte. Professora efetiva na Prefeitura Municipal de Mossoró-RN.
335
Com base nessa prerrogativa, o MEC enfatiza “que as políticas brasileiras voltadas à
educação têm investido esforços para que as diferenças sejam consideradas no processo de
ensino e aprendizagem” (BRASIL, 2014, p.8).
Nesse sentido, não há dúvida de que as contribuições do Governo Federal têm
favorecido muito o trabalho com a educação inclusiva, mas, além do acesso à escola, é necessário
que os sujeitos com NEE recebam as devidas condições para que possam desenvolver suas
potencialidades e capacidades cognitivas.
Para entender melhor os desafios que a Educação Especial apresenta, busquei, através
deste estudo, encontrar respostas às minhas próprias indagações sobre o trabalho com inclusão,
tendo em vista que já me deparei em sala de aula com alunos autistas, hiperativos, entre outras
NEE. Confesso que, em alguns momentos, senti dificuldade de lidar com tal realidade, por falta
de uma fundamentação pedagógica que desse respaldo a minha prática. Daí, surgiram os
seguintes questionamentos: Será que as outras professoras do ciclo de alfabetização também
sentem a mesma dificuldade para trabalhar com alunos com NEE? Como será que elas encaram
esse desafio? Como será que desenvolvem o processo de inclusão na escola? Tais questões foram
lançadas às professoras do 3° Ano (que corresponde ao final do Ciclo de alfabetização) da escola
investigada por meio de uma entrevista, com base nos seguintes pontos de interesse:
- Identificação;
- Tempo de atuação na escola;
- Presença de alguma criança com NEE na turma em que leciona;
- Dificuldades para trabalhar com essas crianças;
- Olhar reflexivo sobre a inclusão na escola.
Através deste instrumento, as professoras relataram um pouco suas vivências em sala de
aula após a inclusão de alunos com NEE. As entrevistas foram devidamente gravadas para
posterior análise. Por conseguinte, este trabalho constitui-se como um artigo de natureza
qualitativa, que envolve narrativas de formação, consideradas como uma importante metodologia
de investigação, por proporcionar uma análise reflexiva sobre a prática vivenciada pelos
professores e por promover um exercício de conhecimento sobre um tema tratado.
Para fundamentar a análise e os argumentos tecidos, foi selecionada uma bibliografia
direcionada à Educação Especial, com destaque para as propostas implementadas pelo MEC
(2004a, 2004b, 2014, 2015).
A estrutura do trabalho está dividida em duas partes. Na primeira, foi feita uma análise
bibliográfica sobre a história das pessoas com NEE, seguida de uma discussão sobre os marcos
legais que criaram os direitos que regem a Educação Especial. Na segunda parte, encontram-se as
336
narrativas das professoras alfabetizadoras e a reflexão das suas práticas de inclusão em sala de
aula.
A importância da pesquisa está em contribuir para uma discussão que possa esclarecer
alguns pontos obscuros sobre a inclusão na escola. O assunto já vem sendo discutido por muitos
pesquisadores, mesmo assim, é um conhecimento novo e de grande importância, no sentido de
promover uma reflexão que pode favorecer uma melhor compreensão sobre a realidade
educacional no âmbito da inclusão.
Na Idade Antiga, as pessoas que nasciam com alguma anomalia ou deficiência eram
excluídas da sociedade e vistas com um olhar muito preconceituoso, por serem consideradas
diferentes.
De acordo com Garcia e Beaton (2004), na Idade Média, as representações que se faziam
sobre essas pessoas eram constituídas por um sintoma de humanismo e vocação altruísta do
homem para torná-las inseridas no contexto de inclusão social.
Ao longo do desenvolvimento histórico, as pessoas ditas “anormais” viviam em
condições de desigualdade social, devido seu problema. Em algumas sociedades, em virtude do
olhar preconceituoso e a falta de conhecimento para se entender tal problema, as pessoas
chegavam a sacrificar os bebês que nasciam com alguma má-formação. Outros acreditavam que o
problema dessas crianças era proveniente das divindades pagãs ou que estava relacionado aos
espíritos malignos que dominavam seus corpos. Por isso, elas eram jogadas nas fogueiras paras
serem queimadas. Como se percebe, nessa época não havia um atendimento adequado para
atender pessoas acometidas por deficiências físicas ou mentais.
As primeiras experiências realizadas com crianças com deficiências ocorreram na França,
em 1760, com duas irmãs gêmeas surdas. Daí surgiu a primeira escola para surdos no mundo.
Logo após, foi criada em Paris outra instituição, dessa vez destinada ao atendimento de pessoas
cegas. Nesse espaço pedagógico, era empregado um método de ensino primitivo em que se
utilizava o tato para a construção das primeiras noções de leitura, através de alfabeto feito em
madeira, que mais tarde foi aprimorado por Luis Braille, um dos alunos dessa instituição. O
método Braille acabou ganhando o nome do seu inventor que, segundo Garcia e Beaton (2004),
337
Nesse caso, entra em cena a importância que se deve dar ao trabalho educativo pautado
por objetivos mais amplos e de forma a contribuir ao desenvolvimento humano em todos os
aspectos, sejam eles socioculturais, afetivos, cognitivos, dentre outros.
No contexto do século XX, foram surgindo novas tendências de educação inclusiva para
aprimorar o atendimento às crianças com NEE. Foram criados nesse contexto alguns centros de
apoio a essas crianças, com a preocupação de inseri-las num contexto socioeducativo que viesse a
atender suas necessidades especiais.
Mesmo com essas iniciativas, esse período foi marcado por preconceitos, principalmente
com relação às pessoas com deficiência mental que, devido às suas limitações, não eram vistas
como seres humanos plenos. Por essa razão, o tipo de atendimento realizado nesses centros
especializados ainda estava longe do contexto social das pessoas ditas normais. Um bom exemplo
338
a ser citado é o atendimento oferecido pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
(APAE), surgida no Brasil no ano de 1954, destinada ao tratamento e à promoção do bem-estar e
desenvolvimento da pessoa com deficiência.
Como vimos nesta trajetória histórica, houve avanços na forma de conceber as
deficiências e quanto ao atendimento às pessoas com Necessidades Educacionais Especiais, mas
sabemos que ainda há muito que se fazer para tornar a nossa sociedade totalmente inclusiva.
Sobretudo nas escolas, ainda há muita dificuldade formativa de professores, de recursos
pedagógicos e humanos e ambientes adequados para que a inclusão aconteça, deixando de ser
apenas uma meta e passe a ser uma realidade.
tolerância. Na ocasião, “o Brasil ficou engajado em atingir os objetivos que foram traçados, a fim
de promover uma transformação dos sistemas educacionais inclusivos” (BRASIL, 2004, p.17).
Outro evento importante em defesa da educação inclusiva foi a Convenção da Guatemala
(1999, apud BRASIL, 2004b), onde houve o reconhecimento de que as pessoas com deficiência
são dignas dos mesmos direitos que qualquer outra pessoa considerada normal. Conforme
definição destacada nessa convenção, o termo deficiência “significa uma restrição física, mental
ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou
mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”
(BRASIL, 2004, p.17).
Nesse encontro, foi considerado, então, que quando há alguma exclusão ou restrição
contra a pessoa com deficiência ou com necessidades educacionais especiais há discriminação,
porque não estará sendo permitido a essa pessoa usufruir de seus direitos humanos e
fundamentais à vida.
A partir da promulgação da Constituição Federal Brasileira, (1988, apud BRASIL, 2004b),
houve também a preocupação em desenvolver políticas públicas destinadas a promover uma
sociedade mais justa e igualitária para todos os cidadãos. Cabe, pois, ao poder público municipal
planejar e implementar os recursos em todas as áreas de responsabilidade do governo.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de nº 9.394/96
(1996, apud BRASIL, 2004b), os municípios ficaram responsabilizados em formalizar a decisão
política e desenvolver os passos necessários para a implementação da educação inclusiva, dando
prioridade para a Educação Infantil e ao Ensino Fundamental (BRASIL, 2004).
Outro importante documento nesse processo de inclusão é o Decreto 3298/99 (1999,
apud BRASIL, 2004b), que criou uma política nacional para a integração da pessoa com
deficiência. Este documento rege os princípios a seguir:
Consta ainda nesse Decreto que as pessoas com deficiência devem ser matriculadas de
forma compulsória nos cursos regulares, mas com atendimento especial. Considerando essa
341
modalidade como uma educação que permeia, de forma transversal, todos os níveis de ensino,
deve ser ofertada gratuita e obrigatoriamente em escolas púbicas.
Dentre outras medidas apontadas no seu art. 24, referente aos objetivos e metas que são
estabelecidos à Educação Especial pelo Plano Nacional de Educação, destacam-se:
4. A INCLUSÃO NA PRÁTICA
No intuito de verificar a realidade enfrentada por alunos com NEE nas escolas públicas
brasileiras, bem como a visão e postura dos demais sujeitos que fazem a escola diante deles,
seguem as narrativas de quatro professoras que lecionam para turmas do Ensino Fundamental I
de uma escola pública de Mossoró, com proposta inclusiva. É importante frisar que as falas
foram colhidas por meio de entrevista e que para preservar a identidade das entrevistadas, lhes
foram dados nomes fictícios.
A minha experiência com NEE iniciou-se em 2015, com uma criança que tem
deficiência múltipla, entre elas, a visual. No começo eu achei um pouco difícil,
porque esse aluno não era sociável, ele era tratado isoladamente e não podia ter
contato com as outras crianças, porque ele as machucava e, consequentemente,
eles também o machucavam. Então, o que fiz: primeiro fui trabalhando a parte
de socialização, fui trazendo ele e o incluindo para o contexto da sala e, com
isso, incluindo os demais alunos no contexto dele. Acredito que devemos
trabalhar tanto com a criança que tenha a necessidade de inclusão como
também com a turma, de forma a incluir essa criança na turma. Eu elaborei
diversos recursos didáticos por meio de pesquisas. A gente às vezes
confeccionava em casa, outras vezes na sala, com os alunos. Assim, comecei a
trabalhar com jogos de forma a envolver todos os alunos e, no final, todos eles
já sabiam trabalhar de forma a adaptar esses jogos a deficiência visual deste meu
aluno, Ele também começou a interagir com os demais. Foi um sucesso! Até
hoje, ele tem a socialização bastante aceitável, como também tem avançado no
processo de distinguir números de letras, entre outros. Ainda é um pouco
aquém para uma criança de oito anos como ele, mas, em relação ao que era,
sem socialização, ele está num avanço significativo. Hoje, em 2016, eu estou
acompanhando este mesmo aluno como auxiliar, e venho tentando alfabetizá-
lo. Daí, tenho que quebrar barreiras, como a questão do Braille, que eu ainda
não tenho domínio. Já procurei fazer curso de capacitação, mas, infelizmente,
ainda não fui atendida, né? O município não disponibiliza. Se há esta
disponibilidade na rede pública, eu não tenho conhecimento. É preciso que o
sistema de ensino dê condições ao professor para que ele se sinta preparado
para exercer a sua função educadora. Gostaria muito de alfabetizar meu aluno
em Braille, porque para onde ele for, terá o direito de exigir o Braille, né?
Então, a maior dificuldade que eu acho também, de trabalhar com essa
deficiência, é a questão da alfabetização. Quanto às habilidades, com ele foram
trabalhadas todas em alto relevo. Como eu já disse anteriormente, são recursos
343
A narrativa da professora Flor revela que ela se adequa muito bem aos princípios da
escola inclusiva. Ela demonstrou ter um olhar sensível para as diferenças específicas do aluno
com NEE e adotou uma atitude solidária com ele, na busca de desenvolver uma prática de
inclusão, de modo a atender todos os alunos da turma. Embora não tenha uma formação
específica para trabalhar com as deficiências, ela esforçou-se para realizar um trabalho de inclusão
com eficiência, procurando incluir o aluno à turma, incentivando um trabalho cooperativo entre
os alunos e possibilitando que todos tenham a mesma oportunidade de aprendizagem.
Percebe-se ainda o interesse da docente em aperfeiçoar o seu trabalho com a Educação
Especial, quando ela afirma que gostaria de fazer um curso em Braille para que possa alfabetizar
o seu aluno nessa língua.
Um dos fatores negativos que ela destaca, relacionado a sua experiência, é a falta de
materiais específicos para facilitar o seu trabalho com os alunos com NEE, sendo necessário
desenvolver estratégias próprias para que o seu trabalho aconteça.
Mesmo diante das dificuldades, através de esforço e dedicação, ela conseguiu realizar um
trabalho numa perspectiva de inclusão social. Conseguiu que seu aluno com NEE se socializasse
com a turma e participasse ativamente das atividades em sala de aula.
Anita é formada em Letras, pela UERN, tem 20 anos de experiência em sala de aula e
trabalha na escola investigada desde 2014. No período em que esta pesquisa foi realizada, ela
lecionava numa turma do 3º Ano A, com o auxílio da professora Flor.
Em seu relato, ela inicia falando sobre as dificuldades e desafios ao trabalhar com crianças
com NEE. Segue sua narrativa:
será que só trazê-la para o ambiente escolar já pode ser considerado inclusão?
Na minha ótica, não. É mais do que isso: é trazê-la, inseri-la no ambiente
pedagógico e também trabalhar dentro das possibilidades dela, todas as
habilidades que são desenvolvidas com os demais alunos. Então, para mim,
particularmente, o meu maior desafio é encontrar esses recursos pedagógicos
que possam auxiliar no desenvolvimento das habilidades de cada aluno, uma
vez que nós sabemos que a busca, de repente, passa a ser solidária. É a busca
do professor. É você professor que se preocupa com o desenvolvimento do seu
aluno. Este ano eu estou com uma criança que apresenta múltiplas deficiências:
física, visual, levemente na audição e dicção, e estes problemas afetam o seu
desenvolvimento cognitivo.
Portanto, o meu olhar sobre a inclusão é perceber que, apesar dos desafios
diários, trabalhar com a prática inclusiva em sala de aula é recompensador, é o
movimento onde todos saem ganhando. Algumas vezes, é o ‘movimento’ onde
todos saem ganhando. Algumas vezes, confesso que a aprendizagem maior
passa a ser do professor e dos demais colegas. A solidariedade e o respeito às
diferenças afloram, nós nos tornamos muito mais humanitários e humanizados,
nos colocamos constantemente no lugar do outro para juntos encontrarmos
respostas aos desafios a que somos lançados (ANITA, Mossoró - RN, 2016).
Para se trabalhar com um aluno que apresenta uma deficiência visual, como o aluno
acompanhado por Anita e Flor, o professor deve estar ciente de que esse aluno deve ser
alfabetizado em Braille, estimulando sua sensibilidade através do uso dessa língua, de modo a
favorecer o desenvolvimento de suas habilidades específicas.
Outro ponto importante contemplado na fala de Anita são os direitos legais,
mencionados quando diz que “a criança com deficiência, ela tem os direitos garantidos pela
Constituição. Disso aí resta a dúvida: será que só trazê-la para o ambiente escolar já pode ser
considerada inclusão?” Nesse momento, ela demonstra uma preocupação pela busca solidária de
melhorar a prática na inclusão, que vai depender da forma de atendimento dada ao aluno pelos
que fazem a escola. Se ele está sendo bem acolhido no contexto da sala de aula e recebendo as
mesmas oportunidades de ter uma convivência social; se têm garantidos os seus direitos de
aprendizagens, aí, sim, pode-se considerar que este aluno está numa escola inclusiva.
Decerto, para que haja a inclusão, o aluno com NEE deve estar inserido num ambiente
educacional acolhedor, livre de preconceitos ou atitudes preconceituosas. Deve, acima de tudo,
ser tratado com respeito, levando-se em conta suas necessidades e diferenças individuais.
Nesse sentido, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica,
conforme aponta (Brasil, 2004), destacam que esta modalidade de ensino deve “favorecer ao
aluno especial, o alcance dos objetivos que a eles sejam traçados, respeitando as suas diferenças e
especificidades” (BRASIL, 2004b, p.23).
Conforme a narrativa de Margot é preciso levar em conta alguns aspectos que viabilizam
o acesso à inclusão na escola. Primeiramente, a escola inclusiva deve oferecer espaço de
acessibilidade adequado para atender os alunos com deficiência física. Deve dispor dos recursos
pedagógicos necessários ao atendimento a todos os tipos de deficiência. Deve dispor também de
equipamentos específicos para cada deficiência, como cadeiras de roda e carteiras adaptadas para
pessoas com deficiência física, material em Braille para os alunos cegos, e material visual para os
surdos, conforme as necessidades de cada um deles. É preciso levar em conta ainda a importância
do apoio pedagógico para os professores e que o ideal é que cada escola tenha sua própria sala de
AEE, com um professor especializado em Educação Especial, dando suporte ao professor da
sala de aula.
Uma das dificuldades citadas por Margot para trabalhar com crianças que apresentam
NEE é a falta de um professor que possa auxiliar em sua sala. No seu caso, precisa de alguém que
tenha domínio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), haja vista que atende uma aluna surda,
que precisa ser alfabetizada nesta língua. O seu atendimento é realizado na sala de atendimento
do AEE, sendo necessário o deslocamento dela para outra escola, que funciona em outro
horário. É importante destacar que:
Outro fato relevante destacado por esses autores é que, na aprendizagem da Língua
Portuguesa, o aluno surdo aprende somente os aspectos da linguagem escrita do português, que
se constitui como uma língua de base oral/auditiva. No caso de Libras, eles a concebem como
uma língua composta por sinais ou expressões gestuais.
Angelina é professora alfabetizadora desde 2005 e há cinco anos trabalha na escola onde a
pesquisa foi realizada. Possui formação na área de Pedagogia e Filosofia. Em 2016 atuou numa
turma do 2° Ano, na qual acompanhou uma criança que apresenta uma visível deficiência física
nas pernas, a qual dificulta sua locomoção. Para saber mais sobre essa criança, que tem oito anos
atualmente, ela conversou com a professora que o atende na sala de AEE, em outra escola,
juntamente com outras crianças da escola em questão. Nessa conversa, ela descobriu que Mário
(nome fictício da criança) teve paralisia cerebral na hora do seu nascimento, o que comprometeu
sua locomoção, um pouco da linguagem oral e a sua coordenação motora para realizar as
atividades em sala de aula, incluindo a habilidade de escrever. Ainda não foi confirmado com o
neurologista se a paralisia que ele sofreu afetou alguma área neurológica que compromete a
aprendizagem.
Conforme consta no Caderno de Educação Inclusiva do Pacto Nacional Pela
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC):
Numa criança com deficiência física decorrente de paralisia cerebral, a lesão que
atinge o cérebro interfere o desenvolvimento motor da criança, podendo
comprometer a locomoção, postura, movimento, uso das mãos, a linguagem,
entre outras atividades (BRASIL, 2014, p. 22).
No caso de Mário, foi possível perceber que na sua rotina escolar, no que se refere às suas
habilidades, ele apresenta a maioria das limitações citadas, mas não se pode esquecer que só o
médico especializado pode dar um diagnóstico preciso. Cabe, pois, à professora da turma em
parceria com a professora do (AEE),procurar os recursos que melhor atendam às suas
necessidades educacionais especiais.
Outra questão que o PNAIC (2014) destaca, no que diz respeito à deficiência física, é
sobre o olhar do professor em relação à criança que teve paralisia cerebral. Nessa perspectiva, o
documento ressalta que o professor deve saber que a deficiência física não é sinônimo de déficit
cognitivo. Segundo Angelina, era isso que ela pensava. Todavia, os autores contradizem essa ideia
347
argumentando que todos os alunos com essa condição podem aprender, desde que se estabeleça
uma forma de comunicação efetiva.
O documento ressalta ainda que “os métodos especiais de ensino só são necessários para
crianças cujas deficiências físicas sejam complicadas por dificuldade de aprendizagem, resultante
de lesões neurológicas” (BRASIL, 2014, p.22). Nesta mesma linha de raciocínio, enfatiza que a
aprendizagem da leitura e escrita deve ser abordada de forma conceitual e não mecânica.
Segundo a professora Angelina, a socialização de Mário com a turma foi considerada boa.
As outras crianças, quando necessário, procuram ajudá-la sempre que possível, principalmente as
meninas. Quanto à aprendizagem dele, apresentou alguns avanços na expressão da oralidade,
conseguindo fazer leituras de mundo e relatar fatos que ocorrem em seu cotidiano. Ela relatou
que procura inclui-lo em todas as atividades e que ele só não gosta de participar das aulas de
educação física, mas, adora jogar futebol com um ou dois meninos.
Em sua vivência, Angelina destaca que tem observado as diversas dificuldades dos alunos
no que diz respeito ao processo de alfabetização, principalmente em relação à leitura. Ela diz que
tem buscado diferentes estratégias para fazer as crianças avançarem, acreditando que todas sejam
capazes de se alfabetizarem, embora cada uma caminhe conforme o seu ritmo de aprendizagem.
No caso de Mário, que tem limitações quanto à psicomotricidade e apresenta um déficit
cognitivo, é preciso então, envolver, na metodologia de ensino, diferentes recursos que
contemplem as suas necessidades específicas e favoreçam o desenvolvimento dele em todos os
aspectos.
Através das narrativas dessas quatro professoras participantes na pesquisa, foi possível
ampliar o conhecimento no sentido de perceber os desafios e possibilidades que permeiam a
realidade educacional, no âmbito da Educação Inclusiva.
5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Este estudo proporcionou a compreensão de que os alunos com NEE têm seus direitos
assegurados perante a lei. Entretanto, provou que a garantia desses direitos não é suficiente para
que haja a inclusão no âmbito educacional. De fato, para que essa inclusão se torne efetiva é
preciso também garantir a qualidade do ensino, de modo que torne possível a socialização e o real
desenvolvimento humano dos alunos com NEE, os quais, mesmo com suas limitações, são
capazes de desenvolver o seu potencial, de se superarem e de terem uma vida digna perante a
sociedade.
348
Verificou-se aqui que o olhar inclusivo do educador deve ser atento à percepção da
diversidade que há na sala de aula. É imprescindível, portanto, que ele leve em consideração as
diferenças individuais dos alunos e que perceba as necessidades específicas de cada um. Dessa
forma, é possível desenvolver um trabalho de iniciativa voltado ao espírito cooperativo,
possibilitando que todos se integrem nesse processo de inclusão, que participem das mesmas
experiências formativas e sociais que os demais educandos e que estes aprendam a conviver com
as diferenças.
Como metodologia que facilita a inclusão dos alunos com NEE nesse processo educativo
destaca-se a organização de trabalhos em grupos. Por outro lado, não se pode esquecer que uma
escola inclusiva requer a participação de todos, de modo que envolva alunos, professores, família,
enfim, todos que fazem parte da comunidade escolar. É fundamental ainda que o professor esteja
em constante formação para adquirir saberes que tornem a sua prática pedagógica consistente.
Enfim, que ele esteja preparado para saber lidar com a realidade que envolve a inclusão de
crianças com NEE e que ele desenvolva um novo olhar nessa dimensão pedagógica, ou seja, um
olhar sensível às diferenças.
Dito isto, considero que a pesquisa favoreceu um ressignificar do meu trabalho, dando
um novo sentido a minha docência e continuidade à minha formação, bem como a de outros
docentes que igualmente trabalham com o AEE.
REFERÊNCIAS
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
350
1. INTRODUÇÃO
136COSTA, Fábia. Graduada em Engenharia de Alimentos pela UFC, Especialista em Engenharia de Segurança do
Trabalho pela ATENEU e Especialista em Docência na Educação Profissional pelo IFCE. Atualmente é
Coordenadora/Professora do Curso Técnico em Agroindústria na EEEP Alan Pinho Tabosa no Estado do Ceará.
E-mail: fabia_eng.alimentos@hotmail.com
137GARCÊS, David Sousa. Graduado em Ciências Contábeis pela UFC, Especialista em Políticas Públicas e
Intervenção Social pela FID; Especialista em Gestão Pública e em Políticas Étnicos Raciais no Ambiente Escolar
pela UNILAB. Atualmente é Tutor Docente Presencial no curso de Bacharelado em Administração Pública pela
UNILAB, Graduando em Licenciatura em Pedagogia pela UFPB e Mestrando no Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH) pela UERN. E-mail: balgarces@yahoo.com.br
138 BARRETO, Maria Cristina Rocha. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFPB, Mestre em Ciências
Sociais e Doutora em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Sociologia, respectivamente
pela UFPB. Atualmente é Professora Adjunta IV na UERN, assim como é docente do Departamento de Ciências
Sociais e Política (DCSP) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH)
respectivamente pela UERN. E-mail: mcrbarreto@gmail.com
351
estabelece as ETF (Escolas Técnicas Federais), as EAF (Escolas Agrotécnicas Federais), fazendo
com que a educação seja, portanto, articulada ao Ensino Médio.
A história da educação no Brasil está intimamente ligada à compreensão das
transformações do capital: “― não é possível, portanto, compreender radicalmente a história da
sociedade e, consequentemente, a história da educação contemporânea, sem se compreender o
movimento do capital” (SAVIANI, 2005, p. 17). Com as mudanças ocorridas na estrutura de
capital ― transformações econômicas ― a educação profissionalizante continua em ritmo
descentralizado até o ano 2003, quando em 2004, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em
exercício há época, revogou o decreto nº 2.208/97 e, assim, (re)possibilitou a integralização
curricular do ensino médio ao ensino profissionalizante, além de retomar o financiamento
público a essa modalidade de ensino (MEC, 1997).
A mudança da educação no Ceará ocorre em março de 2008, onde foi lançado o Plano
Integrado de Educação Profissional e Integração Tecnológica do Ceará, que visava à integração
do currículo do Ensino Médio ao Ensino Tecnológico, voltado ao mercado de trabalho. Na
perspectiva da educação integral, o plano indissocia o ensino regular ao conhecimento
tecnológico com enfoque na formação profissional, que permita o desenvolvimento
socioeconômico dos municípios do estado.Quanto à educação profissional, o seu objetivo é de
preparar profissionais técnicos de nível médio, para o exercício da cidadania e a preparação básica
para o mercado de trabalho, onde nesta formação deve estar inclusa a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico para o desenvolvimento
profissional do futuro técnico (SEDUC, 2008, P. 03).
O objetivo geral do Curso Técnico de Nível Médio em Agroindústria é formar
profissionais capazes de exercer atividades técnicas no processo de produção agroindustrial com
habilidades e atitudes, que, primeiramente, lhes permitam participar de forma responsável,
proativa, crítica e criativa, adaptando-se as variadas condições do mundo do trabalho; assim
como abordarem também a produção artesanal, onde o profissional deva adequar o ambiente de
produção segundo o que as normas de legislação de alimentos elencam em seu texto. Nesse
sentido, esse profissional deve desenvolver e executar atividades relacionadas às análises de
laboratórios, controle de qualidade e controle de produção nas áreas de laticínios, panificação,
carnes e vegetais (SEDUC, 2008, P. 07).
A Escola de Educação Profissional Alan Pinho Tabosa foi inaugurada, no município de
Pentecoste, onde esse, segundo o último senso do IBGE (2010), demonstrou ser um município
marcado por uma população predominantemente jovem, onde grande parte de sua população
encontra-se na base de sua pirâmide etária. Devido a essa situação é que se teve a preocupação
352
com a formação ― tanto a nível profissional quanto social ― desses atores sociais naquela
localidade, pois eles são e serão os responsáveis em gerir as atividades econômicas locais.
A escola de ensino médio integrado à educação profissional ― denominada Escola
Estadual de Educação Profissional Alan Pinho Tabosa ― foi criada pelo Decreto Lei Nº 14.795,
de 22 de setembro de 2010 e publicada no D.O.E. Essa escola é mantida pelo Governo do
Estado do Ceará, nos termos da legislação em vigor e gerida pela Universidade Federal do Ceará,
de acordo com o convênio de Cooperação Interinstitucional publicado no dia 14 de abril de
2011. A metodologia de ensino-aprendizagem vigente nessa instituição é a aprendizagem
cooperativa, que visa tanto a qualificação do educando quanto sua inserção no contexto social
atual.
Partindo dessa perspectiva, o objetivo desse trabalho é analisar o nível de satisfação e
aproveitamento dos alunos do 3º ano do curso Técnico em Agroindústria ofertado pela EEEP
Alan Pinho Tabosa em relação a 03 (três) aspectos: a empregabilidade dos egressos; a
continuidade dos estudos após a conclusão do curso; e a avaliação, pelos egressos, da formação
técnica recebida.
2. METODOLOGIA
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
― gestores, secretários, equipe técnica, dentre outros ― para que as aulas práticas e aulas de
campo pudessem acontecer para melhorar o conhecimento dos estudantes.
Com relação aos conteúdos, foi obtido êxito em algumas disciplinas, onde com a ajuda
dos próprios alunos e de algumas instituições ― como o DNOCS e a UFC ― conseguimos
realizar as aulas de campo. Essas foram primordiais ao aprendizado prático do curso, atendendo a
expectativa do mesmo, apesar das dificuldades com relação às aulas práticas e aulas de campo,
devido à escola não ter seus laboratórios técnicos montados à realização das atividades.
O nível de interesse dos estudantes pelo curso é demonstrado pelos dados obtidos, onde
se verifica que há um nivelamento na sala em que 50 % da turma tem um grande interesse pelo
curso e os demais realizam com menos interesse.
Todos os cursos técnicos das escolas profissionais têm que passar por um estágio
supervisionado obrigatório e remunerado dado pelo Governo do Estado, no qual estes
estudantes do curso técnico em agroindústria ― no período de realização do referido questionário
― estavam terminando o estágio no município de Pentecoste, em distintas instituições públicas e
privadas. O estágio correspondia: ao controle de qualidade das escolas da merenda escolar,
supermercados, frigoríficos e restaurantes; no laboratório de processamento de pescado,
processamento de leite e derivados, onde desenvolvem as atividades de estagiários do curso
técnico em agroindústria, com a supervisão da escola e das empresas concedentes.
Os estudantes afirmam que na cidade há poucas vagas de emprego na área, isto se deve ao
fato de que no município há somente uma indústria de alimentos e o comércio ainda trabalha
sem o devido controle e fiscalização da vigilância sanitária, como é necessário conforme os
padrões de boas práticas de fabricação e manipulação exigidas. Este fato permite que alguns
estabelecimentos trabalhem de forma irregular, não favorecendo a contratação de responsáveis
técnicos na área de produção e venda de produtos alimentícios.
Com a realização do questionário e sua avaliação, pode-se concluir que, após a formação
no curso técnico, cerca de 83% dos entrevistados têm o interesse de ingressar em um curso de
nível superior; destes 46 % querem a formação na área de Ciências Agrárias, o que revela o
interesse na continuação da formação técnica. Os outros 54% se dividem entre as áreas de
Ciências Humanas, Exatas ou Licenciaturas. Os demais 17 % não pretendem ingressar na
faculdade, onde isso se deve ao fato de não terem interesse em realizar uma graduação, querendo
os mesmos continuar em sua respectiva cidade, trabalhando na área técnica e ajudando suas
famílias.
357
4. CONCLUSÃO
Baseados nos resultados obtidos por este trabalho, concluímos que a educação
profissional do Estado do Ceará tem evoluído, formando um conjunto de jovens capazes de
compreender o exercício da cidadania e a compreensão básica ao trabalho, de modo a serem
capazes de se adaptarem com flexibilidade a novas condições de ocupação e buscando atingir
novas metas após o término do curso.
Concluímos que a avaliação do Curso Técnico em Agroindústria da EEEP Alan Pinho
Tabosa, no Município de Pentecoste-CE, foi satisfatória com relação ao ensino prático e teórico,
assim como a qualificação dos seus professores.
O fato de quase metade da turma ter o interesse em continuar a formação superior
relacionada ao curso técnico identifica que os estudantes tiveram uma boa expectativa do curso
com relação à aprendizagem e o mercado de trabalho.
Apesar das dificuldades encontradas como, por exemplo: a falta de laboratório à
realização das aulas práticas, conforme é determinado no plano de curso; assim como as
dificuldades relacionadas ao estágio, devido o munícipio não ter um complexo de indústrias de
alimentos ― o que, nessa circunstância, facilitaria no desenvolvimento da prática de estágio e faria
com que os estudantes mantivessem o interesse de continuar na cidade após os estudos,
trabalhando na respectiva área técnica a qual se formaram ―; os respectivos educandos ora
analisados demonstraram empatia no tocante a realização do referido curso técnico.
Portanto, se faz a necessidade de incentivos fiscais por parte do município para fazer com
que as empresas de um modo geral tenham o interesse de se instalar na região, favorecendo assim
a mão de obra local qualificada, para que o próprio local possa absorver os Técnicos em
Agroindústria ao se formarem.
REFERÊNCIAS
MEC, Educação Profissional: Legislação Básica, 5º Edição, Brasília, 2001, pag. O7.
1. INTRODUÇÃO
139 Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e aluno do
Programa de Pós-graduação em Ensino (POSENSINO/UERN/UFERSA/IFRN). Email: cleyltoon@hotmail.com.
140 Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e aluno do
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e do Programa Interinstitucional de Pós-Graduação em Ensino
(POSENSINO/UERN/UFERSA/IFRN). Email: guimepaivacarvalho@gmail.com.
142Licenciado em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e aluno do Programa de
de pós-graduação em educação do que nos cursos de ciências sociais. Em um estado da arte feito por (HANDFAS,
2011) podemos perceber que “Os dados revelam ainda o predomínio de teses e dissertações defendidas em
programas de pós-graduação em educação, e minoritariamente em programas de pós-graduação em sociologia”.
(HANDFAS, p. 387, 2011). Todavia, esse quadro vem sendo modificado, sobretudo com a obrigatoriedade do
ensino de sociologia na escola pública, já que antes da obrigatoriedade “[...] uma das primeiras constatações a ser feita
sobre este campo de estudos é a de que o ensino de sociologia ainda não se constitui como um objeto de estudo das
ciências sociais” (HANDFAS, p. 389, 2009).
360
144Quando falamos disciplina Sociologia, é para diferenciarmos da ciência Sociologia, ensinada nos cursos superiores
em Ciências Sociais/Sociologia. Sabemos que o cientista social/professor precisa realizar uma transposição didática
para ensinar Sociologia para quem não vai ser sociólogo, tornando o ensino de Sociologia para não orientar um
ensino conteudista, apenas teoricista, “[...] o risco dessa orientação é tornar a disciplina a função de ensino de
conceitos e não do desenvolvimento de “modo de abordagem” do real. Não que os clássicos não sejam importantes.
Qualquer cientista social sabe o valor do conhecimento seguro desses autores. Entretanto, acreditamos que o Ensino
Médio não deva ser organizado em funções de estudo teórico semelhante ao do Ensino Superior de Ciências Sociais”
(SARANDY, Flávio. p. 74‐75, 2011).
361
que, de início, ela pode nos ensinar a aprender a “[...] pensar de maneira sociológica”
(GIDDENS, 2012, p. 19).
Com efeito, os professores Amaury Moraes e Elisabeth Guimarães são uníssonos ao
afirmar que “o objeto de análise da Sociologia tem como foco principal a vida social, e todos nós
fazemos partes desse objeto ― seres sociais em ação e, ao mesmo tempo, protagonistas da análise
sociológica [...]”.145Nesse sentido, o conhecimento sociológico (e as reflexões por ele
proporcionadas) vai contribuir para o crescimento desses adolescentes que estão em formação,
no sentido de oferecer suporte ao desenvolvimento de um pensamento crítico sobre a realidade
vigente.
Ademais, o caráter científico que a disciplina proporciona à escola pública não é
simplesmente “opiniões e senso comum”, mas, mesmo partindo do senso comum, ela pode
reorganizar esse pensamento para compreender o mundo. Do ponto de vista da promessa da
Sociologia seja onde ela estiver ― nesse caso, na escola pública ―, um sociólogo chamado
Charles Wright Mills assevera que a Sociologia pode proporcionar uma “imaginação sociológica”.
Será que essa imaginação sociológica é uma atitude que pode contribuir para a qualidade do
ensino de Sociologia na escola pública?
Partindo dessa inquietação sobre a qualidade da escola pública e a qualidade do ensino de
Sociologia à luz das atitudes da imaginação sociológica, procuramos compreender qual o sentido
de imaginação sociológica de professores de Sociologia e como essa imaginação contribui para a
qualidade do ensino da disciplina Sociologia na escola pública?
A pesquisa foi realizada com estudantes146da Licenciatura em Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, vinculados ao Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID147, que atuam na escola pública da cidade
de Mossoró (RN). Foram três os bolsistas que se disponibilizaram a colaborar com o processo de
investigação, dentre os quais optamos pelos bolsistas mais antigos, pelo fato de eles atuarem de
forma mais efetiva na escola pública como professores iniciantes.
Evidentemente que, por questões temporais, não assumimos efetivamente a etnografia
como metodologia da pesquisa, porém, alguns recursos metodológicos da pesquisa etnográfica
foram utilizados para a realização e desenvolvimento da investigação. Valer ressaltar que existem
“vários fenômenos de grande importância que não podem ser recolhidos através de questionários
PROFESSOR C.
147 O PIBID está vinculado à Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais – FAFIC e ao Departamento de Ciências
a) Qualidade do Ensino
Pensar o conceito qualidade, sem necessariamente interconectá-lo a algo, além de ficar
descontextualizado, não diz muita coisa. De acordo com o Dicionário Aurélio Online (2012),
qualidade é:
necessita de algo para dar mais sentido e significado. Aqui, a palavra que vai contextualizar e
ajudar a preencher o significado e sentido do termo ensino será Sociologia. Qualidade de ensino;
ensino de Sociologia.
Devido à complexidade do entendimento sobre qualidade, “ressalta-se, também, a
circulação de significados muito difusos para a expressão qualidade de ensino” (LIBÂNEO,
2012, p. 15), fazendo com que, “[...] nem sempre haja coincidência a respeito do conceito de
qualidade ― conceito esse que, ademais, raramente aparece explicitado de forma rigorosa”
(PARO, 2007, p. 15). Por este motivo e por não aparecer como um conceito fixo, fechado e
centralizado, é que muitas vezes o entendimento da qualidade de ensino vai ser confundido e
associado ao que é entendido por quantidade:
148 In MORIN. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2000.
364
Significa, desta forma, “[...] olhar, em outras palavras, o quadro mais amplo – significa
cultivar a nossa imaginação” (GIDDENS, 2012, p. 19).
b) Imaginação Sociológica
Nesse contexto, ainda sobre as concepções das nossas consciências falsas adquiridas em
sociedade:
365
É essa “qualidade mental” e esse “estado de espírito”, conforme afirma Mills (1969), que
a imaginação sociológica é capaz de proporcionar no ensino de Sociologia. Uma disciplina que,
como qualquer outra, deve ser compreendida no contexto da escola pública como uma formação
que “[...] vá além de uma proposta bancária de educação” (OLIVEIRA, p. 33, 2011).
Quando Mills (1982) definiu a imaginação sociológica como uma qualidade de espírito
fundamental para sermos pessoas melhores e perceber a influência da sociedade em nossas vidas,
um dos destaques dessa definição enfatiza que essa imaginação era e é, até hoje, uma das
promessas da Sociologia. Neste texto, como já foi dito, estamos direcionando o significado de
imaginação sociológica ao ensino de Sociologia na escola pública e, por este motivo, o sentido de
imaginação sociológica de professores que atuam nesse cenário é de fundamental importância
para a investigação:
Não se pode olvidar que a Sociologia apresenta uma carga horária muito reduzida em
relação às demais disciplinas no cotidiano escolar (cinquenta minutos de aula), implicando ao
professor uma preocupação quanto à administração do tempo de aula e dos conteúdos a serem
trabalhados em sala. Nesse sentido, o professor de Sociologia vive um dilema entre conteúdo e
tempo, onde uma carga horária reduzida não significa negligenciar conteúdos, mas dar atenção a
um planejamento de aulas que serão realizadas em etapas menores, porém, não menos
importantes.
Sim, veja só, a carga horária da disciplina é uma aula semanal de 50 minutos, o
professor tem e deve utilizar esse tempo da melhor maneira possível, não
apenas se apegando aos conteúdos livrescos, e sim despertar no aluno uma
curiosidade de saber mais, deixá-lo na vontade de continuar aquela discussão na
próxima aula, deixá-lo na vontade de saber o que de instigante e intrigante
aquele professor de Sociologia irá falar, mostrar, passar de diferente de tudo
que eu pensava. O aluno quer ser tirado do comodismo da certeza, com a
utilização da imaginação sociológica faremos ele próprio questionar as suas
verdades. Que podemos melhorar o ensino isso é fato, pois acredito que
“ensinar” perpassa um mundo de coisas e possibilidades, mas acredito, se
conseguirmos através da imaginação sociológica tornar os nossos alunos mais
humanos e capazes de dialogar com o outro, já está valendo a pena ser
professor (Professor B).
Com base nas experiências de sala de aula, posso afirmar que a maior parte do
êxito em sala de aula se deve a capacidade do professor estimular os seus alunos
a olhar o mundo pela perspectiva da imaginação sociológica. O estudante que
se apropria e interage com as análises sociológicas desenvolve uma reflexão
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O (a) estudante deve ter consciência da sua vida, do contexto social em que
vive, da sua existência enquanto sujeito pertencente a um mundo real e
globalizado, que está em constante transformação. Isto, como já dito na
resposta da questão 1 é proporcionado pela imaginação sociológica. Nesse
sentido, o conhecimento sociológico (e as reflexões por ele proporcionadas),
ladeado das demais disciplinas humanísticas, como a Filosofia, a Literatura, a
Geografia, a História, entre outras, vai contribuir para o crescimento desses
adolescentes que estão em formação, no sentido de oferecer suporte ao
desenvolvimento de um pensamento crítico sobre a realidade vigente. Além
disso, irá estimular os questionamentos sobre os diversos assuntos e fenômenos
sociais que são abordados pela Sociologia e que fazem parte (ou não) do
cotidiano desses alunos e alunas, além de ser fundamental para a compreensão
das práticas sociais e para o exercício da cidadania (Professor C).
4. DESENLACE
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Para que serve a sociologia? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2015.
CIGALES, Marcelo Pinheiro; MOLIN, Naiara Dal. A música como recurso didático para
trabalhar as questões sociais e étnico raciais nas aulas de Sociologia: uma perspectiva freireana. In:
Anais do V Seminário Nacional Sociologia & Política. ISSN: 2175-6880. P. 1-19.
FERREIRA ABH. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira; 1986.
371
______. O que temos de aprender para ensinar Ciências Sociais?. Cronos (Natal), v. 8, p.
395-402, 2008.
______. Coleção Explorando o Ensino. Sociologia: Ensino Médio (volume 15). Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. p. 304.
SARANDY, Flávio. A Sociologia volta à Escola: um estudo dos manuais de sociologia para o
ensino médio no Brasil. 2004. 142 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
______. Gestão escolar, Democracia e Qualidade de ensino. São Paulo: Ática, 2007.
CREDENCIAIS DE AUTORIA
(ORGANIZADORES)
universidade (2015), Educação e Formação humana (2014), A pesquisa na Educação Física (2013) e
Imaginário: novos desafios, novas epistemologias (2012).
Luiz Gomes da Silva Filho
Professor Assistente do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas (CCSAH) da
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Possui Graduação em Pedagogia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2007-2011). Especialista em Educação em
Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, (2015-2015). Foi
Professor da Educação Básica na Rede Municipal de Parnamirim – RN (2013-2014). Mestrado
em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2012-14) na Linha de Políticas Educacionais
(Conceito 4 CAPES). Doutorando em Educação pela Universidade Federal da Paraíba na Linda
de Educaçaõ Popular (Conceito 4 CAPES) (2016). Coordenou a primeira turma da
Especialização Uniafro: Política de promoção da igualdade racial na escola
SECADI/MEC/UFERSA. É membro do Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire na
UFPB ligado a Rede Freireana de Pesquisadores junto a Unesco. Trabalha com palestras nos
temas de Educação, sociedade e atualidade. Tem Curso de Filosofia pela Organização
Internacional Nova Acrópole. Tem experiência na área de Educação, com ênfase principalmente
nos seguintes temas: Educação e atualidade brasileira, Educação de Jovens e Adultos, Educação
do Campo, Pedagogia Paulo Freire, Movimentos Sociais, Direitos Humanos, Educação para as
relações étnico-racial e Educação Popular. Tem publicações em periódicos eletrônicos e
participação em eventos nacionais e internacionais. Tem trabalho de orientação de diversos
artigos de alunos de graduação e profissionais da educação básica.
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