Institutos Federais de Educação - Gaudêncio Frigotto (Org.) PDF
Institutos Federais de Educação - Gaudêncio Frigotto (Org.) PDF
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de Educação,
Ciência e Tecnologia
Relação com o ensino médio integrado
e o projeto societário de desenvolvimento
Gaudêncio Frigotto
Organizador
Copyright © 2018 Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro.
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
e-ISBN 978-85-92826-14-7
Gaudêncio Frigotto
Organizador
Rio de Janeiro
LPP/UERJ
2018
CONSELHO EDITORIAL
CONSELHO CIENTÍFICO
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Gaudêncio Frigotto
parte i
Análises diretamente relacionadas ao objeto da pesquisa . . . . . . . . . . . . . 15
parte ii
Análises derivadas ou mediatamente relacionadas
ao objeto da pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
2 O Sistema S inicia na década de 1940 com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)
e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Ao longo das décadas posteriores, surgiram
mais sete, a saber: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Social do Comércio (Sesc);
Serviço Social da Indústria (Sesi); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop);
Serviço Social do Transporte (Sest); Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat); e Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Gaudêncio Frigotto (Org.) 9
***
***
A Parte II do relatório reúne sete capítulos que, de forma direta ou mediata, relacio-
nam-se com o objeto desta pesquisa, destacando alguns aspectos em relação à Parte I.
Assim, o capítulo 9 é síntese de uma dissertação de mestrado que acompanha-
mos e dialogamos no percurso da pesquisa a partir da visita de campo. Trata-se de
uma análise da concepção limitada da verticalização em contraponto com a forma
mediante a qual os dirigentes e professores de dois campi do IFRS a concebem. Um
tema que internamente nesses IFs e nos demais visitados é controverso. Trata-se de
uma problemática central, uma vez que a verticalização implica tanto em uma nova
institucionalidade e identidade da rede de IFs, ou de cada IF, quanto na organização
do processo pedagógico e as prioridades dos mesmos.
O capítulo 10 resulta de uma tese de doutorado que acompanhamos ao longo
da pesquisa e que trata dos novos sujeitos, jovens e adultos que passam a fazer parte
das atividades formativas dos IFs. Trata-se não só dos trabalhadores que frequentam
o PROEJA regular, mas, especialmente, os programas PROEJA FIC, Mulheres Mil,
Rede CERTIFIC e PRONATEC. Uma diversidade de programas que reiteram, ainda
que com especificidade, as políticas de formação aligeirada e, não raro, apenas assis-
tenciais, que os sociólogos André Singer e Rui Braga denominam, respectivamente
em seus estudos, de subproletariado e precariado brasileiros. Esses novos sujeitos
constituem para os IFs, ao mesmo tempo, um enorme desafio e uma oportunidade de
romper com a perspectiva aligeirada e assistencialista desses programas e de tomá-
-los como direito social e subjetivo. Os desafios, neste tema, são de natureza diversa.
Talvez um dos mais agudos seja o de superar o preconceito em relação a esses sujeitos.
Mas, superar o preconceito implica implementar uma política institucional
diferenciada, já que dar o mesmo tratamento a grupos sociais que a sociedade os
produziu desiguais redunda em mantê-los desiguais. Embora haja grupos nos
IFs que se esforçam neste sentido, a profusão de modalidades e níveis de ensino,
a pesquisa e outras atividades de extensão já consomem o tempo dos profissionais.
12 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Permanecem assim, no geral, uma formação precária e altas taxas de evasão, tais como
demonstram os relatórios de gestão e a pesquisa do TCU. Um dos aspectos desta pes-
quisa incide sobre a dualidade estrutural da educação e a tendência da diferenciação
dentro da dualidade. A verticalização do ensino nos IFs e as diferentes modalidades
de ensino médio têm essa sinalização na sua forma estrutural. Os capítulos 11, 12 e 13
tratam desses aspectos.
No capítulo 11, explicita-se o esforço de, ao longo da pesquisa, aprofundar o sen-
tido polissêmico de integração e, como consequência, as diferentes formas que isso
pode assumir na prática. Trata-se de um conceito que envolve o embate de ordem
ontológica, epistemológica e política. De imediato, integrar não é justapor e nem a
soma de concepções. Todavia, só se pode avançar na ação prática. Daí que se sublinha
que o processo de integração implica uma atitude política, institucional ou de grupos,
que pode começar de diferentes formas. Sem possuir, portanto, um modelo fixo.
O capítulo 12 aborda a relação dos IFs do Estado do Rio de Janeiro com o ensino
médio integrado e apresenta uma análise de dados referentes ao IFRJ, com sede na
capital, e ao IFF, com sede em Campos dos Goytacazes, cidade do Norte Fluminense.
Oferece um histórico da relação candidato/vaga e dos cursos ofertados no nível médio,
destacando os cursos integrados e da educação de jovens e adultos. Tomando dados
de relatório de auditoria do TCU, evidencia as fragilidades, principalmente dos cam-
pi, em relação à infraestrutura e ao pessoal técnico. De outro lado, reportando-se a
relatórios de gestão dos IFs pesquisados, evidencia as limitações dessas fontes devido
a problemas com incompletude, incoerência e/ou inconsistência de dados. O traba-
lho de campo indica iniciativas que assinalam avanços tanto na concepção do ensino
médio integrado quanto no exercício prático. Esta possibilidade surge de forma exem-
plar, no caso do Rio de Janeiro, no campus recém-iniciado na cidade de Pádua. O que
diferencia é a opção do campus em seu corpo diretivo de assumir o ensino integrado
como filosofia da instituição.
O capítulo 13 articula uma visão geral das ofertas educativas da Rede FAETEC,
que envolve todas as regiões do Estado do Rio de Janeiro. A dissertação de mestrado
efetiva um trabalho teórico e de campo sobre como os docentes percebem a proposta
do currículo integrado. São indicações importantes para a pesquisa dos IFs, já que se
trata de uma rede estadual que, embora não tenha a mesma verticalidade, atua em
várias modalidades de ensino e extensão sobre o foco da formação profissional.
Um dos aspectos mais permanentes da política educacional brasileira é, de tem-
pos em tempos, iniciar programas ambiciosos de caráter nacional ou estadual e depois
abandoná-los ao seu destino. Normalmente, o apoio se dá na fase de construção, mas
a dificuldade é a manutenção do que define a base material da possibilidade de uma
educação de qualidade. Esta base material supõe: formação dos docentes, tempo de
sala de aula e de estudo, apoio aos discentes, pessoal técnico-administrativo, laborató-
rios, bibliotecas, espaços de lazer e cultura etc.. Exemplos não faltam do que acabamos
Gaudêncio Frigotto (Org.) 13
3 Tomamos esta expressão de Sérgio Buarque de HOLANDA, em uma passagem de Raízes do Brasil:
“A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer
o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método,
nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra “desleixo” – palavra
que o escritor Aubrey Bell considerou tão tipicamente portuguesa como ‘saudade’ e que, no seu enten-
der, implica menos falta de energia do que uma íntima convicção de que ‘não vale a pena’...”. (Rio de
Janeiro: Companhia das Letras, 1995, p.110)
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professores que atuam com este público de jovens e adultos trabalhadores. Uma
experiência que se demonstrou fecunda e que pode ser indicativa para os IFs e para
aquelas instituições, como a FAETEC, que lidam com a formação profissional e téc-
nica de trabalhadores.
Finalmente, tomando o conjunto dos capítulos deste livro, podemos perceber
lacunas e desafios, tanto no plano da dificuldade de se definir uma nova institucio-
nalidade e identidade, quanto, e por consequência, nas definições e opções políticas
no plano pedagógico. As pesquisas e as análises críticas têm o sentido de ajudar na
superação das lacunas e dos problemas.
O problema maior que vislumbramos é a mudança de rumos da formação profis-
sional e tecnológica, priorizando, a partir de 2011, com a criação do PRONATEC, uma
tendência regressiva para formação do trabalho simples. Tendência que era fortemente
seguida pelo bloco de poder que governou o país na década de 1990 sob o ideário fer-
renho das concepções e políticas neoliberais. Bloco que, se se consumar o golpe jurídi-
co-parlamentar-midiático em curso, terá apenas o papel de radicalizar essa regressão.
Cabe registrar, todavia, os pontos positivos desta macropolítica educacional
pública, cujas lacunas e desafios superam, de longe, os negativos. A interiorização é,
sem dúvida, um marco que altera o mapa da educação federal pública no Brasil. A
oportunidade de milhares de jovens terem acesso aos IFs, nas diferentes modalidades
e níveis de ensino, num país que sempre se negou à maioria, aos filhos dos trabalha-
dores, o direito à educação básica de nível médio, é em si um ganho extraordinário.
Igualmente, criaram-se milhares de empregos qualificados para professores e téc-
nicos com salários muito acima da média da maioria da classe trabalhadora no Brasil.
Uma política que pode ser qualificada pela ação concreta dos quadros que atuam nos
IFs; que, por sua qualificação e possibilidade de organização, podem alterar aquilo
que é lacunoso e resistir às pressões políticas e à descaracterização de uma educação
de qualidade. Uma tarefa que é de natureza ética e política.
Desgraçadamente, o golpe de Estado consumado em agosto de 2016 e as pri-
meiras medidas aprovadas, em particular a PEC 241, que congelou por vinte anos os
investimentos no setor público, e a contrarreforma do ensino médio, por diferentes
aspectos, colocam-se contra a expansão e manutenção da política dos IFs e a concep-
ção de ensino médio integrado. Os efeitos já estão sendo sentidos. Isso se complemen-
ta pela contrarreforma do ensino médio, tomada de forma imperativa e autoritária
por medida provisória. Uma contrarreforma que determina uma dupla interdição aos
jovens filhos da classe trabalhadora: o efetivo preparo para o exercício da cidadania e
o ingresso no ensino superior e ao trabalho completo no mercado.
Um cenário que interpela a todos os que lutam para que haja um futuro suportá-
vel a se contrapor no todo e no detalhe ao golpe. Uma tarefa que só findará quando a
soberania popular do voto retomar o Estado de direito que o golpe sequestrou e, com
ele, a frágil democracia.
parte i
ANÁLISES DIRETAMENTE
RELACIONADAS AO OBJETO
DA PESQUISA
1
No plano imediato, o tema resulta do fato de que a criação e a expansão dos IFs
constituem-se na política prioritária do governo e do Ministério da Educação na pri-
meira década do século XXI. Política esta que se insere nas tensões e questões da
confluência de duas pesquisas anteriores desenvolvidas com o apoio do CNPq.
No primeiro caso, trata-se do projeto “Educação Tecnológica e o Ensino Médio:
Concepções, Sujeitos e a Relação Quantidade/Qualidade (2004-2007)”. O que
fica evidente nesta pesquisa é que a burguesia brasileira, como analisa Florestan
FERNANDES (1974), não concluiu a revolução burguesa e optou por um processo de
modernização e de capitalismo dependente, associando-se de forma subordinada às
classes burguesas dos centros hegemônicos do capitalismo, abrindo o país à expansão
do capital.
Na pesquisa “Sociabilidade do Capitalismo Dependente no Brasil e as Políticas
Públicas de Formação, Emprego e Renda: a Juventude com Vida Provisória em
Suspenso (2008-2011)”, o foco é a apreensão da natureza da estrutura e relações de
classe da sociedade brasileira na sua particularidade e especificidade de capitalismo
dependente com desenvolvimento desigual e combinado3 e a natureza e o alcance das
políticas públicas de emprego, renda e formação técnico-profissional para jovens da
classe trabalhadora, mormente a partir da década de 1990.
O que estamos apontando e que se define na década de 1990, de forma mais estru-
tural, é o que FIORI (2000) preconiza como disputa de projetos de desenvolvimento
ao longo do século XX e, por isso, a tendência de as políticas públicas para jovens da
classe trabalhadora (ainda que não só para eles) se inscreverem dominantemente em
uma linha de alívio à pobreza e manutenção da ordem social ou governança (leia-se,
ambiente que não atrapalha a reprodução ampliada do capital). Por isso, trata-se de
políticas que ficam na amenização dos efeitos, sem alterar as determinações estrutu-
rais que os produzem.
A problemática que buscamos desvelar nesta pesquisa não apenas se origina den-
tro deste percurso, mas, no período de realização, em especial no último ano, manifes-
tou-se de forma aguda. Com efeito, a política dos IFs insere-se na disputa do projeto
societário e das concepções educativas como mediação dessa disputa. Uma problemá-
tica que ganha maior embate nas últimas cinco décadas do século XX.
No âmbito do projeto societário, para FIORI (2000), conviveram e lutaram entre
si durante todo o século XX no Brasil: o liberalismo econômico centrado na política
monetarista ortodoxa e na defesa intransigente do equilíbrio fiscal; o nacional desen-
volvimentismo ou desenvolvimentismo conservador, presente na Constituinte de 1891
e nos anos de 1930; e o projeto de desenvolvimento econômico nacional e popular.
Neste particular, o golpe civil-militar de 1964 interrompeu um processo de lutas
no âmbito da classe trabalhadora que buscava romper com o projeto histórico da classe
3 Retomaremos mais à frente este conceito central que buscamos analisar neste projeto.
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1. A herança colonizadora
6 Celso FURTADO, autor que mais produziu sobre a natureza e os desafios do desenvolvimento no
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Fernando Henrique Cardoso montou um ministério cujo foco, ao longo dos oito
anos, foi o ajuste fiscal, a reforma do Estado e a reestruturação produtiva. Tratava-
se de não só aderir claramente às políticas neoliberais, mas ainda de implantá-las
mediante a financeirização da economia, a privatização do patrimônio público e a
reforma do Estado no seu âmbito social (Estado mínimo), sua ampliação na sua face
de garantias ao capital mundial e, sob o ideário da reestruturação produtiva, o des-
monte dos direitos e das organizações dos trabalhadores.
Este novo golpe é de outra natureza, pois, não mais sob a tutela militar, mas sim
pela intensa doutrinação ideológica e de busca de hegemonia mediante o ideário da
liberdade e supremacia do mercado. Transitamos da ditadura civil-militar à ditadura
do mercado. (FRIGOTTO, 2002) Nesse contexto, era necessário assumir o lema de
Margaret Thatcher, de que não via a sociedade, mas sim os indivíduos, e se pautar por
uma concepção de educar o indivíduo isolado que luta por seu lugar a qualquer preço,
seguindo os ditames do mercado. Um cidadão produtivo que é preparado dentro da
cultura e das demandas daquilo que serve ao mercado. (FRIGOTTO e CIVATTA, 2006)
Com efeito, a partir da década de 1990, sob este ideário, os grandes formuladores
das reformas educativas são os organismos internacionais vinculados ao mercado e
ao capital. São eles que infestam o campo educativo com as noções de sociedade do
conhecimento, qualidade total, polivalência, formação flexível, pedagogia das com-
petências, empregabilidade e empreendedorismo social, redefinindo a “teoria do
capital humano”, tirando-lhe qualquer traço de perspectiva de uma sociedade inte-
gradora que a mesma mantinha. Daí as noções de empregabilidade, trabalhabilidade
ou laborabilidade, do vocabulário dos intelectuais que protagonizaram as mudanças
educacionais ao longo do Governo Cardoso. O Ministro da Educação Paulo Renato
de Souza, um intelectual vinculado e dirigente de organismos internacionais, e sua
equipe efetivaram, sob a ditadura do mercado, as reformas educativas que articulam
os interesses das classes dos centros hegemônicos do sistema capital e, de forma asso-
ciada e subordinada, da classe burguesa brasileira.
Diante da resistência às reformas, a estratégia foi a de ir fazendo, por medidas
provisórias e outros instrumentos legais, todas as mudanças necessárias no campo
educativo, coerentes com o ideário da desregulamentação. Era necessário protelar e
impedir a aprovação da proposta de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) discutida e negociada entre a Câmara dos Deputados e a sociedade civil, assim
como abortar, mais adiante, o Plano Nacional de Educação (PNE). O resultado do
plano organizativo é a ênfase da educação como serviço, regulado pelo mercado, e não
mais como direito social.
Brasil, sublinha em sua análise que o subdesenvolvimento não é uma etapa para o desenvolvimento,
mas uma forma específica do mesmo.Uma das condições centrais para superar o subdesenvolvimento
é alargar a capacidade de produção de ciência e tecnologia desde nossa realidade histórica. (1966, 1982
e 1992)
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7 Para uma apreensão ampla desta regressão da regressão em termos das concepções e políticas, ver:
FRIGOTTO (2009).
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Agora, para se afirmar como candidato e viabilizar a eleição, Lula não só deveria
entrar na vala comum de aceitar, com os demais candidatos, seguir os acordos
pactuados nos (des)ajustes da década de 1990 com o sistema do capital. O resultado
também foi a composição de um governo que configurou uma aliança de classes e não
um confronto de classes na disputa de um projeto societário e de desenvolvimento
com reformas estruturais. Mesmo nesse contexto, um dos compromissos assumidos
na proposta de governo quando candidato era o de revogar o Decreto nº 2.208/1997,
reclamo unânime das instituições e dos movimentos sociais que constituíram o Fórum
em Defesa da Escola Pública e da afirmação da educação unitária, na perspectiva da
formação humana omnilateral e/ou politécnica.8
O peso do aparelho de Estado, mas também do governo, das forças que protago-
nizaram as reformas da década de 1990 e sua extensão nos aparelhos de hegemonia
na sociedade civil, não só protelou a revogação do decreto como também conseguiu
alterar profundamente sua concepção original, a ponto de substituí-lo pelo Decreto
nº 5.154/2004. Neste, o foco básico era o ensino médio integrado, não na perspectiva
restrita e de justaposição da formação geral e técnica, mas no sentido de uma educa-
ção integral, omnilateral no horizonte da politécnica, tendo como eixo a articulação
entre ciência, trabalho e cultura.9 Vale ressaltar que essas alterações, logo após a san-
ção do Decreto nº 5.154/2004, decorreram e cada vez mais foram se evidenciando
pela ausência efetiva de disputa da concepção de projeto societário, como veremos
adiante e, portanto, de assumir as concepções do ensino médio integrado na perspec-
tiva da educação unitária e omnilateral. É emblemático o fato de que na mesma data
em que foi promulgado, o Ministério da Educação instituía a Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (SETEC), em que se alocava o ensino médio integrado.10
É nesse contexto mais amplo que o objeto desta pesquisa se evidenciou como um
tema relevante teórica, política e socialmente, sendo necessário ser amplamente ana-
lisado, contribuindo com outros trabalhos de investigação que vêm sendo realizados,
relativos a teses e dissertações, que fazem parte desta coletânea.
8 O peso deste debate foi tão intenso, que o primeiro projeto de LDB, proposto pelo Deputado Octávio
Elísio, incorporou literalmente essas concepções, confrontando, portanto, o ideário das reformas neo-
conservadoras da década de 1990.
9 Para apreender as ideias básicas da concepção de ensino médio integrado na perspectiva da educação
omnilateral, ver: FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS (2005).
10 Acácia KUENZER (1997 e 2003), no processo de discussão do Decreto nº 5.154/2004, e logo após
sua promulgação, efetivou uma análise crítica apontando incongruências e limites. Um balanço críti-
co desse percurso controvertido pode ser encontrado também em: FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS
(2005).
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Por certo, o tempo histórico da conjuntura em que se situa o objeto desta pesquisa
mantém, quatro décadas depois, uma realidade estrutural, no plano do imperialismo
e sua relação no âmbito nacional, uma situação mais perversa e regressiva. No âmbi-
to internacional, a literatura crítica expõe essa regressividade de forma enfática. Para
CHESNAIS (1996), um tempo de mundialização do capital e, para István MÉSZÁROS
(2002), um tempo de perda do caráter civilizatório do sistema capital e de fardo
histórico (2007) do sistema capital que, para continuar existindo, tem de agregar à
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sua dinâmica de destruição criativa uma produção destrutiva de direitos e das bases
da vida mediante a corrosão do meio ambiente. Um tempo de desmedida do capi-
tal (LINHART, 2007), de horror econômico (FORRESTER, 1996), de banalização da
injustiça social (DEJOURS, 2000), de corrosão do caráter (SENNETT, 1999) e do pós-
-modernismo como a cultura do capitalismo fragmentário e tardio (JAMESON, 1996).
No âmbito nacional, como indicamos no item anterior, a década de 1990 define
um ciclo de embates sobre o projeto societário brasileiro afirmando-se como socie-
dade de capitalismo dependente, destroçando o patrimônio público e hipertrofiando
a opção monetarista e financista, tornando o Brasil, como sinaliza Leda PAULANI
(2008), plataforma da financeirização. Alarga-se, pois, a abertura da expansão do
capital em nossa sociedade e com ele a concentração de capital.
Dois aspectos centrais delineiam o horizonte teórico dentro do qual emergem as
categorias centrais para a análise do objeto desta pesquisa. Por um lado, a produção
teórica que confronta a perspectiva da ideologia de modernização e do desenvolvi-
mento mediante uma compreensão de projeto de sociedade antagônico ao processo
imperialista de expansão do capital em nossa sociedade. Por outro, e como decorrên-
cia, uma compreensão de um projeto educativo não dual centrado numa concepção
de qualidade da educação antimercantil ou na perspectiva de melhorar as relações
sociais capitalistas.
Sobre o primeiro aspecto, dentro do que Miriam Limoeiro CARDOSO (1978)
define como ideologia da modernização e do desenvolvimento, com contribuições
originais, destacamos as obras de Celso FURTADO, Florestan FERNANDES e
Francisco de OLIVEIRA.
FURTADO (1966, 1982 e 1992) foi o pesquisador e autor que mais publicou sobre
a formação econômico-social brasileira e sobre a especificidade do nosso desenvolvi-
mento. Uma de suas conclusões originais e base para análises de outros pensadores
críticos, que nos dão o inventário do que nos conduziu até o presente, é de que o
subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento, mas uma forma específica
de construção de nossa sociedade. Ao longo de sua obra, situa a sociedade brasileira
dentro do seguinte dilema: a construção de uma sociedade ou de uma nação onde os
seres humanos possam produzir dignamente sua existência; ou a permanência num
projeto de sociedade que aprofunda sua dependência subordinada aos grandes inte-
resses dos centros hegemônicos do capitalismo mundial. É neste horizonte que faz a
crítica ao “modelo brasileiro” de capitalismo modernizador e dependente, uma cons-
tante do passado e do presente.
Avançando nas análises, aprofundando-as e contrariando o pensamento con-
servador dominante e de grande parte do pensamento da esquerda, Florestan
FERNANDES e Francisco de OLIVEIRA rechaçam a tese da estrutura dual da socie-
dade brasileira que atribui nossos impasses para nos desenvolvermos à existência
de um país cindido entre o tradicional, o atrasado e o subdesenvolvido e o moderno
Gaudêncio Frigotto (Org.) 29
O que sinalizamos até aqui, dentro do horizonte teórico do qual emergem as cate-
gorias centrais para a análise do objeto desta pesquisa, permite, ao mesmo tempo:
entender o diagnóstico feito por três referências do pensamento crítico, em três con-
junturas distintas, sobre a não efetiva prioridade da educação em nossa sociedade;
e delinear a hipótese ou eixo dentro do qual se orienta, como ponto de partida, a pre-
sente pesquisa.
Antonio CANDIDO (1984), referindo-se aos ideais educacionais dominantes na
década de 1930, conclui:
Fica-se com a impressão que estamos diante, mais uma vez, dos
famosos mecanismos protelatórios. Nós chegamos ao final do sécu-
lo 20 sem resolver um problema que os principais países, inclusive
nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai resolveram na virada do
século 19 para o 20: a universalização do ensino fundamental com a
consequente erradicação do analfabetismo. (...) No final do ano pas-
sado foi instituído o Fundeb, com o prazo de 14 anos, ou seja, 2020.
Agora, quando mais da metade do tempo do PNE já passou, vem um
novo plano estabelecer um novo prazo, desta vez de 15 anos. Nesse
diapasão, já podemos conjecturar sobre um novo plano que será
12 Antonio CANDIDO (1984) refere-se a reformas propostas por: Sampaio Dória (1920), em São
Paulo; Lourenço Filho (1924), no Ceará; e Fernando Azevedo (1928), no Distrito Federal; base que
se desenvolveria no Governo Provisório, após 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde
confiado a Francisco Campos, que fora o reformador da instrução pública em Minas Gerais.
13 Para uma crítica à nova LDB e ao PNE, ver: SAVIANI (1998).
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14 Trata-se de entrevista por e-mail à Folha de S.Paulo publicada de forma truncada na edição de
26/4/2007 e publicada, na íntegra, no Portal Vermelho, de 7/7/2010. Para uma crítica à nova LDB e ao
PNE, ver: SAVIANI (1998). Disponível em: <http://www.vermelho.org.br>.
15 Uma análise crítica do sentido da política econômica do Governo Luiz Inácio Lula da Silva é feita
por: PAULANI (2008).
34 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
16 Uma observação de duas ordens se faz necessária. Primeira: que não se trata aqui de uma referência
pessoal ao conselheiro, mas de sua representação de classe. Segunda: sempre se ter presente que os
milhares de trabalhadores que atuam nesse sistema vendem sua força de trabalho como qualquer outro
trabalhador.
17 Cf.: FRIGOTTO (1991 e 1993), CIAVATTA (2009) e FONTES (2002).
Gaudêncio Frigotto (Org.) 35
Referências Bibliográficas
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Introdução
Uma das questões centrais da pesquisa foi o de averiguar em que medida a passa-
gem de Centros Federais de EducaçãoTecnológica (CEFETs) para Institutos Federais
de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) poderia estar afetando a proposta do ensino
médio integrado como travessia para a formação politécnica (FRIGOTTO, CIAVATA
e RAMOS, 2005). Proposta esta que teve como horizonte a indução dos estados da
União para a busca da superação ou da minimização da dualidade estrutural da edu-
cação que separa a formação profissional e técnica da educação básica e, em conse-
quência, no plano epistemológico, a separação das dimensões gerais e específicas,
técnicas,políticas e culturais da formação humana.
Este capítulo resulta, com as atualizações do término da pesquisa, de uma aná-
lise que relaciona aspectos que estavam sendo revelados na pesquisa sobre os IFs e o
debate sobre a relação educação e desenvolvimento, tendo como foco o ensino médio,
definido pela atual Constituição como a etapa final da educação. Este debate, sobre a
falta de profissionais qualificados, se repete em momentos específicos de nossa his-
tória. O jargão usado em diferentes conjunturas, mormente quando há um ciclo de
crescimento econômico, não necessariamente de desenvolvimento, é de “uma apagão
educacional”.1
Com efeito, um dos aspectos que se repetem ao longo de nossa história é o
de a burguesia brasileira e seus intelectuais, especialmente empresários do setor
básica de qualidade efetiva, suporte da cidadania real e condição para formação nas
universidades de quadros produtores de ciência e tecnologia, sempre foi um assunto
menor. Três concepções dominaram o debate sobre os projetos societários ao longo
do século XX.
O primeiro enfoque, dominante, de caráter liberal conservador ou nacional refor-
mista, define-se pela concepção de uma sociedade dual. Haveria, de acordo com este
pensamento, setores minoritários da sociedade brasileira que são modernos (alta esco-
laridade, emprego formal ou empreendedores, elevado padrão de consumo, etc., inte-
grados ao mundo desenvolvido e setores majoritários atrasados (baixo nível de escola-
ridade, trabalho informal, baixo nível de consumo, valores conservadores, etc.). Estes
últimos seriam os responsáveis pelos entraves de o Brasil se tornar um país desenvolvido.
O economista Edmar Bacha, em 1974, explicitou, de forma emblemática, esta concep-
ção mediante a metáfora da Belíndia. O Brasil seria uma mescla da Bélgica (pequeno,
moderno, rico e escolarizado) e da Índia (enorme, pobre e atrasado).
O segundo enfoque foi protagonizado pela teoria da dependência. O foco aqui
é de mostrar que países como o Brasil, que sofreram longos processos de coloniza-
ção, não conseguiram instaurar projetos sociais autônomos e constituíram um capi-
talismo periférico e dependente dos países desenvolvidos, centros hegemônicos do
capitalismo. Os entraves ao desenvolvimento se dariam, sobretudo, por uma relação
assimétrica entre a periferia e o centro. Estudos de alguns intelectuais, entre os quais,
Rui Mauro MARINI (1992 e 2000) e Theotonio DOS SANTOS (2000), ajudaram a
criticar a visão dualista e enfatizar as relações de dominação dos centros hegemônicos
do capitalismo. Todavia, mesmo estas análises não destacam uma dimensão crucial
que explicita a natureza mais perversa de como a burguesia brasileira se vincula, de
forma subordinada, às burguesias dos países e centros hegemônicos do capitalismo
mundial e de como “vendem a nação”.
É justamente o terceiro enfoque que introduz uma analise dialética da
especificidade de nossa formação social, evidenciando as dimensões de alianças e con-
flitos de classe, internas e externas. Com efeito, o pensamento social crítico brasileiro
nos fornece os elementos para compreender que, ao contrário da ideologia da globa-
lização e da sociedade do conhecimento e do determinismo tecnológico, que passam
a idéia de que vivemos no melhor dos mundos, aprofunda-se a desigualdade entre
regiões e internamente nas nações. O sistema do capital domina todas as partes do
mundo, mas não da mesma forma. Ele apresenta, em distintas sociedades, processos
históricos específicos que engendram particularidades, tanto na estrutura e relações
de classe, quanto nos efeitos da exploração da classe trabalhadora.
As análises, sobretudo de Florestan FERNANDES, Francisco de OLIVEIRA e Caio
PRADO JÚNIOR, são fundamentais para compreender a especificidade que assume a
sociedade brasileira como sociedade de capitalismo dependente e de desenvolvimento
desigual e combinado.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 45
Isto nos permite depreender e sustentar que a classe burguesa brasileira, de cul-
tura e mentalidade escravocrata e colonizadora, e historicamente associada e subor-
dinada à burguesia dos centros hegemônicos do capitalismo, impediu, mediante dita-
duras e golpes, reformas e programas impostos pelo alto, a construção de um projeto
nacional de desenvolvimento, mediante reformas estruturais que permitissem reduzir
a desigualdade social e, num horizonte mais profundo, a busca da superação desta
desigualdade mediante a ruptura das relações sociais capitalistas. Como a educação
não está desligada das relações dominantes da sociedade, ela não poderia ser diversa
do que é em sua dualidade estrutural e em sua precariedade.
Ou seja, a burguesia brasileira nunca colocou de fato o projeto de uma escolarida-
de básica e formação técnico-profissional, como direito social e subjetivo, para a maio-
ria dos trabalhadores e para prepará-los para o trabalho complexo, que a tornasse,
enquanto classe detentora do capital, com condições de concorrer com o capitalismo
central.
A não prioridade real da educação básica se reflete pelo pífio fundo público garan-
tido para seu financiamento e pelos mecanismos paliativos, emergenciais ou prote-
latórios para construir um sistema nacional de educação. Mesmo a Constituição de
1988, cunhada de cidadã por garantir, nos termos da lei, direitos sociais e subjetivos
até então protelados, não alterou fundamentalmente a situação da educação. Como
conclui Florestan FERNANDES (1990), um dos mais importantes deputados consti-
tuintes de 1988, a educação nunca foi algo de fundamental no Brasil, e muitos espe-
ravam que isso mudasse com a convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Mas
a Constituição promulgada, confirmando que a educação é tida como assunto menor,
não alterou a situação.
e literatura na Semana da Arte Moderna de 1922, por um lado, e, por outro, a amplia-
ção da fração industrial da burguesia brasileira colocaram na agenda também a exi-
gência da expansão do ensino público. Os teóricos desta expansão, denominados pio-
neiros, encampavam as ideias liberais conservadoras (Lourenço Filho), liberais sociais
(Anísio Teixeira) e um pensamento que incluía ideias socialistas (Pascoal Leme).
Os embates das frações da burguesia brasileira pelo poder colimaram com a vitó-
ria de Getúlio Vargas. O projeto de Vargas recompõe as frações da classe burguesa,
rearticulando os interesses em disputa em que antigas e novas formas de dominação
se potenciam em nome do poder de classe. Trata-se, para FERNANDES (1981), de um
processo que reitera, ao longo de nossa história, a “modernização do arcaico” e não a
ruptura de estruturas de profunda desigualdade econômica, social, cultural e educacio-
nal. No campo educacional, como sublinha Antonio CANDIDO (1984), por não terem
sido uma efetiva revolução, as reformas não resolveram o problema da educação.
Assim, ao longo da ditadura Vargas, ao mesmo tempo em que o ensino público
se expande e acolhe setores populares, mormente no então ensino primário, a esco-
la pública é esvaziada das condições de seu funcionamento. No âmbito da educação
profissional, o Governo Vargas negocia com as lideranças dos industriais – Roberto
Simonsen, Euvaldo Lodi, entre outros –, e cria, em 1944, o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai) com o objetivo de formar os trabalhadores diretos,
técnicos e supervisores dentro da ideologia do conhecimento técnico e atitudes e valo-
res para o “que serve à indústria”. Numa síntese da dissertação de mestrado, caracte-
rizo a pedagogia do Senai como a que, pelas mãos, faz a cabeça do trabalhador, para
demarcar o caráter unidimensional e de classe daquela formação. (FRIGOTTO, 1983)
Após a ditadura, do fim da década de 1940 até o golpe civil-militar de 1964,
novamente a sociedade brasileira retomou seu projeto de nação e na pauta estavam
as reformas estruturais e a universalização do que denominamos hoje de educação
básica. Um período de intensos debates ideológicos e lutas pela reforma agrária,
distribuição de renda, reforma educacional, ruptura com a subserviência externa e a
afirmação de um projeto nacional popular de desenvolvimento. O livro A Pedagogia
do Oprimido, de Paulo FREIRE, sinaliza, mormente no âmbito da educação popular,
a direção dos embates no campo educacional. No âmbito da educação básica e uni-
versitária, o centro do debate era sua articulação com a necessidade de ruptura da
dependência externa e a criação de condições da produção de ciência e tecnologia que
sustentassem as bases de uma efetiva relação autônoma e soberana com o mundo.
A resposta truculenta da burguesia brasileira, com a anuência das Forças
Armadas, foi a imposição pela violência física e política de um golpe civil-militar e a
implantação de uma ditadura que durou duas décadas. Impôs-se um projeto econômi-
co concentrador e espoliador da classe trabalhadora. Ampliou-se, durante vinte anos,
o fosso entre ricos e pobres, evidenciou-se, a olho nu, o desenvolvimento do Brasil
“gigante com pés de barro” como o caracterizou Florestan FERNANDES (1981).
48 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
esta formação. Os cursos que o Senai oferece na área técnica se baseiam no negócio
– portanto, cobram valores do mercado.
O fato de a burguesia brasileira e/ou a “elite” não perceber que o que ela deno-
mina de “apagão educacional” não é conflitante e nem paradoxal com o tipo de rela-
ções sociais que ela mesma produz, e advém, portanto, de uma contradição de suas
práticas, revela a posição de uma classe atrasada, violenta e subordinada aos centros
hegemônicos do sistema capital. A falta de jovens qualificados e, ao mesmo tempo, de
jovens que buscam desesperadamente emprego e qualificação, e o assustador número
de jovens, os mais bem qualificados que saem do país em busca de trabalho, resultam
das contradições de uma sociedade que, como vimos, tem a miséria, o mercado infor-
mal, o analfabetismo ou a escolaridade precária como sua forma de ser.
O grito de “apagão educacional” reitera, e de forma cada vez mais cínica, uma cul-
tura de violência societária que culpa a vítima por sua desgraça. O analfabeto, o sem
terra, o subempregado, o não qualificado, o não empreendedor ou o não “empregável”
assim o são porque não souberam, não quiseram ou não se esforçaram em adquirir o
“capital humano” ou as “competências” que os livrariam do infortúnio e seriam a mão
de obra qualificada que iluminaria o crescimento acelerado.
O estigma colonizador e escravocrata da burguesia brasileira constitui, como se
referiu Francisco de OLIVEIRA (2003), em vanguarda do atraso e atraso da vanguarda.
Por isso que é uma burguesia que entende, como revela com fina ironia a crônica de
Luiz Fernando VERISSIMO (2007), que quem atrapalha o Brasil é o povo.
Na verdade, mais de um século e meio depois, caberia à burguesia brasileira a
jocosa referência ao atraso da sociedade e dos capitalistas alemães em relação à socie-
dade e aos capitalistas ingleses feita por MARX: fabula de te narratur. Vale dizer, se
a burguesia brasileira quiser ser coetânea ao capitalismo dos países desenvolvidos,
necessita entender que isso implica, mesmo sob relações de classe, uma garantia efe-
tiva do conjunto de direitos sociais e subjetivos (educação, saúde, moradia, acesso à
cultura, ao transporte etc.) que permitam à classe trabalhadora não ser reduzida a “boi
que fala” ou a macaco domesticável.
e seus filhos são cidadãos de segunda e por isso lhes são suficientes rudimentos de
escolaridade e em escolas destroçadas. Passou-se da ideia do escravo, “boi que fala”,
para a tese de Taylor de que o trabalhador é um macaco que pensa e é passível de
ser adestrado.
No mesmo momento que desenvolvo esta análise, a UNESCO apresentou dados
sobre a educação na América Latina os quais afirmam que dos 16 países latino-ame-
ricanos, só Cuba tem educação básica universal e de qualidade. Isso porque assu-
miu a educação como um problema central da sociedade e da Revolução. Por certo,
as burguesias latino-americanas, detentoras históricas do poder do Estado – Executivo,
Judiciário e Parlamento – e dos aparelhos de hegemonia, deveriam se perguntar por
que não assumem, mesmo dentro de uma perspectiva de competição intercapitalista,
a educação básica como uma questão nacional? Assumi-la significaria, de imediato,
estarem dispostas a multiplicar por 2,5 a 3 vezes o montante do Produto Interno Bruto
(PIB) na educação.
Os dados recentes revelados pelo 12º Relatório Anual sobre a Riqueza Mundial,
realizado pela Merrill Lynch e Capgemini, revelam que o Brasil é um dos países onde
houve mais crescimento de milionários. Em 2007, 23 mil novos brasileiros entraram
para o clube dos milionários. Agora, são 143 mil pessoas com fortuna acima de US$
1 milhão – 19,16% a mais que no ano anterior. Confirma-se a tese de Francisco de
OLIVEIRA (2003) do ornitorrinco – uma sociedade que produz a desigualdade e se
alimenta dela.
Não é, pois, desta burguesia que se podem esperar mudanças de interesse da clas-
se trabalhadora. Essa tarefa é para os movimentos sociais, as organizações sindicais,
forças políticas e organizações científicas e culturais que entendem, como assinala
Francisco de OLIVEIRA, a necessidade da busca do consenso perdido: de que somos
uma nação e não um conglomerado de consumidores. “(...) A disputa pelos sentidos
da sociedade está de novo em ponto de ebulição (...)”. Cabe-nos enfrentar esse desafio,
porque ninguém fará em nosso lugar. (2005, p.71)
Justamente nos primeiros meses de 2015, a sociedade brasileira está em ponto
de ebulição. Trata-se, agora, de um golpe que envolve a grande mídia empresarial,
presente nos acontecimentos que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas, ao golpe
civil-militar de 1964 que desembocou numa ditadura de mais de duas décadas e agora
no golpe jurídico, policial, parlamentar.
O cinismo e a orquestração midiática, incitando o ódio aos pobres, negros e às
políticas de migalhas de distribuição de renda e de assistência sociais, e estimulando
o golpe contra o frágil quadro democrático institucional, reavivaram aquilo que tinha
sido relegado ao longo da última década, de ampliar a politização das bases sociais que
elegeram o projeto, mesmo minimamente cumprido, que as forças de direita querem
interromper. O argumento que mais se tem ouvido dos parlamentares que apoiam o
golpe é de que as ruas assim o pedem.
56 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
O que a história está lembrando é que as ruas têm dois lados. E tamanha tem
sido a desfaçatez das forças golpistas, que conseguiram fazer ressurgir a luta política
e explicitar diferentes facetas da luta de classes nas bases sociais que sempre lutaram
pela democracia e por reformas estruturais.
Assim, o grito das praças – Não vai ter golpe, vai ter luta! – tem um duplo
recado. Aos golpistas, de que não haverá golpe contra a democracia e se houver, terá
resistência organizada. Ao bloco de poder do Governo Dilma, vencido o golpe, o
recado é de que não se pode mais continuar governando associado ao que Florestan
FERNANDES (2005) definiu. O que a história está lembrando é que as ruas têm dois
lados.
E tamanha tem sido a desfaçatez das forças golpistas que conseguiram fazer res-
surgir a luta política e explicitar diferentes facetas da luta de classe nas bases sociais
que sempre lutaram pela democracia e por reformas estruturais.
Trata-se de uma mudança que implica uma ruptura com todas as formas de colo-
nização e subalternidade na relação com os organismos internacionais e com os países
centrais. Isto não significa isolamento internacional, mas, ao contrário, uma relação
autônoma e soberana. Sem uma mudança profunda com o pagamento da dívida exter-
na e, sobretudo, com a lógica dos juros da dívida externa e interna, e superávit primário
para garantir capital especulativo, o Brasil não sairá do ciclo vicioso da dependência e
a busca de maior igualdade social e de desenvolvimento sustentado continuará sendo
uma ilusão. Por este aspecto, a questão central não é de apenas ver as imposições
externas, que são profundamente predatórias e injustas, mas, sobretudo, de combater
a postura de subalternidade, consentida e associada, das elites econômicas e políticas
da sociedade brasileira.
Que mudanças estruturais são estas? No caso brasileiro, destacam-se como
necessidade inadiável: a reforma agrária, com o intuito de acabar com a altíssima con-
centração da propriedade da terra e permitir acesso ao trabalho a milhares de traba-
lhadores. Todavia, isso não se reduz a simplesmente ter acesso à terra. Implica, tam-
bém, uma política que assegure infraestrutura, assistência e apoio técnico e de crédito
compatível com a realidade dos pequenos agricultores. As sociedades do capitalismo
central, em especial da Europa, fizeram a reforma agrária há mais de um século. Nós
somos considerados um continente, pelo tamanho do país, e temos aproximadamente
vinte milhões de acampados que constituem o Movimento dos Sem Terra (MST).
Outra mudança estrutural é uma reforma tributária para inverter a lógica regres-
siva dos impostos e com o objetivo de corrigir, assim, a enorme e injustificável desi-
gualdade de renda. Nesta reforma, incluem-se a auditoria da dívida e a tributação
sobre as grandes fortunas e os lucros financeiros. Junto com estas reformas, relacio-
nadas à vida econômica, há, também, a reforma política e a do Judiciário. A política,
por estar condicionada ao financiamento privado e à criação midiática de candidatos.
A jurídica, por sua marca de classe e no presente com claros vínculos partidários.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 57
Seria por acaso que se mantém a estrutura agrária que temos e que toda a ocupação
de terras, grande parte delas comprovadamente pública, é considerada invasão e, por-
tanto, criminalizada? O que explicaria as cadeias brasileiras serem povoadas de jovens
pobres e, em sua maioria, descendentes de negros?
Essas condições, aliadas ao fortalecimento de uma democracia ativa e a uma nova
concepção de desenvolvimento socialmente justo, econômica e ambientalmente viá-
vel, solidário e participativo, podem fornecer as condições políticas e culturais para
romper com o ciclo vicioso de pobreza social. Isto permitirá alterar o baixo investi-
mento em educação, saúde, ciência e tecnologia, condições indispensáveis para supe-
rar a condenação ao exercício das atividades ligadas ao trabalho simples, de baixo
valor agregado, na divisão internacional do trabalho.
No plano conjuntural, de curto prazo, há problemas cruciais a serem resolvidos
cuja dramaticidade implica políticas distributivas imediatas. Estas se situam no hori-
zonte da inserção social precária. Podemos mencionar, entre outras, as políticas de
renda mínima e bolsa família, primeiro emprego, PROEJA etc.. Só para a juventude,
podem-se elencar mais de 50 programas ou ações. Essas políticas necessitam de um
amplo controle social público para não se transformarem em clientelismo e paterna-
lismo (traços fortes de nossa cultura política) e não podem ser permanentes. Por isso,
o esforço é no sentido de instaurar políticas emancipatórias que garantam emprego
ou trabalho e renda. Estas políticas demandam “quebrar ovos sem o quê a omelete
não sai”. Quebra da estrutura do latifúndio, da concentração de renda, do sentido de
justiça do poder judiciário, do lucro indecente dos bancos etc..
Neste contexto, o tema que nos ocupamos, do ensino médio e educação técnico-
-profissional, o consenso a ser construído é a luta prioritária pelo ensino médio uni-
versal, na perspectiva da escola unitária, omnilateral, tecnológica ou politécnica como
direito social e subjetivo. Um ensino que não separa e sim integra, numa totalidade
concreta, as dimensões humanísticas, técnicas, culturais e políticas e que também não
estabelece dicotomia entre os conhecimentos gerais e específicos. É isto, na realidade,
que as forças sociais interessadas num projeto social nacional popular defenderam
na Constituinte e na LDB. Por isso, o ensino médio constitui-se na última etapa da
educação básica
A questão que de imediato se coloca é por que, então, não foi possível sim-
plesmente revogar o Decreto nº 2.208/1996 e lutar por esta perspectiva, em vez de
promulgar o Decreto nº 5.154/2004? Para não cair em análises do dever ser, a resposta
a esta questão se encontra naquilo que indicamos: de um lado, um governo sem pro-
jeto alternativo e com forças fragmentadas, e com direções internas as mais diversas;
e, de outro, o imobilismo das forças e dos movimentos sociais que poderiam exigir a
revogação do Decreto nº 2.208/1996 e uma revisão da LDB, cujo escopo se situa no
bojo das reformas neoliberais do Governo Fernando Henrique Cardoso. As organiza-
ções políticas e sindicais e os intelectuais vinculados à burguesia brasileira têm clareza
58 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
de seu projeto e unidade de classe na luta por ele. Por isso que, mesmo derrotados no
Decreto nº 2.208/1996, lutaram por dentro e conseguiram que o Decreto 5.154/2004
assumisse a “flexibilidade” que lhes convém.
Porque, como nos ensina Florestan FERNANDES (1980), o intelectual não cria
o mundo no qual vive, mas já faz muito quando consegue ajudar a compreendê-lo e
explicá-lo. Como ponto de partida para sua alteração real, fica o desafio a enfrentar
de imediato uma realidade de milhões de jovens e adultos que não fizeram o ensino
médio ou outros milhares que têm, pela sua condição social, pressa de começar a
trabalhar.
É neste contexto que o ensino médio integrado, em sua imperfeição política e
conceptual, pode constituir-se numa modalidade e espaço de travessia para aqueles
jovens da classe trabalhadora que têm pressa, por necessidade vital, de se integrar dig-
namente no processo produtivo. Para que seja uma travessia e não algo permanente,
implica entendê-lo como uma modalidade transitória e manter como defesa funda-
mental a universalização do ensino médio na concepção já assinalada e ter um triplo
sentido contrário ao que tem sido pensado para o ensino médio para os trabalhadores:
a materialidade de um tempo mais longo (quatro anos) e não a famosa tese da acele-
ração ou suplência; apoiar-se numa concepção filosófica e epistemológica que permita
uma formação integrada e integral ao longo dos quatro anos; e, como consequência,
não ter a natureza profissionalizante stricto sensu e sim uma vinculação mais ime-
diata com a compreensão do sistema produtivo em suas múltiplas formas e as bases
científicas, técnicas, sociais, políticas e culturais que permitam entender e operar no
seu interior não como trabalhador adestrado, mas como sujeito humano emancipado.
Trata-se, pois, de uma modalidade de travessia que nada tem que ver com a
memória da LDB nº 5.692/1971, a qual impunha a profissionalização stricto sensu e
numa perspectiva adestradora dentro da ideologia do capital humano. Este não é um
aspecto menor, ao contrário, é central, pois os aparelhos de hegemonia têm inculcado
a ideia à grande parte dos trabalhadores e a seus filhos de que conhecimentos gerais
e básicos e disciplinas como história, sociologia, literatura e atividades culturais são
perda de tempo.
Conclusão
Por fim, a educação profissional stricto sensu também tem que ser encarada como
um direito social e subjetivo e condição de acompanhar as mudanças que se operam
nos processos produtivos. O divisor de águas, uma vez mais, se situa entre a concep-
ção de formar para o que serve ao mercado ou uma formação profissional integrada
à educação básica. Não foi por acaso que o Sistema S defendeu de forma orgânica
na Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, em 2006, a tese de
educação profissional articulada à educação básica. Mesmo perdendo na plenária da
Gaudêncio Frigotto (Org.) 59
conclusão do nível médio. Para que isso seja viável, há a necessidade de se estipular,
como assinalamos, uma renda básica para estas crianças e jovens, sem o que elas não
podem abandonar a luta pela sobrevivência. Para jovens de 18 a 24 anos, é fundamental
que se garanta a possibilidade de continuidade de escolaridade até a conclusão do
ensino médio. Para os que estão empregados, a exemplo de outros países, que se criem
condições de tempo, legalmente garantido, para o estudo e um apoio, em termos de
bolsa de estudo, sem o que também não há condições de retorno à escola.
Trata-se, em suma, de construir uma expectativa de educação básica de nível
médio e de formação profissional que avance no sentido da construção de um projeto
societário efetivamente democrático, em que os trabalhadores, de forma autônoma,
produzam seus meios de vida no mais elevado nível possível e dilatem o tempo de
trabalho livre. Trata-se de não perder de vista o pensamento e a luta utópica.
Utopia, que não significa não estar em nenhum lugar, mas estar em outro lugar.
Lugar este de igualdade de condições de produção da vida em todas as suas dimen-
sões, a começar pelas necessidades imperativas de reprodução da vida material. Sem a
satisfação destas, as demais necessidades, sociais, culturais, estéticas, afetivas e éticas,
ficam comprometidas. A tarefa do educador, neste sentido, não se restringe ao espe-
cializado num campo de conhecimento. Esta é uma dimensão necessária e crucial, mas
insuficiente, para a construção de novas relações sociais, entre elas, novas relações e
práticas educativas. Do educador exige-se um posicionamento ético-político, tanto na
crítica às relações sociais vigentes, de desigualdade e exclusão, quanto para o enga-
jamento ético-político na construção de novas relações sociais e práticas educativas.
Referências Bibliográficas
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n.4. São Paulo: abr. 1984, p.27-35.
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HOBSBAWM, Eric. Renascendo das cinzas. In: BLECKBURN, Robin. (Org.) Depois
da queda. O fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. São Paulo: Paz e Terra,
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MARINI, Rui Mauro. América Latina: dependência e integração. São Paulo: Brasil
Urgente, 1992.
62 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
NEVES, Lúcia Maria Wanderley. (Org.) Educação e política no limiar do século XXI.
Campinas: Autores Associados, 2000.
Introdução
* Pedagogo no Colégio Pedro II. Licenciado e Bacharel em Pedagogia pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ).
** Professor Adjunto da Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades da Universidade
do Grande Rio (UNIGRANRIO). Pós-doutor pelo Programa de Políticas Públicas e Formação Humana
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/UERJ) e Doutor em Ciências Sociais pelo Progra-
ma de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universida-
de Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ).
1 Na época, Educação e Cultura constituíam uma única comissão na estrutura da Câmara dos Deputa-
dos, hoje estão separadas nas Comissões de Educação (CE) e Cultura (CCULT).
64 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
2 A cronologia do trâmite acompanha o que está disposto no site da Câmara dos Deputados. Disponível
em: <http://www.camara.gov.br/>. Acesso em: 3/5/2018.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 65
3 Cf.: NOGUEIRA, Marco Aurélio. As duas faces da crise (2008). Disponível em: <http://www.acessa.
com/gramsci/>. Acesso em: 3/5/2018.
4 Disponível em: <http://www.camara.leg.br/>. Acesso em: 3/5/2018.
66 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
personagens que não só os parlamentares jogando nova luz para uma série de ques-
tões ainda nubladas acerca dos IFs.
Participaram da audiência como convidados: Getúlio Marques Ferreira, Diretor
de Desenvolvimento da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica da
Secretaria de Educação Tecnológica (SETEC/MEC) e, na época, Secretário Substituto
da mesma secretaria, representando o Ministério da Educação (MEC); Paulo César
Pereira, Presidente do Conselho de Dirigentes dos Centros Federais de Educação
Tecnológica (CONCEFET); Sérgio Gaudêncio Portela, Diretor-geral do Centro Federal
de Educação Tecnológica de Pernambuco (CEFET/PE); e Eliza Magna de Souza
Barbosa, sindicalista e Professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de
Alagoas (CEFET/AL), representando o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da
Educação Básica, Profissional e Tecnológica (SINASEFE).
O momento da audiência pública na Câmara dos Deputados será o debate mais
amplo e verdadeiramente existente ao longo de todo o trâmite, para não dizer o único.5
Mais amplo não quer dizer que tenha sido profundo, profícuo ou proveitoso para o
andamento do projeto. Contudo, valem ressaltar diversas colocações reveladoras de
uma série de problemas, algumas confusões e contradições também.
Para não estender demasiadamente o presente capítulo, vamos selecionar as
falas mais emblemáticas, e que suscitam temas importantes ainda hoje para as pes-
quisas que abrangem os IFs. Nesse sentido, as falas do Presidente da CONCEFET,
Paulo César Pereira, e do Diretor-Geral do CEFET/PE, Sérgio Gaudêncio Portela, não
ganharão tanto destaque, bem como a intervenção de alguns parlamentares.
Em sua exposição, Sérgio Gaudêncio Portela, levanta alguns pontos sobre a nova
institucionalidade, sobre a questão da identidade também. Questões importantes,
mas que na exposição do gestor não são elucidadas com argumentação mais substan-
cial, quando, por exemplo, a nosso ver, se equivoca ao tentar mostrar que o que estava
se propondo não era um processo de transformação de instituições, mas sim a criação
de novas instituições. Ora, os IFs seriam novas instituições, mas a partir da integração
e transformação das antigas instituições, afinal não se estava começando do zero, até
mesmo porque em todo o tempo era lembrado o fato de diversas escolas serem quase
centenárias. Vale ressaltar sua colocação de que os próprios CEFETs não possuíam
uma personalidade criada, estando sempre “expostas nas disposições transitórias de
todos os projetos de lei que foram criados”, com casos, como o de Pernambuco, em
que o CEFET “foi criado por uma portaria sem número”.
Já o presidente da CONCEFET fez intervenções que não resvalavam no projeto,
ao contrário, colocando-se preocupado para que o projeto não sofresse maiores fric-
ções, inclusive que seria internamente, após a criação dos IFs, que ocorreriam debates
5 Houve alguma discussão em uma reunião da CEC, em 5/11/2008, mas praticamente só por conta
da tentativa do Deputado Ivan Valente (PSOL/SP) de inserir no projeto a possibilidade de os técnico-
administrativos, dentro de uma série de critérios, poderem se candidatar para reitor.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 67
Dando sequência, entra no que chama de “aspecto geral”. Expõe, então, as mudan-
ças, principalmente, do ponto de vista normativo que possibilitaram a proposta hora
em debate. Cabe destacar que, na visão do gestor da SETEC, foram duas as mudanças
primordiais. A fala de Getúlio Marques é importante pois sinaliza como foi pensado o
projeto para a educação profissional, logo no início do Governo Lula:
Continuando, traz à baila o que, ao ser pensado o desenho dos IFs, apresentou-se
como primeiro entrave – a ausência de identidade. Getúlio Marques chama atenção
para o formato verticalizado da peculiar instituição que se desenhava, principalmente
pela obrigatoriedade que teria de oferecer licenciaturas. Ressaltando o fato de que a
reinstitucionalização era acompanhada por uma expansão que levaria essas institui-
ções e o poder federal para o interior do país, chamando a atenção para a intenção em
tornar essas escolas vetores que impulsionariam a educação básica. Getúlio Marques
expõe que, quando saiu o Decreto nº 6.095, em 24/4/2007, este já trazia essa estrutu-
ra, foram recebidas muitas críticas por parte dos dirigentes dos conselhos das escolas,
das confederações e sindicatos e, dada a complexidade e dimensões do projeto, pas-
sou-se a trabalhar com consensos mínimos. E argumenta:
Em seguida, a sindicalista levanta uma das questões, a nosso ver, mais curiosas
até então, não havendo aparecido em nenhuma das exposições, a ausência no pro-
jeto do Colégio Pedro II (CPII), do Instituto Benjamin Constant (IBC) e do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES). Por fim, ressalta a relação dos que trabalham
nas instituições federais de educação profissional e tecnológica com a rede:
Ato sucessivo, com a palavra, a presidente Alice Portugal abre a sessão de argui
ções dirigidas aos expositores. A deputada levanta questões importantes quanto a
heterogeneidade dos IFs; como foram determinados os desenhos dos futuros campi;
como ficaria o projeto de expansão concebido anteriormente; como aconteceria (ou
não) absorção dos quadros administrativos pelas novas instituições. Este último pon-
to traz à baila, como no caso do CPII, outras instituições que não estavam no PL nº
3.775/2008, as escolas médias de agropecuária regional da Comissão Executiva de
Planejamento da Lavoura Cacaueira (CEPLAC) – Escola Média de Agropecuária da
Região Cacaueira (EMARC), curiosamente dadas como se estivessem entre as insti-
tuições que comporiam os IFs.
Um dos primeiros parlamentares a falar, o Deputado Gastão Vieira (PMDB/
MA), pondera como foi inadequada a colocação do Diretor Paulo César pedindo para
que não se “deformasse” o projeto, como que pedindo para que não fosse discutido.
Segundo, chama a atenção para a crise econômica que emergida há pouco tempo – a
pouca ou quase nenhuma atenção dispensada para este tema é algo que espanta –,
sendo Gastão Vieira o primeiro a ressaltar essa questão. Terceiro, chama a atenção
também para a confusão que é o projeto, principalmente no diz respeito à forma:
Não conseguir sair de “brigas paroquiais” e, por conta disso, privar-se de debater
projeto de reconhecida importância por todos retratam uma preocupante postura do
Legislativo, que contribui para o déficit democrático constitutivo da política de expan-
são da Rede Federal e de construção dos IFs, expressando mais uma faceta da “servi-
dão voluntária”6 deste poder ao Executivo, abdicando de se fazer política, adotando
perfil estritamente burocrático.
A palavra volta para os expositores, começando com o representante da SETEC,
Getúlio Marques Ferreira. Este, de pronto, dirige-se às inquietações do Deputado
Gastão Vieira: “Temos um projeto bem determinado, que avança naquilo que acredi-
tamos”. No caso, o representante da SETEC refere-se ao MEC e ao governo, ou seja,
naquilo que eles acreditam, ainda sem passar pelo debate. Em compensação, afirma
que as alterações propostas pelas entidades representativas das instituições federais
(CONEAF, CONDETUF, CONCEFET) foram bem recebidas.
Getúlio Marques, respondendo a outra inquietação do Deputado Gastão Vieira,
explicita como e por que se chegou ao desenho dos IFs, ficando claro que a referência
eram os CEFETs, no sentido de aproximar todas as instituições para esse formato,
principalmente no que diz respeito à verticalização que já era praticada nessas insti-
tuições:
6 O tema da servidão voluntária pode ser entendido por meio do ensaio de: CHAUI (2013).
Gaudêncio Frigotto (Org.) 71
O último ponto que destacamos da fala de Getúlio Marques deixa claro o peso que
o lobby feito por algumas instituições teve no desenho final proposto pelo governo.
O exemplo utilizado, de Minas Gerais, foi o mais discrepante resultando em cinco
institutos nesse estado – talvez a ausência do CEFET/MG como ponto de referência
tenha contribuído também.8
Algumas perguntas são reforçadas pelos parlamentares, fazendo com que o ges-
tor traga mais elementos – quanto à carreira dos profissionais da futura Rede Federal,
quanto às instituições que não estavam no projeto e ainda quanto ao desenho dos IFs
– esclarecendo ainda mais as razões da proposta do governo.
Sobre a questão dos servidores é o que tento abordar. O que fez com
que o desenho ficasse parecido com a universidade? Temos
duas coisas trabalhando em conjunto. Ao mesmo tempo, trabalhá-
vamos nos institutos e numa questão que sempre foi defendida pelo
SINASEFE. Éramos considerados professores federais de segunda
categoria, porque, na hora da discussão, o salário dos professores
universitários era um e o nosso era outro. E conseguimos quando
chegamos ao Ministério do Planejamento para discutir o desenho da
última tabela, na qual estamos tentando fazer um GT/carreira para
achar o caminho dessas duas categorias. Havia a proposta inicial
de que, quando se fizessem as novas tabelas, o nosso salário ficasse
menor do que o dos professores universitários. Avançamos um pou-
co na discussão com o Ministério do Planejamento. Aí, eu ficava com
dificuldades, porque, sendo governo, também sou da rede. Poder-
se-ia parecer que estou fazendo uma defesa corporativa e entender
que a rede estava passando por esse desenho. Um desenho que não
ia ficar diferente de universidade. “Isso é igual à universidade, isso
não é”. É uma discussão que vai continuar, não fecha aqui.
(Notas Taquigráficas de Audiência Pública) [grifos nossos]
8 O CEFET/RJ também não aderiu, porém, os casos dos IFs possuem tantas singularidades que esta
ausência, a nosso ver, tem relação causal diferente para o Rio de Janeiro ter ficado com dois IFs, mais
provável é que seriam três institutos, dadas as particularidades históricas de cada instituição. Por
exemplo, a Escola de Aprendizes e Artífices do Estado, uma das que teriam dado origem à Rede Federal,
foi instalada em Campos dos Goytacazes, onde hoje está instalada a Reitoria do IFF.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 73
Saiu-se da audiência com o perigo eminente de, quando o que estava sendo deci-
dido fosse levado para a realidade, se ter a mesma estranheza com que o personagem
Gregor Samsa9 se viu, ao se deparar com seu corpo todo metamorfoseado, com várias
pernas, com novas articulações, visão, audição e até mesmo linguajar diferentes. Já
não era compreendido pelos seus próximos, ao contrário, os assustava, que também se
viram sem saber o que fazer diante da situação. Outrossim, com a quantidade de incóg-
nitas que se deixou para serem fechadas já em meio a implementação da nova insti-
tucionalidade, o mais provável era que seguisse sendo uma metamorfose ambulante.
substitutiva, elaborada com a relatora Andreia Zito, Canziani afirma que muitos dos
desejos e preocupações de Paulo Renato já estavam efetivamente contemplados no
projeto e na emenda ora apresentados. O relator encerra enaltecendo o trabalho
desenvolvido.
Em seguida, a palavra é passada ao Deputado Paulo Renato (PSDB/SP) para
encaminhamento contrário à matéria. Ele levantou diversos pontos ainda não discu-
tidos ou que apareceram de forma superficial, tal como o próprio tratamento com a
matéria. Encontramos nas edições do Diário da Câmara dos Deputados sua fala, da
qual vamos expor alguns trechos, já que chama a atenção para pontos importantes,
sendo o único encaminhamento contrário ao projeto original:
11 Destacamos que Cláudio Moura Castro era um dos convidados da audiência pública, que teve pe-
dido retirado, requerido por Andreia Zito. Este era o único “especialista” acompanhando o questiona-
mento do Deputado Paulo Renato, que é referenciado, e que chegou a ser convidado para ser ouvido.
76 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Em seguida, Paulo Renato apresenta uma síntese do que consistia sua proposta
de substitutivo global, em todo o processo na Câmara era o único posicionamento que
refutava a proposta inicial, propondo outra direção para a expansão do ensino técnico:
2. Trâmite no Senado
12 Cabe destacar que o próprio Deputado Paulo Renato não levou os dados, não se sabe de onde saíram
e não tem fundamento falar que não havia dados antes de 2001.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 77
A matéria segue, da mesma forma (conteúdo) que saiu da Câmara, à sanção pre-
sidencial.
Considerações finais
elementos que incidiram na criação dos IFs e lançar luzes em questões controversas
que orientaram a política de expansão da RFEPCT. Investigar com acuidade a história
da implementação, ou não, dessas novas e originais instituições, que são os IFs, é
tarefa complexa, mas fundamental para os rumos da educação profissional no Brasil.
Referências Bibliográficas
VIANNA, Luiz Werneck. Estado Novo do PT. In: _____. A modernização sem o
moderno. Análises de conjuntura na era Lula. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira;
Rio de Janeiro: Contraponto, 2011, p.25-34.
Apresentação
Levantamos trabalhos que abordassem questões, tais como: que impactos socio-
econômicos que a implementação e a expansão dessas instituições pelo Brasil vêm
ocasionando nas regiões em que passam a funcionar; qual a intrínseca relação com a
educação de jovens e adultos; como se deu o processo de construção das identidades
dos IFs e os diálogos promovidos; e se houve diálogos com a comunidade, da região
onde foram criados, com o corpo docente, discente e de técnicos administrativos des-
sas instituições distribuídas pelo Brasil.
Tendo em vista os objetivos desta pesquisa, para que fizéssemos o levantamen-
to e a reflexão sobre a produção acadêmica sobre os IFs, consultamos o Banco de
Teses da CAPES1 por meio de palavras-chave selecionadas tendo como referência a
análise prévia de textos e artigos acadêmicos correlatos aos objetivos da pesquisa.
As palavras-chave utilizadas foram as seguintes:
• ifetização
• Ifet + transformação
• educação profissional + Ifet
• educação profissional + reestruturação (ou redefinição, redesenho)
• decreto + Ifet
• Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifets)
Esse procedimento contribuiu bastante para a escolha das produções acadêmicas que
receberam nossa atenção na íntegra. Segundo GARRIDO (apud FERREIRA, 2002),
a função dos resumos não é somente para a divulgação das produções acadêmicas à
comunidade, mas também ser um facilitador para a seleção dos trabalhos a serem
utilizados na pesquisa:
• ifetização
• dualidade e diferenciação na dualidade
• Ifet + transformação
• IFs – verticalidade
• IFs – nova institucionalidade
• IFs – nova identidade
• educação profissional + Ifet
• educação profissional + reestruturação (ou redefinição, redesenho)
• decreto + Ifet
• Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
• IFs – ensino médio integrado
88 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
QUADRO 1
CURSOS E ÁREAS DE CONHECIMENTO – PARTICIPAÇÃO NO TEMA
QUADRO 2
PRODUÇÃO ACADÊMICA DISCENTE – DISSERTAÇÕES – DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA E ANO
QUADRO 3
PRODUÇÃO ACADÊMICA DISCENTE – TESES – DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA E ANO
QUADRO 4
PRODUÇÃO ACADÊMICA POR REGIÕES E INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS
QUADRO 5
PRINCIPAIS CENTROS DE PRODUÇÃO ACADÊMICA POR REGIÃO E INSTITUIÇÃO
QUADRO 6
TESES E DISSERTAÇÕES NA REGIÃO NORDESTE E TEMAS ABORDADOS
QUADRO 7
TESES E DISSERTAÇÕES NA REGIÃO SUDESTE E TEMAS ABORDADOS
QUADRO 7 (CONT.)
QUADRO 8
TESES E DISSERTAÇÕES NA REGIÃO CENTRO-OESTE E TEMAS ABORDADOS
QUADRO 8 (CONT.)
QUADRO 9
TESES E DISSERTAÇÕES NA REGIÃO SUL E TEMAS ABORDADOS
Nosso banco de dados funciona como um espelho das principais questões anali-
sadas pelos pesquisadores de diferentes programas de pós-graduação no Brasil dentro
da temática dos IFs. O espelho possibilitou visualizar os temas mais recorrentes, entre
eles, o PROEJA, que visa contemplar trabalhadores sem o ensino médio no geral, com
trajetórias interrompidas, que buscam a formação profissional como alternativa para
sua permanência ou reinserção no mercado de trabalho. Enfim, pessoas que, de uma
forma ou de outra, não tiveram a oportunidade de concluir seus estudos no seu tempo
e estão excluídas do processo de educação e ou da formação profissional.2
O PROEJA foi efetivado por meio do Decreto Federal nº 5.478, de 24/6/2005.
Em seguida, revogado pelo Decreto Federal nº 5.840, de 13/7/2006, que ampliou a
abrangência do decreto anterior, autorizando a oferta de cursos do PROEJA para o
público do ensino fundamental na modalidade de educação de jovens e adultos (EJA),
cujas redes estaduais e municipais de ensino também podem oferecê-los.
Importa destacar que as determinações dos decretos anteriores, instituintes do
PROEJA, não foram amplamente realizadas pelas instituições que deveriam oferecer
essa modalidade educacional; assim, para atender aos desígnios do programa, através
da Lei nº 11.892 de 29/12/2008, transformou todas as escolas técnicas, agrotécnicas
e centros federais de educação em IFs.
Essa iniciativa foi realizada tendo por base a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD/IBGE) de 2003. Quando analisados os dados referentes à esco-
laridade da população brasileira, a pesquisa conclui que apenas 23 milhões de pes-
soas possuíam o ensino médio completo, ou seja, onze anos de estudo. Outro dado
importante foi o número de jovens entre 18 e 24 anos de idade que possuíam vínculo
empregatício formal no Brasil. Somente 5.388.869 dos jovens desta faixa etária, o que
equivale a um percentual de 23,3%.
Não menos importante foi a informação extraída do Registro Anual de Infor
mações Sociais (RAIS/MTE, 2002). Citamos também a “baixa expectativa de inclusão
de jovens das classes populares entre os jovens atendidos pelo sistema público de edu-
cação profissional”. (BRASIL, 2007, p.11)
Para além desses dados estatísticos e da constatação retirada deles, que deram
base à efetivação do PROEJA, une-se a isto o desenvolvimento histórico brasileiro.
Ele é caracterizado pela falta de uma política de Estado que fosse vinculada a um
ideário de desenvolvimento econômico e político interno autônomo. Nossas políticas
2 Outros temas recorrentes foram: currículo, qualificação do quadro docente, inserção no mercado de
trabalho dos alunos etc..
Gaudêncio Frigotto (Org.) 97
E continua:
Um dos temas mais explorados dentro da temática dos IFs é a elaboração do cur-
rículo das disciplinas e dos cursos.
Durante a realização de sua pesquisa, CAETANO (2011) percebeu que os tra-
balhos de estruturação curricular realizados no Instituto Federal de Santa Catarina
(IFSC) para o curso técnico e o curso superior técnico envolveram pesquisas com o
meio empresarial para selecionar conteúdos e perfis, participação de debates sobre
Gaudêncio Frigotto (Org.) 107
experiência escolar negativa. Em face da situação sociocultural dos alunos, este estudo
destacou a necessidade de os alunos da EJA serem particularmente estimulados, uma
vez que chegam à escola com baixa autoestima, e ao mesmo tempo com uma grande
expectativa que não pode e não deve ser frustrada. No caso específico dos alunos, o
curso representava uma solução para as suas dificuldades sociais e profissionais. Por
isso, quando começavam o curso, demonstravam-se ansiosos por aulas práticas, ainda
que os professores buscassem considerar que uma formação geral fornecida por uma
base teórica fosse necessária para que a formação específica pudesse ser bem-sucedi-
da. O desenho curricular proposto possibilitava a realização de atividades teórico-prá-
ticas em que os alunos pudessem aprender tanto com as experiências do dia a dia de
um técnico em informática quanto com os conteúdos teóricos vistos em sala de aula
do ensino técnico articulados naquelas experiências, pretendendo-se alcançar, desse
modo, minimamente a tão desejada integração do conhecimento. O estudo também
mostrou que os aspectos de infraestrutura da escola são um fator limitante até mesmo
para a situação atual, com a grade curricular que vigora. O pesquisador afirmou ser
possível contribuir para a manutenção do compromisso da escola pública com a socie-
dade de quem ela é tributária, ao propor um realinhamento de suas ações em beneficio
da formação dos alunos.
Referências Bibliográficas
_____. IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2003. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/>. Acesso em: 1/8/2011.
FIORI, José Luiz. O nome aos bois. São Paulo: Instituto da Cidadania; Fundação
Perseu Abramo, 2002. [mimeo.]
Introdução1
Foi com base nas diretrizes expressas no PPA 2004-2007, que o então Ministro
da Educação Tarso Genro, em março de 2004, deu os primeiros passos para instituir
a política de expansão da oferta de educação profissional, ao elaborar o projeto de lei
que viria a se constituir no grande marco da ampliação da RFEPET.
O referido projeto, oriundo do Poder Executivo, passou a tramitar na Câmara dos
Deputados, a partir de 23/3/2004, sob a denominação de PL nº 3.584/2004, tinha
como objeto promover a alteração da redação do § 5º do art. 3º da Lei nº 8.948, de
8/12/ 1994. O referido parágrafo foi inserido neste artigo quando da aprovação da Lei
nº 9.649, de 27/5/1998,3 com o objetivo claro de proibir qualquer ação isolada do
governo federal no sentido de expandir a educação profissional, na medida em que tal
ação somente poderia ser concretizada mediante parcerias com estados, município,
instituições vinculadas ao setor produtivo e organizações não governamentais.
Após vinte meses de tramitação no Congresso Nacional, o PL nº 3.584/2004 foi
aprovado na íntegra e convertido na Lei nº 11.195/2005, sancionada pelo Presidente
da República em 18/11/2005.
Neste sentido, o artigo 5º da Lei nº 8.948/1994 passou a ter a seguinte redação:
5 A esse respeito, ver: Relatório de Avaliação do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica, produzido pela SETEC/MEC, 2005.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 117
O segundo quadriênio do Governo Luiz Inácio Lula da Silva teve como destaque,
logo no início de seu segundo mandato, o lançamento do Plano de Desenvolvimento
da Educação (PDE) em 24/4/2007, que do nosso ponto de vista se constituiu no prin-
cipal projeto de educação da era Lula.
O PDE, mesmo antes do seu lançamento oficial, já vinha sendo amplamente
veiculado na mídia com o nome de “PAC da Educação” e um dos seus principais
objetivos era a reversão do fraco desempenho dos alunos da rede pública de ensino,
com um conteúdo composto por um conjunto de medidas que abrangiam a educação
118 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Tendo em vista o tema deste trabalho, somente dois decretos serão abordados
com mais profundidade nas seções seguintes, na medida em que se vinculam direta-
mente às questões relacionadas à RFEPCT.
Foi a partir do PDE que se iniciou a segunda fase da expansão da RFEPCT, tendo
em vista que esta etapa de ampliação estava diretamente vinculada ao programa de
ações do PDE, cujo objetivo principal era o de construir mais 150 unidades voltadas
para a formação de mão de obra, as quais deveriam ser distribuídas em igual número
de cidades, abrangendo 27 Unidades da Federação.
Segundo as projeções da SETEC/MEC, o investimento estimado para essa etapa
foi da ordem de R$ 750 milhões e a meta estimada para a segunda fase era a criação
de mais 180 mil vagas na educação profissional, as quais acrescidas às que estavam
sendo oferecidas iriam perfazer, em 2010, um total de 500 mil vagas, quando toda a
expansão fosse concluída e as escolas estivessem na plenitude do seu funcionamento.6
GRÁFICO 1
FASES DA EXPANSÃO DA RFEPCT E ESCOLAS INAUGURADAS
NAS GESTÕES GOVERNAMENTAIS – BRASIL, 2005 A 2014
Fonte: elaborado pelo autor, a partir de dados de prestação de contas da Presidência da República.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 121
Portanto, ao longo de nove anos, nos três períodos previstos para a implantação
da política de expansão da RFEPCT, foram construídas 422 unidades, as quais soma-
das às 140 escolas que já existiam, fizeram com que a rede passasse a contar com 562
campi vinculados aos IFs, com uma distribuição territorial que em 2014 abrangia 515
municípios, localizados nas 27 Unidades da Federação, situados em regiões geográfi-
cas pertencentes ao interior do país.
Cabe ressaltar que os recursos destinados à RFEPCT passaram de R$ 2,2 bilhões,
em 2003, para R$ 9 bilhões, em 2013, conforme mostra o Gráfico 2.
Se tomarmos por base o ano de 2009, a partir do qual se iniciou a nova insti-
tucionalidade da RFEPCT, conforme abordagem feita nas seções anteriores, vamos
verificar, até 2013, que os gastos com os IFs quase que dobraram, ao saltarem de R$
5,5 bilhões para R$ 9 bilhões. Este crescimento pode ser justificado se levarmos em
conta que neste período houve a intensificação da expansão da RFEPCT.
GRÁFICO 2
DESPESAS REALIZADAS PELO MEC COM A RFEPCT
BRASIL, 2003 A 2013 (EM R$ MILHÕES)*
9,0
7,8
6,8
5,3
5,4
3,9
2,8 2,8
2,2 2,3 2,3
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: elaborado pelo autor, a partir de dados de prestação de contas da Presidência da República.
* Estão agregados valores do orçamento fiscal e da seguridade social deflacionados pelo IGP-DI/FGV a preços
de fev. 2015.
122 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Considerações finais
10 Ver: Análise da Arrecadação das Receitas Federais. Ministério da Fazenda, abril de 2015. Disponível
em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/>. Acesso em: 8/7/2017.
11 Idem, p.39.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 123
para o desenvolvimento local e regional, o qual deve ser entendido a partir da sua
dimensão social que é a de promover a melhoria do padrão de vida da população que
habita regiões geograficamente delimitadas.12
Do nosso ponto de vista, torna-se necessário a produção de pesquisas acadêmicas
que tenham como objeto os impactos das crises econômicas do país e da Petrobras na
política de expansão dos IFs, com o objetivo de investigar até que ponto os IFs conti-
nuam sendo estruturantes para o desenvolvimento local e regional e para a melhoria
das condições de vida da população.
É neste quadro que sugerimos para possíveis elaborações de futuras pesquisas os
seguintes problemas:
Referências Bibliográficas
1 Uma síntese analítica sobre o Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra (PIPMO), que
pode nos dar uma visão de como o PRONATEC e o PRONACAMPO estão dentro da mesma lógica, foi
realizada por SILVA (1986).
128 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Para a grande maioria dos mais de 30 milhões de jovens entre 17 e 24 anos que
precisam inserir-se no trabalho, constituiu-se, ao longo da última década, o que o
sociólogo Ruy BRAGA (2014) sintetiza no livro A Política do Precariado – Do Popu
lismo à Hegemonia Lulista: uma obra que explicita a precarização do proletariado
no contexto do fordismo periférico e, em particular, do pós-fordismo sob a égide da
financeirização ou economia de cassino.
Essas políticas, sem a base do ensino médio, constituem “um castelo sobre
areia”. Um castelo que se amplia mediante medidas legais que facultam ao Sistema S
e outras instituições privadas de ensino superior e escolas privadas de educação tec-
nológica a oferecer cursos do PRONATEC e participar do Fundo de Financiamento
Estudantil (FIES) Técnico. A meta até 2014, anunciada pelo Ministério da Educação,
seria de oito milhões de vagas, a maioria no Sistema S, especialmente Senai, com
aporte de dinheiro público do BNDES de 1,5 bilhão de reais. Os números de aten-
didos pelo sistema privado aumentarão enormemente as estatísticas e o acesso
fácil ao fundo público. Todavia, por esse caminho, continuaremos negando a efeti-
va cidadania política, econômica, social e cultural à geração presente e à futura de
nossa juventude.
Essas opções nas políticas de formação profissional e técnica contrastam com o
acúmulo do debate educacional crítico na busca de superar o desmanche da educa-
ção pública nos 21 anos de ditadura civil-militar sob a égide da ideologia do capital
humano do pensamento economicista. O contraponto a esse desmanche foram os
debates sobre o resgate do sentido da educação pública, universal, gratuita e laica,
mas com a perspectiva da escola unitária e da formação humana omnilateral e poli-
técnica. Uma concepção que buscou efetivar uma demarcação antagônica no plano
teórico, epistemológico e ético-político à visão mercantil de educação.
Esta concepção foi confrontada de forma avassaladora pela doutrina do neo-
liberalismo, na década de 1990, assumida como política de governo por Fernando
Henrique Cardoso e seu Ministro da Educação, ao longo dos dois mandatos. Mas a
questão desconcertante é, em parte, por que até mesmo nas experiências de gestões
populares o ideário da educação politécnica desapareceu até no plano da batalha das
ideias? O que prevaleceu foi a perspectiva da escola cidadã, a escola candango, a escola
plural, certamente importantes no plano cultural na consideração das diferenças, mas
limitadas para confrontar a natureza das relações sociais de produção, relações de
classe e, portanto, de desigualdade.
A emergência da noção e proposta do ensino médio integrado não abandona a
concepção de educação omnilateral e politécnica, mas surge num contexto de dispu-
ta na sociedade e no plano político da legislação educacional nos primeiros anos do
Governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Como está explícito na publicação que sinte-
tiza em parte a ideia de ensino médio integrado (FRIGOTTO et al, 2005), não tem
o mesmo sentido que a proposta de formação politécnica, mas a ela está vinculada.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 129
Por isso que o entendemos como travessia contraditória e, em certo sentido, ambígua.
O subtítulo do livro é, justamente, “concepção e contradições”.
Para quem acompanhou a produção do embate de afirmar as teses defendidas na
década de 1980, entenderá que o ensino médio integrado envolve um desafio triplo,
retirado do embate de concepções antagônicas de educação básica: o de não separar
a educação básica da técnica em turnos estanques e tendo como eixos o conhecimen-
to, o trabalho e a cultura (RAMOS, 2010); fazer esta integração no plano ontológico,
mediante uma formação integral, omnilateral e politécnica; e, no plano epistemoló-
gico, que noção de ciência da natureza (sociedade das coisas) e de ciências sociais
(sociedade dos seres humanos) relaciona-se e se integra no plano curricular.
E onde poderia dar-se a integração entre as ciências humanas e a da natureza, as
dimensões gerais e específicas, as dimensões técnicas, culturais e políticas no processo
de ensino? Ali onde existisse uma materialidade de condições objetivas: espaço, labo-
ratórios, pessoal docente, pessoal de apoio, tempo docente e discente etc.. Como bem
observa SAVIANI (2003), em relação ao desenvolvimento de concepção de educa-
ção politécnica, essa materialidade se explicita objetivamente melhor na antiga Rede
de Escolas Técnicas Federais, depois em Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFETs). No presente, Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
(IFs), formando a parte maior da Rede Federal de Educação Profissional Científica e
Tecnológica (RFEPCT).
Cabe ressaltar, todavia, que de fato a “rede” configura uma junção heterogênea de
histórias, culturas e institucionalidades muito diversas. Deste modo, a “rede” é forma-
da pela soma das seguintes instituições: 38 IFs; a Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR); o Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
(CEFET/RJ) e Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/
MG); as escolas técnicas vinculadas às universidades federais (Lei nº 11.892/2008,
art.1º) e, mais recentemente, o Colégio Pedro II do Rio de Janeiro.
Uma das indagações iniciais da pesquisa foi a de que com a “ifetização” não se
estaria sinalizando, por um lado, pela verticalização e, por outro, por seu estatuto de
“um outro tipo de universidade”, a tendência de abandono ou manutenção forçada,
mas sem prioridade, do ensino médio em geral, e do o ensino médio integrado em
particular. A outra indagação era se a constituição da rede, no seu conjunto, e dos IFs,
em particular, estaria produzindo uma diferenciação dentro da dualidade estrutural,
agora não apenas no ensino médio, mas no nível superior. Ao longo da pesquisa se
evidenciou outra dimensão, esta relacionada ao fato de que a criação da UTFPR não
poderia estar balizando tanto a concepção educativa quanto a prioridade no ensino
médio profissional integrado à educação básica.
Em relação a esta última indagação, dois aspectos se reforçam, um na perspectiva
de abandono do ensino médio, sob qualquer modalidade pela UTFPR; e, o outro, pela
concepção reducionista da relação educação e sociedade pela perspectiva da formação
130 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
a não ser do ponto de vista jurídico-administrativo, uma identidade que se possa defi-
nir como uma rede. Disto decorre o que discutiremos no último item deste capítulo,
relativo às tendências institucionais, a ambiguidade e heterogeneidade das opções de
cada instituto em particular e, dentro dos campi, relacionadas à prioridade ou não do
ensino médio e ensino médio integrado, e a questão da diferenciação dentro da dua-
lidade. Isto, em grande parte, pelo que indicamos anteriormente, relaciona-se ao fato
de o governo e o MEC terem declinado de disputar a concepção de educação em todos
os níveis e, no caso específico dos IFs, o deslocamento para a política do PRONATEC
como a prioridade do governo. Todavia, as análises de campo indicam, também, dis-
putas, avanços e novas possibilidades.
Na busca de informações nos encontros nos campi que pudemos visitar e nas
respostas que colhemos de questionários que deixamos nestas visitas, nos fixamos
em três eixos: o primeiro, relativo à nova identidade, Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI) e Plano Pedagógico Institucional (PPI); o segundo, relativo às
ofertas formativas; e, o terceiro, relativo a informações sobre a estrutura das bases
materiais dos campi e o financiamento.
2 Uma análise densa desse processo de transformação pode ser encontrada em: RAMOS (1995).
132 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
3 O conjunto de textos da coletânea organizada por MOLL (2010) expressa o que acabo de sinalizar.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 133
Em relação ao primeiro, mesmo os CEFETs que teriam até melhor base objetiva
que o do Paraná (CEFET Celso Suckow da Fonseca/RJ e CEFET/MG), que não aderi-
ram à “ifetização”, caíram numa espécie de limbo e aí continuarão até que permaneça
à frente do governo o atual conjunto de forças políticas. Nos primeiros anos, estes
CEFETs enfrentaram enormes dificuldades administrativas, de financiamento etc..
Internamente, isso também levou a tensões de várias ordens. A solidez das instituições
e o peso político dos estados onde se situam aos poucos foram revertendo a situação.
Em relação ao segundo aspecto, a “ifetização” atendeu ao viés bacharelesco e de
status de setores da alta administração e do professorado. No trabalho de campo,
observamos dois aspectos que confirmam este viés. Primeiro, a rapidez em transfor-
mar os espaços dos diretores dos CEFETs em gabinetes do reitor, em alguns casos
improvisando tapetes vermelhos. Do mesmo modo, a pressa no aluguel ou na constru-
ção de prédios para espaços específicos revela esta tendência.
Em relação ao terceiro aspecto – um enquadramento das agrotécnicas para um
maior controle –, a observação e depoimentos colhidos no trabalho de campo indicam
que o objetivo de uma padronização jurídico-administrativa está sendo em grande
parte atingido, sem que isto signifique uma identidade institucional e uma política
unitária no campo pedagógico, como veremos adiante.
A intencionalidade do governo desta padronização se explica em detalhes que
constituem um fato inédito e de certa forma embaraçoso, narrado pelo ex-diretor da
Escola Agrotécnica de Sertão/RS. Trata-se de uma escola criada em 1957 neste distrito
do município de Passo Fundo/RS para ocupar uma grande área que tinha sido desti-
nada pelo Governo de Getúlio Vargas à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), mas que, por problemas climáticos que prejudicavam os experimentos,
foi abandonada.
O ex-diretor da escola, num encontro de trabalho de campo, deu-me o seguinte
depoimento: “Quando estávamos com o processo pronto para migrar para o CEFET
e nos trâmites de encaminhamento à atual Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica, nos pediram para não enviar e mudar o processo para um campus do
IFRS e que foi rapidamente aprovado”.
O breve histórico apresentado no site do atual Campus de Sertão do Instituto
Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) evidencia um percurso de mudanças que come-
çaram em 1957, passando por vários vínculos jurídicos e administrativos e receben-
do diferentes denominações até 2008. Está situado no Distrito de Engenheiro Luiz
Englert, município de Sertão, a 25 quilômetros de Passo Fundo, região norte do esta-
do, e integra a RFEPCT.
Este caso singular expressa o extremo de outros casos do interior do Brasil, que
de escolas federais agrotécnicas de ensino médio técnico de repente foram alçadas a
campi de um IF, passando a status de universidade e podendo oferecer cursos de gra-
duação desde que preencham os requisitos de quadros com titulação para tanto. Umas
das escolas visitadas, Escola Agrotécnica de Belo Jardim, no interior de Pernambuco,
experimentou este salto.
No caso de Sertão, a mudança foi tão rápida, como indica o ex-diretor, “que as pes-
soas da região, depois, ainda continuam a referir-se como sendo a Escola Agrotécnica
Gaudêncio Frigotto (Org.) 135
de Sertão, não incorporando que agora a instituição pode oferecer cursos superiores
de graduação e pós-graduação”.
O caso de Sertão, mas não só ele, indica a intenção do governo de colocar sob
um mesmo marco jurídico e administrativo todas as instituições federais ligadas à
educação profissional e tecnológica. Uma medida adequada do ponto de vista da ges-
tão pública.
Vários outros aspectos dificultam a construção de uma nova identidade dos IFs
para constituir uma rede como eram as escolas técnicas rederais e a rede dos CEFETs.
Pelo número de campi e sua nova territorialidade, os IFs têm uma configuração muito
diversa. Outro aspecto relaciona-se à própria postura do MEC que, pelos depoimentos
que colhemos no trabalho de campo, não estimulou a consolidação de uma maior
identidade. A estratégia de receber separadamente os reitores dos IFs para negociar
caso a caso as demandas institucionais é um claro sintoma de que o MEC não desejou
e não deseja uma formação dos IFs com uma identidade mais coletiva.
Além disso, a construção de uma maior identidade é dificultada pelo caráter
constitutivo dos IFs, que é a verticalidade com uma ampla variedade de opções de
foco, pois abriga o ensino médio técnico, o ensino médio integrado, o PROEJA na
modalidade técnico, o PROEJA na modalidade integrado, o PRONATEC, as licencia-
turas, a pós-graduação e diferentes programas e atividades no âmbito da extensão.
O depoimento seguinte expressa de forma mais concisa que identidade os IFs estão
assumindo, a diversidade de demandas e os níveis de formação:
Um aspecto não menos importante relaciona que a expansão rápida dos IFs
abriu espaço para centenas e centenas de concursos públicos. Uma geração de jovens
bem titulada (nem sempre bem qualificada) que estava contida pelas políticas neo-
liberais avessas aos concursos públicos e à criação de novas instituições públicas de
ensino. Trata-se de uma geração conhecida como “concurseira” em busca, primeiro,
136 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
4 Para aprofundar esta questão do ponto de vista da gestão institucional, ver: MAUER (2013).
Gaudêncio Frigotto (Org.) 137
grandes áreas. Tudo isso atravessado pelas conjunturas do governo federal quando os
grupos internos assumem a gestão dos IFs.
Ao mesmo tempo em que em outra questão declaram ser o ensino médio integra-
do a prioridade, nota-se que em tão curto tempo quase 50% dos alunos são de cursos
superiores e a tendência é abrir mestrado etc.. Como explicar que em tão pouco tempo
para o que era uma escola de nível médio técnico já tenha aproximadamente 50% no
nível superior? E como isso se expressa na rede como um todo? Quer pelo ingresso
rápido e em grande quantidade de jovens mestres e doutores nos IFs, quer pelo fato de
ter os mesmos quesitos de universidade, quer pela pressão, em particular no interior,
onde não há tantas ofertas de ensino superior, parece confirmar-se nossa hipótese de
que a tendência dos IFs é para seguir o rumo da UTFPR.
Caso o ensino médio não fosse obrigatório e os diferentes programas de governo,
hoje sob o PRONATEC e PRONACAMPO, não fossem armas de pressão por recursos,
em alguns IFs pelo menos, as sinalizações indicam que o foco seria quase total para o
ensino superior, pós-graduação, pesquisa e extensão.
Em relação aos critérios para definir os novos cursos, de um modo geral, os IFs
indicam audiências públicas, consultas a prefeituras e instituições de pesquisa etc..
Todavia, em última análise, é a discussão interna que vai avaliar a possibilidade das
demandas, como indica uma das respostas ao questionário:
Os IFs têm recebido demandas por parte do MEC e da política mais geral do
governo para atendimento às cotas de indígenas, quilombolas e alunos pobres que
Gaudêncio Frigotto (Org.) 143
frequentaram escolas públicas (nestes casos por força da lei) e a outras deman-
das como: Mulheres Mil, Formação Inicial e Continuada (FIC) e, em particular, o
PRONATEC e o PRONACAMPO. Isto fica evidente no depoimento que se segue:
Notamos nos contatos diretos nos campi uma dupla resistência ao PRONATEC e
ao PRONACAMPO. Primeiro, pela natureza de ênfase para o trabalho simples e sem
controle da qualidade do que se oferece. Segundo, os IFs não têm pessoal suficiente
para atender às demandas dos cursos e têm que deslocar horas de docentes para este
fim ou contratar pessoas pouco qualificadas e não integradas na proposta pedagógica.
Isto com um agravante institucional, como veremos no item a seguir, em relação à
carreira docente e ao financiamento dos IFs.
Por fim, cabe realçar outra dificuldade que apresenta a verticalidade. Trata-se de
como os docentes se integram em todas as modalidades. Neste particular, em termos
de uma relação equânime na gestão, todos os docentes deveriam em algum momento
atuar em todos os níveis e modalidades para não criar hierarquias. Esta é uma equa-
ção que nossa observação notou muitíssimo complexa. Isto tanto pelo fato de que os
docentes não se prepararam na sua formação para tanta diversidade, quanto pelo fato
da resistência de atuar, como vimos, em alguns níveis e modalidades. O que encontra-
mos de maneira geral é expresso no seguinte depoimento:
Nossa observação é de que cada um dos IFs e cada um dos campi tentam defi-
nir em seu PPI normas para enfrentar esta situação. De todo modo, depoimentos de
144 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
professores nos encontros que efetivamos em alguns IFs indicam a real dificuldade de
num mesmo dia ou em dias seguidos trabalhar na pós-graduação, depois na gradua-
ção, depois no ensino médio subsequente ou integrado.
volume total que recebem. Isso fica patente pelo texto apresentado por Raquel JÚNIA
sobre as negociações dos empresários com o governo para evitar os cortes.5
Com base em dados de pesquisa do professor do Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), Jorge Alberto
Rosa Ribeiro, a mesma reportagem mostra que a receita do Sistema S em 2014 foi de
R$31 bilhões e para 2015 a projeção era de R$36 bilhões. Estes são recursos públi-
cos compulsoriamente repassados ao Sistema S. Além destes recursos, na mesma
reportagem, mostra-se que o governo federal repassou ao Sistema S em 2014 R$2,5
bilhões em forma de bolsa do PRONATEC, sendo 99% de recursos do MEC. Pelas for-
ças econômicas e políticas que estão efetivando o golpe parlamentar-jurídico-midiá-
tico, com o protagonismo da Federação das Indústrias, da Agricultura e do Comércio,
caso o mesmo se confirme, o futuro da rede de IFs estará em risco, como a educação
pública em geral. Veremos reeditadas as medidas adotadas nos oito anos de gestão do
Ministro Paulo Renato de Souza, na década de 1990, sob o Decreto nº 2.208/1997,
agora acrescido de outros elementos mais destrutivos da educação pública e da educa-
ção tecnológica e técnica em especial.
A título de conclusão
5 Cf.: JÚNIA, Raquel. Governo cede a empresariado e segura cortes no Sistema S. Disponível em:
<http://www.epsjv.fiocruz.br/>. Acesso em: 30/8/2017.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 147
O que a pesquisa buscou era ver se o caráter de verticalidade por um lado e, por
outro, a cultura bacharelesca de nossa sociedade não pressionariam para o nível supe-
rior em detrimento do ensino médio integrado. Em outro âmbito, se a verticalidade,
com diferentes modalidades e níveis de ensino, não caracterizaria uma diferenciação
dentro da dualidade. Pelo que foi apurado, em boa medida, as duas tendências, ainda
que de forma diversa nos diferentes IFs, estão presentes. Trata-se de aspectos que vão
se refletir nas políticas institucionais.
O segundo aspecto que se evidencia é de que os IFs, pela junção de instituições
de culturas muito diversas, pela amplitude de níveis e modalidades de ensino e outros
programas, pela pesquisa e extensão, pela nova regionalização e pelos novos quadros,
encontram dificuldade para definir sua nova institucionalidade e, como tal, sua iden-
tidade como uma rede é apenas formal. Cada IF está tentando construir sua identi-
dade e, como tal, no plano da negociação política não tem a mesma força que tinham
os CEFETs.
Em relação ao terceiro aspecto, em virtude do que se depreende da questão ante-
rior, o PDI no início foi muito complexo para todos os IFs e, em grande parte, repre-
sentou apenas um documento formal. Com a consolidação dos IFs em sua expansão, o
PDI passou a ter maior densidade. Pode-se afirmar o mesmo em relação aos relatórios
de gestão, embora eles apresentem ainda muita inconsistência de dados.
O PPI, por envolver a definição da filosofia dos IFs, mostra-se algo mais complexo.
Isto decorre, por um lado, de histórias, culturas e temporalidades diversas numa mes-
ma instituição e, de outro, da verticalidade com a amplitude de ofertas educativas.
É possível afirmar que o PPI também está em processo de melhor conformação e é ele,
sobretudo, que vai definir a identidade institucional na sua atividade fim.
O penúltimo aspecto relaciona-se às ofertas formativas. O que se observa é a
enorme complexidade e dificuldade de foco dada à diversidade de níveis e modali-
dades de ensino. Um agravante são os programas que o governo pressiona para que
os IFs assumam e que interferem em suas atividades. O ensino médio integrado,
embora com sinais de crescimento, não constitui prioridade clara de um modo geral
em todos os institutos, a não ser em alguns campi. Ainda mais problemática é a oferta
do PROEJA.
Por fim, um dos aspectos mais problemáticos a ser enfrentado pelos IFs diz res-
peito à expansão dos campi na interiorização, e de núcleos ou campos avançados
não acompanhados de pessoal suficiente, laboratórios, instalações em geral, como
consequência da diminuição das dotações devido à crise e, sobretudo, pela definição
do PRONATEC como política prioritária de formação profissional pelo governo, pela
crescente ingerência no MEC do setor privado e pelo direcionamento dos recursos
ao setor privado, em particular ao Sistema S. Isto se agrava pelo fato de os IFs não
constituírem uma rede com o mesmo poder político em relação ao governo: constata-
se também o esvaziamento de poder da SETEC/MEC.
148 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Referências Bibliográficas
GARUNDY, Roger. Por uma discussão sobre o fundamento da moral. In: DELLA
VOLPE, Galvano. et al. (Orgs.) Moral e sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969,
p.3-30.
SILVA, Anésia Maria Barradas da. “Fábrica PIPMO”. Uma discussão sobre a política
de treinamento de mão de obra no período de 1963-1982. Dissertação de Mestrado.
IESAE/FGV, 1986.
7
Introdução
* Pedagogo no Colégio Pedro II. Licenciado e Bacharel em Pedagogia pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ).
152 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
1 Uma apresentação mais detida do trâmite pode ser encontrada no capítulo 3 da presente publicação.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 153
2 O capítulo 14 desta edição apresenta uma análise mais aprofundada do relatório do TCU.
3 O termo “desleixada” é utilizado aqui como categoria analítica (desleixo), tal como suscitada no clás-
sico de HOLANDA (2014), livro-síntese de todo o processo analisado, presente em suas origens, con-
duções e resultados alcançados.
154 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Este capítulo divide-se em três tópicos. Nosso esforço teve o intuito de contri-
buir com a reflexão sobre as políticas de EPT, dentro de certos aspectos do escopo
da pesquisa maior em que nos inserimos, e ainda tendo em vista a complexidade
da política de expansão da RFEPCT e da institucionalidade dos IFs. O que nos leva
sempre a destacar a necessidade de nossas constatações, afirmações e apontamentos
serem revistos, de forma que tomem corpo sendo reforçados, e/ou contribuindo para
novas posições.
4 Não quer dizer que não houve controvérsias em torno da maior ou menor mudança acarretada pelo
novo decreto. Cf.: FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS (2005).
5 Cf.: VIANNA (2011).
Gaudêncio Frigotto (Org.) 155
8 Do desdobramento dessa auditoria, num segundo Acórdão (nº 2.267/2005), serão estabelecidos in-
dicadores de gestão que são utilizados até hoje pelas instituições federais, compondo seus relatórios.
Um dos poucos trabalhos que deram atenção a essa importante auditoria foi: CASTRO (2011).
9 Destaque-se que, em 2006, ocorreu a I Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica,
na qual: “Embora o termo Instituto Federal não apareça em nenhum texto dos Anais – conforme o
exame de cada um deles indica, é possível verificar que a ideia de uma ‘nova institucionalidade’ já se faz
presente nos discursos, assim como as razões para a constituição dessa ‘nova instituição’”. (AMORIM,
2013, p.68-69).
10 BRANDÃO também explora uma série de normativas relativas à educação profissional e tecnológi-
ca, que precederam a Lei nº 11.892/2008, dando ênfase aos significados atribuídos à educação profis-
sional e educação tecnológica, bem como o significado das instituições que trazem essas categorias em
sua constituição.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 157
De forma clara, a referência que vai se acentuando nas normativas que abran-
gem a educação profissional dá destaque ao setor produtivo. Aparecem, no Decreto
nº 6.095/2007, nos incisos I e III do § 1º do artigo 4º, e no inciso V do § 2º do mesmo
artigo:
O projeto que saiu do Executivo passa quase incólume, no que diz respeito a seu
conteúdo, sofrendo algumas modificações pontuais, advindas de atores distintos. Na
Tabela 1, discriminamos a origem das modificações propostas, a partir do que está
exposto nos relatórios da CTASP e da CEC.
TABELA 1
ORIGEM DAS MODIFICAÇÕES – QUANTITATIVO POR COMISSÃO
CTASP CEC
Emenda de Relator 6 6
Emenda CONDETUF 5 2
Emenda SINASEFE 3 1
Outra 1 -
Total 15 9
Elaboração própria. Fonte: Pareceres CTASP e CEC.
TABELA 2
QUANTITATIVO DE EMENDAS EM CADA COMISSÃO POR TEMÁTICA
18 Cf.: Audiências Públicas n° 1.351, de 15/10/2008, e n° 0605, de 19/5/2009. (CEC, Notas Taquigrá-
ficas)
Gaudêncio Frigotto (Org.) 165
O documento começa com a colocação de serem os IFs mais uma ação do Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE), constituindo-se em um dos pilares da ação.
Visando a ampliação da oferta de cursos técnicos, “sobretudo na forma de ensino
médio integrado, inclusive utilizando a forma de educação a distância (EAD)” (p.6), a
formação de maior número de mestres e doutores, dentro da rede, e que os processos
de formação para o trabalho estejam precedidos pela proposta de formação humana e
cidadã. E, ainda, que o caráter de política pública consiste em aspecto importante da
constituição da identidade institucional dos IFs.
Na segunda parte, encontramos um panorama da história da RFEPCT (ou do
que viria a ser a rede), tendo como ponto de partida, claro, a criação das Escolas de
Aprendizes e Artífices, em 1909 (esta data é sempre demarcada, pois os IFs foram
criados às vésperas da comemoração de cem anos da criação daquelas escolas). Afirma
que: “se o fator econômico até então era o espectro primordial que movia seu fazer
pedagógico, o foco a partir de agora desloca-se para a qualidade social” (p.14), questão
que demonstramos ser o contrário. E constatação de que o crescimento do número de
instituições na rede, acentuado no Governo do Presidente Lula, associado ao que cha-
ma de novas possibilidades de atuação e propostas político-pedagógicas, fez emergir a
necessidade de uma nova institucionalidade.
A terceira parte do documento trata especificamente da institucionalidade.
Destacando a visibilidade que a política dos IFs dá para compreensão do governo
acerca da educação profissional, entendendo-a como fator estratégico, não apenas
do desenvolvimento nacional, mas para a formação cidadã. Em seguida, abre dois
tópicos que repetem uma série de ideias, que na designação do texto correspondem à
dimensão simbólica da nova institucionalidade e aos IFs como política pública. Sem
definir bem o que seria esta dimensão simbólica e a política pública expressa nos IFs.
O tópico seguinte, explicita a relação entre o desenvolvimento local e regional e os IFs.
Mais uma vez, a exposição segue o caminho das “nuvens”, sem nenhum tipo de aná-
lise, ou de sustentação concreta, apegando-se às ideias de local e global e a conceitos
como território, mas de forma absolutamente “esfumaçada”. O que chama a atenção
é que o desenvolvimento do texto parece desconsiderar que os IFs são oriundos de
instituições preexistentes, na medida em que são as localidades onde aquelas estavam
instaladas que definiram, primeiramente, o quadro de regiões onde se encontrariam
os institutos.
Não só no documento, mas em diversos momentos, conceitos como interioriza-
ção, verticalização e ideias, como a necessidade urgente de mão de obra qualificada,
serão mobilizados para justificar a expansão e sua condução – todos estes aspectos
colonizados pelo atendimento ao setor produtivo. Porém, nem mesmo esse será fruto
de um projeto consistentemente estruturado. Sem passar por uma avaliação lúcida e
realista, os projetos e programas, por “ensaio e erro”, vão sendo criados e implementa-
dos (ou não). Por sinal, este problema já havia sido indicado pelo TCU, após auditoria,
166 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
3. Expansão desleixada
Não obstante, mesmo quando apresenta uma análise estritamente ligada ao que está
disposto em normativas e documentos oficiais, as considerações do TCU são importan-
tes, pois evidenciam de forma nítida a distância entre a situação legal e a situação real
dos IFs – ou, ainda, os resultados de uma política mal ou pouco planejada – desleixada.
Com efeito, outrossim, verifica-se uma acentuada utilização de categorias econô-
micas se coadunando à perspectiva de uma pedagogia produtivista. Nada demais o fito
na inserção no mercado, porém, como em comentários anteriores, a forma como colo-
niza outras dimensões – também importantes, inclusive para uma melhor inserção no
mercado, o tema de uma formação humana e a questão da cidadania, por exemplo –
limita a análise do TCU.
Nesse sentido, as considerações de NOGUEIRA (2013) são certeiras:
Para não prolongar ainda mais o presente capítulo, não temos como nos apro-
fundar em diversos aspectos tratados no relatório do TCU. Contudo, podemos arrolar
alguns temas que ficam muito bem expostos no documento e nos aproximarmos mais
de nossos objetos específicos, já que o IFRJ foi um dos IFs com trabalho realizado in
loco pelo TCU. Os dados lançam luz sobre questões que necessitavam de maior aten-
ção no planejamento da expansão – se esta não tivesse caráter desleixado –, sendo
fundamentais para condução da mesma de agora em diante.
Primeiro, destacamos algumas formas problemáticas de expandir o número de
unidades e o número de matrículas nos IFs, como a expansão por meio de encampa-
ção, principalmente por parcerias com prefeituras, mas também com estados e até
no âmbito de instituições federais.20 Este procedimento no qual são federalizadas
instituições de ensino, de outras esferas de governo, ou absorvidas pelo MEC, quando
já pertencentes à esfera federal, passando a compor a estrutura do instituto mais pró-
ximo geograficamente. Ocorre que, conforme aparece na auditoria do TCU, essa pas-
sagem não é estruturada. Pois são doados prédios, mas sem condições de abrigar as
atividades a que um IF se destina. Em muitos casos, sem haver justificativa clara que
atenda aos critérios da expansão – não há nenhuma relação com arranjos produtivos
locais (APLs), por exemplo. Não obstante, a chegada (com estrutura ou sem) de uma
instituição federal às cidades onde não era esperada, tanto para os políticos locais que
obtiveram essa “conquista”, quanto para o próprio governo federal, era uma grande
fonte de capital político.
Essas foram trilhas criadas como forma de realizar a expansão e atingir o número
perseguido, de maneira que se equacionasse o déficit de estrutura física, mesmo sem
haver uma estrutura humana que acompanhasse. Com efeito, o déficit de estrutura
física e humana será outro problema suscitado pela auditoria, tanto nos campi mais
antigos como nos novos (variando conforme a gestão de cada IF), evidenciado no des-
compasso entre a velocidade da expansão de cursos e matrículas e a infraestrutura
disponível (mesmo esta última variável sendo expandida, não consegue acompanhar
a velocidade da primeira).
Por vezes, o déficit foi aumentado pelos pedidos de remoção, caracterizando a
evasão de professores, com pedidos de transferência, em alguns casos, imediata, agra-
vando um cenário já deficitário, marcantemente nos campi situados no interior.
Ainda em relação ao corpo docente, outro problema era o déficit na formação dos
professores: falta de professores com licenciatura – um problema contraditório, tendo
em vista a obrigatoriedade dos IFs em ofertar pelo menos 20% de cursos de licencia-
tura. O que não significa que a RFEPCT não contasse com professores qualificados –
a qualidade, historicamente construída, das instituições federais de ensino profissional
20 Foi o caso das escolas médias de agropecuária regional da Comissão Executiva de Planejamento da
Lavoura Cacaueira – CEPLAC (Escola Média de Agropecuária da Região Cacaueira – EMARC), que
eram vinculadas ao Ministério da Agricultura –, conforme Decreto nº 7.952, de 12/3/2013.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 169
Como pode ser notado nessas experiências, a relação com as prefeituras não
colaborou para que a implantação dos novos campi fosse realizada sob condições
apropriadas, pelo contrário, são partícipes também desleixados, aguardando colher
os frutos que a ida de uma instituição federal, que traz o histórico reconhecimen-
to das escolas federais de ensino profissional, pode trazer para seus governos locais.
Mesmo que o desleixo beire o descaso, irresponsável, como na experiência do Campus
Floresta do IF Sertão/PE:
21 Ressaltamos que chegamos ao conceito junto com o professor Ricardo José de Azevedo Marinho
(que chamou nossa atenção para o clássico de Sérgio Buarque de Holanda), que foi orientador (junto
com o professor Gaudêncio Frigotto) do trabalho monográfico do qual este capítulo é uma síntese.
22 “(...) o reverso do tipo do trabalhador seria, talvez, o do pequeno rentier. Da mesma forma, o polo
contrário do tipo do aventureiro pode ser representado principalmente pelo vagabundo antissocial, o
outlaw ou o simples ocioso”. (HOLANDA, 2014, p.231)
172 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Contudo, essas características oriundas das diversas formas de convívio “se comba-
tem e regulam diversamente” e precisam ser observadas dentro da complexa trama.
Em outro capítulo, por exemplo, a exposição sobre a construção de nossas cida-
des revela algumas prevalências na direção do empreendimento colonial:
23 Não temos a intenção de esgotar tudo o que a trama extremamente complexa analisada por
HOLANDA (2014) suscita, nem mesmo em relação ao conceito de desleixo, precisaríamos de um tra-
balho inteiro dedicado apenas a esse tema. Para dar uma ideia da dimensão que este trabalho deman-
daria, cabe ressaltar como os diversos elementos trabalhados pelo autor precisam ser levados em conta
conjuntamente: a forte presença de uma cultura da personalidade; as transformações súbitas e sua
relação com a persistência de hábitos de vida tradicionais; nossa herança rural; a prevalência dos sen-
timentos na relações sociais; entre outros aspectos presentes no clássico de nosso pensamento social
que é Raízes do Brasil.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 173
Os campi Nilo Peçanha (IFRJ) e Bom Jesus (IFF), que foram colégios agrícolas,
construíram suas histórias ligadas ao ensino técnico agrícola, característica própria
destes em relação ao resto das instituições que se integraram para compor os IFs no
Estado do Rio de Janeiro.
Dificilmente encontram-se estudos acerca da educação técnica agrícola – nosso
estudo se aproxima bastante da temática, ainda que não a atinja de forma “global”.
Especificamente, estamos tratando de como uma política no âmbito da educação
profissional e tecnológica chega, impacta, nas instituições do campo – no interior do
estado, e que, no caso, já possuem uma história na educação técnica agrícola.
A educação em áreas rurais, até o presente momento, sofre pela estrutura precá-
ria, física (por conta dos prédios e das condições da região – quanto a luz, saneamento
etc.) e humana (quantidade de professores, gestores e mesmo a formação destes).
Quando na verdade necessita de investimentos em muitos casos tão grandes, ou maio-
res,25 do que as escolas urbanas, principalmente no ensino técnico. O técnico agrícola
demanda uma estrutura dispendiosa – por conta de unidades de produção, trato com
animais, e no que diz respeito aos discentes, transportes e até a possibilidade de fixa-
ção em alojamentos nas escolas. As escolas agrotécnicas federais, em boa parte, num
determinado momento adotaram, por exemplo, o modelo de escola-fazenda.
Estudos acerca da infraestrutura das escolas brasileiras demonstram as desigual-
dades existentes entre áreas urbanas e rurais – as últimas em sua maioria precárias –,26
bem como entre as regiões Norte e Nordeste em relação ao restante do país.27
A expansão da RFEPCT, com o aumento dos concursos, sendo atrativos (haja
vista as condições diferenciadas das instituições federais, infraestrutura, salário etc.) e
de fato atraindo professores com alto grau de formação para o interior, tem repercus-
sões perversas. Estas localidades, que sempre tiveram dificuldades devido à escassez
de professores e de infraestrutura, quando veem a possibilidade em instituições que
destoam deste quadro, como é o caso das da RFEPCT, de seguir com uma formação
de qualidade, na realidade se deparam com outros desafios, que quase sempre resul-
tam na evasão – grande problema da EPT, como ficou exposto no relatório do TCU.
Principalmente pela forma com que se chega se interiorizando de forma dispersa,
fragmentária e deficitária, desleixada.
Fizemos nossa visita ao Campus Bom Jesus alguns meses após nossa visita a
Pinheiral. Encontramos muitas semelhanças e muitas diferenças também, o que em
25 “(...) a área geográfica de abrangência de uma escola agrotécnica federal é sempre mais extensa
que a de um CEFET. Em algumas EAFs, os alunos matriculados proveem, às vezes, de mais de 30 mu-
nicípios da mesorregião em que está situada a unidade, o que implica o estabelecimento de políticas
voltadas à implantação de transportes rodoviários gratuitos, no uso e fomento de alojamentos e na
divulgação dos cursos ofertados pelas EAFs ao público alvo”. Relatório de Gestão 2008, SETEC/MEC.
26 Deve-se salientar que, em relação às escolas rurais, poderia-se atribuir esse quadro à educação pú-
blica oferecida nessas regiões, tendo em vista a ínfima participação da iniciativa privada.
27 Cf.: NETO et al, (2013).
Gaudêncio Frigotto (Org.) 175
28 Para uma reconstituição histórica do Campus Pinheiral/IFRJ, utilizamos os trabalhos de NOVI-
CKI (2010, 2012a e 2012b); a dissertação de SILVA, Marília Rodrigues da. A formação do técnico em
agropecuária do Colégio Agrícola Nilo Peçanha Canp/RJ: um estudo de caso sobre a interface com a
agroecologia (2009); os sites da Prefeitura de Pinheiral (<http://www.pinheiral.rj.gov.br/>) e do Cam-
pus Pinheiral/IFRJ (<http://portal.ifrj.edu.br/pinheiral>); o Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI) do IFRJ; e o diálogo realizado em nossa visita com o gestor do Campus Pinheiral/IFRJ.
176 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Escola Agrotécnica Nilo Peçanha, que oferecia o Curso de Técnico Agrícola. Em 1964,
passa a se chamar Colégio Agrícola Nilo Peçanha (CANP). Em meio a um novo período
ditatorial, novas mudanças virão na sequência. O Decreto nº 60.731, de 19/5/1967,
transferiu para o MEC os órgãos de ensino do Ministério da Agricultura. Em 1968,
ano de muitas reformas na educação, o colégio passou a ser subordinado à UFF. Já em
meio a um novo período de redemocratização, o colégio aumenta de área, agregando
o antigo prédio da Fazenda Pinheiro e terras cedidas pelo Ministério da Agricultura.
Pode-se dizer que, findo o período de atividade da Fazenda de Souza Breves, o CANP
está no núcleo do município, criado em 1995, de Pinheiral. Localizando-se em uma
região, em certa medida, privilegiada, por ser cortada por ferrovias e rodovias que
se ligam a grandes centros populacionais e econômicos do Brasil. Idos os tempos da
fazenda, a agropecuária hoje corresponde a um percentual irrisório na economia e na
vida da cidade.
Saindo do Rio de Janeiro, com trânsito fluindo bem, chega-se à cidade em pou-
co mais de uma hora e meia. Silenciosíssima pela manhã, fica difícil até encontrar
alguém para pedir informação. No entanto, logo se esbarra com alguns prédios públi-
cos; talvez por coincidência, chegando à cidade vimos a Secretaria de Educação de
Pinheiral. Ao entrar e pedir informação sobre a localização do campus, de pronto as
funcionárias na recepção nos indicaram o caminho. Perguntamos ainda se a secretaria
tem algum tipo de parceria com o campus; a funcionária diz que não tinha, mas teria.
Sem pestanejar, perguntamos logo, por quê? Porque o atual prefeito é o ex-diretor
do campus, nos disse a funcionária. Assim, de forma surpreendente, começava nossa
visita à cidade e ao Campus Nilo Peçanha.
Anda-se pouco até chegar à linha férrea que corta a cidade, do outro lado há um
conjunto de praças, com parte do comércio fechada e funcionando somente uma espé-
cie de mercearia e uma agência do Banco do Brasil. A pequena biblioteca municipal
também já está aberta bem cedo, onde fomos reforçar a instrução para chegar até o
campus. Ao pedir informação, recebemos mais algumas instruções, em tom animado,
orgulhoso, pelos que trabalhavam na biblioteca. Que por alguns momentos deixaram
escapar um ‘colégio agrícola’, quando queriam se referir ao campus. No entanto,
sabiam da mudança e pareciam ter muita esperança nos novos tempos do campus e da
ex-cidade-dormitório de Volta Redonda, como eles mesmos se referiam a Pinheiral.
Em pleno 2013, passados quatro anos após mais uma reinstitucionalização, pelo
menos até o início daquele ano, quem chegava no Campus Nilo Peçanha corria o risco
de achar que estava no lugar errado, ou no mínimo ficava confuso vendo os discentes
com o uniforme do IF passando pela guarita e vendo a placa que avisa que a área é
monitorada.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 177
FOTO 1
PLACA NA ENTRADA DO CAMPUS NILO PEÇANHA
Nós tivemos um veterinário que foi dar aula de hidrologia e, até hoje,
ele é professor de hidrologia. Ele aprendeu! Ele era veterinário e
trabalhava com peixes. Então, entendia da qualidade da água para
–
29 O Núcleo de Educação a Distância do IFRJ Campus Nilo Peçanha – Pinheiral possuía polos pre-
sentes nas seguintes cidades: Pinheiral, Resende, Volta Redonda, Barra Mansa, São José do Vale do Rio
Preto, Piraí, Porto Real, Rio Claro, Rio das Flores e Rio de Janeiro (Complexo do Alemão).
Gaudêncio Frigotto (Org.) 179
30 “De vocação originalmente agrícola, o Campus Nilo Peçanha – Pinheiral (CaNP) vem ampliando
sua área de atuação desde 2002 no intuito de aumentar a oferta de vagas e cursos à população da Re-
gião Sul Fluminense, principalmente em eixos tecnológicos voltados à prestação de serviços, atuando
em complementaridade com o Campus Volta Redonda/ IFRJ, que atende aos mesmos municípios, mas
tem atuação mais voltada para a área industrial.” (Relatório de Gestão IFRJ 2012).
31 Observando o que estamos expondo – excelente infraestrutura, reconhecido ensino de qualidade,
referência em toda a região e, após a análise do relatório do TCU, que mostrou os índices alarmantes de
evasão, caberia perguntar: como explicar este fenômeno da evasão na EPT? Tendo em vista ainda que a
realização do acesso ao ensino profissional supostamente seria o melhor, e mais rápido, caminho para
a inserção no mercado de trabalho. Este tema demanda análises específicas.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 181
Outra opção encontrada para realização dos estágios foi dar a possibilidade de
fazê-los no próprio campus:32
32 Outros problemas relacionados aos estágios, segundo o Relatório de Gestão do IFRJ de 2012, se-
riam: “dificuldade de envolver docentes nas atividades de supervisão de estágio; pouca procura dos alu-
nos pelo estágio; dificuldade de atendimento aos alunos em estágios externos nas áreas de agropecuária
e meio ambiente; carga horária dos cursos é alta e não favorece o estágio”.
182 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
O rápido panorama que estamos traçando fica sempre comprometido pela ausên-
cia de dados mais “brutos”, ficando relegado a, em sua maioria, visões impressionis-
tas. Essas impressões decorrem também da fala mesma dos discentes e de seus pais
– como nos disse na conversa com a gestão do campus, principalmente através dos
conselhos de classe, reuniões de pais etc..
A presença da instituição na região Sul Fluminense é marcante, com uma história
centenária de atendimento às comunidades de diversos municípios, foi nos últimos
quinze anos, pelo menos, que o ex-CANP e atual Campus Nilo Peçanha sofreu suas
maiores mudanças, de forma incrivelmente acelerada. Pensar que em 1997 a insti-
tuição oferecia apenas um curso e em 2013 contava com nove, em diversas modali-
dades, em outras áreas que não a agrícola. Claro, como já mostramos, muitas foram
as demandas externas que fizeram com que houvesse este crescimento. No entanto,
deveu-se também a decisões internas, principalmente enquanto ainda era CANP –
expandir a oferta, em vez de reduzir, mediante a criação de um novo curso em res-
posta ao Decreto nº 2.208/1997. Caso emblemático, também, a criação do Curso de
Secretariado, em que se atendeu a vontade de abrir outro curso, não o que se queria,
mas o que deu para criar, tendo em vista o que se tinha:
(...) o curso foi o que a gente pode criar. A gente queria criar um cur-
so técnico em administração. Mas na época a gente não tinha vaga
de professor. Então o que a gente tinha disponível eram professores
mais da área de língua portuguesa. Porque o secretariado pode estar
tanto na área de administração como na área de linguagem. Então
quem assumiu o curso (o pesado do curso) hoje é da área de lingua-
gem. [Gestor do Campus Nilo Peçanha] (Arquivo pessoal)
Contudo o curso “não está bem das pernas”, como nos falou a gestão do campus,
a procura estava muito baixa. A gestão especulava que era pelo nome do curso mes-
mo, que sofria um certo preconceito, sendo procurado apenas por meninas. Por conta
disso, a intenção ainda era de oferecer o Curso de Administração.
Havia ainda a previsão da abertura do Curso de Panificação, que já estava com
equipamentos comprados e laboratórios finalizando a arrumação, e um Curso de
Gaudêncio Frigotto (Org.) 183
Esta modalidade contava com a peculiaridade de, por conta da EAD ir até os
discentes, o Campus Nilo Peçanha estar presente na região metropolitana do Rio de
Janeiro. Ao oferecer um dos cursos no Complexo do Alemão, fazia o que nenhum
outro campus do IFRJ faz, oferecer EAD e ainda estar dentro de alguma comunidade
na área de abrangência do instituto. Mais um elemento para as inúmeras equações no
âmbito dos IFs, como falar em APL, interiorização, entre outras hipóteses. Também
foi através desta modalidade que houve uma maior expansão no número de matrícu-
las, se consolidando como um importante instrumento de atendimento a demandas
das prefeituras circunvizinhas.
Com a nova institucionalidade e desafios, também associados a vontades anterio-
res à transformação, abriu-se a oportunidade/demanda pelo oferecimento de licencia-
turas. Curiosamente, projetava-se oferecer o Curso de Licenciatura em Computação.
O campus já oferecia Curso Técnico de Informática, porém fica estranha a opção
de, com história centenária na área agrícola, ser seu primeiro curso de graduação a
Licenciatura em Computação.
184 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Na realidade, era de se estranhar que se quisesse abrir este curso, pois, do pon-
to de vista legal, o campus não tem essa obrigação. Esta é uma discussão que está
presente em todos os IFs com os quais, por conta da pesquisa, tivemos algum tipo
de contato. Os percentuais presentes na Lei nº 11.892/2008 estão definidos por
campi; por isso, há possibilidade de algum dos campi não oferecer determinada
modalidade, se o percentual for atingido com o que se oferece em apenas alguns, em
outras palavras, o percentual é por campi (IF) não por campus. Isso inclui o PROEJA
também. Aliás, esta é uma confusão presente na legislação própria do programa, uma
questão que não foi devidamente resolvida antes de ser trazida para a legislação dos
IFs. Mesmo no Acordo de Metas e Compromissos do IFRJ, não havia especificação
quanto ao oferecimento do PROEJA. Constava na cláusula segunda – Das Metas e
Compromissos – apenas que: compromisso da oferta de curso de PROEJA (Técnico e
FIC) na perspectiva de promover a inclusão e atender a demanda regional, conforme o
disposto no Decreto nº 5.840, de 13/7/2006. Este é o único documento que se referia
ao PROEJA de forma clara, no que diz respeito ao programa, não aos percentuais.
Pois a Lei nº 11.892/2008 não faz referência a este, mas, sim, à oferta ao público de
jovens e adultos.
nesta modalidade por grande parte dos docentes era talvez o problema que causasse
maior desgaste na sua relação com os gestores dos campi. Havia também resistência
por parte destes últimos em tentar implantar o programa.
Afinal de contas, todas as questões que estamos apresentando acerca da criação
dos cursos no Campus Nilo Peçanha foram reverberações da ausência de uma regula-
mentação para a criação de cursos. Não existia um protocolo a ser seguido. Sem ele, os
cursos vão “conforme a maré”, isto é, no caso em tela, conforme as demandas gover-
namentais e a vontade da instituição, criando a situação de, ao se perguntar como se
dava a criação de cursos num campus de um IF, a resposta dependesse de qual IF se
estava falando e da medida tomada por cada um.35 Portanto, faltavam critérios para
o procedimento – não havia estudo de demanda, por exemplo.
Ainda no Acordo de Metas e Compromisso do IFRJ, quanto ao ensino superior,
mais especificamente licenciaturas, sim, havia um percentual estabelecido, os 20%
que estão na Lei nº 11.892/2008; quanto à formação pedagógica, como foi apresenta-
do no relatório do TCU, havia poucos docentes com esta formação. A solução encon-
trada pelo TCU foi a de que os próprios IFs formassem seus quadros. Esta ideia foi
expressa pela gestão do Campus Nilo Peçanha também, dizendo que acreditava na
licenciatura dentro dos IFs, mas para formar docentes para o ensino médio técnico.
A questão que se impõe tanto a essa visão quanto às indicações do TCU, e que veio à
tona após análise do trâmite do PL que deu origem à lei dos IFs, que reforçamos agora,
é: se há o déficit na formação pedagógica dos professores dos IFs, quem vai ministrar
na licenciatura?36
Na verdade, em Pinheiral, o Campus Nilo Peçanha tinha preocupações mais
urgentes antes de resolver o imbróglio (pensar duas vezes antes de abrir novos cursos
seria o correto e deveria ser enfatizado). Um problema que vimos em nossa visita ao
campus, e que algum tempo depois apareceu no relatório do TCU como uma questão
generalizada dos campi situados no interior: o número elevado de pedidos de remo-
ção para os campi situados em regiões centrais, capitais, ou simplesmente para onde
fosse mais próximo da residência dos docentes.
Quadro muito semelhante no Campus Nilo Peçanha com boa parte dos pedi-
dos de docentes ainda em estágio probatório! Isso confirma nossa hipótese de que o
problema de fixação de docentes em campi do interior não se deve exclusivamente à
estrutura das escolas nestas localidades, nem a dificuldades de acesso – estas questões
existem –, pois um docente que faz um concurso para determinada localidade e de
35 No caso do Campus Nilo Peçanha, as constatações presentes no Relatório de Gestão 2012 do IFRJ
decorrem, em boa parte, da falta de regulamentação, tanto dos campi quanto da política de expansão:
“Baixa procura pelos cursos de Secretariado e Agroindústria; dificuldades operacionais nos polos de
EAD, que são coordenados por profissionais indicados pelas prefeituras; impossibilidade (institucio-
nal) de abertura de novos polos para atendimento de outros municípios”.
36 Cf.: capítulo 3 da presente publicação.
186 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
imediato pede remoção não pode ser justificado apenas por aquelas condições. No
caso de Pinheiral, isso era evidente, o campus possui uma ótima estrutura e a cidade
não oferece dificuldades absurdas de acesso. Na época de nossa visita, a gestão do
campus estimou que, dos 30 recém concursados, 13 estavam pedindo remoção.37
Diante desta situação, os editais têm de ser bem claros quanto a essa questão de
que se está fazendo concurso para determinado campus e qual a realidade atual dele,
instalações, localização, cursos que oferece, deixando nítidas as possibilidades que
poderão encontrar. Por sua vez, a SETEC, em conjunto com os IFs, deve, a nosso ver,
regulamentar esta situação, tendo critérios e procedimentos para remoção (isso tam-
bém está nas considerações do TCU), o que alguns IFs têm feito por iniciativa própria.
Toda a configuração atual do Campus Nilo Peçanha é marcada fortemente pelos
últimos anos antes da reinstitucionalização, do ainda CANP, principalmente pelos
dois mandatos à frente da direção geral do colégio, e dos primeiros anos como cam-
pus, de José Arimathéa. Com outros profissionais do antigo CANP, mesmo antes da
expansão, deu novas dimensões para o colégio e até nova visibilidade. Já como uma
liderança, participou da solenidade no Palácio do Planalto em que o então Presidente
Lula, com a presença do Ministro da Educação Fernando Haddad, encaminhou ao
Congresso o PL nº 3.775/2008.38 Na época, o CANP estava em evidência por alcançar
os melhores resultados no ENEM entre as escolas do Médio Vale do Paraíba do Sul,
em 2005, 2006 e 2007, sendo motivo de orgulho para a cidade de Pinheiral.
Como uma figura de indiscutível liderança entre os gestores da EPT no Brasil,
quando aprovada a lei que institui os IFs, e definido que o CANP passaria a ser um
dos campi do IFRJ, Arimathéa se colocou à disposição para assumir a Reitoria do
instituto. O fato apresentava uma situação atípica, pois seria natural que o cargo fosse
ocupado pelos ex-diretores dos CEFETs, quando estes fizessem parte do novo arranjo
institucional. Um processo justificado apenas por esta naturalização, pois, no caso
do CANP, esta era uma das instituições mais antigas que deram origem ao IFRJ – a
única com a decantada história centenária das escolas técnicas (ainda que não tivesse
origem nas escolas de aprendizes e artífices). Frustrada a tentativa, Arimathéa con-
tinuou seu trabalho no campus: aumento na oferta de cursos, do número de vagas,
da infraestrutura, atendimento no horário noturno, cursos a distância, expandindo e
reforçando a presença do Campus Nilo Peçanha na região. O orgulho da cidade agora
37 No Relatório de Gestão 2012 do IFRJ ainda aparecem outros problemas enfrentados pelo Campus
Nilo Peçanha: “Ausência de professores em algumas disciplinas – falta de vagas e licenças médicas;
greve dos servidores federais pelo segundo ano consecutivo – atraso do calendário letivo, atraso dos
planejamentos anuais e semestrais, curtos prazos para avaliações e reuniões; o sistema SIGAEdu ainda
está em fase inicial e apresenta muitos problemas, dificultando a adequada alimentação dos dados pe-
los professores; o sistema de registro de biblioteca produzido pelo MEC não ficou pronto; falta de polí-
tica institucional para as bibliotecas do IFRJ; falta de profissional capacitado; custo de sistemas pagos”.
38 Criação dos IFETS: diretor de colégio agrícola da UFF representa diretores das escolas técnicas
em cerimônia no Planalto, 30/7/2008. Disponível em: <http://www.noticias.uff.br//>. Acesso em:
30/5/2018.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 187
dava oportunidade a quem nunca havia pensado em ter acesso à instituição poder
entrar, além de orgulhosos pela escola, gratos pela oportunidade. Esse trabalho para o
crescimento do CANP e do Campus Nilo Peçanha esteve centrado politicamente mais
fora do que dentro da instituição, à época ainda vinculada à UFF, talvez Arimathéa
tenha sido o primeiro a promover esta articulação externa, tendo em vista as dificul-
dades intrainstitucionais, já mencionadas aqui. Isso levou não só a maior presença
do Campus Nilo Peçanha nestes espaços, como também do gestor. Em 2012, então,
Arimathéa foi lançado candidato à Prefeitura de Pinheiral. Um desafio não só pelo
ineditismo de um professor oriundo do campus se colocar à disposição da municipali-
dade, mas até pelo cenário político, concorrendo com a candidatura do na época atual
vice-prefeito, de um ex-secretário da saúde do município, e de um vereador. Porém,
derrotando todos, Arimathéa assume a prefeitura.
Fica clara a íntima relação do Campus Nilo Peçanha e toda sua história pregressa
com a cidade de Pinheiral. Relação que se assenta muito mais no âmbito político do
que educacional ou econômico. Não obstante a falta de clareza quanto ao que seriam
os APL do município, a confluência entre a formação social do município com a histó-
ria do campus não resultou neste atendimento. Por meio dos elos estabelecidos com
a prefeitura e o poder político local, o campus construiu pontes importantes do muni-
cípio de Pinheiral com outros da região; outrossim, os laços com a comunidade local
estão fortalecidos pelo sentimento de gratidão e pelo aumento da permeabilidade da
instituição que, ao dar oportunidade para a comunidade adentrar no campus, deixou-
-a também orgulhosa. O fato de ser uma instituição federal, representando de certa
forma a presença deste poder no município, também tem um peso importante.
Apesar disso, a dissonância entre cursos oferecidos e cursos procurados indica
que o diálogo entre as partes ainda é precário, o fato de o acesso à instituição se dar
mais incisivamente através do curso a distância acarreta, literalmente, um acesso
com afastamento entre as partes. A chegada de um gestor oriundo do Campus Nilo
Peçanha, inclusive, pode representar a resolução de um problema de origem em
Pinheiral, e do próprio campus. O problema das terras deixadas por Souza Breves
que, por não ter herdeiros, passaram para a União, incluindo o campus e grande parte
da cidade. Só que os moradores até hoje não possuem escritura de posse das terras;
a prefeitura, por sua vez, na última gestão, entrou com processo requerendo o repas-
se de parte das terras que pertencem ao campus para a prefeitura. A questão é um
complicador para a instalação de indústrias, empresas ou qualquer outra iniciativa no
município, representando um grande entrave para o avanço da cidade.
caso do Campus Nilo Peçanha, seguindo seu curso em função das fontes as quais tive-
mos acesso. Também contando com uma visita ao campus e levantamento documen-
tal. Não tivemos acesso a trabalhos que se dedicassem ao Campus Bom Jesus, ou ao
Colégio Agrícola Ildefonso Bastos Borges, como os que encontramos sobre o Campus
Nilo Peçanha. Não obstante estas diferenças, faremos muitas aproximações entre as
instituições, com o intuito de chegar a nossa motivação inicial de contribuir para o
desenho do quadro da educação do campo no âmbito dos IFs. Dialogando, também,
com o quadro geral apresentado, esclarecendo o que pode ser inserido neste e o que é
peculiar aos casos aqui estudados.
Desde nosso embarque no ônibus, na Rodoviária Novo Rio, o sotaque de alguns
passageiros que conversavam sobre voltar para casa dava a sensação de que estáva-
mos prestes a iniciar viagem para fora do estado. A preocupação de uma senhora, em
fazer com que a criança que estava com ela vestisse seu casaco, poderia demonstrar
apenas o cuidado de avó, não fosse pelo comentário seguinte – “lá é ruim de médi-
co, menino!” – viríamos saber que este “lá” era uma cidade vizinha a Bom Jesus do
Itabapoana, onde a senhora desceu com a criança. Ambos os registros nos causaram
mais ansiedade com relação ao que iríamos encontrar em nossa visita.
Chegando a Bom Jesus do Itabapoana nos deparamos de imediato com o cam-
pus, localizado na entrada da cidade. Ao passarmos pela portaria, diferentemente
do Campus Nilo Peçanha, vemos logo o prédio do Campus Bom Jesus. Como em
Pinheiral, o campus conservou o nome do antigo colégio agrícola. Resquícios da insti-
tucionalidade anterior ao IF, vinculada à UFF, podem ser encontrados logo na entra-
da. Em Bom Jesus por um momento acreditamos que estes resquícios só estariam nos
prédios mais antigos (na própria estrutura ou em respectivas placas de inaugurações).
Contudo, com olhar mais atento, logo percebemos resíduos pré-reinstitucionalização
em placas de patrimônios, ainda da época de UFF.
Conversamos, no Campus Nilo Peçanha, com um dos gestores da instituição.
Logo no início de nossa conversa, o gestor, que entrou para a instituição já como IF, no
entanto, vendo o colégio agrícola de fora por ter nascido na região, expõe a celeridade
com que o agora campus vem crescendo. Ressaltando as mudanças em relação ao
colégio agrícola e suas proporções, sensivelmente maiores, principalmente, no relati-
vo às matrículas, com seu crescimento exponencial nos últimos anos.
O Campus Bom Jesus cresceu muito nos últimos anos, passando por várias
mudanças, e não para de crescer, é o que nos diz o gestor. Segundo ele, as demandas
não param de chegar: “O governo só quer aumentar vaga”. Demandas que seguem a
lógica do produtivismo, como fica claro, ainda na fala do gestor, quando expõe que
existem metas a cumprir, à medida que são atingidas são colocadas outras novas,
maiores ainda, que devem de alguma forma ser atingidas. São metas que não decor-
rem de constatações objetivas, nem de algum projeto do instituto para a cidade, ou
para a região onde está inserido o campus. Este aumento das matrículas é assustador
Gaudêncio Frigotto (Org.) 189
para os docentes que estão na instituição desde o colégio agrícola: “De duzentos alu-
nos de uma hora para outra passar para mil”, alarmado, nos fala o gestor.
A área construída do Campus Bom Jesus aumentou bastante em relação à área
construída do colégio agrícola. Já foram muitas construções realizadas após a reins-
titucionalização, ainda assim o descompasso entre a estrutura física e o aumento no
número de matrículas é preocupante. O quadro pessoal (funcionários administrativos,
docentes etc.) também cresceu bastante, três a quatro vezes, sem que corresponda à
demanda criada pelo contingente de discentes: “A gente não consegue acompanhar
esse ritmo frenético de transformações”, diz o gestor. É o fenômeno da expansão com
déficit. Expansão das matrículas com déficit na estrutura – para qualquer lugar onde
se olha vemos diversas obras no campus.
Claro que as reformas e ampliações são importantes, benéficas, otimizando a
estrutura da instituição, que já se enquadraria no rol das escolas avançadas, dentro da
metodologia de classificação que mobilizamos para tratar do Campus Nilo Peçanha.
Por exemplo, a nova biblioteca, além de atender melhor aos discentes, tem menor
possibilidade de sofrer acidentes, levando em conta que a região sofre com enchentes.
O problema é a forma como vêm acontecendo as mudanças, a velocidade foi ressalta-
da várias vezes pelo gestor. Por conta dessas mudanças muito rápidas, o descompasso
entre expansão de matrículas e estrutura (não apenas física) do campus aparece todo
o tempo. O campus já conta com alojamento para meninos e meninas. No entanto,
a expansão vem ocorrendo só após o maior oferecimento de vagas, o que resulta na
necessidade de serem adotadas medidas de auxílio para a permanência dos discentes,
todas financeiras (auxílio moradia, auxílio transporte, entre outros). Claro que devem
ser tomadas medidas para possibilitar a permanência dos discentes, entretanto, nova-
mente, a forma como acontece, deixando os discentes ainda adolescentes fora do
espaço do campus, tendo que alugar alguma casa na cidade, é que gera consequências
preocupantes para a gestão, sem ter controle sobre as condições das moradias.
Quando perguntamos sobre a relação entre o número de discentes e as vagas dos
alojamentos, tivemos a surpresa de, segundo o gestor, a maioria dos discentes serem
oriundos da cidade.
Como acontece no Campus Nilo Peçanha, em Bom Jesus há reuniões com os pais
dos discentes. O gestor nos fala da situação curiosa em apenas circular pela cidade e
encontrar com os discentes e com alguns pais. Como os discentes em sua maioria são
da localidade, o encontro (a “reunião”) com os pais acontecia quase todos os dias. Com
cobranças, perguntas sobre a situação dos filhos, enfim, todo tipo de assunto referente
ao campus.
Mesmo os discentes mantêm algum tipo de relação, e até os jovens que não con-
seguiram entrar na instituição – em um episódio, o gestor ouviu reclamações por
conta da adoção, no processo seletivo, da política de reserva de vagas (cotas). “Cidade
pequena a gente fica sabendo de tudo”, nos disse, falando sobre os comentários que
190 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
chegaram aos seus ouvidos dos candidatos que não conseguiram ingressar na institui-
ção. Ainda sobre a relação com os discentes, o começo de trabalho na gestão transcor-
ria bem. A procura pelo gestor era bastante grande – nas poucas horas em que estive-
mos na sala conversando com ele, percebemos isso, com alguns discentes batendo à
porta ou ligando, procurando-o.
Muitos dos discentes bom-jesuenses são filhos de produtores rurais. Esta é uma
diferença marcante na formação econômica e social entre as cidades de Pinheiral e
Bom Jesus do Itabapoana. Pinheiral tem sua história ligada à fazenda produtora de
café, o Campus Nilo Peçanha e parte da cidade estão nas terras onde outrora havia
uma fazenda. Porém, esta é uma realidade que há muito ficou para trás, mudança
marcada, principalmente, pela instalação da CSN em Volta Redonda, cidade vizinha.
Bom Jesus do Itabapoana seguiu caminho conservando a estrutura agrária, com um
capitalismo agrário deitando raízes profundas, sem contar, ainda, a proximidade com
a cidade de maior volume de estabelecimentos agropecuários do Estado do Rio de
Janeiro, Campos dos Goytacazes, cidade sede da reitoria. A Tabela 3 apresenta uma
das variáveis que representa bem esta diferença na composição estrutural das cidades:
TABELA 3
PESSOAL OCUPADO EM ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS
O fato dos discentes, em sua maioria, serem “filhos da cidade” e com perspectivas
efetivas de trabalharem no setor agropecuário, faz com que o ensino no Campus Bom
Jesus esteja em consonância com o APL da cidade. Ainda que esta não seja uma obra
da política de expansão, mas da confluência da formação econômica e social da cidade
com a história do campus. Outra evidência da confluência, é que no Campus Bom
Jesus a maior procura ainda é pelo Curso de Agropecuária – com uma alta relação
candidato/vaga (mais ou menos dez candidatos por vaga, segundo o gestor), diferen-
temente do Campus Nilo Peçanha onde o curso a cada dia apresenta menor procura e
um alto índice de evasão.
A relação com a cidade também se diferencia na ligação com o poder político.
Segundo o gestor, começavam algumas parcerias, porém ainda muito incipientes.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 191
39 Após visita ao Campus Bom Jesus, a circular pela cidade, não encontramos escolas privadas de
ensino técnico, muito pelo contrário, existe sim uma instituição do estado – FATERJ – fazendo com
que Bom Jesus do Itabapoana não se enquadre no contexto geral do Estado do Rio de Janeiro, de muito
avanço das matrículas nas escolas privadas em relação às públicas.
192 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
40 Um estudo sobre egressos e egressas seria fundamental para a construção de um planejamento
adequado.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 193
prefeituras circunvizinhas. O gestor deixa claro esta diferença: “nós temos uma visão
muito micro da realidade do local”.
A conversa com o gestor do Campus Bom Jesus deixa claro como a política de
expansão era complexa de ser administrada, pelas heranças, frustrações, reivindica-
ções, projetos e todo tipo de resquício do passado em que estava imerso, acrescido dos
novos desafios que foram impostos. No que diz respeito ao ensino, por exemplo, apa-
receram muitas circunstâncias semelhantes ao Campus Nilo Peçanha. A questão da
formação pedagógica dos docentes era uma delas. Na verdade, a ausência desta forma-
ção era o problema. O que reverberava na relação dos docentes com os discentes e, no
limite, na permanência destes últimos na instituição. Este problema, provavelmente,
estava generalizado no âmbito da RFEPCT e com a reinstitucionalização, como já disse-
mos, a nosso ver, reverberava na questão da oferta de licenciaturas, obrigação dos IFs.
Na experiência do Campus Bom Jesus outra semelhança perversa, que por estar-
mos analisando também o Campus Nilo Peçanha, e pelo que estava no relatório de
auditoria do TCU, sabemos não ser particular, o problema das remoções está entre
as questões prementes. Se quisermos falar em particularidade, poderíamos afirmar
que este era um dos grandes problemas da educação do campo no contexto dos IFs. A
situação era muito similar entre os dois campi, com muitos pedidos de remoção por
parte dos docentes, alguns ainda em estágio probatório.
O IFF adotou a medida de abrir edital interno para docentes e técnico-administra-
tivos em educação se candidatarem à remoção para outros campi. Para se candidatar,
servidores que estiverem em efetivo exercício deveriam preencher os seguintes requi-
sitos: ter cumprido, com aprovação, o estágio probatório até a divulgação do resultado
final do edital; estar inscrito na Plataforma de Mobilidade do IFF; não ter sofrido
sanção nos últimos três anos, no respectivo cargo, oriunda de processo administra-
tivo disciplinar, sindicância advinda da comissão de ética; não ter sido efetivamente
removido nos últimos cinco anos, em conformidade com o Art. 8° da Portaria n° 846,
de 28/9/2012. Ainda assim, esta situação é mais um indicativo de que o problema
deveria ter atenção de todos os IFs e da SETEC. Mesmo ocorrendo em conformidade
com as normas do IFF, as remoções devem ter atenção preventiva, para evitar epi-
sódios, como nos conta o gestor, em que os docentes foram removidos e não foram
preenchidas as vagas deixadas em aberto.
Além dos docentes que chegam, mas não querem ficar, mesmo se ficassem ain-
da haveria necessidade no aumento do número do corpo docente, o Campus Bom
Jesus tem uma grande demanda, tendo em vista o vertiginoso aumento no número de
matrículas de discentes e, também, outras circunstâncias pontuais, como as ausências
dos docentes para fazer mestrado ou doutorado. O campus precisa de pelo menos
vinte docentes, nos diz o gestor, que a todo o momento destaca o impacto do aumento
acelerado e sem estrutura: “crescer desordenadamente chega uma hora que a gente
não suporta”.
194 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
outras indústrias que têm se instalado nos últimos anos em cidades vizinhas – com a
estreita ligação entre a história da cidade e da instituição, acrescida das novas ligações
com as prefeituras vizinhas, redundaram numa forte vinculação com o poder político,
com seu apogeu na eleição do ex-diretor do Campus Nilo Peçanha para assumir a
prefeitura de Pinheiral. Em Bom Jesus, a relação com a cidade redunda em aspectos
que não estão presentes em Pinheiral, destacadamente a relação com o setor produti-
vo local, principalmente pela presença dos filhos e filhas de produtores e produtoras
rurais. No fim, também chegamos à constatação de ligação com o poder local, só que
no caso de Bom Jesus, o poder econômico local.
A cidade de Bom Jesus do Itabapoana não faz tanto apelo à sua história.41 Desde
seu nome, sua marca está ligada as suas condições geográficas, carregando a marca da
natureza, do rio Itabapoana que passa por trás do campus. Sobre sua história pouco
encontramos e quando havia alguma coisa aparecia com muitas discrepâncias, depen-
dendo da fonte. Contudo, a cidade tem vida própria, inclusive sendo referência para
outras cidades do entorno, que vivem em função dela. Possui algumas indústrias liga-
das à agropecuária e a produtores agrícolas, e nos serviços tem a maior concentração
do seu Produto Interno Bruto (PIB).
Diferentemente de Pinheiral, o Campus Bom Jesus consegue manter esse vínculo
com a estrutura econômica da cidade. Pinheiral, além da recente emancipação, vive
ainda bastante em função de Volta Redonda – não por acaso carrega a marca de cida-
de-dormitório.
Na história do Campus Nilo Peçanha , desde a época de CANP, a instituição se fez
referência para a região onde estava, ganhando destaque e até uma certa autonomia,
que a fez galgar por diversas vezes a desvinculação da UFF, e já no processo de cons-
tituição dos IFs, colocou à disposição candidato para gerir o IFRJ. No Campus Bom
Jesus não, seguindo caminho discreto, sem olhar muito além de sua volta – o Campus
Nilo Peçanha está até no município do Rio de Janeiro por conta da EAD –, tem raízes
muito bem definidas na cidade, tanto é que não passa pelo problema de oferta e pro-
cura em seu ensino, como acontece em Pinheiral.
Na época de nossa visita, o Campus Bom Jesus oferecia os cursos técnicos em
agropecuária, agroindústria, informática e meio ambiente, todos nas modalidades
concomitante ou integrado ao ensino médio.42 No nível superior, o site do campus
dizia que se oferecia Bacharelado em Ciência e Tecnologia de Alimentos, no entanto,
em nossa entrevista, o gestor nos disse que o curso ainda estava sendo estruturado.
Outrossim, passou a oferecer na modalidade EAD o Curso Técnico em Segurança do
41 Carentes de dados sobre a história da cidade, utilizamos a seguinte fonte: <http://www.bomjesus.
rj.gov.br/nossa-historia.html/>. Acesso em: 30/5/2018.
42 Segundo o gestor com quem conversamos, o Campus Bom Jesus não oferece a modalidade subse-
quente, pois o IFF oferece os cursos concomitantes para os que estão cursando o ensino médio e para
os que já o concluíram, englobando assim o público que seria do subsequente.
196 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Conclusão
no que diz respeito à educação profissional. Com suas enormes proporções, impul-
sionadas pela busca de se atingirem números jamais alcançados, na oportunidade de
acesso, quantidade de escolas, regiões atingidas, entre outras hipóteses. No entanto,
a forma como se desenrolou demonstra como não obteve atenção proporcional, sem
obedecer a qualquer tipo de cálculo que não o político – e a política na forma que
se apresentou na conjuntura da primeira década deste século. Nesse sentido, se faz
emergente a análise pormenorizada daquele desenrolar, e de sua continuidade, ou
não, no presente momento. Foi com este ânimo que nos lançamos para a feitura des-
te trabalho. Como já salientamos, uma minúscula contribuição dentro do projeto de
pesquisa em que se inseriu, e menor ainda diante do desafio que se coloca para todos
que se dispõem a entender e contribuir com a educação profissional e tecnológica hoje
no Brasil.
Com relação à forma como vinha sendo conduzida a expansão da RFEPCT, seu
estilo “decisionista”, de cima para baixo, a cada avanço que provocava e novidade
que criava, em algum aspecto acrescentava mais uma camada no déficit democrático
e de República presente na gestação de todas as políticas e dos programas educacio-
nais. Este déficit, consentido por alguns atores que poderiam e deveriam interferir,
na medida em que são partes que constituem o tecido da RFEPCT, ao fim e ao cabo
redundaram apenas em idealizações, concepções sem substância. E o impacto na vida
dos envolvidos com a EPT acabou por ser dos mais imprevistos e adversos possíveis.
Questão, a nosso ver, importante e decisiva para os servidores dos IFs, era se
posicionar no que diz respeito a continuar (ou não) a aceitar aquela política e pro-
gramas na forma como chegam aos campi, muitas vezes, enfiados “goela abaixo”.
Se colocar de forma lúcida a partir das experiências vividas no chão de cada campus
em diálogo com a comunidade onde estão inseridos e com a SETEC – que melhor
representa o MEC no que diz respeito à RFEPCT –, tarefa que não era simples, mas
fundamental para definir os rumos da expansão.
Procuramos no trabalho apresentado abrir novas variáveis e ressaltar outras que
encontramos em outros trabalhos, visando dimensionar o quão complexo são os IFs.
O que fica patenteado em nossos apontamentos acerca do trâmite no Congresso
Nacional do projeto de lei que redundaria na Lei nº 11.892/2008, normativa que con-
sagra idealmente/formalmente a nova RFEPCT, trazendo muitos elementos para as
discussões sobre a política de expansão e da própria identidade dos IFs. Também a
análise do relatório do TCU, documento que oferece o maior e o mais consistente
número de dados, obtidos de diversas fontes, que só a mobilização de uma grande
estrutura, como dispõe o TCU, poderia fazer.
O problema da formulação de dados deve receber atenção, pois é um requisito
básico para a condução da política, já salientado pelo TCU antes do começo da expan-
são da educação profissional – em 2005. Mesmo que venham sendo produzidos os
dados indicados para compor os relatórios de gestão, a ênfase dada a este aspecto,
198 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
novamente, mostra como a cunhagem dos dados demanda minúcia e estrutura. Este
aspecto é importante de ser registrado, uma vez que o diagnóstico da atual situação
dos IFs e seu acompanhamento depende em muito da construção de dados consisten-
tes e variados, bem como do trato que vão receber.
Este aspecto salientado acima será importante na análise dos cursos e de suas
séries históricas (evasão, egressos e egressas, estágios), o que é de fundamental
importância para o prosseguimento daqueles (cursos), ou para se pensar em outros,
atentando ainda para o perigo de, ao menor descuido, ficarmos imersos (perdidos) na
confusão que é a realidade da reinstitucionalização, com diversos tempos ali presentes
convivendo, diversas instituições, podemos dizer. Esta confusão é o aspecto, a nosso
ver, central quanto às discussões que se debruçam sobre a questão da identidade da
nova institucionalidade. Fato ignorado na concepção dos IFs, a história de cada insti-
tuição, os vínculos que estruturam cada uma e mesmo o decantado aproveitamento da
antiga estrutura física e pedagógica não tiveram atenção específica, deixando de lado
a vida material das instituições. Enfim, foram reinstitucionalizadas sendo ignoradas
de corpo e alma.
Já que não se pensou no conjunto de ações necessárias à implementação dos IFs,
nas condições em que os indivíduos ou grupos as realizariam, possibilitando a conse-
cução de objetivos estabelecidos previamente, também frutos de observações realistas
e lúcidas, “apagar os incêndios” e propor medidas que os evitassem eram o que urgia
no âmbito dos IFs. Era esta a tônica, a nosso ver, das ações que seriam feitas, pensar
e agir sobre a expansão sem que ela fosse suspensa, pará-la poderia acarretar maiores
acidentes, até mesmo pela existência de aspectos positivos, talvez desacelerá-la fosse
uma alternativa, para tentar acertar o passo entre as condições reais das instituições
e a expansão.
Claro, a expansão também deveria ser projetada de forma realista – sem metas
e números tirados do nada e sem base alguma. Em outras palavras, abandonando
a lógica da pedagogia produtivista. Que não respeita nenhuma acepção pedagógica
propriamente, tampouco qualquer outra gramática que não a do mercado. Entender
que este não se configura numa esfera alheia e autônoma à sociedade é problema tam-
bém a ser levado em conta.
A heterogeneidade em termos acadêmicos e sociais, como o TCU classificou os
IFs, demanda ações diversificadas e direcionadas a cada segmento atendido. Acontece
que os IFs são instituições tão confusas que até uma normativa, ou avaliação, que
busque enquadrá-los junto a outras acaba se tornando confusa também. Isso fica
patente na legislação e na avaliação, voltada para o ensino superior.
O tema da identidade, bastante presente nos trabalhos que têm por objeto os
IFs, muitos produzidos por pesquisadores que pertencem a algum dos campi, cada
vez mais, como ficou claro em nosso trabalho, aponta para a diversidade e comple-
xidade destas instituições. Exatamente por esta complexidade que a condução da
Gaudêncio Frigotto (Org.) 199
Referências Bibliográficas
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São
Paulo: Alameda Casa Editorial, 2005.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
2014.
NETO, J.J.S.; JESUS, G.R.de; KARINO, C.A.; e ANDRADE, D.F.de. Uma escala para
medir a infraestrutura escolar. In: Est. Aval. Educ., v.24, n.54. São Paulo, jan./abr.
2013, p.78-99.
NOVICKI, Victor e PASSOS, Sara Rozinda. Colégio Agrícola Nilo Peçanha: gestão e
competências socioambientais na formação do técnico em meio ambiente. In: Revista
Contrapontos, v.10, n.2, maio-ago. 2010, p.177-185.
VIANNA, Luiz Werneck. Estado Novo do PT. In: A modernização sem o moderno.
Análises de conjuntura na era Lula. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de
Janeiro: Contraponto, 2011, p.25-34.
1. Sobre o PROEJA
podendo ser ofertado também pelas redes de ensino estaduais, municipais e pelo
Sistema S.2 (BRASIL, 2006)
O programa pode ser ofertado na formação inicial e continuada (FIC) ou como
habilitação técnica no nível médio, nível em que focamos nossa pesquisa. Os cursos
de educação profissional técnica de nível médio têm carga horária mínima de 1.400
horas, das quais, no mínimo, 1.200 horas serão destinadas à formação geral e 200 à
formação profissional. A carga horária mínima da formação específica deve atender
àquela estabelecida para a respectiva habilitação. (BRASIL, 2006, art.3º)
Conforme NEVES (2015), o PROEJA se insere na conjuntura da pedagogia políti-
ca renovada do capital, que almeja conquistar “o consenso das classes subalternas em
torno de um novo padrão de vida, de produção e de consumo sintonizados com a pre-
cariedade do trabalho, com a desregulamentação de direitos e com a individualização
da luta pela sobrevivência” (p.24). Assim sendo, o programa é identificado pelo autor
como parte da dinâmica de redimensionamento das políticas públicas de qualificação,
emprego e renda, que atribui aos programas de formação e de qualificação profissio-
nal o poder de elevar o nível de emprego da população.
Frente ao contexto da reestruturação produtiva das últimas décadas, uma nova
cultura do trabalho, a imposição de um novo senso comum à classe trabalhadora, as
novas demandas à formação do trabalhador e aos seus espaços formativos se expõem.
A formação e a qualificação do trabalhador passam a ser centrais para o combate ao
desemprego e se propaga a máxima de quanto maior a qualificação, menor a chance
de desemprego.
A partir do Documento Base (BRASIL, 2007), podemos identificar seus objetivos:
“universalização da educação básica, aliada à formação para o mundo do trabalho”
(p.12), com a pretensão de ampliar a formação humana com vistas à superação do
modo de produção capitalista. Há que se notar a preocupação expressa em garantir
o equilíbrio social, uma vez que, por meio da formação, da qualificação e do acesso à
escolarização se cria a ilusão da integração social e laboral.
O Documento Base também sinaliza como objetivo a perenidade de educação de
qualidade, pública e gratuita “visando à transformação da sociedade em função dos
interesses sociais e coletivos, especialmente os da classe trabalhadora” (p.35), uma
vez que reconhece o fato de que para os filhos desta classe tem restado “quando muito,
a formação profissional de caráter meramente instrumental” (p.27).
2 Sistema S designa o conjunto de instituições de caráter privado que são mantidas por contribui-
ções das categorias profissionais e recursos públicos que, em tese, devem ofertar melhorias e aperfei-
çoamento na formação profissional dos seus trabalhadores. Sua criação tem origem na fase ditatorial
do Governo Getúlio. É composto por um conjunto de instituições: Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai); Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac); Serviço Nacional de Apren-
dizagem do Transporte (Senat); Serviço Social da Indústria (Sesi); Serviço Social do Comércio (Sesc);
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); entre outras. Como a maioria das instituições tem
sigla iniciada pela letra “S”, convencionou-se por Sistema S. (GOUVEIA, 2012)
Gaudêncio Frigotto (Org.) 207
De uma maneira geral, podemos dizer que a EJA tem sido histori-
camente aquela educação direcionada para a parcela da classe tra-
balhadora que no interior das relações capitalistas de produção são
as mais expropriadas pelo capital dos meios de produção tanto mate-
riais quanto simbólicos. (p.155-156)
208 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
TABELA 1
OFERTA DE CURSOS DO PROEJA – COLÉGIO PEDRO II
CAMPUS PROEJA
Centro Manutenção e Suporte em Informática
Administração
Engenho Novo II Manutenção e Suporte em Informática
Administração
Realengo II Manutenção e Suporte em Informática
Administração
Tijuca II Manutenção e Suporte em Informática
Administração
Fonte: <http://www.cp2.g12.br/index.php>.
O relatório indica que a Direção-Geral do Colégio Pedro II, para 2006, mesmo
não sendo mais obrigada o ofertar o ensino médio integrado na modalidade EJA, por
não estar vinculada à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC/
MEC), abriu turmas no 3º turno nos campi Centro, Engenho Novo II e Realengo,
como forma de reorganizar o curso noturno que apresentava alto índice de evasão.
O conjunto de mudanças pelas quais passou o Colégio Pedro II na primeira déca-
da deste século pode ser interpretado à luz do processo de reestruturação da RFEPCT,
isto porque o grupo dirigente da instituição já participava ativamente dos fóruns de
dirigentes e pôde se antecipar aos novos rumos que instituições congêneres adotavam,
buscando também assegurar as especificidades dos seus quase 200 anos de história no
momento em que fosse equiparado legalmente aos IFs. (NEVES, 2015)
Durante a própria tramitação do Projeto de Lei nº 2.134/2011, os dirigentes do
Colégio Pedro II negociaram com os ministérios da Educação e do Planejamento uma
Gaudêncio Frigotto (Org.) 211
localização a partir do que entendem como necessário para preservação de seu per-
fil institucional. Como observaremos mais à frente, as negociações geraram críticas
das entidades representativas e podem ter se dado sem a participação delas. De todo
modo, os titulares dos ministérios supraditos dedicaram três itens do anexo com jus-
tificativas sobre a importância da aprovação do projeto de lei sobre a instituição, além
de resguardarem 300 vagas da carreira do magistério para ela.
As passagens nas quais o Colégio Pedro II é citado não deixam dúvidas sobre a
intencionalidade de seu grupo dirigente em agregar novos cursos e campi ao desen-
volvimento institucional:
3 Além disso, NEVES (2015) também buscou entender se houve algum tipo de preparação do corpo
docente e técnico pedagógico para o programa; e qual foi a reação dos professores diante de sua
realização. Para atingir tais objetivos, foi realizada uma pesquisa de campo na instituição.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 213
2.2. IFRJ
4 Até então não eram assim denominados, pois eram unidades que compunham o CEFET/Química.
A partir de 2008, com a criação dos IFs, Lei nº 11.892/1998, passou a integrar a RFEPCT por meio do
IFRJ.
5 Em 2009, em adequação ao Catálogo Nacional de Cursos, modificou-se para Manutenção e Suporte
em Informática.
214 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
TABELA 2
MATRÍCULAS NOS CAMPI DO IFRJ
POR TIPO DE OFERTA – 2014.1
GRÁFICO 1
EVASÃO ACUMULADA – PROEJA TÉCNICO
IFRJ – 2006.2 A 2012.17
Dados da PROET indicam que até março de 2013 havia 389 alunos matriculados
no PROEJA/IFRJ, na atualidade este número se redimensionou para 240.
6 Esses encontros buscam, de forma geral, repensar práticas, rever currículo, ampliar conhecimento
da EJA, trocar experiências entre campi e identificar limites e possibilidades das propostas. A quarta
imersão do PROEJA aconteceu no município de Paulo de Frontin, localizado no Centro-Sul Fluminense.
As demais imersões ocorreram em 2006, 2008 e 2010.
7 Campus Arraial do Cabo, a partir de 2011.1.
216 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
TABELA 3
MATRÍCULAS DO PROEJA MÉDIO
IFRJ – 2009-2014
ANO MATRÍCULAS
2009 502
2010 496
2011 503
2012 5178
2013 389
2014 240
Fonte: Relatórios de Gestão, PROET e DIRAE.8
2.3. FAETEC
apresentar aqui foi obtida pelo acionamento das redes de relacionamento entre pes-
quisadores (extraoficialmente), informações parciais disponibilizadas no sítio eletrô-
nico da instituição, como, por exemplo, o único Relatório de Gestão 2013, da Escola
Técnica Estadual Visconde de Mauá (ETEVM), fonte que nos permitiu conhecer parte
da realidade do PROEJA, uma vez que a instituição não respondeu ao pedido oficial
por dados.
Segundo informações disponibilizadas no sítio eletrônico da FAETEC, podemos
afirmar que, desde 2010, oferta cursos na modalidade EJA, iniciando suas atividades
com oferta em nível fundamental. Há o ensino médio em EJA (EMEJA), desenvol-
vido desde 2011, cujo projeto se volta para jovens e adultos que não terminaram o
ensino médio. Suas vagas são preenchidas por meio de sorteio público. Segundo o
sítio eletrônico, em todas as unidades da rede FAETEC, o ensino da EJA em níveis
fundamental e médio é ofertado sempre em horário noturno, de forma presencial e/
ou a distância. O efetivo responsável pelos programas da EJA em nível fundamental e
médio é a Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do
Rio de Janeiro (CECIERJ).
No que diz respeito ao PROEJA, também desde 2011 que passou a ser ofertado
na FAETEC, tanto na modalidade FIC quanto em níveis médio e médio técnico. Esta
modalidade de ensino é oferecida na ETEVM e na Escola Técnica Estadual Ferreira
Viana (ETEFV), ambas na Zona Norte do Rio de Janeiro. Atualmente, estas institui-
ções oferecem os cursos de Edificações, Eletrônica, Eletrotécnica, Eletromecânica,
Mecânica e Telecomunicações. Aparentemente, de forma distinta do IFRJ, a opção
pelos cursos do PROEJA aproveitou o potencial já instalado e não necessariamente se
optou pelos cursos de menor custo e investimento.
No Gráfico 2, é possível identificar o perfil das matrículas do PROEJA na FAETEC
entre 2012.1 e 2015.1. Podemos verificar decréscimo de matrículas, apesar de haver a
manutenção estável de vagas para ingresso inicial.
GRÁFICO 2
MATRÍCULAS PROEJA/FAETEC − 2012.1 A 2015.1
335
173 153
124 122
92 86
O pico das matrículas se concentra em 2013.2, por motivos que não foi possível
explicar até o momento, mas logo em seguida experimentou queda de mais de 50%.
Se compararmos o momento mais acentuado de matrículas (em 2013.2) para o atual
momento (2015.1), este índice se aproxima dos 75%. Dados apresentados no Relatório
de Gestão da ETEVM apresentam um diagnóstico dos índices de avaliação escolar do
PROEJA alarmantes.
TABELA 3
DIAGNÓSTICO DA AVALIAÇÃO ESCOLAR – PROEJA
TABELA 4
DIAGNÓSTICO DA AVALIAÇÃO ESCOLAR – PROEJA
As tabelas 3 e 4 revelam o alto índice de evasão nos primeiros períodos dos cur-
sos, especialmente, e altos índices de retenção. Embora com ingresso expressivo de
alunos nas primeiras séries, em alguns casos a redução do número de alunos de uma
série para outra chega a quase 75% dos discentes.
Se analisarmos o Curso de Mecânica, por exemplo, e considerarmos que a entra-
da de alunos na primeira série tenha sido em torno da média de 25 alunos e só há
220 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
FAETEC. Tal tema vem recebendo atenção nacional, pois tal realidade não é exclusiva
do Rio de Janeiro. Conforme mencionamos, o TCU (2012) aponta índices elevados de
evasão nos cursos de PROEJA em âmbito nacional.
Esperamos que este levantamento possa se somar às pesquisas que têm no
PROEJA não apenas um objeto de estudo, mas um instrumento de potencialização
da disputa da classe trabalhadora pela escolarização, formação e pelo conhecimento.
Referências Bibliográficas
Introdução
* Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS). Mes-
tre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul (UCS).
1 Contou com a orientação da Professora Terciane Ângela Luchese.
226 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
delimitar o locus da pesquisa aos campi Bento Gonçalves e Sertão, o que se justifica
pela história pedagógica das duas unidades enquanto autarquias, anterior à criação
dos IFs.
A hipótese, já na realização do projeto de pesquisa, conforme mencionado, apon-
tava para a pluralidade de concepções de verticalização, entre elas: (1) a que com
preende que verticalizar a educação significa ofertar, na mesma unidade, cursos da
mesma área e/ou eixos em diferentes níveis, de modo que, ao discente, seja oportu-
nizada a possibilidade de perfazer, sem trocar de instituição, um processo formativo
desde o ensino médio até a pós-graduação; (2) a que concebe a verticalização no mes-
mo sentido, acrescentando implicações e/ou desafios da atuação docente nos mais
diferentes níveis de escolarização, bem como o compartilhamento e a otimização dos
espaços pedagógicos e em uma fusão de ambas as concepções; e (3) a que relaciona
verticalização a um percurso formativo no qual discentes, docentes e todos os demais
sujeitos do processo, independentemente do grau de escolarização, possam, muito
além de ver otimizados os recursos, garantir a todos o direito a uma formação pública
qualificada pela atuação dos IFs nos arranjos produtivos locais, conforme missão con-
ferida a essas instituições.
Com relação aos desafios da verticalização no IFRS, a manifestação dos entrevis-
tados aponta para a existência de situações e realidades que dificultam a operaciona-
lização da verticalização no IFRS, mais especificamente nos campi Bento Gonçalves e
Sertão. Elas são abordadas, neste trabalho, sob a categorização de desafios para uma
nova cultura institucional “verticalizada” e desafios para uma nova prática pedagógica
embasada na verticalização.
A trajetória da pesquisa é percorrida na consciência de que “as coisas têm muitos
jeitos de ser, depende do jeito que a gente vê”. (MASUR, 1991, p.17) Portanto, a autora
preferiu não olhar sozinha. Dessa forma, o resultado do trabalho é mérito não só dela,
mas de todos os que foram convidados e aceitaram percorrer este trajeto olhando para
o mesmo lado ou para outras direções.
As concepções de verticalização no IFRS são abordadas sob duas perspectivas: a)
verticalização nas prescrições legais do IFRS, que traça uma análise documental das
regulamentações internas do IFRS, visando perceber de que forma a verticalização é
contemplada nesses documentos, ou seja, o que se pode conceber por verticalização
a partir do que prescrevem essas regulamentações; e b) a verticalização no IFRS a
partir da manifestação dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Os desafios da verticali-
zação, sistematizados em dois subtítulos, são abordados sob a seguinte categorização:
a) desafios para uma nova cultura institucional; e b) desafios para uma nova prática
pedagógica.
Os entrevistados são ainda convidados a se manifestar a respeito de a quem cabe
a prerrogativa de conduzir as discussões e as ações relativas à operacionalização da
verticalização nos campi foco da pesquisa e quais são as contribuições de uma prática
230 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Sob esta perspectiva, e retomando o fato de que a verticalização vai além da oferta
de cursos de mesma área em diferentes níveis, por meio deste estudo apresenta-se
uma provocação, que é, em primeiro lugar, autoprovocação, e que fica aberta ao deba-
te. A indagação é: a oferta de cursos que possibilita ao estudante traçar um percur-
so formativo na instituição caracteriza-se como uma concepção de verticalização ou
como uma condição para que a verticalidade efetivamente aconteça?
232 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Entende-se que uma leitura não desqualifica a outra, mas que, ao partir do pres-
suposto de que a oferta de cursos de uma mesma área, desde o nível médio até a
pós-graduação, por si só, não é sinônimo de verticalização, ter-se-ia, então, que esta
oferta seria condição para que a verticalidade aconteça, e que a concepção de vertica-
lização é ainda mais ampla.
Desse modo, considera-se que, na medida em que a instituição constrói essas
duas condições, ambas representam passos para a realização de uma prática pedagó-
gica e administrativa verticalizada, o que não é algo posto, mas, acima de tudo, é deci-
são, planejamento e execução, o que justifica a adoção da expressão. A decisão a que
se faz referência deve-se ao fato de que a proposta pedagógica é resultado de escolhas
movidas por concepções de mundo, de sociedade, de ser humano, de educação etc..
E esta deve ser construída pelos sujeitos do processo educativo. Disto decorre a afir-
mação de que a verticalização precisa ser, antes de tudo, eleita como prática pedagó-
gica e administrativa a ser adotada pela instituição.
Sob este ponto de vista, com base no percurso investigativo desenvolvido por
este trabalho, superando-se a visão da verticalização centrada apenas na questão da
oferta e da procura dos cursos, acredita-se que a verticalidade pode ser concebida
como uma ação administrativa e pedagógica estabelecida por uma singular arqui-
tetura curricular que compreende: a integração de todos os sujeitos de diferentes
níveis de escolarização da educação profissional e tecnológica, nos diversos espaços
de ensino e de aprendizagem, que possibilita a inter-relação de saberes; a interdisci-
plinaridade e a transversalidade; a flexibilização curricular para que se possam traçar
itinerários de formação; o necessário diálogo entre os sujeitos; o planejamento e o
trabalho coletivo; uma educação profissional e tecnológica contextualizada, huma-
nizada e humanizadora; a formação integral que passa pela integração do ensino
propedêutico e profissionalizante; a superação do modelo hegemônico disciplinar,
do academicismo, bem como da histórica dualidade da educação (teoria x prática;
saber x fazer; contemplação x ação...); o desenvolvimento de um trabalho reflexivo e
criativo por intermédio de transposições didáticas contextualizadas que contribuam
para a construção da autonomia; um compromisso claro com o processo de educação
continuada de todos os seus sujeitos; uma prática que expresse o comprometimento
com a inclusão, com a universalização do acesso, com a construção de estratégias que
favoreçam a permanência e o êxito dos estudantes; uma ação educativa baseada nos
princípios da ética, da solidariedade, da cidadania, do respeito, entre outros princípios
indispensáveis à convivência e ao desenvolvimento humano.
A constatação é a de que se está diante de uma proposta que ousa romper com
concepções e práticas cristalizadas através de uma nova prática pedagógica, o que,
pelos indicativos deste estudo, não acontece sem dúvidas, tampouco sem resistências.
E é esta nova prática pedagógica que está posta como desafio aos IFs. Nessa perspecti-
va, o MEC apresenta a estas novas instituições a seguinte recomendação:
Gaudêncio Frigotto (Org.) 233
aponta para um dado que merece uma especial atenção. Verifica-se que não há
unanimidade acerca do assunto nem em âmbito institucional e em um campus,
especificamente, nem em âmbito desta unidade, o que, ao se considerar este segun-
do caso, principalmente, pode indicar para uma limitação deste processo. Indaga-
se, neste caso, se o processo não correria o risco de fracassar por não haver uma
determinação sobre a quem ou a qual setor cabe a condução desse importante e
contínuo procedimento.
Na intenção de perceber as possíveis contribuições da verticalização, constatou-
-se que a história recente da instituição é um limitador porque, mesmo se a proposta
estivesse devidamente implementada, o que não é o caso, o tempo necessário para
uma avaliação mais ampla ainda não teria sido atingido. Segundo os sujeitos da pes-
quisa, todavia, já são visíveis indicativos positivos deste importante aspecto da nova
prática pedagógica, sobretudo no que diz respeito à otimização dos espaços e do qua-
dro de pessoal, à atuação docente nos mais diversos níveis de ensino, à integração
entre esses níveis e, inclusive, a possibilidade de atuação dos estudantes dos cursos de
formação de docentes nos cursos técnicos da própria instituição em estágios, monito-
rias e outras possibilidades de interação, que podem representar uma contribuição no
processo formativo dos estudantes de ambos os níveis.
Por outro lado, há que se levar em conta a pergunta que vem sendo feita sobre
a questão do itinerário formativo a ser percorrido em uma mesma instituição. Isto
representaria uma contribuição à formação do discente ou uma restrição, na medi-
da em que este, a princípio, teria todo seu processo formativo em uma mesma linha
teórico-metodológica? O questionamento é relevante e remete à necessidade de uma
contínua avaliação da operacionalização da verticalização na instituição com acompa-
nhamento do processo formativo dos sujeitos que a integram. Assim, considerado o
tempo necessário para que este percurso formativo possa ser traçado, pode-se chegar
a possíveis conclusões sobre a experiência vivenciada, relacionada aos objetivos do
ensino verticalizado.
Ao refletir a respeito dos dados apontados pela pesquisa, a impressão é que não
cabem, em um único texto, todas as análises possíveis, até mesmo porque as próprias
concepções e os desafios não são permanentes. Os olhares e os sujeitos que olham
também mudam.
Assim, este trabalho é resultado de um olhar, o da autora, com a importante con-
tribuição dos sujeitos que participaram da pesquisa. As reflexões apontadas não são
conclusivas, ao contrário, estão apresentadas ao debate. Muitas perguntas permane-
cem e se aponta, já, para outras formas possíveis de se olhar para a verticalização, as
quais não foram contempladas neste trabalho, no desejo de estabelecer novas estraté-
gias para a continuidade da discussão em outros estudos.
Ao longo da pesquisa, identificou-se, por exemplo, que seria pertinente trabalhar
a questão do currículo, da integração, da transversalidade, da verticalização sob a
Gaudêncio Frigotto (Org.) 235
perspectiva da relação entre ensino, pesquisa e extensão, bem como a própria questão
da pesquisa nos diferentes níveis de ensino no contexto de uma prática pedagógica ver-
ticalizada. Todos esses temas estão estreitamente relacionados à verticalidade, entre-
tanto, não foi possível dar conta de abordá-los neste texto no grau de aprofundamento
que merecem, permanecendo, portanto, como uma sugestão para outros olhares.
Outras questões de grande importância na efetivação da prática administrativa
e pedagógica verticalizada, que não foram abordadas neste estudo, devendo ser con-
templadas em um próximo trabalho sobre o tema, dizem respeito ao compromisso
institucional com a comunidade local e às condições de permanência na instituição,
visando à superação dos altos índices de evasão, fato relacionado, inclusive, às políti-
cas de assistência estudantil. Considera-se, também, que todo esse processo poderia
ser visto e analisado sob a perspectiva da incidência dos organismos internacionais,
sob a questão das classes sociais, o que também pode vir a gerar uma nova pesquisa
ou a continuidade desta.
Da mesma forma, é de extrema importância destacar que, neste estudo, não se
contemplou o olhar dos estudantes para a verticalização, o que seria muito instigante
para um novo estudo, principalmente à medida que for possível identificar sujeitos
que vivenciaram esta prática pedagógica verticalizada na condição de estudantes.
Outro elemento que este estudo coloca para o debate é a necessidade de uma ava-
liação das estratégias institucionais adotadas até então para motivar, conscientizar e
orientar a comunidade acerca do compromisso que cabe à instituição quanto ao tema
em tela. Caberia indagar se as estratégias adotadas até então estão dando conta da
condução do processo, ou se na discussão com as unidades poderiam ser projetadas
outras formas de a gestão institucional ampliar a assessoria aos campi neste processo.
O ponto final deste texto não significa a conclusão do estudo. As discussões traça-
das estão abertas ao debate e, além disso, permanece o desafio de dar continuidade ao
tema sob outros pontos de vista, como já mencionado.
Destaca-se, por fim, a importante constatação de que a intenção da nova insti-
tucionalidade, que implica uma nova prática pedagógica, não é repetir práticas, mas
estabelecer novas formas de pensar e desenvolver a ação educativa no ensino profis-
sionalizante. Nova prática pela qual o ser humano esteja em primeiro lugar. Faz-se
necessária uma pedagogia do trabalho!
Nesse sentido, este estudo não pode, de modo algum, ser encerrado sem o mere-
cido destaque às questões e reflexões que permaneceram no decorrer de todo este
trabalho como algo a instigar, a provocar, a fazer refletir para que, neste momento,
fossem retomadas com a devida atenção que merecem.
Tais inquietações referem-se, entre outras, à concepção de mundo, ser huma-
no, educação e trabalho, à questão das culturas institucionais relacionadas à nova
institucionalidade e ao compromisso dos IFs com a formação profissional aliada à
formação integral do ser humano. Dada a sua importância, tais indagações poderiam
236 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Estes e outros tantos questionamentos, que ainda poderiam ser apresentados, perma-
necem abertos ao debate. No entanto, a realização do presente estudo permite emitir
uma resposta afirmativa aos questionamentos citados com um olhar de esperança
para a proposta, que já está demonstrando que é possível uma educação profissional
diferenciada por seus princípios e pela sua prática.
Deste modo, ousa-se afirmar que os IFs podem ser concebidos pela perspectiva
do “inédito viável” (FREIRE, 2011, p.53) no contexto da educação profissional brasi-
leira e que a proposta da educação verticalizada é um dos elementos que alicerçam
a atuação dessas instituições ainda pouco conhecidas, mas que carregam em si um
potencial a ser desenvolvido.
Cabe destacar, por fim, a compreensão de que nenhuma política, por si só, tem
força de transformação, o que permite concluir que, frente à política vigente para a
educação profissional brasileira, com suas limitações e com as mais diversas alternati-
vas, o desafio está nas mãos dos sujeitos a quem se antepõe a possibilidade de fazê-la
ou não acontecer.
Referências Bibliográficas
Apresentação
* Assistente Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) e
Professora da Faculdade Duque de Caxias. Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminen-
se (UFF) e Mestre em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
1 Este texto foi extraído de Tese de Doutorado intitulada A entrada dos trabalhadores nos Institutos
Federais: uma análise sobre a educação dos mais pobres, defendida em 2014.
240 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
2. Procedimentos metodológicos
O trabalho de levantamento dos dados empíricos foi orientado por duas pergun-
tas centrais.
A primeira: qual o perfil de classe dos jovens e adultos da classe trabalhadora que
fazem uso dos programas de FIC do IFRJ? Esta pergunta conduziu a elaboração das
questões objetivas do instrumento de coleta de dados utilizado na pesquisa, as quais
buscaram levantar o perfil socioeconômico dos alunos, suas relações com o trabalho
e com a educação. Nosso intuito foi verificar um dos pressupostos da pesquisa: as fra-
ções de classe que fazem uso das ofertas de cursos dos programas de FIC são oriundas
do subproletariado e do precariado brasileiro.
A segunda: qual o sentido da educação profissional para os jovens e adultos
da classe trabalhadora que fazem uso dos cursos dos programas de FIC, conside-
rando suas motivações para a escolha do curso e suas expectativas pós-conclusão?
Esta questão orientou a elaboração do conjunto de perguntas abertas contidas no
instrumento de coleta de dados da pesquisa, que propiciou a análise dos relatos orais
242 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
para definição de um modelo de amostragem mais adequado que nos permitisse ter
um perfil dos alunos dos cursos de FIC em andamento.
Em discussão com o estatístico, utilizamos como metodologia a amostragem por
conglomerado, por ser a que melhor se aproximava das nossas necessidades de pes-
quisa, considerando as informações a que tivemos acesso sobre o universo de alunos
de FIC – na maioria dos campi, restritas aos nomes dos alunos e número de alunos
em cada turma. Com as listas de alunos enviadas pelos campi, realizamos um censo
com as informações dos programas/cursos ministrados em cada campus e o número
de alunos em cada programa/curso, base para a construção do plano amostral.
As dificuldades no acesso às informações sobre alunos e cursos acabaram por
gerar o atraso na definição do plano amostral, bem como a consequente exclusão dos
cursos no âmbito do PROEJA FIC do trabalho de campo. Segundo a CGFIC, as turmas
encerraram suas atividades no início de dezembro de 2013 e só tivemos condições de
iniciar o trabalho de campo em janeiro de 2014. Pelo mesmo motivo, excluímos os
alunos da Rede CERTIFIC que estavam com suas atividades suspensas depois de um
universo residual de certificações já realizadas.
3. Sínteses da pesquisa
Referências Bibliográficas
Concepções e proposições1
“A verdade é o todo”. Com base nessa ideia hegeliana, trazida do plano ideal ao
plano da historicidade do real por Karl MARX, compreendemos o conteúdo da pro-
posta de ensino integrado e consideramos o desafio de pensar práticas pedagógicas
que nos aproximem de uma leitura ampla da realidade, mesmo que reconheçamos a
impossibilidade de uma apropriação cognitiva desse “todo”.
Esta ideia ganha mais materialidade como referência para o ensino integrado
na fala de FRANCO (2005, p.18), para quem o sentido que deve ser dado ao ensino
integrado é o de “completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade
social”, já que é na totalidade que os construtos particulares se fazem verdade.
Não apenas uma forma de oferta da educação profissional de nível médio,
o ensino integrado é uma proposição pedagógica que se compromete com a utopia de
uma formação inteira, que não se satisfaz com a socialização de fragmentos da cultura
sistematizada e que compreende como direito de todos o acesso a um processo for-
mativo, inclusive escolar, que promova o desenvolvimento de suas amplas faculdades
físicas e intelectuais.
* Professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/UERJ) e Professor Titular (aposentado) da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).
** Professor Associado do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da Universidade
Federal do Pará (UFPA). Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
e com Pós-doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana
(PPFH/UERJ).
1 Este capítulo foi originalmente publicado na forma impressa em: Revista Educação em Questão,
v.52. Natal: UFRN, 2015, p.61-80.
250 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Não nos ocupamos aqui com a discussão sobre a existência de uma didática
específica do ensino integrado, tampouco da discussão sobre a existência de didáticas
específicas em educação. Estas não eram nossas preocupações e nem nossa área de
atuação. Mas, sobre isto, fazemos três observações que serviram como orientações
para a organização deste texto:
2 Optamos pelo termo experimentação por considerá-lo mais adequado para explicar o momento em
que diferentes instituições escolares, estatais ou não, buscam fazer do ensino integrado uma “peda-
gogia em ação”. As expressões operacionalização ou implementação, por exemplo, pressupõem que
já exista um modelo ideal ou mesmo um conjunto de orientações didáticas orientadoras do trabalho
pedagógico para o ensino integrado. A realidade tem mostrado que nestas unidades escolares existem
mais experimentações que realizações propriamente ditas.
252 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
3 Em artigo recente, ARAUJO e RODRIGUES (2012) defenderam a tese de que a ação docente referen-
ciada no projeto de ensino integrado requer, mais que a escolha de técnicas adequadas, o compromisso
ético-político do educador para se concretizar em sala de aula, além das condições materiais necessárias.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 253
4 De diferentes maneiras LOBATO (2010), MENDONÇA (2012) e BARROS (2008) recuperam diver-
sas acepções e usos para as propostas de educação articuladas às ideias de integração, integralidade e
educação integral no Brasil.
254 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
A partir dessas pesquisas, a autora sistematizou alguns dos problemas que dificultam
a materialização dessa proposta de ensino. A pesquisadora situa três ordens de pro-
blemas na materialização do EMI: problemas de ordem conceitual, de operacionaliza-
ção curricular e de organização dos sistemas de ensino.
Revela ainda que o EMI não foi compreendido como um projeto político-peda-
gógico que se compromete com a formação ampla dos indivíduos. Em geral, o ensino
integrado tem sido compreendido apenas como estratégia de organização dos conteú
dos escolares, sem relevar o conteúdo ético-político transformador da proposta ou da
materialidade de sua operacionalização. Para COSTA (2012), isso dificulta a efetiva-
ção da proposta de integração do ensino médio e técnico nas escolas e nos sistemas
de ensino.
Além desta dificuldade de compreensão do conteúdo transformador do projeto
de ensino integrado, COSTA (2012) pontua alguns dos problemas que dificultam o
exercício do ensino integrado no Brasil:
Apesar destas dificuldades, o projeto de ensino integrado não deve ser abando-
nado, pelo menos enquanto conteúdo, já que representa um projeto que se compro-
mete com a formação ampla dos trabalhadores e se contrapõe às pedagogias liberais
da moda.
Se, por um lado, o ensino integrado tem se revelado de difícil operacionalização,
em função dos vários problemas apontados anteriormente, por outro lado, consi-
deramos que as pedagogias liberais, em geral, e a pedagogia das competências, em
particular, não ofereceram possibilidades reais de desenvolverem capacidades amplas
e ilimitadas dos trabalhadores que lhes permitam compreender a totalidade social.5
A partir dessa crítica, buscamos recuperar na literatura pedagógica crítica o conteú-
do do projeto de ensino integrado, entendido enquanto uma pedagogia contra-hege-
mônica e possibilidade de formação orientada pela ideia de completude da formação
humana, destacando o caráter político da proposta. O ensino integrado aqui também é
reconhecido como proposta de educação com inspiração na ideia gramsciana de esco-
la unitária, mas que não se confunde com ela já que seus limites de formação integral
estão dados pela sociabilidade capitalista contemporânea.
6 Sobre a crítica às pedagogias liberais e a afirmação de princípios de uma educação crítica, não re-
produtivista, de caráter revolucionário, ver a obra clássica de SAVIANI (2002), na qual são lançadas as
bases da pedagogia histórico-crítica.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 257
constitui e, ao mesmo tempo, resulta da relação entre as classes sociais; é uma área
de conflitos de cultura de classes, em que se transmite a cultura oficial e se produz a
cultura contestada. Portanto, é considerado um conjunto de ações políticas, determi-
nadas social e historicamente. (SILVA e MOREIRA, 2005)
A educação escolar brasileira tem a sua organização curricular, no Brasil, mar-
cada por formas curriculares instrumentais e promotoras de um tipo humano con-
formado, política e pedagogicamente. A pedagogia das competências, que assumiu
centralidade nas formulações educacionais oficiais na década de 1990, no Brasil, ins-
pirada na filosofia pragmática, tinha na utilidade prática o critério para a definição e
a organização dos conteúdos formativos. Assim, a partir deste critério, recorriam aos
saberes, às habilidades e às atitudes apenas na medida da possibilidade de promover
alguma capacidade específica requerida pelo mercado. Aquilo que não se revelasse
imediatamente útil não deveria ser incorporado aos currículos.
Sob a perspectiva da integração, a utilidade dos conteúdos passa a ser concebida
não na ótica imediata do mercado, mas tendo como referência a utilidade social, ou
seja, os conteúdos são selecionados e organizados na medida de sua capacidade de
gerar comportamentos que promovam o ser humano e instrumentalizem o reconhe-
cimento da essência da sociedade e sua transformação. Procura-se, com isto, formar
o indivíduo em suas múltiplas potencialidades: de trabalhar, de viver coletivamente e
agir autonomamente sobre a realidade, contribuindo para a construção de uma socia-
bilidade de fraternidade e de justiça social.
A seleção e a organização dos conteúdos formativos na perspectiva do projeto de
ensino integrado requerem, portanto, a superação das pedagogias de conteúdo liberal,
como a pedagogia das competências.
MACHADO entende da seguinte forma o currículo integrado:
Defendemos, porém, que não é a escolha pelas técnicas de ensino que garante
esta compreensão da dialeticidade do mundo. Mais importantes são os compromis-
sos que assumimos e que nos permitem fazer escolhas e, dentro dos limites objetivos
colocados pela realidade das escolas brasileiras, ressignificar procedimentos tendo em
vista os objetivos de emancipação social e de promoção da autonomia dos sujeitos.
Para considerar as estratégias de ensino, partimos da compreensão de que a ação
didática também se coloca como um objeto da disputa hegemônica entre capital e tra-
balho. Esta disputa revela-se nas diferentes perspectivas que assume. Para CANDAU
(1995), a didática tem sido entendida ora por uma perspectiva dicotômica e ora por
uma perspectiva da unidade. A visão dicotômica que separa teoria e prática se revela
de duas formas: (a) na perspectiva dissociativa, que separa mecanicamente os ele-
mentos, isolando-os e confrontando-os (percepção vulgar); e (b) na perspectiva asso-
ciativa (positivo-tecnológica), que separa os polos sem oposição. Nesta visão, a prática
é uma aplicação da teoria (percepção de uma relação mecânica de dependência). Na
visão dicotômica (associativa), reduz-se a teoria à simples organização, sistemática e
hierárquica das ideias e se estabelece uma relação hierárquica autoritária de mando e
obediência (a teoria determina a prática ou, inversamente, a prática exige e a teoria se
faz útil). Essa visão predomina nas práticas de educação profissional que reproduzem
a dualidade educacional brasileira.
A didática pode ser entendida também como uma ação de articulação entre a teo-
ria e a prática. Esta articulação tem sido pensada, no entanto, de diferentes maneiras:
(a) por justaposição; (b) com subordinação de um elemento a outro (da prática sobre
a teoria ou da teoria sobre a prática); e (c) pela perspectiva da unidade indissolúvel.
(CANDAU, 1995)
Na ótica da unidade, a distinção entre teoria e prática se dá no seio de uma unida-
de indissolúvel que pressupõe uma relação de autonomia e dependência de um termo
em relação ao outro. A teoria nega a prática imediata para revelá-la como práxis social,
a prática nega a teoria como um saber autônomo, como puro movimento de ideias, e
a teoria e a prática são vistas como dois elementos indissolúveis da “práxis”, definida
como atividade teórico-prática. Seria esta perspectiva de unidade da relação entre teo-
ria e prática que orientaria os projetos de ensino integrado.
No atual debate acerca da educação profissional e, especificamente, acerca de
uma didática da educação profissional, tem sido muito presente a visão dicotômica
que pode ser entendida, por exemplo, na separação e distinção entre profissionali-
zação e escolarização (visão dissociativa) ou como a “soma” da profissionalização
com a escolarização. Esta visão dicotômica também se revela na separação entre as
Gaudêncio Frigotto (Org.) 261
Tomamos as técnicas de ensino tal como concebe ARAUJO (1991) como media-
ções das relações entre o professor e o aluno, projetadas como condições necessárias
e favoráveis, mas não suficientes, do processo de ensino. As técnicas de ensino assim
compreendidas estão sempre subordinadas, política e metodologicamente, às suas
finalidades e às práticas sociais que as conformam.
Também concordamos com o autor quando defende que as técnicas podem estar
a serviço da manipulação, do tecnicismo, da escola nova ou da perspectiva libertadora.
Sendo assim, torna-se possível pensar e realizar um estudo dirigido sem a auréola pla-
nificante que o definia, assim como também se torna possível a aula expositiva sem as
características do ensino tradicional. Qualquer técnica, portanto, compreendida como
mediação, deve ser reconhecida em seus limites e sem a certeza de que seja garantia de
sucesso do ensino e da aprendizagem na formação de amplas capacidades humanas.
Como “meio” a técnica sempre serve a um fim; é nessa perspectiva que são tra-
tadas aqui as estratégias de ensino, em articulação com um projeto educacional inte-
grador e emancipador. Sua validade também só pode ser avaliada se considerados os
seus fins e a sua prática, já que é o exercício da técnica que a valida e não o seu prévio
conhecimento teórico.
A ressignificação de diferentes procedimentos de ensino não significa, porém, a
afirmação de uma neutralidade deles. Estes têm origem e têm história que revelam seu
uso e seus efeitos. Mesmo assim, eles constituem um conjunto de possibilidades que,
considerando as finalidades de emancipação e as condições objetivas, podem favore-
cer mais ou menos o desenvolvimento da formação ampla dos indivíduos.
As diferentes possibilidades de procedimentos de ensino favorecem mais ou menos
o projeto de ensino integrado quando são organizados para promover a autonomia,
por meio da valorização da atividade e da problematização, e para cultivar o sentimen-
to de solidariedade, por meio do trabalho coletivo e cooperativo.
262 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Considerações conclusivas
Várias são as estratégias de ensino e nenhuma delas pode ser descartada a priori,
seja por razões ideológicas ou por uma provável ineficácia, sendo assim, reafirmamos
que cada procedimento de ensino, enquanto meio, poder servir mais ou menos para o
desenvolvimento de práticas integradoras.
Aulas expositivas, estudo do meio, jogos didáticos, visitas técnicas integra-
das, seminários, estudos dirigidos, oficinas e várias outras estratégias de ensino e
264 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Referências Bibliográficas
ARAUJO, José Carlos Souza. Para uma análise das representações sobre as técnicas
de ensino. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro. (Org.) Técnicas de ensino: por que
não? São Paulo: Papirus, 1991, p.11-34.
BARROS, Kátia Oliveira de. A escola de tempo integral como política pública
educacional: a experiência de Goianésia (2001-2006). Dissertação de Mestrado em
Educação. UnB, 2008.
CANDAU, Vera Maria. Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Vozes, 1995.
COSTA, Ana Maria Raiol da. Integração do ensino médio e técnico: percepções de
alunos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA/
Campus Castanhal. Dissertação de Mestrado em Educação. UFPA, 2012.
FREITAS, Luiz Carlos de. A luta por uma pedagogia do meio: revisitando o conceito.
In: PISTRAK, Moisey. (Org.) A escola-comuna. São Paulo: Expressão Popular, 2009,
p.7-108.
SILVA, Tomaz Tadeu da; e MOREIRA, Antônio Flávio. Currículo, cultura e sociedade.
São Paulo: Cortez, 2005.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
* Pedagogo no Colégio Pedro II. Licenciado e Bacharel em Pedagogia pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ).
** Professor Adjunto da Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades da Universidade
do Grande Rio (UNIGRANRIO). Pós-doutor pelo Programa de Políticas Públicas e Formação Humana
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/UERJ) e Doutor em Ciências Sociais pelo Progra-
ma de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universida-
de Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ).
268 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
crítico sobre alguns materiais elucidava aspectos constitutivos dos IFs. Espelha inte-
gralmente esta última ponderação nosso trabalho com os Relatórios de Gestão do
Instituto Federal Fluminense (IFF) e do Instituto Federal e de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). Em torno destas fontes, muitas esperanças se
constituíram, devido ao trabalho com relatórios de outros IFs — que posteriormen-
te também acabaram por apresentar diversos problemas. Em pouco tempo, vimos
que, desenvolver um trabalho com o rigor científico para este tema, sustentado nos
relatórios, não atenderia plenamente a esses requisitos. Nesse sentido, apresentamos
alguns dados extraídos dos Relatórios de Gestão do IFRJ e do IFF, salientando os pro-
blemas encontrados, quase os mesmos com relação aos campi de ensino agrotécnico,
do interior do estado.
O Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU, 2012) também
fez parte de nossas fontes, porém resultou em um desdobramento completamente
diferente dos Relatórios de Gestão dos IFs. A auditoria realizada na RFEPCT, entre
2011 e 2012, com Acórdão de 2013, teve como escopo os IFs, já que eles representam
mais de 80% da rede nascida em 2008. Após algum tempo, também foram divulgados
os apêndices do relatório, trazendo algumas abordagens sobre institutos específicos,
fruto dos trabalhos in loco do TCU, em que encontramos o realizado com o IFRJ.
Por conta disso, também apresentamos aqui algumas constatações feitas pelo TCU.
Destacamos que o trabalho realizado por aquela Corte de Contas apresenta o mais
abrangente e consistente material relativo aos IFs.
TABELA 1
RELAÇÃO CANDIDATO/VAGAI
TABELA 2
RELAÇÃO CANDIDATO/VAGA
TABELA 3
EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE MATRÍCULAS – IFF1
dendo da tabela. Optamos por este porque é o que mais se repete. Em 2009, no Relatório de Gestão de 2010,
aparece com 9.420 matrículas.
Também há uma tabela com número diferente, destacada com um asterisco, no entanto, não há explicação
III
alguma sobre a discrepância. As fontes utilizadas foram: Coordenação de Pesquisa Institucional (2007-2010)
e Sistema Acadêmico (2011) do IFF
IV
Fonte utilizada: SISTEC.
V
Idem.
1 Em todos os anos expostos, os dados foram retirados do respectivo Relatório de Gestão referente
àquele exercício.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 271
TABELA 4
CURSOS E VAGAS OFERTADOS — CAMPUS NILO PEÇANHA
*
NA – Não se aplica. No Relatório de Gestão de 2009, a soma das vagas ofertadas inclui as vagas do ensino
médio e do ensino técnico concomitante interno em separado. Ou seja: contam-se duas matrículas para a
mesma aluna e ou aluno.
I
Para 2010, utilizamos os dados que, no Relatório de Gestão, ocupavam parte dedicada a expor campus por
campus e que, ao que parece, constitui trecho produzido pelo próprio campus. No tópico referente à estrutu-
ração e ao funcionamento do IFRJ, apresentam-se dados desagregados campus por campus, no entanto, na
experiência de Pinheiral, alguns dados destoam da parte dedicada ao campus. Principalmente por atribuir
a oferta de 80 vagas para o ensino médio que, na parte específica, justifica-se que esta modalidade sempre é
oferecida junto ao ensino técnico, concomitante e/ou integrado, os quais contam duas matrículas por aluna
e/ou aluno, para os cursos Técnico em Agropecuária e em Meio Ambiente. Utilizamos aqui os dados da parte
específica do campus Pinheiral.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 273
II
Este curso está apenas como Técnico em Agroindústria, no Relatório de Gestão de 2010.
III
Sem somar as vagas de ensino médio em separado.
IV
A situação mais precária quanto ao fornecimento de dados, sem dúvida, encontra-se no Relatório de Gestão
de 2011. Nem na seção correspondente à Pró-reitoria de Ensino Médio e Técnico, nem na seção específica do
campus Pinheiral, constam os dados relativos à oferta de vagas, desagregada por curso ou não. O que encon-
tramos, na parte específica do campus, foram os quantitativos de alunos, não por curso, mas, sim, por forma
de oferta – integrado, concomitante, subsequente, PROEJA ou EaD. Em 2012, ocorre o mesmo problema, na
parte específica relativa ao campus, encontram-se apenas vagas preenchidas e não vagas ofertadas.
274 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
TABELA 5
CURSO OFERTADOS E INSCRIÇÕES NO PROCESSO SELETIVO
CAMPUS NILO PEÇANHA
I
Resultado sem somar o ensino médio em separado.
Utilizamos dados que constam na parte de responsabilidade da Pró-reitoria de Ensino Técnico e Médio do
II
TABELA 6
RELAÇÃO CANDIDATO/VAGA — CAMPUS NILO PEÇANHA
Quanto aos achados do TCU, começa com questões relativas à criação dos cursos
do IFRJ, com perguntas que giram em torno, basicamente, da presença do setor pro-
dutivo, por meio de diagnósticos e consultas, a estrutura física e o quadro de profis-
sionais do instituto. Destacamos o detalhamento dado à época pelos diretores-gerais
e pelo Pró-reitor de Ensino Médio, sobre a sistemática de estruturação dos cursos do
ensino médio no IFRJ:
Curiosamente, os novos campi são os que atendem melhor aos elementos ques-
tionados pelo TCU, de diagnóstico e consulta ao setor produtivo; o problema recai,
principalmente, na estrutura física e na falta de pessoal — problema também encon-
trado nos campi mais antigos, só que com menor intensidade. No fim, o problema
comum ao instituto é a ausência de padronização na criação dos cursos.
Outro problema que ganhou destaque no Relatório do TCU foi a evasão nos IFs.
Na experiência do IFRJ, “a evasão foi apontada como um problema pelos entrevis-
tados e se manifesta em todos ou na maioria dos cursos”, decorrendo, segundo os
entrevistados, principalmente, de três aspectos: perfil do corpo discente; certificação
antecipada de conclusão do ensino médio; retenção nos primeiros períodos em disci-
plinas como física, química e matemática.
O problema quanto ao perfil do corpo discente foi levantado nas considerações
relativas ao altíssimo número de evasão do PROEJA (em torno de 40%).
institutos atrairiam corpo discente que busca uma boa formação de ensino médio, não
contando com o técnico, e, quando conseguem a certificação ainda no segundo ano,
deixam a instituição na tentativa de ingressar na universidade.
Por fim, o terceiro aspecto, um contraditório problema da qualidade do ensino
com expansão do acesso. Ocorre que, ao expandir o acesso, o perfil do corpo discente
passou a se diversificar, havendo um desnivelamento e discrepância de conhecimen-
tos e habilidades entre os seus membros, resultando no abandono de muitos devido a
reprovações consecutivas.
Destaque-se a ponderação do TCU ao perguntar sobre as medidas para combater
e mudar este cenário:
Volta-se assim ao problema dos Relatórios de Gestão, que deveriam expor com cla-
reza e consistência a realidade objetiva dos IFs. Não sendo assim, tornam-se ainda mais
importantes trabalhos como o do TCU, e trabalhos de campo, possibilitando uma análise
concreta, observando a situação de cada IF. Pois a inobservância com relação às séries
históricas dos dados demonstra desleixo para com a história das instituições. Perdem-se
elementos importantes para o acompanhamento e o conhecimento sobre a vida mate-
rial dos IFs. Aspecto este que seria fundamental para que a reinstitucionalização ocor-
resse de forma mais consistente e objetiva, trilhando caminhos realmente novos.
Referências Bibliográficas
Introdução1
dos interesses de classe que disputam a hegemonia do Estado por meio da legislação.
(FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005b)
Na política estadual, pode-se observar tal distanciamento na falta de continui-
dade e pertinência ao projeto de educação profissional que se propôs com a criação
da FAETEC, utilizando-se a fundação como apêndice das políticas dos governos que
se sucederam, que, em vez de construir uma identidade institucional com finalidades
e objetivos definidos, foram pulverizando formas de oferta de educação profissional
em todos os níveis pelo estado, sem a preocupação de uma devida articulação entre a
formação básica e a profissional.
Por fim, no nível da unidade de ensino, esta recebe e implementa as variadas
políticas sem proceder-se à discussão interna sobre as opções a serem realizadas. Não
se trata de se culpabilizar a escola ou os docentes por essa desarticulação entre teoria
e prática, e sim de demonstrar o movimento de circularidade entre determinante e
determinado tão bem discutido por FRIGOTTO (2010).
Sabe-se que, para haver mudanças de concepção de educação,são necessárias
mudanças também no plano infraestrutural e de formação docente que a viabilizem;
caso contrário, serão mudanças de cima para baixo, ou apenas no plano político-jurí-
dico, constatando o que os docentes expressaram: mudanças apenas administrativas.
Ou seja, o que subjaz a essa percepção dos docentes é que a verdadeira disputa
por uma concepção de formação integrada ainda não se realizou na FAETEC, por mais
que se tenha procurado elaborar os cursos de forma democrática e com a participação
de todos. Vários motivos poderiam ser elencados para justificar essa realidade, porém
iremos nos ater às duas questões que parecem principais. A primeira, qual foi o movi-
mento de mudança infraestrutural que se promoveu? A segunda, qual a formação que
se ofereceu ao docente? Para assumir novos princípios, necessita-se de novas bases.
A materialidade da formação integrada exige o comprometimento com a busca
de uma formação contra-hegemônica e a organização infraestrutural que viabilize sua
execução. Nesta perspectiva, ressalta-se que, se na implementação dos cursos inte-
grados nos institutos federais, conforme demonstrado por PORTO JÚNIOR (2014),
pode-se realizar com docentes interessados em tal projeto, que em sua maioria tra-
balham em regime de dedicação exclusiva, podendo efetivamente pensar, discutir
e elaborar suas propostas de trabalho para esta forma de oferta; na rede estadual
(FAETEC), o processo não se deu (e não se dá) da mesma forma.
A referida rede enfrentou o desafio adicional de transformar todos os seus cursos
concomitantes internos, de um ano para o outro, em cursos integrados, resultando
assim em processos difíceis, fragmentados e de pouca efetividade. A composição dos
docentes de cada curso técnico, ainda que sinalizada no movimento de dedicação do
docente a apenas um curso (ou na impossibilidade, ao menos a um eixo tecnológico),
sofre a inviabilização de como realizar tal indicação com professores que devem cum-
prir uma carga horária de 24 tempos de aula semanais em turma, sendo sua disciplina
Gaudêncio Frigotto (Org.) 287
ofertada em apenas dois tempos. Isto é um problema para o docente, pois, com tal
carga, acaba por ficar em mais de um curso, o que, por sua vez, é resultado de um
problema institucional de em uma mesma unidade serem ofertados cursos em mais
de três eixos tecnológicos. Inviabiliza também a dedicação do docente da formação
básica para conhecer e se dedicar a pelo menos um eixo.
Desta forma, a pesquisa empírica revelou ser a construção do sentido epistemo-
lógico – em sua manifestação prática – e do sentido pedagógico da formação integra-
da os principais desafios a serem enfrentados pela concepção de formação integrada
enquanto “travessia”, uma vez que dar novo sentido aos conhecimentos considerados
necessários à humanidade, na perspectiva da indissociabilidade entre conhecimen-
tos gerais e específicos, demonstrou ser um problema não enfrentado pelos docentes.
Ainda que eles trabalhem (ou procurem fazê-lo) na perspectiva da interdisciplina-
ridade, a fragmentação disciplinar, expressão da racionalidade positivista, não teve
seu pilar questionado, fato expresso pelos docentes e que se constatou ao comparar
a matriz curricular atual do curso técnico de nível médio de edificações integrada ao
ensino médio à elaborada pelo Parecer CFE nº 45/1972 para o curso profissionalizan-
te em edificações.
Assim, a presente pesquisa objetivava discutir a atual política educacional, seus
aspectos conceptuais e empíricos, visando perceber continuidades e rupturas na his-
tórica dualidade “formação acadêmica versus formação profissional”. Neste sentido,
destacam-se, a partir deste momento, duas contradições que foram consideradas
importantes neste movimento de implementação na Rede FAETEC, uma vez que a
partir delas, apontadas pela pesquisa empírica, se estabelecem mediações com a rea-
lidade.
A primeira contradição a ser discutida encontra-se exatamente na defesa da cons-
trução de uma nova concepção de educação profissional, utilizando-se um termo que
remete a uma forma de organização curricular anterior, ou seja, a formação integrada
em sua formulação filosófica pressupõe-se como “travessia” possível vislumbrando
uma formação politécnica; porém, utiliza-se o argumento de que a formação deve-
ria voltar a ser integrada como o era antes do Decreto Federal nº 2.208/1997, logo,
deveria resgatar o gérmen da politecnia que as escolas técnicas federais realizavam no
período de vigência da Lei nº 7.044/1982. Apesar de parecer clara esta indicação para
os intelectuais que atuaram no processo de democratização do país pós-ditadura, na
elaboração da Constituição Federal e da LDBN, e que percebiam as possibilidades de
tal organização do currículo escolar, a contradição reside na forma como os docentes
em atuação direta nos cursos de educação profissional compreendem a expressão.
Será que percebem que não se trata da mesma coisa? Será que os docentes das escolas
técnicas estaduais, que também estiveram sob a vigência das Leis nº 5.692/1971 e
7.044/1982, também vivenciaram aquela “integração” como gérmen de uma forma-
ção humana integral?
288 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
5 “Condição e possibilidade, nesse caso, convergem para a garantia do direito a dois tipos de forma-
ção – básica e profissional – no ensino médio; o que assegura por isso a legalidade e a legitimidade do
ensino médio integrado à educação profissional”. (CIAVATTA e RAMOS apud CIAVATTA, 2014, p.197)
Gaudêncio Frigotto (Org.) 289
Conforme os autores destacam neste mesmo texto, o MEC não seguiu tal pro-
posta, declinando de exercer sua função de coordenação da política nacional de edu-
cação: as diretrizes curriculares nacionais foram atualizadas pelo Conselho Nacional
de Educação (CNE), seguindo o que já havia sido deliberado para o decreto anterior,
por curiosidade, o relator do parecer também foi o mesmo. No caso do assessora-
mento e do financiamento das secretarias estaduais para a implementação da forma
integrada de forma pontual e de acordo com a demonstração de interesse do esta-
do, tem-se que o primeiro ocorreu de forma aligeirada e superficial, sem o devido
aprofundamento, o que materializou uma justaposição da formação básica e da
profissional, enquanto o segundo acabou por não se realizar. Viu-se, ainda, a ofer-
ta de programas de fundamento compensatório em lugar de uma política sólida de
formação para a classe trabalhadora, tais como Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens
e Adultos (PROEJA), Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM), Escola
da Fábrica,6 Brasil Profissionalizado e Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico
e Emprego (PRONATEC).7
6 Para uma discussão mais aprofundada sobre cada um desses programas e uma análise da forma
como o governo federal realizou sua implementação, indica-se a leitura de: FRIGOTTO, CIAVATTA e
RAMOS (2005b), na qual os autores apresentam críticas sobre a temática.
7 Cabe ressaltar que esses programas tomaram rumos distintos. O PROEJA, por exemplo, em sua pri-
meira versão, sofreu críticas pertinentes, devido à forma compulsória de sua implantação exclusivamen-
te na Rede Federal, conforme FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS (2005b). Sua reformulação envolveu
290 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
todos os sistemas de ensino e, a partir de então, passou a ser uma política consistente de formação
básica de jovens e adultos integrada à educação profissional, hoje fragilizada pelo PRONATEC. Já o
Programa Escola de Fábrica não perdurou e foi criticado por ser uma formação curta, reduzida, prag-
mática e tecnicista, de caráter compensatório e realizado em parceria com empresas. O Brasil Profissio-
nalizado, por sua vez, poderia ter avançado nos seus fundamentos que eram o incentivo à implantação
do ensino médio integrado nos sistemas estaduais. Na verdade, este foi incorporado ao PRONATEC e,
mesmo antes, no seu desenvolvimento predominou a oferta dos cursos subsequentes e concomitantes.
Finalmente, o PRONATEC corresponde a atual e mais forte política de educação profissional no país,
que incorporou as demais ações nesse campo, cuja análise mereceria um estudo à parte.
8 Disponível em: <http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/11-educacao-profissional/>. Aces-
so em: 5/3/2016.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 291
Considerações finais
A partir da análise das entrevistas, pode-se constatar que a disputa sobre a con-
cepção de formação integrada ainda permanece necessária na sociedade civil, tendo
em vista que os docentes manifestaram o reconhecimento da necessidade de amplia-
ção da formação, na qual a relação trabalho-ciência-cultura figure como preparação
para um mercado que incorpora ciência e tecnologia em seu processo produtivo.
Desta forma, ao mesmo tempo que têm como concepção de formação a adaptação
para o mercado de trabalho, sinalizam a possibilidade de formação ampliada como
aquela que relaciona teoria e prática, destacando também a importância da formação
para a cidadania, ou seja, sinalizam para a possibilidade de uma formação contra-
hegemônica.
Porém, os mesmos entrevistados sinalizaram não perceber mudanças reais na
organização curricular ou na forma de trabalho pedagógico desenvolvido, sendo a for-
ma de oferta integrada apenas uma modificação administrativa, o que demonstrou
que os sentidos epistemológico e pedagógico ainda permanecem sob o paradigma da
fragmentação disciplinar, sendo sua integração realizada de acordo com iniciativas
individuais dos docentes, acontecendo sob a forma de projetos interdisciplinares.
Assim, as principais conclusões foram que, apesar do Decreto Federal nº
5.154/2004 ter sido exarado há quase doze anos, as expectativas de modificações
que induziria não se confirmaram; por não haver um comprometimento efetivo por
parte do governo federal nesse processo, mas realizando a política de educação pro-
fissional de forma difusa e por meio de programas compensatórios focais, sinalizou
continuidade com a política anterior; apesar de a concepção de formação integrada
demonstrar-se presente no chão da escola em seus sentidos ético-político e filosófico,
e assim se constituir em possibilidade de “travessia” para uma formação politécnica,
demonstrou-se que ainda há um desafio a ser enfrentado: a materialização dos senti-
dos epistemológico e pedagógico.
292 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Referências Bibliográficas
_____. A pedagogia das competências a partir das reformas educacionais dos anos
1990: relações entre o (neo)pragmatismo e o (neo)tecnicismo. In: ANDRADE, Juarez
de e PAIVA, Lauriana Gonçalves de. (Orgs.) As políticas públicas para a educação
no Brasil contemporâneo: limites e contradições. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2011b,
p.56-71.
* Pedagogo no Colégio Pedro II. Licenciado e Bacharel em Pedagogia pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ).
** Professor Adjunto da Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades da Universidade
do Grande Rio (UNIGRANRIO). Pós-doutor pelo Programa de Políticas Públicas e Formação Humana
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/UERJ) e Doutor em Ciências Sociais pelo Progra-
ma de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universida-
de Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ).
296 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
1 Cf.: WEBER, Demétrio. MEC diz que vai reformular cursos de jovens e adultos. O Globo, 30/3/2013.
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/>. Acesso em: 5/5/2018.
2 Cf.: A crise dos institutos técnicos. O Estado de S. Paulo, 16/4/2013. Disponível em: <http://opiniao.
estadao.com.br/noticias/>. Acesso em: 5/5/2018.
3 Cf.: SALDAÑA, Paulo. Institutos Federais têm déficit de 8 mil professores, revela auditoria do TCU.
O Estado de S. Paulo, 26/3/2013. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/>. Acesso em:
5/5/2018.
298 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Não seria tarefa fácil para os IFs resolver o problema que ocupava a maior parte
do relatório, o tema da evasão. Mesmo sendo o primeiro dos temas tratados no rela-
tório, nós o deixamos para o final do trabalho, pois entendemos que mostrando o
quadro geral da auditoria ficaria mais claro o fenômeno.
Os dados trazidos pelo relatório apresentavam novidades para os profissionais e
discentes que estão dentro dos IFs; provavelmente deram outra dimensão a questões
que vinham sendo discutidas e problematizadas; ao mesmo tempo demonstrava como
a política de expansão da RFEPCT, tinha sido conduzida, além de despreparada e des-
regulada, sem um projeto lúcido e realista.
Para a análise e encaminhamentos, como em todo o relatório, a auditoria dialo-
gava com diversos documentos normativos. Para o tema da evasão, um documento
importante era o Termo de Acordo de Metas, que desejava alcançar uma taxa de
conclusão de 80% nos IFs. Um número mágico, sem qualquer respaldo na realidade
dos IFs.
Atuação de forma isolada era uma constante nas constatações da auditoria, como
já mostramos com relação a outros problemas generalizados, que só encontravam
ações espaçadas.
O corolário imediato da realidade da RFEPCT, com aumento no número de ins-
tituições, ficou explícito no crescimento de matrículas, ou seja, no acesso à educação
profissional e tecnológica. A suposta democratização do ensino, que ficaria explíci-
ta pela dita interiorização e diversidade de público que passaria a alcançar, teria de
emblemático a presença obrigatória da educação de jovens e adultos (EJA) com o
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), elementos fortes a fim de
mostrar a realidade da expansão.
Como ficou patente ao longo do relatório do TCU, esta expansão levou o ensino
técnico aonde não chegava, e atendeu a quem nunca foi atendido, porém não chegou
com a forma adequada nem atendeu como se esperava.
Nesse sentido, a auditoria fez sinalizações importantes:
Ao mesmo tempo fez apontamentos que indicavam, mais uma vez, o despreparo
das instituições para assumir novas feições, heterogêneas, mas sempre sinalizando
que, identificado o problema, devia-se agir para solucioná-lo, dando ênfase ao levan-
tamento de dados, e não agir da forma artificial apontada.
A forma como algumas dessas informações chegaram na mídia deixava claro
como o relatório e seu enorme volume de dados demandavam análises mais detidas
pelos gestores das políticas públicas.
Só ficou evidenciado o alto índice de evasão do PROEJA, 24%, segundo levanta-
mento do TCU, a partir do Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional
e Tecnológica (SISTEC), não apresentando toda a complexidade com que o problema
foi tratado na auditoria. Tal aspecto foi reforçado pelo então Secretário de Educação
Profissional e Tecnológica: “Pelos dados do TCU, avaliamos que as taxas de evasão
Gaudêncio Frigotto (Org.) 303
são discretas. O problema está nas áreas em que historicamente a evasão já constitui
um desafio”.4
Com olhar mais detido ao que a auditoria apresentou, percebe-se que a taxa de
retenção dos cursos de licenciatura era muito maior que a do PROEJA e, segundo sis-
temática proposta no relatório, ela evidenciava uma potencialidade de evasão muito
maior.
A SETEC enviou resposta ao TCU, que também seguiu caminho diverso ao que na
auditoria foi recomendado aos gestores da educação profissional e tecnológica:
Por parte de alguns institutos, foi colocado que a falta de cultura institucional
era um fator importante para a não implantação de programas voltados para o tema.
De forma parecida com relação à evasão, não existia acompanhamento mais sistemá-
tico das egressas e egressos, “(...) ficando a critério de cada campus a implementa-
ção de medidas que visem à identificação da situação de empregabilidade dos alunos
que concluíram os cursos”. (TCU, 2012, p.42) Destacou-se, ainda, que existiu ante-
riormente por parte da SETEC iniciativa na linha do que se estava expondo, com a
Pesquisa Nacional de Egressos dos Cursos Técnicos da RFEPCT, que analisou os anos
de 2003 e 2007.
Recomendaram-se, mais uma vez, ações conjuntas dos IFs com a SETEC.
Conclusão
Como se viu, valemo-nos aqui do Relatório de Auditoria do TCU, como uma pri-
meira aproximação de um trabalho mais aprofundado sobre os IFs.
Na auditoria, foi colocado que a expansão da educação profissional e tecnológica
seguiu duas direções: “a) a ampliação do número de vagas e infraestrutura das escolas
preexistentes com a construção de novos campi nas regiões metropolitanas, de modo
a fazer frente ao dinamismo econômico dessas regiões; b) a interiorização dos institu-
tos, visando ocupar os lugares de maior carência socioeconômica”.
Contudo, no próprio relatório constatou que a ampliação havia gerado um déficit
estrutural enorme e a interiorização seguiu de forma precária tal como apontamos ao
convocar a historiografia clássica sobre o tema.
Afastando o ar de tragédia que alguns dados do cenário dos IFs pareciam assu-
mir, algumas indicações da auditoria ofereciam alternativas, explicitando que a partir
de uma análise que associasse realismo e reflexão, a Rede Federal poderia respirar
outros ares:
Referências Bibliográficas
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São
Paulo: Alameda Casa Editorial, 2005.
Introdução
profissional na interface com a EJA; tal inovação é ainda maior nas redes públicas
municipais e estaduais cujas atividades se ampliam para a EPT.
Na visão de NEVES (2015), a miríade de ações governamentais e da sociedade
civil organizada para a EJA e a EPT indica um passivo quanto ao direito público e
subjetivo à escolarização de qualidade. Frente ao desafio da qualificação docente,
devemos considerar três eixos: conhecimentos específicos de uma área profissional;
aspectos didático-político-pedagógicos e integração entre a educação profissional e
a educação básica. O papel dos educadores, suas vivências e crenças têm importân-
cia na ressignificação das propostas, produzindo múltiplas interpretações, que trarão
mudanças tanto na prática pedagógica quanto nas reformulações destes projetos.
(MOURA, 2006)
Entendendo que para operar a nova base técnica e científica são necessárias
novas qualificações, os diferentes níveis de governos vêm instituindo programas como
PROEJA, PROJOVEM, PRONATEC, PRONACAMPO, ensino médio integrado à edu-
cação profissional, cursos técnicos subsequentes etc.. Só no ano de 2013, este conjun-
to de iniciativas recebeu 4.260 matrículas na EJA integrada à EPT, 140.939 alunos
na EPT e 119.583 alunos em cursos profissionalizantes no Estado do Rio de Janeiro.
O aumento de programas voltados para a profissionalização de jovens e adultos que
não tiveram acesso à escolarização regular na idade apropriada tem trazido preocupa-
ção junto aos educadores responsáveis pela gestão e execução de cursos.
Os entes públicos apontam como características desejadas dos servidores envol-
vidos nestes programas: a sensibilidade em relação ao público-alvo e a compreensão
das especificidades das diferentes articulações entre a educação básica e as moda-
lidades EJA e EPT. No desenvolvimento de nossas atividades de extensão, foram
importantes os indícios sobre a pouca formação e experiência específicas dos corpos
técnico-pedagógicos das instituições de educação básica para a integração curricular
na EJA e/ou na EPT.
O desafio da integração curricular está relacionado à divisão técnica do trabalho,
à dualidade histórica no ensino de nível médio e à ausência de itinerários formati-
vos interdisciplinares no âmbito da formação acadêmica dos educadores. Entretanto,
contrapor-se a essas perspectivas e promover o confronto de ideias são para nós uma
necessidade da qual não se pode abrir mão, pois reduzidas a justaposição de discipli-
nas ou a reformulação de horários ou hierarquias disciplinares, o processo de inte-
gração curricular fica restrito à sua dimensão prescrita e idealizada, não permitindo
a construção de uma perspectiva de formação humanística na qual o trabalho, a ciên-
cia, a cultura e a tecnologia se constituíram como eixos norteadores, como princípio
defendido por professores e pesquisadores com acúmulo na discussão sobre os víncu-
los entre trabalho e educação.
No que se refere a uma didática para a educação profissional integrada, corrobo-
ramos com ARAÚJO (2008) e MOURA (2006), para os quais é necessário ir além da
Gaudêncio Frigotto (Org.) 311
1 Além de ser um desdobramento necessário de estudos mais recentes, a pesquisa coordenada por
FRIGOTTO (2015), que analisa a expansão da RFEPCT, a concepção pedagógica e de qualidade que
a orienta, também está relacionada com a pesquisa multi-institucional de FRIGOTTO (2011), ambas
financiadas pela FAPERJ e CNPQ. E materializa preocupações apresentadas na pesquisa de mestrado
de NEVES (2015), que procurou identificar como os educadores daquela tradicional instituição enxer-
gavam suas condições profissionais para atuar na interface da EJA com a EPT.
Gaudêncio Frigotto (Org.) 313
A dinâmica do projeto
2 Este componente curricular perpassou todo o curso, entretanto, sua dinâmica foi alterada ao longo
do processo para reforçar o caráter teórico-prático e a autonomia do projeto frente às instituições.
Desta forma, os cursistas produziram artigos científicos de revisão de literatura ou de análise de expe-
riências, ainda que, na maioria dos casos, estivessem voltados para as suas intervenções profissionais;
a medida possibilitou maiores amplitudes e aprofundamentos nas abordagens dos temas postos pela
realidade rebelde.
316 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
Considerações finais
Referências Bibliográficas
Gaudêncio Frigotto
Apoio
e-ISBN 978-85-92826-14-7