Fichamento Rawls
Fichamento Rawls
Fichamento Rawls
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
BELO HORIZONTE
Junho 2007
2
Objetivo do capítulo:
(1) descrever o “papel da justiça na cooperação social”1
(2) apresentar uma “breve explicação do objeto primário da justiça” 2, considerando que a justiça é “a
estrutura básica da sociedade”3.
(3) consideração da justiça como eqüidade “uma teoria da justiça que generaliza e leva a um nível
mais alto de abstração o conceito tradicional do contrato social”4.
(4) troca: pacto situação inicial + restrições de conduta = razões para um acordo inicial sobre os
princípios de justiça.
(5) considerações acerca das concepções de justiça (a) utilitária e (b) intuicionista, diferenciando-as da
concepção proposta de justiça como equidade. justiça como equidade: teoria alternativa em relação
às outras.
1. O papel da justiça
“A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de
pensamento.”5 “Sendo virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça são
indisponíveis.”6 primazia da justiça.
A verdade está para a teoria assim como a justiça para as leis. se as leis são injustas, elas devem ser
reformadas.
“(...) a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por
outros.”7 liberdades: invioláveis em uma sociedade justa. O que a justiça assegura é inegociável.
Suposição: uma sociedade “é uma associação mais ou menos auto-suficiente de pessoas que em suas
relações mútuas reconhecem certas regras de conduta como obrigatórias e que, na maioria das vezes,
agem de acordo com elas”.8
Sociedade:
- empreendimento cooperativo -> vantagens mútuas (identidade de interesses), mas tem que lidar com
conflitos de interesses. dificuldade / problema está nesse conflito de interesses que se relaciona com
a distribuição de vantagens.
As formas de ordenação social determinam as distribuições de vantagens, por isso é necessário escolher
uma forma de ordenação social.
Para isso (escolher) são necessários princípios da justiça social: “eles fornecem um modo de atribuir
direitos e deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos
benefícios e encargos da cooperação social”9.
Homens:
(1) inclinação ao interesse próprio (faria separar) X (2) sentido público de justiça (possibilita unir).
“Entre indivíduos com objetivos e propósitos díspares, uma concepção partilhada de justiça estabelece
os vínculos da convivência cívica; o desejo geral de justiça limita a persecução de outros fins”11
8
p.4.
9
p.5.
10
p.5.
11
p.5.
4
Sociedades concretas: conflitos entre o que é justo e o que é injusto. ainda que discordem acerca dos
princípios da associação (que se baseiam na noção de justiça), “cada um deles tem sua concepção de
justiça”12.
Ter uma concepção de justiça: saber da necessidade de princípios que definam (1) direitos e deveres e
(2) distribuição de vantagens e encargos.
“(...) as instituições são justas quando não se fazem distinções arbitrárias entre as pessoas na atribuição
de direitos e deveres básicos e quando as regras determinam um equilíbrio adequado entre
reivindicações concorrentes das vantagens da vida social.”13
Uma concepção de justiça boa deve dar conta desses três últimos aspectos da melhor maneira possível;
para tanto é necessário um consenso na concepção pública de justiça.
“(...) embora a justiça tenha uma certa prioridade, sendo a virtude mais importante das instituições,
ainda é verdade que, em condições iguais, uma concepção da justiça é preferível a outra quando suas
conseqüências mais amplas são a mais desejáveis.” 15 pensar a concepção de justiça relacionada à
organização social.
2. O objeto da justiça
12
p.5.
13
p.6.
14
p.7.
15
p.7.
5
O que pode ser justo ou injusto: muitas coisas: pessoas, ações, disposições, etc. circunscrever a
justiça a ser trabalhada: justiça social.
“A estrutura básica é o objeto primário da justiça porque seus efeitos são profundos e estão presentes
desde o começo”18
Intuitivamente estrutura social: posições sociais diferentes homens que têm condições diferentes
desigualdades decorrentes das instituições sociais uns são mais favorecidos que outros. noções
de mérito ou valor não justificam essas desigualdades
“É a essas desigualdades, (...), que os princípios da justiça social devem ser aplicados em primeiro
lugar”19.
- Limites da indagação:
o porquê dessa restrição: “É natural conjeturar que, assim que tivermos uma teoria sólida para esse
caso, à sua luz os problemas restantes da justiça se revelarão administráveis” 22 isso a partir de
modificações da teoria à situação em questão.
(2) justiça para uma sociedade bem ordenada “Presume-se que cada um aja com justiça e cumpra
sua parte para manter as instituições justas.”23
- “A razão para começar com a teoria ideal é que ela oferece, creio eu, a única base para o
entendimento sistemático desses problemas prementes”24. melhor forma de obter um entendimento
profundo acerca do problema.
Conceito de estrutura básica vago deixar para resolver isso depois trabalhar com uma idéia
intuitiva de estrutura básica.
Princípios devem se aplicar aos casos mais importantes de justiça social. A concepção de justiça
“não deveria ser descartada só porque seus princípios não são satisfatórios em todos os casos.”25
“Deve-se, então, considerar que uma concepção de justiça social fornece primeiramente um padrão
pelo qual se devem avaliar aspectos distributivos da estrutura básica da sociedade.”26
Ideal social: definição de concepção completa dos princípios “para todas as virtudes da estrutura
básica”27 vai além da concepção de justiça. princípios da justiça fazem parte do ideal social, ainda
que seja a parte mais importante dele.
22
p.9.
23
p.9.
24
p.10.
25
p.10.
26
p.10.
27
p.10.
7
Justiça:
(1) “equilíbrio adequado entre reivindicações concorrentes” 28
(2) “um conjunto de princípios correlacionados com a identificação das causas principais que
determinam esse equilíbrio”29
(3) “parte de um ideal social” 30
Conceito de justiça: “se define pela atuação de seus princípios na atribuição de direitos e deveres e na
definição da divisão apropriada de vantagens sociais” 31
Concepção de justiça: interpretação dessa atuação.
Ainda que essa abordagem pareça não se adequar à tradição, ela o faz > Aristóteles > noção de
pleonexia: “evitar que se tire alguma vantagem em beneficio próprio tomando o que pertence a
outrem”32 > definição aplicável a ações > pessoas são justas quando agem com justiça > uma pessoa
age de modo x quando deve agir de determinada maneira; quem indica como uma pessoa deve agir são
as instituições.
Concepção de justiça que leva a um plano mais abstrato teorias contratuais de Locke, Rousseau e Kant.
Contrato: “os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do consenso
original”.
Princípios de justiça: contrato (consenso original) pessoas livres e racionais + posição inicial de
igualdade + interesses próprios + cooperação social. justiça como equidade (esse modo de
considerar os princípios da justiça)
Homens escolhem (cooperação) princípios da justiça: estes envolvem a atribuição de direitos e deveres
e a distribuição de vantagens.
28
p.10.
29
p.10.
30
p.10.
31
p.10.
32
p.10.
8
O contrato é uma decisão racional de um grupo de pessoas que estão de acordo sobre o que é justo ou
injusto. essa escolha se dá em uma situação hipotética de igualdade de condições e liberdade
eqüitativa eles decidem então quais vão ser os princípios da justiça.
“Na justiça como eqüidade a posição original de igualdade corresponde ao estado de natureza na teoria
tradicional do contrato social.”33 posição original: hipotética para possibilitar a formulação de uma
concepção de justiça.
Posição original (hipotética) de igualdade: “ninguém conhece seu lugar na sociedade, a posição de sua
classe ou o status social.”34 véu de ignorância para escolher os princípios da justiça:
“Uma vez que todos estão numa situação semelhante e ninguém pode designar princípios para
favorecer sua condição particular, os princípios da justiça são o resultado de um consenso ou ajuste
eqüitativo. ”35 [visa minimizar os efeitos da contingência social.]
[Sem o senso de justiça não é possível formular o princípio de justiça porque é o senso de justiça que
possibilita equilibrar os interesses próprios. ]
Justiça como eqüidade: princípios são acordados em uma situação inicial equitativa 36. uma das
escolhas mais genéricas “a escolha dos primeiros princípios de uma concepção da justiça que deve
regular todas as subseqüentes críticas e reformas das instituições.” 37 após a escolha de uma
concepção de justiça, as definições da constituição, leis, etc., devem estar de acordo com esses
princípios de justiça.
33
p.13.
34
p.13.
35
p.13.
36
p.14.
37
p.14.
38
p.14.
9
e essa particularidade afeta suas perspectivas de vida e afetaria a escolha dos princípios de justiça. É
necessário pensar na situação hipotética de eqüidade a partir da qual é possível formular “princípios
que pessoas livres e iguais aceitariam em circunstâncias eqüitativas” 39.
Consideração acerca do princípio da utilidade: ele se enquadra dentro dos princípios de justiça da
situação inicial?
“Parece pouco provável que pessoas que se vêem como iguais, com direito a fazer exigências mútuas,
concordariam com um princípio que pode exigir para alguns expectativas de vida inferiores,
simplesmente por causa de uma soma maior de vantagens desfrutadas por outros” 42. “ninguém tem
razão para aceitar uma perda duradoura para si mesmo a fim de causar um saldo líquido maior de
43
satisfação” . princípio utilitarista é incompatível com a “concepção da cooperação social entre
iguais para a vantagem mútua” 44.
39
P.15.
40
P.15.
41
P.15.
42
P.15.
43
P.16.
44
P.16.
45
P.16.
46
P.16.
10
A concepção de justiça deve tentar minimizar os efeitos das contingências e circunstâncias sociais, que
não são naturais.
Não é possível que os dois pontos sejam satisfeitos adotando os princípios de justiça do utilitarismo e
do perfeccionismo:
Questão da justiça + teoria da escolha racional: “quais princípios seriam racionalmente adotados dada a
situação contratual” 51, isto é, eqüidade da situação original.
Suposição: Princípios de justiça devem ser escolhidos em condições determinadas 52. Esses princípios
deveriam determinar um único conjunto de princípios, “mas eu me darei por satisfeito se eles bastarem
para classificar as concepções mais tradicionais da justiça social” 53.
47
P.17.
48
P.18.
49
P.18.
50
P.19.
51
P.19.
52
P.20.
53
P.20.
11
Sobre a escolha de princípios: “parece razoável e geralmente aceitável que ninguém deva ser
favorecido ou desfavorecido pela sorte natural ou por circunstâncias sociais em decorrência da escolha
de princípios” 54. Entretanto, a escolha dos princípios não pode ser fundada em aspirações particulares.
Por esse motivo faz-se necessário o “véu da ignorância” que diz de uma situação na qual “fica excluído
o conhecimento dessas contingências que criam disparidades entre os homens e permitem que eles se
orientem pelos seus preconceitos” 55. Desse modo têm-se na situação original igualdade de direitos no
que diz respeito à escolha de princípios. A igualdade diz de um ser humano pensado como pessoa ética
e capaz de ter um senso de justiça.
Síntese da situação original: “Juntamente com o véu da ignorância, essas condições definem os
princípios da justiça como sendo aqueles que pessoas racionais preocupadas em promover seus
interesses consensualmente aceitariam em condições de igualdade nas quais ninguém é consciente de
ser favorecido ou desfavorecido por contingências sociais e naturais” 56.
Algumas questões sobre a justiça podem ser resolvidas intuitivamente, como o consenso que a
discriminação racial é injusta (1). No entanto, outras questões não são tão claras e consensuais, como é
o caso da distribuição de riquezas e poder (2).
54
p.20.
55
p.21.
56
p.21.
57
p.22.
12
A justificativa para os princípios de justiça está no fato de que “foram aceitos consensualmente numa
situação inicial [hipotética] de igualdade” 62.
5. O utilitarismo clássico
Contratualismo X Utilitarismo
Justiça como eqüidade X intuicionismo, perfeccionismo e utilitarismo.
58
p.22.
59
p.23.
60
p.23.
61
p.23.
62
p.24.
63
p.25.
13
dentro das possibilidades reais em um apelo intuitivo dentro da idéia de racionalidade 64. O problema da
distribuição aparece aqui relacionado à maximização de bens, isto é, “A distribuição correta nos dois
casos é aquela que permite a máxima realização.” 65. Uma vez que o objetivo é a maximização de
vantagens avaliada em sua somatória, “em princípio não há razão para que os benefícios maiores de
alguns não devam compensar as perdas menores de outros” 66. O argumento é pensado em uma
generalização, do particular para o geral, ou seja, se um homem pode buscar a maximização de seus
desejos, também “é justo que uma sociedade maximize o saldo líquido de satisfação obtido com
referência a todos os seus membros” 67. Com esse deslocamento do particular para o geral o utilitarismo
não leva em conta a diferença entre as pessoas para determinar suas escolhas.
senso comum:
exigências da liberdade e do direito X desejo do aumento do bem-estar agregado
prioridade para essas exigências.
Membros da sociedade direito natural “A justiça nega que a perda da liberdade para alguns se
justifique por um bem maior partilhado por outros”68. “Portanto, numa sociedade justa as
liberdades básicas são tomadas como pressupostos e os direitos assegurados pela justiça não estão
sujeitos à negociação política ou ao cálculo dos interesses sociais” 69. liberdade: direito inegociável.
raciocínio do senso comum justiça como eqüidade justifica esse lugar da liberdade em escolha na
posição original (igualdade inicial e hipotética de condições + racionalidade).
(1) “Enquanto a doutrina contratualista aceita nossas convicções acerca da prioridade da justiça como
globalmente sólidas, o utilitarismo procura explicá-las como uma ilusão socialmente útil”70.
64
p.26.
65
p.28.
66
p.28.
67
p.28.
68
p.30.
69
p.30.
70
p.31.
14
(2) utilitarismo: extensão “à sociedade o princípio da escolha feita por um único ser”71 X teoria da
justiça como eqüidade: escolha dos princípios é baseada em um consenso original. O utilitarismo,
uma vez que é a escolha de um indivíduo estendida aos outros, não abarca a pluralidade de pessoas,
marca essencial das sociedades humanas72.
(3) utilitarismo: teoria teleológica X teoria da justiça como eqüidade: teoria deontológica, ou seja,
“não especifica o bem independentemente do justo, ou não interpreta o justo como maximizador do
bem”73 bem: satisfação do desejo racional. o princípio de maximização do bem, típico do
utilitarismo não aparece na teoria da justiça como eqüidade.
Utilitarismo: bem-estar social depende “dos níveis de satisfação ou insatisfação dos indivíduos” 74
objetivo: maior soma de satisfações satisfação relacionada a desejos particulares uma pessoa
pode desejar a “sujeição de outrem a um grau inferior de liberdade como um meio de aumentar sua
auto-estima”75. X A teoria da justiça como eqüidade não corre o risco de situações como essa uma vez
que a definição de princípios ocorre em uma situação na qual as pessoas não sabem qual é sua posição
na sociedade: “as pessoas aceitam de antemão um princípio de liberdade igual e o fazem sem conhecer
seus próprios objetivos pessoais”76. Assim, os “desejos e aspirações são restringidos desde o início
pelos princípios de justiça que especificam os limites que os sistemas humanos de finallidades devem
respeitar”77 A limitação dos desejos marca uma característica imporante da teoria da justiça como
eqüidade que é a de priorizar o justo em relação ao bem. a justiça não pode ser violada em vista da
busca da satisfação de um desejo.
Resumo final:
Utilitarismo clássico X teoria da justiça como eqüidade diferença entre ass concepções de sociedade.
71
p.31.
72
p.31.
73
p.32.
74
p.33.
75
p.33.
76
p.33.
77
p.34.
15
7. O intuicionismo
O intuicionismo pensado de uma forma mais genérica é uma doutrina que pesa e compara um conjunto
de princípios básicos a fim de estabelecer qual deles é o mais justo80.
O intuicionismo lida com a complexidade dos fatos morais sem escolher princípios a partir de padrões
determinados. há múltiplos princípios que podem inclusive serem contraditórios entre si e não há
um método definido para escolher um a outro; a escolha é feita a partir do equilíbrio pela intuição
escolha “pelo que nos parece aproximar-se mais do que é justo”81.
Distinção entre as doutrinas intuicionistas na filosofia pode ser feita a partir da observação do “nível de
generalidade de seus princípios”82.
78
p.36.
79
p.36.
80
p.36.
81
p.37.
82
p.38.
83
p.38.
84
p.39.
16
Quanto às concepções filosóficas, seus princípios são de espécie mais genérica 85. O problema da
acumulação / distribuição é o exemplo para pensar isto. Deve-se buscar dois fundamentos dessa
dicotomia no que se refere ao planejamento da sociedade:
(1 ) o máximo bem (saldo líquido de satisfação) princípio da utilidade.
(2) distribuir satisfações de modo igualitário padrão de justiça (equilibra distribuição de vantagens)
86
.
Não há regra que determine como esses dois princípios devem ser equilibrados; por isso trata-se de
uma concepção intuicionista. Pessoas diferentes podem colocar pesos diferentes para esses pontos e,
ademais, “a alteração da inclinação numa curva de indiferença mostra como a urgência relativa dos
princípios muda na medida em que eles são mais ou menos satisfeitos. (...) vemos que diminuindo a
igualdade exige-se um aumento cada vez maior da soma de satisfações para compensar uma
diminuição ainda maior da igualdade” 87. o equilíbrio é compensatório e deve ser buscado na
tentativa de um posicionamento imparcial diante do problema (sem que fixar muita atenção aos
próprios interesses). “O intuicionismo afirma que em nossos julgamentos sobre a justiça social
devemos atingir uma pluralidade de princípios básicos a respeito dos quais possamos apenas dizer que
nos parece mais correto equilibrá-los de um certo modo e não de outro” 88. essa doutrina pode ser
verdadeira, já que não contradiz a racionalidade. argumento contra o intuicionismo: mostrar critérios
éticos para definir pesos à pluralidade de princípios89.
8. O problema da prioridade
Intuicionismo: como explicar nossos juízos sobre o justo e o injusto. problema sem resposta
confiança em nossas capacidades intuitivas90.
Utilitarismo clássico: apelo à intuição a partir do critério do ajuste dos pesos com referência ao
princípio da utilidade. Com isso, evita-se a dependência em relação à intuição91.
85
p.39.
86
p.39.
87
p.41.
88
p.42.
89
p.43.
90
P.44.
91
p.44.
17
Mas a dependência em relação à intuição não é irracional, ainda que uma concepção intuicionista da
justiça seja parcial, já que os juízos variam de acordo com as pessoas. Para evitar essa parcialidade é
necessário definir critérios éticos razoáveis92.
No caso da teoria da justiça como eqüidade, limita-se o papel da intuição uma vez que os princípios da
justiça são definidos na posição original, isto é, uma situação hipotética que visa uma escolha racional e
consensual para julgar as reivindicações mútuas93.
Em uma segunda possibilidade de escolha de princípios temos a baseada na “ordem serial ou lexical”.
Essa perspectiva, “exige que o primeiro princípio da ordenação seja satisfeito antes de podermos passar
para o segundo”, isto é, “um determinado princípio não entra em jogo ate que aqueles que o precedem
sejam plenamente aplicados ou se constate que não se aplicam ao caso” 94. Assim não é necessário
ponderar princípios, já que o primeiro tem peso maior que o segundo e assim por diante.
Para atingir o objetivo de alcançar um consenso para uma concepção coletiva de justiça, é necessário
“reduzir a nossa dependência em relação aos juízos intuitivos, e não eliminá-los completamente” 95.
Assim, “nosso objetivo deveria ser formular uma concepção da justiça que, por mais que apele para a
intuição, ética ou sábia, tenda a tornar convergentes os nossos entendimentos meditados sobre a
justiça”96.
Cada pessoa desenvolve um senso de justiça a partir do qual ela busca agir e espera que os outros ajam
aptidão moral complexa.
Teoria moral: “uma tentativa de descrever a nossa capacidade moral” 97. princípios para orientar
nossos juízos e julgar os juízos dos outros. A teoria moral não pode ser adquirida apenas baseada no
92
P.45.
93
p.45.
94
p.46.
95
p.48.
96
p.48.
97
pp.49-50.
18
senso comum ou em princípios da aprendizagem, indo “muito além das normas e padrões referidos no
dia-a-dia98”.
Juízos ponderados são “aqueles juízos nos quais as nossas qualidades morais têm o mais alto grau de
probabilidade de se mostrarem sem distorção”99 são importantes para decidir quais juízos devemos
escolher. Por exemplo, devemos desconsiderar juízos que fazemos quando estamos nervosos, com
medo ou em uma situação muito vantajosa, já que esses juízos têm maiores chances de estarem errados.
Os “juízos ponderados são simplesmente os que são feitos sob condições favoráveis ao exercício do
senso de justiça”100.
Quanto à divergência das posições acerca da justiça: suposição de que “todos têm em si mesmos o
modelo completo de uma concepção moral”104 para que seja possível formular a teoria da justiça como
eqüidade.
98
P.50.
99
p.51.
100
p.51.
101
p.51.
102
p.52.
103
p.53.
104
p.54.
19
Objetivo desse capítulo: explicar dois princípios de justiça para instituições e vários princípios para
indivíduos. esse capítulo trabalha com apenas a primeira parte da teoria.
“O primeiro objeto dos princípios da justiça social é a estrutura básica da sociedade, a ordenação das
principais instituições sociais em um esquema de cooperação” 106. Princípio da justiça para
instituições. Para isso: atribuição de direitos e deveres de distribuição de benefícios e encargos.
Instituição sistema público de regras que define cargos, posições, direitos e deveres 107. regras
mostram o que é proibido e o que é permitido e criam penalidades para quando elas não são
respeitadas.
Importância da publicidade das regras de uma instituição: “assegura que aqueles nela engajados saibam
quais limites de conduta devem esperar uns dos outros, e que tipos de ações são permissíveis” 110,
ademais, “há um entendimento comum acerca do que é justo e injusto”111
Importante diferenciar:
(1) “regras constitutivas de uma instituição”
(2) “estratégias e regras de conduta acerca de como tirar o melhor proveito da instituição para
propósitos particulares”112 quais ações o indivíduo deve escolher dentro das permitidas pelas regras
visando seus interesses.
Quanto a (2), “Idealmente as regras devem ser fixadas de modo a fazer com que os homens sejam
conduzidos por seus interesses predominantes a agir de modos que promovam fins sociais
desejáveis”113 Entretanto, as estratégias individuais para atingir interesses “não são parte dos sistemas
públicos de regras que as definem”114.
Uma regra, ou várias regras podem ser injustas sem que todo o sistema social o seja. Por outro lado, um
sistema social pode ser injusto como um todo sem que haja partes que o sejam. Nesse caso, a injustiça
decorreria da combinação das partes115.
Em uma determinada estrutura básica na qual “as regras satisfazem uma concepção de justiça” 116
existem princípios de justiça que assumem o papel da justiça na medida em que “fornecem uma
atribuição de direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens advindas da
cooperação social”117. As autoridades dessa estrutura devem administrar de acordo com essa regra e a
110
p.59.
111
p.59.
112
p.59
113
p.60.
114
p.60.
115
p.60.
116
p.61.
117
p.61.
21
Há um consenso na posição original acerca dos dois princípios da justiça aplicáveis à estrutura básica
da sociedade. Primeira formulação, ainda não acabada:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades
básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que
sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos e (b) vinculadas a posições
e a cargos acessíveis a todos120.
Princípios:
(1) Liberdades “básicas iguais” p. ex: liberdade política, de expressão, de consciência.
(2) Desigualdades “econômicas e sociais” distribuição de renda e riquezas (deve ser vantajosa para
todos) e diferenças de autoridade e responsabilidade (que deve ser acessível para todos).
Deve-se pensar esses princípios segundo uma ordem serial, sendo que o primeiro antecede o segundo,
isto é, “as violações das liberdades básicas iguais protegidas pelo primeiro princípio não podem ser
justificadas nem compensadas por maiores vantagens econômicas e sociais”121. prioridade do
primeiro princípio em relação ao segundo.
O segundo princípio deve ser consistente com liberdades básicas e com igualdade de oportunidades.
118
p.62.
119
p.62.
120
P.64.
121
p.65.
22
A distinção entre os dois princípios marca “uma diferença entre os bens sociais primários” e
consequentemente uma “importante classificação no sistema social” 125. Eles se aplicam a instituições,
logo estão diretamente relacionados à estrutura básica da sociedade.
Liberdade: “é um certo padrão de formas sociais”126 baseada em regras que devem ser aplicadas
igualmente a todos. O que pode limitar a liberdade é quando uma liberdade interfere na outra. Busca-
se, assim “a mais abrangente liberdade compatível com uma igual liberdade para todos”127.
Os princípios referem-se aos “sistemas institucionais básicos” e, portanto, não são aplicáveis a casos
particulares128.
Segundo princípio: como cada um se beneficia das desigualdades da estrutura básica cada homem
“deve achar razoável preferir as suas perspectivas com a desigualdade às suas perspectivas sem ela” 129.
No entanto, são muitos os modos como as pessoas podem ter vantagens tomando como ponto de
partida a igualdade. Qual modo deve ser escolhido é o que será trabalhado a seguir.
122
p.66.
123
p.66.
124
p.67.
125
p.67.
126
p.68.
127
p.68.
128
p.69.
129
p.69.
23
A frases “vantajosas para todos” e “igualmente abertos a todos” ambíguas cada uma tem dois
sentidos independentes um do outro ao final tem-se “quatro significados possíveis”130.
Interpretações:
(1) liberdade natural
(2) igualdade liberal
(3) igualdade democrática
(4) aristocracia natural
Princípio da Eficiência:
“(...) as posições estão abertas àqueles capazes de lutar por elas e dispostos a isso, levará a uma
distribuição justa”131. A partir desse princípio:
(...) uma configuração é eficiente sempre que é impossível mudá-la de modo a fazer com que
algumas pessoas (pelo menos uma) melhorem a sua situação sem que, ao mesmo tempo, outras
pessoas (pelo menos uma) piorem a sua132.
Esse princípio da eficiência, muito comum na literatura da Economia, aplicado à estrutura básica da
sociedade pode ser resumido da seguinte forma:
(...) uma organização de direitos e deveres na estrutura básica é eficiente se, e somente se, é
impossível mudar as regras, redefinir o esquema de direitos e deveres, de modo a aumentar as
expectativas de qualquer dos homens representativos (pelo menos um) sem ao mesmo tempo
diminuir as expectativas de um (pelo menos um) outro homem representativo 133.
Nenhum dos dois princípios pode ser violado ao mudar a estrutura básica. Em resumo: “Uma
organização da estrutura básica é eficiente quando não há como mudar essa distribuição de modo a
elevar as perspectivas de alguns sem diminuir as perspectivas de outros”134.
130
P.69.
131
p.71.
132
p.71.
133
p.74.
134
p.74.
24
No caso do sistema da liberdade natural “o princípio da eficiência é restringido por certas instituições
básicas”136 que, se respeitadas, consideram justas as distribuições eficientes. Nesse sistema a
distribuição inicial é regulada por uma igualdade formal de oportunidades, isto é: “todos têm pelo
menos os mesmos direitos legais de acesso a todas as posições sociais privilegiadas” 137 a partir de uma
concepção de “carreiras abertas a talentos”. Entretanto, a distribuição inicial é influenciada por
contingências naturais e sociais o que acaba por ser uma injustiça desse sistema, já que os fatores de
distribuição inicial são arbitrários o que tem como conseqüência uma igualdade apenas formal e não de
fato.
A igualdade liberal tenta resolver esse problema aliando à concepção de carreiras abertas a talentos “a
condição adicional de uma eqüitativa igualdade”138. Com isso, busca-se uma igualdade eqüitativa e não
apenas formal. Por igualdade eqüitativa entende-se “que aqueles com habilidades e talentos
semelhantes devem ter chances semelhantes na vida”139 independente do lugar que ocupam no sistema
social. igualdade eqüitativa de oportunidades. “As expectativas daqueles com as mesmas
habilidades e aspirações não devem ser afetadas por sua classe social”140. Essa solução busca minimizar
as contingências naturais e sociais. Para isso “é necessário impor ao sistema social condições
estruturais básicas adicionais”141. A solução está na estrutura de instituições políticas e legais.
“evitar acúmulos excessivos de propriedade e riqueza” + “iguais oportunidades de educação para
todos”142. Em resumo:
As oportunidades de se atingir conhecimento cultural e qualificações não deveriam
(*) depender da posição de classe de uma pessoa, e assim o sistema escolar, seja publico
ou privado, deveria destinar-se a eliminar barreiras de classe.
135
p.75.
136
p.76.
137
p.76.
138
p.77.
139
p.77.
140
p.77.
141
p.77.
142
p.77.
25
Essa concepção tem como problema o fato de que mesmo que elimine a influência das contingências
sociais, “ela ainda permite que a distribuição de renda e riqueza seja influenciada pela distribuição
natural de habilidades e talentos”143. “loteria da natureza” resultado arbitrário distribuição de
renda e riqueza obedecendo à casualidade histórica ou social + “princípio de oportunidades eqüitativas
só pode ser realizado de maneira imperfeita”144 na prática não há como assegurar igualdade de
condições.
Concepção de aristocracia natural: não se tenta minimizar as contingências sociais. Igualdade formal de
oportunidades mas “as vantagens das pessoas com maiores dotes naturais devem limitar-se àqueles que
promovem o bem dos setores mais pobres da sociedade.”145 Ideal aristocrático sistema aberto
“(...) a melhor situação daqueles favorecidos por ele é considerada justa apenas quando menos
possuiriam os que estão em posição inferior se menos fosse dado para os que estão em posição
superior”146.
Concepção liberal e da aristocracia natural instáveis contingência natural +/ou acaso natural.
ambas parecem perspectivas arbitrárias. melhor solução dentre as quatro alternativas: concepção
democrática.
Liberdade igual e igualdade eqüitativa de oportunidades demandam que “as maiores expectativas
daqueles em melhor situação são justas se, e somente se funcionam como parte de um esquema que
melhora as expectativas dos membros menos favorecidos da sociedade”148.
O princípio da diferença
143
p.78.
144
p.78.
145
p.78.
146
p.78.
147
p.79.
148
pp. 79,80.
26
Resumo do princípio: “se não houver uma distribuição que melhore a situação de ambas as pessoas
(...), deve-se preferir uma distribuição igual”149.
Concepção utilitarista indiferente “ao modo de distribuição de uma quantia fixa de bens” 150.
recorre à igualdade para resolver impasses.
Esquema injusto: Expectativas mais altas são excessivas + violação dos outros princípios da justiça.
“A diferença ainda maior entre as classes viola o princípio de vantagens mútuas e também o da
igualdade democrática”155.
149
P.80.
150
p.81.
151
p.82.
152
p.82.
153
p.83.
154
p.83.
155
p.84.
27
Duas características das instituições que possibilitam distribuição de benefícios (estrutura básica) são:
(1) elas “são montadas para promover certos interesses fundamentais que todos têm em comum”161.
(2) nelas os cargos e posições são abertos.
Com isso, é possível que a ligação em cadeia esteja correta desde que estejam em vigor os outros
princípios da justiça.
As conseqüências dos princípios de justiça em geral, tais como o princípio da diferença e o princípio da
eficiência são as contribuições positivas, isto é, as “vantagens daqueles em posições privilegiadas
aumentam as perspectivas dos menos favorecidos”162, ou seja, “qualquer movimento na direção da
ordenação perfeitamente justa melhora as expectativas de todos”163.
156
p.84.
157
p.84.
158
p.84.
159
p.85.
160
p.85.
161
p.87.
162
p.87.
163
p.87.
28
Mas é possível que não ocorra o entrelaçamento e não funcione a relação de ligação em cadeia
(melhoria de uns melhoria de outros). Para resolver esse problema, princípio do intervalo lexical que
consiste em
(...) em uma estrutura básica com n representantes, primeiro maximizar o bem-estar do homem
representativo em pior situação. Segundo, para obter igual bem-estar do representante em pior
condição, maximizar o bem-estar do homem representativo cuja posição desfavorecida vem logo
após a do primeiro, e assim por diante até o último estágio que é, para obter igual bem-estar de
todos os representantes que precedem n-1, maximizar o bem-estar do homem representativo na
melhor situação.
Mas esse princípio é difícil de ser colocado em prática em casos concretos uma vez que, com a
melhoria potencial dos mais favorecidos terá também uma melhoria para os menos favorecidos.
Com isso, melhor usar o princípio da diferença. Ao fim, resumo do segundo princípio:
As desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas de modo a serem ao mesmo tempo
(a) para o maior beneficio esperado dos menos favorecidos e (b) vinculadas a cargos e posições
abertos a todos em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades. 164
Exigência das posições abertas não é unicamente nem principalmente de eficiência 165. “Pode ser
possível melhorar a situação de todos através da atribuição de certos poderes e benefícios a
determinados cargos, apesar do fato de certos grupos serem excluídos delas” 166. Essa exclusão de
alguns grupos vai contra o princípio das posições abertas segundo o qual há injustiça se há posições
que não estão abertas para todos os grupos. Contra essa posição está o fato de ser possível que no
caso citado, no qual o acesso é restrito a alguns cargos, seja possível “atrair talentos superiores e
encorajar melhores desempenhos”167.
Estrutura básica objeto primeiro da justiça na teoria da justiça como eqüidade (nem todas as teorias
éticas fazem essa relação entre justiça e estrutura básica).
Justiça procedimental pura para entendê-la, comparar: justiça procedimental perfeita e justiça
procedimental imperfeita.
168
P.90.
169
P.90.
170
P.91.
171
P.91.
172
P.91.
173
P.92.
174
P.92.
175
P.92.
30
resultado deve ser levado a cabo176. “Um procedimento eqüitativo traduz a sua eqüidade no
resultado apenas quando é efetivamente levado a cabo” 177. Para que isso seja possível é necessário
(construir e administrar) um sistema justo de instituições 178. Com isso não se faz mais necessário
“controlar a infindável variedade de circunstâncias nem as posições relativas mutáveis de pessoas
particulares”179.
Aquilo que é produzido segue um sistema público de regras que determinam “o que é produzido,
quanto é produzido” e como182.
A justiça alocativa “se aplica quando um dado conjunto de bens deve ser dividido entre indivíduos
concretos com necessidades e desejos conhecidos”183. É natural pensar que a distribuição deve ser
feita “de acordo com desejos e necessidades, ou até mesmo maximizar o saldo líquido de
satisfação.”184. Justiça como eficiência (ao menos que se prefira a igualdade). Essa concepção de
justiça alocativa está de acordo com a perspectiva do utilitarismo clássico. O utilitarismo segue
como padrão para distribuição a busca de obter “o maior saldo líquido de satisfações”185. Para isso, “as
instituições são organizações mais ou menos imperfeitas cuja finalidade é atingir este objetivo” 186. Com
isso, a estrutura básica da perspectiva utilitarista é “um caso de justiça procedimental imperfeita”187.
176
P.92.
177
P.93.
178
P.93.
179
P.93.
180
P.93.
181
P.93.
182
P.94.
183
P.94.
184
P.94.
185
P.95.
186
P.95.
187
P.95.
31
Para a teoria da justiça como eqüidade, “as duas partes do segundo princípio são lexicalmente
ordenadas”188, mas é necessário investigar “baseada em quais suposições, se é que existe alguma, a
escolha da ordenação lexical deveria ser feita?”189.
Concepção de parcelas distributivas simplificação para caracterizar a estrutura básica como uma
forma de ordenação que segue a idéia de justiça procedimental pura190.
Utilitarismo: maximização das utilidades esperadas considerando as posições relevantes. Para isso,
supõe uma concepção de utilidade.
Utilidade: medida (para cada representante individual) + método de “correlacionar as escalas de
pessoas diferentes”191 a noção de utilidade não pode ser baseada na intuição, mas em noções éticas e
outras que não são éticas, como é o caso do preconceito e do interesse pessoal. As comparações
interpessoais de bem-estar não implicam necessariamente em uma constatação fundamentada do que
seja uma boa concepção de bem-estar. Por isso é necessário avaliar esses julgamentos comparando-os a
partir de algum fundamento objetivo. Esse é um problema do utilitarismo, uma vez que “A discussão a
respeito das comparações interpessoais obscurece a verdadeira questão, ou seja, a de saber se deve ser
maximizada em primeiro lugar a felicidade total ou a felicidade média” 192.
No caso da teoria da justiça como eqüidade, o princípio da diferença busca “estabelecer as bases
objetivas para as comparações pessoais de dois modos”193:
188
P.95.
189
P.95.
190
P.95.
191
P.96.
192
p.97.
193
p.97.
32
(1) “identificar o homem representativo menos favorecido”194 e, a partir dessa constatação é possível
saber “de que posição o sistema social deve ser julgado” 195. não é necessário calcular soma de
vantagens a partir de comparações interpessoais qualitativas; estas só são importantes para calcular
qual é a posição mais baixa. A partir disso os juízos do homem representativo são suficientes196.
(2) “simplificação para a base de comparações interpessoais”197 a partir de expectativas de bens sociais
primários.
Bens sociais primários: “são coisas que se supõe que um homem racional deseja, não importa o que
mais ele deseje”198 e que “tendo uma maior quantidade desses bens, os homens podem geralmente estar
seguros de obter um maior sucesso na realização de suas intenções e na promoção de seus objetivos,
quaisquer que sejam eles”199. São eles os direitos, as liberdades e oportunidades, renda e riqueza e estão
intimamente ligados à estrutura básica na medida em que “as liberdades e oportunidades são definidas
pelas regras das instituições mais importantes, e a distribuição de renda e riqueza é por elas
regulada”200.
Não há discordância entre a interpretação do bem contratualista e utilitarista. Idéia principal: “(...) o
bem de uma pessoa é determinado pelo que é para ela o mais racional plano de vida a longo prazo,
dadas circunstâncias razoavelmente favoráveis.”201 homem é feliz quando tem algum sucesso na
realização de seu plano. bem: “satisfação de um desejo racional” 202. os bens sociais primários são
aqueles que possibilitam a realização desses desejos.
194
p.97.
195
p.97.
196
p.97.
197
p.97.
198
p.97.
199
p.98.
200
p.98.
201
p.98.
202
p.98.
203
p.98.
33
(1) Problema da lista ordenada: como “estabelecê-la para o grupo menos favorecido” 204 Para isso,
tentativa de assumir o ponto de vista de um indivíduo representativo desse grupo menos favorecido e, a
partir desse ponto de vista, pensar como será a distribuição. Entretanto, essa operação só é possível
baseando-se em estimativas intuitivas.
(2) Outra objeção possível: expectativas poderiam ser pensadas não como uma lista ordenada de bens
primários, mas como a satisfação dos planos racionais (possíveis de serem realizados a partir desses
bens primários) uma vez que a felicidade consiste na realização desses planos 205. Mas a teoria da
justiça como eqüidade não assume esse ponto de vista, já que “supõe que os membros da sociedade são
pessoas racionais capazes de ajustar as suas concepções do bem à própria situação”206 “A todos é
assegurada igual liberdade para que persigam qualquer plano de vida que lhes agrade, contando que
isso não viole as exigências da justiça”207. O importante é que a organização da sociedade funcione
de modo justo. Assim, as pessoas têm condições (as “coisas das quais presumivelmente todos eles em
geral precisam para realizar seus planos”208) de buscar satisfazer seus planos. Essa é a base do bem
para a concepção da teoria da justiça como eqüidade, já que não é possível chegar a um consenso
acerca daquilo que deve ser buscado (através dos planos).
Concepção de indivíduos representativos e a visão tida por eles do sistema social possibilitam a
aplicação dos dois princípios de justiça à estrutura básica da sociedade 209. Entretanto, para se chegar a
isso é necessário escolher quais posições sociais são relevantes uma vez que não é possível em uma
teoria da justiça abarcar toda a multiplicidade de posições existentes no mundo. “identificar certas
posições como mais básicas que as outras e capazes de fornecer um ponto de vista apropriado para o
julgamento do sistema social”210. Como fazer esta escolha?
204
p.99.
205
p.99.
206
p.100.
207
p.100.
208
p.100.
209
p.101.
210
p.101.
34
Objeto primeiro da justiça: estrutura básica da sociedade, que “favorece alguns lugares de partida em
detrimento de outros na divisão dos benefícios da cooperação social” 211. Os dois princípios devem
regular essas desigualdades (acaso natural e boa sorte social), mas quando estas são reguladas surgem
outras a partir das ações do homem exercendo a liberdade de associação212.
Posições sociais relevantes são “os lugares de partida generalizados e agrupados de forma adequada”213.
Estrutura básica: cidadania igual: (1) princípio de liberdade (direitos e liberdades) + (2) princípio de
igualdade eqüitativa de oportunidades.
O grupo menos favorecido é o que sofre mais dos três tipos de contingências:
(1) origem familiar e de classe
(2) dons naturais
(3) sorte ao longo da vida
Esses três tipos são relacionados com os bens sociais primários.
211
p.101.
212
p.102.
213
p.102.
214
pp.102,103.
215
P.103.
35
Entretanto, ainda considerando essas contingências, é difícil evitar que a escolha da posição menos
favorecida seja arbitrária. Isso porque é possível fazer essa escolha com critérios diferentes, por
exemplo, (1) escolher uma posição social particular considerando a questão da renda e riqueza, ou
outro exemplo, (2) pensar a questão da renda e riqueza não particularmente, mas de modo relativo, sem
referência às posições sociais. Ambos critérios abarcam os mais desfavorecidos pelas contingências.
A partir deles é possível fornecer uma base “para determinar em que nível um mínimo social pode ser
fixado, a partir do qual (...) a sociedade poderia começar a satisfazer o princípio da diferença”216.
A teoria da justiça como eqüidade “analisa o sistema social a partir da posição de cidadania igual e dos
vários níveis de renda e riqueza”217 .
Desigualdades posições relevantes dificultam a aplicação dos dois princípios não são
vantajosas para os menos beneficiados logo, quando menos desigualdades e, consequentemente
posições relevantes, mais justa será a sociedade.
Posições sociais relevantes (ponto de vista geral) ≠ posições particulares. Prioridade para juízos
feitos a partir de posições relevantes em relação aos juízos de situações particulares para a aplicação
dos dois princípios de justiça219. “As posições sociais relevantes especificam, então, o ponto de vista
geral a partir do qual os dois princípios da justiça devem ser aplicados à estrutura básica”220.
216
p.104.
217
p.105.
218
p.105.
219
p.105.
220
p.106.
221
p.107.
222
p.107.
36
é o único que deve ser levado em conta como critério de justiça mas deve ser considerado, sendo um
dos elementos da teoria da justiça como eqüidade. Entretanto, o princípio da diferença e o princípio da
reparação não são o mesmo princípio, ainda que o primeiro realize uma parte dos objetivos do último.
Distribuição natural de contingências não é justa nem injusta, mas apenas fatos naturais. “O que é
justo ou injusto é o modo como as instituições lidam com esses fatos” 224. sistema social pensado
como “padrão de ação humana” pode ser mudado: as contingências naturais não são necessárias
(como o próprio nome diz).
“O princípio da diferença como uma base eqüitativa de regulação da estrutura básica” 226 através de “um
sistema justo de cooperação com uma estrutura de regras comuns, e estando as expectativas fixadas por
ele”227.
Princípio de fraternidade:
Normalmente esse princípio ocupa um lugar menos importante na teoria democrática 228. Isso talvez se
deva porque seja comum relacionar laços sentimentais ao princípio de fraternidade. Entretanto, esse
princípio incorpora exigências do princípio da diferença na medida em que, segundo ele: “Aqueles que
estão em melhor situação estão dispostos a receber seus objetivos mais elevados apenas dentro de um
esquema no qual isso resulte em benefícios para os menos afortunados”229.
223
p.108.
224
p.109.
225
p.109.
226
p.110.
227
p.110.
228
p.112.
229
p.113.
37
Interpretação democrática dos dois princípios da justiça da teoria da justiça como eqüidade:
Primeiro princípio liberdade (igualdade –cidadão– + igualdade eqüitativa de oportunidades).
Segundo princípio diferença fraternidade.
Uma vez que está relacionada a um dos princípios estruturantes da sociedade, a fraternidade “impõe
uma exigência definida sobre a estrutura básica da sociedade” 230. Com isso, a interpretação
democrática dos dois princípios não implica em uma sociedade meritocrática.
Para uma concepção do justo são necessários princípios. No caso da teoria da justiça como eqüidade,
há uma ordem de prioridade dos princípios para a estrutura básica da sociedade: (1) princípios para a
estrutura básica da sociedade (2) princípios para indivíduos (3) princípios para o direito
internacional233.
Obrigações princípios para as organizações sociais (escolhidos antes dos princípios para os
indivíduos) esse fato implica na constatação da “natureza social da virtude como justiça, sua íntima
ligação a práticas sociais”234 “na maioria dos casos os princípios para obrigações e deveres devem
ser determinados depois dos princípios para a estrutura básica”235.
230
p.113.
231
p.114.
232
P.115.
233
p.116.
234
p.118.
235
p.118.
38
Concepção do justo: escolha das partes na posição original de uma concepção de justiça + os princípios
que a sustentam236. Para a concepção de justiça é necessário um consenso acerca das noções
principais (como as noções eqüidade e fidelidade). Algo é justo “se está de acordo com os princípios
que, na posição original, seriam reconhecidos como aplicáveis a coisas do mesmo tipo”237.
Princípio de eqüidade: Segundo esse princípio cada pessoa deve fazer sua parte de acordo com as
regras da instituição que satisfaça os dois princípios de justiça (seja justa e eqüitativa) e que “a pessoa
tenha voluntariamente aceitado os benefícios da organização ou tenha aproveitado a vantagem das
oportunidades que ela oferece para promover os seus interesses próprios” 238. Importante para esse
princípio o fato dos membros da instituição participarem dela de modo a terem uma “cooperação
mutuamente vantajosa”239 Estão de acordo com regras que restringem sua liberdade para que todos
sejam favorecidos. Nesse sentido, quando todos fazem sua parte, a organização da sociedade é justa.
Para tanto são necessárias obrigações que os membros da organização social devem obedecer para
que ela seja justa.
236
p.118.
237
P.118.
238
P.119.
239
P.120.
240
P.120.
241
P.120.
242
P.121.
39
O princípio da eqüidade explica as obrigações, mas há deveres que são naturais, positivos e
negativos243.
Deveres naturais:
(1) Ajuda mútua: “dever de ajudar o próximo quando ele está necessitado ou correndo perigo, contanto
que possamos fazer isso sem perda ou risco para nós mesmos” 244 dever positivo (faz algo de bom
pelo outro).
(2) “não lesar ou agredir o próximo”245 e (3) não causar sofrimento desnecessário deveres negativos
no sentido de não fazer algo ruim ao outro.
Distinção dever negativo / positivo: intuitiva. Por isso pode muitas vezes falhar. Essa distinção é
importante em relação ao problema da prioridade no que diz respeito a qual deve tem mais peso que o
outro, um dever positivo ou um negativo.
Obrigações X Deveres naturais: Os últimos não dependem de nossos atos voluntários nem têm relação
com instituições ou práticas sociais, mas se aplicam às pessoas consideradas morais iguais, ou seja,
pessoas em geral246.
Do ponto de vista da justiça como eqüidade, um dever natural fundamental é o dever da justiça.
Esse dever exige nosso apoio e obediência às instituições que existem e nos concernem. Ele
também nos obriga a promover organizações justas ainda não estabelecidas, pelo menos quando
isso pode ser feito sem nos sacrificar demais 247.
“Uma vez que temos em mãos o conjunto completo de princípios, uma concepção do justo plenamente
formulada, podemos simplesmente esquecer concepção da posição original e aplicar esses princípios
como faríamos com quaisquer outros”248.
243
P.122.
244
P.122.
245
P.122.
246
pp.122,123.
247
P.123.
248
P.124.
249
P.124.
40
(2) Princípio da eqüidade “vincula apenas aqueles que ocupam cargos públicos, (...) ou aqueles que
(...) promoveriam seus objetivos dentro do sistema”250.
250
P.124.
41
Referência Bibliográfica
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução: Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.