WINNER, Langdon - Artefatos Têm Política
WINNER, Langdon - Artefatos Têm Política
WINNER, Langdon - Artefatos Têm Política
WINNER, Langdon.“Do Artifacts Have Politics?”In WINNER, L.“The Whale and the Re-
actor – A Search for Limits in an Age of High Technology”. Chicago: The University of Chicago
Press, 1986 p. 19-39.
Traduzido por:
Debora Pazetto Ferreira
Luiz Henrique de Lacerda Abrahão
Nas controvérsias sobre tecnologia e sociedade, nenhuma ideia se mostra mais provocati-
va do que a noção de que coisas técnicas possuem qualidades políticas. O que está em questão é
a afirmação de que as máquinas, as estruturas e os sistemas da cultura material moderna podem
ser apreciados com precisão não apenas por suas contribuições em termos de eficiência e pro-
dutividade, bem como seus efeitos ambientais secundários negativos ou positivos, mas também
pelas maneiras nas quais eles podem incorporar formas específicas de poder e autoridade. Uma
vez que ideias desse tipo assumem uma presença persistente e inquietante nas discussões sobre
o significado da tecnologia, elas merecem atenção explícita.
Escrevendo no início da década de sessenta, Lewis Mumford elaborou a posição clássi-
ca para uma versão do tema, argumentando que “desde o período neolítico tardio no Oriente
Próximo até os nossos dias, duas tecnologias, recorrentemente, coexistiram: uma autoritária, a
outra democrática, sendo a primeira centrada no sistema, imensamente poderosa, mas ineren-
temente instável, e a outra centrada no homem, relativamente fraca, mas dotada de recursos
e durável”.1 Essa tese encontra-se no coração dos estudos de Mumford a respeito da cidade,
volume 21 da arquitetura e da história das técnicas, e espelha preocupações expressas anteriormente nos
número 2 trabalhos de Peter Kropotkin, Willian Morris e outros críticos da industrialização do século de-
2017
zenove. Durante a década de setenta, movimentos a favor da energia solar e contra a energia
nuclear, na Europa e nos Estados Unidos, adotaram uma noção similar como peça chave de sua
argumentação. De acordo com o ambientalista Denis Hayes,“O desenvolvimento crescente das
instalações de energia nuclear certamente levará a sociedade na direção do autoritarismo. Com
efeito, a confiança no poder nuclear como fonte principal de energia é possível apenas em um
Estado totalitário”. Ecoando as concepções de muitos proponentes de tecnologias responsáveis
e da energia não poluente, Hayes alega que “fontes solares dispersas são mais compatíveis com
a equidade social, a liberdade e o pluralismo cultural do que as tecnologias centralizadas”.2
A ânsia de interpretar artefatos técnicos nos termos da linguagem política não é, de modo
algum, propriedade exclusiva de críticos dos sistemas de alta tecnologia de larga escala. Uma
longa linhagem de entusiastas tem insistido que o melhor que a ciência e a indústria dispo-
nibilizaram foram as máximas garantias de democracia, liberdade e justiça social. O sistema
fabril, os automóveis, o telefone, o rádio, a televisão, os programas espaciais e, é claro, a energia
nuclear foram todos, em um momento ou outro, descritos como forças democratizantes e li-
bertadoras. Por exemplo, T. V. A.: Democracy on the March, de David Lillienthal, encontra essa
promessa nos fertilizantes de fosfato e na eletricidade que o progresso técnico estava trazendo
para os americanos da zona rural na década de 1940.3 Três décadas depois, The Republic of Te-
chnology, de Daniel Boorstin, exaltou a televisão por “seu poder de dispersar exércitos, destituir
presidentes, criar um mundo democrático completamente novo – democrático de maneiras
nunca antes imaginadas, nem mesmo na América”.4 Dificilmente surge uma nova invenção que
não seja proclamada por alguém como a salvação de uma sociedade livre.
1 Lewis Mumford, Authoritarian and Democratic Technics, Technology and Culture 5: 1-8, 1964.
2 Denis Hayes, Rays of Hope: The Transition to a Post-Petroleum World (New York: W. W. Norton,
196
1977),71,159.
3 David Lillienthal, T V.A.: Democracy on the March (New York: Harper and Brothers, 1944), 72-83.
4 Daniel J. Boorstin, The Republic of Technology (New York: Harper and Row, 1978), 7.
LANGDON WINNER
Não causa surpresa saber que sistemas técnicos de vários tipos estejam profundamente
interligados com as condições da política moderna. Os arranjos físicos da produção industrial, volume 21
das questões militares, das comunicações e coisas tais mudaram de modo fundamental o exer- número 2
2017
cício do poder e a experiência da cidadania. Mas ir além desse fato óbvio e afirmar que certas
tecnologias têm propriedades políticas nelas mesmas parece, à primeira vista, completamente
equivocado. Todos sabemos que pessoas têm política; coisas não. Detectar virtudes ou mal-
dades em agregados de metal, plástico, transistores, circuitos integrados, produtos químicos e
similares parece simplesmente um erro, um modo de mistificar os artifícios humanos e evitar as
verdadeiras fontes – as fontes humanas – da liberdade e da opressão, da justiça e da injustiça.
Culpar o hardware parece ainda mais tolo do que culpar as vítimas quando se trata de julgar
condições da vida pública.
Portanto, o austero aviso usualmente dado àqueles que flertam com a noção de que arte-
fatos técnicos têm qualidades políticas é: o que importa não é a tecnologia em si mesma, mas
o sistema social ou econômico no qual ela se insere. Esta máxima, que, em suas numerosas
variações, é a premissa central de uma teoria que pode ser chamada de “a determinação social
da tecnologia”, guarda uma sabedoria óbvia. Ela serve como um corretor necessário àqueles
que miram acriticamente em coisas como “o computador e seu impacto social”, mas deixam de
olhar para além dos instrumentos técnicos e perceber as circunstâncias sociais de seu desenvol-
vimento, desdobramento e utilização. Essa posição fornece um antídoto ao ingênuo determi-
nismo tecnológico – a ideia de que a tecnologia se desenvolve como resultado exclusivo de uma
dinâmica interna e então, sem a mediação de quaisquer influências, molda a sociedade para
adequar-se a seus padrões. Aqueles que não reconheceram as maneiras pelas quais as tecnolo-
gias são moldadas por forças econômicas e sociais não foram muito longe.
Mas o corretivo tem suas próprias deficiências; tomado de modo literal, ele sugere que
coisas técnicas não têm qualquer importância. Uma vez que se tenha realizado o trabalho inves-
tigativo necessário para revelar as origens sociais – os detentores do poder por trás de um exem-
plo particular de mudança tecnológica –, já se teria explicado tudo que importa. Essa conclusão
oferece certo conforto aos cientistas sociais. Ela valida aquilo que eles sempre suspeitaram, a
197
saber, que não há nada de distintivo a respeito do estudo da tecnologia. Assim, eles podem re-
tornar para os seus modelos padronizados do poder social – aqueles da política de um grupo de
interesse, da política burocrática, modelos marxistas de luta e classes e assim por diante – e ter
ARTEFATOS TÊM POLÍTICA?
mo “política”, entendo os arranjos de poder e autoridade nas associações humanas, assim como
as atividades que acontecem nesses arranjos. Para os meus propósitos, o termo“tecnologia”é en- volume 21
tendido aqui como significando todos os artifícios práticos modernos, mas, para evitar confusão, número 2
2017
prefiro usar “tecnologias” no plural para me referir a partes maiores ou menores ou sistemas de
hardware de um tipo específico.6 Minha intenção não é resolver os problemas colocados de uma
vez por todas, mas indicar suas dimensões gerais e sua significância.
6 O significado de“tecnologia”que emprego neste ensaio não engloba algumas das definições amplas do
199
conceito encontradas na literatura contemporânea, por exemplo, a noção de “técnica” nos escritos de Jacques
Ellul. Meus propósitos aqui são mais limitados. Para uma discussão das dificuldades que surgem na tentativa
de definir “tecnologia”, ver Autonomous Technology, 8-12.
ARTEFATOS TÊM POLÍTICA?
Uma das consequências foi limitar o acesso de minorias raciais e de baixa renda ao Jones Beach,
volume 21 o mais aclamado Parque Público de Moses.
número 2
2017 A vida de Robert Moses é uma estória fascinante na história recente da política norte-a-
mericana. As negociações dele com prefeitos, governadores e presidentes; a cuidadosa manipu-
lação que ele realizava das legislações, dos bancos, dos sindicatos trabalhistas, da imprensa e da
opinião pública poderiam ser estudadas por cientistas sociais durante anos. Contudo, os resul-
tados mais importantes e duradouros do trabalho dele são suas tecnologias, os grandes projetos
de engenharia que deram a Nova Iorque grande parte de sua forma atual. Por várias gerações
após da morte de Moses e do encerramento das alianças que ele estabeleceu, suas obras públi-
cas, especialmente as rodovias e pontes que construiu para favorecer o uso de automóveis em
detrimento do desenvolvimento do transporte público, continuam a moldar a cidade. Muitas
de suas monumentais estruturas de concreto e aço incorporam uma desigualdade social siste-
mática, um modo de engendrar relações entre as pessoas que, depois de algum tempo, apenas
se transforma em outra parte da paisagem. Como o urbanista nova-iorquino Lee Koppleman
revelou a Caro a propósito das pontes baixas nas avenidas de Wantagh, “o velho desgraçado
certificou-se de que os ônibus nunca poderiam usar suas malditas avenidas”.7
As histórias da arquitetura, do planejamento urbano e das obras públicas contêm muitos
exemplos de arranjos físicos que têm, explicita ou implicitamente, propósitos políticos. Pode-se
indicar as grandes vias parisienses do Barão Haussman, projetadas sob a direção de Napoleão
para prevenir quaisquer ocorrências de brigas de rua, como as que aconteciam durante a revolu-
ção de 1848. Ou pode-se visitar as várias edificações grotescas de concreto e as imensas praças
construídas nos campi universitários dos Estados Unidos entre o final da década de sessenta
e início da década de setenta para neutralizar as manifestações estudantis. Estudos sobre má-
quinas industriais e instrumentos também suscitam interessantes estórias políticas, incluindo
algumas que violam nossas expectativas normais sobre os motivos pelos quais as inovações
tecnológicas são feitas. Se acharmos que novas tecnologias são implementadas com vistas a
alcançar um aumento da eficiência, a história da tecnologia mostra que algumas vezes seremos
contrariados. A mudança tecnológica expressa uma miríade de motivos humanos, e não é um
200 7 Robert A. Caro, The Power Broker: Robert Moses and the Fall of New York (New York: Random House,
1974), 318, 481, 514, 546, 951-958, 952.
LANGDON WINNER
motivo menor o desejo de uns dominarem os outros, mesmo que isso exija um sacrifício oca-
sional da redução de custos e alguma violação do padrão normal de buscar mais por menos. volume 21
número 2
Um exemplo pungente pode ser encontrado na história da mecanização industrial do 2017
século dezenove. Na fábrica de ceifadores Cyrus McCormick, em Chicago, meados da década
de 1880, máquinas de moldagem pneumática – uma inovação recente e pouco testada – foram
adicionadas à fundição por um custo estimado de 500.000 dólares. A interpretação econômica
padrão nos levaria a supor que esse passo foi dado para modernizar a fábrica e obter os tipos
de eficiências geradas pela mecanização. Mas o historiador Robert Ozanne situou esse desen-
volvimento em um contexto mais amplo. Na época, Cyrus McCormick II estava engajado em
uma batalha com a União Nacional de Moldadores de Ferro. Ele viu a inclusão de novas má-
quinas como um modo de “extinguir os maus elementos entre os homens”, especificamente, os
trabalhadores qualificados que tinham organizado o sindicato em Chicago.8 As novas máquinas,
manejadas por trabalhadores não qualificados, efetivamente produziam moldagens inferiores a
custo mais elevado do que o procedimento anterior. Com efeito, depois de três anos de uso, as
máquinas foram abandonadas, mas nesse momento já tinham cumprido seu propósito – a des-
truição do sindicato. Assim, a história desses desenvolvimentos técnicos na fábrica McCormick
não podem ser adequadamente compreendidos fora do registro das tentativas de organização
dos operários e da política de repressão ao movimento trabalhista em Chicago durante aquele
período, bem como dos eventos em torno do bombardeio da Praça Haymarket. A história da tec-
nologia e a história política dos EUA estavam, naquele momento, profundamente entrelaçadas.
Nos exemplos das pontes baixas de Moses e das máquinas de moldagem da McCormick,
nota-se a importância dos arranjos técnicos que precedem o uso das coisas em questão. É óbvio
que as tecnologias podem ser usadas de modo a aumentar o poder, a autoridade e o privilégio
de algumas pessoas sobre outras, por exemplo, o uso da televisão para vender um candida-
to. Em nossa maneira costumeira de pensar, as tecnologias são percebidas como ferramentas
neutras que podem ser usadas bem ou mal, e para o bem ou para o mal (ou algo entre eles).
Entretanto, normalmente não paramos para perguntar se certo dispositivo pode ter sido pro-
jetado e construído de tal modo que ele produz um conjunto de consequências logicamente e
temporalmente anteriores a quaisquer de seus pretensos usos. As pontes de Robert Moses, afinal,
volume 21 eram usar para transportar automóveis de um lugar a outro; as máquinas da McCormick eram
número 2 usadas para fazer fundições de metal; ambas as tecnologias, contudo, abarcavam propósitos que
2017
estavam muito além de seu uso imediato. Se, para avaliar a tecnologia, nossa linguagem polí-
tica e moral incluir apenas categorias referentes às ferramentas e seus usos, se ela não incluir
alguma atenção ao significado dos designs e dos arranjos dos nossos artefatos, então estaremos
cegos a muito do que, na prática e intelectualmente, é crucial.
Tendo em vista que o assunto é mais facilmente compreendido à luz de intenções parti-
culares incorporadas na forma física, eu ofereci até aqui exemplos que parecem quase conspi-
ratórios. Mas reconhecer as dimensões políticas nas formas da tecnologia não exige que pro-
curemos conspirações conscientes ou intenções maliciosas. Na década de 1970, o movimento
organizado de pessoas com deficiência nos Estados Unidos salientou os incontáveis modos
nos quais máquinas, instrumentos e estruturas de uso cotidiano – ônibus, edifícios, calçadas,
tubulações de esgoto e assim por diante – tornavam impossível para muitas delas se moverem
desimpedidamente, uma condição que as excluía sistematicamente da vida pública. Pode-se
afirmar com segurança que os projetos impróprios às pessoas com deficiência surgiram mais
pela usual negligência do que pela intenção ativa de alguém. Todavia, uma vez que o problema
foi trazido à atenção pública, tornou-se evidente que a justiça exigia por um corretivo. Uma
enorme variedade de artefatos foi redesenhada e reconstruída com vistas a incluir essa minoria.
Com efeito, muitos dos mais relevantes exemplos de tecnologias que têm consequências
políticas são aqueles que transcendem as meras categorias do “intencional” e do “não intencio-
nal”. São as instâncias nas quais o processo mesmo do desenvolvimento técnico é de tal modo
inclinado para uma direção particular que ele regularmente produz resultados que são acla-
mados como maravilhosos avanços por alguns grupos sociais e como retrocessos esmagadores
por outros. Nesses casos, não é correto nem inteligente afirmar que “alguém pretendeu preju-
dicar outrem”. Ao invés disso, deve-se afirmar que as cartas da tecnologia foram embaralhadas
previamente em favor de certas demandas sociais e que algumas pessoas foram destinadas a
receber uma mão melhor do que os outras.
202
O ceifador mecânico de tomates, um notável aparelho aprimorado por pesquisadores na
Universidade da Califórnia, do final da década de quarenta até nossos dias, oferece um relato
LANGDON WINNER
ilustrativo. A máquina consegue ceifar tomates passando uma única vez por cada fileira, cor-
tando as plantas desde o chão, balançando-as para cair as frutas e (nos modelos mais novos) volume 21
selecionando os tomates eletronicamente em grandes gôndolas de plástico que suportam até número 2
2017
vinte e cinco toneladas do produto, que é enviado enlatado para as fábricas. Para absorver o
movimento brusco desses ceifadores no campo, pesquisadores agrônomos reproduziram novas
variedades de tomates que eram mais duros, firmes e menos saborosos do que os cultivados
anteriormente. Os ceifadores substituem o sistema de coleta manual no qual multidões de tra-
balhadores rurais cruzavam os campos três ou quatro vezes, colocando os tomates maduros
em caixas e guardando os verdes para a colheita seguinte.9 Estudos na Califórnia indicam que
o uso da máquina reduz os custos entre cinco e sete dólares por tonelada, aproximadamente,
em comparação à colheita manual.10 Mas os benefícios não são, de forma alguma, divididos
igualmente na economia agrícola. Na verdade, a máquina no campo tem sido, nesse exemplo,
a ocasião para uma remodelagem profunda das relações sociais relativas à produção de tomate
na Califórnia rural.
Em virtude de seu tamanho e custo de mais de cinquenta mil dólares cada, as máquinas
eram compatíveis apenas com uma forma concentrada de produção de tomates. Com a intro-
dução desse novo método de colheita, o número de produtores de tomate caiu de aproxima-
damente 4.000 no início da década de sessenta para cerca de sessenta em 1973, e ainda assim
houve um aumento substancial na quantidade de toneladas de tomates produzidos. No final da
década de setenta, estima-se que 32.000 empregos na indústria de tomates foram eliminados
como consequência direta da mecanização.11 Assim, ocorreu um salto na produtividade para o
benefício de grandes produtores, sacrificando as comunidades de agricultura rural.
A pesquisa e o desenvolvimento de máquinas agrícolas, como o ceifador de tomates, rea-
lizados pela Universidade da Califórnia eventualmente se tornaram o assunto de uma ação ju-
9 A estória pregressa do ceifador de tomate está descrita em Wayne D. Rasmussen, “Advances in Ameri-
can Agriculture: The Mechanical Tomato Harvester as a Case Study”, Technology and Culture 9: 531-543, 1968.
10 Andrew Schmitz and David Seckler,“Mechanized Agriculture and Social Welfare: The Case of the
Tomato Harvester”, American Journal of Agricultural Economics 52: 569-577, 1970.
203
11 William H. Friedland and Amy Barton,“Tomato Technology”, Society 13: 6, September/October 1976. Ver
also William H. Friedland, Social Sleep walkers: Scientific and Technological Research in California Agriculture,
University of California, Davis, Department of Applied Behavioral Sciences, Research Monograph No. 13, 1974.
ARTEFATOS TÊM POLÍTICA?
dicial protocolada por procuradores da Assistência Rural Legal da Califórnia, uma organização
volume 21 que representava um grupo de fazendeiros e outras partes interessadas. A ação judicial susten-
número 2 tou que funcionários da Universidade estavam empregando dinheiro de impostos em projetos
2017
que beneficiavam um ínfimo grupo de interesses privados em detrimentos dos trabalhadores
rurais, pequenos fazendeiros, consumidores e da Califórnia rural em geral, e solicitava uma limi-
nar judicial para interromper tal prática. A Universidade negou essas acusações, argumentando
que aceitá-las“exigiria extinguir todas as pesquisas com algum potencial de aplicação prática”.12
Até onde eu sei, ninguém argumentou que o desenvolvimento do ceifador de tomates
foi resultado de uma conspiração. Dois estudiosos da controvérsia, William Friedland e Amy
Barton, isentaram expressamente os desenvolvedores originais da máquina e dos tomates du-
ros de qualquer desejo de facilitar a concentração econômica naquela indústria.13 O que vemos
aqui, ao invés disso, é um processo social contínuo no qual conhecimento científico, inovação
tecnológica e lucro das empresas se fortalecem mutuamente em padrões profundamente arrai-
gados, padrões que ostentam a inconfundível marca do poder político e econômico. Por muitas
décadas, a pesquisa e o desenvolvimento agrícola nas faculdades de agronomia e nas univer-
sidades dos EUA tenderam a favorecer os interesses do grande agronegócio.14 É em face de
tais padrões sutilmente arraigados que os oponentes de inovações, como o ceifador de tomate,
são caracterizados como “antitecnologia” ou “antiprogresso”. Pois o ceifador não é apenas um
símbolo de uma ordem social que recompensa uns enquanto pune outros; ele é, literalmente, a
incorporação dessa ordem.
Em uma dada categoria de transformação tecnológica há, grosso modo, dois tipos de es-
colha que podem afetar a distribuição relativa do poder, da autoridade e do privilégio em uma
comunidade. Frequentemente, a decisão crucial é uma simples escolha de“sim ou não”– vamos
desenvolver e adotar esse algo ou não? Em anos recentes, muitas disputas locais, nacionais e in-
ternacionais sobre tecnologia estiveram centradas em juízos de“sim ou não”a respeito de coisas
como aditivos alimentares, pesticidas, construção de rodovias, reatores nucleares, projetos de
204
13 “Tomato Technology”.
14 Uma análise histórica e crítica da pesquisa em agricultura nas faculdades públicas é fornecida por
James Hightower, Hard Tomatoes, Hard Times (Cambridge: Schenkman, 1978).
LANGDON WINNER
15 David F. Noble, Forces of Production: A Social History of Machine Tool Automation (New York: Alfred A.
Knopf, 1984). 205
ARTEFATOS TÊM POLÍTICA?
206
ou não igualitários, repressivos ou libertadores. É isso que, em última análise, está em questão
em afirmações como as de Lewis Mumford de que duas tradições tecnológicas, uma autoritária
LANGDON WINNER
16 Friedrich Engels,“On Authority”, in The Marx-Engels Reader, ed. 2, Robert Tucker (ed.) (NewYork:W.
W. Norton, 1978), 731. 207
ARTEFATOS TÊM POLÍTICA?
lisar a produção. Engels não poupa palavras.“A maquinaria automática de uma grande fábrica”,
volume 21 ele escreve, “é muito mais despótica do que os pequenos capitalistas que empregam os traba-
número 2 lhadores jamais o foram”.17
2017
Lições semelhantes são aduzidas na análise de Engels das condições necessárias para
operar ferrovias e navios no mar. Ambos requerem a subordinação dos trabalhadores a uma
“imperiosa autoridade” que verifica se as coisas estão acontecendo conforme o planejado. En-
gels descobre que longe de ser uma idiossincrasia da organização social capitalista, relações de
autoridade e subordinação surgem “independentemente de toda a organização social, [e] nos
são impostas junto com as condições materiais sob as quais produzimos e fazemos os produtos
circular”. Novamente, ele pretende que esse seja um alerta aos anarquistas que, de acordo com
Engels, pensam ser possível simplesmente erradicar, com um só golpe, a subordinação e a rela-
ção de superioridade. Todos esses esquemas não têm sentido. As raízes do autoritarismo inevi-
tável são, ele argumenta, profundamente implantadas no envolvimento humano com a ciência
e a tecnologia. “Se o ser humano, pela graça de seu conhecimento e por seu gênio inventivo,
subjugou as forças da natureza, estas vingam-se dele submetendo-o, ainda que ele as utilize, a
um verdadeiro despotismo independentemente de toda organização social”.18
Tentativas de justificar uma autoridade forte na base de condições supostamente necessá-
rias da prática técnica têm uma história antiga. Um tema crucial na República é a tentativa platô-
nica de tomar emprestada a autoridade da techné e empregá-la, analogicamente, para reforçar seu
argumento a favor da autoridade do Estado. Entre as ilustrações que ele escolhe, como Engels,
está aquela do navio em alto-mar. Uma vez que os grandes veleiros, por sua própria natureza,
precisam ser conduzidos por uma mão firme, os marinheiros precisam obedecer aos comandos do
seu capitão; nenhuma pessoa sensata acredita que navios podem fluir democraticamente. Platão
vai além e sugere que governar o Estado é bem parecido com ser o capitão de um navio ou com
praticar medicina como um médico. Muitas das condições que exigem regras centralizadas e ação
decisiva em atividade técnica organizada também criam essas mesmas necessidades no governo.
208 17
18
Ibid.
Ibid., 732, 731.
LANGDON WINNER
19 Karl Marx, Capital, vol. 1, ed. 3, translated by Samuel Moore and Edward Aveling (New York: Mo-
dern Library, 1906), 530. 209
ARTEFATOS TÊM POLÍTICA?
uma elite técnico-científico-industrial-militar. Sem essas pessoas no comando, não é possível ter
volume 21 energia nuclear”.20 Nessa concepção, alguns tipos de tecnologia exigem que seu ambiente social
número 2 seja estruturado de um modo particular, quase no mesmo sentido em que um automóvel exige
2017
rodas para se mover. A coisa não poderia existir como uma entidade operante efetiva a menos
que certas condições sociais e também materiais fossem garantidas. O significado de“exigir”aqui
é o da necessidade prática (e não lógica). Assim, Platão pensou ser uma necessidade prática que
um navio no mar tivesse um capitão e uma tripulação inquestionavelmente obediente.
Uma segunda versão, um pouco mais fraca, do argumento sustenta que certo tipo de
tecnologia é fortemente compatível com – mas, a rigor, não exige – relações sociais e políticas
de uma espécie particular. Muitos defensores da energia solar argumentaram que tecnologias
desse tipo são mais compatíveis com uma sociedade democrática e igualitária do que siste-
mas energéticos baseados em carvão, óleo e poder nuclear; ao mesmo tempo, eles não sus-
tentam que qualquer coisa relativa à energia solar demanda democracia. O argumento deles é,
sucintamente, que a energia solar é descentralizadora tanto no sentido técnico como no políti-
co: tecnicamente, é muito mais razoável construir sistemas solares de uma maneira dissociada
e amplamente distribuída do que em plantas centralizadas de larga escala; em termos políticos,
a energia solar acolhe os esforços de indivíduos e comunidades locais de gerir seus interesses
efetivamente, porque estão lidando com sistemas mais acessíveis, abrangentes e controláveis
do que enormes fontes centralizadas. Nessa perspectiva, a energia solar é desejável não apenas
por seus benefícios econômicos e ambientais, mas também pelas salutares instituições que ela
é propensa a permitir em outras áreas da vida pública.21
Em ambas as versões do argumento há uma distinção adicional a ser feita entre as con-
dições que são internas ao funcionamento de certo sistema técnico e aquelas que são externas
20 Jerry Mander, Four Arguments for the Elimination of Television (New York: William Morrow, 1978), 44.
21 Ver, por exemplo, Robert Argue, Barbara Emanuel, and Stephen Graham, The Sun Builders: A People’s
Guide to Solar, Wind and Wood Energy in Canada (Toronto: Renewable Energy in Canada, 1978). “Pensamos
que a descentralização é um componente implícito da energia renovável; isso implica a descentralização dos
sistemas de energia, das comunidades do poder. Energia renovável não exige fontes de geração colossais de
210
corredores de transmissão disruptiva. Nossas cidades e municípios, os quais têm dependido de suprimentos
centralizados, podem se tornar capazes de alcançar algum grau de autonomia, controlando e administrando,
assim, suas próprias necessidades energéticas” (16).
LANGDON WINNER
a ele. A tese de Engels concerne às relações sociais supostamente exigidas, por exemplo, no
contexto das fábricas de algodão e ferrovias; o que essas relações significam para a condição da volume 21
sociedade como um todo é, para ele, uma questão à parte. Em contrapartida, a crença do de- número 2
2017
fensor das tecnologias de energia solar segundo a qual estas são compatíveis com a democracia
pertence ao modo como elas complementam aspectos da sociedade separados da organização
dessas tecnologias em si mesmas.
Assim, há diversas direções que argumentos desse tipo podem seguir. As condições so-
ciais em questão são tidas como demandadas pelo – ou fortemente compatíveis com o – fun-
cionamento de um dado sistema técnico? Essas condições são internas ou externas (ou as duas
coisas) ao sistema? Embora textos que abordam tais questões sejam frequentemente obscuros
quanto ao que está sendo afirmado, argumentos nessa categoria genérica são uma parte im-
portante do discurso político moderno. Eles encetam muitas tentativas de explicar como ocor-
rem mudanças na vida social em contextos de inovação tecnológica. Mais importante: eles são
frequentemente usados para sustentar tentativas de justificar ou criticar os rumos de ação en-
volvendo novas tecnologias. Oferecendo diferentes razões políticas a favor ou contra a adoção
de uma tecnologia particular, argumentos desse tipo se distinguem das posições mais comuns
e mais facilmente quantificáveis acerca dos custos e benefícios econômicos, dos impactos am-
bientais e dos possíveis riscos para a saúde e a segurança públicas que podem acarretar os
sistemas técnicos. A questão aqui não se relaciona à quantidade de empregos criados, de renda
gerada, de poluentes adicionados ou de tumores produzidos. Em vez disso, o problema se rela-
ciona aos modos pelos quais as escolhas atinentes à tecnologia têm consequências importantes
para a forma e a qualidade das associações humanas.
Se examinarmos os padrões sociais que caracterizam os ambientes dos sistemas técnicos,
certamente encontraremos certos aparelhos e sistemas quase invariavelmente conectados a for-
mas específicas de organização do poder e da autoridade. A questão relevante é: essa situação
deriva de uma resposta social inevitável a propriedades incontroláveis nas coisas em si mesmas,
ou, em vez disso, é um padrão imposto independentemente por um governo, uma classe do-
minante ou alguma outra instituição social ou cultural para promover seus próprios interesses?
211
Tomando o exemplo mais óbvio, a bomba atômica é um artefato inerentemente político.
Enquanto ela existir, suas propriedades letais exigem que seja controlada por uma cadeia de
ARTEFATOS TÊM POLÍTICA?
212 22 Alfred D. Chandler, Jr., The Visible Hand: The Managerial Revolution in American Business (Cambridge:
Belknap, 1977), 244.
LANGDON WINNER
Ao longo de seu livro, Chandler aponta para modos nos quais tecnologias usadas na pro-
dução e distribuição de eletricidade, químicos e um vasto conjunto de bens industriais “deman- volume 21
davam” ou “requeriam” essa forma de associação humana. “Assim, as exigências operacionais número 2
2017
das ferrovias demandaram a criação das primeiras hierarquias administrativas nos negócios
americanos.23
Haveriam outros modos concebíveis de organizar esses agregados de pessoas e apare-
lhos? Chandler mostra que uma forma social previamente dominante, a pequena e tradicional
empresa da família, simplesmente não poderia dar conta da tarefa na maioria dos casos. Embora
não especule para além disso, fica claro que, para ser realista, ele acredita que há pouquíssima
liberdade nas formas de poder e autoridade apropriadas aos sistemas sociotécnicos modernos.
As propriedades de muitas tecnologias modernas – oleodutos e refinarias, por exemplo – são tais
que possibilitam economias de escala e velocidade absolutamente impressionantes. Para esses
sistemas funcionarem de forma efetiva, eficiente, veloz e segura, certas exigências de organização
social interna precisam ser preenchidas; as possibilidades materiais que as tecnologias modernas
tornam possíveis não poderiam ser exploradas de outra maneira. Chandler reconhece que ao se
comparar instituições sociotécnicas de diferentes nações, nota-se os “modos nos quais atitudes
culturais, valores, ideologias, sistemas políticos e estruturas sociais afetam esses imperativos”.24
Mas o peso do argumento e da evidência empírica contidos em A mão visível sugerem que qual-
quer desvio significativo do modelo de base seria, no mínimo, altamente improvável.
É possível que outros arranjos concebíveis de poder e autoridade, por exemplo, aqueles
descentralizados, democráticos e autogerenciados por trabalhadores, se mostrassem capazes de
administrar fábricas, refinarias, sistemas de comunicação e ferrovias tão bem quanto, ou talvez
até melhor, do que as organizações que Chandler descreve. Evidências oriundas de equipes de
montagem de automóveis, na Suíça, e de fábricas gerenciadas por trabalhadores, na Iugoslávia
e em outros países, são muitas vezes apresentadas para salvaguardar essas possibilidades. In-
capaz de resolver as controvérsias sobre esse assunto aqui, eu apenas aponto para o que consi-
dero ser o ponto de discórdia. As evidências disponíveis tendem a mostrar que muitos sistemas
tecnológicos complexos e sofisticados são, na verdade, altamente compatíveis com o controle
23 Ibid.
24 Ibid., 500. 213
ARTEFATOS TÊM POLÍTICA?
administrativo centralizado e hierárquico. A questão intrigante, todavia, tem a ver com se esse
volume 21 padrão é ou não é, em qualquer sentido, uma exigência dos próprios sistemas – uma questão
número 2 que não é estritamente empírica. Em última instância, a questão reside em nossos juízos a
2017
respeito de quais são, na prática, os passos necessários, caso existam, para o funcionamento de
certos tipos particulares de tecnologia, e o que essas medidas exigem, se é que exigem algo, da
estrutura das associações humanas. Platão estava certo ao afirmar que um navio em alto mar
precisa ser pilotado por uma mão firme e que isso apenas poderia ser feito por um único capitão
e uma tripulação obediente? Chandler estava correto ao dizer que as propriedades de sistemas
de larga escala exigem um controle administrativo centralizado e hierárquico?
Para responder a essas questões, precisaríamos examinar com alguma minúcia as exigên-
cias morais de necessidade prática (incluindo aquelas defendidas nas doutrinas da economia) e
ponderá-las com exigências morais de outros tipos, por exemplo, a noção de que é bom para os
marinheiros participar do comando do navio, ou que os trabalhadores têm o direito de se en-
volver nas decisões e na administração de uma fábrica. No entanto, é característico de socieda-
des baseadas em sistemas tecnológicos abrangentes e complexos que motivos morais que não
estritamente aqueles de natureza prática apareçam como completamente obsoletos,“idealistas”
e irrelevantes. Quaisquer exigências a que se possa aspirar em nome da liberdade, da justiça ou
da igualdade podem ser imediatamente neutralizadas quando confrontadas com argumentos
do tipo “Tudo bem, mas não é assim que funciona uma companhia ferroviária” (ou siderúrgica,
ou aérea, ou um sistema de comunicação, e assim por diante). Encontramos aqui uma qualidade
importante do discurso político moderno e do modo como as pessoas comumente pensam a
respeito de quais procedimentos são justificáveis em resposta às possibilidades que as tecnolo-
gias disponibilizam. Em muitos casos, dizer que algumas tecnologias são inerentemente políti-
cas consiste em dizer que certas razões de necessidade prática amplamente aceitas – especial-
mente a necessidade de manter sistemas tecnológicos cruciais como entidades que funcionem
sem obstáculos – tendem a eclipsar outros tipos de raciocínios morais e políticos.
Uma tentativa de salvaguardar a autonomia da política face à prisão da necessidade prá-
tica envolve a noção de que as condições das associações humanas encontradas no funciona-
214
mento interno de sistemas tecnológicos podem ser facilmente separadas da política como um
todo. Por muito tempo, americanos se contentaram com a crença de que arranjos de poder e
autoridade dentro de corporações industriais, serviços públicos e similares teriam pouca in-
LANGDON WINNER
25 Leonard Silk and David Vogel, Ethics and Profits: The Crisis of Confidence in American Business (New
York: Simon and Schuster, 1976), 191. 215
ARTEFATOS TÊM POLÍTICA?
como cidadãos comuns, poderiam muito bem se tornar sujeitos à verificação de antecedentes,
volume 21 vigilância discreta, grampeamento de telefones, delatores e até mesmo procedimentos emer-
número 2 genciais sob lei marcial – tudo justificado pela necessidade de salvaguardar o plutônio.
2017
O estudo de Russel W. Ayres acerca das ramificações legais da reciclagem de plutônio
conclui: “com o passar do tempo e com o aumento na quantidade de plutônio existente, virá a
pressão para eliminar a fiscalização tradicional que os tribunais e os órgãos legislativos exercem
sobre as atividades do executivo, bem como para elaborar uma autoridade central forte mais
capaz de aplicar medidas de proteção rigorosas”. Ele declara que“logo que uma certa quantida-
de de plutônio for roubada, o argumento para literalmente virar o país dos pés à cabeça com o
objetivo de reavê-lo seria devastador”. Ayres antecipa e se preocupa com os tipos de pensamen-
to que, como argumentei, caracterizam tecnologias inerentemente políticas. Ainda é verdade
que, em um mundo no qual seres humanos produzem e respeitam sistemas artificiais, nada é
“exigido”em um sentido absoluto. Não obstante, uma vez que um rumo de ação está em curso,
uma vez que artefatos (como usinas nucleares) foram construídos e colocados em operação,
os tipos de raciocínios que justificam a adaptação da vida social às demandas técnicas brotam
tão espontaneamente quanto flores na primavera. Nas palavras de Ayres: “Uma vez iniciada a
reciclagem, e os riscos de roubo de plutônio se tornam reais, em vez de apenas hipotéticos, a
questão da infração governamental de direitos adquiridos se tornará manifesta”.26 A partir de
um determinado ponto, aqueles que não estão dispostos a aceitar os rigorosos requerimentos e
imperativos serão desqualificados como sonhadores e tolos.
***
As duas variedades de interpretação que esbocei indicam como os artefatos podem ter
qualidades políticas. No primeiro caso, notamos modos nos quais características específicas do
design ou do arranjo de um dispositivo ou sistema poderiam proporcionar os meios convenien-
tes para estabelecer padrões de poder e autoridade em um dado cenário. Tecnologias desse tipo
216 26 Russell W. Ayres, “Policing Plutonium: The Civil Liberties Fallout”, Harvard Civil Rights-Civil Liberties
Law Review 10 (1975): 443,413-414,374.
LANGDON WINNER
tem certa flexibilidade nas dimensões de sua forma material. É exatamente porque são flexíveis
que suas consequências para a sociedade devem ser entendidas com referência aos atores so- volume 21
ciais aptos a influenciar quais designs e arranjos são escolhidos. No segundo caso, examinamos número 2
2017
modos nos quais as propriedades incontroláveis de certos tipos de tecnologia são fortemente,
talvez mesmo inevitavelmente, conectadas a padrões institucionalizados de poder e autoridade.
Aqui, a escolha inicial sobre adotar ou não algo é decisiva em relação às suas consequências.
Não existem designs físicos ou arranjos alternativos que fariam uma diferença significativa;
ademais, não existem possibilidades genuínas para intervenção criativa por parte de diferentes
sistemas sociais – capitalistas ou socialistas – que poderiam mudar tal característica incontrolá-
vel da entidade ou alterar significativamente a qualidade de seus efeitos políticos.
Conhecer qual variação de interpretação é aplicável em um dado caso é, em geral, o que está
em questão nas disputas (algumas delas acaloradas) sobre o significado da tecnologia no modo
como vivemos. Eu defendi aqui uma posição do tipo “ambas/e”, afinal, parece-me que ambos os
tipos de entendimento são aplicáveis em diferentes circunstâncias. Com efeito, pode ocorrer que
em certo complexo tecnológico particular – digamos, um sistema de comunicação ou de trans-
porte – alguns aspectos podem ser flexíveis em suas possibilidades para a sociedade, enquanto
outros podem ser (para melhor ou para pior) completamente incontroláveis. As duas variantes de
interpretação que examinei aqui podem se sobrepor e interseccionar-se em muitos pontos.
Naturalmente, essas são questões sobre as quais pessoas podem divergir. Assim, alguns
proponentes da energia de fontes renováveis agora acreditam que eles finalmente descobriram
um conjunto de tecnologias intrinsecamente democráticas, igualitárias e comunitárias. Na me-
lhor das minhas avaliações, contudo, as consequências sociais de construir sistemas de energia
renovável certamente dependerão de configurações específicas tanto do equipamento como de
instituições sociais criadas para trazer essa energia até nós. Pode ser que encontremos maneiras
de conseguir melhores resultados do que o que seria de esperar. Comparativamente, defensores
de um maior desenvolvimento de energia nuclear parecem crer que estão trabalhando a favor
de um tipo de tecnologia bem mais flexível, cujos efeitos colaterais para a sociedade podem ser
consertados através de uma mudança dos parâmetros de design dos reatores e dos sistemas de
217
descarte do lixo nuclear. Pelas razões indicadas acima, acredito que eles estão completamente
equivocados nessa crença. Sim, podemos ser capazes de gerenciar alguns dos “riscos” à saúde e
segurança públicas que a energia nuclear acarreta. Entretanto, na medida em que a sociedade
ARTEFATOS TÊM POLÍTICA?
218