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Amilton J. V.

Arruda

ARRUDA
Organizador

MÉTODOS E PROCESSOS EM
BIÔNICA E BIOMIMÉTICA:

MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA


fe
A coleção de textos e artigos da Série [designNATUREZA] ensaios sobre Design, Biônica e
Biomimética é uma parceria da Editora Edgar Blucher através da plataforma Blucher Open A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA
Access com o Laboratório de Biodesign da UFPE.
fe PELA NATUREZA

openaccess.blucher.com.br Série [designNATUREZA]


Ensaios sobre Design, Biônica e Biomimética
ISBN 978-85-8039-348-4

9 788580 39348 4
Amilton J. V. Arruda
(organizador)

Série [designNATUREZA]
Ensaios sobre Design, Biônica e Biomimética

Métodos e processos
em biônica e biomimética:
a revolução tecnológica pela natureza
Amilton J. V. Arruda

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Série [designNATUREZA] Ensaios sobre Design, Biônica e Biomimética
Métodos e processos em biônica e biomimética: a revolução tecnológica pela natureza
© 2018 Amilton J. V. Arruda (organizador)
Editora Edgard Blücher Ltda.

Projeto gráfico e editorial


Juliana Carvalho | Erika Simona | Amilton Arruda

Capa
Laércio Flenic

Comitê editorial
Jonatas Eliakim
Amilton J. V. Arruda

Revisão dos textos


Editora Blucher

Comitê científico
Ph.D. Amilton Jose V. de Arruda – PPGD/UFPE Dr. Jaime Ramos – LABERG/UFPR
Dra. Ana Veronica Pazmino – UFSC M.Sc. Felipe Luis Palombini – UFRGS
Dra. Carla Langella – UniCampania/Itália Dr. Luiz Vidal de Negreiros Gomes – ESDI/UERJ
Prof. Carmelo Di Bartolo – ICS Internation School/Itália M.Sc. Marko Brajovic – BrajovicDesign
Dr. Eduardo Dias – Universidade São Judas Tadeu/SP Dr. Ney Brito Dantas – PPGD/UFPE
M.Sc. Fabrice Vander Broeck – UAM/México M.Sc. Paulo Bago D’Uva – Universidade Minho/UBI/PT
Dr. Frank Anthony Barral Dodd – ESDI/UERJ Dr. Roberto Verschleisser – PUCRio e ESDI
Prof. Fred Gelli – PUCRio Tátil Design M.Sc. Tai Hsuan-An – UCG/GO
Dr. Gabriel Songel Gonzales – UniValencia/Espanha M.Sc. Theska Laila de F. Soares – Éden Design Estratégico
Dra. Geórgia Ribeiro Victor – MedPUC/Rio Dr. Walter Franklin M. Correia – PPGD/UFPE

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4° andar Métodos e processos em biônica e biomimética : a


revolução tecnológica pela natureza / organização de
04531-934 – São Paulo – SP – Brasil Amilton J. V. Arruda. -- São Paulo : Blucher, 2018.
Tel.: 55 11 3078-5366 260 p. : il. color.
[designNATUREZA]: Ensaios sobre Design, Biônica e
contato@blucher.com.br Biomimética
www.blucher.com.br
Bibliografia
ISBN 978-85-8039-349-1 (e-book)
Segundo Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. ISBN 978-85-8039-348-4 (impresso)
do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa,
Academia Brasileira de Letras, março de 2009. 1. Biônica 2. Desenho industrial 3. Inovações tecnológicas
4. Natureza (Estética) 5. Ecologia humana 6. Desenho
(Projetos) I. Arruda, Amilton J. V.

É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer


meios, sem autorização escrita da editora. 18-1690 CDD 745.4

Todos os direitos reservados pela Editora Índices para catálogo sistemático:


Edgard Blücher Ltda. 1. Desenho industrial - Biodesign

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CONTEÚDO

05 Apresentação

Seção I
FUNDAMENTOS, TEORIAS E ASPECTOS METODOLÓGICOS
DISCIPLINARES APLICADOS NA BIÔNICA E BIOMIMÉTICA

07 Fundamentos da Biônica e da Biomimética e Exemplos Aplicados no


Laboratório de Biodesign na UFPE
Theska Laila de Freitas Soares | Amilton José Vieira de Arruda

35 Método de Análise Bônica no Ensino de Design e Arquitetura


Tai Hsuan-An

51 Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos


Industriais.
Luiz Vidal Negreiros Gomes | Hugo Sorio Scheid | Alexandre Oliveira

85 Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e


Biomimética nos Cursos de Design
Ana Veronica Pazmino

Seção II
COMPREENDENDO E INTERPRETANDO
OS VALORES DA NATUREZA

101 Padrões na Natureza


Fabricio Vanden Broeck

111 Biônica e Biomimética: A Evolução do Uso de Analogias Naturais - Possíveis


Contribuições na Busca da Sustentabilidade Ambiental
Jaime Ramos

Seção III
ASPECTOS ESTRATÉGICOS E SISTEMÁTICOS DA BIÔNICA E BIOMIMÉTICA

119 Biomimética: A Natureza como Modelo, Medida e Mentora para a Transição


Giane Cauzzi Brocco

129 A Biomimética no Ensino do Design como Ferramenta para o


Desenvolvimento do Pensamento e da Estratégia de Projeto
Eduardo Dias

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Conteúdo

137 Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações


Tecnológicas através da Biomimética
Justino Barbosa da Silva Neto | Amilton Jose Vieira de Arruda

Seção IV
FERRAMENTAS E MODELOS TECNOLÓGICOS GERADORES
DE CASES EM BIOMIMÉTICA

153 Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais


Naturais
Geórgia Victor | Mario Seixas | José Luís Mendes Ripper

173 O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto Criação de um


Posto de Apoio ao Socorro
Carlos da Silva | Paulo Bago de Uva

185 Elementos Vazados Geradores de Microclima Biomimética,


Concepção, Prototipagem e Análise
Natália Queiroz I Ney Brito Dantas

203 Abordagem Metodológica em Biomimética: Estratégias de Leveza e


Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave
Rodrigo Barbosa de Araújo I Ney Brito Dantas I Amilton Jose Vieira de
Arruda I Paulo Carvalho

227 Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética


Rafael Rattes Lima Rocha de Aguiar | Leonardo Augusto Gómez Castillo

245 Materiais e Biônica: sob a Ótica da Análise de Elementos Finitos


Baseada em Imagens de Microtomografia de Raios X
Felipe Luis Palombini | Wilson Kindlein Junior | Branca Freitas de Oliveira |
Jorge Ernesto de Araújo Mariath

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APRESENTAÇÃO

No curso de nossa historia e após milhões de anos, a natureza acumulou inúmeras


experiencias e um enorme patrimônio sobre os quais foram resolvidos muitos
problemas para a humanidade.
Se hoje vivemos em uma sociedade tecnologicamente avançada e bastante
complexa, tudo isso se deu por esse acúmulo de conhecimento trazido da natureza.
Muitas são as áreas do desenvolvimento científico tecnológico que contribuíram
a isso, sobretudo, se falarmos da cibernética e neurofisiologia como exemplos
recentes. Estudar aspetos particulares da natureza ao longo deste século tem
contribuído e muito para criar um respeito e critérios bastantes universais de como
interpretar esses segredos.
Segundo Litinetski, em seu livro Iniciacíon a la biônica de 1975 já indicava algumas
passagens:
“Ao estudar os fenômenos e processos biológicos, a biônica não
copia as cegas os “inventos da natureza. Procura agir sobre eles, nas
construções e na tecnologia, unicamente nas soluções mais perfei-
tas, que assegurem aos sistemas biológicos uma extraordinária fle-
xibilidade e vitalidade nesta complexa condição onde se desenvolve.
Em outras palavras, a biônica procura para a tecnologia as melhores
criações da natureza, as estruturas e os processos mais racionais
e econômicos que foram se sedimentando nos sistemas biológicos
durante milhões de anos de desenvolvimento evolutivos.“
Do ponto de vista de um projetista, estamos falando sempre a propósito de
“Analogia”, que assume neste contexto a função de fazer referência a um ambiente
natural, transportando para um mundo artificial, artefatos com características
amplas e sem perder suas peculiaridades Formais, Funcionais, Materiais e
Evolutivas – isso é BIONICA.
Portanto, aquilo que vale para os sistemas naturais deve valer correspondentemente
para os sistemas artificiais análogos: a regra geral para os projetistas biônicos é
de remeter constantemente em causa soluções e métodos. De uma outra parte, é
difícil, se não quase impossível, copiar integralmente um modelo natural. Portanto,
o essencial não é copiar, porém entender, captar o princípio para qual uma
determinada coisa acontece na natureza, e dai aplicar para um novo conhecimento.
A biônica oferece artefatos e sistemas timbrados com marcas da fábrica da
natureza – este grande construtor que empregou milhões de anos para aperfeiçoar
suas invenções. Porém, devemos estar muito atentos ao projetar utilizando a
natureza como referencia. Enxergando a cada instante aquilo que a Lucien Gerardin
explica em seu livro La Bionica de 1968 – o “Efeito Escala”:
“De fato, vale a pena copiar os mecanismos que a evolução tem
produzido, mas também estudar os  diversos momentos desta evo-
lução, porque desta forma, ensina que a cópia muito perfeita de um
modelo que pertence a um determinado ambiente pode revelar-se
toda inadequada.”
Os capítulos que seguem neste livro, foram organizados de forma a dar uma e
ampla gama de conhecimentos sobre o estudo das estruturas naturais e aplicações
voltados ao mundo projetual.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Agradecimento

Procuramos dividir o conteúdo deste livro em quatro seções.


A primeira parte – FUNDAMENTOS, TEORIAS E ASPECTOS METODOLOGICOS
E DISCIPLINARES DA BIONICA E BIOMIMETICA. Nesta seção selecionamos
quatro capítulos iniciais onde procuramos passar ao leitor, as diversas reflexões
académicas e disciplinares de professores que há anos carregam o conteúdo da
biónica nos cursos de design no Brasil. Textos importantes dos professores
Tai Hsuan, Luiz Vidal, Amilton Arruda, Theska Laila e Ana Pazmino.
A segunda parte – COMPREENDENDO E INTERPRETANDO OS VALORES DA
NATUREZA, presenteamos textos de três brilhantes pesquisadores no campo da
investigação em biônica: profs. Fabrice Vanden Broeck, Roberto Verschleisser e
Jaime Ramos discutindo as questões de analogia, a relação da biomimética com
o design de produto e sobretudo discutindo questões especificas de padrões e
comportamento da natureza.
A terceira parte – ASPECTOS ESTRATÉGICOS E SISTEMÁTICOS DA BIÔNICA
E BIOMIMÉTICA, procuramos trazer textos que reflitam e tragam para o debate
nos dias de hoje a cerca da importância de utilizar a natureza como ferramenta no
desenvolvimento de novos empreendimentos, a biomimética aplicada ao ensino
e pensamento estratégico, e sobretudo questões de grande impacto como a
aplicação e contribuição da sistemática e taxonomia na tecnologia. Convidamos
três pesquisadores e profundos conhecedores destes assuntos, Profª. Giane
Brocco, prof. Eduardo Dias e Justino Barbosa.
A quarta e ultima parte deste livro – FERRAMENTAS E MODELOS TECNOLÓGICOS
GERADORES DE CASES EM BIOMIMÉTICA, buscamos trazer textos de pesquisas
acadêmicas-cientificas, dissertação de mestrado e projetos aplicados, para
demonstrar a real aplicabilidade de todos estes elementos. Agradecemos aos
pesquisadores e seus orientadores: Geórgia Victor (orientador Jose Luís Ripper),
Carlos da Silva (orientador Paulo Bago D’Uva), Natalia Queiroz (orientador Ney
Dantas), Rodrigo Barbosa (orientador Ney Dantas); Rafael Rattes (orientador
Leonardo Castillo), Filipe Palomini (orientador Wilson Kindlein).
Finalizo agradecendo aos autores e coautores que atenderam em fornecer suas
pesquisas de forma a aglutinarmos e poder oferecer um pacote completo aos
leitores e jovens projetistas que ingressam numa carreira, e mais uma vez a
Editora Edgar Blucher – em continuar acreditando na inserção do design no meio
acadêmico cientifico , criando um segundo selo: a série [designNATUREZA], onde
procuramos abrir outro ponto no debate atual de nossas carreiras: como utilizar
os conhecimentos acumulado pela da natureza em prol da melhoria e evolução do
homem.

Agradecimento
A finalização deste livro só foi possível graças ao tempo dedicado no meu
programa de pos-doutoramento através da bolsa do CNPq – Conselho Nacional
de Pesquisa e Desenvolvimento e ao IADE/UNIDCOM/Ph.D Studies Laureate
Internation Universities em Lisboa.
Prof. Amilton Arruda
organizador

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FUNDAMENTOS, TEORIAS E
ASPECTOS METODOLÓGICOS
DISCIPLINARES APLICADOS NA
BIÔNICA E BIOMIMÉTICA

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SOBRE OS AUTORES
Theska Laila de Freitas Soares I theskalaila7@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2719579568999255
É doutoranda pelo (PPGD), mestra e graduada em Design pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE-BRA),
possui especialização em Design de Produtos e Interiores pela parceria da FBV-BRA com o Istituto Europeo di
Design (IED). É diretora de criação na empresa EDEN com experiência profissional em diversas áreas do Design,
como: Gráfico, Moda, Embalagem, Webdesign, Interiores, Ergonomia, Biodesign e principalmente Design de
Produto, foco no Design Industrial, tendo desenvolvido diversos produtos para a empresa Tramontina. Lecionou
Design na Uninassau (Recife-BRA) e também foi professora substituta do departamento de Design da Universidade
Federal de Pernambuco no Campus Agreste. Possui grande foco nas áreas de estudos da Biomimética e do Design
Estratégico.

Amilton José Vieira de Arruda I arruda.amilton@gmail.com


Lattes: http:/lattes.cnpq.br/9138096051015150
Graduação em Desenho Industrial – Projeto do produto pela UFPE (1982), Mestrado em Design e Biônica pelo
IED de Milão (1992) e Doutorado em Ricerca in Disegno Industriale – Ph.D pela Universidade Politecnico de Milão
(2002). Foi consultor internacional do Istituto Europeo de Design de Milão, na implantação de cursos de Pós-
Graduação Lato Sensu Especialização em Fashion Design, Design de Interiores e Produto, Design Gráfico e Editorial,
nas Faculdades Avila (Goiânia), Faculdade Boa Viagem (Recife), Instituto de Educação Superior de Brasília (DF).
Desde 1985 professor do Curso de Design da UFPE. Atualmente é professor associado, docente do Programa de
Pós – Graduação em Design PPGD da UFPE. Coordena o Grupo de Pesquisa em Biodesign e Artefatos Industriais
do CNPq. Experiência na área de Desenho Industrial, com ênfase em Design e Biônica, atuando principalmente nos
seguintes temas: Desenvolvimento de Produtos, Design Estratégico. Organizador junto com Editora Edgard Blucher
da série DesignCONTEXTO – ensaios de design, cultura e tecnologia dos seguintes livros: Design e Complexidade;
Design e Inovacao Social; Design, Artefatos e Sistemas Sustentaveis.

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Fundamentos da Biônica e da Biomimética
e Exemplos Aplicados no Laboratório de
Biodesign na UFPE
Fundamentals of Bionics and Biomimicry and Examples
Applied in the Laboratory of Biodesign at UFPE
Theska Laila de Freitas Soares I Amilton José Vieira de Arruda
Resumo
Observando como a natureza opera na criação das suas espécies, pode-se transpor este mesmo
método no desenvolvimento de produtos, construções ou sistemas artificiais. Matéria-prima para o
campo da Biomimética que estuda, dentre outras coisas, como os “critérios” observados nos seres
vivos mais adaptados podem servir de base para o desenvolvimento de soluções mais eficientes.
Através do método da Analogia, pode-se imitar características estruturais, formais, funcionais
ou de interpretação abstrata da natureza para aplicação em artefatos artificiais. Este artigo visa
demonstrar o Método de Pesquisa de Base das estruturas naturais aplicado pelo professor Amilton
Arruda no Laboratório de Biodesign da UFPE/BRA, sob uma ótica acadêmica, descrevendo e
apresentando algumas técnicas para essa interpretação do mundo natural através dos seguintes
passos: Representação Fotográfica, Descrição Verbal, Esquematização (desenhos) e Modelos.
Serão apresentados alguns exemplos de trabalhos de alunos com seus desenhos baseados na
Analogia Morfológica. O resultado da aplicação deste método está na capacidade de se desenvolver
e estimular a capacidade criativa dos alunos, já que os reinos animal, vegetal e mineral apresentam
uma infinidade de formas, cores e texturas, que podem ser observadas, analisadas, representadas e
potencialmente interpretadas em projetos de Design.
Palavras-chave: Design; Biomimética; Analogias; Metodologia

Abstract
By observing how nature operates in the creation of its species, one can transpose this same method in the
development of artificial products, constructions, or systems. A raw material for the field of Biomimetics that
studies, among other things, how the “criteria” observed in the most adapted living beings can serve as a basis for
the development of more efficient solutions. Through the method of Analogy, one can imitate structural, formal,
functional or abstract nature characteristics for application in artificial artifacts. This article aims to demonstrate
the basic research method applied by Professor Amilton Arruda at the Biodesign Laboratory of UFPE/BRA, under
an academic perspective, describing and presenting some techniques for this interpretation of the natural world
through the following steps: Photographic Representation , Verbal Description, Layout (drawings) and Models.
Some examples of works by students with their drawings based on Morphological Analogy will be presented. The
result of the application of this method is in the capacity to develop and stimulate the creative capacity of the
students, since the animal, vegetable and mineral kingdoms present an infinity of forms, colors and textures that
can be observed, analyzed, represented and potentially interpreted in Design projects.
Keywords: Design; Diomimetics; Analogies; Methodology.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Fundamentos da Biônica e da Biomimética e Exemplos Aplicados no Laboratório de Biodesign na UFPE

INTRODUÇÃO
Ao longo da complexa história da Humanidade é possível constatar a aplicação
de soluções biológicas em diferentes períodos, e em diferentes áreas, tais como:
na ciência, tecnologia, arquitetura, arte, design, engenharia, medicina, e outras
mais, têm surgido a cada dia. Essa inspiração na natureza tem gerado uma série
de invenções que possibilita um grande número de inovações e de recursos no
decorrer do tempo.
Para se ter uma ideia do potencial de aprendizagem com essa multidão de
organismos na natureza, Benyus (1997) relembra que basta observar os feitos
incríveis de: algas bioluminescentes, que combinam substâncias para abastecer
suas lanternas orgânicas; ursos polares que se protegem do frio através de
uma camada de pelos transparentes que funcionam como as vidraças de uma
estufa; abelhas, libélulas que excedem a capacidade de manobra dos melhores
helicópteros; formigas que conseguem carregar o equivalente a centenas de
quilos; beija-flores que cruzam o golfo do México com o equivalente a 3ml de
combustível etc.
Embora todo este conhecimento tenha existido ao longo da evolução da vida na
Terra, apenas uma pequena parcela disso tem sido aproveitada, existindo uma
grande parte ainda desconhecida e negligenciada a ser desbravada. Através
de um olhar atento às soluções da natureza, existem uma infinidade de bons
exemplos de eco eficiência, através de organismos que constroem com o mínimo
de desperdício de materiais e energia, e que ainda, coexistem em harmonia com
a biosfera. Evidenciar esta nova forma de perceber a natureza é uma práxis de
uma ciência denominada Biomimética e é bem diferente da ideia de exploração a
que geralmente o Homem a tem associado.
Com o passar dos séculos, muitos nomes utilizaram a natureza para
investigação, o que resultou em acúmulo de conhecimento e aprimoramento
de técnicas e métodos. Muitos estudos foram formulados demonstrando este
processo de interpretação ou tradução de estruturas naturais aplicadas na
fase de criação de artefatos. Um dos métodos mais utilizados das chamadas
Biotécnicas (Biônica, Biomimética, Biodesign etc.) é o da Analogia, seja a
Morfológica, Funcional ou Simbólica, todas apresentam diferentes maneiras de
utilizar a natureza como inspiração, algumas delas inclusive serão mostradas
a seguir, de maneira mais detalhada, através de investigações de alunos do
laboratório de Biodesign na UFPE em Recife.
Biomimética: conceitos e definições
É importante esclarecer que existem outros termos que também relacionam
a natureza com as criações humanas. Biônica, Biodesign e Biomimética são
facilmente confundíveis, pois suas origens, conceitos, métodos e bases de
investigação são realmente muito semelhantes, embora existam algumas
diferenças.
Tentando traçar uma sequência história sobre a origem destes termos, pode-
se começar por Fernandes (2012) que comenta que ambas as terminologias

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Fundamentos da Biônica e da Biomimética e Exemplos Aplicados no Laboratório de Biodesign na UFPE

derivaram da palavra europeia Biotécnica que apareceu como referência no livro


datado de 1877 da autoria do Reverendo John George Wood, “Nature’s teaching’s:
Human Invention Articipated by Nature” e posteriormente em 1920 no livro de
Raul Francé, “Die Planze als Erfinder” (As Plantas como Inventoras). Mais tarde
a palavra sofreu uma derivação, surgindo o termo “Bionics” (Biônica) que se
relaciona com a palavra “Bio” (vida) e “onics” de “tecnologics” (tecnologia).
Segundo Arruda (1993), esse termo foi oficialmente apresentado em 1960 num
Simpósio nos Estados Unidos, promovido pelas forças aéreas, onde foi utilizado
pelo engenheiro e major Jack. E. Stelle que o definiu como: “Ciência dos sistemas
cujo funcionamento se baseia em sistemas naturais, ou que apresentam
analogias com estes”.
Arruda (1993) também apresenta as definições de outros autores para a palavra
Biônica, são elas:
• Maraldi (1963) diz que a Biônica se propõe ao estudo e compreensão
da estrutura, mecanismo e funções de plantas, de animais, do homem,
a fim de desenvolver novas aplicações para mecanismos complexos e
dispositivos variados; Gerardin (1968) fala que ela é a arte de aplicar em
soluções de problemas técnicos o conhecimento que se possui dos seres
vivos; Mironov (1970) explica que ela estuda o mecanismo da unidade vital
para desenhar aplicações práticas; Papanek (1973) ratifica que se trata
da ciência que estuda o emprego dos modelos biológicos para a produção
de sistemas sintéticos criados pelo homem e também os princípios
básicos da natureza para extrair destes aplicações e processos úteis
ao ser humano e Bonsiepe (1975) expõe que ela estuda o sistema vivo
para aplicação de seus princípios, técnicas e mecanismos na tecnologia,
servindo principalmente para estimular a capacidade de perceber seus
detalhes tridimensionais e os princípios formais que o estruturam, como
também para incrementar a capacidade de transformação quando se
examina e analisa um objeto análogo.
• Broeck (1989) explica sobre um novo termo, o Biodesign, cuja utilização
é dita adequada por este autor quando a Biônica é aplicada ao desenho
industrial, sendo mais coerente com à atividade de projetos. Neste sentido
define-se Biodesign pelo estudo de sistemas e organismos naturais com
o propósito de analisar e perceber soluções do tipo funcional, estrutural e
formal, para aplicação em resolução de problemas humanos, através de
criações tecnológicas, objetos ou sistemas de objetos.
Este autor apresenta ainda um resumo com as duas atividades fundamentais do
Biodesign:

1. Investigação e experimentação básica, que partem da observação de


fenômenos naturais sem, necessariamente, ter presentes aplicações
utilizáveis posteriormente em projetos específicos. A ideia fundamental
desta opção é a de criar um banco de dados que alimente o projeto,
não somente em soluções técnicas, mas também, em aspectos
metodológicos.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Fundamentos da Biônica e da Biomimética e Exemplos Aplicados no Laboratório de Biodesign na UFPE

2. Busca de soluções para um projeto específico, por analogias. Para isto,


requer não somente de um banco de dados de investigação básica, mas de
um conhecimento prévio da área, dos princípios que determinam as formas
na natureza e de uma metodologia de aproximação do fenômeno natural.
Tanto a Biônica, quanto o Biodesign estudam os princípios básicos da
Figura 1: Imagem da mão
natureza (construtivos, tecnológicos, formais etc.) para aplicação em
biônica I-limb Ultra Revolution
da empresa Touch Bionics. soluções tecnológicas, e por isto se tornaram um campo interdisciplinar que
Fonte: http://innovationjurnal. combina a biologia com outras áreas, dando origem, portanto, a diversas
blogspot.com.br/2014/05/ outras terminologias correlatas que também são utilizadas com referência
touch-bionics-updates-i-limb- nas Bioinspirações ou Biotécnicas, tais como a Bioengenharia, Biomecânica,
ultra.html
Bioelectrônica, Bioarquitetura, Bioenergética, Biomaterial etc.
Há ainda outra forma de utilização do termo Biônica através da junção da palavra
Bios com a eletrônica relacionado com a área da cibernética, na designação da
tecnologia à serviço da recriação da natureza, como por exemplo, na criação de
próteses artificiais para seres vivos, tais como: orelhas, olhos, mãos, pernas,
órgãos, dentre outros, como observado no exemplo abaixo da mão biônica i-limb
Ultra Revolution da empresa Touch Bionics com sua mais avançada e versátil
prótese, que possui maior destreza e movimentos mais naturais, e que pode
inclusive ser configurada por aplicativo mobile no smartphone. (Figura 1)
Finalmente, em 1969 a palavra Biomimética dá origem ao título de um artigo de
Otto Schmitt e em 1974, foi publicada sua definição no dicionário de Webster:
“Trata do estudo da formação,
estrutura ou função de Embora tenha sido da pesquisadora americana Janine Benyus (1997) a
substâncias e materiais responsabilidade da melhor definição e difusão do termo da Biomimética.
biologicamente produzidos Segundo ela, esta nova ciência estuda os modelos da natureza e depois imita-
(como as enzimas ou a seda),
os, inspira-se neles ou em seus processos para resolver problemas humanos,
e mecanismos e processos
biológicos (como a sintetização porém as soluções devem ser embasadas na tríade: a natureza como modelo,
de proteínas ou de fotossíntese) medida e mentora, cujos princípios serão descritos a seguir:
especialmente para os
• A natureza como Modelo. Inspiração e mimese nas soluções da natureza
propósitos de sintetização
de produtos similares por para aplicações práticas.
mecanismos artificiais que • A natureza como Medida: Usa o padrão ecológico como parâmetro para
mimetizam os naturais”.
as inovações. Após 3,8 bilhões de anos de evolução, a natureza aprendeu
aquilo que funciona, é mais apropriado, econômico e durável.
• A natureza como Mentora: Representa uma nova forma de ver e valorizar
a natureza, inaugura uma era cujas bases se sustentam não naquilo que
se pode extrair da natureza, mas no que se pode aprender com ela.
Estas últimas abordagens da natureza como medida e mentora apresentam
novos valores, que incluem aspectos de sustentabilidade e de respeito à
natureza, o que para Janine significa a verdadeira revolução desse campo.
Apesar de derivar da palavra grega biomimesis, onde bios siginifica vida e mimesis,
imitação, não se restringe a apenas uma imitação da forma biológica, mas
considera também o conceito de replicação do comportamento dos organismos
biológicos.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Fundamentos da Biônica e da Biomimética e Exemplos Aplicados no Laboratório de Biodesign na UFPE

De acordo com Santos (2010), a Biomimética colabora com a filosofia do design “Desta vez, viemos não para
ambiental, que também tem a visão multidisciplinar onde muitos setores aprender algo sobre a natureza,
para que possamos enganá-la e
industriais podem substituir o método tradicional de projeto e produção dos
controlá-la, mas para aprender
bens de consumo pelo “método” da natureza que é bem mais equilibrado e algo com ela, de modo que
menos oneroso para o ambiente. É o que é evidenciado na fala de Benyus (1997): possamos nos adaptar, de uma
vez por todas e para o nosso
A Biomimética corresponde a uma emulação consciente do gênio da natureza, é
bem, à vida na Terra, da qual
uma abordagem interdisciplinar que reúne mundos muitas vezes desconectados: surgimos. Temos um milhão de
natureza e tecnologia, biologia e inovação, vida e design. Na prática, procura perguntas. Como deveríamos
trazer a sabedoria da vida testada pelo tempo para trazer informações produzir alimentos? Como
valiosas em soluções humanas que criam condições favoráveis à vida; soluções deveríamos fabricar nossos
materiais? Como deveríamos
sustentáveis por empréstimo de insights e estratégias ambientais, ou ainda,
realizar negócios de uma forma
procura ser uma conexão que ajuda a encaixar, alinhar e integrar a espécie que respeite a natureza? À
humana nos processos naturais da Terra. medida que formos descobrindo
aquilo que a natureza já sabe,
Há ainda uma outra forma de uso do termo Biomimética que se refere a
reconheceremos a sensação de
característica de camuflagem que certos animais possuem, onde imitam outras fazer parte, e não de estarmos
espécies para se protegerem de predadores ou para disfarçarem sua presença à parte, da genialidade que nos
como predadores. (Figura 2) rodeia”.

Figura 2: Imagem com animais


que utilizam a biomimética
como técnica de camuflagem.
Fonte: SOARES, 2016.

Por fim, enquanto a Biônica trata da previsão, manipulação e controle da


natureza, a Biomimética inspira o sentimento de pertencimento e participação
humana, o que constitui numa maior contribuição para os aspectos da
sustentabilidade. Apesar das abordagens serem tão parecidas existem
diferenças entre as suas concepções, pois esta última representa uma nova
forma de observar e avaliar a natureza, introduzindo um novo pensamento
baseado não só no que se pode extrair do mundo natural, mas no que se pode
aprender com ele, e isto torna a sua abordagem mais abrangente.

A ANALOGIA NA BIOMIMÉTICA
Apesar de todas estas definições do século XX, Leonardo Da Vinci, embora não
utilizasse estes termos, já se apropriava dos conceitos da Biomimética na prática
desde a época do Renascimento. Gênio reconhecido como um dos primeiros a
estudar as formas e funções presentes na natureza, revelou claramente a sua
busca por mecanismos biônicos através dos seus famosos desenhos na obra Sul
volo degli uccelli (O voo das aves), possibilitando o título de pioneiro a aproximar-
se da realidade de voar por meio da construção de máquinas voadoras.

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Arruda (1993) relembra sobre estes estudos e diz que a ideia fundamental do
engenheiro era que o voo humano fosse possível através da imitação mecânica
da natureza, numa tentativa de reproduzir os movimentos das asas do morcego,
entendendo também a base dos movimentos dos pássaros. (Figura 3)

Figura 3: Estudos do voo de


pássaros e Máquina para bater
asas “Ornitóptero” de Leonardo
da Vinci.
Fonte: CRUZ, 2012, p. 19.

Um aspecto interessante a ser observado nestes estudos de Leonardo diz


respeito à dinâmica do método utilizado por ele, motivado pela curiosidade e
procurando estabelecer relações, ele procurava observar o elemento natural
a ser investigado em seu ambiente natural e registrava tudo em tempo real
através de anotações textuais e desenhos esquemáticos.
O Falcão bate lentamente suas
“Arruda (2002) comenta que desde a Bauhaus e a escola de Ulm em seu curso
asas e procura sobretudo se
fazer levar pelas correntes de fundamental, já se ofereciam disciplinas em que as análises dos fenômenos
ar. Com o voo equilibrado, estes naturais, das estruturas, do funcionamento dos organismos vivos eram
podem repousar seus membros frequentemente objeto de estudo. Em Ulm, Gui Bonsiepe, professor da escola na
cansados”. (Vinci, 2004.) época, costumava usar as análises morfológicas de organismos biológicos como
escopo didático para melhorar a visão estrutural e a interpretação criativa. Vitor
Papanek também foi um dos professores pioneiros (na época, no California Institute
of Arts) a propor o estudo da biônica (elementos naturais) como instrumento de
projeto. Também Bruno Munari, Attilio Marcolli e Aldo Montù na Itália, contribuíram
em suas publicações com diversos estudos das estruturas naturais.
Aqui é importante perceber a necessidade de contínuos estudos e oferecer
novos avanços no uso da Analogia, pois esta transferência de um conceito ou
mecanismo vivo para sistemas inanimados não é trivial. Uma réplica simples
e direta do modelo biológico raramente é bem-sucedida, mesmo com toda
tecnologia disponível no cenário atual, pois se trata de uma atividade com certo
grau de complexidade. Gruber (2011) afirma que para que ocorra o sucesso da
solução Biomimética deve existir interdisciplinaridade ou ainda, deve-se aplicar
os conceitos de forma estratégica.

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Apesar dos avanços dessa ciência, ainda existem poucos estudos formulados
para o procedimento de interpretação ou tradução de estruturas naturais
para criar sistemas artificiais. Normalmente o que se utiliza, seja na Biônica,
Biomimética, Biodesign ou qualquer Biotécnica é o método empregado da Analogia.
Na antiguidade clássica, ela foi abordada pelos filósofos Aristóteles e Platão
como uma abstração compartilhada, em que os objetos análogos compartilhavam
algo em comum, seja uma ideia, um padrão, uma regularidade, um atributo ou
uma função.
Como método, a Analogia ganha um carácter capaz de vencer problemas através
de um raciocínio lógico, assim como ajuda na tomada de decisões, nos diferentes
campos da criação, percepção e criatividade. Da sua aplicação resulta um amplo
conjunto de soluções para diferentes áreas em conformidade com o interesse e
conteúdo de cada ciência.
Para falar de Analogia é interessante remeter também ao termo Synectics
(Sinergia), que corresponde a uma das técnicas mais promissoras para fomentar
a criatividade, sua característica mais importante está no uso repetido de
analogias que levem a abordagem do problema, sob novos pontos de vista.
Tornou-se parte do vocabulário dos especialistas, quando William Gordon,
em 1961, publicou o livro Synectics, que do grego significa a união de elementos
diferentes e aparentemente irrelevantes.
Segundo Gordon (1961), a Synetics funciona num misto de teoria e técnica. Como
teoria estuda o processo criativo e os mecanismos psicológicos da atividade
criativa, com o objetivo de aumentar as chances de pessoas obterem sucesso
na resolução de problemas. Como técnica, fornece uma repetição capaz de
aumentar as chances de chegar a soluções criativas pelo procedimento de
aproximação. A seguir, Pérez (1999) comenta os quatro tipos de Analogias
definidas por Gordon (1961):
• Analogia Direta: Descreve a verdadeira comparação de fatos,
conhecimentos, objetos, organismos, que possuam algum grau de
semelhança.
• Analogia Pessoal: Descreve uma personificação imersiva no problema.
Começando com a pergunta: Se eu fosse...? Assim ocorre uma fusão
imaginária entre a pessoa e o objeto ou situação, permitindo uma
visão interna sobre os sentimentos, pensamentos e formas de atuação
específicas para cada caso. (Se eu fosse um... me sentiria como?).
• Analogia Simbólica: Seleciona uma palavra-chave e pergunta-se qual
a sua essência, para então experimentar ou sentir os significados
descobertos; usa imagens objetivas e impessoais para descrever o
problema por uma resposta poética. Uma vez criada é uma torrente de
associações.
• Analogia Fantástica: Deixa de lado o pensamento lógico e racional.
Partindo de um problema específico se deixa a porta aberta à fantasia,
conduzindo a soluções imaginárias que estão fora do universo possível.

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A técnica fornece grande atenção aos elementos emocionais, irracionais e


inconscientes na busca criativa; no entanto, é essencial não perder de vista
também a reflexão racional. (PÉREZ, 1999)
A tentativa analógica consiste em afastamento do problema, o relacionando
com conceitos, ideias e imagens que ele inspira num processo chamado de
cruzamento, para daí se extrair soluções. Tanto a Sinergia como a Biônica se
utilizam de Analogias, porém, na primeira, essa busca de soluções se dá em
áreas variadas como a literatura, a natureza ou até a arte. Já na Biônica, a busca
de soluções acontece exclusivamente na natureza. (RAMOS, 1993)
A seguir, alguns tipos de analogias relacionadas ao assunto da Biomimética
discutida por Arruda (2002) com seus respectivos autores:
• Analogia Orgânica: Busca encontrar o equilíbrio entre os organismos
humanos, as obras de arte e os sistemas mecânicos. (STEADMAN, 1988)
• Analogia Classificatória: Observa os métodos estabelecidos da botânica
e zoologia para aplicação na Arquitetura e no Design. (STEADMAN, 1988)
• Analogia Anatômica: Traz uma sistemática de trabalho que estuda a
estrutura do esqueleto animal comparando-os com as construções da
engenharia. (STEADMAN, 1988)
• Analogia Darwiniana: Busca explicar que os objetos e as construções são
feitos através de cópias repetidas através dos tempos, como acontece
com a evolução natural. (STEADMAN, 1988)
• Analogia Sensorial: Estudo dos sistemas de controle e transmissão de
informação de organismos vivos para transpor em modelos eletrônicos
e mecânicos, com objetivo de reduzir e otimizar ao máximo seus
resultados. (ARRUDA, 2002)
Todas estas Analogias de alguma forma se empenham em traduzir o mundo
natural e contribuem na decodificação de geometrias, funcionamentos, e na
busca, dentre outros aspectos, por um melhor aproveitamento energético e de
material, conservando assim, os princípios da Biomimética.
Além destes, serão apresentados de maneira mais detalhada a seguir, três
tipos básicos de Analogia: Morfológica, Funcional e Simbólica, que para Soares
(2016), sintetizam de forma eficiente o método de Analogia relacionado com a
Biomimética.

3.1 Analogia morfológica
A forma, a saber, a figura ou determinação exterior de um corpo, destina-se como
qualquer combinação definida de elementos geométricos que possamos realizar
ou imaginar, é uma característica importante da matéria, já que todos os objetos
reais, vivos ou não, possuem forma própria, particular, que muitas vezes se define
em si mesmos, que os fazem similar a alguns ou diferentes de outros. Pelos objetos
de forma complexa e irregular, como as encontradas na natureza, deve-se dar uma
definição que seja essencialmente indireta e aproximativa. (ARRUDA, 1993)

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Bonsiepe (1982) define a Analogia Morfológica como a busca experimental


de modelos elaborados da tradução das características estruturais e formais
para transpor em projetos. Sendo assim, este tipo de analogia procura estudar
e analisar o porquê da forma natural, as inter-relações da sua geometria,
observando e compreendendo suas texturas, atentando para as características
do shape (forma externa), das partes e componentes, dos detalhes de alguma
parte a nível macro ou microscópico, assim como, para as suas formas
estruturais. (SOARES, 2016)
Segundo Wilson et al. (2010), a análise de fenômenos morfológicos da natureza
facilita e estimula a capacidade de percepção de detalhes e princípios presentes
em sua estrutura. Ideias inovadoras vêm surgindo de pesquisas sobre sistemas
e propriedades naturais que nem sempre se traduzem apenas na estética, mas
que a forma natural favorece também o ganho em eficiência. Neste sentido
Versos (2010) traz um bom exemplo de Analagia Morfológica com o Trem-bala
Shinkansen desenvolvido pelo engenheiro Eiji Nakatsu. O projeto tem como
referência a forma do bico alongado do pássaro Martim-Pescador, que facilita o
mergulho sem espirrar água em busca de sua refeição. Visando solucionar um
dos grandes problemas do trem bala que é a vibração e o barulho, o engenheiro
buscou inspiração no formato do bico deste pássaro, o que resultou numa
melhora significativa com um trem-bala 10% mais rápido, consumindo 15%
menos energia, e ainda, reduzindo a pressão do ar em 30% em relação ao modelo
anterior. (Figura 4)

Figura 4: SHINKANSEN (Japão),


trem bala de alta velocidade
mais rápido do mundo,
redesenhado tendo como base
o bico de um Martin-pescador.
Fonte: VERSOS, 2010

Outro exemplo interessante deste tipo de Analogia é o BIONIC CAR da marca


Mercedes-Benz, cuja inspiração se dá através da forma e estrutura óssea
hidrodinâmica do peixe-cofre com o propósito de proporcionar alta resistência
à estrutura do carro através do uso mínimo de material. Como resultado, o
automóvel apresentou uma excelente aerodinâmica e peso reduzido com um
consumo de 4,3 litros por 100 km, o que significa 20% mais economia que os
veículos da mesma classe, e ainda, redução das emissões de óxido de nitrogénio
em cerca de 80%. (VERSOS, 2010) (Figura 5)

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Figura 5: BIONIC CAR da marca


Mercedes-Benz (Alemanha),
automóvel desenvolvido com
base na forma e estrutura
hidrodinâmica do peixe-cofre.
Fonte: VERSOS, 2010

Sendo assim, a Analogia Morfológica comprova a eficiência das formas naturais,


pois muitas delas se traduzem em ganhos além da estética, em performance. A
seguir, mais alguns exemplos desse tipo de analogia. (Figura 6)

Figura 6: Exemplos de
Analogia Morfológica – Coluna
estrutural de construção
inspirada na folha da palmeira
leque; Cadeira inspirada na
forma estrutural da borboleta;
Arame farpado inspirado
nos espinhos de plantas e
Alicate inspirado na pinça do
caranguejo.
Fonte: SOARES, 2016

3.2 Analogia funcional
Procura estudar sobre o funcionamento do sistema físico e mecânico natural;
tenta compreender quais funções desempenham tanto no todo, quanto em
suas partes e componentes. Em outras palavras, são evidenciados os atributos
funcionais, qualidades específicas (não morfológica) que se pode mimetizar da
estrutura natural analisada, uma vez que os organismos naturais desenvolveram
habilidades complexas e altamente adaptáveis, se pode transpor essas aptidões
funcionais para aplicá-las em artefatos artificiais. Enquanto morfologicamente
as analogias são limitadas, funcionalmente podem ser múltiplas. (SOARES, 2016)

Muitos pesquisadores têm buscado parcerias com departamentos de biologia


que se utilizam de informações específicas de características do mundo natural,
um destes trabalhos é o de Liua & Jiang (2011) que apresentam o resultado de

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vários estudos onde descrevem as funções encontradas em alguns organismos


vivos que podem orientar a geração de ideias para solução de problemas
projetuais por Analogia no Design. (Figura 7)

Figura 7: Tabela de organismos


naturais e suas respectivas
funções.
Fonte: LIUA & JIANG, 2011

A vantagem desta analogia é que se identificando estas estratégias e funções se


pode aplicar em mais de um tipo de artefato, servindo para uma ou mais soluções
como o caso do estudo das folhas de lótus, na qual o pesquisador Barthlott,
identificou as funções de repelir a água e de autolimpeza das suas superfícies. Isto
acontece devido ao ângulo formado pelas suas micro e nanoestruturas cerosas,
que impedem o contato com a água, fazendo-a rolar e formar gotas que vão
recolhendo a sujeira pelo caminho. Com isto, se identificou que superfícies ásperas
em nano escala são mais hidrofóbicas que superfícies mais lisas. Na folha de lótus,
a área de contato real é de apenas 2-3% da superfície das gotas.
Essa Analogia Funcional foi aplicada comercialmente em produtos como a tinta
Lotusan (Figura 8) e também em outros materiais e produtos, tais como os
têxteis, a madeira ou o vidro, através de sprays (BASF Lotus Spray) que simulam
o mesmo efeito da planta. Na tinta, ao criar micro saliências, ela repele a água,
se auto limpando e resistindo a manchas durante décadas. Apesar de se replicar
estas microestruturas, os artefatos gerados não se referem a forma das folhas
em si e sim a função identificada de hidrofobia e autolimpeza. (VERSOS, 2010)

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Figura 8: LOTUSAN (Alemanha),


tinta que repele a água e resiste
a manchas durante décadas,
inspirada nas microestruturas
das folhas de lótus.
Fonte: VERSOS, 2010

Versos (2010) cita ainda outro exemplo de Analogia Funcional com a pesquisa
das escamas da pele do tubarão, responsável pelo alto desempenho em
velocidade de locomoção destes animais. Segundo especialistas, a água desliza
através das micro ranhuras na sua pele, reduzindo a fricção. A aplicação deste
estudo em roupas de natação da marca Speedo Fastskin é utilizada por campeões
olímpicos. A textura destas vestimentas baseada nos “dentículos” da pele de
tubarão, tem como vantagens a redução da resistência passiva de cerca de 4% e
também da vibração muscular, aumentando a velocidade e o desempenho dos
atletas. (Figura 9)

Figura 9: FASTSKIN da marca


Speedo (Austrália), roupa de
banho para competição de
natação que imita a função
de eficiência hidrodinâmica da
pele de tubarão, resultando
na redução do atrito e
consequente aumento de
velocidade.
Fonte: VERSOS, 2010

Nos tubarões estas micro escamas também impedem a fixação de pequenos


crustáceos e de algas, uma inspiração para revestimentos sintéticos que
poderão ser aplicados nos cascos de navios a fim de reduzir o atrito, poupando
energia e também esse inconveniente biológico que provoca gastos com
manutenções, o que comprova mais uma vez que a analogia funcional pode
gerar aplicação em diversos artefatos e não se limita apenas na forma do
animal investigado, mas na função que foi identificada e que se deseja replicar.
(SOARES, 2016)

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Um bom exemplo de Analogia Funcional inspirado na função de aderência das


patas da lagartixa, é causada pela força intermolecular encontrada nos seus
micro e nanopêlos que ligam as moléculas da pata do animal às moléculas da
superfície, permitindo que se grudem até mesmo em superfícies lisas como
o vidro. A partir deste estudo a empresa Interface criou o TacTiles, um sistema
de instalação do carpete que usa conectores adesivos sem cola para unir as
placas do carpete ao invés de colar no piso. Outras aplicações são usadas como
adesivos para smartphones para adesão em vidros e painéis de carro.
Outros exemplos: o Regen Energy, sistema de gerenciamento automatizado de
eficiência energética baseado na rede de comunicação de formigas e abelhas; o
sistema de resfriamento passivo no shopping Eastgate Center de Mick Pearce no
Zimbábue, que imita a função de autorregularão de temperatura dos cupinzeiros
africanos, onde o centro utiliza o ar frio da noite para resfriar, e durante o
dia este ar sobe do térreo em direção aos pavimentos superiores através de
chaminés; e ainda, o tradicional exemplo das placas solares que imitam a função
das folhas de captação e transformação da energia solar. (Figura 10)

Figura 10: Exemplos de


Analogia Funcional. TacTiles
(aderência das lagartixas),
Regen energy (gerenciamento
de energia do sistema de
comunicação de abelhas),
Eastgate Center (auto
regulagem de temperatura do
cupinzeiro) e placas solares
(Captação de energia das
folhas).
Fonte: SOARES, 2016

3.3 Analogia simbólica (semântica)


Na analogia simbólica estão os casos de imitação mais abstratos que não
correspondem a fidelidade das formas nem necessariamente das funções.
Desta forma, os artefatos produzidos possuem correspondência com aspectos
da estrutura natural analisada com certo grau de abstração inerente das
interpretações individuais. (SOARES, 2016)

Um exemplo desta pode ser visto no estudo de Thompson (1961) da mais


famosa Torre da Europa, a torre de Gustave Eiffel (1889), símbolo universal de
Paris, construída em homenagem aos 100 anos da Revolução Francesa, cujos
elementos estruturais foram baseados nos estudos do anatomista Hermann
von Meyer sobre a cabeça do fémur humano. Esta parte do osso fornece uma
ampla gama de movimentos e é composta por um conjunto de minúsculos

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ossos chamados trabeculares. Mais tarde, Meyer demonstrou este trabalho


para o engenheiro Karl Cullmam que trabalhava projetando grandes guindastes,
e este viu imediatamente que as trabéculas estavam mais concentradas nas
zonas de maior tensão, concluindo que o fêmur foi perfeitamente moldado para
suportar grandes cargas. Maurice Koechlin, arquiteto assistente de Eiffel, 20 anos
depois, enquanto trabalhava na concepção da famosa torre, traduziu nesta sua
impressão desse estudo de Cullman. (Figura 11)

Figura 11: Exemplo de analogia


simbólica da Torre Eiffel
inspirada no fêmur.
Fonte: SOARES, 2016

O Palácio de Cristal (Londres/Inglaterra, 1951) construído por Joseph Paxton


para Exposição Universal é outro exemplo de Analogia Simbólica que teve
sua inspiração na estrutura da planta amazônica Vitória-régia. Ele usou uma
ilustração de uma das folhas durante uma palestra na Royal Society of Arts, em
Londres, mostrando como apoiar uma estrutura de telhado curvo usando-a
como uma referência para o projeto. (PEREIRA, 2013) (Figura 12)

Figura 12: Exemplo de analogia


simbólica da Torre de Cristal
inspirada na Vitória-régia.
Fonte: SOARES, 2016

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Não há tanta semelhança com o desenho da folha em si, que apresenta


estruturação radial, no todo da construção, apenas na parte superior
curva do edifício e no arco central se demonstra essa analogia mais direta,
mas o grande e inovador avanço foi a sua interpretação das nervuras no
uso de vigas para a construção de edifícios leves, incorporando materiais
novos para estruturação de construção utilizando o ferro e o vidro.
Exemplos ainda mais representativos deste tipo de Analogia são as
excêntricas e orgânicas construções do arquiteto espanhol Antoni Gaudí,
que tinha predominância pela arquitetura biomórfica, cheia de curvas e
contracurvas, onde elementos da natureza são desenhados em vários
detalhes. Experimentando formas e materiais novos, o arquiteto se
dedicava à cada esquina e a cada pormenor numa organicidade resultante
da sua interpretação própria dos elementos da natureza que acabou por
caracterizá-lo.
Sua atitude naturalista, foi previamente abordada por D’Arcy Thompson
(1961) relembrando sobre a emblemática obra da igreja da Sagrada Família
em Barcelona. Segundo Pereira (2013), Gaudí confere torsões parabólicas
à fachada, fazendo uso de hipérboles e espirais em várias partes da
construção, preenchendo a obra de motivos vegetais destacando a sua
atitude naturalista e orgânica, num contrassenso da arquitetura gótica da
época, em que para ele, as linhas retas não refletiam as leis da natureza
com suas formas curvas. Cruz (2012) também reforça o “espírito natural”
de Gaudí traduzido num ar romântico e orgânico através da disposição das
folhas, caules, raízes das plantas, e também nas pétalas das flores nesta
obra, onde as particularidades remetem para uma floresta ou mundo
subaquático, apresentando no interior, um aspecto panorâmico de bosque
encantado, onde os jogos de luzes e os estreitos pilares densificam essa
atmosfera. As torres principais visíveis na fachada são inspiradas pela
planta Sedum Sediforme, sendo pontuadas por pináculos ou flores.
As formas naturais, como as espirais ou helicoides presentes nos caracóis
ou búzios são abundantes em suas obras. Esse crescimento exponencial
presente em tantos exemplos naturais revela-se uma variante obsessiva
no seu trabalho, através das torres, colunas, pináculos ou escadarias em
caracol, dentre outros. Como afirmava Gaudì: “Tudo sai do grande livro da
Natureza, onde elementos como esta árvore junto ao meu atelier é o meu
mestre”. (CRUZ, 2012)
Além da Sagrada Família, Cruz (2012) também cita outros exemplos
podem ser identificados nas varandas do La Pedrera Casa Milá, com
delicadas folhas ornamentadas; no Parque Güell, com elementos
biomorfos, tais como os répteis e/ou dragões; na Casa Batlló, coberta de
“escamas” etc. Estas obras artísticas com espaços cavernosos, cores,
texturas e uma luminosidade tão peculiar são reflexos do olhar cheio de
simbolismo de Gaudí, configurando bem este tipo e Analogia. A seguir,
imagens de alguns desses exemplos citados. (Figura 13)

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1. Igreja Sagrada Família; 2. La


Pedrera; 3. Parque Güell e 4.
Casa Batlló.
Figura 13: Exemplo de Analogia
Simbólica nas obras de Antoni
Gaudì.
Fonte: SOARES, 2016

O LABORATÓRIO DE BIODESIGN (UFPE/BRA)


O laboratório do Biodesign nasceu em 1998 através do fomento de órgãos como
o CNPq e o FACEPE. É resultado das pesquisas em Biônica do professor PhD.
Amilton Arruda no CRIED (Centro Ricerche/Istituto Europeo di Design-Milano/IT)
e no Politécnico de Milão na Itália. Localizado no Centro de Artes e Comunicação
da UFPE, ao longo dos anos este laboratório tem aplicado a metodologia da
Analogia em Biônica/Biomimética resultando em diversos trabalhos dentro das
disciplinas ministradas para a graduação do departamento de Design da mesma
instituição, colaborando para disseminar as técnicas de estudo das estruturais
naturais como referências para projetos de Design.
Amilton (2002) propõe o estudo da Biônica através de 3 Campos: Formação,
Figura 14: Os três Campos de
Pesquisa e Projetual (Figura 14). No Campo da Formação, modalidade do
atuação da Análise da estrutura
natural proposta pelo professor processo de ensino, a didática de pesquisa deve respeitar o caráter natural de
Amilton Arruda. como a natureza se comporta em toda a sua evolução e dinâmica. Este senso de
Fonte: ARRUDA, 2002 experimentação se dá de 2 modos:

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3. Básico: Disciplina que tem objetivo de estimular a experimentação;


introduzir conceitos básicos da natureza: (evolução, adaptação,
comportamento, composição, dinâmica, energia, máximo e mínimo,
espirais, ramificações, fluxo, estruturas, seção áurea etc.) e ainda, criar
uma filosofia, delineando uma linguagem de base que permita e fomente
o discurso do “projeto biônico”.

4. Analógico: Experimentação com abstração geométrica da estrutura


natural investigada; análise funcional e geométrica da natureza e seus
elementos; representação de modelos tridimensionais de determinado
comportamento da natureza e interpretação e tradução da forma nos
modelos analógicos que se identificou na estrutura analisada.
Já no Campo da Pesquisa, leva em consideração um grupo interdisciplinar, fazendo
parte da indagação biônica o componente biológico e a engenharia, trazendo
uma característica mais de inovação. Compreende o desenvolvimento da
pesquisa no sentido que parte de um argumento ou temática de caráter geral
ou específico para chegar num modelo interpretativo em vários aspectos, como
por exemplo, estrutural, material, funcional, dentre outros.
Este modelo não necessariamente resultará num produto aplicado ou projeto
acabado, pois tem maior caráter de estudo, onde o resultado possivelmente
não corresponderá com a expectativa do setor produtivo. O campo de pesquisa
também pode ser dividido em 2 partes:

Pesquisa de base
• Pesquisa teórica preocupada com aspectos, tais como: adaptação, forma,
função, locomoção, dinâmica, geometria, ciclos da natureza etc.
• Pesquisas com caráter bibliográfico de projetos ou pesquisa, artigos,
monografias, dissertações ou teses com referência na natureza.
• Pesquisas para construção de banco de dados com diversos temas tais
como sistema de locomoção, sistema de articulações, membranas,
embalagens, componentes estruturais na natureza etc.
• Pesquisas com caráter geométrico-morfológico com a finalidade de
entender a resistência da sua estrutura ou forma.
• Pesquisas para utilização de metodologias adaptáveis ao estudo das
estruturas naturais.

Pesquisa aplicada:
• Desenvolvimento de pesquisa completa delineada para aplicação no
Campo Projetual.
• Elaboração, verificação e experimentação de modelos ou protótipos
biônicos.
• Identificação de hipóteses de projeto com base no resultado das
pesquisas e das abstrações geométricas dos modelos biônicos.
• Pesquisas específicas do design dos materiais naturais;

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• Análise e compreensão dos elementos naturais, seus aspectos e


derivados (mecanismos, estrutura funcional, materiais etc.).
E por fim, no Campo Projetual, a gestão do discurso biônico aqui é mais complexa,
pois existem outras informações para atender a estratégias projetuais já
definidas através dessa tradução das informações adquiridas na pesquisa
biônica. E levando em consideração esta complexidade, este Campo é dividido
em três hipóteses de intervenção:

5. Como Linguagem: O projeto se desenvolve considerando a experiência


do projetista que traz uma temática centrada em referências da natureza,
que é diferente dos métodos tradicionais, criando-se uma modalidade
própria de projeto, onde o projetista possa intuir uma aplicação prática
para os modelos naturais estudados.

6. Como Instrumento: O Projetista usa o banco de dados das pesquisas


em biônica para se motivar e se inspirar em suas criações, buscando
orientação, considerações e referências nas informações de caráter
estrutural, configuracional, simbólico, estético, filosófico, semântico
dessas interpretações da natureza, por exemplo, o velcro.

7. Como hipótese de Projeto: Por meio da pesquisa das estruturas naturais,


se desenvolve um conceito, dele um modelo biônico e deste o projeto
biônico, através dos métodos tradicionais de design, como a de Bruno
Munari, por exemplo. É importante observar que desse modelo biônico,
podem ser gerados diversas hipóteses de projeto.
Para Arruda (2002) a pesquisa biônica possui caráter sistemático que utiliza a
analogia para traduzir os princípios encontrados na natureza, os quais poderão
ser aplicados posteriormente na solução de um problema de projeto.
Sobre o Método da Pesquisa de Base das estruturas naturais aplicado pelo
professor Arruda sob uma ótica mais acadêmica, ele cita que a configuração de
um objeto, vivo ou não, pode ser de alguma forma descrita, e apresenta algumas
técnicas para essa descrição e compreensão da forma através dos seguintes
passos: Representação Fotográfica, Descrição Verbal, Esquematização
(desenhos) e Modelos.
• Representação Fotográfica: Esta técnica revela uma riqueza de detalhes,
que torna incontestável o alto nível de fidelidade de descrição de qualquer
estrutura. Hoje existem diversos meios de utilização desta técnica, seja
por fotografias digitais com câmeras de altas resoluções ou até, numa
análise mais acadêmica e menos criteriosa, através de câmeras de celular.
Existem ainda as que se utilizam de uma série de fontes de luz tais como,
raio X, ultravioleta ou infravermelhos. Há ainda métodos mais avançados
de microscopia eletrônica e de varredura, que cada vez mais proporcionam
descobertas de características morfológicas que revelam detalhes de
estruturas internas dos elementos naturais à níveis cada vez menores,
como o recente microscópio que usa feixe de elétrons no Japão, capaz de

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obter imagens a nível atômico. Através da capacidade de ampliações de


imagens e das fotografias digitais com seus softwares de computadores
mais velozes, se têm revelado e facilitado o entendimento e a descrição
pormenorizada de estruturas. Para o estudo, deve-se tirar as fotografias,
ou consegui-las através de outros meios (internet), servindo para revelar
o todo, secções, detalhes, partes, componentes, e demais aspectos do
elemento analisado, que sejam do interesse do pesquisador.
• Descrição Verbal: Em seguida, se procura investigar informações referentes
ao elemento analisado, sejam detalhes técnicos, científicos (taxonomia
etc.), históricos, curiosos, assim como descrever os detalhes observados
nas fotografias, até que se possa resumir e extrair as características
essenciais da forma estudada. O que se pressupõe que pesquisar sobre
o contexto da estrutura natural deve colaborar para um entendimento
com mais níveis de referências sobre o mesmo, resultando em maiores
possibilidades criativas de representações, e ainda, representações mais
coerentes. Descrever o contexto desta estrutura natural e o que se observa
dele em seu ambiente real dinâmico, amplia a quantidade de dados, pois
se pode verificar aspectos como ciclo de vida, movimentos, materiais,
crescimento, variação de cores e tamanhos, funções, interações com outros
elementos, organismos ou componentes etc. Nem sempre é possível
colher estes dados por imersão, mas a experiência amplia a qualidade das
informações sobre as estruturas pesquisadas.
• Esquematização: Através de desenhos que podem apresentar-se como
descrições mais fidedignas dos elementos reais estudados (desenhos de
observação) e posteriormente, como sínteses ou abstrações geométricas
destes. Tais esquemas também podem se ater a destacar caraterísticas
ou princípios específicos destes elementos, enfatizando detalhes ou outro
aspecto qualquer de interesse do pesquisador que se tenha coerência
com a origem do elemento analisado.
• Modelo: Por fim, encerra com a execução de um modelo tridimensional
que sintetiza o esquema realizado. Pode ser feito de qualquer material,
dependendo da função e intenção desejada, e para tanto, há necessidade
de conhecimento prévio de técnicas de modelagem. Como a utilização de
softwares ampliam e facilitam a visualização do modelo, este também
pode ser feito de maneira virtual, além do modelo físico.
De maneira geral o método trabalhado pelo professor Amilton nas disciplinas de
Biônica/Biomimética pode ser sintetizado a seguir: (Figura 15)
A seguir, serão apresentados de forma resumida alguns dos trabalhos
desenvolvidos por alunos de graduação para as disciplinas vinculadas ao
laboratório do Biodesign, seguindo o esquema metodológico utilizado pelo
professor Amilton Arruda. Nas versões originais, estes trabalhos foram
apresentados em forma de slides com imagens das pranchas desenvolvidas
durantes as aulas. O trabalho ainda era sintetizado de maneira esquemática Figura 15: Esquema do método
através de um banner, e ainda, os alunos tinham que configurar um modelo físico utilizado pelo professor Amilton.
tridimensional como síntese da pesquisa. São eles: Fonte: ARRUDA, 2002

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8. Estudo do milho: Neste exemplo, o encaixe formado pelas junções dos


grãos de milho facilita a acomodação entre eles e proporciona uma
melhor fixação. A partir desta forma foi feita uma síntese em modelagem
tridimensional virtual para simulação do modelo. (Figura 16)

Figura 16: Estudo da


interpretação do milho por
Lucas Andrade em 2006.2.
Fonte: SOARES, 2016

9. Estudo da articulação do ombro e do cotovelo: O modelo foi construído


representando a interpretação da amplitude do movimento das
articulações do ombro e do cotovelo, uma das articulações simulada
possui uma rotação de menor amplitude, similar à do cotovelo, se
movendo até 180º; e a outra, com maior amplitude de rotação, similar à
do ombro, pode girar quase 360º. (Figura 17)

Figura 17: Estudo da


articulação do ombro e do
cotovelo por Juliana Chalegre
em 2006.1.
Fonte: SOARES, 2016

10. Estudo da Carambola: Ao efetuar um corte transversal na fruta, a forma


de estrela pentagonal é percebida na base. Os cinco vértices dessa estrela,
por sua vez, convergem em um único ponto, base para interpretação do
modelo estrutural executado em arame soldado. (Figura 18)

Figura 18: Estudo da


interpretação da Carambola por
Marília Gondim em 2006.2.
Fonte: SOARES, 2016

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11. Estudo da Colmeia: Aqui, o aluno observou a malha externa hexagonal


da colmeia, atentando para uma característica das suas cavidades, que
na base começam cilíndricas e terminam na tradicional forma hexagonal,
sintetizando seu modelo através de um módulo construído em PVC com
as mesmas características. (Figura 19)

Figura 19: Estudo da


interpretação da Colmeia por
Bruno Martins em 2007.
Fonte: SOARES, 2016

12. Estudo do Tatu Bola: A característica mais marcante do Tatu-bola é a


capacidade de se enrolar em torno de si mesmo num aspecto esférico,
por isto foi feita a geometrização da forma, em partes segmentadas
concêntricas, interpretando-a um modelo síntese deste mecanismo do
movimento. (Figura 20)

Figura 20: Estudo da


interpretação do Tatu Bola por
Pedro Santana em 2010.
Fonte: SOARES, 2016

13. Estudo do abacaxi: o foco foi na estrutura da coroa representada pelas


camadas sobrepostas das folhas. Para a construção do modelo, se
destacou estas camadas através de uma síntese geométrica, o que torna
possível a criação de várias estruturas baseadas no mesmo princípio.
(Figura 21)

Figura 21: Estudo do Abacaxi


por Natália Barbosa e Tamyres
Siqueira em 2010.
Fonte: SOARES, 2016

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14. Estudo do alho: Uma das características observadas neste estudo foi a
disposição dos dentes de alho no bulbo. A forma como eles se encaixam
e se destacam do talo central representou a síntese do modelo proposto.
(Figura 22)

Figura 22. Estudo da


interpretação do Alho por Aline
Morais e Lucas Ayres em 2007.
Fonte: SOARES, 2016

15. Estudo do amendoim: A característica analisada destacou a parte


bipartida da casca onde o seu modelo evidenciou o potencial natural
desta estrutura como embalagem, aqui representada por uma síntese
geométrica de 2 hemisférios com eixo giratório. (Figura 23)

Figura 23: Estudo da


interpretação do amendoim por
Alinne Torres e Soraya Holder
em 2010.
Fonte: SOARES, 2016

16. Estudo do caranguejo: Este modelo levou em consideração a pata do


caranguejo em relação ao ângulo de amplitude que a mesma pode atingir
sem oferecer dano ao animal, foi adotada também a relação de tamanhos
entre a primeira e a segunda parte, modificando o formato da terceira
Figura 24: Estudo da peça com uma base plana, própria para o apoio. (Figura 24)
interpretação do Caranguejo
por Emmanuel Gomes em
2007.
Fonte: SOARES, 2016

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Fundamentos da Biônica e da Biomimética e Exemplos Aplicados no Laboratório de Biodesign na UFPE

17. Estudo da Alpínia: O modelo em questão levou em consideração o


formato côncavo das pétalas da flor da planta e sugere aplicação como
peça modular para iluminação pública. (Figura 25)

Figura 25: Estudo da Alpínia


por Higor Viana e Jean Carlo em
formato de banner apresentado
em exposição no Centro de
Artes de Comunicação da UFPE
em 2015.
A seguir, outros banners com os trabalhos dos alunos para a Disciplina de Fonte: SOARES, 2016
Biomimética ministrada por Soares e Arruda no período de 2015.2. (Figura 26)

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Figura 26: Banners apresentados em exposição no Centro de Artes de Comunicação da UFPE em 2015, com os trabalhos dos alunos
para o encerramento da disciplina de Biomimética. Fonte: SOARES, 2016

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5. CONCLUSÃO
A Natureza é uma fonte inesgotável de inspiração que é abundante e de fácil
acesso para todos. Tanto no reino animal, vegetal ou mineral existe uma
infinidade de formas, cores e texturas, detalhes que podem ser observados,
analisados, representados e interpretados nas Biotécnicas (Biônica, Biomimética
ou Biodesign), utilizadas como técnica criativa com grande potencial de aplicação
em projetos de Design. Observar a qualidade estético-formal de modelos
biológicos é bastante interessante, o que justifica sua coerência em também
utilizá-la em exercícios criativos em cursos de Design.

Através das Analogias Morfológica, Funcional ou Simbólica utilizadas para


encontrar soluções de concepção com referência no mundo natural, pode-se
“imitar” características estruturais, formais, funcionais ou de interpretação
abstrata da natureza para aplicação em artefatos artificiais. Dentro do campo
da Biomimética se revelam muito úteis para descobrir novos princípios,
formas, processos, estruturas etc.; contribuindo bastante neste processo de
interpretação aplicada das estruturas naturais. Alguns trabalhos de alunos do
Laboratório de Biodesign (UFPE/BRA) demonstram são bons representantes da
Analogia Morfológica. Destes exemplos foram mostradas as etapas do método
com foco, em primeira instância, no desenvolvimento de modelos síntese
da interpretação geométrica das formas naturais analisadas neste grande
cenário de inspiração e de possibilidades criativas, visando-se também, engajar,
familiarizar e despertar o interesse dos alunos pelo tema.

Neste contexto, enfatiza-se aqui a importância da pesquisa prévia sobre o


contexto da estrutura natural a ser analisada, para identificar e descrever suas
características, pois podem servir de critérios, parâmetros ou fatores a serem
utilizados na abstração geométrica que resultará no modelo biomimético.
Os estudos através dos desenhos também geram muitas possibilidades de
inovação e desdobramento de novas formas, como visto no caso do estudo
do milho em que o modelo gerado partiu, não da forma do milho propriamente
dita, nem do shape externo, ou do seu grão, como seria mais lógica a referência,
mas sim, do desenho formado pela ausência do material, uma espécie de parte
negativa formada pelo espaço entre as fileiras dos caroços, o que gerou um
resultado muito original de interpretação desse estudo.

Por fim, é importante perceber ainda que há necessidade de contínuos


estudos para oferecer novos avanços da investigação Biomimética utilizando
a Analogia Natural, pois esta transferência de um conceito ou mecanismo vivo
para sistemas inanimados não é um trabalho fácil, apesar de toda tecnologia
disponível, pois mesmo a mais simples das estruturas naturais possui grande
complexidade, e para sua devida compreensão e replicação, muitas vezes requer
esforços multidisciplinares.

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STEADMAN, Philip. The evolution of designs – biological analogy in architeture and applied art, 1ª ed.,
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FUNDAMENTOS, TEORIAS E
ASPECTOS METODOLÓGICOS
DISCIPLINARES APLICADOS NA
BIÔNICA E BIOMIMÉTICA

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SOBRE O AUTOR
Tai Hsuan-An I taihsuanan@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0981213395265268
Nasceu na China, em 1950. Formou-se, em 1976, pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo. Como artista plástico tem participado de mais de 100 exposições desde 1972 e também atua como
designer de produto. Desde 1978 é professor de artes e design na Escola de Artes e Arquitetura da PUC-GO.
Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás, foi um dos responsáveis pela criação do Curso
de Design da PUC-GO e o Coordenador Geral deste Curso, entre 1999 e 2008. Nos campos das Artes Visuais,
do Design e da Arquitetura, Tai se dedica ao estudo e ao ensino de processo criativo, desenho, morfologia
tridimensional, metodologia de projeto, ergonomia e biônica. É especialista da etimologia dos ideogramas chineses.
Tem quatro livros publicados: Desenho e organização bi e tridimensional da forma, publicado em 1997 e 2ª edição em
2010, pela Editora da PUC-Goiás; Sementes do cerrado e design contemporâneo, publicado em 2002
e 1ª reimpressão em 2009;  Ideogramas e A Cultura Chinesa, editado em 2006 e 2ª edição ampliada em 2017,
pela Editora É Realizações, em São Paulo e Design – Conceitos e Métodos, 2017, pela Editora Blucher.

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Método de Análise Biônica no Ensino
de Design e Arquitetura
Method of Bionic Analysis in Design and Architecture
Education
Tai Hsuan-An

Resumo
A natureza, com seus inúmeros sistemas viventes, vegetais e animais, oferece à humanidade
ricos conhecimentos, informações e princípios que possam ser aplicados em diversas áreas,
principalmente da ciência e tecnologia. A biônica, como uma ciência ou disciplina, tem uma
relevância especial no tocante à inovação não apenas tecnológica como também estético-
morfológica, na concepção e no desenvolvimento de produtos e edificações. Portanto a biônica
deve ser ensinada em cursos de design e arquitetura, e o método adotado deve ser simplificado,
flexível e motivador, devido ao perfil dos alunos que carecem ainda de informações, teorias e
técnicas.
A aplicação do método de análise biônica nos cursos de design e arquitetura da Puc-GO, desde
a década de 1980, sistematizado e enriquecido de um novo conteúdo – as seis categorias
das características – tem contribuído com bons resultados no ensino da criação de formas
tridimensionais, focada nos aspectos estético, estrutural e funcional.

Abstract
Nature, with its innumerable living systems, plants and animals, offers to humanity rich knowledge,
information and principles that can be applied in several areas, mainly science and technology. Bionics,
as a science or discipline, has a special relevance in terms of innovation not only technological but
also aesthetic-morphological, in the design and development of products and buildings. Therefore
bionics should be taught in design and architecture courses, and the method adopted should be
simplified, flexible and motivating, due to the profile of students who still lack information, theories
and techniques.
The application of the bionic analysis method in the design and architecture courses of Puc-GO, since
the 1980s, systematized and enriched with new content – the 6 categories of characteristics – has
contributed with good results in teaching the creation of three-dimensional forms , focused on
aesthetic, structural and functional aspects.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

1 INTRODUÇÃO
1.1 As revelações da natureza
A invenção e a criação dos objetos que constituem nossas realidades
materiais de hoje, mesmo altamente tecnológicos, são largamente baseadas
em princípios revelados pelas formas da natureza. O design de muitos
produtos bem-sucedidos pode ser considerado fruto de uma relação bem-
sucedida com as formas naturais e os fenômenos nelas contemplados.

É importante notar que esse elo está relacionado ao nosso senso estético.
A nossa relação biologicamente estabelecida com a natureza é capaz de
programar nossos sensos e o cérebro para uma resposta positiva quanto à
sensação do bom, do agradável ou do belo em determinados objetos. Isso
se deve à longa interação entre o homem e a natureza, como também à
conquista humana no sentido de conhecer cada vez melhor os seres vivos,
incluindo a sua beleza, por meio da sua sensibilidade e da sua consciência,
portanto, da sua percepção estética.

Moholy-Nagy (1895-1946), o diretor da New Bauhaus, fundada em Chicago,


nos Estados Unidos (1937), ressaltava na sua didática a importância da arte
de adaptar estruturas e processos naturais em artefatos técnicos, como
também da aplicação dessa analogia no design. Ele considerava a natureza
como um grande “designer” que teve o tempo suficiente, durante milhões
de anos, para operar e fazer seleção exata após muitos experimentos,
erros e acertos, para produzir formas eficientemente funcionais. Moholy-
Nagy acrescentou uma nova interpretação ao famoso ditado “forma segue
função”, de Louis Sullivan: “a forma também segue – ou, ao menos deveria
seguir – desenvolvimentos científico, técnico e artístico existentes, inclusive
sociologia e economia” (apud Margolin, Buchanan, 1995, p. 35).

Diferentes formas e fenômenos naturais apresentam diferentes padrões


estético-formais que, aparentemente, não são geométricos de modo
geral, mas podem ser sintetizados em esquemas geométricos simples
e harmoniosos como triângulo, quadrado, pentágono, espiral e outros.
As folhas e os outros elementos de plantas podem ter a sua estrutura
dividida e reduzida, em uma síntese, num triângulo 3-4-5 de Pitágoras.
Os padrões formais de folhas estudados mostram proporções harmônicas
surpreendentes, que permitem estabelecer uma analogia com harmonias
musicais. György Doczi (1990, p. 13) afirma que há harmonias sinérgicas
que deliciam nossos olhos com as formas das flores e folhas, e em músicas
essas harmonias encantam nossos ouvidos com os acordes e melodias da
música.

O design e a arquitetura não podem deixar de usufruir as vantagens


oferecidas pela biônica. Elementos naturais, além de serem fontes
inspiradoras, são reveladores de importantes “ideias”. Mesmo num âmbito
mais limitado, como o estudo morfológico, alguns métodos da biônica podem
ser muito úteis para a criação de novas formas.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

A análise biônica exige percepção estética e imaginação científica e


tecnológica. Esta é a razão de a biônica exigir etapas e técnicas muito mais
complexas, racionalizadas, mantendo-se, durante o seu processo, longe da
recorrência à livre manifestação psíquica, como a emoção e a subconsciência,
como acontece em artes plásticas.
Os estudos feitos na biônica podem abranger conteúdos extremamente
amplos, tais como sistemas com transposição de matéria, com extensão de
comandos, com transferência de energia e de informação. Em muitos casos,
a conversão desses sistemas naturais em artificiais não acarreta simulação
de formas físicas.
O conteúdo do estudo da biônica é muito vasto, abrangendo desde princípios
formais – simetria, assimetria, movimento, ritmo, harmonia, equilíbrio,
proporção, concordância etc. – até os efeitos da interação das forças
intrínsecas e extrínsecas em elementos naturais. As funções comunicativas
dos objetos carregados de significados e simbolismo, as funções indicativas
(ordem formal, solidez, estabilidade, versatilidade, referencial ao corpo
humano etc. – sugeridas por Berhard E. Bürdek, 1994, p. 218) e como
também as simbólicas devem ser estudas por estas últimas serem
substanciais na sua relação com as funções comunicativas.

1.2 Método de análise biônica nos cursos de arquitetura e de design


na Puc-GO

Faz quase quatro décadas o método de análise biônica tem sido aplicado no
Curso de Arquitetura da Puc-GO e, a partir de 2000, no Curso de Design.
A experiência didática baseada na aplicação desse método tem produzido
resultados satisfatórios no tocante ao desenvolvimento da criatividade e do
senso estético dos alunos.
Em 1978, foram introduzidos por mim na disciplina Desenho e Plástica
do curso de arquitetura dois novos métodos para substituir o tradicional
desenho de observação, com argumento de que os alunos precisavam
perceber mentalmente e descobrir algo novo além daquilo que é observado
visualmente. Assim, o método de análise estrutural e o método de análise
biônica foram introduzido sistematicamente e notou-se uma grande
mudança na participação ativa dos alunos no processo de trabalho e nos
resultados finais.
Durante a década de 1980, elaborei uma proposta que tinha o objetivo
de preparar melhor os alunos para enfrentar as atividades projetuais que
abrangiam o desenho, a criação e a composição de formas bi e tridimensionais. Figura 1: Desenhos de
Essa proposta colocada na prática transformou-se numa metodologia que tem observação, análise das
características, síntese,
sido aplicada até hoje, numa disciplina do segundo semestre do curso. É uma
abstração geométrica, feitos
metodologia de desenho e organização tridimensional da forma, com teorias e durante o processo de estudo
técnicas práticas, que orienta os alunos a criar formas por meio de processos a partir da casca de um
estimuladores da criatividade, baseados em possibilidades de experimentação minúsculo fruto.

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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

e descoberta. A parte mais extensa envolve vários trabalhos sequenciais, de


estruturas lineares, passando por estruturas com superfícies planas e não
planas, composições modulares, formas volumétricas até transformações por
subtração, adição e torção. Esses trabalhos são básicos e necessários para
alunos enfrentarem a criação de formas tridimensionais diversas e complexas.
Essa metodologia inclui, no final do semestre, a aplicação do método de análise
biônica.
Biônica aplicada, hoje como uma disciplina optativa no curso de design da
Puc-GO, desperta uma atenção especial dos alunos envolvidos com design de
produtos. A biônica tem sido aplicada também em vários TCCs que têm objetivo
de conceber produtos criativos ou inovadores. O método produziu resultados
eminentemente satisfatórios.

Figura 2 : Detalhe da execução


de modelos de estudo em cartão
na PUC/GO)

Em função da sua aplicação didática nas escolas de arquitetura e design, a


minha dissertação de mestrado foi desenvolvida sobre o ensino da biônica,
envolvendo a teoria e a prática, apresentando, além de uma proposta
metodológica, um novo conteúdo teórico, que foi o inventário das características,
classificadas em seis categorias, pertencentes às formas tanto naturais
quanto artificiais, a fim de facilitar o estudo analógico. A dissertação resultou
em um livro, Sementes do Cerrado e Design Contemporâneo, editado em 2002
pela Editora da Puc-GO.

2 O ENSINO DA BIÔNICA EM ESCOLAS DE DESIGN


E ARQUITETURA
O ensino da biônica em escolas de design e arquitetura reside na grande
potencialidade dos sistemas viventes de proporcionar sugestões, inspirações e
orientações ao design. O método adaptado aos alunos é simplificado e flexível,
permitindo explorar os princípios formais, estruturais e funcionais “revelados”
ou “sugeridos” pelos modelos biológicos, visando à criação de novas formas,
estruturas ou objetos.

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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

Figura 3: Detalhe de uma


maquete no curso de
arquitetura da PUC/GO)

2.1 O método que desenvolve a percepção estética e a criatividade


Para alunos desenvolverem suas atividades projetuais eles se apoiam, em
boa parte, em estímulos da criatividade e da percepção estética dos alunos.
O método de análise biônica oferece aos alunos os conhecimentos teóricos e
técnicos capazes de criar esses estímulos através de um processo revelador,
sugestivo e indicativo de inúmeras “ideias”. O método ajuda a preparar os
alunos com o raciocínio heurístico e diversas técnicas de representação para
desenvolverem suas atividades projetuais.
Os conhecimentos teóricos abrangem os fundamentos esclarecedores dos
diversos aspectos das formas naturais, envolvendo desde a gênese, as
características e os fatores estético-formais determinantes das formas. O
estudo desses fatores é ainda fundamentado em diversas teorias, da forma,
da composição, da percepção e dos signos entre outras. Esses conhecimentos
ajudam os alunos a fazerem seus estudos com eficiência e terem a capacidade
de explicar e justificar o processo e o resultado.
O estudo da gênese e do desenvolvimento das formas biológicas suscita a
nossa atenção e o nosso interesse na exploração sistematizada das formas
que a natureza nos proporciona. Nos estudos morfológicos, as formas naturais
são conhecidas e diferenciadas das formas artificiais conforme uma série de
propriedades e características por elas apresentadas, e estas se devem aos fatores
referentes ao seu desenvolvimento (nascimento, crescimento, amadurecimento e
interrupção vital), às unidades básicas (formas básicas modulares, de moléculas
aos arquétipos mínimos) que formam o seu corpo em desenvolvimento, às forças
inerentes a elas, às forças externas exercidas sobre elas e à interação dinâmica de
todos os fatores direta e indiretamente inter-relacionados.
A natureza pode nos oferecer inspirações para criação de formas artificiais seguindo
princípios semelhantes aos da geração e desenvolvimento das formas naturais. A
criação de formas ou objetos exige o estudo morfológico comparativo que se baseia
nos princípios fundamentados nas diversas teorias da percepção, desenvolvidas
com o advento do design e da arquitetura moderna, abrangendo as metodologias
da visão (leis perceptivas) e da configuração e que se referem ao estudo da forma e
à sua estrutura, com base nas geometrias euclidiana e topológica.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

No design, o método de análise biônica, enquanto morfológica analógica, é feita no


processo criativo voltado para uma estética dentro do contexto contemporâneo,
usando critérios de apreciação das formas visuais condicionados por regras
compositivas. Aproxima-se da morfologia linguística, estudando não só elementos
isolados, mas também a sintaxe de organização, coordenação e interligação
desses elementos. Procura-se aprofundar o estudo com a aplicação dos critérios
das leis perceptivas gestaltistas e com atenção a conceitos como a topologia
e a fenomenologia, as quais, somando-se ao gestaltismo, são consideradas
“categorias a priori que estabelecem princípios de uma ‘gramática’ e que
apresentam várias formas de expressão” (Consiglieri, 1994, p. 26). Uma especial
atenção deve ser dada à topologia em razão de, inevitavelmente, surgirem formas
e espaços topológicos cada vez mais complexos, enquanto avançam as técnicas e
os recursos de fabricação e de construção.
O método analógico já começou no funcionalismo, que se estabeleceu como uma
teoria estética entre os anos 1930 e 1950 na Europa e via a beleza de um objeto
relacionando a forma com a função, passando por uma visão estética que partia
da observação e do estudo da natureza – a visão, baseada nos valores formais
de equilíbrio, ordem, harmonia, proporção, modularidade, ritmo e unidade, que
influenciou Frank L. Wright, Paul Klee, Moholy-Nagy e outros arquitetos e designers.
Existem outros valores ou qualidades nas formas naturais que não apenas
formais, mas que atendem a outros aspectos e contextos estéticos e funcionais,
aqueles eminentemente expressivos, capazes de estimular variadas sensações
e emoções subjetivas. Esses valores são revelados através da capacidade do
designer sensível em perceber, compreender e interpretar esteticamente as
formas naturais. Essa sensibilidade é aplicada pela fenomenologia, que tem
um grande componente de idealismo subjetivo e que exalta o conhecimento
das sensibilidades do homem, o caráter intuitivo da concepção da essência, a
subjetividade e a experiência estética. Para o estudo morfológico se destaca a
influência da essência e dos fenômenos do objeto. Isso é de total coerência com
as teorias referentes aos fenômenos internos e externos da percepção imediata
em formas ou objetos estudados. Os internos são aspectos não visíveis,
portanto, “ocultos”. Estes são determinantes para a essência do objeto e criam a
aparência dos visíveis. Os fenômenos internos constituem, portanto, a essência
real do objeto. Em outras palavras, as forças internas ou intrínsecas são
precisamente a essência que justifica a existência do objeto do modo que ele é,
com forma e estrutura específicas, constituídas de elementos apropriados, para
resistir as forças externas. Havendo forças intrínsecas, existem também forças
extrínsecas que agem sobre as formas e interagem com elas, gerando, assim, a
especificidade das formas e influenciando os seus aspectos externos.
Cada sistema vivente possui uma forma específica, com suas próprias
características como resultado da interação entre as forças intrínsecas e
extrínsecas. Cada produto humano tem também suas características para simular
essa interação. Assim, uma série abrangente de características pode ser verificada
e percebida tanto nas formas naturais como nas artificiais e pode ser usada como

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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

critérios, parâmetros e indicações sugestivas tanto para a análise biônica como para
a análise morfológica de objetos em geral. Na minha pesquisa Sementes do Cerrado
e Design Contemporâneo, efetuada em 1999 para a dissertação de mestrado,
as características foram verificadas em alguns frutos do Cerrado, em relação à
envoltura formal, com caráter de contenção, proteção, conservação e liberação
natural de sementes no processo de desenvolvimento, maturação e transformação,
responsável pela grande diversidade de suas características formais e estruturais. A
pesquisa apresentou a proposta de classificação das características em 6 categorias
segundo os diferentes aspectos, com considerações teóricas e práticas sobre as das
mais notáveis.

2.2 As seis categorias das características análogas


Foi formulado para a metodologia didática um inventário das características
análogas dos sistemas vegetais e dos sistemas de produtos a fim de facilitar
a leitura mais eficiente das formas e fornecer informações inspiradoras aos
alunos. As seis categorias são as seguintes:
• 1a Categoria – Características formais e configurais
Forma orgânica, forma geométrica, forma curva, forma topológica, linear,
linear reta, linear curva, arco, senoidal, zigzag, espiral, radial, circular, oval,
elipse, plano/polígono, superfície plana, superfície curvada, superfície
variante, tubular, laminar/planiforme, volume, sólido geométrico,
gradação modular, abertura, fechamento entre outras.
• 2a Categoria – Características estruturais e prático-funcionais
Autoportante, sustentação, envoltura em camadas, dobras,
compartimentos, encaixe, invólucro, base, eixo de fixação, articulação
fixa, articulação dinâmica, ramificação, triangulação, engavetamento,
entrelaçamento, pino, acumulação, enfileiramento, núcleo, modulação,
tampa, transição, concavidade, convexidade, empilhamento,
encadeamento, ligação linear, pêndulo, entrada, saída, canal,
aerodinâmica entre outras.
• 3a Categoria – Características cinéticas comportamentais
Flexibilidade, elasticidade, rotatoriedade, giratoiedade, dobrabilidade,
mobilidade, oscilatoriedade, permutabilidade, exponsibilidade, impulsividade,
vibratoriedade, explosividade, repelência, aderência entre outras.
• 4a Categoria – Características texturais, estéticas e qualitativas
Transparência, opacidade, porosidade, lisura, nervurada, reticulada,
trançada, puro, consistência, compacto, fragilidade, peso, leveza,
limpo, natural, tecnológico, lúdico, agressividade, suavidade, elegância,
musicalidade, vivacidade, tensão, repouso, surpresa, impacto, exagero,
ênfase entre outras.
• 5a Categoria – Características compositivas
Movimento, ritmo, harmonia, contraste, proporção, equilíbrio, ordem,
axialidade, semelhança, diferença, simetria, assimetria, concordância,

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

espaço, vazio, cheio, intervalo, atração, repulsão, proporcionalidade,


gradualidade, desigualdade, disposição linear, verticalidade,
horizontalidade, inclinação, alternância, repetição, multiplicidade,
sobreposição, justaposição, densidade, dispersividade, aleatoriedade,
direção, posição entre outras.
• 6a Categoria – Características dimensionais e quantitativas
Espessura, altura, largura, comprimento, profundidade, diâmetro, raio,
angulação, quantidade, redução, aumento, grande, pequeno, grosso, fino,
longo, curto, alto, baixo, fundo, raso entre outras.

2.3 Análise biônica como um método motivador


O senso estético é um importante fator para a obtenção de resultados positivos
e, também, para a motivação e liberação da criatividade. Ele baseia-se não só na
percepção, mas no conhecimento e pode ser desenvolvido ao longo do tempo.
Sabemos que o aluno, quando sabe (isto é, quando tem bom nível de criatividade,
boa percepção estética e conhecimento), cria, e quando não, cabe a ele descobrir.
Para isso há metodologias que o ajudam a descobrir. Análise biônica é um dos
métodos altamente indicados para o aluno descobrir uma série de possibilidades
no estudo e na criação de formas tridimensionais e em projetos.
A biônica não só é efetivamente aplicada na criação de objetos e obras
arquitetônicas, ela se tornou uma disciplina de importância didática no ensino
de design e da arquitetura. Sua aplicação no ensino revela o seu outro lado
enfaticamente didático, devido ao seu poder de invocação da curiosidade, da
descoberta e do prazer da investigação. Conforme Bonsiepe, a análise biônica
dos fenômenos formais na natureza pode “estimular a capacidade de captar os
detalhes tridimensionais e os princípios formais que os estruturam”, como também,
“incrementar a capacidade de transformação quando se examina e analisa
profundamente um objeto análogo”. Trata-se da denominada morfologia estrutural,
que tem como ponto de partida ou fonte de inspiração “um fenômeno natural a
partir do qual se desenvolve uma solução projetual” (Bonsiepe, 1978, p. 126).
Na aplicação da biônica no ensino de design e arquitetura, o método indicado
deve ser baseado no uso de princípios biológicos ou técnicos, pois seus produtos
pertencem aos sistemas biônicos analógicos sintéticos, mais especificamente
aos sistemas técnicos que se baseiam no uso de princípios biológicos. Embora a
biônica concentre-se mais na criação de comportamentos análogos, devido às
necessidades das soluções funcionais e tecnológicas para objetos utilitários ou
máquinas e graus de complexidade, a estética morfológica deve ser enfatizada,
no sentido de privilegiar também a analogia estético-formal, em função do
desenvolvimento maior da linguagem comunicativa do design e da arquitetura.
Desde o início da década de 1980, a análise biônica foi introduzida e adaptada no
processo exploratório da criação da forma tridimensional como um dos métodos
eficientes e versáteis, aplicados no Curso de Arquitetura da Puc-GO. O método
de análise biônica foi formulado de modo que se tornasse mais simples e livre
das amarrações rígidas, ligadas às leis da matemática, da física e da tecnologia,

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

com ênfase na didática e no potencial do processo em si como uma importante


orientação para alunos aprenderem realmente a ver, investigar, compreender,
descobrir, aplicar e criar, independentemente das qualidades da forma produzida
como resultado.

Para a efetivação real do trabalho de análise biônica, os alunos passam antes


por vários outros trabalhos que os preparam na capacitação para enfrentá-
lo, adquirindo conhecimentos suficientes de teorias e técnicas de desenho e
organização da forma tridimensional, envolvendo a criação desde estruturas lineares
até formas volumétricas topológicas. O último trabalho, da criação de formas
tridimensionais mediante a análise biônica, é apresentado em seguinte programa:

2.4 Trabalho acadêmico de análise biônica


1 Problema
• Criar e construir uma forma tridimensional, baseando-se no estudo de um
modelo biológico que apresente determinadas características significativas,
em termos formais e estruturais. O modelo biológico pode ser de qualquer
espécie, mas de tamanho manipulável, animal ou vegetal. Lembramos que o
trabalho não tem o objetivo de aplicação direta na concepção e configuração
de produtos utilitários.

Figura 4: Sistemas biônicos


analógicos sintéticos – veículo
robotizado e cortador de grama
– embora sejam objetos ou
máquinas, outros conhecimentos,
informações, princípios e fatores
são associados no processo
criativo.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

2  Objetivo geral
• Desenvolver trabalhos práticos da criação de formas, com soluções
estética, estrutural e funcional, inspiradas nos modelos biológicos.

3.  Objetivos específicos


• Desenvolver a capacidade de criação de configuração tridimensional.
• Desenvolver a capacidade de criação de coerência formal em
composições tridimensionais.
• Desenvolver a capacidade de captar e aplicar detalhes tridimensionais e
seus princípios formais e estruturais.
• Desenvolver a capacidade de criação de superfícies variantes transitórias.
• Desenvolver a habilidade técnica na construção de modelos
tridimensionais.

Figura 5: Detalhes de um
modelo biológico, por mais que
sejam minúsculos, possuem
características proveitosas
para descobrir delas princípios
que possam ser aplicados no
processo de concepção de
novas formas.

Figura 6: Resultado final em


forma de objeto, criada a partir
de um talo com folhas. Modelo
feito em zinco.
Fonte: Rosângela Duarte Novais

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

4. Conteúdo
• Biônica, biônica em design e arquitetura, método de análise biônica.
• Análise formal dos modelos biológicos: funções estéticas e práticas
(estrutura).
• Processos de modelagem: materiais e técnicas.
Figura 7: Análise feita em alho.
5. Procedimentos As películas que envolvem os
• Escolha de um modelo biológico ou de um elemento qualquer, dentes de alho e os próprios
pertencente aos sistemas viventes, desde que apresente certas dentes são interpretados e
características significativas. compostos em grupos internos
e externos e em plaquetas
dispostas da mesma maneira
radial.
Fonte: Shirley Melo Plazza

Figura 8: Modelos em versão de


estrutura linear e de estrutura
com superfícies. Foi dada
especial atenção à introdução
de peças de diferentes
configurações, a fim de quebrar
a rigidez da simetria.
Fonte: Fabíolla Lima

Figura 9: O estudo feito numa


parte daflor deu ênfase nas
soluções estruturais com
elementos lineares. Duas
versões finais, uma em
estrutura metálica e a outra
com superfícies em cartão.
Fonte: Bethânea Oliveira Brunes

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Método de Análise Biônica no Ensino de Design e Arquitetura

Figura 10: Teste de flexibilidade


do sistema estrutural verificado
em folhas de uma planta do
cerrado.
Fonte: Daniela Uemura

Figura 11: Uma das formas


criadas no processo criativo,
com as características de
estrutura flexível.
Fonte: Daniela Uemura

• Observação de tais características com muita atenção e registro gráfico


em diversos ângulos e de diversas maneiras.
• Análise, em maior profundeza, dos fenômenos observados
(características e detalhes de maior interesse e importância) e tentativa
de traduzi-los em desenhos esquemáticos ou croquis.
• Construção da abstração geométrica dos detalhes em diversas técnicas
de representação bidimensional (estudo preliminar em desenho a mão
livre e desenho técnico).
• Construção do modelo.
• Estudo da aplicação de cores.
• Desenho de observação.
Observação:
A análise biônica, como um método com ênfase no estudo morfológico,
possibilita a interpretação individual. O cunho científico do método não impede
a manifestação da expressão pessoal na interpretação e concepção estética da
forma.

2.5 Resultados verificados em trabalhos acadêmicos


Os seguintes trabalhos acadêmicos dos cursos tanto de design quanto de
arquitetura, de diversas épocas, mostram os resultados por meio desse método,

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baseados em conhecimentos teóricos e técnicos adquiridos nos estudos


morfológicos básicos e da própria biônica. As duas primeiras fotos mostram os
trabalhos feitos no ano 1981 e os outros são das últimas duas décadas.

3 CONCLUSÃO
A biônica é uma área de estudo importante para o ensino de design e de
arquitetura pela sua potencialidade de oferecer conhecimentos, informações
e orientações para trabalhos projetuais com o objetivo de conceber soluções
criativas e inovadoras baseadas em princípios formativos, morfológicos,
estruturais e funcionais descobertos e compreendidos nos inúmeros modelos
oferecidos pela natureza. Portanto, no ensino de design e de arquitetura, a
biônica merece um lugar de destaque oferecendo aos alunos a oportunidade
de desenvolver trabalhos por meio de um processo que envolve observação,
registros gráficos, inspiração, descoberta, análise, síntese, abstração, Figura 12: Vários modelos
experimentais feitos durante
transformação, desenhos, construção de modelos exploratórios, concepção das
o processo da análise
formas alternativas, configuração da proposta final e representação técnica.
biônica. O cartão de papel é o
O método de análise biônica, com técnicas e recursos cada vez mais enriquecidos material mais usado pela sua
plasticidade e flexibilidade.
através de pesquisas, experiências práticas e produção de novos conhecimentos,
deverá se tornar necessário, particularmente no estudo morfológico, e um
importante recurso metodológico em projetos criativos e inovadores.

REFERÊNCIAS
CONSIGLIERI, Victor. A morfologia da arquitetura. Lisboa: Estampa, 1994, v. 1-2.
BONSIEPE, Gui. Teoria y práctica del diseno industrial: elementos para una manualística crítica. Barcelona:
GG, 1978.
BÜRDEK, Berhard E. Diseño: história, teoria y prática del diseño industrial. Barcelona: GG, 1994.
DOCZI, György. O poder dos limites: harmonias e proporções na natureza, arte & arquitetura. Tradução
Maria Helena de Oliveira Tricca e Júlia Bárány Bartolomei. São Paulo: Mercuryo, 1990.
HSUAN-AN, Tai. Sementes do cerrado e design contemporâneo. Goiânia: Editora da UCG, 2002.
_____. Desenho e organização bi e tridimensional da forma. Goiânia: Editora da UCG, 1997.
MARGOLIN, Victor; BUCHANAN, Richard. The idea of design. London: The MIT Press, 1995.

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FUNDAMENTOS, TEORIAS E
ASPECTOS METODOLÓGICOS
DISCIPLINARES APLICADOS NA
BIÔNICA E BIOMIMéTICA

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SOBRE Os AUTORes
Luiz Vidal Negreiros Gomes I luizvidalgomes@gmeil.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8337493682978892
Bacharel em Desenho Industrial (BDi, UFPE, 1980); Mestre em Engenharia de Produção (MSc, COPPE/UFRJ, 1986);
Doutor em Filosofia (PhD, University of London, 1991). Realizou estágios pós-doutorais no PEP Gente/Coppe, UFRJ
(1999); e na Open University (2007) Inglaterra. Foi professor adjunto dos Cursos de Desenho Industrial da UFPE
(1983-1993) e da UFSM, RS, (1993-1994); titular do Departamento de Engenharia Industrial da UFSM, (1994-
2004); visitante e efetivo do Curso de Design de Produto da UCS, RS (2003-2005); e professor titular da Faculdade
de Design UniRitter (2004-2011). Foi Coordenador do PPGEP/UFSM, RS (1994-1998); do Curso de Especialização
em Design (2006-2009) e do Curso de Mestrado UniRitter, RS (2009-2011). Diretor da sCHDs Editora, POA-RS
(2001-2012). Foi professor das disciplinas de Criação e Redação Publicitária (Publicidade e Propaganda) e de
Tópicos Avançados em Administração na Unidade de Ensino Superior de Feira de Santana, UNEF, Bahia, Brasil.
Foi Professor Adjunto para Desenho, Teoria e Conhecimento (Mestrado) e de Desenho Básico (Graduação em
Engenharia), da Universidade Estadual de Feira de Santana, UEFS, BA (2011-2014). Desde março de 2014,
Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Escola Superior de Desenho Industrial.

Hugo Sorio Scheid Gomes I scheidhugos@gmail.com


Lattes: http://lattes.cnpq.br/6134738499413787
Possui graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa Maria (1999). Atualmente é
Gerente de Engenharia da John Deere Brasil. Tem experiência na área de Engenharia Mecânica, com ênfase em
Projetos de Máquinas.

Alexandre Oliveira Gomes I aleoli05@gmail.com


Lattes: http://lattes.cnpq.br/4920816501807863
Possui Doutorado em Engenharia Agrícola, na Área de Mecanização Agrícola (2008); Mestrado em Administração,
Área de Finanças (2008); Mestrado em Engenharia de Produção, Área de Planejamento Estratégico (2002);
Especialização em Estatística e Modelagem Quantitativa, na Área de Séries Temporais (2009), Graduação em
Engenharia Mecânica (2001), Graduação em Administração (2002), Graduação em Ciências Contábeis (2006),
Graduação em Ciências Econômicas (2014) e Técnico em Mecânica (1993); todos pela Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM). Professor Adjunto IV na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Já forneceu consultoria
à 205 empresas, foi extensionista da Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais do Governo do
Estado do Rio Grande do Sul (SEDAI/RS) junto à UNICRUZ/RS e coordenador de Núcleos de Pesquisa e Extensão e
de cursos sobre Engenharia Econômica e Mercado de Capitais, atuando como docente há 17 anos em instituições
de ensino técnico, superior, e pós-graduação, como UNIPAMPA/RS, UFSM/RS, FAPAS/RS, UNIFRA/RS,
FAMES/RS, FISMA/RS e FACISA/CELER/SC. Tem experiência nas áreas de Engenharia de Produção, Projeto de
Produto e Administração Financeira, com ênfase em Planejamento Estratégico e Orçamento.

Métodos e Processos em Biônica.indb 52 22/10/2018 14:17:11


Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para
Desenho de Produtos Industriais
Biomimicry: Study of Natural Structures for Industrial
Products Design
Luiz Vidal Negreiros Gomes I Hugo Sorio Scheid I Alexandre Oliveira
Resumo
Este texto tem como objetivo relatar as experiências com o tema Biônica, à época assim
denominado, realizadas com pesquisa de alunos do Curso de Engenharia Mecânica
envolvidos com o Projeto REENGE (1996-1997), na Universidade Federal de Santa Maria,
UFSM, RS. Aqui, apresentam-se descrições metodológicas de táticas procedimentais e de
técnicas operacionais para o desenvolvimento de pesquisas associativas entre os seres
vivos e projetos de produtos industriais.
Palavras-chaves: Biônica, Biomimética, Desenho Industrial e Engenharia.

Abstract
This paper aims to report on the experiments with the Bionic theme, at the time so called,
carried out with research of students of the Mechanical Engineering Course involved with the
REENGE Project (1996-1997), at the Federal University of Santa Maria, UFSM, RS. Here, we
present methodological descriptions of procedural tactics and operational techniques for the
development of associative research among living beings and industrial product designs.
Keywords: Bionics, Biomimicry, Industrial Design and Engineering.

Métodos e Processos em Biônica.indb 53 22/10/2018 14:17:11


MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
54
Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

1. introdução
Da biologia à biomimética, passando pela biônica
Este texto tem como objetivo relatar as experiências com o tema Biônica
realizadas com pesquisa de alunos do Projeto REENGE (1996-1997), na
Universidade Federal de Santa Maria. Aqui, apresentam-se descrições sumárias
de táticas e técnicas metodológicas usadas em pesquisas associativas entre os
seres vivos e projetos de produtos industriais.

A palavra inglesa bionics1, formada da justaposição do elemento de composição


“bio” (do grego bíos, “vida”) com parte da palavra (electr) onics, foi tomada
para se fazer calque linguístico do vocábulo português “Biônica”. No Brasil,
a palavra Biônica, por mais de três décadas, serviu para identificar “O estudo
das funções, características e fenômenos observados nos seres vivos, a fim de
aplicar tais conhecimentos na idealização de novas técnicas e construção de novos
aparelhos e máquinas, em especial no campo da eletrônica”2. Todavia, nem no
Aurélio, dicionário que, em sua segunda edição, apresenta-nos essa denotação,
tampouco os glossários de língua inglesa consultados, há indicação de quem,
pela primeira vez, usou os termos bionics/biônica.

Essa informação vamos encontrar no livro Bionics (1968) de Lucien Gérardin


(1923-1995), engenheiro francês da Ecole Supérieure d’Electricité de Paris. Dr.
Gérardin, diretor de centro de estudos e responsável pela pesquisa em grande
empresa francesa de eletrônicos, ensina que uma das primeiras pessoas a
utilizar o termo bionics foi o major Jack E. Steel e da Divisão Aeroespacial da
Força Aérea Norte Americana.

Em agosto de 1958, major Steel e conotava a Biônica como “a ciência dos


sistemas cujas funções são baseadas em seres vivos, ou que tem características
e semelhanças a estes”, e não apenas como o estudo de algo relativo aos seres
vivos para aplicação na indústria eletrônica.

Aqui, a Biônica é um tipo de metodologia que se presta tanto para matemáticos,


físicos e químicos, quanto para profissionais das Engenharias, de Arquitetura e,
em especial, de Desenho Industrial, designers desenhadores de projeto de produto.

A Biônica, ou Biónica em português castiço, mesmo com o seu atual codinome


“Biomimética”3, quando usada em disciplinas especiais de criatividade ou
inclusas em práticas corriqueiras de projeto de produto em cursos de Design
brasileiros, são de suma importância. Independentemente de sua atual graça
didática, a metodologia propicia entrecortes de diversos saberes.

No ano de 1974, David H. Offner4, professor de engenharia mecânica da


Universidade de Illinois, citando von Gierke e o seu colega Oiestreicher, definia
a Biônica como “o estudo dos sistemas naturais com objetivo de descobrir novos
princípios, técnicas e processos para serem aplicados à tecnologia humana. A Biônica
analisa quantitativamente os modelos biológicos, seus princípios e capacidade
funcional com o objetivo de extrair inspiração e novas relações para produtos com
similares características”5. Este conceito seria diretamente assimilado por Victor

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Papanek (1971), Gui Bonsiepe (1976), Fabricio Vanden Broeck (1981), e Carmelo
di Bartolo (1981; 1986)6.
A aprendizagem de projeto de produto industrial, seja Engenharia, Arquitetura,
ou Desenho industrial tende a ser detalhado em disciplinas específicas e, em
sua maioria, desassociadas em suas matérias. Há um consenso, contudo,
de que o conhecimento desenvolvido em disciplinas criativas de Biônica ou
em cursos de criatividade baseados na Biomimética, inclinam-se para o
efetivo relacionamento de distintos saberes e, cada vez mais, no necessário
interrelacionamento profissional e, mais, num saudável compartilhamento,
dividido em distintos momentos de projetação. (Figura 1)
Figura 1: Diferenças
Entretanto, não há registros oficiais de quem proferiu ou escreveu pela primeira esquemáticas entre Ciências
vez a palavra Biônica no Brasil. O que sabemos é que, em meados dos anos Puras ou de Origem (A);
1970, na Escola Superior de Desenho Industrial, ESDI, da Universidade do Estado Ciências de Interseção ou
Cruzamento (a, b, c, d, e, f); e
do Rio de Janeiro, UERJ, e na Escola de Belas Artes da Universidade Federal
Ciências de Propagação ou
do Rio de Janeiro, UFRJ, o Prof. Roberto Verschleisser já realizava, em suas Difusão (B) de conhecimento
disciplinas de Desenho Industrial, exercícios relacionados à educação criativa e em Biônica. (Baseado em
projetual com base em aprendizados inspirados e tomados da fonte da Natureza. Gérardin, 1968).

Temos informação de que, no início dos anos 1980, Prof. Carlos Antonio Ramirez
Righi, então professor do Curso de Desenho Industrial da Universidade Federal de
Pernambuco, CDI/UFPE, demonstrava valorizar didaticamente a Biônica, pois foi o
responsável por indicar a inclusão do tema como um dos pontos para a prova escrita
de concurso destinado à seleção de professor para projeto de produto da UFPE.
Sabe-se também que, no segundo semestre de 1984, alunos do 7º período do
CDI/UFPE realizaram Minicurso Experimental em Biônica. E, ainda no âmbito da
UFPE, Recife, PE, foi fundado o Grupo de Estudos em Biônica, em 13 de setembro
de 19867. Esse grupo congregava alunos e professores do CDI/UFPE que, em
junho desse mesmo ano, haviam participado do Primeiro Curso de Atualização em
Biônica, promovido pelo Laboratório de Desenvolvimento de Produto/Desenho
Industrial (LDB-DI), em seu Centro de Capacitação de Docentes de Desenho
Industrial de Santa Catarina, Canasvieiras, Florianópolis.
Esse curso, pioneiro no Brasil, foi ministrado pelo Prof. Fabricio Vanden
Broeck da Universidade Autônoma Metropolitana da Cidade do México. Dele
participaram professores de várias instituições brasileiras que oferecem curso
de bacharelado em Desenho Industrial. Muitos desses professores8 foram os
autores de ideias seminais para o desenvolvimento da Biônica em seus estados.
Na atualidade, temos no Brasil professores dando continuidade aos projetos de
produto baseados na metodologia Biônica. Esses professores, alguns com título
de Mestre obtido em uma das escolas de Design – Istituto Europeo di Design,
Milão, na Itália – de maior importância nos anos de 19809.
Neste texto, procuramos caracterizar a Biônica como “didática” apropriada
à formação de futuros profissionais e professores de projeto de produto em
Engenharia, Arquitetura e Desenho Industrial, pois essa metodologia, inspirada
nos elementos vivos, pode ser compreendida como o estudo das: (i) associações

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
56
Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

de formas que configuram, funções que locomovem, e informações que


revestem os seres vivos em seu ambiente natural; (ii) organizações de dados e
de informações sobre seres vivos, cujos princípios embasam certos princípios
científicos, regendo, assim, configurações artificias que podem ser aplicados
mimeticamente em desenhos de produtos; e (iii) aplicações da capacidade
intelectocriativa e da habilidade manual plasmativa, em compreender a Natureza
e gerar conhecimento criativo (inventivo/inovativo) relacionados ao projeto para
o desenho de produtos industriais.
Antes de adentarmos nas pesquisas, ressaltamos que a motivação para este
texto sobre Biônica se encontra no fato de que esta técnica, com ou sem este
nome, tem sido utilizada pelo ser humano desde os primórdios de sua existência,
por exemplo, a pua de uma lança lembra um espinho de um limoeiro. No século
XX, mesmo antes de o Major Steele ter utilizado o termo bionics, em 1943,
os cientistas McCulloch e Pitts “formularam o primeiro modelo do neurónio
formal (baseados na concepção dos neurônios de Freud em 1895) tema que
provem de diferentes fontes: neurociências, computação, matemática, pesquisa
operacional, física, estatística”10. Todas as pesquisas relativas à Biônica.
Pioneiros da aviação, como o alemão Otto Lilienthal (1848-1896) e o francês
Clément Ader (1841-1925), seguiram o exemplo de Da Vinci observação das
asas do morcego – na construção do planador Éole de Ader, de 1890. Mas não
só mamíferos voadores inspiraram e inspiram desenhadores e engenheiros
para o avanço de seus inventos e aplicação em produtos. A revista Globo Ciência,
outubro de 1994, também informa que H. Hertel, do Instituto de Aeronáutica
de Berlim, Alemanha, propôs uma depressão na cabine de pilotagem de aviões
comerciais inspirada na cabeça e nas narinas do delfim. Desse modo, muito se
tem corrigido das perturbações no fluxo de ar, facilitando-se a navegação aérea.11
“Um engenheiro alemão de hidrodinâmica de fluidos demonstrou, no final dos
anos de 1950, que no deslocamento de golfinhos, a resistência da água é dez
vezes menos elevada que por um modelo artificial do mesmo tamanho e forma,
recoberto de plástico”12.
Essa descoberta já resultou em uma série de pesquisas para se conhecer melhor
o sistema de propulsão e hidrodinâmica dos golfinhos com o objetivo de aplicar
tais princípios ao desenho de projetos de produtos náuticos.
Mais recentemente a cibernética13 tem se utilizado de incontáveis sistemas
naturais para a criação de novos produtos. Por exemplo, sob esse enfoque,
poderíamos citar a câmara de máquinas fotográficas modernas, com seus
diafragmas comandados por fotocélulas, que nada mais são do que uma cópia
do olho humano, onde a abertura da pupila também varia com a intensidade da
luz. Também podemos mencionar o caso do radar, inspirados na audição dos
morcegos, ou o sonar, em que os golfinhos são especialistas. Caso notável é
o funcionamento da visão dos sapos. Esta mostra como a Natureza otimiza o
processamento de informações, amoldando as formas de vida correspondentes.
As possibilidades de estudo do sistema visual do sapo são desafiadoras para a
geração de novos produtos industriais.

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Com respeito ao tema central da pesquisa aqui apresentada, Dr. Frei Otto, da
Universidade de Stuttgart, nos anos de 1960, pregava a necessidade de se
observar mais as estruturas naturais a fim de se criar “uma nova arquitetura
natural”14. E, se por um lado, Otto falava em termos de estruturas naturais
aplicadas à forma da arquitetura, Matila Ghyka, D’Arcy Thompson e György
Doczi nos ensinam a compreender, respectivamente, a “matemática da forma”15,
como se dá o “crescimento na forma natural”16. Estes temas relativos às
formas naturais sua estrutura, composição, textura tensão, resistência etc., têm
chamado atenção de vários pesquisadores. Podemos destacar, por exemplo,
os seguintes trabalhos: Carmelo di Bartolo, em 1981, apresentava pesquisa
acerca das qualidades formais da Natureza17 para serem aplicados a modelos
biônicos. Vítor Lotufo e seus colegas, nos anos 1980, prepararam um dos bons
livros publicados no Brasil sobre estruturas geodésicas18. Por volta de 1985,
um grupo de alunos comandados pelo professor Carmelo di Bartolo, apresentam
a monografia Strutture Gotiche, Strutture Naturali19. No ano seguinte, Fabricio
Vanden Broeck, resumiu em seu livro Las estruturas en ia naturaleza y en ia
técnica20 as ideias seminais para a origem deste presente trabalho.
Para caracterizarmos com maior precisão os sistemas naturais nos quais
queremos desenvolver este trabalho devemos retornar à classificação
apresentada por Gui Bonsiepe21 que, em realidade, é uma confirmação de da
classificação feita por Offner22. Conforme D. H. Offner, os sistemas existentes
nos seres vivos podem ser classificados em: Sistemas de Transposição da
Matéria; Sistemas de Transferência de Informação; Sistemas de Transferência de
Controle de Movimentos; Sistemas de Transferência de Energia23.
No nosso caso o que nos interessa é identificar, observar, analisar e estudar,
particularmente, os Sistemas de Transferência e Controle de Movimentos,
uma vez que são os sistemas que nos podem dar a chave para a realização de
nossos objetivos: aplicá-los a estruturas artificiais, ou seja, aquelas projetadas e
desenhadas por seres humanos.

PRIMEIRA PARTE
2. Estruturas do reino vegetal
Formação, flexão, fixação
Entre os objetivos gerais desta pesquisa, destacava-se a observação de
formas estruturais do reino vegetal tendo em mente os aspectos relativos à
configuração, rigidez localizada, nervuras etc. Buscava-se, assim, compreender
como resistem aos esforços a que são submetidos (e.g. tração, flexão, rotação)
de forma única ou combinada. Sendo a forma combinada a mais frequente
pois, por exemplo, num galho de uma árvore qualquer submetido ao vento os
esforços de torção no galho não aparecem somente devido a um movimento
rotacional deste em torno do seu eixo, mas de todos os movimentos que o vento
o submeter. Também estamos atentos a outros exemplos, de estruturas que
resistem ao corte e a fadiga. O que se tinha em vista, era encontrar estruturas
que comportassem forças axiais, flexoras, torcionais, cisalhantes etc., de formas
vegetais de possível mimetização industrial.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Especificamente, os objetivos do trabalho eram os de dar continuidade ao


processo de preparação de futuros docentes de projeto de produto no Centro de
Tecnologia da UFSM, formando-os pesquisadores, professores e profissionais
“para o próximo milênio. (...) O rápido avanço tecnológico no mundo, o importante
papel do engenheiro e como este deve se preparar frente aos desenvolvimentos
e desafios tecnológicos da atualidade são a nossa meta”. Isto porque o Prof.
Waldimir Longo, em palestra proferida em 3 de abril de 1996, em Aula Inaugural
para os Estudantes do Centro de Tecnologia da UFSM”24, fazia previsão de que
dentro de 10 anos, os profissionais engenheiros hão de estar usando apenas 50%
dos conhecimentos adquiridos, hoje, em seus cursos de bacharelado. Justificava-
se, assim, o tema, pois, Biônica tinha a ver com a descoberta, mesmo que ilusória,
de bases de autoaprendizagem projetual à invenção, à inovação tecnológica.
Focamos, principalmente, o nosso olhar para o reino vegetal que circunda o
campus da UFSM, RS, a fim de reconhecer formas que pudessem ser associadas
a peças de desenho projetual usados na engenharia mecânica. Criativamente,
certos estávamos que tais saberes aplicados à Engenharia, proporcionariam
aprimoramento nas disciplinas de projeto de produto já existentes, e, até
mesmo, na orientação para a criação de novas disciplinas fundadas em
metodologias da Biônica.
As possibilidades de se executar essas mudanças eram endossadas pelo Projeto
REENGE, que estimulava, especialmente:
• O desenvolvimento e a aplicabilidade na Engenharia de novas técnicas capazes
de proporcionar aprimoramento de disciplinas afins, já existentes, ou até
mesmo a criação de outras novas.
• O aperfeiçoamento dos cursos de Engenharia na região centro-oeste do Rio
Grande do Sul.
• O surgimento de profissionais engenheiros de Alta Criatividade (AC)25.
Espera-se que como consequência tenhamos engenheiros mais criativos
e com capacidade de integrar os seus projetos à Natureza, explorando-a
adequadamente e de modo mais sustentável e renovável.
• O conjunto de procedimentos (táticas) e o grupo de habilidades (técnicas) para
o desenvolvimento da pesquisa foi a escolha de: metódicas (ratio) gerais de
projetação em Biônica; metodologias (via) específicas de pesquisas em Biônica;
métodos (methodus) especiais de projeto de produto com base em Biônica26. Tais
textos metodológicos foram de grande suporte ao andamento da pesquisa, mas
também permitiram montar um cronograma para o desenrolar das atividades.
• O método adotado para projeto de desenho do produto foi essencialmente
baseado naquele usado, em 1984/1985, por Luiz Vidal Gomes, no Curso de
Desenho Industrial da UFPE27. As metodologias abraçadas como suporte para a
orientação projetual foram aqueles descritas por Amilton Arruda
(CDI/UFPE,1991); Carlo Bombardelli (CREN/IED,1985); e David H Offner
(MED/ITI, 1974)28. As metódicas gerais de projetação, orientadas para Desenho
Industrial, e sugeridas para os estudantes de Engenharia Mecânica, foram
com base em textos de Victor Papanek (1977), Gui Bonsiepe (1978) e Fabricio

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Vanden Broeck (1986)29, primeiros professores a organizarem táticas e técnicas


para o desenvolvimento de projeto de produto em Biônica.
O método adotado no projeto foi constituído de seis (6) Estágios
macroestruturais (táticos) de desenvolvimento do projeto; e de três (3)
Etapas midestruturais de criação projeto de produto – Preparação do Projeto;
Iluminação do Projeto; Elaboração do Projeto (tirocínicos) –; e mais nove (9)
Fases microestruturais (técnicos) de desenho de projeto para a Apresentação do
Produto. Destarte, melhor ajustávamos a pesquisa ao REENGE.

Quadro 1. A
 rtifícios Metodológicos (3MMM) Projetos em Biônica

Estágios macroestruturais Etapas midestruturais Fases microestruturais


da projetação da criação da desenhação
Estudo preliminar Identificação Pesquisa bibliográfica
(informar; orientar; fundamentar; Preparação Revisão de literatura
observar; associar) Redação compilatória
Compreensão
Apresentação Limiar (Incubação Técnica: Fotografia
(selecionar; afirmar; conceber; Esquentação Técnica: Calquegrafia
autorizar) Iluminação) Técnica: Graficacia
Comunicação Pós-liminar Elaboração Laboratorial
(efetivar; precisar; qualificar; Modelação Gráfica (2D)/Glífica (3D)
equalizar) Verificação Industrial

Objetivando não perder o fundamento e o foco, fez-se uso de várias referências


metodológicas e estas serviram como guia à obtenção de resultados descritos
nas seções dos relatórios, sintetizadas cada uma das etapas a seguir.

3. Identificação e preparação do projeto


Reconhecimento de possíveis argumentos para o desenvolvimento da pesquisa
que embasaria o projeto. Por argumento, compreendeu-se o raciocínio pelo
qual se pode tirar deduções ou encontrar indícios que contribuem com o
desenvolvimento de ideia para projeto. Nessa fase, portanto, procurou-se
aprofundar sobre o tema através de livros, artigos, publicações especializadas
etc. A adoção dessa tática favorecia utilização de tríade de técnicas em
importantíssimas fases de qualquer pesquisa acadêmica, a saber:
Pesquisa Bibliográfica (PB), isto é, localização de livros e artigos que pudessem
embasar a investigação.
Revisão de Literatura (RV), ou seja, apontar capítulos, seções, trechos de livros
e textos que pudessem servir de frases centrais para a fundamentação do
discurso projetual.
Redação Compilatória (RC), i.e., (id est), transcrição pelas mesmas letras (ipsis
litteris) de frases centrais encontradas na RL, permitindo, assim, melhor
identificação do tema projetual, assim como o levantamento de questões-chave
relacionadas às potencialidades de aplicação tecnológica do sistema natural
focado no estudo e à exequibilidade à fabricação de produtos industriais.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Uma vez identificado o argumento de pesquisa, procurou-se no reino vegetal


delimitado algumas estruturas que fornecessem algumas respostas às
indagações: Quais materiais caracterizam aquela estrutura? Que tipo de
organização formal permite que se alcance tamanha função de resistência? Como
funcionam as mutações estruturais ao longo do crescimento celular em tais fibras
vegetais? Quando a estrutura passa informações de sobrecarga de esforço?
As respostas foram sendo formuladas à medida em que a observação da
Natureza indicava estruturas vegetais que se adaptavam aos objetivos da
pesquisa. Nesta fase, as estruturas vegetais observadas sofreram importante
trabalho de documentação gráfica. A Fotografia (registro de sistemas vegetais
pela luz natural ou artificial de microscópios) e a subsequente técnica de
Calquegrafia (imitar servilmente, quase que copiando, a forma da estrutura (exo/
meso/endo) vegetal sobre papel manteiga) rumo à coleção de ilustrações de
futuras consultas e iluminações para novos desenhos.
Por associação de ideias, aquelas estruturas que se aproximavam visualmente
das ideias preliminares para o problema de investigação, foram selecionadas
e avaliadas, utilizando-se técnicas de análise formal microscópica e análise
macroscópica de suas propriedades funcionais e informacionais (resistência à
tração, à torção, à compressão etc.).
Partiu-se, assim, das descobertas e dos resultados das técnicas analíticas
realizadas para definição das estruturas vegetais que mais se encaixavam
nos objetivos. Através de analogias entre o elemento vegetal estudado com
os modelos imaginados, pode-se entender seu mecanismo de funcionamento
chegando ao Projeto Biônico. Do projeto surgiu um modelo cujo objetivo não era
ser necessariamente aplicado ao desenho de projetos de produtos industriais;
mas, bionicamente falando, foi um “modelo biológico”, seguindo um conceito de
Victor Papanek. O modelo concebido ajudaria a verificar dados e informações
de caráter biónico e compreender seus aspectos para futuras aplicações em
projetos de desenho de produto.
Nesta última fase da pesquisa, procurou-se a unificação de textos curtos e
associados às figuras para a elaboração do material que serviu de apresentação
do trabalho em encontros de iniciação científica, sendo este modo o mais eficaz
meio divulgação, pois o tema ainda era novo.
Destarte, por fim, expõem-se as contribuições obtidas utilizando a Biônica como
metodologia de ensino:
• Estímulo aos estudantes de engenharia e de desenho industrial em matérias
básicas, por exemplo, física, química, biologia, matemática, desenho etc.
• Despertar a Biônica como metodologia didática de longa aprendizagem, fosse
para o desenvolvimento das capacidades intelectocriativas e das habilidades
manuplasmativas.
• Aumentar o grau de consciência dos envolvidos com a prática projetual e
qualidade da cultura material industrial, por exemplo, engenheiros, arquitetos,
desenhadores Industriais.

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

• Conscientização da responsabilidade destes profissionais na preservação


ambiental e demonstrar que o questionamento sobre como se faz, como
funciona, de que é feito, para que serve etc., é fundamental para que
estudantes universitários – obrigatoriamente líderes culturais – ampliem
seus conhecimentos adquiridos na graduação e, destarte, possam tornar
os seus pensamentos produtivos mais divergentes daquilo que se encontra
convergentemente estabelecido, seja na prática diária da graduação, seja nos
caminhos da pós-graduação.

Segunda Parte
4. Estruturas vegetais servindo de impulso
à projetação
O princípio de desenvolvimento escolhido, como já citamos, é baseado nas
didáticas sugeridas por Gomes, e Amilton Arruda, porém adaptada as nossas
necessidades de acordo com o em três fases e implementada com uma quarta,
para melhor ajustar-se ao projeto REENGE.
Onde no desenrolar desta primeira fase, Preparação do Projeto, procuramos
coletar informações acerca do argumento de pesquisa a ser estudado, através
de consultas de trabalhos como os de Fabrício Vanden Broeck, Gui Bonsiepe,
30
Victor Amaral Lotufo, Norbert Wiener, Matila C. Ghyka, H. E. Huntley , dentre
outros presentes na Bibliografia.
E, através destas leituras, optamos por pesquisar sobre as estruturas naturais,
quanto a sua forma, resistência à tração, compressão, flexão e torção; e sua
composição.
Segundo o Aurélio (1975), define-se estrutura como a “disposição e a ordem das
partes de um edifício, tendo também aplicação nos seres vivos, na Botânica, na
Geologia, Física e Sociologia”. Estrutura é uma palavra muitas vezes associada/
confundida com o termo “construção”, mas, no entanto, esta trata do ato de dar
estrutura à forma, função e informação de algo.
Para a Biologia, estrutura se refere a constituição anatômica e histológica. Na
Física, a estrutura está presente onde existe material. Na Arquitetura, utiliza-se
esse termo para expressar tudo aquilo que resiste a cargas. Por isso, percebeu-
se que “estrutura” – seja esta macroestrutural, mesoestrutural, microestrutral
– está em tudo que nos rodeia, apresentando-se ora na forma, ora na função,
ora na informação de algo que assegura um funcionamento cibernético.
Aqui, por “cibernético”, compreende-se “o ato de levar um sistema de coisas
ligadas entre si, a desenvolver um conjunto de operações automáticas para
31
atingir um determinado fim” . Quis-se, portanto, mostrar que o conhecimento
e o emprego de estruturas, quando adequado, é de vital importância para a
otimização qualitativa/quantitativa no desenvolvimento de projetos. Salientou-
se, assim, que, ao longo de sua história natural, as estruturas vegetais também
vêm sofrendo mutações no intuito de se adaptar melhor ao meio-ambiente.
Foram essas estruturas vegetais que serviram de impulso à criatividade neste
projeto.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Na definição de termos tínhamos a saber os seguintes:

• Carga: “Toda e qualquer ação que tende a alterar o estado de repouso ou


Figura 2a: tração
movimento de um corpo”. Cargas podem ser geradas por agentes externos ou
por agentes internos (partes e componentes da estrutura) que se manifestam
do seguinte modo:
Figura 2b: Compressão
• Tração (quando a estrutura sofre cargas dirigidas para fora). (Figura 2a)

• Compressão (quando a carga converge sobre a estrutura, tendendo a


emplastá-la. (Figura 2b)

• Corte (quando cargas opostas atuam em planos paralelos, tendendo a deslocar


as moléculas do material). (Figura 2c)
Figura 2c: Corte
• Flexão (cargas opostas situadas em elos distintos, que tendem a causar um
momento de flector sobre o corpo). (Figura 2d)

• Torção (cargas que tendem a deslocar as moléculas entre si segundo um


determinado eixo de rotação). (Figura 2e)
Figura 2d: Flexão
• Tensão (esforço que atua em cada ponto da seção transversal. É definido por T
= P/A, sendo P, carga aplicada; A, seção transversal. (Figura 2f)

Quando este esforço é de tração numa dada direção, provoca uma contração
na seção lateral da peça. Este fenômeno é conhecido como efeito d A relação
Figura 2e: Rotação
entre as deformações em cada direção, nos fornece a constante chamada de
coeficiente do Poisson, a saber:

uυ = E2 / E1.

Sendo que E1 é a deformação na direção 1 e E2 a deformação na direção 2.


Quando a carga é de compressão produz um efeito contrário.

Os tipos de cargas descritos anteriormente, geralmente, são encontrados na


Natureza de modo combinado. Essas cargas provocam deformações nos corpos
segundo a Lei de Hooke, a saber: A tensão (sσ) é proporcional ao esforço σ = ε . Ε
Figura 2f: Tensões/Deformação
Diferentes tipos de cargas (eε) multiplicado pela constante E.
recebidas nas estruturas.
A constante E é o módulo de Young ou constante de Elasticidade. Para cada
material há uma constante diferente como o indicado: (Figura 3)

No entanto, a Lei de Hooke é obedecida até um certo limite de tensão (Limite


de Elasticidade), onde esforços maiores causam uma deformação plástica nos
materiais (Deformação Permanente) até atingir a ruptura, como mostra o gráfico
da Figura 4.

Os valores aproximados do módulo de Young, segundo J. E. Gordon32, definem o


comportamento estrutural dos materiais. Estes também podem ser modificados
com diferentes fatores, como: temperatura do ambiente; velocidade da carga;
Figura 3 Gráfico das relações
entre deformações (sσ) e esforço fenômenos de fluência; frequência de carga, que pode levar à ruptura por fadiga
(eε) de distintos materiais. e concentração de esforços.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Quadro 2. Tabela de valores do Módulo Young para alguns materiais

Material E (kg/cm2)

Membrana do osso 82

Cartilagem humana 245

Tendão humano 6120

Polietileno 14280
Figura 4: Gráfico demonstrando
Madeira 142800 a fase plástica do material e
ponto possível de ruptura.
Vidro comum 714000

Alumínio 714000

Bronze 1224000

Ferro e aço 2142000

Diamante 12224000

Figura 5.
Por sua vez, a energia de deformação elástica é um tipo de energia definida
como a capacidade de se realizar trabalho. Todo material elástico sob esforço,
contém energia de deformação independentemente do tipo de esforço.

Os materiais que obedecem a Lei de Hooke, a energia de deformação elástica


parte do zero quando o esforço é nulo, até um valor máximo que corresponde ao
limite de elasticidade do material. Segundo J. E. Gordon, a energia de deformação
está dada pela área do gráfico de sσ X eε e vale ½ de sσ X eε.

Na Figura 5, temos a demonstração de uma forma de absorção de energia; e


na Figura 6, representação gráfica da energia de deformação elástica e nela se
demostra o gráfico definidor da área corresponde a Energia de deformação de
alguns materiais.

Outro aspecto a ser observado e a resiliência, ou seja, a capacidade de um Figura 6

material armazenar Energia de Deformação. Pode também ser definida como:


A quantidade de energia de deformação que um material pode armazenar sem
sofrer deformações irreversíveis. A deformabilidade de um material e a pouca
rigidez, conferem a um corpo a resistência ao impacto. Do ponto de vista da
resiliência a natureza tem uma grande vantagem sobre o homem que já dispõe
de diversos tecidos biológicos com propriedades elásticas notáveis.

Um pequeno exemplo é a teia de aranha, que está exposta a impactos quando


um inseto se choca contra a teia; a energia de impacto é absorvida pelos fios da
teia. O interessante da teia de aranha é que os fios radiais que formam parte da
estrutura, são três vezes mais fortes que os fios curtos dispostos em círculo. Figura 7: Disposição geral dos
(Figura 7) fios de uma teia de aranha.

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Ressalta-se também que as estruturas naturais sofrem com o efeito de escala, pois
parte da evolução das formas na natureza pode ser explicada pelo efeito de escala,
devido a qual a evolução das formas é também uma evolução de tamanhos.
As primeiras formas de vida consistiam em amebas e outros organismos
unicelulares cujas diferenças substanciais eram pequenas. Nesses organismos,
a estrutura protetora consistia em uma membrana formada pela tensão
superficial das substâncias orgânicas. A escala de tensão superficial tem a
resistência suficiente para dar coesão ao organismo. À medida que foram
Figura 8: Radiografia da concha
de um Náutilo de Câmaras aparecendo outras formas de vida de dimensões maiores, a membrana foi
(Náulilus Pompiluis), uma concha endurecendo e diferenciando-se, primeiro mantendo uma analogia da tensão
marinha moderna. As sucessivas superficial em termos de elasticidade, como podemos constatar em muitos
câmaras do Náutilo estão moluscos. Logo, o progressivo endurecimento gerou o exoesqueleto de
construídas sobre a estrutura crustáceos, insetos e outros animais. (Figura 8)
de uma espiral logarítmica. A
medida que a concha cresce, o Com os tamanhos superiores foram aparecendo novas soluções qualitativas,
tamanho das câmaras aumenta, que combina uma estrutura rígida e uma membrana externa em tensão, citando
mas seu formato permanece o caso dos mamíferos.
inalterado (veja H. E. Huntley, p.
3). Exemplo do crescimento de Também com o passar do tempo como já citamos, novas soluções estruturais
um organismo mantendo a sua para aumentar o tamanho dos organismos sem aumentar seu peso e assim
analogia de tensão superficial diminuir sua quantidade de material foram surgindo. As plantas necessitam
inicial. de grandes áreas para absorver energia do sol e assim poder realizar a
fotossíntese. Para garantir a sua rapidez necessária, pequenos caules lançam-se
sobre as folhas com um mínimo de material. Todas estas informações coletadas
em revisões literárias e na observação da natureza como um todo, levaram-nos
a escolher o estudo das estruturas dos vegetais como argumento de pesquisa,
onde então a partir de agora passamos a observar os vegetais de forma mais
qualitativa e se possível quantitativa no que tange a sua composição, forma e
resistência. (Para maiores informações e definições sobre resistência dos mate
riais e estruturas naturais, veja W. A. Nash e Fabrício Vanden Broek). (Figura 9)

Terceira Parte
5.  Movimentos e elementos de simetria
Neste momento, o “argumento de pesquisa” já é conhecido. Assim, começou-
se a procurar fontes de informação a respeito das estruturas vegetais, suas
formas, organização, inflorescência, nomes científicos, composição etc. A
primeira investigação foi realizada na Biblioteca Central da Universidade Federal
de Santa Maria, RS. Nesse recinto, percebeu-se a carência de material para
estudo sistemático de determinados vegetais que apresentam características
interessantes para aplicação em projetos de produtos, criativamente, orientados
pela Biônica. Por exemplo, pouco encontramos sobre o Bambu33, o Capim Santa
Fé e o Capim Anoni, vegetais estes encontrados facilmente na região de Santa
Figura 9: Exemplo de como a
natureza otimiza as estruturas
Maria, Rio Grande do Sul.
para que os organismos Então para os primeiros estudos utilizamos livros sobre Botânica Sistemática,
tenham uma determinada
forma com o mínimo de vistos que eram abundantes em nossa biblioteca, tais como o de Alfreda William
material. Thames34. Com este livro analisamos plantas, como a samambaia e a margarida,

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para termos mais noções sobre processos conhecidos por inflorescência. Em


paralelo, procuramos desenvolver analogia com a folha de coqueiro e, em
especial, o bambu, elemento vegetal que nos interessava, a princípio.
As análises preliminares da samambaia forma visuais. E, por mais simplista que
pudesse ser, pudemos observar que a samambaia possui, quando observada
em um plano, simetria bilateral, como se houvesse havido a reflexão de um dos
lados no outro. Porém, uma observação mais detalhada mostra que, de fato, a
análise é mais complicada, pois, ocorre que a samambaia não é simétrica, mas,
sim, assimétrica, pois combina um movimento de rotação, logo gerando uma
simetria axial.
Comparativamente, por exemplo, com a palha de coqueiro, há ligeiras diferenças
entre os movimentos: a folha do coqueiro, de imediato, parece ter sido refletida
quando se traça um eixo pelo seu caule. Já a folha de samambaia (Caliandra do
serrado) apresenta um pequeno deslocamento entre os seus lados, caso se trace
o eixo no caule de sustentação das pequenas folhas. Estas também, apresentam
um fenômeno simétrico: a cingenometria (de cingere, “apertar” em italiano), ou
seja, pequenas deformações projetivas, mas afins. Tanto o coqueiro como a
samambaia, apresentam “simetria bilateral”, característica de quase todos os
seres vivos, pois favorece o crescimento deslocamento e rápidos. (Figura 10)
As folhas, com forma irregular, assemelham-se a uma cerra, e a sua estrutura
como um todo tem grande flexibilidade, possuindo uma forma parecida com a de
uma coluna vertebral. As samambaias, botanicamente, são vegetais da divisão
dos Embriófitos, Assifonógamos, Subdivisão dos Pteridófitos.
A samambaia é uma planta sem flores e provida de raízes e vasos para
a circulação da seiva. Segundo Thames (1977), as samambaias, plantas
Figura 10: Detalhe de
que pertencem à família das Polipodiáceas, são da divisão Embriófitas
crescimento e da simetria
Assisfomógamos, Criptógamos Vasculares, possuindo determinadas entre a folha de samambaia e
características, tais como: coqueiro.
• Aparelho esporífero na página dorsal da froude ou das pinas.
• Pecíolo sem ramificação ou falta.
A flor margarida35, por sua vez, possui crescimento radial, formando uma flor
simétrica, com pétalas que se sobrepõem e sendo bastante flexível. É uma
planta da divisão dos Embriófitos Sifonógamos; subdivisão das Angiospermas;
classe das dicotiledôneas e possuindo algumas características como:
Possuir flores Andrógenas; (2) Dois, quatro ou cinco estames; (3) Tubo de corola
é, em geral, inteiro ou falta; (4) Flores em capítulo ou glomérulos; (5) Anteras
Conatas; (6) Estiletes bífido no ápice. É uma planta que pertence a família dos
Sinantéreos, segundo Thames (1977). Veja a Figura 11.
Para se compreender melhor os elementos formadores de uma planta, algumas
palavras relativas às plantas precisaram ser melhor denotadas, como, por
exemplo: angiospermas (possuem óvulos dentro de um ovário); giminospermas
(não possuem frutos); cotilédone (equivale a face, uma metade); dicotilédone
Figura 11: Detalhe de
(duas metades); estames: parte masculina da flor; inflorescência (a união de crescimento e da simetria de
várias flores e o modo pelo qual se apresentam). margaridas.

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A planta seguinte a ser analisada visualmente foi o bambu. Trata-se de uma


estrutura tubular resistente, possuindo fibras alongadas à olho nu (Figura 12),
e é adequada a esforços fletores multidirecionais. Apresenta seção circular
com um centro oco e nós distribuídos progressivamente ao longo de seu
comprimento, o que lhe dá uma característica peculiar em relação a maioria dos
vegetais.
6. Tipos de inflorescência
Ainda segundo Thames36, os tipos de inflorescência são os mostrados de
modo esquemático nas Figuras 13 e 14, ajudam-nos a identificar, em primeira
instância, quais os tipos de estruturas vegetais que possuem maior resistência
para os diferentes tipos de esforços, levando em conta apenas a forma.
Figura 12: Corte transversal
dado a um dos nós do bambu. Com isto, não levando em conta a composição e resistência do material
constituinte da planta, com um pouco de imaginação desenvolvemos uma
técnica simples de reproduzir os diferentes tipos de inflorescências, a
modelagem com arame. (Figura 13)
Por utilizar o mesmo material, arame, para todos os modelos, permite distinguir
quais os mais resistentes e adequados para os diferentes tipos de aplicação,
bem como quais os pontos críticos de cada um. (Figura 14)
Figura 13: Tipos de Inflorescências.
Dois exemplos de estudos deste método são destacados na Figura 15, com a
comparação dos pontos críticos de cada uma e as vantagens e desvantagens
de cada uma para determinadas aplicações. Primeiro, caracteriza-se por grande
flexibilidade nas direções paralela e perpendicular a seu eixo central, enquanto o
segundo é mais rígido, caracterizando-se pela distribuição das deflexões a todas
as partes, “galhos”, de forma proporcional e isso faz com que o mesmo realize
grande amortecimento do esforço realizado sobre ele na direção paralela ao eixo
principal do modelo do arame. (Figura 15)

Exemplos de algumas inflorescências


As Figuras 16 e 17 trazem dois exemplos de vegetais que apresentam
determinadas Inflorescências, sendo o primeiro uma ciperácea com a
inflorescência do tipo umbela e o segundo, um bambu do tipo espiga. As figuras
Figura 14: Tipos de inflorescência. ilustram como e o que são as inflorescências.

Colênquima, parênquima e esquerênquima


Nesta fase da pesquisa, quando ainda estávamos à procura de materiais e
pessoas que pudessem nos ajudar, conhecemos a professora Jumaida Maria
Rosito, da Biologia, Setor de Botânica, que não poupou esforços em nos
ajudar, fornecendo bibliografias, filmes e laboratório para auxílio a pesquisa.
Com isso tivemos acesso a livros como o de Elizabeth G, Cutter31 o qual nos
possibilitou um maior estudo das partes e constituintes dos vegetais. Outra
pessoa foi Adelino Alvarez, professor aposentado da Biologia da UFSM, que
Figura 15: Modelos feitos de
arame pera análise de suas indicou algumas plantas das quais poderiam possuir as características que
características de forma física. procurávamos, como resistência e facilidade de encontrar na região, tal como o
(a) corrido; (b) rápido. capim, o bambu, e um dos vegetais estudados, a ciperácea.

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Colênquima
O colênquima (Figura 18), tecido de sustentação, trata-se de conjunto de células
extensíveis com considerável grau de plasticidade e funcionam como tecido de
suporte nos órgãos em crescimento. Possuem protoplastos e paredes celulósicas
espessas. Geralmente, ocupam uma posição periférica nos órgãos em que
aparecem e podem aparecer na forma de faixas discretas.

Parênquima
É o tecido fundamental das plantas, encontradas na medula e no córtex dos
caules e das raízes etc. Com paredes delgadas, vacuolizadas e com protoplastos
vivos. Podem ter paredes secundárias de lignina como no xilema secundário. Figura 16: Cyperus Baspan. SSP
O parênquima é afetado pela pressão e tensão superficial, na qual estas forças Juacóides.
afetam a forma do tecido, moldando-o na forma de um poliédrico, com média de
14 facetas, como mostra a Figura 19.

Parênquima nas plantas aquáticas


Especial interesse tem o parênquima de plantas aquáticas e da nervura central
da cana, que possuem a mesma característica, com espaços intercelulares
(vazios), sendo assim alongados num plano, ou com braços ou ramos (como nas
células dos tecidos paliçádicos). Elas possuem esta forma devi do ao estiramento
mecânico durante a fase de crescimento. Veja Figura 19. Nas plantas aquáticas,
o parênquima é conhecido como aerênquima:
“Antigamente acreditava-se que este tecido com abundante espaços aéreos funcionava somente Figura 17: Bambu inflorescência
na aeração e fornecendo poder de flutuação às plantas aquáticas; mais recentemente, tem sido tipo Espiga inflorescência tipo
Umbrela.
apontado que tal sistema é caracterizado por uma resistência excepcional por uma quantidade
mínima de tecido e tem sido sugerido que o sistema de espaços intercelulares em forma de favo
de mel poderia ser uma maneira eficiente de resistir ao considerável estresse mecânico a que
podem estar submetidas as plantas num ambiente aquático”.37 (CUTTER, 1986)

Esquerênquima
As paredes celulares são paredes secundárias espessas e as células geralmente
não têm protoplastos vivos quando maduras. Apresenta função semelhante
ao colênquima, porém não tem conteúdo vivo e é lignificado. Pode ser dividido Figura 18: Amostras do
colênquima.
em esclerócitos e fibras, tendo as fibras especial atenção devido sua grande
utilização económica.
São alongadas com extremidades pontiagudas e podem aparecer sozinhas
ou em feixes. São conjuntos de feixes que constituem as fibras duras (sisal)
ou fibras macias como o linho, são principalmente fibras de linho. As fibras
produzidas pelas plantas têm sido aproveitadas economicamente há muitos
séculos. Existem evidências de que o algodão foi usado entre 7.200 a 5.200 a.C.,
em Tenhuacam, Vale do México, entretanto, o algodão é obtido a partir dos pelos Figura 19: Micrografia
da testa da semente e não é uma fibra verdadeira no sentido botânico. eletrônica mostrando os
Astroesclerócitos ramificados
Aproximadamente 1.000 anos atrás, o povo do deserto de Utah, nos Estados
nos espaços aéreos colunares,
Unidos, sabia como extrair as fibras vegetais, talvez pela mastigação de parte que pode ser uma maneira
das plantas e como moldá-las numa corda; cordames de vários tipos têm sido de aumentar a resistência do
encontrados nas cavernas a níveis que datam de 9.201 a.C. Uma bolsa completa Pecúlo.

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de barbante ou rede feita de fibras entrelaçadas de Apocymum tem sido datada


de, aproximadamente, 5.000 a.C. Existe evidência de que o linho e o cânhamo
têm sido cultivado para obtenção de fibra há 4.000 ou 5.000 a.C. As fibras de
“Salvadora persica”, um arbusto prostrado da península do Sinai, são usadas
pelos beduínos com escova de dente. Pedaços do caule com a casca removida de
uma extremidade são colocados numa pedra até o fim e desfiado em projeções
como cerdas. As cerdas constituem de grupos de fibras xilemáticas
Hoje, plantas de quarenta e quatro famílias diferentes são usadas como fonte
de fibra. As fibras comerciais comuns podem ser divididas em fibras têxteis,
incluindo o linho (Linum usitatissinum), juta (Corchorus sp.), cânhamo (Cannabis),
rami (Boehmeria nivia) e fibras de acordeamento incluindo o sisal (Agave sisalana),
o cânhamo da África (Sansevieria sp.) e cânhamo da Nova Zelândia (Phormium
tenax).

Análise da fibra da videira


Devido a toda esta importância da fibra, realizamos uma análise formal e de
características da fibra, procurando reproduzi-las através de modelos, como
mostra a Figura 20 e suas sucessivas seções.
A Figura 21 é uma figura geométrica baseada na fibra da videira. Com cilindros
maciços apresentando cavidades esféricas onde esferas são acopladas. Na
Figura 22 encontra-se destacado o cilindro maciço que apresenta cavidades
esféricas em sua extremidade.

Figura 20: Cortes longitudinal e A seguir, observamos o mesmo elemento da Figura 23, porém envolvido por uma
transversal da fibra da videira. mola helicoidal que possa proporcionar maior flexibilidade ao modelo biônico.
Aqui, apresentam-se as caraterísticas necessárias para que o modelo possa
ser flexionado e no momento da liberação de carga, possa retornar à curvatura
inicial. A Figura 24 mostra a esfera que serve como elemento de articulação e
junção ao imaginado “joelho”.
A Figura 21 apresenta uma bifurcação em Y que poderia ser configurada em
outras letras para utilização como gancho ou ligação para novas ramificações
estruturais. Têm, por base ou fonte de inspiração, as saliências existentes nas
figuras naturais estudadas. A Figura 22 exibe modelo com extremidade cônica,
sendo uma pontiaguda e outra cônica, indicando base de apoio. Esta base
é inspirada na saliência natural que as fibras apresentam. Observem-se os
detalhes da base.
A Figura 23 apresenta um modelo com de uma canalização ocorrendo
simultaneamente. Aqui, as mangas que contraem a base cônica-esférica,
encontram-se apenas nas junções para que seja possível um sistema que uma
as barras laterais. Estas barras laterais podem ser distribuídas de acordo com o
lado onde seja solicitado os maiores esforços. Na base observa-se um dos tipos
de ligações entre os tubos que podem existir.
No detalhe da Figura 23 ainda pode-se sugerir dois distintos modos de união
entre os tubos. Essas ligações poderiam ser feitas, através de uma vista da

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Figura 21: Corte de possível Figura 22: Modelo, a partir Figura 23: Modelo, a partir Figura 24: Modelo, a partir
modelo para a estrutura da da estrutura da videira, mola da estrutura da videira, com da estrutura da videira, com
videira. Detalhe do cilindro em hélice para flexibilidade/ extremidade bifurcada em Y extremidades cônicas.
externo. resiliência. invertido.

planta do modelo, enquanto que a Figura 24 mostra o detalhe das conexões,


que não tem o mesmo comprimento dos tubos, pois se tivessem o mesmo
comprimento atrapalhariam o bom encaixe das junções ao curvar todo o
conjunto. Porém, os canais de fixação das peças de ligação existentes nos
tubos são de fora a fora para facilitar a montagem e permitir que as mesmas se
desloquem ao longo dos canais ao flexionar-se o conjunto.

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

A Figura 25 é semelhante a anterior, porém mostrando um feixe de tubos


acoplados para aumentar a resistência do modelo.

Análise do caule da videira


No laboratório do departamento de Biologia, Setor de Botânica da UFSM, RS,
realizamos a análise do caule da videira do tipo Vitaceal, Vitisvinífera com a
orientação da Professora Vera Siqueira e da Técnica de laboratório Elcy Batistella
obtendo dados importantes da estrutura organizacional da planta e de sua
constituição.
Observamos que esta planta não possui um único sistema ou tipo de célula que
lhe atribui resistência, mas um conjunto de fatores que desempenham funções
específicas a sobrevivência da planta, que somados, dão resistência a mesma.
A Figura 26 exibe, em perspectiva, a forma com que o vegetal se apresentou na
análise microscópica, onde a partir deste especificaremos as funções de cada
componente. Começando de fora para dentro, temos uma espécie de casca da
planta, ou tecido de revestimento (Epiderme) que é responsável pelas trocas
gasosas do vegetal com o meio ambiente em que ela vive. (Detalhe 1 da Figura 26).
Também visualizamos a forma irregular do caule, tendo saliências dirigidas
para várias direções, de acordo com o esforço solicitado naquele ponto. Essas
saliências, (Detalhe 2 da Figura 27), são compostas basicamente de células
colenquimáticas, que aparecem em grande quantidade principalmente na fase
de crescimento da planta.
Como já vimos, ela dá resistência a planta e lhe permita ter flexibilidade. Estas
células colenquimáticas, aparecem como principal elemento de sustentação

Figura 25: Modelo composto


com vários elementos baseados
nas fibras da videira. Possíveis
vistas transversais da junção
dos modelos.

Figuras 26 e 27: Possíveis


modos de junção de tubos
e articulações entre esses
mesmos conduteis. Detalhe de
como as ligações conjuntos de
ligações em Y. poderiam ser
realizadas.

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

quando a planta é jovem e na videira é do tipo lacunar, onde apresentam


espaços intercelulares e espaçamentos de parede junto a eles. (Detalhe 3 da
Figura 28), que mostra o espaçamento maior da parede celular do colênquima
nos pontos de interseção das células. Na parte central do caule, temos
a medula, detalhe 4, que é parenquimática e tem por função armazenar
substâncias, como o amido. Em muitas espécies a medula é um espaço vazio,
não sendo preenchida com células parenquimáticas como na videira.

Na videira, quem executa o transporte da seiva bruta e água, é o xilema


(detalhe 5) que é composta por três tipos de células: a) Células condutoras
(detalhe 6); b) Células de sustentação, que são as fibras (detalhe 7); c) Células
de transformação, que são parenquimáticas (detalhe 8).

As células de sustentação ou fibras, são alongadas e como já vimos, são


também responsáveis pela resistência mecânica dos vegetais, sendo
compostas de lignina. Geralmente, aparecem em feixes entre as células
Figura 28: Destaque do
condutoras do xilema como mostra a Figura 34.
colênquima, que possui parede
Segundo Elizabeth Cutter (1986), o feixe de células fibriformes é composto celular mais espessa nos
por uma camada de parede primária e três camadas de parede secundária de cantos das células.

celulose, e espaços intercelulares entre elas. As células menores do xilema são


chamadas de Protoxilemas, e as maiores são chamadas de Metaxilema.
As grandes estão bem lignificadas devido a fase de diferenciação e possuem
a seguinte característica: Apresentam pontuações na parede celular devido a
forma como a lignina se deposita. Estas pontuações podem ser regulares ou
regulares como na videira, assemelhando-se a uma mola ou rugas na parede
celular, como mostra a Figura 30, isto é, células que conduzem a seiva, o
xilema.

Figura 29: Desenho em


perspectiva do caule da videira
observado ao microscópio em
Laboratório da UFSM, RS, para
análise endoestrutural.

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Já as células condutoras de seiva elaborada, floema, são células fobriformes,


como as fibras de sustentação do xilema, apresentando a mesma forma
alongada (detalhe 9 da Figura 33), com a diferença de conduzirem nutrientes
resultantes da fotossíntese. Por último (detalhe 10 da Figura 29), temos as
células secretoras encontradas de forma dispersa no caule.

A análise de um argumento biônico


Como vimos, o interesse pelo estudo da videira é o fato de ela possuir uma
flexibilidade e uma característica interessante de poder curvar-se em torno de
objetos para melhor crescer e fixar-se exposta ao sol. Um dos componentes
mais interessantes na sua constituição é a fibra do xilema, com excelente
flexibilidade e resistência, a partir de uma análise qualitativa. Elas são alongadas
e encontradas em feixes, podendo ser ceptadas ou não, como mostra a Figura
31 (amostra de uma fibra ceptada) e outro não. Esta característica é função
da forma como a lignina se distribui na fibra. Baseado nesta concepção e nos
estudos realizados em laboratório, podemos fazer analogias da geometria da
fibra anteriormente esboçada nas Figuras 23 a 35 em forma de um pré-modelo
biônico: como motivador para o debuxo de novos modelos inspirado nos estudos
analíticos do modelo da videira.

Figura 30: Xilema com suas  nálise e síntese de modelo biônico


A
células compositoras. Forma O esquema da Figura 32 mostra um sistema montado em peças de seção
estrutural da fibra emo feixe. sextavada, semelhante às fibras, tendo cubos distribuídos ao longo do seu
comprimento, como forma de fixar as peças de seção sextavada em feixes.
Para unir cada uma dessas peças, são utilizadas juntas que possibilitam curvar
o feixe. Essas juntas poderiam ser associadas a esferas envolvidas por uma
mola helicoidal que se fixa a cada uma das peças sextavadas por meio de canais,
como ilustrado na Figura 33. Esse sistema possibilitaria também, que o feixe
retornasse à posição inicial devido a energia de deformação armazenada na mola.

Figura 31: Destaque do


Deve-se citar, também, que as peças sextavadas possuem o comprimento
colênquima, que possui parede desejável, começando na junta esférica e terminando na metade dos cubos,
celular mais espessa nos aproximadamente. Isto possibilitaria que a peça fosse curvada, sem se desfazer
cantos das células. o sistema, como mostra a Figura 34.
Uma peça sextavada corre mais que outra dentro do cubo, de forma a compensar
a dist6ancia percorrida pelas externas às curvas que possuem um raio de
curvatura maior. Os feixes de peças podem ainda ser agrupados, formando
um círculo de feixes, assumindo assim uma semelhança ainda maior com a
disposição das fibras no caule da videira, como mostram as Figuras 32 e 33.
Esta disposição pode ser regulada e simetricamente como o demonstrado, ou
assimétrica, na qual os feixes estariam colocados nas regiões de maior esforço.
Observando ainda as mesmas figuras percebemos que elas nos trazem muitas
imagens criativas, oferecendo constantes iluminações, estalidos mentais,
impulsos projetuais, como, por exemplo, o uso da parte direita do nosso cérebro,
Figura 32: Deslocamento das os espaços entre as raias de ligação dos feixes poderiam passar algo como
peças sextavadas dentro dos tubulações de construção hidráulica, semelhante aos condutos de seiva de
cubos. plantas. (Figura 34)

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Ou imaginando de outra forma, este círculo de feixes poderia assumir uma forma
helicoidal ao combinarmos um conjunto deles, como aquela em que o caule da
videira (gavinha) assume ao enroscar-se em um tronco, ilustrado na comparação
entre as Figuras 35 e 36.
Este tipo de disposição traria adaptabilidade a estrutura a qualquer tipo de
irregularidade que se encontrasse no local onde se dispõem.

Análise estrutural dos vegetais em geral


Nesta fase do projeto, quando estávamos já analisando a estrutura de vegetais
específicos, não deixamos de procurar locais e pessoas que pudessem contribuir Figura 33: Disposição circular
com o trabalho, foi quando então entramos em contato com o Professor Nilton de um feixe baseada na
disposição da videira
Marquiori, do Curso de Zootecnia da UFSM, que não dispensou esforços em
contribuir com nossa pesquisa, fornecendo material e orientação ad hoc em
estruturas vegetais.
Devido a orientação do Prof. Marquiori, chegamos a conclusão de que a forma
mais adequada para a análise das estruturas vegetais era dividindo-as em três
níveis a saber: 1. Análise ultramicroscópica; 2. Análise microscópica; 3. Análise
Macroscópica.
A análise ultramicroscópica trata-se de estudo em microscópio eletrônico,
desenvolvido no início do século, sendo o mais elucidativo por fornecer um
nível tão detalhado que pode ser entendido como a fronteira com a composição
química da estrutura analisada.
Figura 34: Círculo de feixes
As células vegetais em geral, apresentam a composição química de celulose,
com tubulações internas de
hemicelulose, lignina e extrativos.
condução.
A celulose é o principal constituinte das células, sendo um polímero de forma
aproximadamente esférica, com cerca de 5 Ângriston (Um, 1, Ângriston vale
-9
a 1 X 10 mícron) de diâmetro. É composto de Bglicose, isto é, (C6H10 015),
6 átomos Carbonos, 10 átomos Hidrogênios e 15 átomos de Oxigênio, possuindo
uma quantia de aproximadamente 6 X 10.000 unidades, ou seja, (C6H10 015)n
onde n = 6.000. Cada uma destas moléculas de Bglicose tende a ligar à outra,
formando uma cadeia. Veja a Figura 38.
A maior importância desta molécula é o fato de ser polarizada (CO_H+),
possibilitando nada mais que a existência do mundo. Além de tudo, as Figura 35: Círculo de feixes em
moléculas tendem a ligar-se a outras por pontes de hidrogênio, formando uma forma helicoidal, como no caule
complexidade ainda maior que as moléculas de celulose, as microfibrilas, que são da videira.
feixes formados por milhares de moléculas de celulose. Veja as Figuras 39 e 40.
Na Figura 39, as microfibrilas aparecem duas zonas bem definidas: 1. Zona
Cristalina (Micelas), bem semelhantes a cristais; 2. Zona Amórfica, que é a região
em que ocorre as pontes de hidrogênio. Ela explica o fenômeno hidrogeno da
madeira (absorção de água).
Das microfibrilas em diante, a Bglicose forma novas estruturas ao combinarem-
se novamente, na sequência: 1. Molécula de celulose; 2. Microfibrilas – Feixe de
milhares de moléculas de celulose; 3. Macrofibrilas – Centenas de microfibrilas; Figura 36: Círculo de Feixes em
4. Lamelas – Camada que liga duas células com centenas de Macrofibrilas, tendo forma helicoidal, como no caule
característica curiosa, que é a lamela média não possuir celulose; 5. Parede Celular. da videira.

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Todos estes elementos citados formam a parede celular das células ou melhor,
cada uma das paredes. Os sentidos de progressão dentro de cada parede são
diferentes, e isto faz com que os elementos fiquem cruzados, aumentando a
resistência da parede celular, com um mínimo de material. A Figura 40 ilustra
estas paredes com cortes realizados na parede celular, formando algo parecido
com um bolo em camadas.
Figura 37: Caule da videira A estrutura resultante assemelha-se a um cabo de aço, com seus fios de aço
(gavinha) enrolada em um tronco.
entrelaçados sobre um arame mais grosso central. Esse arame central seria o
interior da célula e os fios a parede. Veja a Figura 41.
No entanto, as células são encontradas em grandes quantidades, e uma
exercendo pressão sobre a parede das outras, fazendo com que sua forma seja
semelhante a de um polígono qualquer, como é mostrado na Figura 42, para uma
forma sextavada.
A hemicelulose também conhecidas como meio-celulose, não possuem
Figura 38: Ligação de duas
composição química definida, pois é composta de muitas substâncias em
moléculas de Bglicose, base da
formação da celulose. quantidades aleatórias, como glicose. Ela é o constituinte que preenche as
células, tal como a argamassa o é na construção civil (enchimento). Caracteriza-
se por ser higroscópica e por isso é facilmente removível com água quente
quando analisada em laboratório. É quebradiça e pode ligar-se com outras
moléculas polares.
A lignina é uma substância aromática tridimensional, altamente estável, mais
estável que a própria celulose, pois é composta por álcoois que são mais fortes
que as pontes de hidrogênio da celulose. Ao contrário da hemicelulose, a celulose
Figura 39. Pontes de hidrogênio; não pode ser quebrada, pois é mais estável. A lignina é uma cadeia de álcoois
partes da microfibrilas e o local conifenílicos e álcoois simafíbicos obtidos pela hidrogenação da Fenilalamina
das pontes de hidrogênio.
(formada pelo radical Benzênico que progressivamente transforma-se em Ácido
Cinânico e Cirívico, devido a perda de Amônia, e sucessivamente em Álcoois
Conifenílicos e Simafíbicos, como ilustra a Figura 43.
Por extrativos, consideram-se todos os elementos que se encontram infiltrados na
célula. É graças aos extrativos, a lignina, a hemicelulose e a celulose que as células
apresentam uma extraordinária resistência, sendo que até hoje o homem não
Figura 40: “Bolo em camadas”, conseguiu criar um material tão resistente quanto a célula, em relação a seu peso.
mostrando a organização O radical benzeno é formado por seis átomos de carbono e também seis
dos feixes de moléculas nas
hidrogênios ligados à carbonos, distribuídos segundo uma simetria, como
camadas da parede celular.
a mostrada na Figura 44 deduzida pela difração de nêutrons. Nela estão
claramente visíveis o anel de benzeno com curvas fechadas, linhas de contorno,
que identificam a densidade dos elétrons e sua distribuição simétrica.
As análises micrográficas permitiram que observações da anatomia das
plantas fossem feitas, formalmente, que para entendê-las iremos classificar
as células em dois tipos, que segundo nomenclatura contemporânea são:
1. Prosenquimáticas; 2. Parenquimáticas. 3. As células Prosenquimáticas,
Figura 41: Detalhe de um cabo caracterizam-se por apresentar a parede celular espessa, muito lignificada,
de aço. atuando na condução da seiva bruta. Elas atuam também na sustentação

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

mecânica da planta e são células normalmente mortas. Como exemplos


deste tipo de célula, temos as: Traqueídeas; Elementos vasculares; Fibras,
Fibrotraqueídeas e fibrolibriformes.
As células parenquimáticas são vivas por mais tempo que as anteriores,
possuindo uma parede fina para facilitar a troca de substâncias com o exterior,
e são pouco lignificadas. Elas atuam no armazenamento de substâncias de
reserva da planta. Como exemplos desta classificação temos, o parênquima
radial e o axial.
Figura 42: Forma como se
A anatomia da madeira, as plantas podem ainda ser divididas em apresenta a célula no conjunto,
Angiospermas e Gimnospermas. As Angiospermas ainda podem ser divididas com destaque para as camadas
em Dicotiledôneas e Monocotiledôneas, sendo que as Gimnospermas e as da parede celular.
Dicotiledôneas possuem tronco. Já as Monocotiledôneas não possuem tronco,
ou seja, não possuem câmbio, apresentando como outra característica a
presença de estipe e colme.
O câmbio é a parte morta de uma árvore (cerne), sendo composta,
principalmente, de células prosenquimaticas e por isso é o que dá resistência ao
tronco da árvore. Este por sua vez, é envolvido pelo alburno, que possui algumas
células vivas. (Figura 45) Figura 43: Hidrogenação que
Pelo citado, concluímos que todo tronco de uma árvore é morto, sendo que ocorre para obtenção da Lignina
que é composta de álcool
a única parte viva é a casca, também mostra a medula, parte da planta
conifenílico e sinafíbico.
que é viva somente quando jovem, onde servirá como armazenamento de
substâncias. Este tipo de informação pode ser obtido com uma análise a olho nu
(Macroscópica), porém para uma melhor sequência a citamos agora.

 xemplo da anatomia de uma angiosperma dlcotiledónea


E
Como exemplo, temos a videira que já havíamos citado, e que por isso não
entraremos em grandes detalhes, destacando, no entanto, os corantes
utilizados, que são: Figura 44: Difração de nêutrons
mostrando a simetria do
1. Safranma: Que colore de vermelho a lignina, e, portanto, as células Benzeno.
prosenquimaticas.
2. Azul de astra: Que colore as células parenquimáticas. Coloração obtida na
micrografia em seus elementos constituintes, aparecendo também as células
radiais, conhecidas como raias, que fazem a condução da seiva elaborada da
casca para as células vivas do alburno.
Exemplo da anatomia de uma angiosperma monocotiledónea: As plantas Figura 45: Tronco de uma
analisadas foram o coqueiro e o bambu, que como já foi visto, caracterizam-se árvore. Corte do caule
por não apresentar raias e câmbio; e sem feixes libero lenhosos (Líber Floema; da videira, sem a casca;
Lenho Xilema) dispersos simetricamente na matriz. destacando a coloração obtida
com os corantes.
Nela, o floema é composto de células parenquimáticas, assim como em todas as
plantas, e os elementos vasculares e fibras com células colenquimáticas.
No entanto, o que se observa no caso do bambu é uma concentração dos feixes
libero lenhosos na parte externa do caule, tornando-o extremamente resistente

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

por fora, ou seja, o bambu é mais forte externamente do que se aplicarmos


esforços de dentro para fora. Este fato, é semelhante ao que ocorre com a casca
de um ovo, que resiste a esforços grandes externamente, como o peso de uma
galinha para chocar o ovo, bem como é tão frágil internamente, que o bico do
pintinho possa quebra-lo. (Figura 46)
Outro fator que dá resistência externa ao bambu bem como dureza e
Figura 46. Corte transversal impermeabilidade, é a cutina, que forma a cutícula na epiderme, possuindo
de uma Angiosperma estómatos que permite a troca de material com meio, como mostra a Figura 47.
Monocotiledônea (coqueiro);
Destaque para a epiderme do E numa escala macroscópica, o fato de o bambu ser oco e possuir entre nós,
bambu. ou seja, estrutura tubular, possui excelente resistência a esforços flexores
multidirecionais. (Figura 48)

Pontuações: placa de perfuração e comparação com filotaxia vegetal


Pontuações são ligações entre as paredes celulares, como se fossem portas
abertas que permitem a passagem de água de uma célula para a outra, como
demostra a Figura 49. As plantas de perfuração são semelhantes as pontuações
no que tange a sua função, porém tem a aparência de uma superfície enrugada,
Figura 47: Corte casca de ovo;
ou de uma mola em espiral. (Figura 50)
detalhe dos estames dispostos
na epiderme. E é interessante destacar que estas ligações das paredes celulares ocorrem de
forma radial de uma célula para a outra, fazendo com que a seiva conduzida na
planta descreva uma trajetória em espiral, ao ser conduzida até o topo da planta,
no caso de condução da seiva bruta. A Figura 48 ilustra este processo exercido
na condução da seiva, a qual não foi identificada a razão para isso, nas supõem-
se ser devido a potência necessária para bombear as substâncias (água + seiva)
de pequenos níveis de altura de forma sucessiva, seja menor do que a potência
necessária para bombear do chão diretamente para o topo da árvore.
Figura 48: Pontuação nas
paredes de duas células; Placas Outra possível razão, é o armazenamento da seiva ao longo de todo o
de perfuração em parede celular. comprimento da árvore. Vale aproveitarmos a oportunidade, e compararmos
este fenômeno com a filotaxia, que é o termo usado na botânica para um
tópico que inclui a disposição das folhas nos ramos das plantas, na qual as
disposições são características dos gêneros. Divergência das folhas é o termo
técnico empregado para descrever a separação angular das bases de suas folhas
consecutivas no talo, medida através de uma espiral traçada da raiz da planta
para o ponto de crescimento. (Figura 50)
Figura 49: Desenho
esquemático mostrando como
Traça-se uma espiral que passa pela base de cada folha até atingir a primeira
se processa a condução da base verticalmente acima do ponto de partida. Tomando “p” como o número de
seiva nas plantas, tanto bruta voltas da espiral e q como o número de bases de folhas pela qual a espiral passou,
quanto elaborada. excluindo a primeira, então p/q é uma fração característica da planta. (Veja, por
exemplo, HUNTLEY, H. A divina proporção. Brasília: Editora UnB, 1985, p. 157-159).
O interessante desta relação, é que para todas as plantas ela se situa entre 1/2
e 1/3, de modo que as sucessivas plantas estão separadas uma das outras por
ao menos 1/3 da circunferência do talo, assegurando o máximo de iluminação
e ar para a base do talo. Segundo H. E Licks, como regra geral, as divergências
nas várias plantas podem ser dispostas como seguem: Gramíneas comuns 1/2;
Ciperáceas 1/3; Frutíferas, como a macieira 2/5; Tanchagens 3/8; Libáceas 5/13.

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Análise macrográfica
A macrografia é o estudo ou análise da planta a olho nu, e com ela podemos
observar as seguintes características: A madeira, caule, é composta de medula,
madeira propriamente dita e a casca. A Figura 51 mostra as disposições destas
partes no caule, e nela também podemos identificar outros elementos, como
o câmbio vascular (limite da madeira com a casca), que é onde se produz as
células para a casca e para a madeira, e com põem-se apenas de uma camada
de células, com somente parede primária, para facilitar a troca de material.
Podemos identificar quando termina o crescimento de uma célula, pois se obtêm
a parede secundária (camada de força), determinando a vida da célula que segue:
• divisão;
• crescimento; Figura 50: Filotaxia das plantas.
• parede secundária;
• lignificação (mais resistente);
• morte.
Isto tudo é identificado porque a madeira (xilema) é quem conduz a seiva bruta, e
caracteriza-se por ser morta. Já a casca (floema), é composta de células vivas e
conduz a seiva elaborada.
Com isto, podemos concluir que a videira estudada anteriormente era uma planta
jovem, pois ainda não apresentava a madeira entre a medula e os condutores
de seiva elaborada, floema. Outra conclusão a que se chega, é que se a casca de
uma árvore for removida, ela está condenada à morte, pois não há como mandar Figura 51: Corte do tronco
seiva elaborada para a raiz da árvore, que morrerá à míngua, e, assim, deixará de de uma árvore mostrando a
mandar seiva bruta para o ápice da árvore, matando-a por completo. madeira e a casca.
Fazendo uma observação mais apurada do corte transversal do tronco da
árvore, ainda podemos identificar a sua Idade, contando o número de círculos
claros ou escuros concêntricos no caule, sendo a parte clara a fase de maior
crescimento da planta, que ocorre na primavera; e a parte escura de menor
crescimento, no Inverno.
Na mesma figura, ainda podemos observar linhas radiais identificando as células
com sentido radial, e as transversais, concêntricas, que indicam a disposição da
maioria das células.
As células transversais executam todas as funções vistas até agora, e as radiais
tem uma peculiaridade, que são ser células vivas que servem de condução da
seiva elaborada para aquelas células que ainda se encontram vivas dentro da
madeira, pois num tempo passado, estas células que ainda se encontram vivas
faziam parte da casca (parte sempre viva) antes da árvore crescer radialmente.
Também é interessante a observação de que a medida que a árvore fica velha, seu
crescimento radial diminui, aproximando as linhas escuras (inverno) das linhas
claras (primavera). O fenômeno da madeira trincar com o passar do tempo, depois
de morta a árvore e cortada, também pode ser entendida macroscopicamente,
que é devido à hidrogenação da planta (água), que quando morta evapora a água,
fazendo com que ocorra uma contração das células sem vida.

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Finalizando esta seção, e capítulo, podemos concluir que a madeira é como um


cano vazio, onde só existe parede celular e cavidade, pois todas as células não
estão mais vivas.

Quarta Parte
6. Realização do projeto
Aperfeiçoamento do modelo biónico videira
Neste capítulo trabalharemos em cima dos debuxos anteriormente realizados
para o possível modelo, realizando modificações no mesmo para acrescentá-
lo mais algumas características da videira, bem como aperfeiçoar falhas já
identificadas.
Comecemos imaginando que as tubulações demostradas na Figura 52, possuem
Figura 52: Tubulação sextavada
forma sextavada, como o que realmente acontece com as células de condução e
com topos fechados e
aberturas laterais. a condução seja feita radialmente.
A condução é feita radialmente e os tubos são fechados nas extremidades.
Este círculo de feixes hexagonais na qual os cilindros (I) servem como fixação
para as mangueiras que devem encaixar nos cilindros das tubulações. Alguns
destes cilindros devem ser ocos, permitindo a passagem do material conduzido
de um lado para o outro do círculo de feixes. No mesmo desenho, os sextavados
extremos são os elementos que suportam os feixes de fibras, análogos aos
cubos imaginados.
As aberturas da passagem de matéria localizados nas tubulações, podem ser
colocadas ou posicionadas nos cilindros fixos dos círculos, que adquirem uma
forma nova, evitando problemas de vazamento de matéria nas tubulações ao se
movimentar o mecanismo como um todo visto que o círculo mantém sempre a
Figura 53. Aberturas da mesma posição em relação as tubulações.
passagem da matéria sobre os
cilindros dos círculos. O cilindro, agora apresenta em seu centro a forma sextavada com rasgos para
encaixarem-se dentro das raias do círculo, sendo que sobre a forma sextavada
encontram-se as aberturas de passagem da matéria, mantendo a trajetória
espiral de condução.
A Figura 53 apresenta um sistema que possibilita curvar a tubulação, mostrando
Figura 54: Círculo de feixes. em corte uma espécie de manga flexível que se desloca no interior de um dos
lados da tubulação, permitindo que mudanças de direções sejam feitas sem que
ocorra vazamento matéria conduzida.

A característica do crescimento no vegetal


Como já vimos, as plantas crescem em diâmetro e em comprimento, na qual
no corte do caule podemos identificar a idade de uma planta pelos círculos ou
“manchas” mais claras e escuras. Então, imaginemos um modelo que comporte
esta característica de crescimento, na qual vários cilindros de feixes, com raios
(diâmetros), diferentes estão concentricamente posicionados, como mostra a
Figura 55. Veja que os círculos apresentam a mesma forma, porém o número
de tubulações nos cilindros externos é maior do que a dos internos, mas que

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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

se encaixam perfeitamente devido as formas hexagonais. Esta figura, lembra


o caule cortado com suas “manchas”, como se o modelo tivesse crescido
em largura. Para dar o crescimento longitudinal ao modelo, imaginemos que
os cilindros internos pudessem subir como em uma antena de automóveis,
mostrada na Figura 55.

Em cada ponto onde termina um estágio de antena e começa o outro, estariam


Figura 55: Tubulação com
dois círculos de feixes como mostrou a Figura 56, seno o externo pertencente ao sistema de manga flexível
estágio inferior e o interno pertencente ao estágio superior. acoplado para oferecer
flexibilidade.
O modelo do círculo de feixes, como percebemos, sofreu agora mais algumas
alterações, como as raias que deixam de existir na forma compacta. Essa
apresenta-se apenas com fios ou condutores de um estágio para outro num
possível modelo com comandos elétricos aos quais, mais adiante, será citado, na
seção final.

Outra mudança diz respeito aos feixes de fibras que se posicionavam nos tubos,
que agora são substituídos por um único cabo. Um cabo de aço envolvido por Figura 56: Vista em Perspectiva
uma mola flexível por uma mola flexível para proporcionar o retorno do modelo a do modelo biônico da videira.
sua posição ereta.

Este novo sistema imaginado pelo estudo biónico, continua apresentando as


características naturais encontradas na videira, adquirindo uma vantagem que é
a maior facilidade para a sua possível construção.

 utomação do modelo
A
Para que o modelo pudesse ser flexionado, sem que algum dos cabos fosse
tracionado, na qual sistemas de roldanas posicionadas em cada um dos pontos
onde fixa-se os cabos, permite que os mesmos sejam liberados a medida que a
tração neles aumente ou diminua, e que ocorra uma deformação angular na mola
de compensação que tem a função de enrolar o cabo em uma roldana e fazer
com que o sistema retorne a posição inicial após retirado o esforço.

O tamanho do cabo e a máxima deformação da mola seriam os limitadores de


flexão para o modelo. Para que se pudesse comandar a flexão do modelo, sem
que um esforço manual seja feito. Nada mais é do que um êmbolo dentro de um
cilindro, na qual o cilindro está envolvido por uma bobina (espira de corrente),
ligado a uma fonte de energia (bateria). No momento em que o circuito é fechado,
o êmbolo é atraído, flexionando o modelo biônico para o mesmo lado.

Um posterior sistema eletrônico de comandos poderia ser construído para


comandar e coordenar possíveis movimentos desejados.

No próximo capítulo falaremos sobre a construção do primeiro modelo,


observando as dificuldades encontradas para sua construção, as alterações
feitas sobre as primeiras ideias e as novas soluções que poderão ser
empregadas em determinados aspectos críticos do modelo. Tudo isso para
deixar claro ao leitor as dificuldades encontradas e os passos que foram
seguidos nesse projeto, em busca do exercício da Biônica.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

O modelo biónico: construção do primeiro modelo biónico


Para sairmos do papel e da teoria, passamos agora a construção do modelo
biônico, o que nos possibilita visualizar as dificuldades e os erros realizados na
idealização do projeto Inicial.

Matéria-prima utilizada
A matéria-prima utilizada foi o papelão de caixas de sapatos, devido a sua
facilidade de obtenção com um custo praticamente zero, pois todos tínhamos a
disposição em casa. Este mesmo material é de fácil manuseio e trabalhabilidade,
o que não exigiu maquinário especial para a construção e modelagem das peças
constituintes do modelo.
Também foi usada a cola tenaz, o elástico comercial, mangueiras plásticas e
folhas de ofício como matérias-primas e acessórias.
O tenaz foi usado para selar e dar formatos determinados as peças. O elástico
em substituição as molas e cabos que iriam propiciar o movimento do modelo
com a sua volta a posição normal (ereta), automaticamente. As mangueiras
plásticas para dar flexibilidade ao sistema.
E as folhas de ofício, como acabamento para as peças, visto que o papelão
(matéria-prima), vem com diferentes colorações e propagandas de tênis e
sapatos, o que não deixaria o modelo com uma coloração uniforme.
A folha de ofício, acabou por fim, em também aumentar a rigidez do modelo, pois
a mesma era colada com tenaz em toda e superfície das peças.

Ferramentas utilizadas
Figura 57: Antena de 3 estágios
Como ferramenta para construção das peças foram utilizadas canetas, lápis,
simulando o crescimento tesoura, régua, esquadro, papel manteiga, compasso de ponta seca, faca, arame
longitudinal do modelo. e muita criatividade
A caneta e o lápis para riscar sobre o papelão o formato das peças com o
auxílio da régua e do esquadro. Esta demostra a importância da Biônica para a
Engenharia, que é o exercício da criatividade. A tesoura para cortar o papelão no
formato desenhado. O compasso de ponta seca para copiar medidas padrões.
E a criatividade como ferramenta de integração das partes para que resultasse
no modelo proposto.

Tempo despendido para a construção do modelo


O tempo computado para a aquisição do modelo básico, sem a introdução de
princípios pneumáticos e elétricos para a sua automação, foi de aproximadamente
dois meses e meio, para apenas obter a forma do modelo em 3D.
Como prol para que o modelo fosse construído rapidamente, temos a matéria-
prima de fácil manuseio e aquisição, e como contra o fato de não ter sido uma
atividade isolada no andamento da pesquisa.
No entanto, o modelo obtido tem muitos pontos falhos que devem ser
Figura 58: Cabo envolvido por moldados e otimizados para a obtenção de um próximo ao ideal o que mostra a
uma mola. necessidade de se voltar a construção do modelo após novas concepções.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

Aspectos desfavoráveis na construção do modelo biônicos


O papelão era um material que não possibilitava a construção com uma precisão
adequada e necessária para o bom funcionamento das partes móveis, como a
que era necessário para a introdução de princípios pneumáticos, que exige uma
perfeita vedação para que o ar possa ser comprimido, ou, no caso da utilização
da hidráulica, para que não houvesse vazamento de fluído.
No caso da hidráulica, o modelo de papelão tem outra desvantagem, que é a de
não poder estar em contato direto com o fluído, pois este danificaria o papelão,
inutilizando-o.
E por último, a sua fragilidade, pois o modelo não pode ser submetido a grandes
esforços.
Pontos falhos e aspectos não observados na idealização do primeiro modelo:
Como não tínhamos definido uma aplicação para o modelo, nos detemos apenas
aos pontos falhos de construção inerentes a execução das funções estruturais
que os elementos da videira realizam, procurando identificar as limitações do
modelo, como ângulo de curvatura máxima, torção máxima, elasticidade, porém
não quantificando seus valores.

Figura 59: Representação


QUINTA PARTE
usada para os cabos e molas.
7. Apresentação do projeto
Fase final para a apresentação
Como conclusão do trabalho executado, realizamos a estruturação e construção
do relatório final com base no projeto de pesquisa inicial, levantando em conta
tudo e todos os passos seguidos durante o trabalho procurando fazer um
comentário transparente e fácil de entender a metodologia utilizada para o
desenvolvimento de uma pesquisa Biônica. Também nos concentramos em
elaborar o material que serve de apresentação do nosso trabalho em encontros
de iniciação científica, congressos e eventos em geral.

Processo de elaboração da dissertação


O processo de elaboração da dissertação vem sendo realizado desde o início
da pesquisa, demonstrando-se o caráter contínuo e evolutivo que o mesmo
apresenta, que evita desta forma a perda de informações e possibilita o contínuo
Figura 60: Êmbolo e espiras
melhoramento da tese. Porém, nesta fase final do projeto, executamos o de corrente para flexionar o
fechamento da dissertação, ou seja, procurar condensar as informações obtidas e modelo.
as conclusões chegadas de uma forma lógica e simples, que possibilitasse ao leitor
da tese chegar as mesmas conclusões a que chegamos, e também, permitir que
tenha outras ideias e soluções ao problema apresentado, diferentes das nossas.
Ao todo, pode-se dizer que este processo de elaboração foi um trabalho lento, pois
a ele foram dedicadas poucas horas diárias no decorrer das outras etapas, porém
estas se tomaram sagradas, nem que fossem meros 20 minutos de trabalho,
como catalogação e memorandos para serem analisados na etapa final.
Isto possibilitou o amadurecimento das ideias criativas para os elementos
de pesquisa, e a consolidação dos conhecimentos adquiridos nas leituras de
bibliografias, possibilitando melhor dissertar sobre as tarefas executadas.

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Contribuição
Como maior contribuição que esperamos ter deixado é a aprovação da Biônica
como um excelente meio de:
• Estimular os estudantes de engenharia de desenho projetual em matérias
básicas, por exemplo, física, química, biologia, matemática, desenho etc.
• Despertar a Biônica como uma técnica de longo prazo para o desenvolvimento
da criatividade.
• Aumentar o grau de consciência dos envolvidos com a prática projetual
da cultura material, por exemplo, engenheiros, arquitetos, desenhadores
industriais, sobre o ambiente natural e os seus elementos como fonte de
inspiração.
• Demonstrar que o questionamento sobre como se faz, como funciona, de que
é feito, para que serve etc. é fundamental para que estudantes do terceiro
grau ampliem os seus conhecimentos adquiridos na graduação e, desse juízo,
possam tornar os seus pensamentos produtivos mais divergentes daquilo que
se encontra dogmaticamente e previamente estabelecido, seja na prática diária
de suas profissões ou nos caminhos da pós-graduação e do ensino superior.
Projetos de pesquisa em Biônica podem se tornar grandes fontes de divisas não
só para industrialistas mas também para os países os quais apoiam este tipo de
investigação. Portanto, esperamos que, pequenas empresas acreditem nesta
técnica como modo de conseguir dar grandes saltos qualitativos em questões de
desenvolvimento de tecnologia endógena e em desenvolvimento e crescimento
industrial.

7 AGRADECIMENTOS
A equipe deste projeto, Professor Luiz Vidal Negreiros Gomes, Professor Amo
Udo Dallmeyer Professor Leonardo Nabaes Romano, Professora Jumaida Maria
Rosito, Professor Nilton Marquiori, Professor Adelino Alvarez, Professora Vera
Siqueira, a Técnica Elcy Batistella, a colega Lilia Weber Brum, o colega Hugo Sário
Scheid, por todas as ilustrações presentes nas figuras, e as instituições CNPq e
CT/UFSM pela iniciativa na criação e participação no programa REENGE.

Referências
1. GÉRARDIN, Lucien. Bionics. London: World University Library, 1968, p. 11. Nota: Esse livro foi escrito
originalmente em francês. No ano de lançamento da edição inglesa (1968) o livro foi também publicado
na Itália. Desconhecemos edição portuguesa desse trabalho.
2. David H. Offner (1923-2015), PhD e professor do Mechanical Engineering Department da University
de Illinois. Em 1995, professor David Offner lançou o livro Design Homology: An Introduction to Bionics,
com conteúdos que vão desde “Introdução à Homologia em Desenho Projetual até à Morfologia do
Desenho Natural, passando por questões de projeto/desenho naturais”. Disponível em: https://books.
google.com.br/books?redir_esc=y&hl=ptBR&id=YJQAAAAMAAJ&focus=searchwithinvolume&q=.
3. Von GIERKE, K. W. D.; OIESTREICHER, H. L. (Editors). Principles and Practices of Bionics. Slough:
Technivision Services, 1970.
4. PAPANEK, Victor. Diseñar para el Mundo Real. Madri: H. Blume, 1977, p. 190; di BARTOLO, Carmelo.
Construzioni Leggere Nell Árchitettura. Milano: Istituto Europeo do Design, 1986, p. 95; BONSIEPE, Gui.
Teoría y Práctica del Diseño Industrial. Barcelona: Gustavo Gili, 1975, p. 125-134; VANDEN BROECK, Fabricio.
Bionique, Biodesign. Lousanne: Ecole Cantonale des Beaux-Arts et d’Art Apppliqué, 1981, p. 3-5; VANDEN
BROECK, Fabricio. Biodeseño: Una Filosofia de Proyectación. Manuscrito do autor. México, 1986, 16p.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
83
Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

5. Vide: GOMES, Luiz Vidal Negreiros. Minicurso Experimental em Biônica. In


6. GOMES, Luiz Vidal. Biônica e Atividade Projetual: Textos Básicos. Rio de Janeiro: PEP-COPPE/UFRJ,
1986, p. 111-120; e GOMES, Luiz Vidal. A Criatividade na Orientação Educacional de Desenhistas
Industriais. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 30 de junho de 1986.
8. Righi (CDI/UFPE), Alfredo Oliveira (CDI/PUC-RJ), Francisco Lobo (CDI-UFMA); Carla Pantoja Giuliano
(ULBRA-RS); Júlio van der Linden (UFRGS); João Luís Reith (PUC-RS).
9. Prof. Amilton Arruda do CDI/UFPE tinha, em 1994, proposta de criação de Laboratório de
10. Biônica em Pernambuco. Vide: LEON, Ethel. Um novo olhar sobre a Natureza. Globo Ciência. Rio de
Janeiro: Editora Globo. Outubro de 1994, p. 24-31.
11. MlLlDlÚ, Ruy L. Fundamentos das Redes Neurais. Livro de Minicurso do Congresso Nacional de
Matemática Aplicada e Computacional (28 de agosto a 1 de setembro de 1995). Curitiba: UFPR/SBMAC,
1995, p. 8.
12. LEON, Ethel. Um novo olhar sobre a Natureza. Globo Ciência, p. 27-28.
13. SYLVÉSTRE, Jean P. Guide des Dauphins et Marsoins. Delachaux & Niestle, 1990; apud PEREIRA,
Alcmene A. Desenho Industrial e Biônica. Projeto de Pesquisa. Recife, 1993. 15p.
14. BENNATON, Jocelyn. O Que é Cibernética. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 49-55.; WIENER, Norbert.
Cibernética e Sociedade. São Paulo: Cultrix, 1954.
15. OTTO, Frei. Una Nueva Arquitectura Natural. Mexico: Universidad Nacional Autonoma de México, s/d.
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16. GHYKA, Matila C. EI Numero de Oro. v. 1 e 2. Buenos Aires: Poseidon, 1968.
17. THOMPSON, D’Arcy W. Crescita e Forma. Torino: Boringhieril, 1969.
18. Di BARTOLO, Carmelo (A cura di). Strutture Naturali e Modeli Bionici. Milano: Istituto Europeu di
Design, 1981.
19. LOTUFO, Vitor A. & João M. A. LOPES. Geodésica e Cia. São Paulo: Projeto Editores Associados, 1986.
20. ARLOTTl, Giovana et alii. Strutture Gotiche, Strutture Naturali. Milano: Isttituto Europeo di Design, s/d.
21. Vanden BROECK, Fabricio. Las Estruturas en Ia Naturaleza y en Ia Técnica. Mexico: Universidade
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22. BONSIEPE, G. Teoría y Práctica del Diseño Industrial. Barcelona: Gustavo Gili, 1978, p. 124.
23. OFFNER, D.H. (The past) Experience often hold key to handling new ideas. Product Engineering,
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24. Vide: GOMES, Luiz Vidal. Criatividade e Design. Porto Alegre: sCHDs, 2011, p. 197-211.
25. SOARES, Danuzia; OLIVEIRA, Tiago M. de Oliveira. Longo fala sobre o engenheiro do próximo milênio.
Centro de Tecnologia: Boletim Informativo. Santa Maria: CT/UFSM, Ano 2, n.4, março-abril de 1996.
26. GREEN, Donald R. Psicologia da Educação. 2a Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 15-94. KAVANAGH,
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27. GOMES, Luiz Vidal: BROD JUNIOR; Marcos; MEDEIROS, Ligia. “Sobre Metódicas, Metodologias e
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28. GOMES, Luiz Vidal Negreiros. Minicurso Experimental em Biônica. In: GOMES, Luiz Vidal. Biônica e
Atividade Projetual: Textos Básicos. Rio de Janeiro: PEP-COPPE/UFRJ, 1986, p. 111-120; e GOMES, Luiz
Vidal. A Criatividade na Orientação Educacional de Desenhistas Industriais. Dissertação de Mestrado.
Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 30/06/1986. GOMES, L. Vidal. Criatividade e Design. Porto Alegre: sCHDs,
2011, p. 196-211.
29. OFFNER, David H. Bionics: A Creative Aid to Engineering Design. Mechanical Engineering. n. 96,
7th July 1974, p. 14-18; BOMBARDELLl, Carlo et alii. Como nasce un Produto Bionico. Milano: Centro
Ricerche Strutture Naturali, Istituto Europeo di Design, 1985. ARRUDA, Amilton José V. Utilizo della
classificazione naturale come elemento di studio biónico. Proposta Didática/Metodológica. Master in
Bionica. Milano: Istituto Europeo di Design, dicembre, 1991, p. 22-26.
30. PAPANEK, Victor. Diseñar para el Mundo Real. Madri: H. Blume, 1977, p. 190; BONSIEPE, Gui.
Teoría y Práctica del Diseño Industrial. Barcelona: Gustavo Gili, 1975, p. 125-134; VANDEN BROECK,
Fabricio. Bionique, Biodesign. Lousanne: Ecole Cantonale des Beaux-Arts et d’Art Apppliqué, 1981, p.
3-5; VANDEN BROECK, Fabricio. Biodeseño: Una Filosofia de Proyectación. Manuscrito do autor. México,
1986, 16p.
31. HUNTLEY, H.E. A Divina Proporção: Um Ensino sobre a Beleza na Matemática. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1985.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
84
Biomimética: Estudo de Estruturas Naturais para Desenho de Produtos Industriais

32. Revista Cidade Nova, Ano XXVI ne 8, agosto de 1984. THAMES, Alfreda William. Botânica
Sistemática. 92 Edição. Ribeirão Preto: Gráfica e Editora Andrade, 1977; CUTTER, Elizabeth G. Anatomia
Vegetal. 22 Edição. São Paulo: Roca.
33. HALLlDAY, David; RESNICK, Robert; WALKER, Jearl. Fundamentos da Física. 42. ed. Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos, p. 174-177.
34. RAO, A. G.; KOLI, Madhavi. Bamboo Craft Design. Mumbai: IIT, IDC, 1994.
35. THAMES, Alfreda William. Botânica Sistemática. 9. ed. Ribeirão preto: Gráfica e Editora Andrade,
1977, p. 15.
36. O Brasil é país que mais tem espécies de margarida no mundo. São mais de duas mil, espalhadas
de Norte a Sul, um desafio e tatno para cerca de 40 profissionais que dedicam a vida a conhecer e
desvendar os mistérios de uma família tão vaiada que inclui alface, alcachofra e camomila. Cf., AZEVEDO,
Ana Lúcia. Profissão Margaritólogo. O Globo. Segundo Caderno, Sábado 16 de dezembro de 2017, p. 4.
37. THAMES, Alfreda William. Botânica Sistemática. 9 ed. Ribeirão preto: Gráfica e Editora Andrade,
1977, p. 15.
38. CUTTER, Elizabeth G. Anatomia Vegetal. 20 ed. São Paulo: Roca, 1986, p. 70-75.

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FUNDAMENTOS, TEORIAS E
ASPECTOS METODOLÓGICOS
DISCIPLINARES APLICADOS NA
BIÔNICA E BIOMIMéTICA

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SOBRE a AUTORa
Ana Veronica Pazmino I ana.veronica@ufsc.br
Lattes: http:/lattes.cnpq.br/9694149439296427
Graduação em Desenho Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Engenharia de Produção
e Sistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutora em Design pela PUC-Rio. Professora do curso
de Design da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Áreas de pesquisa: Metodologia de Projeto, Projeto
de Produto, Ensino de Design, Design e Meio Ambiente. Professora Doutora, Dep. de Expressão Gráfica, Curso de
Design de Produto, UFSC, Florianópolis.

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Interdisciplinaridade como Meio para o
Fortalecimento da Biônica e Biomimética
nos Cursos de Design
Interdisciplinarity as a Means to Strengthen Bionics
and Biomimetics in Design Courses
Ana Veronica Pazmino

Resumo
Este artigo apresenta uma reflexão sobre a necessidade da prática interdisciplinar com
conhecimentos relacionados a biologia, ecologia e biotecnologia no campo do design.
O artigo enfatiza que a biônica e biomimética devem ser incentivadas como abordagens
importantes em prol da inovação e sustentabilidade. A pesquisa documental mostra a diferença
de Biônica e Biomimética e sua importância relacionada a um maior conhecimento da natureza
que podem servir de auxílio ao desenvolvimento de produtos mais inovadores e adequados
ao meio ambiente. Como resultado, o artigo defende a necessidade de pesquisas sólidas de
sistemas naturais e de uma relação interdisciplinar com saberes relacionados a biologia como
forma de encontrar soluções para o projeto de produtos sustentáveis.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade; Biônica; Biomimética; Ensino de design.

Abstract
This paper presents a reflection on the need of interdisciplinary practice with knowledge related to
biology, ecology and biotechnology in the field of design. The article emphasizes that bionics and
biomimetics should be encouraged as important approaches to innovation and sustainability.
The documentary research shows the difference of Bionics and Biomimetics and their importance
related to a greater knowledge of nature that can serve as aid to the development of products more
innovative and appropriate to the environment. As a result, the article advocates the need for solid
research on natural systems and an interdisciplinary relationship with biology-related knowledge as a
way to find solutions for sustainable product design.
Keywords: Interdisciplinary; Bionics; Biomimetics; Teaching design.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

1 Introdução
O conhecimento do designer de produtos organiza-se a partir de conhecimentos
para criar soluções que se materializam em artefatos. O conhecimento
está profundamente atrelado à cultura e à sociedade, lembrando que estas
transformam-se, evoluem, progridem e regridem. Para Tronca (2006, p. 65)
o saber hoje tem que ser repensado considerando-se a grande massa de
informação e saberes.

Complexo pode ser Sabe-se que o processo de design é complexo, pode parecer que complexidade
entendido como um tecido supõe confusão, desordem, incerteza, mas ordem e desordem são processos
de acontecimentos, ações, constitutivos da complexidade e, portanto do processo de design; dessa forma,
interações, determinações, o pensamento do designer deve ser abrangente, multidimensional, capaz de
acasos que constitui o processo.
compreender a complexidade envolvida e construir novos conhecimentos que
levem em considerações novas problemáticas.
As relações das fases projetuais que constituem o processo de design devem
ser presididas por integrações de métodos, conhecimentos e teorias de diversas
disciplinas. Assim, o processo de design não é apenas constituído pelas fases
projetuais, mas pelas ações que se estabelecem entre elas. O conjunto dessas
relações constitui a organização do processo projetual.
Se considerarmos que dentro do processo de projeto há uma sequência de passos
que partem de uma necessidade ou um problema até a solução ou produto,
entende-se que deveria existir em cada passo um conjunto de ações que deveriam
O modo de pensamento ser realizadas por uma equipe interdisciplinar formada por indivíduos com pontos
ou de conhecimento
de vista cognitivamente diversos permitindo uma inter-relação de múltiplas ideias,
fragmentado, monodisciplinar
e simplesmente quantificador, informações, opiniões, teorias em intercambio contínuo.
tomando como critério de A complexidade da dimensão da sustentabilidade exige uma postura diferente
construção o ponto de vista
do designer, este artigo propõe que o design seja um campo que abrace um
(o paradigma) de um ramo
do saber autodeterminado corpo de conhecimentos diversos para se tornar um campo de design orgânico
ou disciplina, com todos os que integre de forma reflexiva e responsável disciplinas que permitam um
seus interesses subjacentes, é desenvolvimento sustentável. Parafraseando Japiassu (2066) é necessário
responsável pela prevalência que as instituições de ensino criem lugares permanentes de trocas e debates
de uma inteligência bastante
permitindo aos diversos “especialistas” colocar em comum suas experiências.
míope ou cega na medida em
que é sacrificada a aptidão Para Tronca (2006, p. 76) “considerando o mundo em constante transitoriedade,
humana normal de religar os onde o conhecimento evolui de forma incontrolável e a quantidade de
conhecimentos em proveito
novas informações disponíveis é cada vez maior, é impossível que maneiras
da capacidade de separar ou
desconectar. (JAPIASSU, 2006, reducionistas de aprendizagem persistam”.
p. 15)
2 A interdisciplinaridade
A interdisciplinaridade surgiu como uma nova atitude frente ao saber. Ela
reconhece as disciplinas, mas promove, num exercício coletivo de saberes
(integração possibilitada pela continua intercomunicação). Na concepção de
Demo (1997, p. 114) (...) a interdisciplinaridade representa a orquestração
intrínseca das disciplinas, fazendo convergir seus pontos diversificados
de origem. Para Fazenda (1991, p. 31) (...) seu princípio é sempre o mesmo:

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

caracteriza-se pela intensidade das parcerias entre especialistas e pela


integração das disciplinas.

Segundo Fazenda (1979, p. 8) “a interdisciplinaridade antes que um “slogan”


é uma relação de reciprocidade, de mutualidade, que pressupõe uma atitude
diferente a ser assumida frente ao problema do conhecimento, ou seja, é a
substituição de uma concepção fragmentária para unitária do ser humano”.
Para a autora, uma condição de efetivação da interdisciplinaridade é o
desenvolvimento da sensibilidade sendo necessário um treino na arte de
entender e esperar, um desenvolvimento da criação e da imaginação. (Figura 1)

• A necessidade da interdisciplinaridade no campo do design é a exigência


pela complexidade da sustentabilidade. Ela pode auxiliar na compreensão
do problema ambiental e na reforma do pensamento e do ensino de

Figura 1: Equipe de projeto


indisciplinar
Fonte: Pazmino 2017.

design, para integrar disciplinas correspondentes aos problemas atuais


e futuros. Não é possível nos contentar com a justaposição de disciplinas
diante da complexidade da problemática ambiental e social. É necessário
pensar amplamente, vencer a miopia dos saberes fragmentados e do
ponto cego dos impactos ambientais e sociais dos projetos, consumos e
comportamentos.

Conhecimentos da biologia, ecologia, química, sociologia, psicologia entre


outros deveriam implicar transferências de saberes, originando um novo corpo
disciplinar com o design, criando um novo e maior padrão epistemológico. Isto se
configura como uma utopia, imaginar que o campo do design possa ser melhor
ao materializar objetos ambientalmente corretos e contribuir com valores éticos
no comportamento da sociedade.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

A distância entre a utopia e a realidade vem por depoimentos de autores que


mostram a dificuldade de praticar a interdisciplinaridade. Couto (1997) diz
que no campo do ensino de Design, a prática tem mostrado que propostas
efetivas de trabalho interdisciplinar raramente se têm consolidado no ambiente
universitário. Também Bomfim (1997) apontava que quando um designer
procura, por exemplo, utilizar elementos da ergonomia, da estética e da
semiótica na configuração de um objeto, depara-se, com situações antagônicas,
pois estas ciências emitem enunciados em códigos diferentes, não havendo
estágio intermediário, algo como uma “ergoesteticoótica”. Este fato anedótico
nos faz refletir que se não existe interdisciplinaridade entre o design e disciplinas
consolidadas na grade do curso como ergonomia, estética e semiótica. Qual seria
o caminho para uma interdisciplinaridade com disciplinas que não fazem parte
de um curso de design, como biologia ou química?
Follari (1995, apud, Couto, 1997) menciona que fora da universidade, onde
o objetivo não é gerar conhecimentos, mas resolver problemas práticos, a
vigência do interdisciplinar, de modo geral, é mais imediata e praticada com
sucesso. Nestes casos, não existem muitos preconceitos epistemológicos e
ninguém se inquieta em juntar-se aos diversos profissionais com um objetivo
eminentemente prático.
Dessa forma, se o design é uma atividade, que utiliza, na sua prática,
conhecimentos de outros campos do saber, o caminho da interdisciplinaridade
pode ser dirigir o ensino para a solução de problemas ambientais práticos,
facilitando o diálogo e parceria de diversos pesquisadores, profissionais,
Espaço social onde se realizam professores e alunos. Aproximando a academia ao “mercado”. Abrindo pontes
as trocas de bens. com indústrias e usuários por meio de projetos de extensão ou pesquisa e com
cursos de pôs graduação. Este último tem mostrado resultados consistentes na
configuração de trabalho conjunto.
Além de aproximação ao real, a abertura ao diálogo é colocada por vários autores
como uma imprescindível prática educativa. Para Japiassu (2006) “é preciso
que todos estejam abertos ao diálogo, que sejam capazes de reconhecer aquilo
que lhes falta e que podem ou devem receber dos outros. (...) Para que todos
estejam abertos ao diálogo é necessário haver uma tomada de consciência,
primeiramente individual.”
Segundo Japiassu (2006) a interdisciplinaridade ajuda a mudar e se aperfeiçoar.
Pois cultiva o desejo de enriquecimento por enfoque novo, o gosto pela
combinação das perspectivas e alimenta a vontade de ultrapassagem dos
caminhos já batidos e dos saberes já adquiridos.
Cabe então, ao educador primeiramente desenvolver o diálogo reflexivo, sólido
e crítico que respeita as ideias e saberes dos outros e que transforma seus
conceitos e saberes. Além disso, cabe incentivar a curiosidade dos educandos
de forma contínua, problematizar a situação ambiental, mostrar a necessidade
de conhecimento de outras áreas, com o objetivo de despertar a busca e o
desenvolvimento de novos saberes fora e dentro do curso.

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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

3 Novos saberes para o design Por que a harmonia, que


McDonough e Braungart (2010) mencionam, que se queremos prosperar aparece tão claramente na
devemos aprender a imitar a natureza em seu ótimo sistema eficiente do berço natureza, não tem um papel
ao berço em relação aos fluxos de nutrientes e ao metabolismo, nos quais o essencial na nossa vida social?
Nós estamos tão fascinados
conceito de resíduo não existe. Para os autores em um o metabolismo biológico
com nossa onipotência, com
um nutriente é um material ou produto projetado para voltar aos ciclos naturais
o poder de inventar e realizar,
para serem consumidos pelos micro-organismos do solo ou por outros animais. que talvez tenhamos perdido
Significa também abandonar o conceito do berço ao túmulo que pressupõe um de vista a força dos limites.
depósito para os resíduos. Mas, agora nós nos vemos de
repente, obrigados a limitar a
Outro conceito que deveria ser substituído seria a eco eficiência por eco exploração de nossas riquezas
efetividade, para McDonough e Braungart (2010, p. 71) “Se a natureza teria materiais e o aumento da
aderido ao modelo humano da eficiência, haveria menos flores em uma cerejeira população (...) precisamos
e menor quantidade de nutrientes. Haveria menos árvores, menos oxigênio e aprender novamente a
menos água pura. Haveria menos pássaros e menos diversidade”. economizar e nos moderar,
encontrando as proporções
Pelo dito acima, se percebe que uma disciplina que deveria ser integrada ao certas e eficazes. (BLÜCHEL,
design é a biologia. Para Blüchel (2009, p. 38) “está atrasada uma pesquisa 2009, p. 51)
sistemática pelo homem sobre a competência de sistemas biológicos. Com
isso, poderiam ser criados milhares de novos produtos, sobretudo benéficos à
natureza, e inúmeros problemas da sociedade, economia e indústria poderiam
ser conduzidos para soluções orientadas à natureza”.
O termo Biônica vem de BIOS que significa vida e NICA que é a parte final da
palavra eletrônica, segundo (Broeck, 1989 apud Ramos, 1993), biônica é o
estudo dos sistemas e organizações naturais visando analisar e recuperar
soluções funcionais, estruturais e formais para aplicá-las na resolução de
problemas humanos por meio da geração de tecnologias e concepção de objetos
e sistemas de objetos.

Figura 2: O beija-flor-de-
pescoço-vermelho (Archilochus
colubris) voa mais de 800
quilômetros, do litoral sul da
América do Norte ao México.
Os beija-flores percorrem
tantos quilômetros com o
equivalente de 3 mililitros de
combustível.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

O ser humano ao longo da história tem usado a natureza como fonte


inspiradora de soluções para seus problemas, mas, conforme (BLUCHEL,
2009) a formalização da aliança da biologia e técnica, foi criada em 1958 pelo
engenheiro da NASA, da Força Aérea dos EUA, major J.O. Steele, que desenvolveu
como ciência ampla. Deve-se considerar que em 1958 não havia nenhuma
preocupação ambiental, estava vigente o Paradigma Social Dominante PSD que
teria surgido durante o Renascimento e tem influenciado o modelo científico e
social desde esse tempo, com uma visão antropocêntrica e antiecologista.
Para Bluchel (2009), o ciberneticista russo L. P. Kraismer, definiu a biônica como
“A ciência que examina os processos e métodos biológicos, como o objetivo de
aplicar os resultados obtidos no aperfeiçoamento de máquinas e sistemas velhos
e na criação de novos”. Já o engenheiro francês Lucien Gérardien definiu como
“A arte de resolver problemas técnicos por meio do conhecimento de sistemas
naturais”. Hoje, o maior estudioso do assunto é o zoólogo Werner Nachtigall, é
um dos pioneiros e precursor da biônica, nos anos noventa criou a disciplina de
Figura 3: Livro de biônica. “Biologia técnica e biônica” e criou uma sociedade com o mesmo nome. (Figura 3)
Para (Nachtigall apud Bluchel, 2009), “A biônica significa que tudo é transferível
tecnicamente, também as tecnologias mais complexas da natureza, todas elas
sem infringir as leis da natureza. A biônica não quer prescrever nada ao engenheiro,
mas pô-lo diante do “espelho da natureza” e, com isso, exigir o máximo dele.
A biônica consiste em analisar sistemas naturais, seus princípios e suas
características funcionais, com o objetivo de identificar princípios de solução, que
devidamente adaptados possam vir a contribuir para solucionar problemas de
projeto. Essas adaptações permitem criar formas análogas ou funções análogas.
As formas inspiradas na natureza são mais adequadas para modelar objetos, já
que fazem parte da memória e cultura do ser humano. O estudo dos sistemas
naturais possibilita a redescoberta de formas que sempre existiram e a
utilização e adaptação dessas formas para configurar ambientes, produtos com
mais equilíbrio e harmonia.
A Biônica como técnica criativa tem sido superficialmente pesquisada e aplicada
no design. A bibliografia e produção com o uso da técnica têm sido em função
de inovar e otimizar formas e funções de produtos com base nos sistemas
naturais. Porém, a abordagem ecológica não foi incorporada à biônica. Surge
aqui um campo de pesquisa integrando a biologia sob um olhar de complexidade,
inteligência ecológica e consciência da inter-relação da natureza.
Segundo (Gomes, 1985) como em outras técnicas que utilizam a analogia, a
biônica não é uma simples comparação e aplicação de resultados encontrados no
mundo natural, mas uma análise de “princípios de funcionamento e solução” de
processos biológicos.
A solução de problemas por meio da biônica não é uma atividade nova. A
natureza frequentemente serviu de fonte de soluções as atividades do homem.
O ser humano primitivo já a utilizava para resolver seus problemas diários. Ao
deixar as cavernas nossos ancestrais se inspiraram em abrigos e ninhos dos
pássaros para construir as primeiras casas com barro e pedaços de madeira.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
93
Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

Algumas invenções primitivas surgiram da analogia com elementos naturais


como: pentes e os esqueletos dos peixes; martelo com o punho fechado e o
antebraço, a ponta do arpão semelhante ao ferrão dos insetos e aos espinhos de
algumas plantas.
A utilização de princípios biológicos no projeto de máquinas pode ser vista nos
trabalhos de Leonardo Da Vinci que estudou o voo dos pássaros, analisando
o batimento das asas. Com esse conhecimento projetou inicialmente asas
movidas pelo batimento comandado pelos braços.
Coineau e Kresling (1986) mencionam que Clément Ader em 1890 seguindo o
modelo do morcego construiu o L´Eole. Este aparelho teria realizado a primeira
decolagem de uma máquina mais pesada que o ar, movida a motor. (Figuras 4) Figuras 4: Ader Eole.

Segundo (Bonsiepe, 1978) para estimular a capacidade de captar os detalhes


tridimensionais e os princípios formais que os estruturam, é viável a análise
biônica dos fenômenos formais da natureza. Essa análise serve para aumentar
a capacidade de transformação, isto acontece quando se analisa profundamente
um objeto análogo.
A morfologia estrutural tem sido aplicada por muito tempo nas faculdades de
engenharia e arquitetura. Toma-se como ponto de partida, um fenômeno natural
a partir do qual se desenvolve uma solução de projeto. Esta prática tem sido feita
de forma superficial sem aprofundamento na pesquisa da biologia e da técnica.
(BLUCHEL, 2009) lembra que para os interessados na biônica é necessária uma
cooperação interdisciplinar, um trabalho em conjunto com biólogos treinados
técnica e analiticamente.
A aplicação da biônica no design de produtos vem sendo feita por meio de uma
pesquisa básica: identificando sistemas naturais com características úteis para
serem aplicadas em novos produtos ou em produtos já existentes. E na pesquisa
aplicada que parte de problemas de projeto e busca nos sistemas naturais
soluções que possam contribuir para resolvê-los.

4 A utilização da Biônica no Design de


Produtos
Ramos (1993) apresenta procedimentos para a utilização da Biônica no design de
produto que são:
• Quando não se tem um problema de projeto. A partir de uma pesquisa e
análise de um sistema natural, são extraídas as informações promissoras
e inovadoras relativas à função, formas, material e contexto que possam
ser aplicados na resolução de necessidades por meio do desenvolvimento
de um produto análogo. Neste procedimento é importante coletar muita
informação, manter a mente aberta para que possam surgir insights
para definição de um problema de projeto e posteriormente desenvolver
soluções de produtos ou serviços aplicando as características do sistema
natural. A dificuldade está em que este procedimento deve ser realizado
quando não se tem presa no desenvolvimento de um produto, já que
a pesquisa deve ser aprofundada para ter dados importantes para um
projeto no futuro. A Figura 5 e 6 mostra o esquema deste procedimento.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

Um exemplo deste procedimento foi aplicado no desenvolvimento do velcro.


Segundo (CHALLONER, 2010 p. 733) o engenheiro suíço George de Mestral teve
a ideia para o velcro em 1941, depois de pegar seu microscópio para estudar
rebarbas presas ao pelo de seu cão e a sua roupa durante um passeio pelos
Alpes. Estas rebarbas eram sementes bardana que tem vários ganchos que se
prendem com facilidade aos pelos ou roupas. Mestral percebeu o potencial de
um prendedor que usasse ganchos fortes de um lado e um tecido laceado ao
qual os ganchos se prendessem do outro, e o chamou de Velcro, das silabas das
palavras francesas velour (veludo) e crochet (gancho). (Figuras 5 e 6)

Figuras 5 e 6: Carrapicho e Vista


microscópica do carrapicho.

• Esse procedimento, parte de problemas existentes em um projeto,


passando a pesquisa de um sistema natural. Procura-se na natureza, a
solução para problemas semelhantes e de como aplicar tal conhecimento
no projeto. Neste procedimento parte-se de um problema de projeto
já definido. A dificuldade deste procedimento está em encontrar os
sistemas naturais adequados as soluções específicas, pois, a busca em
diversos sistemas naturais demanda tempo e uma ação interdisciplinar. A
Figura 7 mostra o esquema.

Figura 7: Segundo
procedimento.
Fonte: Adaptado de Ramos,
1993, p. 39.

Um exemplo deste procedimento foi do projeto do helicóptero Dragonfly HC3 da


empresa Sikorsky que tinha como problema de projeto o transporte de militares
e artilharia. O sistema natural analisado foi o voo das libélulas. O corpo da libélula
é semelhante a uma estrutura helicoidal, duas asas estão dispostas em forma
cruzada sobre o corpo. Esta estrutura permite uma manobra extraordinária.
Pode parar e voar de imediato na direção oposta. Alternativamente, pode

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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

permanecer suspendida em um ponto no ar e desde essa posição mover-se


rapidamente. (Figuras 8 e 9)
A IBM, que assistiu a Sikorsky neste projeto, introduziu um modelo de libélula no
computador. Fizeram duas mil representações a partir de suas manobras de voo,
para desenvolver o sistema análogo do protótipo.
• Este procedimento parte de uma necessidade ou função específica que
o produto deve oferecer. Se inicia a pesquisa de um sistema natural
que tenha uma função análoga. O problema deste procedimento é que
a analogia foca num aspecto específico do sistema natural e não no
sistema como um todo. Esquema na Figura 10.

Figuras 8 e 9: Libélula e
Dragonfly.

Figura 10: Terceiro


procedimento.
Um exemplo deste procedimento foi o desenvolvimento do tecido Fastskin da Fonte: Adaptado de Ramos,
Speedo que precisava de um tecido para traje de banho para diminuir a fricção da 1993, p. 39.
água no corpo do atleta. O tecido tem a mesma aspereza da pele de um tubarão
que imita os sulcos dérmicos, um tipo de escama capaz de oferecer eficiência
hidrodinâmica no deslocamento e aumentar a velocidade do tubarão. (Figura 11)
Outro exemplo deste procedimento foi do Centro de Pesquisa EADS perto de
Munique que buscavam uma solução para silenciar as hélices do rotor de um
helicóptero. A pesquisa foi feita nas corujas cuja estrutura das asas permite que
seu voo seja inaudível para a maioria dos ouvidos. A solução foi deformar as
hélices no canto posterior por meio de articulações de modo que os redemoinhos
possam escapar de maneira flexível e o barulho quase desaparece. Nos testes
de túnel de vento, as fintas reduziram o ruído em 10 decibéis, um corte de 50% Figura 11: Fastskin Speedo.
no ruído e não houve efeito sobre o desempenho da turbina. (Figura 12)
Nos três procedimentos, observa-se que a aplicação da técnica depende da pesquisa
profunda do sistema natural para poder aplicar as características do sistema natural
nos produtos. A pesquisa biônica precisa de uma abertura do designer para outras
disciplinas tais como: biologia, física, mecânica, ecologia entre outras. Ou seja, a
relação inter e multidisciplinar deve ser fortalecida para que os dados levantados na
pesquisa biônica sejam aplicados com sucesso no projeto de produto. 12: Coruja e material similar a
estrutura das asas.
Se a biônica se apresenta como uma técnica criativa que usa a analogia como
meio para o desenvolvimento de produtos análogos. A Biomimética que vem
das palavras BIOS, “vida”, e MIMESIS, “imitação” surge como uma ciência mais
completa, que não vê a natureza apenas como fonte criativa, mas, como medida:
a Biomimética usa um padrão ecológico para ajuizar a “correção” de nossas
inovações. Após 3.8 bilhões de anos de evolução a natureza aprendeu: o que
funciona, o que é apropriado e o que dura.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

A natureza leva seus limites A natureza é movida a energia solar; usa apenas a energia de que precisa; adapta
a sério, produzir alimentos a forma à função; recicla tudo; recompensa a cooperação; confia na diversidade;
de acordo com a capacidade
exige especialização geograficamente localizada; inibe excessos; “explora o
produtiva da terra, manter um
equilíbrio energético.
poder dos próprios limites” (BENYUS, 1997)
A natureza como mentora: a Biomimética é uma nova forma de ver e valorizar
a natureza. Se baseia não no que podemos extrair da natureza, mas no
que podemos aprender com ela. As soluções encontradas na natureza são
eficazes. A estrutura natural do reino animal, vegetal ou mineral é regulada na
sua evolução por precisas leis da física para se adequar ao meio ambiente. A
Biomimética surge na década de 90 no meio de uma série de informações em
relação as problemáticas ambientais, por este motivo traz no seu conceito uma
abordagem mais ética e reflexiva.
A natureza sempre utiliza a menor quantidade de matéria e energia para
obter o máximo desempenho. O entendimento de como a natureza faz isto,
fornece base para o desenvolvimento de produtos que aproveitem melhor as
características dos materiais, processos e descarte.
As frutas como a laranja, tangerina são produtos e embalagens que apresentam
“absoluta coerência entre forma, função, consumo e descarte”. Cada receptáculo
é embrulhado individualmente por meio de películas, todas elas protegidas por
Figura 13: Laranja. uma casca forte e biodegradável. (Figura 13)
O floco de neve pode apresentar uma configuração variável determinada por
forças como a temperatura, umidade, velocidade do vento formando uma grande
variedade de configurações com a mesma matéria-prima. (Figura 14)

Figura 14: Floco de neve.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

Na natureza o reaproveitamento dos materiais torna-se simples, a técnica


orgânica constitui de um ou dois materiais. Um para dar estrutura (por
exemplo, osso) e outro universal de forma e função (p. ex. tecido). Facilitando a
biodegradação.
O trânsito pode-se inspirar em como multidões de insetos, peixes e pássaros
mostram com perfeição invejável sua regulagem automática de distância para
evitar colisões. Por tanto, existe um motivo evidente para se procurar entender
as formas e estruturas empregadas na natureza.
Abelhas, tartarugas, e pássaros locomovem-se sem mapas, ao passo que
baleias e pinguins mergulham no fundo das águas sem equipamento de
mergulho. Na cerejeira milhes de flores se transformam em frutos, para
pássaros, humanos, e outros animais, para que o caroço possa no solo germinar
e crescer. Seus materiais se decompõem e alimentam micro-organismos,
insetos. Alimenta tudo o que tem ao redor.
A natureza produz dentes, conchas, pinças, cascas de ovo, brocas de vespa,
tubos e válvulas do corpo humano tudo reciclável e biode-
-gradável e utilizam luz do sol, o mínimo de matéria-prima, compostos simples e
energia a uma temperatura de no máximo 38 ºC.
Ao contrário, para fabricar uma simples torneira o ser humano precisa fundir
aço a uma temperatura de 1.000 ºC, e liberar gases tóxicos. Quantos aspectos
técnicos podem ser usados de sistemas vivos como modelo, com a colaboração
de biólogos? A natureza é a maior instituição de patentes do mundo. Cabe que
nos cursos de design sejam inseridos conhecimentos em disciplinas como a
biologia para poder criar produtos inovadores e principalmente “amigáveis ao
meio ambiente”.
A Biomimética é uma visão interdisciplinar para ver a natureza e modificar a
forma atual de produção. Para esta ciência o ser humano removeu a vestimenta
natural da terra e impus um padrão de concepção. A natureza cria uma série de
“produtos” perfeitos, o que faz suas criações muito discretas, independentes da
moda e principalmente inteligentes.
Bluchel (2009) menciona que o modelo da natureza não significa,
necessariamente, que ela saiba fazer algo que os engenheiros não saibam. Mas,
via de regra, a natureza sabe fazer melhor.
Os termos Biônica e Biomimética vêm sendo entendidos como sinônimos,
mas são ciências complementares em quanto a biônica relaciona a biologia e a
técnica a biomimética relaciona mais disciplinas de forma a ter uma visão mais
ampla das potencialidades da natureza e sua aplicação no desenvolvimento de
produtos ou sistemas.
Um exemplo de biônica é o desenvolvimento do protótipo do veículo da Daimler
Chysler que se inspirou numa espécie de peixe ágil e de linhas fluidas (box fish), que
vive nas profundezas submarinas, para projetar o Mercedes-Benz Bionic. O projeto
envolveu uma equipe de engenheiros, designers, cientistas e biólogos. (Figura 15)

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

Figura 15: Veículo da Daimler


Chysler Box fish.

Basicamente o desenvolvimento do veículo foi uma analogia superficial de


formas. Já a biomimética não se resume a uma analogia de formas, mas a
uma aplicação mais consciente do potencial da natureza visando o bem-estar
do ser humano e o meio ambiente. Um exemplo é a bandagem quitosana que
usa um componente da casca do camarão cujas moléculas tem uma carga
positiva, podendo interagir com as células vermelhas do sangue, de carga
negativa, formando um coágulo. Segundo (CHALLONER, 2010) a quitosana
permite que o ferimento coagule depressa, facilitando o transporte de
pacientes.

Outra integração interessante da biologia com diversas áreas é a Biomimética,


que significa imitação da vida. Para Benyus (1997), é uma nova ciência que
estuda os modelos da natureza e depois se inspira neles ou os imita, com
o objetivo de resolver problemas humanos. A Biomimética usa um padrão
ecológico para ajuizar a correção das inovações, determinando o que funciona, o
que é adequado e o que dura.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

Apresenta-se como um termo mais amplo que permitirá olhar de forma


diferente à natureza. Justamente por esta disciplina ter surgido na fronteira
de disciplinas como agricultura, ecologia, medicina, engenharia dos materiais,
informática. É o resultado de uma ação interdisciplinar que pode contribuir para a
criação de uma nova disciplina com a linguagem e necessidade do design.
Ewel (1991, apud Benyus, 1997) recomenda, “imite a estrutura vegetal de um
ecossistema e você obterá a funcionalidade que procura”. McDonough e Braungart
(2010) exemplificam como essa imitação pode ser eficiente no design. Para os
autores todos os materiais das formigas, inclusive as mais letais armas químicas,
são biodegradáveis e uma vez devolvidos a terra se convertem em nutrientes.
Além da biologia e ecologia, uma disciplina que também deveria ser integrada ao
design é a química. As informações que os designers têm sobre materiais estão
voltadas na sua maioria a aspectos estéticos, de preço e resistência, os aspectos
ambientais são minimizados ou superficiais. O designer não possui informação
suficiente sobre padrões de toxicidade, resultados de testes de materiais e
resultados de análise do ciclo de vida.
Goleman (2009) lembra que as toxinas flutuam na poeira do ar, na água e no
solo, ou desprendem-se de uma longa lista de objetos que vão de tintas a
carpetes, passando por computadores, celulares e móveis.
Por outro lado, a ideia de sustentabilidade não se limita aos materiais,
pelo contrário, começa com eles. O material reciclado exige uma tarefa de
recuperação e outra de transformação que implica em consumo de energia e
geração de resíduos. Uma lata de alumínio está composta de uma combinação
de alumínio e manganês e uma porcentagem de magnésio. Em um processo de
reciclagem os materiais são fundidos juntos produzindo um metal mais débil e,
portanto, menos útil. Apenas o “reciclado” da biosfera pode devolver o material
consumido a seu estado inicial de recurso natural.
McDonough e Braungart (2010) destacam que uma roupa de poliéster e uma
garrafa de água são dois exemplos de produtos que oferecem ao consumidor
mais aditivos que não solicitou e que podem resultar nocivos à saúde. Os autores
continuam mencionando que ao longo de pesquisas descobriram que vários
produtos tais como: um mouse de computador, um barbeador, um secador de
cabelo, jogo de videogame e reprodutor de CD durante o uso emitiam compostos
teratógenos e/ou cancerígenos.
Os autores mencionam que outra substancia perigosa nos plásticos são os
ftalatos que podem penetrar no organismo por contato como é o caso de
flutuadores nas piscinas em contato com a pele fina das crianças.
Com o dito ao longo do texto, percebe-se a necessidade de uma integração
maior de disciplinas com saberes específicos de impacto à saúde e ao meio
ambiente, assim como, de disciplinas onde apreender novas formas de
configuração de objetos. Precisamos que alunos de áreas projetuais organizem
melhor seus conhecimentos para que as decisões tomadas no desenvolvimento
de um produto ou serviço sejam resultado de informações reais, éticas,

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Interdisciplinaridade como Meio para o Fortalecimento da Biônica e Biomimética nos Cursos de Design

transparentes, conscientes e interdisciplinares, talvez assim possamos trilhar o


caminho da sustentabilidade.

5 Conclusão
A natureza é uma fonte inesgotável de exemplos de soluções eficientes que
podem servir de modelos na resolução de problemas humanos. Ela pode
contribuir na concepção de produtos inovadores e sustentáveis. Para isto,
Figura 16: Abelha.
designers necessitam de apoio interdisciplinar da biologia técnica, biônica,
Pela aerodinâmica a abelha biomimética, para poder entender e aplicar os conhecimentos dos sistemas
não deveria conseguir voar. Mas
naturais. (Figura 16)
como ela não sabe disso, voa
do mesmo jeito. Mary Kay Ash Este artigo teve como objetivo apresentar os conceitos de biônica e biomimética
Os cientistas sempre tiveram e perceber que temos na natureza uma transformação de energia e matéria de
dificuldade para entender o voo
dimensões gigantescas, um sistema tecnológico que trabalha com um fator de
dos insetos porque, segundo
cálculos simplificados, os bichos rendimento eficiente e que se mantem por quatro bilhões de anos.
não deveriam ser capazes de É importante que frente aos mais diversos problemas ambientais os futuros
se manter no ar por causa das
profissionais que desenvolvem produtos utilizem a biônica e biomimética de
asas muito pequenas.
Os cálculos, no entanto, forma consciente em seus trabalhos. Evitar que uma simples analogia formal
estavam errados por enxergar de um sistema natural seja denominada de aplicação biônica. Espera-se que
as asas dos insetos como este trabalho sirva de incentivo para que professores insiram conhecimentos de
plataformas estáticas, como biônica e biomimética nas suas disciplinas.
as dos aviões. Na verdade, o
movimento delas consegue
Referências
criar pequenos vórtices no ar, o
BENYUS, Janine M. Biomimética – inovação inspirada na natureza. São Paulo: Cultrix, 1997.
que permite o voo.
BLUCHEL, Kurt G. Biônica: como podemos usar a engenharia a nosso favor. São Paulo: Pub. House
Lobmaier, 2009.
BOMFIM, G. A. Fundamentos de uma teoria transdisciplinar do design: morfologia dos objetos de
uso e sistemas de comunicação. In: Estudos em design, v. V, n. 2, Rio de Janeiro, 1997.
COINEAU, Yves; KRESLING, Biruta. Le invenzione della natura e la biônica. Itália: Edizioni Paoline, 1986.
COUTO, Rita Maria de Souza. Movimento interdisciplinar de designers brasileiros em busca de
educação avançada. Tese de doutorado. PUC-Rio, 1997.
CHALLONER, Jack. 1001 Invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro: Sextante, 2010.
DEMO, Pedro. Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção do conhecimento. Petrópolis: Vozes,
1997.
FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade um projeto em parceria. São Paulo: Loyola, 1991.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência ecológica: o impacto do que consumimos e as mudanças que podem
melhorar o planeta. Rio de Janeiro, Elsevier, 2009.
GOMES, Luiz Antonio Vidal de Negreiros. (Org.) Biônica e atividade projetual. Programa de Engenharia
de Produção Área de engenharia de Produto. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 1985.
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Campinas. Papirus, 1990.
JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar: e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
McDONOUGH, William; BRAUNGART, Michael. Cradle to Cradle (De la cuna a la cuna) rediseñando la
forma em que hacemos las cosas. Mc GrawHill. Madrid, 2005.
RAMOS, Jaime. A biônica aplicada ao projeto de produtos. Dissertação, (Mestrado em Engenharia)
Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1993.
PAZMINO, Ana. Metodosdedesign.com.br.2017
TRONCA, Dinorah Sanvitto. Transdisciplinaridade em Edgar Morin. Caxias do Sul. RS, 2006.

Métodos e Processos em Biônica.indb 100 22/10/2018 14:17:25


ASPECTOS ESTRATÉGICOS
E SISTEMáTICOS DA BIÔNICA
E BIOMIMÉTICA

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SOBRE O AUTOR
Fabricio Vanden Broeck | vandenbro@yahoo.com.mx
Lattes: http://fabriciovandenbroeck.com/?page_id=229#display
Nascido em 1955, na Cidade do México. Designer, ilustrador, pintor e editor, é professor de design e design básico
e bionica na Universidade Autônoma Metropolitana de Azcapotzalco, na Cidade do México. Mestrado em design e
biônica na Ecolé de Lausanne, Suíça. Suas ilustrações foram publicadas no The New York Times, no La Vanguardia
(Barcelona), no Libération (Paris), no El Mundo del siglo XXI (Madri), na revista El Malpensante (Bogotá) e na revista
Letras Libres (México, DF). Atualmente é editor de ilustração da editora El Dragon Roxo, dedicada exclusivamente
para livros infantis.
Em 2007, o livro La cucaracha, ilustrado por ele, foi selecionado para a exposição The White Ravens 2007 que a
Internationale Jugendbibliothek organiza anualmente no âmbito da Feira do Livro de Ragazzi de Bolonha, Itália. Em
2010, ele foi indicado pelo México para o Prêmio Hans-Christian Andersen na categoria de ilustração.

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Padrões na Natureza
Patterns in Nature
Fabricio Vanden Broeck

Resumo
É possível perceber como algumas coisas na natureza, apesar do aspecto orgânico, parecem
precisamente e milimetricamente calculado sobre um padrão matemático.
Em muitos desses padrões estão escondidas algumas sequências matemáticas das mais
importantes. Uma delas e mais exploradas é a sequencia de fibonacci que converge para a proporção
áurea (1,618033…). Outras que demonstraremos no texto, são os fractais, os fluxos, as ramificações
dentre outras. Procuraremos demonstrar que mesmo por traz deste sistema caótico e de ordem ao
mesmo tempo, seus princípios e construções possuem uma base comum.
Palavras-chaves: Padrões e natureza; Lei constructual; Biodesign.

Abstract
It is possible to see how some things in nature, despite the organic aspect, seem precisely and millimetrically
calculated on a mathematical pattern.
In many of these patterns are hidden some mathematical sequences of the most important. One of them
and more explored is the fibonacci sequence that converges to the golden ratio (1.618033 ...). Others
that we will demonstrate in the text, are the fractals, the flows, the ramifications among others. We will
try to demonstrate that even behind this chaotic and orderly system at the same time, its principles and
constructions have a common basis.
Keywords: Patterns and nature; Construction law; Biodesign.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Padrões na Natureza

1. Introdução
Um dos aspectos mais interessantes da natureza, do ponto de vista do
designer, é a sua formidável coerência formal e estrutural. Como vários autores
apontaram e, em particular, Peter S. Stevens em seu livro Patterns in Nature,
por trás da aparente diversidade de formas e soluções na natureza, há uma
unidade porque todos derivam da combinação de alguns padrões e princípios de
construção básicos.

Entre esses padrões, alguns são particularmente relevantes, pois estão


presentes tanto nos processos mais primitivos de interação do espaço com a
matéria, quanto naqueles relacionados aos organismos vivos mais sofisticados,
bem como nos esquemas de organização e desenvolvimento feitos pelo homem

A esfera, por exemplo, é o arquétipo da proteção. Ele se manifesta em todo o


sistema em estado latente, como ovos, sementes ou frutos e isso por uma razão
física: de todas as formas tridimensionais, a esfera é a que contém o maior
volume com a menor superfície.

É então a solução ideal para proteger algo porque minimiza a superfície


em contato com o exterior. Nós mesmos aproveitamos a forma esférica no
desenvolvimento de capacetes de proteção ou de recipientes sob pressão pelas
mesmas razões e, claro, também as formas aerodinâmicas e hidrodinâmicas que
de alguma forma derivam da esfera.
Figura 1: Fruto da goiaba.
A esfera também é o ponto de partida da maioria dos processos vitais. Os
programas de crescimento e expansão espacial estão contidos em estruturas de
proteção esféricas e compactas, como sementes ou brotos.

A espiral, por outro lado, é o padrão que governa os processos de crescimento e


desenvolvimento: a abertura das flores, por exemplo, passa pelo desenrolar de
estruturas compactadas, algumas dobradas, outras roladas, dentro do casulo e
isso graças ao meandro ou à espiral, padrões semelhantes de empacotamento
compactos. Nós mesmo crescemos dentro de um saco envolto em uma
estrutura que tende à forma esférica e desenvolvemos pelo desdobramento.

A propriedade de embrulho da espiral torna possível compactar um longo


caminho dentro de um espaço pequeno. O Museu Guggenheim é um bom
exemplo de como, graças à espiral, Frank Lloyd Wright maximiza uma jornada de
funcionamento do museu dentro de um volume reduzido.

O meandro é um padrão de ocupação do espaço a partir de um caminho linear,


como no caso de um rio que se estende em uma área sinuosa e, como a espiral,
é um padrão particularmente relevante na formação de estruturas dobráveis e
​​
empacotamentos compactos. As linhas longas nos aeroportos, por exemplo, são
gerenciadas usando o meandro e são um exemplo do uso que o homem deu a
esse padrão.

Figura 3: Rio fluindo, seguindo o A explosão é um padrão de expansão espacial rápida que se manifesta quando a
padrão do meandro. urgência se impõe: o exemplo mais imediato é a explosão, em seu sentido literal,

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
105
Padrões na Natureza

que se manifesta com a necessidade de dispersar uma concentração excessiva


de energia o mais rápido possível.
O modelo centrífugo e multidirecional que acompanha o fenômeno da explosão é
o mais adequado para dispersar recursos, energia ou matéria em situações onde
a urgência prevalece.
Em áreas de catástrofe, como as vistas após um terremoto ou crise humanitária,
as necessidades urgentes impõem uma organização implosiva, isto é, uma
precipitação de fora para o centro onde os recursos estão concentrados. A forma
é a mesma que a da explosão, embora o sentido seja centrípeto. Figura 4: Fogos de artifício.

A ramificação também é um padrão de crescimento e expansão, mas propõe


um crescimento ordenado baseado na hierarquia: o resultado é ramificações
diferenciadas, algumas mais importantes do que outras, embora sejam
interdependentes e indispensáveis ​​para o funcionamento do sistema. É um
esquema mais “sofisticado” na medida em que introduz uma organização
hierárquica que, pela sua natureza, é mais complexa.
No entanto, a maior sofisticação das ramificações não implica uma superioridade
em termos de eficiência em relação a outros padrões expansivos, nem é
o resultado de uma evolução baseada em padrões mais simples. De fato,
manifesta-se simultaneamente com os outros padrões que mencionamos, nas
Figura 5: Ramos na folha da
expressões mais primitivas da interação das forças da natureza e da organização árvore.
da matéria. As redes fluviais e os choques elétricos nas tempestades são um
bom exemplo disso. As organizações humanas também recorrem a esquemas
ramificados e hierárquicos. Estes aparecem de uma certa escala, quando a
administração de uma só pessoa se torna ineficiente.
Todos esses padrões formativos não são mutuamente exclusivos nem são
características fixas e imóveis de um fenômeno particular. As circunstâncias
externas podem impor mudanças e alterar padrões construtivos geralmente
associados a uma certa manifestação.
Encontramos um exemplo da variabilidade dos padrões nas plantas em
áreas desérticas: em geral, estas são organizadas em uma explosão porque
a escassez de água que obriga a dispensar qualquer estrutura intermediária
que atrase o fluxo de líquidos das raízes para as folhas. Assim, na maioria das
plantas de áreas desérticas, as folhas estão diretamente ligadas às raízes,
independentemente dos ramos. Estas plantas raramente excedem 50 cm de Figura 6a: Nopal na área do
altura: maior altura implicaria mais tempo para que a água passasse das raízes deserto.
para as folhas, durante o qual as perdas de fricção ou evaporação excederão as
vantagens de ganhar altura e volume.
No entanto, nas áreas de fronteira entre o deserto e as zonas mais temperadas,
aparecem as adaptações particulares dessas plantas às condições ambientais
mais moderadas, que lhes permitem crescer em tamanho, favorecendo - se não
exigir - a aparência de estruturas ramificadas e mais econômicas que a explosão
e estruturalmente mais viável para tamanhos maiores. Estas adaptações Figura 6b: Nopal na área
particulares atingem mais de 4 metros de altura. semidesértica.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
106
Padrões na Natureza

2. Tudo flui
Na natureza, o que percebemos como formas são apenas “quadros” de uma
sequência de mudanças contínuas na busca de um equilíbrio dinâmico. Essas
sequências de mudanças constituem fluxos.

Onde há movimento, há fluxo. Tudo o que se move, animado ou inanimado, é um


fluxo, Adrian Bejan nos conta em seu livro Design in Nature. E tudo na natureza
está sujeito a movimentos porque obedece à 2ª Lei da Termodinâmica. Esta
lei revela a tendência ao equilibrar dos níveis de energia em um determinado
espaço: onde há uma maior concentração de energia, esta tenderá a dissipar-
se fluindo para as áreas de menor concentração, a fim de obter uma distribuição
Figura 7: Fluxo laminar em uniforme de energia em um dado espaço.
madeira. O crescimento lento Se, por exemplo, acendemos uma vela em um espaço fechado, o calor emitido
da madeira contorna um nó,
por ela será distribuído no espaço disponível até que a temperatura seja igual
zona de maior densidade.
para todos os lados.

Este princípio é válido para qualquer forma de energia em qualquer das suas
manifestações: massa, informação, etc. Na natureza, um sistema aberto por
definição, as fontes de energia são múltiplas e diversas, o que gera diferenças
acentuadas no potencial energético: se ativa então os fluxos que colocam em
movimento fluidos de diferentes naturezas e em diferentes direções, gerando
uma combinação complexa de turbulência, fluxos laminares, explosões, todos
esses fenômenos que mostram padrões que também encontramos em muitas
outras manifestações, inclusive animadas.

De acordo com Bejan, vegetais e animais são manifestações da busca de


distribuição de matéria e energia no espaço disponível. Nos fluxos, que
representam a primeira expressão do movimento na matéria, já se manifestam
todas as formas e padrões que vemos refletidos em manifestações mais
evoluídas. Do ponto de vista construtivo, não existe uma linha divisória entre o
animado e o inanimado e, se a vida se origina em um ambiente aquático, não é
surpreendente que as primeiras formas dos vivos sejam apenas uma pequena
variação nas formas que caracterizam os fluxos.

Figura 8a: fluxo turbulento


gerado pelo deslocamento
rápido de um objeto em uma
superfície de água.

Métodos e Processos em Biônica.indb 106 22/10/2018 14:17:28


MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
107
Padrões na Natureza

Um fluxo é um sistema determinado por 2 estados: um estado potencial


latente, caracterizado por uma certa concentração de alguma forma de energia
e um estado dinâmico que mobiliza energia concentrada para uma área ou
espaço de menor ou nenhuma presença de energia, em uma tendência natural
de distribuição uniforme. Por exemplo, uma fonte de água irá dispensar
e dispersar a água, que tenderá a espalhar-se o máximo possível na área
disponível. Figura 8b: Medusa.

Esses dois estados, um de concentração e armazenamento, o outro de expansão


e movimento, se alternam constantemente nos processos de mobilização
de energia na Natureza, mesmo que estejam por trás de todos os processos
naturais.
O processo de expansão ou ocupação do espaço disponível é o fluxo e este
adotará um determinado padrão formal dependendo da diferença de potencial
(diferença de temperatura, umidade, quantidade de matéria etc.) entre a fonte e
o espaço disponível para o processo de expansão.
Figura 8c: Seção longitudinal
Voltando ao exemplo da vela, o calor emitido por ela se espalhará lentamente, em um cogumelo.
uma vez que o diferencial entre a energia emanada pela vela e a energia
ambiente é relativamente mínimo e de pouco alcance, o que fará com que o fluxo

Figura 8d: Formação de


turbulência gerada por um fluxo
de água relativamente rápido
que passa por um obstáculo fixo
(pedra).

Figura 9: Diferentes estágios


do fluxo de água de uma fonte.
À medida que o fluxo diminui,
a alternância de contração
e expansão se torna mais
evidente.

Métodos e Processos em Biônica.indb 107 22/10/2018 14:17:30


MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
108
Padrões na Natureza

de energia enfrente uma relativa resistência do ar que se manifestará primeiro


por uma ondulação - meandro - e, finalmente, pela turbulência caracterizada
por espirais. Você pode visualizar isso com a fumaça do charuto: o calor e a
fumaça estão lutando para superar a resistência do ar e espalhar-se e essa luta
entre fluidos, não muito diferentes uns dos outros em termos energéticos, é
manifestada por um fluxo de onda e então turbulento.
No entanto, se no mesmo espaço, em vez de uma vela, acendermos uma
Figura 10: Fluxo ondulatório bombinha, explodirá seguindo um padrão explosivo que, à medida que perde
e turbulento na fumaça do
energia, enfrentará a resistência do ar que se tornará cada vez mais patente,
cigarro.
forçando o fluxo a mudar de padrão adotando sucessivamente o da ramificação,
o do meandro e, finalmente, o da turbulência.

Figura 11: Formação de


explosão estágios sucessivos
da expansão explosiva
de energia está adota em
sequência o padrão da
explosão, o do ramo, o meandro
e termina com a espiral.

A alternância dos estados de concentração e expansão pode ser observada


nos vários estágios do desenvolvimento das plantas. As sementes, um
exemplo evidente do estado de concentração, dão lugar aos processos de
desenvolvimento da planta que se manifesta com a expansão espacial desta
planta para depois gerar novas sementes que serão dispersas no espaço graças
a diferentes mecanismos, dando, cada uma, início a um novo ciclo.

Bejan aponta um exemplo muito interessante na formação dos cristais de neve:


primeiro a água se concentra ao redor de um núcleo para iniciar o processo
de solidificação. Do núcleo, seguindo uma simetria hexagonal, ele nos diz,
emergem agulhas que são nada mais do que dissipadores de calor que facilitam
a solidificação. Para acelerar ainda mais o processo, as primeiras agulhas
se ramificam e geram mais agulhas que aceleram ainda mais o processo de
dissipação de calor e solidificação.

Não é difícil ver um paralelo entre a semente, sua transformação em uma planta
através da expansão e ramificação e o que acontece com o núcleo do cristal de
neve, sua expansão através de uma certa explosão (constituída por apenas seis
raios) e as ramificações sucessivas dos raios.

Métodos e Processos em Biônica.indb 108 22/10/2018 14:17:34


MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
109
Padrões na Natureza

Figura 12: Formação de


flocos de neve 1º, 2º, 3º, 4º,
5º estágios sucessivos da
formação de um floco de neve.

3. Conclusão
Os padrões que vemos e concebemos de forma isolada na natureza estão na
realidade vinculados entre si e fazem parte de um fenômeno único promovido
pela necessidade de expansão e distribuição uniforme de energia em um
ambiente de constante mudança, sempre em movimento: o fluxo, sistema
caracterizado por dois estados, um de concentração e o outro de expansão que
se alternam entre si de forma indefinida.
O fluxo se manifesta tanto no inanimado como no animado em resposta à 2ª lei
da termodinâmica e ao princípio básico de todas as formas: a Lei Constructual
proposta por Bejan que pode ser resumida da seguinte forma:

1. Para que um fluxo persista ao longo do tempo, sua configuração deve


evoluir de forma a facilitar o acesso às correntes que fluem através dele.

2. Para otimizar, o fluxo de energia adotará sucessivamente diferentes


padrões formais, em função da diferença de potencial de energia e da
fase do fluxo (concentração ou expansão).

REFERÊNCIAS
Adam A. John. Mathematics in nature: modelling patterns in the natural world. Princeton, Princeton
University Press, 2003.
Bejan, A. & Zane, Peder J. Design in nature. New York, Doubleday, 2012.
Meadows, H. Donella. Thinking in systems. USA, Chelsea Green Publishing, 2008.
Schmidt-Nielsen, K. How animals work. USA, Cambridge University Press, 1979.
Schwenk, T. Sensitive chaos. Rudolph Steiner Press, 1996.
Stevens, S. P. Les formes dans la nature. Paris, Seuil, 1978.
Thompson, W. D’Arcy. Crecimiento y forma. Barcelona, Blume, 1980.
Vanden Broeck, F. El diseño de la naturaleza o la naturaleza del diseño. UAM-Azc., 2000.
Wainwright S. A. y otros. Diseño mecánico en organismos. Barcelona, Blume, 1980.

Métodos e Processos em Biônica.indb 109 22/10/2018 14:17:35


Métodos e Processos em Biônica.indb 110 22/10/2018 14:17:35
COMPReENDENDO
E INTERPRETANDO
OS VALORES DA NATUREZA

Métodos e Processos em Biônica.indb 111 22/10/2018 14:17:35


SOBRE O AUTOR
Jaime Ramos I jaimeramos.br@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0920239316776926
Graduado em Desenho Industrial pela Universidade Católica do Paraná (1982), com mestrado em Engenharia de
Produção – pela Universidade Federal de Santa Catarina (1993), fez doutorado sanduíche na Universidade Montreal
em 1997 tendo concluído doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina em
2001. Foi Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná , onde lecionou, entre 1999 e 2017, nos
Cursos de Design de Produto, Design Gráfico, Design Digital, Design de Moda e de Engenharia de Produção. Foi
também coordenador dos cursos de Design da PUCPR . Atuou também como professor Visitante na Université
Savoie Mont Blanc em Annecy França entre 2013 e 2015. Possui experiência na área de Desenvolvimento de
Produtos, atuando no ensino e pesquisa nos seguintes temas: projeto, ergonomia, design industrial, biônica,
ecodesign e ecologia industrial. Desde 2017 é integrante do grupo de pesquisa Grupo de Pesquisa em Ergonomia e
Usabilidade no LABERG da Universidade Federal do Paraná.

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Biônica e Biomimética: A Evolução do Uso de
Analogias Naturais – Possíveis Contribuições na
Busca da Sustentabilidade Ambiental
Bionics and Biomimetics: The Evolution of the Use of
Natural Analogies – Possible Contributions Towards
Environmental Sustainability
Jaime Ramos
Resumo
Através deste artigo pretende-se analisar as possibilidades do uso de analogias naturais como
fonte de inspiração para resolver problemas humanos. A pesquisa visa identificar também o
potencial do uso dessas analogias, pela Biônica ou Biomimética, na busca de alternativas para a
criação e desenvolvimento de produtos menos danosos para o meio ambiente. Tem destaque as
oportunidades decorrentes das novas tecnologias na expansão desse campo de estudo.
Palavras-chave: Biônica; Biomimética; Design; Sustentabilidade.

Abstract
Through this article we intend to analyze the possibilities of the use of natural analogies as a source of
inspiration to solve human problems. The research also aims to identify the potential of the use of these
analogies, by Bionics or Biomimetics, in the search for alternatives for the creation and development of
products less harmful to the environment. The opportunities arising from the new technologies in the
expansion of this field of study are highlighted.
Keywords: Bionics; Biomimetics; Design; Sustainability.

Métodos e Processos em Biônica.indb 113 22/10/2018 14:17:35


MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
114
Biônica e Biomimética: A Evolução do Uso de Analogias Naturais – Possíveis Contribuições na Busca da Sustentabilidade Ambiental

1. Antecedentes
Ao longo da história da existência humana na terra a natureza sempre ofereceu
ao homem um vasto catálogo de soluções para problemas variados.
No processo evolutivo os organismos mais adaptados às condições do meio
ambiente sempre tiveram maiores chances de se reproduzir. Isso faz com
que características que resultem em eficiência e funcionalidade, passem
para as gerações seguintes. Por outro lado, os seres que não possuem essas
características tendem a desaparecer.
Os primeiros humanos usavam a experiência dos processos naturais como fonte
de inspiração para resolver seus problemas cotidianos. A forma dos peixes pode
ter servido de inspiração para a configuração das primeiras canoas. As primeiras
choupanas apresentavam semelhanças com os ninhos dos pássaros. A ponta do
arpão, usado desde a idade da pedra, é semelhante ao ferrão dos insetos e aos
espinhos de algumas plantas.
Desde os primórdios os humanos tiveram também de batalhar contra ameaças
existentes na natureza. Na luta contra animais e plantas perigosas, inundações,
fogo e fome o homem desenvolveu, além das ferramentas, outros meios para
poder controlar e não ser controlado pelas forças naturais. Essa aparente
oposição entre o homem e o meio ambiente natural contribuiu para um
afastamento entre o ser humano e a sabedoria existente na natureza.
Na busca de respostas para seus problemas, o homem pode obter avanços
significativos se voltar a utilizar as soluções existentes no meio natural,
aproveitando o potencial dessas lições e encarando a natureza – não mais como
ameaça que deve ser eliminada – mas como fonte de inspiração consciente
capaz de oferecer alternativas para a solução dos problemas e necessidades
humanas. (Ramos, 1993).
Embora existam muitos exemplos do uso de analogias naturais para o
desenvolvimento de artefatos ao longo da história, a sistematização desse
conhecimento ainda é relativamente recente.
Nos anos 60 surgem iniciativas com o objetivo de integrar a biologia e a
engenharia. O major Jack Steele usou termo Bionics (Biônica), para nominar “a
ciência dos sistemas cujo funcionamento foi copiado de sistemas naturais ou
que apresentam características específicas de sistemas naturais ou ainda que
lhes são análogos” (Arruda, 2012).
Também nos anos de 1960 surge o termo Biomimetics (Biomimética) cunhado
por Otto H. Schmitt com o objetivo de sistematizar conhecimentos para estudar
e replicar os métodos, projetos e processos existentes na natureza. (VINCET,
2006)
Mas foi Janine Benyus, cofundadora do Biomimicry Institute, a responsável
pela popularização do termo Biomimetismo (Biomimicry). Benyus define a
Biomimética através da delimitação de três abordagens: natureza como
modelo; natureza como medida e natureza como mentora. Essas abordagens

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
115
Biônica e Biomimética: A Evolução do Uso de Analogias Naturais – Possíveis Contribuições na Busca da Sustentabilidade Ambiental

vão além da imitação de formas biológicas instigando também a imitação


de comportamentos e da organização dos sistemas naturais para resolver
problemas humanos. Segundo ela a Biomimética “inaugura uma era cujas bases
assentam não naquilo que podemos extrair da natureza, mas no que podemos
aprender com ela”. (Benyus, 1997).

Embora o termo Biônica seja bem conhecido entre pesquisadores, as pessoas


em geral confundem com tecnologias para substituição de partes do corpo
humano por sistemas eletromecânicos. Assim, nesse artigo iremos preferir o
termo Biomimética.

A busca de inspiração na natureza para resolver problemas de projeto pode


ser vista nos estudos de Leonardo Da Vinci, (1452-1519), que aplicou o
conhecimento adquirido no estudo do voo dos pássaros e dos morcegos em
projetos de máquinas voadoras. Otto Lilienthal, 400 anos depois projetou e
construiu planadores também baseado nesses estudos. O trabalho desses e de
outros pioneiros abriu caminho para a invenção do avião. (OTTO, 2017)

Um dos exemplos de biomimética mais conhecidos é o da invenção dos fixadores


Figura 1: VELCRO® sendo
da marca VELCRO®. Esse sistema de fixação flexível que pode ser conectado puxado
e desconectado várias vezes, sem a necessidade de regulagens ou apertos foi Fonte: https://www.
desenvolvido por um engenheiro suíço, nos anos 40, a partir da observação de nikonsmallworld.com
sementes espinhudas (o carrapicho).

No campo das construções merecem destaque as cúpulas geodésicas de


Buckminster Fuller, desenvolvidas a partir do estudo dos radiolários (organismos
marinhos). Esse tipo de construção, de forma esférica ou semiesférica, é
vantajoso quando o objetivo é obter grande volume interno conjugado com uma
superfície externa mínima, proporcionando economia de materiais construtivos.

2. A
 Biomimética e Sustentabilidade ambiental
– atualidade e futuro.
Entre os grandes problemas da atualidade destacam-se os impactos ambientais
causados pelas atividades humanas que podem ser vistos na deterioração dos
recursos hídricos, na destruição da floresta, redução na camada de ozônio,
na acumulação de ozônio na troposfera, no efeito estufa, chuva ácida e na
acumulação de resíduos sólidos.

Na busca de soluções para a redução de impactos ambientais dos produtos


a própria natureza pode ser uma fonte de inspiração, pois ela sempre utiliza
a menor quantidade de matéria e de energia para obter o máximo em
desempenho. A compreensão dos meios pela natureza utilizados para obter esse
efeito fornece base para o desenvolvimento de produtos que aproveitem melhor
as características dos materiais e processos existentes (Ramos, 2001).

Problemas como a acumulação de lixo dificilmente acontecem na natureza. O


que sobra para um vira recurso para o outro. Enquanto a humanidade utiliza
centenas de materiais para construir artefatos e objetos que um dia acabam

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biônica e Biomimética: A Evolução do Uso de Analogias Naturais – Possíveis Contribuições na Busca da Sustentabilidade Ambiental

em pilhas gigantescas de lixo, a natureza usa poucos materiais que compõem


milhares de seres de alta complexidade.

A Biomimética pode contribuir para o desenvolvimento de soluções mais


“amigas” do meio ambiente em diversos aspectos. A natureza está cheia de
exemplos de “produtos’ feitos com estruturas leves e resistentes configuradas
com a menor quantidade de materiais possíveis, produzidas no local e com o
uso de recursos locais, com componentes químicos atóxicos, e de sistemas com
logística reversa, reaproveitando recursos ao invés de descartá-los.

Como exemplo recente de estruturas leves, baseadas na natureza, merecem


destaque as construções como as Olimpíadas de Pequim em 2008. Nesse
evento a China se destacou por construções arrojadas como o Estádio Ninho
do Pássaro e um centro de natação, chamado de Watercube. A primeira de
inspiração óbvia e a segunda, o Watercube, inspirado na configuração que poderia
ser formada pelo agrupamento de bolhas de sabão, o resultado final lembra um
cubo d’agua. Para quem está dentro dá a sensação de estar sob uma camada
de água. As paredes e o teto da construção são compostas de grandes bolhas
achatadas feitas com um polímero translúcido, fino, leve e extremamente
resistente. As bolhas acumulam o ar quente do sol que também circula para
aquecer as piscinas. O material é resistente aos danos causados pela luz solar,
clima e até mesmo poeira. (HENNIGHAUSEN, 2015))

Os processos de impressão 3D abrem grandes possibilidades para a


Biomimética. Muitas formas naturais crescem pela adição de camadas ou
duplicação de elementos como ocorre com as células. Os processos de adição
de materiais, como acontece na impressão 3D, permitem a criação de formas e
estruturas que até bem pouco tempo seriam impossíveis de serem fabricadas.

A estudante de Design, Lilian Van Daal, desenvolveu uma cadeira inspirada nas
células das plantas, impressa em 3D a partir de um único material. Produtos
mono material são também mais fáceis de reciclar. O objetivo da estrutura da
Figura 2: Cadeira impressa em cadeira foi o de proporcionar flexibilidade e resistência, bem como o de explorar
3D as possibilidades de produção no local oferecidas pelo processo de impressão 3D
Fonte: Griffiths, 2017 (Griffiths, 2017).

Usamos materiais que duram 400 anos para construir objetos de vida útil
extremamente curta. Novos materiais inspirados a partir de materiais
produzidos por sistemas naturais abrem novas possibilidades para o uso de
matérias biodegradáveis ou recicláveis.

A Adidas desenvolveu um tênis biodegradável que pode ser dissolvido na água


em 36 horas com o auxílio de uma enzima. Esse tênis é feito com um tecido
ultraleve e resistente chamado Biosteel. O material foi desenvolvido usando as
mesmas proteínas que as aranhas usam para fazer suas teias (Garfield, 2017)

A Lexus foi um pouco além ao propor um assento conceitual para veículo,


também feito com materiais sintéticos que imitam a seda produzida pela aranha,

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biônica e Biomimética: A Evolução do Uso de Analogias Naturais – Possíveis Contribuições na Busca da Sustentabilidade Ambiental

mas que além disso, apresenta uma configuração que imita a forma da teia para
dar flexibilidade e resistência ao conjunto (Autoconception, 2017)
No nível macro temos muito a aprender com a natureza, não apenas com
relação à formas e materiais, mas também com relação a comportamentos e
funcionamentos do sistema como um todo. A Ecologia Industrial e a Economia
Circular imitam a natureza ao criar sistemas de produção onde o resíduo de um
é a matéria prima do outro. Tenta-se produzir sem gerar lixo como acontece na
natureza.
No nível micro as possibilidades também são incontáveis. O desenvolvimento
da nanotecnologia abre novas oportunidades para o desenvolvimento de novos
Figura 3: Assento com superfície
materiais e sistemas. Peças coladas são difíceis de separar o que dificulta ou
em teia desenhado para
inviabiliza a reciclagem. Para resolver esse problema a Ford desenvolveu um envolver o corpo e distribuir o
sistema de união de peças baseado na pata da lagartixa. Esse sistema usa nano peso.
tubos para criar uma fita adesiva sem cola. “As pontas dos dedos das patas Fonte: Autoconception, 2017
da lagartixa fazem com que elas grudem em superfícies sem nenhuma tensão
superficial e, quando quiserem se soltar, o façam com extrema facilidade e sem
deixar resíduos. Exatamente o tipo de propriedade que a companhia automotiva
buscava” (Rodrigues, 2015)

3. Considerações finais
Apesar de existirem centenas de exemplos, nos quais o ser humano usou a
natureza como fonte de inspiração para resolver problemas variados, pode-
se dizer que a aplicação de princípios naturais em projetos ainda é incipiente
frente as incontáveis oportunidades que a natureza oferece. O conhecimento
sobre os princípios que regem os sistemas naturais depende de muita pesquisa
e a aplicação desses princípios depende da existência de tecnologias ainda em
desenvolvimento. Entretanto, existe um potencial muito grande de expansão
para o uso da Biomimética já que se as soluções existentes na natureza tendem
ao infinito os problemas humanos também são muitos.
Vivemos em uma era com grandes oportunidades e inovação no campo da
Biomimética. Os avanços recentes na biotecnologia e na nanotecnologia
permitem o desenvolvimento de novos materiais. Graças à impressão 3D
podemos produzir materiais com formas inspiradas no mundo natural que antes
eram muito complexas para serem fabricadas pelos processos tradicionais.
As patentes de Biomimética, os artigos acadêmicos e os subsídios de pesquisa
aumentaram mais de cinco vezes desde o ano 2000, de acordo com um relatório
citado por Bagley, (2014). O projeto “Perfis Profissionais para o Futuro da
Indústria Paranaense,” promovido pela Federação das Indústrias do Estado
do Paraná – Fiep identifica a Biônica como um dos domínios importantes para
formação de profissionais para o futuro. (Souza, 2015)
Tudo leva a crer que Biomimética deve aparecer cada vez mais em evidência
no futuro próximo. A humanidade tem usado a tecnologia e a indústria para
construir cada vez mais rapidamente esse nosso mundo artificial. Nesse

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Biônica e Biomimética: A Evolução do Uso de Analogias Naturais – Possíveis Contribuições na Busca da Sustentabilidade Ambiental

processo ela se distanciou do meio natural. Os resultados negativos disso


tudo têm sido a poluição do meio ambiente e redução de recursos naturais
importantes inclusive para o próprio ser humano. Na busca de soluções para
esses problemas a Biomimética pode dar uma grande contribuição ao promover
a aproximação entre o desenvolvimento tecnológico e a sustentabilidade
ambiental, já testada e aprovada, das soluções existentes na natureza.

Referências
ARRUDA, A. Como a biônica e biomimética se relacionam com as estruturas naturais na busca de um novo
modelo de pesquisa projetual. Grupo de Pesquisa em Biodesign e Artefatos Industrial – UFPE.
AUTOCONCEPTION. Lexus Reveals Spider-Inspired Seat Concept. set. 2016. AutoConception, set.
2016, Disponível em: <https://www.autoconception.com/lexus-reveals-spider-inspired-seat-design-
concept/>. Acesso em 1 dez. 2017.
BAGLEY, R. Biomimicry. How Nature Can Streamline Your Business For Innovation, mar 2014. Disponível
em: https://www.forbes.com/sites/rebeccabagley/2014/04/15/biomimicry-how-nature-can-
streamline-your-business-for-innovation. Acesso em: 1 dez. 2017.
BEYNUS, Janine. Biomimicry: innovation inspired by nature. Califórnia, William Morrow, 1997.
GARFIELD, L. Adidas is launching biodegradable shoes that can be dissolved in 36 hours. Business
Insider, New York, mar. 2017. Disponível em: http://www.businessinsider.com/adidas-biodegradable-
shoes-silk-2017-3. Acesso em: 1 dez. 2017.
GRIFFITHS, A. Biomimicry chair by Lilian van Daal replaces traditional upholstery with 3D-printed
structure. Dezeen, London, ago 2014. Disponível em: https://www.dezeen.com/2014/08/05/
biomimicry-3d-printed-soft-seat-chair-by-lilian-van-daal/. Acesso em: 1 dez. 2017.
RAMOS, J. A biônica aplicada ao projeto de produtos. Florianópolis. Dissertação de mestrado, UFSC, 1993.
RAMOS, J. Alternativas para o projeto ecológico de produtos. Florianópolis, 2001. Tese de Doutorado em
Engenharia de Produção. Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, UFSC, 2001. 163p.
RODRIGUES, Marcelo. Biomimética: Ford se baseia em lagartixas para juntar as peças do seu carro.
Tecmundo, Disponível em: http://www.tecmundo.com.br/ford/91509-biomimetica-ford-baseia-
lagartixas-juntar- pecas-carro.htm. Acesso em: 2 maio 2016.
SOUZA, M.; RUTHES, S.; VALENÇA, R. et al. Perfis profissionais para o futuro da indústria paranaense:
produtos de consumo. Curitiba: Senai/PR, 2014.

Métodos e Processos em Biônica.indb 118 22/10/2018 14:17:36


ASPECTOS ESTRATÉGICOS
E SISTEMáTICOS DA BIÔNICA
E BIOMIMÉTICA

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SOBRE a AUTORa
Giane Cauzzi Brocco I gcauzzibrocco@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8620037343189370
Mestre em Engenharia de Produção e Sistemas (UNISINOS), certificada Especialista em Biomimética pelo
Biomimicry 3.8 (EUA) e Graduada em Engenharia de Produção-Mecânica (UNISINOS). Além disso, estudou
Liderança para a Transição na Schumacher College (Londres e Brasil). Fundadora da Amazu Biomimicry (consultoria
em biomimética e inovação) e Fundadora do Biomimicry Brasil (network representante do Biomimicry 3.8 e do
Biomimicry Institute, no Brasil). Pioneira ao trazer a Biomimética para o Brasil,
foi uma das 100 primeiras pessoas no mundo a se certificar Especialista em Biomimética. Desenvolve negócios
e projetos sustentáveis e inovadores utilizando a Biomimética. Já realizou diversos workshops, cursos e palestras
no Brasil e no mundo. Dentre os projetos desenvolvidos na área da Biomimética, esta um novo processo
sustentável de injeção à frio com luz UV, Indicadores Ambientais Industriais baseados nas Sequóias, e um labirinto
sensorial baseado nos super sentidos dos animais.

Métodos e Processos em Biônica.indb 120 22/10/2018 14:17:36


Biomimética: A Natureza Como Modelo, Medida a
Mentora aara a Transição
Biomimicry: Nature as a Model, Measure and Menthor
for Transition.
Giane Cauzzi Brocco

Resumo
O mundo esta em um período de transição. As sociedades estão experienciando uma ruptura nos
seus modelos mais tradicionais. Diante dessa situação, aparentemente, caótica, surge a oportunidade
de re-imaginar o futuro, de pensar as relações estabelecidas com o ser humano, com as empresas
e com a natureza. Enquanto a disponibilidade de recursos naturais é comprimida pelo crescimento
populacional e por padrões de produção inadequados, as organizações procuram referências para
crescer de modo sustentável. A Biomimética, ciência que tem a natureza como inspiração, é uma
importante ferramenta nesse processo de mudança para um mundo sustentável e de inovações
disruptivas, no qual é necessário readequar as indústrias, repensar as lideranças e o impacto
de cada ação para o planeta. Para isso, a Biomimética ensina como olhar para os organismos
naturais para resolver problemas complexos. Os negócios dependem da natureza, e a busca por
soluções sustentáveis é, além de uma boa prática, uma condição necessária para a manutenção da
competitividade.
Palavras-chave: Biomimética; Inovação; Sustentabilidade; Problemas complexos; Negócios
sustentáveis.

Abstract
The world is in a period of transition. Societies are experiencing a rupture in their more traditional models.
Faced with this seemingly chaotic situation, the opportunity arises to re-imagine the future, to think about
the relationships established with the human being, with companies and with nature. While the availability
of natural resources is constrained by population growth and inadequate production patterns, organizations
are seeking references to grow sustainably. Biomimética, a science that has nature as inspiration, is an
important tool in this process of change towards a sustainable world and of disruptive innovations, in
which it is necessary to re-adjust industries, rethink the leaderships and the impact of each action for the
planet. For this, Biomimetics teaches how to look at natural organisms to solve complex problems. Business
depends on nature, and the search for sustainable solutions is, in addition to good practice, a necessary
condition for maintaining competitiveness.
Keywords: Biomimicry; Innovation; Nature; Complex problems; Sustainable Business.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: A Natureza Como Modelo, Medida a Mentora aara a Transição

1. Introdução
A lagarta ao deixar o casulo passa por horas de esforço contínuo para que possa
transformar-se em borboleta; alguns observadores científicos experimentaram
cortar o casulo para facilitar a vida da borboleta porém, notaram que sem o esforço,
a borboleta não pode voar e, consequentemente, não sobrevive por muitas horas.
Por meio do exemplo da borboleta, conforme sugere Pauli (2014) pode-se encarar
as crises como as formas de pressão capazes de energizar os seres humanos em
busca de novas soluções. Dessa maneira, as pessoas tornam-se mais conscientes
da necessidade da (r)evolução necessária para que haja a mudança.
A globalização foi responsável por uma grande transformação social, econômica e
ambiental. Antigamente, o lucro e o crescimento desenfreado eram os principais
norteadores das indústrias que visavam o crescimento do setor industrial. Esse
modelo de produção elevou o consumo de bens e, consequentemente, aumentou
a necessidade da extração dos recursos naturais. Os desafios atuais para reduzir
os impactos dessa extração dos recursos naturais não exigem, portanto, soluções
fragmentadas. Diante dos estágios da economia como extração, produção,
distribuição, consumo e descarte percebe-se a necessidade de novos valores
industriais que apresentem soluções sistêmicas e interligadas.
A maneira com que tudo está conectado interfere diretamente na perspectiva
dos negócios. Atualmente, há uma nova visão sendo compartilhada na qual é
notável a importância de criar uma ecoreestruturação nos processos produtivos.
A biomimética que tem como mentora a natureza, traz a ótica da importância da
adequação das indústrias nesse redimensionamento de atitudes empresariais. A
natureza se adapta e se adequa diante dos seus propósitos e necessidades, onde a
interdependência dá uma perspectiva holística que sintetiza unidades em um todo.
A soma dos conhecimentos disponibilizados pela natureza é a inspiração para
essa nova maneira de projetar. Leonard (2010, p. 11) afirma que “para que um
sistema exista dentro de outro, deve respeitar os limites do primeiro”, o que
complementa a visão de Benyus (2006, p. 13) na qual “uma espécie não pode
ocupar um nicho que se aproprie de todos os recursos naturais”.
Dessa forma, se tem um aprendizado sobre crescimento com sustentabilidade
através da natureza. A biomimética é a ótica que ensina o que se pode fazer por
intermédio do que a natureza faz e, conforme Benyus (2006), a partir disso, criar
condições propícias a vida. Ou seja, condições que permitam a vida prosperar, o
que adiciona à afirmação de Baumeister (2013) na qual biomimética é aprender
através da natureza e, então, emular as formas naturais, os processos e os
ecossistemas para criar projetos sustentáveis que se adaptem e se adequem
diante dos seus propósitos e necessidades.
Logo, a biomimética utiliza a natureza como modelo na qual inspira-se ou imita
para resolver problemas humanos. Utiliza, também, a natureza como medida
baseando-se em 3,8 bilhões de anos de evolução para avaliar o que é criado. A
natureza como mentora torna possível um mundo liderado e potencializado pela
genialidade da natureza, ou seja, a natureza não apenas para extrair bens, mas
como fonte de ideias.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: A Natureza Como Modelo, Medida a Mentora aara a Transição

Nesses mais de 3.8 bilhões de anos, foram criadas estratégias vencedoras pela
seleção natural, as quais foram adotadas por todos os ecossistemas complexos
e maduros. Pode-se considerar, conforme DeYoung e Hobbs (2009), que muitas
das soluções práticas de design são encontradas na natureza e essas ideias
surgem de diferentes reinos e espécies sejam plantas, animais ou pessoas.
Logo, cientistas e engenheiros estão aprendendo, cada vez mais, a olhar para a
natureza afim de encontrar soluções para problemas complexos.
Algumas empresas encontraram maneiras de minimizar a quantidade
de material que utilizam em seus processos produtivos baseando-se na
biomimética e, inclusive, já existem diversos tipos de produtos que utilizam a
biomimética como referência nos projetos, criação e desenvolvimento. Segundo
DeYoung e Hobbs (2009), a forma dos submarinos assemelha-se a das baleias,
inclusive a propulsão traseira com hélices é equivalente ao empurrão da cauda
do animal, outro exemplo é uma garrafa de água que absorve e armazena a
umidade do ar e a transforma em água potável imitando o processo de captura
e armazenamento de água do besouro da Namíbia, que habita o deserto da
Namíbia e se utiliza desse mecanismo para sobreviver. Então, nos locais onde há
escassez de água, se houvessem garrafas ou caixas d’água que fizessem esse
tipo de captação, não haveria desprovimento desse recurso natural.
Outro exemplo biomimético, citado por DeYoung e Hobbs (2009), é o carro
desenvolvido pela Mercedes-Benz a partir da forma do Peixe-Cofre (Figura 1),
isso faz com que o carro Bionic tenha força extra e peso reduzido, apresentando
economia de combustível em comparação a um veículo convencional de potência
equivalente.

Figura 1: Carro bionic e peixe-


cofre.
Fonte: Tem, 2012.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: A Natureza Como Modelo, Medida a Mentora aara a Transição

Uma integração praticamente perfeita em sustentabilidade está diretamente


ligada com a mimetização da natureza. De acordo com Friend (2009) para
que um negócio seja sustentável deve operar de modo que ajude e permita o
funcionamento a longo prazo tanto da economia quanto dos sistemas vivos
da Terra. Segundo Friend (2009) projetar como a natureza pode impulsionar a
inovação, da mesma forma que Benyus (2006) afirma que precisa-se mais do
que apenas aprender com a natureza, é necessário projetar como a natureza.
Logo, a biomimética constitui em uma disciplina para mudar a maneira que
projetos e negócios são conduzidos. (BENYUS, 2009; FRIEND, 2009).
A biomimética tem como objetivo estudar as estruturas biológicas e as suas
funções para que possa aprender com a natureza por meio de suas estratégias
e soluções. A fim de conduzir o desenvolvimento de projetos, a biomimética
apresenta uma metodologia. Pensamento Biomimético (do inglês, Biomimicry
Thinking). De acordo com Baumeister (2013) o Pensamento Biomimético tem a
intenção de ajudar as pessoas a aplicarem a biomimética em qualquer tipo de
projeto. Aplicar o Pensamento Biomimético permite encontrar uma solução final
que possa emular os Princípios de Vida e, então, encaixar-se no contexto geral e
no padrão de desempenho do planeta.
O Pensamento Biomimético permite encontrar soluções para os desafios
industriais e humanos baseando-se nas soluções da natureza. Como mais
um exemplo de aplicação de biomimética, há também os vidros Ornilux, da
empresa alemã Arnold Glass, nos quais há um filamento que reproduz uma teia
de aranha que torna o vidro visível aos pássaros, mas que o faz permanecer
transparente aos olhos humanos, conforme Figura 2. Segundo Carvalho (2015),
os testes realizados com esse vidro juntamente com a American Bird Conservancy
apresentaram uma redução de 75% no número de colisões de pássaros em
arranha-céus.

Figura 2: Vidro Ornilux.


Fonte: Vidro... 2015.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: A Natureza Como Modelo, Medida a Mentora aara a Transição

Baumeister (2013) afirma que o método biomimético considera não somente o


usuário final e o uso final da solução encontrada, mas também como o projeto
funcionará no tempo e no espaço; o que ajuda a conceber como a solução se
encaixa no largo escopo da vida. O equilíbrio ambiental será possível apenas
se houver um desenvolvimento sustentável da empresa ou organização. Em
uma economia crescente e baseada na exploração de recursos naturais finitos
aprender com a natureza faz ainda mais sentido, ressoa, responde perguntas e
cria oportunidades.

2. Ecoreestruturação dos Sistemas


INDUSTRIAIS
Nas décadas de 1950 e 1960 houve um crescimento industrial acelerado,
nos Estados Unidos e Europa. Para compreender os impactos das
mudanças ocorridas nos mercados sobre a manufatura, é valido observar as
transformações econômicas que ocorreram ao longo do século XX. Os choques
econômicos mundiais da década de 1970 tiveram grande repercussão na
economia brasileira e geraram forte impacto para uma modernização e eficiência
da indústria a partir do início dos anos 90. (ANTUNES et al., 2008).
Nos mercados internacional e nacional a competição entre as empresas têm
crescido consideravelmente. Essa competição acirrada dá origem a uma “pressão
competitiva”, que direciona as empresas para a busca de mais eficiência nos
seus processos e nas operações de gestão. (ANTUNES et al., 2008).
Uma empresa convencional utiliza energia, matéria-prima e a capacidade do
meio ambiente como sendo ilimitadas. As empresas que visam a redução dos
impactos ambientais nas suas atividades utilizam ciclos fechados ou abertos
de reciclagem. No ciclo aberto, o resíduo é aproveitado por terceiros para a
produção de um novo produto já no ciclo fechado, o resíduo é reaproveitado
no próprio processo. Como afirma Gianneti e Almeida (2006) essas práticas
não atuam exatamente na redução de resíduos, mas minimizam os impactos
causados pela geração de resíduos.
Surge, então, a ecologia industrial que tem as empresas como organismos
que participam de um ecossistema industrial, inseridas na biosfera da qual
demandam recursos e para a qual excretam dejetos. A ecologia industrial
estabelece, portanto, o objetivo de minimizar entradas e saídas assim como criar
sistemas de reciclagem tão fechados quanto possível, respeitando os limites de
sustentação do planeta. (GIANNETTI; ALMEIDA, 2006).

3. BIOMIMÉTICA NAS EMPRESAS


O futuro das empresas e as empresas do futuro serão regidos por um sistema
sustentável. Conforme Benyus (2006), a metodologia da Biomimética pode ser
aplicada a todas as empresas. Capra (2008) afirma que reconectar-se com a
teia da vida significa construir, nutrir e ensinar comunidades sustentáveis, onde
é possível satisfazer aspirações e necessidades sem reduzir as oportunidades
das gerações futuras. Para isso, pode-se aprender valiosas lições extraídas do

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: A Natureza Como Modelo, Medida a Mentora aara a Transição

estudo dos ecossistemas, que são comunidades sustentáveis de plantas, de


animais e de microrganismos. Portanto, ainda segundo Capra (2008, p. 231) “[...]
essa sabedoria da natureza é a essência da eco-alfabetização”.
Pauli (1996) afirma que é preciso que as empresas valorizem a capacidade de
adaptação, criatividade e multiplicidade da vida; incentivando a formação de
nova ordem, criando uma teia de diálogos. Segundo Benyus (2006, p. 293):
A vida produz, computa, faz química, constrói estruturas, cria sistemas e os
meios, com extrema paciência, necessários ao voo, à escavação para o abrigo em
toca, à construção de diques, ao aquecimento ou refrigeração dos lares dos seus
seres e assim por diante. A diferença entre aquilo que a vida precisa e o que nós
precisamos fazer é outra daquelas barreiras que não existe. Além das questões
de escala, as diferenças desaparecem.
A convivência com pessoas de áreas distintas promove a criatividade e
incentiva a criação de departamentos interdisciplinares com o objetivo dessas
metáforas serem colocadas na direção correta, da área de biologia para a área da
engenharia. A questão de colaboração entre engenheiros e biólogos tem como
resultado um novo processo, sistema ou dispositivo no qual para fazer uma
triagem de viabilidade são estudados os princípios de sobrevivência da natureza.
(BENYUS, 2006).
Ao pensar biomimeticamente torna-se necessário reformular algumas
perguntas e usar tais como: Isso se adapta ao sistema?
É duradouro? e, também, Existe um precedente assim na natureza?. Se as respostas
forem positivas, as respostas para perguntas como: Funciona com energia
solar? Usa apenas a energia de que precisa? Adapta a forma à função? Recicla tudo?
Recompensa a cooperação? Apoia-se na diversidade? Explora o poder dos próprios
limites? É bonito, também serão afirmativas. Se a inovação for inspirada na
biomimética e cumprir a essas afirmações, a próxima decisão considerando
seu design envolverá a questão de escala, que é um dos principais separadores
das nossas tecnologias dos modelos da natureza, já que uma economia de
mercado, em escala adequada, possibilita a prosperidade da diversidade das
espécies. (BENYUS, 2006). A abordagem da biomimética pode orientar líderes
de organizações de todo o mundo a serem comprometidos com a meta de uma
economia circular.
Além disso, a natureza nos ensina lições de liderança e comunicação, conforme
Capra (2008, p. 233), ao falar de parceria nas relações humanas propõe uma
relação direta com os ecossistemas:
A parceria é uma característica essencial das comunidades sustentáveis. Num
ecossistema os intercâmbios cíclicos de energia e de recursos são sustentados
por uma cooperação generalizada. Na verdade, vimos que, desde a criação das
primeiras células nucleadas há mais de dois bilhões de anos, a vida na Terra tem
prosseguido por intermédio de arranjos cada vez mais intrincados de cooperação
e de coevolução. A parceria – a tendência para formar associações, para
estabelecer ligações, para viver dentro de outro organismo e para cooperar – é
um dos ‘certificados de qualidade’ da vida.

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Biomimética: A Natureza Como Modelo, Medida a Mentora aara a Transição

Complementando a afirmação de Pauli (1996) somente através de cooperação,


parceria e trabalho em comunidade, e não através de lutas, que a vida
conquistou o planeta. As lições da natureza são vastas e abordam também sobre
o poder das relações mútuas e simbióticas. Além disso, a fusão da biomimética
na inovação pode ajudar as empresas a alavancar os relacionamentos para
promover inovações produtivas e orientadas a resultados que criem culturas
de empresas prósperas. Logo, a interdependência das relações é como um
ecossistema.

4. CONCLUSÃO
A importância da interdependência aplicada aos negócios tendo como inspiração
a mais sábia de todas as comunidades, a natureza, é apresentada neste artigo.
Na natureza cíclica dos processos ecológicos, o foco das empresas deixa de
ser em posicionamento apenas, e passa a ser também em propósito visando
o desenvolvimento sustentável. Essa abordagem têm como objetivo melhorar A maioria das pessoas
a vida no planeta e também a vida das pessoas, de maneira que não basta pensam na complexidade
a empresa ser somente rentável, é preciso que tenha valor compartilhado e em termos do número de
agregue valor ao mundo. componentes de um sistema
ou do número de combinações
Dessa forma, a biomimética orienta, e contempla conceitos, princípios e práticas que se deve considerar para
que contribuem para o desempenho sustentável das empresas através da tomar uma decisão [...], mas
compatibilidade com o desenvolvimento sustentável da sociedade, incentivando a complexidade reside em
encontrar a melhor solução de
as empresas a irem além das suas obrigações legais e motivando-as para que
um número astronômico de
sejam parte do desenvolvimento sustentável como um todo. Conforme Sterman
possibilidades.
(2000, p. 21):
Quanto mais otimiza-se recursos e energia e produz-se em ciclos fechados,
mais reconhecesse o impacto das ações, e mais consciente se é do papel
desempenhado no Planeta. Há uma grande rede que conecta todos os
ecossistemas do Planeta. Entender a interdependência das relações é, portanto,
essencial para a existência dos seres humanos e para a existência das empresas.
Logo, é possível que uma empresa saudável financeiramente possa existir em
um planeta saudável. Ismail et al. (2015) reitera que: Talvez o atributo mais
importante para uma
Em um mundo volátil, o entendimento que a organização tem sobre o mundo organização em termos
exterior imprescindivelmente deve acompanhar a realidade, e isso, requer que se de aprendizagem seja a
assuma riscos. Segundo Diamandis e Kotler (2012, p. 51) “o atual mundo global e experimentação, o que é
exponencial é bem diferente daquele que nosso cérebro evoluiu para entender”. particularmente difícil para as
grandes organizações, uma
Sendo assim, considerando as grandes mudanças que ocorrem constantemente vez que elas tendem a se
e exponencialmente, acredita-se que a biomimética é um dos agentes que concentrar na execução em vez
promovem transformações em empresas e na sociedade com impactos de na inovação.

revolucionários e positivos. Os riscos de se trabalhar com inovação sempre


existirão, no entanto, deve-se ousar corrê-los se a empresa tem como objetivo
progredir, evoluir e continuar existindo.
É preciso falar de ecologia para falar de economia. Essa é uma mudança que
já está, pouco a pouco, ocorrendo no cenário atual e que traz importantes

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Biomimética: A Natureza Como Modelo, Medida a Mentora aara a Transição

transformações para as nossas indústrias e planeta. A transição para uma


economia regenerativa é sobre ver o mundo de uma maneira diferente - uma
mudança para uma visão de mundo ecológica em que a natureza é o modelo, a
medida e a mentora.
Logo, o processo regenerativo que define sistemas prósperos e vivos deve
definir o próprio sistema econômico. Ao compreender que o planeta é vivo e
manifesta a sua inteireza através de soluções para problemas complexos, pode-
se transformar e readequar indústrias para que estas possam existir a longo
prazo em um planeta saudável.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Junico et al. Sistemas de produção: conceitos e práticas para projeto e gestão da produção
enxuta. Porto Alegre, Bookman, 2008.
BAUMEISTER, Dayna. Biomimicry resource handbook: a seed bank of best practices. Missoula, Printed in
the United States of America, 2013.
BENYUS, Janine M. Biomimética, inovação inspirada pela natureza. São Paulo, Cultrix, 2006.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo, Cultrix,
2008.
CARVALHO, Monise. Vidro que evita a colisão de pássaros: você sabia que existe vidro que evita a
colisão de pássaros?! existe sim!! All About That Glass, [S.I.], nov. 19, 2015. Disponível em: <http://
allaboutthatglass.com/vidro-que-evita-a-colisao-de- passaros/>. Acesso em: 15 de novembro, 2017.
DEYOUNG, Donald; HOBBS, Derrik. Discovery design: searching out the creator’s secrets. United States
of America, Green Forest, Master Books, 2009.
DIAMANDIS, Peter H.; KOTLER, Steven. Abundânica: o futuro é melhor do que você imagina. São Paulo,
HSM, 2012.
FRIEND, Gil. with Nicholas Kordesch and Benjamin Privitt. The truth about green business. Upper Saddle
River, New Jersey: FT Press, 2009.
GIANNETTI, Biagio F.; ALMEIDA, Cecilia M. V. B. Ecologia industrial: conceitos, ferramentas e aplicações.
São Paulo, Blucher, 2006.
ISMAIL, Salim et al. Organizações rxponenciais: por que elas são 10 vezes melhores, mais rápidas e mais
baratas que a sua (e o que fazer a respeito). São Paulo, HSM Editora, 2015.
LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo o que consumimos.
Rio de Janeiro, Zahar, 2011.
PAULI, Gunter. A economia azul: 10 anos, 100 inovações, 100 milhões de empregos. Curitiba, Iesde Brasil,
2014.
PAULI, Gunter. Emissão zero: a busca de novos paradigmas, o que os negócios podem oferecer à
sociedade. Porto Alegre, Edipucrs, 1996.
STERMAN, John D. Business dynamics: systems thinking and modeling for a complex world. Columbus,
OH, McGraw-Hill Higher Education, 2000.

Métodos e Processos em Biônica.indb 128 22/10/2018 14:17:37


ASPECTOS ESTRATÉGICOS
E SISTEMáTICOS DA BIÔNICA
E BIOMIMÉTICA

Métodos e Processos em Biônica.indb 129 22/10/2018 14:17:37


SOBRE O AUTOR
Eduardo Dias I edu@eduardodias.com.br
Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4215400H2
Mestre em arquitetura pela Universidade São Judas Tadeu SP, com especialização em Design gráfico e graduação
em projeto de produto pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Professor no curso de Design da Universidade
São Judas Tadeu-SP. Coordenador do Animalab-SP, laboratório de inovação da USJT.

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A Biomimética no Ensino do Design como
Ferramenta oara o Desenvolvimento do Pensamento
e da Estratégia de Projeto
Biomimicry in the Teaching of Design as Tool for the
Development of the Thinking and Design Strategy
Eduardo Dias*

Resumo
A utilização de metodologias baseadas na Biomimética pode ser uma estratégia interessante
para incentivar a criatividade, tendo em vista que a busca de soluções na natureza provavelmente
se utilizará de linhas de raciocínio em que os alunos terão de utilizar inferências e estruturar o
pensamento de modo lateral ao invés de vertical.
Palavras-chave: Biomimética; Metodologia de projeto; Ensino de design.

Abstract
The use of methodologies based on Biomimicry can be an interesting strategy to encourage creativity, since
the search for solutions in nature will probably be used lines of reasoning in which students will have to use
inferences and structure the thinking in a lateral way rather than in a vertical way.
Keywords: Biomimicry; Project methodology; Teaching design.

Métodos e Processos em Biônica.indb 131 22/10/2018 14:17:38


MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
132
A Biomimética no Ensino do Design como Ferramenta oara o Desenvolvimento do Pensamento e da Estratégia de Projeto

1. Introdução
Já se foi o tempo em que ao falarmos sobre Biomimética, Biônica ou Biodesign1,
recebíamos de volta olhares de estranhamento, quando não de reprovação.
Pior ainda quando falávamos de Luigi Colani, por exemplo, soávamos quase
heréticos, o que podia nos render o exílio temporário à marginalidade dos
círculos discentes e docentes. Não que hoje em dia esses termos sejam de
domínio do público, mas ao menos são mais populares por conta do culto à
sustentabilidade – não entremos aqui no mérito das distorções do conceito em
si – e do ecologicamente correto.
1
 Estes são três termos que
se confundem entre si por Hoje as soluções fabulosas e miraculosas povoam os posts do Facebook e os
se referirem à utilização da incontáveis blogs pseudo-especialistas em Design e tecnologia que pululam a
natureza como referência world wide web.
na busca de soluções por
problemas, apesar de que Tanto no mercado como no ambiente acadêmico, o que já foi delírio e
em princípio todos eles têm posteriormente vanguarda hoje parece se encaminhar novamente para uma
origem e enfoque diversos. mudança de status passando a ser chamado, quem sabe, de “bola da vez”.
Numa diferenciação breve,
a Biomimética se refere Apesar da resistência e desconfiança iniciais, da confusão de termos e das
à disciplina popularizada distorções normalmente promovidas pela popularização das novas ideias,
principalmente pela escritora a Biomimética vem se firmando como caminho metodológico por conta da
estadunidense Janine Benyus
consistência e engenhosidade de suas ideias, além da perseverança e fé – sim,
à frente da Biomimicry Guild
acho que fé cabe bem aqui – dos visionários, sonhadores, teimosos ou como
e Biomimicry 3.8, enquanto a
Biônica tem seu nascimento preferirem se referir a todos que desde o início tem insistido na ideia de se
com as pesquisas feitas referenciar na natureza para resolver problemas.
nos laboratórios da NASA
É essa paixão, ou fé, que tem me levado a estudar o tema desde meio da década
no início dos anos 60 pelo
Major Jack Ellwood Steele. O de 1980 e adotar desde 2009 a natureza como tema central em uma das
termo Biodesign por sua vez propostas na disciplina de projeto tridimensional no terceiro semestre do curso
é uma criação do designer de Design da universidade em que leciono, como ferramenta para desenvolver
Luigi Colani para definir sua através do exercício do projeto o raciocínio lateral, o design conceitual, a
ideologia projetual.
ampliação do repertório e as estratégias de projeto.

2. Por que a Biomimética?


Mas dentre tantas possibilidades na escolha da estratégia para resolução de
problemas em projetos, por que escolher a Biomimética como estratégia?
Em primeiro lugar o fato de sermos seres biológicos e habitantes deste
planeta – e assim nos encontrarmos naturalmente imersos nessa interface
chamada natureza – configura uma condição que parece nos colocar numa
relação extremamente amigável com todos elementos que se encontram na
mesma posição, ao menos no que diz respeito à possíveis estranhamentos de
aspecto sensorial. Esta familiaridade funciona como uma espécie de simpatia
espontânea para com essas soluções. Quantas pessoas conhecemos que não
gostam da natureza ou a acham feia?
Sabemos também que a natureza tende a manter seus sistemas em equilíbrio,
gerenciando energia, matéria-prima e promovendo seus processos de seleção
para a evolução. Sendo assim utilizar as estratégias extraídas da natureza

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
133
A Biomimética no Ensino do Design como Ferramenta oara o Desenvolvimento do Pensamento e da Estratégia de Projeto

entendendo como estas ocorrem pode ser um caminho para a manutenção do


equilíbrio, o que está intimamente ligado ao conceito de sustentabilidade.
Em se falando das possibilidades para a educação, a busca de soluções na
natureza provavelmente se utilizará de linhas de raciocínio em que terão de
estruturar o pensamento de modo lateral ao invés de vertical.
O pensamento lógico tradicional que usamos foi criado pelos filósofos clássicos
Sócrates, Platão e Aristóteles. Nele é necessário estar certo a cada passo para
que se passe ao próximo. É o pensamento cartesiano, analítico, matemático, um
processo finito chamado de pensamento vertical.
No pensamento lateral essa linearidade não é importante pois não se preocupa
apenas com a solução do problema. Trabalha com a abstração, criatividade e
imaginação explorando caminhos menos prováveis assim se configurando como
um processo infinito.
Além disso, o ato de ter que pesquisar acaba por tornar o estudante envolvido
com o assunto e o introduz a uma miríade de estímulos estético-formais aos
quais ele nunca havia tido acesso ou pelos quais nunca tinha se interessado a
fundo. Esse contato enriquece sobremaneira o repertório, potencializando a
capacidade de criação.
O pensamento lateral muda. O pensamento vertical escolhe. [...] O pensamento vertical usa o
sistema SIM/NÃO. O pensamento lateral não usa. [...] O pensamento vertical usa a informação
pelo seu significado. O pensamento lateral usa a informação pelo seu efeito de provocar
novas ideias. [...] No pensamento vertical, uma coisa deve seguir-se diretamente a outra. No
pensamento lateral, pode-se dar saltos deliberados. [...] O pensamento vertical se concentra
no que é relevante. O pensamento lateral acolhe de bom grado as intrusões do acaso. [...] O
pensamento vertical se movimenta nas direções mais prováveis. O pensamento lateral explora
as menos prováveis. [...] O pensamento vertical é um procedimento fechado. O pensamento
lateral é aberto. (DE BONO, 1994, p.15)
Pensamento vertical
1+1+1+1=4
2
 IBEIRO, Carlos Eduardo Dias.
R
A natureza no processo de
Pensamento lateral design e no desenvolvimento
do projeto. São Paulo: SENAI-
1

1 + 1 + 1 + 1 = 1  1 1 1
1

SP Editora, 2014.
Por último, esse tipo de projeto se mostra propício à utilização de metodologias
ativas – afinal a cooperação é usual na natureza – o que pode incentivar
engajamento dos alunos e comprometimento em relação aos objetivos
pretendidos pelo grupo.

3. A proposta
Após uma aula teórica sobre como o homem vem interagindo coma a natureza
através do tempo2 e sobre a disciplina Biomimética, os alunos receberam um
briefing com as seguintes orientações para o projeto:
Os alunos deverão formar grupos de até 4 integrantes e selecionar um
organismo vivo, estrutura ou sistema da natureza e estuda-lo através de
pesquisa bibliográfica, vídeos e visitas em campo. Todo material recolhido será

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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A Biomimética no Ensino do Design como Ferramenta oara o Desenvolvimento do Pensamento e da Estratégia de Projeto

3
 o ter que traduzir a
A transformado em análises gráficas3 a fim de elaborar estratégias a serem
informação para as análises
aplicadas para resolver algum tipo de problema através de um produto que pode
gráficas o aluno estabelece
uma relação de raciocínio ser conceitual – com possibilidade do recurso da “caixa preta”4 – ou exequível.
e de compreensão da
estrutura mais profunda a Objetivos
fim de poder representa- • Conscientizar da necessidade de uso de planejamento do projeto mesmo
la de modo mais eficiente. que sem seguir uma metodologia específica e declarada.
Pontos que antes poderiam
passar despercebidos devem • Ampliar repertório e desenvolver senso de estética e criatividade.
ser observados com mais
• Propor inovação através do estudo estético-morfológico da natureza.
atenção por conta dessa
representação. • Desenvolver a capacidade de criar configurações tridimensionais.
• Aprimorar os instrumentos de pesquisa e o empirismo.
4
 caixa preta é um figura
A
que substitui a informação • Demonstrar a importância do design conceitual.
que não se tem em um
• Introduzir os conceitos do biomimetismo para uso no desenvolvimento do
projeto. Pode se referir à uma
projeto como alternativa metodológica.
tecnologia que ainda não se
domina ou mesmo a dados
que não se possui. Metodologia
O trabalho seguirá a seguinte ordem de ações:
• Seleção do objeto de estudo.
• Pesquisa em relação a este objeto de estudo recolhendo dados através
de pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo.
• Análises gráficas segundo as categorias descritas a seguir:

a)  Análise formal: diz respeito à estrutura formal externa do objeto de estudo;

b)  Análise estrutural: diz respeito à análise de estruturas responsáveis por


funções relacionadas à física do objeto dando ênfase ao aspecto estrutural,
como é constituído, se possui camadas ou elementos que proporcionem
resistência física e estabilidade, por exemplo.

c)  Análise visual: se refere à parte estética, texturas, cores, dimensões,


proporções;

d)  Análise de movimentos e funcional: diz respeito às estruturas que exerçam


funções mecânicas e de funcionamento do sistema biológico;

e)  Análise desconstrutiva: busca no objeto de estudo elementos estético-


formais que possam gerar informações simbólicas que relacionem o produto
com significados culturais, espirituais, religiosos, políticos, socioeconômicos
etc. É a busca de parte da referência ou informações reinterpretadas que
possam dar origem a novas informações visuais e semânticas;
• 4.  Conceituação: definição da estratégia através dos conceitos recolhidos
Figura 1: Registro dos objetos a serem utilizados.
de estudo por meio de
aquarelas • 5.  Concepção: criação do produto.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
135
A Biomimética no Ensino do Design como Ferramenta oara o Desenvolvimento do Pensamento e da Estratégia de Projeto

• 6. Prototipagem;
• 7. Apresentação.

4. desenvolvimento
Em poder destas informações os alunos trabalharam em grupos iniciando por
pesquisas na internet, canais especializados na TV por assinatura, na biblioteca
da universidade, em parques, no zoológico de São Paulo e no Jardim Botânico de
São Paulo.
A princípio os grupos se mostraram razoavelmente perdidos dada a novidade da
proposta, a liberdade de ação e a enorme variedade de possibilidades de objetos
para estudo. Este é um momento em que o professor teve que atuar como
mentor e auxiliar no gerenciamento das fases do projeto tomando cuidado para
não interferir demasiadamente.
Dois procedimentos foram utilizados nessa fase inicial. O mais comum foi,
partindo de um objeto, ver quais conceitos poderiam se extraídos e quais
problemas esses conceitos poderiam resolver. Um segundo caminho – menos
usual – foi partir de um problema e buscar estruturas que pudessem trazer
respostas.
Os trabalhos se iniciaram com a recolha de dados pelos alunos e
consequentemente pelo maravilhamento perante a riqueza do mundo natural.
O nosso modo de vida atual por vezes não permite que esse contato se dê
da forma que ocorria em anos passados e até em outras gerações. Nosso
relacionamento com o mundo natural cada vez mais se faz por meio de
interfaces eletrônicas e virtuais e a experiência da volta desse contato mais Figura 2: Fases dos estudos
próximo não acontece de impunemente. por meio de análises gráficas

O passo seguinte foi a passagem dessas informações para pranchas gráficas


em forma de análises. Aqui temos sempre desde infográficos, textos, esquemas
e mesmo afloramentos artísticos na forma de belas aquarelas e desenhos com
marcadores e lápis de cor. A atmosfera descontraída colabora para a absorção
sem resistência dos conhecimentos e o empoderamento do aluno como agente
difusor de tudo aquilo que passa a saber.
Durante esse processo é normal que os grupos troquem informações e isso
aumenta ainda mais o intercâmbio sobre os diferentes processos utilizados
pelos grupos para obter e processar as informações.
Com os dados recolhidos traduzidos na forma de pranchas gráficas contendo
as análises sugeridas os grupos escolheram as estratégias e conceitos a
serem utilizados e propuseram soluções, que puderam ser prototipada ou
simplesmente apresentadas em pranchas.

5 Resultados
As soluções e posturas dos grupos foram as mais diversas. Desde
conservadoras e retraídas, onde os alunos não conseguiam se desvencilhar
do pensamento raso ou do estado da arte, até o completo “desvario” de ideias

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
136
A Biomimética no Ensino do Design como Ferramenta oara o Desenvolvimento do Pensamento e da Estratégia de Projeto

sem cabimento – mesmo com a possibilidade de utilização de caixa preta. De


qualquer modo, como o objetivo principal era o exercício intelectual, as ideias
absurdas não chegaram a ser um problema.
A grande recompensa tem sido perceber que o modo de pensar as soluções
de projeto tem mudado entre estes alunos e que este comportamento
foi assimilado e é carregado por eles, o que pode ser comprovado pela
Figura 3: Solução conceitual
“contaminação” de soluções biomiméticas que têm se apresentado em
proposta pelos alunos Fábio
Gardinal, Felipe Rodrigues, disciplinas de outros semestres e até nos trabalhos finais de graduação em
Gustavo Weissinger e Jackson nossa universidade.
Vilas Boas
Além disso, não são raros os relatos de alunos que se sentiram pressionados
– de um modo bom – até o seu limite e dos que disseram ser esse tipo de
experiência que esperavam quando buscaram o curso de Design.

6. Conclusão
Não há dúvidas de que todos os alunos nestes nove anos de execução da
proposta tenham alcançado ao menos quatro dos sete objetivos listados no
briefing. Mesmo aqueles com maiores dificuldades ou menos interesse no
assunto reconhecem a importância da proposta e o valor que esta agrega à sua
educação.
O projeto tem sido revisado e atualizado ano a ano devido às mudanças na
tecnologia – o movimento maker deu grande impulso no que diz respeito às
possibilidades de prototipagem –, o perfil dos estudantes e na consciência
ecológica, ética e social da população.

Referências
ARRUDA, Amilton José Vieira. Bionic basic: verso um nuovo modello di ricerca progettuale. Tese
(Doutorado em Desenho Industrial e Comunicação Multimidia) – Politecnico di Milano, Milão, 2002.
BENYUS, Janine M. Biomimicry: innovation inspird by nature. New York: Harper Perennial, 1997.
DE BONO, Edward. O pensamento lateral na administração. São Paulo, Saraiva, 1994.
HSUAN-NA, Tai. Sementes do cerrado e design contemporâneo. Goiânia: Editora da UCG, 2002.
HUNT, Lenne; CHALMERS, Denise. University teaching in focus: a learning-centered approach. Austrália:
Acer Press, 2012.
RIBEIRO, Carlos Eduardo Dias. A natureza no processo de design e no desenvolvimento do projeto. São
Paulo, Senai, 2014.
VASCONCELOS, Augusto Carlos de. Estruturas da natureza: um estudo da interface entre biologia e
engenharia. São Paulo, Studio Nobel, 2000.

Métodos e Processos em Biônica.indb 136 22/10/2018 14:17:42


COMPREENDENDO
E INTERPRETANDO
OS VALORES DA NATUREZA

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SOBRE OS AUTORES
Justino Barbosa da Silva Neto I justinobarbosa@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6679229102379623
Graduação em Design pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE (2002). Mestrado em Design
no PPGD/UFPE (2018) com dissertação na área da Biomimética e Taxonomia. Servidor na mesma Universidade,
lotado no Núcleo de Televisão e Rádios Universitárias - NTVRU/UFPE, com experiência em Desenho Industrial –
Videografismo, Cenografia (Set Design) e Projeto de Produto. Tem habilidade em Desenho à Mão Livre, Ilustração
(Editorial e Científica), Modelagem, Escultura, Prototipagem e Técnicas de Representação. Cursos de nível Técnico
em Química Industrial (ETEPAM) e Química Têxtil (SENAI-CERTTEX).

Amilton José Vieira de Arruda I arruda.amilton@gmail.com


Lattes: http:/lattes.cnpq.br/9138096051015150
Graduação em Desenho Industrial – Projeto do produto pela UFPE (1982), Mestrado em Design e Biônica pelo
IED de Milão (1992) e Doutorado em Ricerca in Disegno Industriale - Ph.D pela Universidade Politécnico de Milão
(2002). Foi consultor internacional do Istituto Europeo de Design de Milão, na implantação de cursos de
Pós-Graduação Lato Sensu Especialização em Fashion Design, Design de Interiores e Produto, Design Gráfico
e Editorial, nas Faculdades Avila (Goiânia), Faculdade Boa Viagem (Recife), Instituto de Educação Superior de Brasília
(DF). Desde 1985 professor do Curso de Design da UFPE. Atualmente é professor associado, docente do Programa
de Pós - Graduação em Design PPGD da UFPE. Coordena o Grupo de Pesquisa em Biodesign e Artefatos Industriais
do CNPq. Experiência na área de Desenho Industrial, com ênfase em Design e Biônica, atuando principalmente
nos seguintes temas: Desenvolvimento de Produtos, Design Estratégico. Organizador junto com Editora Edgard
Blucher da série DesignCONTEXTO – ensaios de design, cultura e tecnologia dos seguintes livros: Design
e Complexidade; Design e Inovação Social; Design, Artefatos e Sistemas Sustentáveis.

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Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para
Aplicações Tecnológicas através da Biomimética
Contribution of Systematic and Taxonomy to Technological
Applications Through Biomimetic
Justino Barbosa da Silva Neto / Amilton José Vieira de Arruda
Resumo
O processo de apropriação do mundo pela espécie humana envolve a mimese (imitação) de características e
elementos diversos disponibilizados pela Natureza. A partir dos recursos e abstrações codificadas, os artifícios
(das artes às ciências) expandiram nossa capacidade físico-cognitiva e potencializaram a interferência sobre o
Planeta. O avanço artificial proporcionou conquistas ideológico-científicas, revolucionou a produção, porém, alienou
a percepção da Vida e comprometeu a Biosfera sob intensa exploração sistemática. Embora a manipulação do
ambiente tenha ocorrido desde períodos de total dependência mesmo sob a perspectiva de abundância, durante
a Pré-História e Antiguidade a escala de impacto antrópico era reduzida (dependente da condição tecnológica)
e solucionada pela resiliência natural. Entretanto, o modelo industrial (século XVIII) impôs uma nova condição
massificada através da mecanização, que transformou irreversivelmente o modo de produzir, de viver e perceber
a Natureza, submetida à exploração justificada por ideologias mercadológicas. Emergências planetárias atuais
confirmam advertências científicas publicadas no século XX e exigem uma reformulação cultural urgente através
do artificial, orientada para a sustentabilidade ecossistêmica. A Biométrica, através de seus princípios – natureza
como modelo, medida e mentora – permite atender aos requisitos da interdisciplinaridade, da interdependência
do Design bioinspirado com a integração do conhecimento biológico às metodologias de projeto. Este trabalho
descreve as abstrações, as sínteses miméticas, a dialética natural-artificial e a contribuição da Sistemática Biológica
para identificar, classificar e organizar características naturais aplicáveis às tecnologias através da Biomimética.
Palavras-chave: Mimeses; Tecnologias; Design; Biomimética; Sistemática.

Abstract
The process of appropriation of the world by the human species involves the mimesis (imitation) of characteristics
and diverse elements made available by Nature. From the resources and coded abstractions, the artifices (from the
arts to the sciences) expanded our physical-cognitive capacity and potentiated interference on the Planet. The artificial
advance provided ideological-scientific achievements, revolutionized production, but alienated the perception of Life and
compromised the Biosphere under intense systematic exploration. Although the manipulation of the environment has
occurred since periods of total dependence even under the perspective of abundance, during the Prehistory and Antiquity
the scale of anthropic impact was reduced (dependent on the technological condition) and solved by natural resilience.
However, the industrial model (eighteenth century) imposed a new massified condition through mechanization, which
irreversibly transformed the way of producing, of living and perceiving Nature, subject to exploitation justified by market
ideologies. Current planetary emergencies confirm scientific warnings published in the 20th century. And require an
urgent cultural reformulation through the artificial, oriented towards ecosystemic sustainability. The Biomimicry, through
its principles – nature as a model, measure and mentor – allows us to meet the requirements of interdisciplinarity,
the interdependence of bioinspired Design with the integration of biological knowledge to the design methodologies.
This work describes abstractions, mimetic syntheses, the natural-artificial dialectic and the contribution of Biological
Systematics to identify, classify and organize natural characteristics applicable to technologies through Biomimetics.
Keywords: Mimesis; Technologies; Design; Biomimicry; Systematics.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
140
Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

“(...) a criação pura e absoluta 1. INTRODUÇÃO AO ARTIFICIAL


é inexistente e reservada pelo – PERCEPÇÃO E MIMESE
Platonismo ao Ser Criador
A palavra mímesis – em português, mimese: mímica, imitação – é de origem
Supremo. As outras coisas
não são objeto de criação,
grega, recorrente na Filosofia Clássica em descrições e análises estéticas das
mas de mímesis, pois para Artes (COLONNELLI, 2009, SILVA, 2013), inicialmente utilizada – com physis,
criar no seu sentido próprio poiésis, techné – para distinguir aspectos das produções humanas daquilo que
teríamos que retirar algo do era percebido como Criação. Porém, ao longo da História, o sentido do termo
nada. Em Sócrates, a mímesis mudou de acordo com a abordagem, o contexto e a concepção (interpretação)
tem um sentido eclético na física ou metafísica dos fenômenos. A origem dos objetos é tema tratado
arte, podendo se retirar a
desde os pensadores Pré-Socráticos, posteriormente aprimorado por Platão e
parte mais perfeita de cada
modelo, criando-se um duplo
Aristóteles (século IV a.C.):
aperfeiçoado, superando-se Apesar de predominante nas discussões estéticas e artísticas por descrever as
assim a própria natureza
origens dos objetos, a utilização dos termos citados foi estendida a outras áreas
(OLIVIERI, 2002, p. 70)
do conhecimento:
“A fecundidade do conceito
A mimese pode assim ser interpretada como condição cognitiva, qualitativa
de mímesis na Filosofia é tão
ampla que envolve questões
da sensibilidade humana codificada, evolutiva, cumulativa, de observação e
relativas à política, à arte, ao abstração inerente aos processos criativos. A percepção e o reconhecimento
conhecimento, enfim, está indicam compartilhamento de repertório e códigos em um processo que permeia
presente em quase todas as atividades criativas e os métodos produtivos (SILVA, 2013; FLUSSER, 2007;
as atividades humanas.” COLONNELLI, 2009).
(COLONNELLI, 2009, p. 13)
Portanto, a Arte, as Tecnologias, o Design e as Ciências compartilham, em graus
“Uma vez que a mímesis e níveis distintos, a origem mimética enquanto artifício de captação, abstração e
é criativa e se expressa
decodificação da realidade.
na produção das coisas, o
potencial para a mesma ser
explorada na análise do Design,
2. INTERPRETAÇÃO E EVOLUÇÃO
enquanto processo criativo DOS CONCEITOS
e produtivo, é significativo. Podemos interpretar os termos citados da seguinte maneira:
Ao delimitar (...) os pontos de
contato entre os conceitos de • Mímesis: Mímica, Imitação (do simulacro ou imitação da ideia).
produção e criação, (...) restará • Physis: Natureza, Física, realidade material, inclusive artificial.
somente deslocar o conceito
de mímesis para o presente e • Poiésis: Ideia, Criação, Ação, Concepção primária imaterial, Produção,
apropriá-lo para o campo do Poesia.
Design” (SILVA, 2013)
• Techné: Conhecimento, Arte, Técnica, Ofício, método e processo
“O método poïetico incorpora elaborativo.
o processo mimético. (...).
(COLONNELLI, 2009, SILVA, 2013).
Na antiguidade, a mímesis
representava o aperfeiçoamento Estes conceitos definem a origem artística ou cósmico-natural dos objetos e
da obra de arte sobre uma esclarecem a distinção entre aspectos do processo artificial:
imagem ou modelo preexistente.
Demócrito relaciona a imitação Ou seja: o artífice parte da Natureza – physis primitiva, intacta – e por um
ao funcionamento da natureza. processo mimético de correspondência e abstração constrói, por meio dos
Platão nos informa a respeito elementos disponíveis, artefatos que atendam funções e se auto mimetizem em
da forma do objeto que imita os outra dimensão da realidade, distanciada daquela origem natural.
arquétipos que nos permitem
conhecê-lo”. (OLIVIERI, 2002, A progressiva apropriação da Natureza influenciou a percepção da Vida, a
p. 69) compreensão da realidade e repercutiu em outras impressões ou concepções de

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
141
Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

mundo – inclusive a capacidade imaginativa – através de signos compartilhados.


A condição artificial transformou o meio natural de dominante a dominado,
através da substituição por simulacros diversos, tanto para necessidades,
quanto aspirações humanas. As necessidades indicam as funções e assim,
as soluções formais verificadas nos elementos retirados da natureza, que
utilizamos com a mesma finalidade em outros contextos, por exemplo, objetos
adaptados para perfurar, cortar, pentear, oriundos de animais ou minerais. Os
materiais disponíveis: pedras, ossos, madeira, influenciavam a durabilidade e
limitavam as produções. As técnicas de obtenção desses recursos levaram ao
desenvolvimento paralelo de tecnologias diversas, pois os avanços não são
eventos isolados:

Figura 1 (a) e (b): Ossos,


dentes, garras e pedras da era
pré-histórica utilizados como
(a) (b)
utensílios e ferramentas.

As mimeses originam modelos artificiais sistematicamente aperfeiçoados “(...) atualizar a relação da


segundo nossa percepção e aparato científico, pois os retiram das imprecisões, mímesis com a tékhne,
substituindo tékhne por Design,
das irregularidades dos processos vivos, orgânicos, através de abstrações,
nos permite operar com um
idealizações. Se esse afastamento (substituição) foi útil à evolução técnico-
conceito que, pela sua riqueza
científica e, portanto, essencial para o avanço do conhecimento, por outro lado, de possibilidades, pode ser
historicamente e culturalmente também proporcionou alienação entre nossa usado para a interpretação
espécie e a Natureza. Para reverter essa situação é necessário instrumentalizar e entendimento de diversas
o Design para novas mimeses que não repliquem o artificial, porém o modelem questões (...). Quando
pensamos que campos como
segundo princípios naturais: utilizar a ubiquidade tecnológica como fator de
a Biônica e a Cibernética (...)
transformação cultural (BONSIEPE; 2011, 2012; BAR-COHEN, 2006; BENYUS,
atuam de forma mimética ao
2011; ARRUDA, 2003; BARTOLO, 2003; BROECK, 2003). transferirem conhecimentos da
O processo de criação ou produção artificial depende, portanto, de percepções e Biologia para diversas áreas
do conhecimento, incluindo
conhecimentos prévios (FLUSSER, 2007; COLONNELLI, 2009; OLIVIERI, 2002). À
o design, a compreensão do
medida que se abstraiu a realidade natural através da substituição por artefatos, conceito de mímesis cresce em
a Natureza deixou de ser primordial, soberana, e se tornou manipulável em importância” (SILVA, 2013)
nível artificial. Os humanos aprenderam a viver em função das formas que
percebem e conduzem seu comportamento a partir das funções informadas,
moldadas previamente: os objetos passaram a envolver, influenciar e moldar
as sociedades. O homem se tornou objeto de seus objetos, ferramenta de suas
máquinas (FLUSSER, 2007).

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

Considerando estes conceitos e sua relação com a evolução artificial, redefine-


se a natureza como fonte e ambiente primordial de inspiração necessária aos
projetos. Diante do impacto que a maneira humana de viver e produzir tem
provocado à biosfera ao longo de sua interferência histórica – sobretudo nos
últimos séculos de industrialização sistemática – emerge o imperativo da
sustentabilidade como paradigma de projeto.

3. DESIGN
O Design se transforma em uma integração técnica-científica ampliada
pela arte entre o humano e os artefatos. É a atividade interdisciplinar que
interliga métodos e processos com o objetivo de definir formas que atendam
necessidades e aspirações humanas: configuração necessária para funções,
“Design é uma atividade
atributos e características desejáveis, aspectos de uso e de produção:
projetual que consiste em Apesar das diferenças conceituais, o Design se firmou como indispensável para
determinar as propriedades
a racionalização dos modelos produtivos antes mesmo do advento da indústria
formais dos objetos a serem
(MORAES, 2008; CARDOSO, 2004). A elaboração clara e objetiva do projeto é
produzidos industrialmente. Por
propriedades formais, entende- relevante, mesmo nos modos artesanais de produção. Conclui-se que o processo de
se não só as características Design é uma síntese interdisciplinar e multifatorial para aplicação tecnológica que
exteriores, mas sobretudo, agrega conhecimentos e, dessa maneira, favorece o progresso científico global de
as relações estruturais e uma sociedade. Investir em Design se tornou fundamental para o desenvolvimento
funcionais que dão coerência a
tecnológico (BONSIEPE, 2011, 2012; PAPANEK, 2006, MORAES, 2008).
um objeto, tanto do ponto de
vista do produtor quanto do Os métodos em Design, segundo Bonsiepe (2012), são similares aos das
usuário.” (ICSID, 1958) ciências exatas. Munari no sugestivo “Das Coisas nascem Coisas” (2009),
[mimese e replicação] apresenta um modelo de método para produção de
artefatos descrito por etapas genéricas aplicáveis a tipos diversos de atividade
(figura a seguir). O método de projeto genérico segue uma sequência de fases
dependentes e consequentes que permitem avaliações ao longo do processo e
comparações com procedimentos de outras áreas do conhecimento:
A sequência linear sintetiza o modelo hierárquico centralizado das metodologias
comuns de projeto hegemônicas. Segundo Bonsiepe (2012) essa disposição deve
ser repensada, reformulada para mimetizar o modo natural, de acordo com as
exigências ou emergências globais, por meio da interação e da interdependência
sistêmica. Essa mudança de postura também é defendida por projetistas de
outras áreas do conhecimento. No contexto do modelo industrial comum que
replica a lógica cartesiana sistematicamente (como a sequência de Munari), os
processos criativos são condicionados pela capacidade técnica. Os modelos e
as metodologias de projeto hegemônicos estão comprometidos com interesses
particulares (corporativos) que colocam em risco o meio natural [suporte vital]
através da saturação artificial (BONSIEPE, 2011; KAZAZIAN, 2009; PAPANEK,
2006). A percepção emergente de um planeta limitado impõe a adoção de
um novo paradigma capaz de emular os sistemas biológicos cuja maneira de
produzir é descentralizada, conjunta, integrada, contínua e sincrônica.
Entre as abordagens metodológicas que reafirmam a dependência do artificial
ao seu suporte natural, a Biomimética é a mais integrativa pois permite

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
143
Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

Figura 2:: Método genérico,


comum, sequencial e aplicável a
todo tipo de processo, segundo
Munari (2009).

observar, investigar, compreender, preservar, restaurar e promover a Vida


em suas mais diversas manifestações, como requisito de Projeto. A essência
da biomimese é a aplicação dos conhecimentos disponíveis da natureza em
tecnologias sustentáveis (CAPRA, 1982,1996; BENYUS, 2011; BAR-COHEN,
2006; BRUSHAN, 2009).
O Design possui epistemologia fluida, interligada a conhecimentos diversos:
suas atribuições são condicionadas ao conhecimento da Natureza como fonte
científica e às mimeses como ferramentas abstrativas, conceituais, artificiais.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

4. INDÚSTRIA
A indústria se tornou o veículo mais contundente de transformação cultural dos
últimos três séculos devido à massificação, sobretudo dos códigos informados
através de produtos. Por outro lado, a influência artificial permite reformular a
cultura e transformar a sociedade através dos artefatos (CAPRA, 1982,1996;
KAZAZIAN, 2009; FLUSSER, 2007; CARDOSO, 2008; BENYUS, 2011; PAPANEK,
2006). Considerando essas características e fatores desde as origens até
o estabelecimento efetivo do modo industrial, podemos definir o Design –
enquanto interface entre a sociedade e o aparato artificial – como a ferramenta
mais importante para a proposição de um novo modelo técnico-cultural:
“Numa época de produção em
massa, quando tudo deve ser A atividade de projetar foi, portanto, fundamental para a indústria, antes,
planejado e projetado, o design durante e após sua implantação e o Design se confirma como propositor técnico-
se tornou a ferramenta mais cultural.
poderosa com a qual o homem
molda suas ferramentas e 4.1 Modelo industrial e desenvolvimento sustentável
ambientes (e, por extensão, a
Os fatores que proporcionaram o surgimento da indústria estão relacionados
sociedade e ele mesmo). Isso
exige alta responsabilidade a uma perspectiva de abundância de recursos, supremacia da espécie humana
social e moral do designer.” sobre a natureza e ideologias orientadas para expansão do mercado:
(PAPANEK, 2006)
• Concentração de capital, gerada pelo mercantilismo das metrópoles
centrais.
• Desenvolvimento de geradores de força motriz a vapor para a geração
de energia (substitutas das forças da natureza: ventos, quedas d’água,
animais – característica das sociedades campesinas na produção
artesanal).
• Substituição de mão-de-obra por meios mecânicos, máquinas e
engenhos.
• Desenvolvimento dos meios de transporte e mudança na relação com o
tempo, o espaço e outros aspectos da existência.
• Mudança na organização social e relações de trabalho.
OLIVIERI (2001, p. 10-11)

A concentração de capital e população em determinados espaços originou


processos de especialização, produção mecanizada e automatizada com
repercussões na estrutura social, a saber:
• Fenômeno da Reificação ou alienação;
• Transformação da família extensa em nuclear e posteriormente em
polinuclear.
• Contradição e conflito entre os interesses do capital e do trabalho, que
deram origem aos movimentos operários e sindicais.
Esses fatores e condições provocaram um comprometimento progressivo
da natureza à medida que o modelo industrial se estabeleceu e consolidou. A
máquina ideológica industrial impôs um ritmo que submete o meio ambiente

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

à exaustão generalizada através da extração de recursos não renováveis e da


poluição (KAZAZIAN, 2009). Diante dos acidentes, desastres ambientais e crises
geradas pela exploração desenfreada da Biosfera, desde meados do século XX
diversos estudos alertam para um possível colapso planetário caso o modelo
produtivo e de consumo continuem na perspectiva hodierna.
O relatório Limits of Growth de 1972, seguido de outros semelhantes como
o Brundtland de 1987, trouxe dados que revelaram não só a fragilidade do
sistema natural, mas a necessidade de mudança de paradigma e alternativas
para mitigar o problema. Atualmente o tema ecológico-sistêmico se tornou um
diferencial que agrega valor aos produtos, às marcas, empresas e às políticas,
inclusive imagens nacionais e internacionais: o acesso à informação tem elevado
o interesse e a conscientização em todas as esferas sociais.
Nesse contexto, as propostas Biomiméticas visam reaproximar a concepção
artificial ao modo natural. Benyus (2011) descreve pesquisas e esforços
científicos ao redor do mundo para encontrar soluções viáveis, aplicações
adequadas inspiradas nas inter-relações naturais. Embora essa seja uma atitude
louvável e necessária, apenas a inspiração biológica não é suficiente para
solucionar as complicações do atual modelo.
A bioinspiração tem sido aplicada de três maneiras, a partir de:

a)  Características morfológicas superficiais verificáveis diretamente através


dos sentidos e instrumentos.

b)  Características funcionais complexas, também informadas na composição


físico-química e investigadas segundo métodos analíticos científicos.

c)  Características reconhecidas, pesquisadas, descritas em taxonomias e


artefatos da cultura material.
Bar-Cohen (2006), Broeck (2006) e Bhushan (2009), afirmam que as aplicações
bioinspiradas se especializam à medida que o conhecimento também se apura,
evolui, em um processo de aprendizado constante, como propõe o princípio
Biomimético da natureza como mentora. As mimeses que adotamos ao longo do
desenvolvimento tecnológico nos artificializaram a ponto de nos alienarem da
essência natural. A natureza vem mostrando sinais de esgotamento e posto o
industrialismo em discussão. Conceitos como ecologia, ambientalismo, holismo,
sustentabilidade e termos correlatos se tornaram recorrentes em debates que
questionam o modo de vida atual.
A Biomimética representa a síntese de propostas complexas, integrativas.
Ao colocar a Biosfera como mentora, a mimese natural pretende devolver,
reintegrar o homem como ser natural, não alienado artificial, cuja
responsabilidade envolve o modo de viver e consumir. A biomimese permite
desenvolver uma cultura de reafirmação da natureza como mentora, condutora
sistemática do Projeto ao considerar, além da morfologia ou da estética, as inter-
relações filosóficas da existência, da Vida, para a humanização e a revitalização
da tecnologia.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
146
Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

“Nesta altura da história,


A principal contribuição da Biomimética para os modelos atuais é justamente
em que vislumbramos a a criação de uma nova cultura através da visão holística, filosófica, que coloca
possibilidade real de perdermos a natureza como guia e o respeito à vida antes da viabilidade econômica,
um quarto de todas as espécies tecnológica ou estratégias de mercado. Embora os produtos bioinspirados
vivas nos próximos 30 anos, a sejam exemplos impressionantes de sucesso mercadológico, é preciso cautela
Biomimética torna-se mais que
para não os associar a conceitos e iniciativas tecnológicas que, a exemplo das
uma simples maneira de ver
a natureza. Ela se torna uma
contradições dos termos design e tecnologia, serviram como justificativa para a
corrida e um meio de salvação” concepção de artefatos sem o devido respaldo científico-tecnológico e ético.
(BENYUS, 2011, p. 17)
Benyus (2011) ressalta que a mimese precisa ser consciente, ou seja, mimetizar
operacionalmente é possível, porém, imitar sem ter consciência dos objetivos
é causa de desastres em projetos. Por isso, sugere uma revolução, uma era na
qual se explore o conhecimento disponibilizado pela natureza e não apenas seus
recursos (BENYUS, 2011). Cita ainda as revoluções agrária, científica, industrial
que nos fizeram revirar a terra, a petroquímica e a genética como revoluções que
nos retiraram da órbita terrestre, a capacidade de manipulação que coloca os
humanos como deuses, distantes de casa. No entanto volta a conscientizar que
não escapamos da força gravitacional da vida, estamos sob o jugo ecológico:
Designers e projetistas de outras áreas reconhecem que a estratégia mais
eficaz para a mudança de paradigma será através da aplicação tecnológica,
uma vez que as tecnologias são permeadas por ideologias. Capra, Papanek,
Bonsiepe, entre outros, indicam a metodologia sistêmica como crucial para a
transformação cultural.

5. BIOMIMETICA
A Biomimética [bios = vida; natureza; mimesis = imitação, cópia] pode ser definida
Figura 3: Janine Benyus
como a imitação (em vários níveis) da natureza para utilização em projetos. Pode
(esquerda) Yoseph Bar-Cohen
(centro) e Bharat Bhushan ainda ser descrita como método de aplicação de tecnologias disponibilizadas
(direita). pela biosfera e interpretada como prática, ferramenta ou instrumento auxiliar
metodológico que promove a integração dos conhecimentos biológicos para
aplicações diversas (ARRUDA, 2003; BENYUS 2011; BAR-COHEN 2006;
BHUSHAN, 2009).
A primeira descrição e uso do termo é atribuída ao engenheiro biomédico Otto
H. Schmitt que, na década de 1950, investigava formas, processos, mecanismos
“A Biomimética tem como e características naturais utilizáveis em aplicações tecnológicas (BENYUS,
objetivo principal aplicar na 2011; BAR-COHEN, 2006). Porém, uma técnica anterior, denominada Biônica,
produção da cultura material já aplicava tecnologias da natureza em artefatos de alta tecnologia (ARRUDA,
(artefatos), elementos obtidos 2002; BAR-COHEN, 2006; BROECK, 2003).
através da observação da
natureza e dos seres vivos Como área de pesquisa científica para fins artificiais, a biomimese promove
nela presentes, diferenciando- inúmeras vantagens para os projetistas por permitir avaliações de projetos
se, assim, da Biônica, cujo já testados no meio natural durante eras e, assim, comprovar diretamente a
foco principal atualmente se
eficácia de suas soluções (BENYUS, 2011; BAR-COHEN, 2006; BROECK, 2003;
encontra no campo de uma
ARRUDA 2002). Ademais, por ser uma área de investigações da complexidade
nova interpretação formal
e funcional da natureza”. da biosfera, sua atuação abrange uma multiplicidade de disciplinas e
(ARRUDA, 2002) conhecimentos.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
147
Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

Figura 4: Principais eventos


históricos da Biomimética,
segundo artigo From shark
skin to speed, Revista Illumin.
Adaptado pelo autor.

A Biomimética propõe um retorno às nossas origens abstrativas e aos princípios, “O campo da Biomimética
esquecidos ou abandonados durante nossa evolução artificial, que consideram é altamente interdisciplinar.
toda a natureza como fonte de vida e conhecimentos. A revolução Biomimética Envolve a compreensão de
(BENYUS, 2011) proporcionará uma mudança cultural que deve compreender a funções biológicas, estruturas
visão sistêmica, holística ou ecológica e, além de assegurar o futuro da biosfera, e princípios de vários objetos
indicará uma nova maneira de produzir e administrar empresas. encontrados na natureza por
biólogos, físicos, químicos e
Enquanto abordagem metodológica, a mimese bioinspirada aproveita soluções cientistas de materiais, Design
já investigadas ou verificáveis na natureza com o objetivo de aplicá-las aos e fabricação de dispositivos de
artefatos de maneira sistêmica (BENYUS 2011, BAR-COHEN 2006, BROECK interesse comercial.” (BHUSHAN,
2003, ARRUDA 2002). Para alcançar essa condição, a mimese é conduzida para 2009)
além da forma e seus atributos, integrando a produção artificial com o modo de “Olhar para a natureza e
funcionar da natureza. O som emitido por animais é uma das aplicações biônicas observar como funciona,
mais emblemáticas devido à sua origem e uso inicial na esfera militar, porém se aprendendo suas formas
tornou extremamente útil em sistemas de navegação e localização ao redor do de sobrevivência e meios de
planeta. Outro exemplo do potencial tecnológico é a hidrofobia da flor de lótus, evolução (...) é, definitivamente,
uma excelente solução para
que ocorre em ambientes úmidos, muitas vezes enlameados, mas permanece
vários problemas que a
enxuta, limpa, característica desejável em revestimentos diversos:
sociedade atual se depara.
A Biomimética é, portanto, uma disciplina que pretende tornar o artificial mais Esta ciência tem o objetivo
próximo ao natural como resposta às emergências decorrentes do modelo de integrar-se em áreas
hegemônico atual e ao distanciamento provocado pelas tecnologias relativos à cuja criação humana está
natureza e ao homem. Para tanto, propõe reformular gradativamente o paradigma envolvida, como a engenharia,
a arquitetura e o design, mas
atual de produção – justificado pelo mercado de consumo no qual a Indústria e o
buscando ainda influenciar uma
Design têm papel decisivo – para um novo modelo, fundamentado em princípios
filosofia de autossuficiência
naturais (BENYUS 2011, BAR-COHEN 2006, BROECK 2003, ARRUDA 2002).
em outras áreas industriais”.
(ARRUDA, 2002)
6. BIOMIMÉTICA PARA A BIODIVERSIDADE
Para a Biomimética, todas as formas de vida e elementos na Biosfera são
passíveis de análise, pois a adaptação evolutiva e interação ecossistêmica
contribuem para otimizar aplicações tecnológicas diversas aos projetos. As
soluções de design estão informadas na anatomia e na composição dos seres,
desde os mais simples aos mais complexos.
A necessidade de preservação ambiental evoluiu na proporção da interferência
humana: à medida que os riscos e ameaças se tornaram mais complexos e

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
148
Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

atingiram regiões maiores, a exigência de medidas protetivas se intensificou.


Desde meados do século XIX (LE PRESTRE, 2000, p. 163), iniciativas de proteção
de espécies de interesse comercial se tornaram frequentes, pois ainda não
existia a percepção dos limites ecossistêmicos ou interdependência biológica.
A percepção ecossistêmica mostrou que a preservação deve ser um esforço
inter-regional, internacional, pois o impacto humano e suas consequências não
conhece fronteiras.

Figura 5 :(a) Ecolocalização dos


animais mimetizada pelo sonar.
(b) O Efeito Lótus: hidrofobia –
tintas autolimpantes.

À medida que o conhecimento sobre a influência das formas de vida para o


equilíbrio ambiental se aprofundou, todos as espécies passaram a ser respeitadas
não apenas pela oferta de nutrientes, recursos aproveitáveis ou mesmo pelo
conhecimento que disponibilizam, mas pelo valor per si. Cada espécie deve ser
considerada um ente ético, vital da interdependência ecossistêmica, que favorece
inclusive a sobrevivência do Homem e a saúde planetária:
Muitas das espécies que o Homem utilizava para sua subsistência foram
extintas e levaram consigo um conhecimento que jamais será acessado
novamente. Estima-se que existam cerca de 8,7 milhões de espécies no planeta,

Figura 6: Biodiversidade
estimada.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

“O homem depende de muitas


com 1,3 milhão para mais ou para menos (MORA et al., 2011) e que destas, cerca
espécies de plantas para a
de 86% ainda são desconhecidas: alimentação, abrigo, fibras
Reconsiderar a natureza como mentora das ideias de projeto e incluir todas as para a confecção de tecido
e papel, para obtenção de
espécies e elementos naturais como fontes de conhecimentos, representa uma
medicamentos, ferramentas e
filosofia, uma ética que induz a proteção e a preservação da Biota: inúmeras outras coisas. Essas
espécies podem ser usadas até
A preservação da diversidade biológica, além de seu valor intrínseco, moral,
certo ponto, pelo conhecimento
ético e econômico, também se impõe como estratégia tecnológica para países sistemático da biota”. (WEBBER
em desenvolvimento, sobretudo aqueles que podem definir um novo modelo 2009)
produtivo a partir da sua estrutura modelar, com a vantagem de preservar seus
recursos naturais por princípio. (BONSIEPE, 2011, 2012; BENYUS 2012).

7. NATUREZA, BIOINSPIRAÇÃO “(...) A atividade biônica requer


um conhecimento da área
E BIODESIGN
técnica onde ocorre o problema
A utilização da natureza como fonte elementar, inspiração modelar e guia de projeto, de um conhecimento
tecnológica implica em um apurado processo de observação e abstração de da biologia ou, ao menos,
suas características: desde aspectos morfológicos, funções e sistemas, às aquela parte do campo onde se
propriedades físico-químicas. Pesquisas em Biônica e Biomimética exigem possam encontrar respostas,
e de uma terminologia que
reconhecimento biológico apropriado e a devida síntese científica como
permita a comunicação com
fundamentais para interpretar os domínios naturais (ARRUDA 2003, BROECK, biólogos”. (Ken Yeang apud
2003; BENYUS, 2012; BAR-COHEN, 2006, BHUSHAN, 2009). Analogias BROECK, 2003)
bioinspiradas sugerem que projetistas devem conhecer e interpretar as bases
teórico-metodológicas da Biologia para a compreensão dos processos e das
transformações que originaram a Vida no planeta (BENYUS, 2012; BAR-COHEN, “A Sistemática traz todo o
2006; BHUSHAN, 2009; BROECK, 2003). conhecimento biológico dentro
de um sistema ordenado.
A Evolução e a Genética são conceitos biológicos fundamentais (FUTUYMA, A Taxonomia é parte da
2009) para que designers de todas as áreas de projeto compreendam a sistemática que trata da
manifestação e as transformações da Vida. Através destes conhecimentos descrição, nomenclatura e
podemos reconhecer, prever, identificar características e definir critérios classificação dos organismos.”
miméticos através dos requisitos de classificação taxonômica.

8. SISTEMÁTICA E TAXONOMIA
“A taxonomia é uma ciência
Inicialmente denominada sistemática, a taxonomia surgiu da botânica e por isso sintética, baseada em dados
está, por método e conceito, incluída na primeira, mais abrangente: de diversas áreas como a
morfologia, anatomia, citologia,
A atividade de sintetizar e organizar tais informações, além de uma necessidade genética, citogenética química
lógica, traz grandes implicações na interpretação da realidade e do universo. e atualmente em dados
O crescente impacto antrópico e as influências da Tecnosfera sobre a Biosfera moleculares. Cada nova técnica
demonstram que o ordenamento sistemático é uma necessidade imprescindível desenvolvida numa dessas
áreas da ciência, oferece
para a compreensão da Vida e as possíveis aplicações tecnológicas:
possibilidades para aperfeiçoar
A apuração de características segundo critérios de classificação gera os esquemas nos quais estão
complexidade. A taxonomia, (assim como outras áreas tecnológicas, inclusive o delineadas as relações entre
os organismos. Nesse sentido,
modelo industrial), definiu a padronização como técnica, ferramenta, condição
o acúmulo de dados e a sua
conceitual e método de análise. Os critérios diversos utilizados na origem interpretação nunca cessam”.
de suas descrições e as consequentes divergências que geravam conceitos (WEBBER, 2007)

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

conflitantes, indicavam a necessidade do ordenamento por termos universais


para as referências. Como ferramenta universal, os sistemas de classificação
adotaram o latim por língua padrão e a Nomenclatura binominal proposta por
Linnaeus. O ordenamento simplifica e torna a pesquisa eficaz, além de permitir
identificar outras particularidades úteis, tanto para biólogos quanto projetistas:

9. CONCLUSOES
Para o contexto de Projeto (Design), algumas técnicas são semelhantes à
investigação de similares, segundo critérios específicos: formas (estrutura
morfológica), função, processo de fabricação (origens, ocorrência), material,
texturas e cores. A busca por padrões de comportamento social, que faz parte
da atividade de projeto, pode ser observada nos métodos de classificação de
espécies que interagem em grupos. Tomando como critérios de abordagem
Biomimética os princípios descritos por Benyus (2012), podemos descrever
níveis de categorização interdependentes, interseccionados. Através da
investigação biológica, algumas características distintivas (táxons, critérios
de classificação) podem satisfazer mais de uma necessidade de projeto, como
descrito por Broeck (2003) e analisados a partir da sua posição nas classificações
taxonômicas.
A maior contribuição que a sistemática biológica pode oferecer para
as aplicações tecnológicas através da Biomimética é a identificação de
especificidades que distinguem espécimes capazes de originar transformações
filogenéticas e adaptativas. No entanto podemos definir alguns aspectos que a
sistemática ressalta:
• Observação e análise.
• Abstração e categorização.
• Terminologia específica para interdisciplinaridade.
• Detalhamento e classificação.
• Integração e interação.
• Disponibilização sistemática.
• Aplicação.
Compreendemos dessa maneira, que os esforços para sistematizar o
conhecimento biológico tem uma importante contribuição para projetos por
disponibilizar a análise de elementos passíveis de aplicação. As ilustrações,
os detalhamentos e as indicações funcionais promovem aplicações diretas,
previsões de utilização e incrementam a criatividade.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
151
Contribuição da Sistemática e da Taxonomia para Aplicações Tecnológicas através da Biomimética

REFERÊNCIAS
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progettuale. 1993. Tese (mestrado) – Istituto Europeo di Disegn di Milano, Centro Ricerche in Strutture
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FUNDAMENTOS, TEORIAS E
ASPECTOS METODOLÓGICOS
DISCIPLINARES APLICADOS NA
BIÔNICA E BIOMIMÉTICA

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SOBRE OS AUTORES
Georgia Victor I georgiaribeirovictor@gmail.com
Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4727073A1
Coordenadora do Grupo de Estudos em BioTensegrity – MEDPUC e Laboratório de Investigação em Livre Desenho
LILD/DAD/PUC-Rio. Pesquisa e desenvolve modelos dinâmicos do corpo humano, para aplicação em aulas de
anatomia ativa. Designer – UFPB. Formação em Terapia Corporal (não acadêmica). Especialização em Ergonomia
GENTE/COPPE/UFRJ. Mestre em Engenharia de Produção e do Produto/Saúde no trabalho/COPPE/UFRJ. Doutora
em Design. Tese: Design para Saúde. LILD/ DAD/ PUC-Rio. Especialização em Docência em Medicina e Ciências das
Saúde, MEDPUC – PUC-Rio.
Linha de pesquisa: Biodesign- Biomimética – Biotensegrity – Cadeias Mio-fasciais.

Mario Seixas I mario@bambutec.com.br


Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4766742P7
CV: Diretor da empresa Bambutec Design. Professor do Departamento de Artes & Design da PUC-Rio. Pesquisador
do Laboratório de Investigação em Livre Desenho LILD – DAD/ PUC-Rio e do Grupo de Materiais e Tecnologias
Não Convencionais GMTENC – Departamento de Engenharia Civil e Ambiental/PUC-Rio. Desenhista Industrial –
PUC-Rio. Mestre em Design. Dissertação: Inserção social de arquiteturas temporárias de bambus e lonas têxteis
utilizando tecnologias não convencionais. LILD/ DAD/ PUC-Rio.
Linha de pesquisa: Objetos de bambu- Tensoestruturas – Fibras naturais – Tensegrity- Biotensegrity – Estruturas
autoportantes – Bambu na construção civil.

José Luís Mendes Ripper I ripper@puc-rio.br


Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783810J9
Professor emérito da PUC-Rio. Coordenador do Laboratório de Investigação em Livre. Desenho LILD –
DAD/ PUC-Rio. Arquiteto – UFRJ. Livre Docente – PUC-Rio.
Linha de pesquisa: Objetos de bambu – Biomimética – Tensegrity – Biotensegrity – Tensoestruturas – Estruturas
autoportantes – Bambu na construção civil – Biodesign – Fibras naturais.

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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando
Materiais Naturais
Biotensegrity Self-supporting Structures Applying
Bio-based Materials
Georgia Victor I Mario Seixas I José Luís Mendes Ripper

Resumo
O presente trabalho apresenta resultados de pesquisa em estruturas autoportantes empregando
o sistema estrutural de tensão integral (tensegrity) aplicado nas áreas do design, arquitetura,
engenharia e medicina. Metodologias ativas de pesquisa e aprendizagem foram desenvolvidas
utilizando modelos experimentais no meio físico e social. Recentes avanços nas pesquisas em
estruturas tensegrity orientaram o desenvolvimento de protótipos que introduzem o sistema
biotensegrity na arquitetura sustentável e no desenho de modelos didáticos do corpo humano. Os
modelos desenvolvidos através de estudos em biomimética aplicam tecnologias têxteis e ligações
flexíveis em biomateriais, apropriados ao ambiente e capazes de absorver esforços e cargas
especiais, que se assemelham à constituição fisiológica dos animais vertebrados e do corpo humano.
Palavras-chave: Estruturas autoportantes; Tensegrity; Biotensegrity; Biomateriais; Estruturas de
membrana; Biomimética.

Abstract
The present paper present research results in self-supporting structures employing the tensional
integrity structural system applied in the design, architecture, engineering and medicine. Active
methods of research and learning developed using experimental models in physical and social
environments. Recent advances in research on tensegrity structures have guided the development
of prototypes that introduce the biotensegrity system into sustainable architecture and in the design
of didactic models of the human body. The models developed through studies in biomimetics apply
textile-based technologies and flexible connections in biomaterials, environmentally compatible and
capable of absorbing forces and special loadings, which are similar to the physiological constitution of
vertebrate animals and the human body.
Keywords: Self-supporting structures; Tensegrity; Biotensegrity; Bio-based materials; Membrane structures;
Biomimetics.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
156
Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

INTRODUÇÃO
A sustentação da vida se realiza a partir de uma profunda relação entre forças,
formas e energias. Durante milhões de anos, a vida vem desenvolvendo e
aprimorando estruturas e organizações da matéria, de micro a macro sistemas
complexos em coexistência, sistemas vivos que constituem a vida no planeta
Terra. Esses sistemas vivos se auto-organizam e influenciam uns aos outros
em um conjunto de inter-relações que configuram unidades de unidades em
interação dinâmica. A Física emprega a palavra interação para se referir a
ações recíprocas entre elementos que cooperam e, por isso, se transformam,
modificando seu comportamento interno e sua natureza externa (Capra, 2002).
A natureza é capaz de produzir sofisticadas formas interdependentes de vida
e sistemas informacionais em redes eletromagnéticos, a partir de dispositivos
de atração e repulsão. Uma característica comum a todos os sistemas vivos é
a economia de energia para um máximo de performance, pois observamos que
na natureza não há desperdício de energia para o desempenho das funções
essenciais aos sistemas vivos (Otto, 1998). O funcionamento de um sistema vivo
exige comunicação entre as partes que o constituem. As partes de um sistema
interagem e se solidarizam mantendo uma unidade, uma organização dinâmica
que configura organismos autônomos, de células a planetas. Esta forma de
Figura 1: Geometrias estruturação cooperativa permite a sustentabilidade do sistema vivo em um
geodésicas a partir retículas nível de átomos mas também na escala da comunidade humana, na escala
triangulares planetária e também na escala cósmica. No funcionamento de um sistema
Fonte: Lotufo e Lopes, 1981. vivo, o comportamento das partes é refletido no funcionamento do “todo”, que
por sua vez, irá apresentar propriedades novas, inexistentes em suas partes.
“Uma estrutura fractal é Concordamos com Milton Santos, que a diversificação da natureza se configura
uma estrutura cuja resolução em padrões dinâmicos, onde o movimento é essencial à vida. A humanidade
permanece coerente em acrescenta o dado social da produção aos processos biológicos, complexificando
diferentes graus ou níveis de
as interações presentes nos sistemas vivos (Santos, 2002).
observação. Em outras palavras,
ela é construída com desenhos As formas produzidas pela natureza nos levam a perceber organizações nos
repetitivos que se reorganizam
processos de formação da matéria formando redes micro e macrocósmicas,
em diferentes níveis para
produzir uma forma que estruturas solidárias e resilientes. Sua organização pode ser percebida através de
conserva uma estrutura de base retículas de triângulos, originando complexas organizações espaciais geodésicas,
análoga. Assim acontece com entre os quais podemos observar tetraedros, octaedros, icosaedros, dodecaedros
um feto, um cristal, uma encosta
e outras geometrias esféricas complexas, ver Figura 1 (Lotufo e Lopes, 1981).
rochosa vista de avião ou
observada em escala humana. Segundo Joel Rosnay, com a repetição de formas geométricas em proporções
As formações dos cristais de
harmoniosas, formam-se espirais, formas estas que produzem padrões
rocha e de gelo, a estrela do
mar, a rosa, a petúnia, o jasmim- essenciais à sustentação da vida. O embrião humano, por exemplo, apresenta
estrela, a teia de aranha, os uma forma espiral, que vai desenrolar-se dentro do útero em um movimento
rabos dos cavalos marinhos, os espiralado, assim como um broto de samambaia. Este autor apresenta
furacões, as asas de borboleta, organizações complexas que se formam a partir de leis simples e usa como
a foz de rios, as cadeias de
montanhas ou os relâmpagos, exemplo as estruturas fractais:
como também a constituição do As formas espirais estão relacionadas aos processos da vida, observados na
corpo humano, são exemplos
apresentados para representar forma espiralada em dupla hélice encontrada no DNA, que segundo Bueno,
a natureza fractal das formas representa uma estrutura fundamental para toda a biologia e desvela a
naturais” (Rosnay, 1997). importância da forma desde o nível de complexidade mais elementar dos seres

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

Figura 2: Estrutura espiral do


DNA humano.
Fonte: Rodriguez, 2016.

vivos: um reservatório adequado para a transmissão de informações referentes


à sua morfologia e às funções biológicas dos seres vivos (Bueno, 2000).

Autores que pesquisam os princípios da organização psico-motora humana


como Piret e Béziers (1992) e Godelieve (1995), propõem que os nossos
movimentos de braços e pernas são espiralados; o nosso erguer é espiralado
em unidades de coordenação e em padrões de comportamento onde as formas
de agir se expressam entre o espiralado para fora e o espiralado para dentro, ou
em volta do próprio eixo, ou ainda uma parte do corpo para fora e a outra para
dentro. Podemos observar na Figura 3 alguns princípios organizacionais da
estrutura do corpo humano e suas formas espiraladas.

Piret e Béziers (1992) apresentaram movimentos cotidianos do corpo humano,


como flexionar e estender o braço ou a perna, que visualizamos como simples
dobradiças, na verdade, acontecem como reflexo das rotações iniciadas
nas articulações, que são esféricas. Tais características esféricas geram
comportamentos elípticos no movimento global de enrolar e desenrolar, que são
para as autoras os modos fundamentais da coordenação motora.

Através de uma analogia com uma peça de roupa sendo torcida, as autoras
demonstram que o dobrar é consequência da tensão que se desenvolve à
medida que o tecido é torcido em direções opostas, até que haja a flexão, assim
como acontece nas rotações do ombro e da mão que se enrolam em direções
opostas até que o cotovelo se dobre, conforme mostra a Figura 4 (Victor, 2010).

Kenneth Snelson, artista norte-americano, desenvolveu o sistema estrutural


de tensão integral (tensegrity) combinando madeira laminada e fios de nylon, em
fins da década de 40. Snelson foi pioneiro na construção de grandes esculturas
tensegrity combinando materiais rígidos de metal e materiais flexíveis em aço, ver
Figura 5 (Snelson, 2012). Kenneth Snelson aplicou o termo floating compression
(compressão flutuante) para descrever este sistema estrutural gerado pela (d)

combinação de barras rígidas em compressão e malhas flexíveis em tensão,


Figura 3: Princípios de
configurando estruturas autoportantes em estado de equilíbrio. A palavra organização estrutural do corpo
tensegrity foi criada por Buckminster Fuller e significa a combinação das palavras humano em formas espirais. (a)
tensão (tensional) e integridade (integrity). Estruturas tensegrity são formadas Estudo do corpo humano por
por redes flexíveis contínuas submetidas a forças de tração e barras rígidas Leonardo Da Vinci. (b) Estudo de
Godelieve Struff. (c) Característica
descontínuas submetidas a forças de compressão. Essas estruturas funcionam
das unidades de coordenação
em sinergia a partir da polaridade positivo e negativo. Snelson desenvolveu espiraladas, segundo Béziers.
esculturas a partir das armações de pipa (kite-frames), cruzando barras em forma (d) Estudo do movimento global
de X estabilizadas por perímetros de cabos. Snelson desenvolveu tensegrities a espiralado, segundo Godelieve.

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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

partir da livre combinação de barras no espaço, cujo funcionamento a partir de


polaridades se assemelha ao magnetismo.

(a) Os estudos de Keneth Snelson sobre padrões construtivos trançados o levaram


a afirmar que a cestaria é a mãe das estruturas tensegrity. Elementos flexíveis
constituem ligações entre as partes até alcançar a forma como um todo,
revelando de modo bastante direto as propriedades universais geométricas das
estruturas naturais, ver Figura 6. Snelson (2012) explica que dois filamentos
que se cruzam e formam um X, onde dois ângulos são criados em suas diagonais
e na dinâmica do sistema, um dos ângulos cria um giro para a direita e o outro,
simetricamente, para a esquerda. Segundo o autor, esses giros são equivalentes
(b) ao magnetismo, com suas polaridades positivo e negativo, formando uma
dualidade que ocorre em cada cruzamento, um fenômeno helicoidal que
Figura 4: (a) Padrões esféricos
determina como conectá-las a um outro cruzamento (Victor, 2008).
das articulações. (b) Forças de
torção provocando tensões que Em meados da década de 1990, os autores Ingber, Levin, Swanson e Flemons
geram flexão, Piret e Béziers.
realizaram estudos sobre os sistemas de tensão integral nos organismos
vivos. A fim de compreender a relação estrutura-função no corpo humano,
vários pesquisadores recorreram aos princípios arquitetônicos da tensegridade
para aplicá-los ao entendimento da geometria que estrutura e ordena a
funcionalidade do sistema corporal dos vertebrados.
a
Swanson nos relata que as pesquisas realizadas nos últimos 25 anos
demonstraram que os sistemas em biotensegridade possuem princípios
construtivos que podem demonstrar a relação estrutura-função mecânica não
somente em todas as escalas de tamanho no corpo humano, como também
a nível celular, permitindo que a célula detecte mecanicamente seu ambiente
e converta sinais mecânicos em mudanças bioquímicas. Quando aplicada aos
princípios da medicina osteopática, a biotensegridade fornece uma compreensão
conceitual da organização hierárquica do corpo humano e explica a capacidade
do corpo de se adaptar às mudanças (Swanson, 2013).

Segundo Ingber, uma enorme variedade de sistemas naturais – incluindo átomos


de carbono, moléculas de água, proteínas, vírus, células, tecidos, e até mesmo
o ser humano – são construídos e organizados em tensegridade e, por isso,
são chamados de biotensegrity. A estrutura corporal é compreendida como uma
estrutura tensionada autoportante (que não precisa de apoios para se erguer)
(b)
em um campo contínuo de tensão, realizado pelos tecidos flexíveis, ou seja,
Figura 5: Esculturas de Kenneth Snelson.
(a) WoodX-Column, 1948. (b) Easy
pelo sistema mio-fascial – músculos, tendões, ligamentos e fáscias – e por
Landing. um campo descontínuo em compressão, representado pelos ossos, também
Fonte: Baltimore, 1977.
conhecido como tecido ósseo ou sistema esquelético.” (Ingber, 1998).

Figura 6: Padrões construtivos


aplicados ao tensegrity. (a)
Armação da pipa: o proto-
tensegrity (b) Células trançadas
(a) (b)
presentes na arte da cestaria.

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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

Em seus estudos, Flemons desenvoveu modelos esquemáticos de partes


do corpo humano aplicando o sistema estrutural tensegrity. O autor analisa
as estruturas articulares no corpo e explica como elas podem ser melhor
compreendidas usando princípios de tensegridade, conforme mostra a Figura 7.
Thomas Myers, baseia-se nos estudos de Ida Rolf, desenvolvendo e
apresentando os “trilhos anatômicos” trazendo contribuições importantes
ao definir caminhos de tensão que percorrem todo o corpo, dividindo-os em
linhas anatômicas em tensegridade, sendo a principal delas a linha espiralada.
Ao conectar os músculos a partir da fáscia, Myers inspirou-se no trabalho do
antropólogo Raymond Dart, onde ligava os músculos do tronco em um arranjo
de espiral duplo, conforme a Figura 8.

 ESQUISA E APLICAÇÃO DE ESTRUTURAS


P
AUTOPORTANTES DE BAMBU E MEMBRANAS TÊXTEIS
Para apresentar nossas atuais pesquisas sobre estruturas autoportantes
biotensegrity, vamos descrever algumas das experiências conduzidas no Laboratório
de Investigação em Livre Desenho – LILD, antigo LOTDP, do Departamento de Artes
& Design da PUC-Rio. No LILD, pesquisamos técnicas para construir estruturas
de biomateriais, geometrias, formas e princípios estruturais que regem as
organizações físico-químicas que a vida produz. Desenvolvemos pesquisas com
modelos físicos utilizando métodos experimentais.
Durante os últimos 30 anos, temos desenvolvido metodologias ativas
para pesquisa, produção e aplicação social de sistemas estruturais com
padrões inspirados em formas da natureza, capazes de reproduzir dinâmicas
encontradas nos seres vivos, mais econômicas e apropriadas para novas
estruturas de engenharia, que consideram o ciclo de vida dos objetos, desde
a sua fabricação ao pós-uso dos materiais. Temos desenvolvidos tecnologias
construtivas a partir de sistemas estruturais tensionados, sistemas
autoportantes e estruturas com ligações flexíveis aplicados nas áreas da
arquitetura, design, engenharia e saúde, contribuindo para a formação de um
quadro multiqualificado em uma perspectiva transdisciplinar. Nesse trabalho
apresentamos resultados de pesquisas interdisciplinares unindo a engenharia
e o design, orientando aprendizados e aplicativos para o desenho de produtos,
para construções ecológicas e para a área da saúde.
Metodologias ativas nos processos de investigação, produção e aprendizagem
são o que definem o modus operandi do LILD. Cognição corporificada seria,
talvez, o termo utilizado pelas neurociências para dizer em poucas palavras a
forma como conduzimos nossa metodologia de pesquisa. Não é um conteúdo
programado, é algo que se apreende com os sentidos, com o fazer, com o fazer
junto, com os dedos, com as mãos e com o corpo. O processamento cognitivo se
adentra em nossos gestos, pensamentos, ações, corporificando-se, tornando
comum ao nosso agir. As mãos percebem coisas que nosso cérebro irá entender Figura 7: Modelos que
a partir da manipulação de materiais naturais. Segundo Saramago, os dedos, demonstram o sistema de
suas pontas, possuem pequenos cérebros. E é com esses pequenos cérebros biotensegridade no corpo
que trabalhamos a priori, e é no processo do fazer que várias nuances da humano.

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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

experiência são apreendidas pelos sentidos, para que só depois se possa ter
uma compreensão a nível cortical do que se tornou aprendizado (Saramago,
2000). Assim, aprendemos que a prática de fazer objetos é essencial para o
aprendizado. O título de Livre Desenho aponta para o sentido de estimular a
criação e a imaginação investigando o que é primordial no gestual do homem
em sua relação com os objetos que manipulamos e construímos. São utilizados
materiais pouco processados, próximos ao seu estado natural, gerando
economia nos meios de produção, redução no consumo de energia e baixo
impacto ecológico. São desenvolvidas pesquisas visando aplicações práticas do
bambu, da terra crua e de fibras naturais tais como o algodão, a piaçava, o sisal,
o coco, entre outras, em construções leves e econômicas com aplicação imediata
de seus resultados no meio físico e social, junto às comunidades envolvidas.
Neste sentido, prática e teoria se completam, dando suporte à percepção e ao
entendimento geométrico e construtivo do que está sendo pesquisado, evitando
a alienação dos agentes em relação aos processos produtivos. A construção de
modelos em pequena escala para o estudo e o desenvolvimento são métodos de
Figura 8: Linha miofascial investigação e de compreensão da relação entre forma, organização, estrutura e
espiralada.
função, que ajudam a desenvolver o aparelho cognitivo dos pesquisadores através
Fonte: Myers, 2003.
da prática artesanal e da prototipagem com matérias acessíveis, acrescentando
variáveis intuitivas ao processo de elaboração racional, favorecendo insights
criativos e procedimentos inovadores no desenho de estruturas.
Em 1992, foi desenvolvido no LILD uma estrutura geodésica empregando
colmos de bambu e conexões pontuais em aço ligadas por um compósito de
sisal e betume conforme mostra a Figura 9 (Ripper et al., 1995). Procedimentos
(a) de montagem e desmontagem da estrutura apresentaram desgaste acelerado
das peças componentes em função das juntas pontuais rígidas desenvolvidas.
(b) Visando o desenvolvimento de estruturas mais acessíveis e capazes de absorver
melhor sobrecargas provenientes de forças de montagem/desmontagem
Figura 9: Protótipo de estrutura
e forças de uso, foi desenvolvido um domo geodésico aplicando o sistema
geodésica de bambus
estrutural tensegrity, utilizando conexões excêntricas em giro, conforme
tubulares com juntas pontuais.
(a) Geodésica aplicando observamos na Figura 10 (Moreira et al., 2003). O sistema foi insprirado nos
juntas pontuais na Lagoa de modelos tensegritoy desenvolvidos por Kittner e Quimby (1988).
Araruama-RJ. (b) Conexão O desenvolvimento de sistemas tensionados aplicando colmos de bambu como
pontual de aço, sisal e betume
elemento estrutural, nos levou ao estudo e desenvolvimento das estruturas
tensegrity. São estruturas formadas por elementos que se conectam, se erguem,
se sustentam, se equilibram e se integram em formas espaciais a partir do
equilíbrio entre forças de tensão e forças de flexo-compressão aplicadas em
seus membros estruturais constituintes, feitos geralmente de tubos de bambu,
cabos e membranas têxteis. Essas estruturas apresentam tecnologias acessíveis,
processos simplificados de fabricação, montagens leves e um amplo potencial de
sustentabilidade na área do desenho de produto e da construção civil.
As Figuras 11, 12 e 13 apresentam modelos e protótipos de estruturas tensegrity
desenvolvidos no LILD entre as décadas de 90 e 2000.
Foram desenvolvidas ponteiras em materiais rígidos, tais como aço e madeira,
e ponteiras em materiais flexíveis, tais como lonas e malhas têxteis de fibras
sintéticas, para a construção de estruturas tensegrity visando uma melhor

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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

distribuição de esforços no topo das barras de bambu (Moreira e Ripper, 2014).


Uma série de protótipos foi desenvolvida no LILD entre os anos de 1995 e 2005
com esta finalidade, conforme mostra a Figura 14.
Bambutec, empresa originada dentro do LILD e graduada pelo Instituto Genesis
da PUC-Rio, desenvolveu uma estrutura tensegrity para eventos itinerantes (a)
realizados no Rio de Janeiro e São Paulo (Seixas, 2009). A estrutura media 8
x 6m em um total de 48 m² de área, apresentando uma montagem ultraleve
conforme apresentado na Figura 15. A estrutura foi analisada posteriormente
pelo Laboratório de Sistemas Estruturais – LASE da Escola de Engenharia da
UFMG, parceira do LILD no desenvolvimento da pesquisa apresentada neste
artigo. A Figura 16 apresenta resultados da análise da cobertura aérea aplicando (b)
estrutura tensegrity através do Método dos Elementos Finitos (MEF) utilizando Figura 10: Geodésica de bambus
o programa SAP2000 (Moreira et al., 2010). tubulares com juntas flexíveis. (a)
Geodésica aplicando juntas flexíveis na
Simultaneamente, desenvolvemos estudos sobre estruturas reticuladas Serra da Bocaina-SP. (b) Conexão flexível
em giro e cabos de poliéster
pantográficas utilizando colmos de bambu e cabos têxteis de fibras sintéticas.
Estas estruturas adaptáveis foram inspiradas nas habitações nômades do deserto
de Gobe na Mongólia, popularmente conhecidas com Ger ou Yurt (Khan e Easton,
1979). A partir de experiências com materiais flexíveis, elaboramos ligações
articuladas gerando conexões com um ou mais graus de liberdade entre as peças
estruturais. As ligações apresentaram baixo desgaste mecânico entre os elementos
da estrutura, livre de esforços de torção. Estas conexões têxteis articuladas se
mostraram apropriadas para estruturas de engenharia (Seixas et al., 2016, Moreira et (a)

al., 2017). Estas estruturas se aproximam da constituição da estrutura dos animais


vertebrados e são inspiradas na mecânica dos seres vivos. As Figuras 17 e 18,
mostram estruturas pantográficas aplicando as conexões flexíveis desenvolvidas.
Em 2014, Bambutec desenvolveu uma estrutura autoportante ultraleve a partir
de cascas treliçadas pantográficas, inspiradas no movimento do dorso do tatu, ver
Figura 19. A estrutura autoportante foi aplicada na cobertura de um anfiteatro (b)
ao ar livre na PUC-Rio. A estrutura cobre uma área de 17 x 12m em um total de
200m² e apresenta peso de 1,4 toneladas, isto é, 7 kgf/m², comparando-se em
leveza apenas às modernas estruturas de polímeros avançados. Sua forma foi
desenvolvida a partir de retículas pantográficas articuladas, arcos de flexão ativa,
membranas acrílicas, suportes articulados em forma de bipés e conexões flexíveis,
como mostra o diagrama da Figura 20. A estrutura de cobertura do Anfiteatro foi
(c)
desenvolvida por meio da sobreposição de cascas treliçadas em uma geometria
de forma livre, que permite a entrada de luz natural e de ventilação em um terreno Figura 11: Modelos tensegrity
arborizado em declive no clima tropical do Rio de Janeiro. Emprega um método de desenvolvidos no LILD.
(a) Estruturas a partir
deformação elástica dos arcos de flexão ativa, que são posteriormente reforçados
da armação da pipa-
por tesouras articuladas, capazes de gerar geometrias complexas na formação de
meteorológica.
cúpulas (Seixas et al., 2017). Aplica conexões flexíveis articuladas, sem a utilização (b) Protótipo de barraca de feira
de furos, pregos e parafusos, em um sistema tensionado autoportante que se aplicando estrutura tensegrity.
assemelha ao corpo de um animal vertebrado (Figuras 20 e 21). Fonte: Seixas, 2001.
A tipologia construtiva aplica métodos de montagem inovadores que consideram
o movimento dos módulos estruturais no espaço empregando alavancas e
contrapesos aplicando um sistema estrutural ultraleve, que dispensa o uso de
guindastes e equipamentos pesados, conforme mostra a Figura 22.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

Figura 12: Objetos tensegrity


desenvolvidos no LILD. (a)
Painéis expositores. (b)
Montagem de berço de bambu
e redes. (c) Berço de bambu e
redes

(c)
(a) (b)

(d)

(a) (b) (c)

Figura 14: Ponteiras estruturais aplicadas em estruturas tensegrity. (a) Ponteira em lona têxtil de
(a) PVC e poliéster. (b) Ponteira em lona têxtil de PVC e poliéster para conexão articulada de 2 barras
de bambu. (c) Ponteira flexível em rede de polietileno trançada. (d) Ponteira rígida em madeira da
espécie Manilkara spp. e malha de poliamida.

(b)

Figura 13: Modelos tensegrity


desenvolvidos no LILD
aplicados no meio líquido (a)
e (b) Modelos de icosaedros
(a) (b) (c) (d)
flutuantes aplicados sobre o
espelho d´água. Figura 16: Análise estrutural de cobertura aérea tensegrity empregando MEF no programa SAP
Fonte: Ripper et al., 1999. 2000 (LASE-UFMG, 2010). (a) (b) Forças axiais nas barras. (c) (d) Momentos fletores.

Figura 17: Movimento


pantográfico de estrutura
treliçada plana empregando
juntas flexíveis.

Figura 18: Movimento


articulado de estrutura treliçada
tridimensional empregando
juntas flexíveis.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

Figura 19: Movimento


articulado do dorso do tatu-
bola.
Fonte: Associação Caatinga/
Mark Payne-Gill/NaturePL.

Figura 20: Modelo em CAD de


estrutura de cobertura sobre
Anfiteatro ao ar livre. Elementos
estruturais em arcos de flexão
ativa, retículas pantográficas
tensionadas por membranas
acrílicas e suportes articulados
tocando o solo. Fonte: Bambutec,
2014.

 ODELOS DE PESQUISA E APRENDIZAGEM ATIVA


M
APLICANDO ESTRUTURAS TENSEGRITY
E BIOTENSEGRITY
A presente pesquisa em estruturas tensegrity e biotensegrity partiu da
necessidade de superar o paradigma clássico do aspecto duro e fragmentário
do tradicional modelo biomédico, representado por modelos de corpo humano
rígidos e construídos a partir de uma mecânica estrutural reducionista. Por
exemplo, a utilização de um eixo onde se inserem as vértebras para representar
a espinha vertebral, ou um sistema de dobradiça iguais aos utilizados em uma
porta para representar a articulação do joelho, são soluções de representação
do corpo humano correspondentes a um paradigma mecanicista ultrapassado.
Tais modelos nos levam à compreensão de uma rigidez e uma estaticidade que
não correspondem à forma construtiva e à dinâmica funcional que as formas
da natureza adotam nas suas relações internas e externas, como por exemplo,
Figura 21: Vista interna da
forças superficiais em uma membrana (relações internas) e reações de apoio de
estrutura do Anfiteatro da
um corpo mediante à força da gravidade (relações externas), que são relações
PUC-Rio, empregando tubos de
físicas complexas. Por conseguinte, estes modelos induzem equívocos quanto bambu, membranas acrílicas
à compreensão da tridimensionalidade e da geometria construtiva que ordena a e conexões flexíveis em cabos
estrutura corporal do humano e dos animais vertebrados, e, consequentemente, de poliéster. Fonte: Bambutec,
a equívocos quanto a forma de diagnóstico e tratamento. 2014.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

Temos pesquisado modelos do corpo humano apoiados em um paradigma sistêmico


visando uma maior compreensão da dinâmica do corpo dos animais vertebrados
e dos sistemas vivos. As estruturas autoportantes desenvolvidas são capazes
de explicar, demonstrando visual e sensorialmente os princípios de plasticidade,
integridade e solidariedade funcional, entre outros princípios que funcionam em
cadeias integradas de movimento. Facilitam o reconhecimento do corpo humano
como um sistema integrado de tensões onde a organização da sua estrutura se dá
por meio de um complexo inter-relacionamento entre os componentes estruturais
que se conectam e se formam, de tal modo que o posicionamento de elementos em
uma parte do corpo altere o arranjo e o movimento em outra parte. Sendo assim,
podemos explicar como o corpo humano tende a compensar a perda de mobilidade
de uma parte do corpo e o aparecimento de sintomas em outra parte. Esta nova
forma de abordagem e evolução no reconhecimento do corpo como sistema, traz
consigo novos métodos e meios de avaliação da dinâmica corporal, os quais regem
novas formas de entendimento, leitura e diagnóstico da dinâmica e do estudo da
funcionalidade do movimento humano, conduzindo a práticas de intermediação
e tratamento dos sintomas. Tais mudanças nas formas de ver e pensar o corpo,
originam por sua vez, novas formas e técnicas de transformá-lo em busca de
melhor funcionalidade global. Estudos e trabalhos mais recentes nesse sentido,
encontram-se carentes de modelos que expliquem o complexo funcionamento
mecânico do corpo humano. Torna-se impossível saltar para um novo patamar
interpretativo, embasado nos modelos que representam uma estrutura corporal
rígida e que não possui as qualidades que caracterizam o nosso sistema, tais como,
maleabilidade, plasticidade e equilíbrio de tensões, que definem nossa arquitetura
corporal no espaço físico. Torna-se iminente desenvolver modelos que simulem
essa dinâmica para aplicá-la ao ensino, a fim de estabelecer um novo paradigma de
ensino-aprendizagem do corpo, a fim de permitir ver e avaliar, de um novo ângulo,
os problemas e suas causas. (Victor, 2010). Foi nesse contexto que se desenvolveu
no LILD a pesquisa de tese Design para Saúde.
Os resultados e desdobramentos que apresentamos aqui, originou um o Grupo
de Estudos em Biotensegrity, sediado no LILD, unindo as áreas do design,
engenharia e medicina.
Uma organização corporal saudável é construída em tensegridade (tensegrity), onde
nossos ossos atuam como espaçadores na rede formada pelo tecido conjuntivo
que é um tecido fascial contínuo. Nenhum elemento rígido se encontra em contato
com o outro elemento rígido, fornecendo-lhes apoios rígidos. Os elementos
estruturais são conectados por malhas de cabos, que fornecem apoios flexíveis.
Figura 22: Procedimento de
A Figura 22 apresenta estruturas geodésicas tensegrity de barras de bambu
montagem da estrutura de
descontínuas e malhas tensionadas contínuas, caracterizando um estado mecânico
cobertura do Anfiteatro, que
apresenta a elevação do de tensão integral. Esta organização física autoportante estável é correspondente
módulo de casca treliçada à organização saudável do corpo humano e dos corpos dos animais vertebrados,
reforçada por arcos de flexão sendo capaz de assimilar forças especiais, impactos e cargas dinâmicas.
ativa. A estrutura é soerguida
Após desenvolver uma série de estudos biológicos testados em laboratório,
por elevadores móveis e
alavancas em um sistema Ingber concluiu que seus resultados apoiam fortemente o potencial valor clínico
adaptável para o terreno em dos sistemas biomiméticos de engenharia que recriam interfaces funcionais de
declive do Anfiteatro. tecidos vivos e experimentam estresses mecânicos fisiológicos.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

“Um dos princípios de design biológico mais fundamentais que descobrimos


é claramente o uso da arquitetura de tensegridade, que observamos em
praticamente todas as escalas de tamanho na hierarquia da vida”.
O autor se dedica a projetar e fabricar materiais biomiméticos que utilizam
princípios de tensegrity usando técnicas de design e fabricação. (Ingber, 2012).
Nossas vértebras são conectadas por músculos cujo funcionamento é similar ao
dos cabos de estruturação, tensão, direcionamento e reforço que encontramos
nos mastros compostos das embarcações. Segundo Frei Otto, “a estrutura dos
corpos dos animais são estruturas híbridas compostas de elementos resistentes
à flexão e à compressão (ossos, espinha, esqueleto), que estão rodeados de
elementos resistentes à tração, como são os músculos, as veias e a pele, que
formam uma estrutura parecida com a dos mastros compostos” (Roland, 1965).
Os elementos rígidos estão conectados por tecidos flexíveis que funcionam
como “transportadores” dessas qualidades de uma vértebra a outra, nesse caso,
e, de uma parte constituinte do corpo à outra no que se refere a todos os tecidos
que formam a estrutura corporal. A Figura 24 apresenta modelos de mastros
compostos desenvolvidos pelo grupo coordenado por Frei Otto no Instituts für
leichte Flächentragwerke (IL) da Universidade de Stuttgart (Roland, 1965). Figura 23: Modelos de
estruturas geodésicas em
Inspirados nas pesquisas desenvolvidas por Frei Otto na Universidade de sistema de tensão integral
Stuttgart, desenvolvemos modelos de mastros compostos aplicados em (tensegrity) desenvolvidas no
estruturas temporárias e modelos didáticos do corpo humano. Os mastros LILD (a) Icosaedro tensegrity. (b)
compostos desenvolvidos são longarinas de bambu entre 6 e 8m de comprimento, Geodésica tensegrity
reforçadas por cruzetas transversais de bambus e cabos têxteis acopladas ao frequência 2V.

longo da peça, contraventando e aumentando a resistência à flambagem dos


elementos esbeltos de bambu, ver Figura 25. Desenvolvemos conexões em
aço aplicadas nas extremidades da estrutura, de forma a distribuir forças de
compressão no topo das peças de bambu e distribuir as forças de tração em
uma rede contínua de tensão integral. Empregamos cabos têxteis de poliéster e
polipropileno pré-tensionados a partir das medidas aferidas nos modelos físicos
realizados, conforme mostram as Figuras 25 e 26 (Bambutec, 2009).

Figura 24: Modelos de mastros


compostos desenvolvidos por
Frei Otto no IL da Universidade
de Stuttgart.
Fonte: Roland, 1965.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

Figura 25: Mastros empregados


na construção de um estande
de exposição, empregando
longarinas de 8m de
comprimento e diâmetro das
longarinas de 60 mm.
Fonte: Bambutec, 2009.

MODELOS DIDÁTICOS DO CORPO HUMANO


APLICANDO O SISTEMA BIOTENSEGRITY
O objetivo desse trabalho foi desenvolver modelos construídos com abordagens
estruturais mais aproximadas da estrutura viva, capazes de demostrar
informações sobre as relações entre a estrutura e função e de demostrar as
cadeias de solidariedade funcional que determinam a dinâmica do corpo humano.
A missão é produzir modelos inovadores na medida em que o conhecimento
transmitido influencia conteúdos nos processos de raciocínio e cognição quando
aplicados às várias áreas de estudo que estudam o corpo humano, modificando
desde parâmetros de projeto até formas de diagnosticar e tratar as pessoas.
O presente estudo aplicou a metodologia de biomimética de modo a alcançarmos
formas de representação da estrutura e da biomecânica dos organismos dos
vertebrados estudados. Ao invés de começar o estudo da forma a partir de
desenhos, a metodologia de reconhecimento da estrutura se deu a partir da
própria construção de modelos por meio da mimese da anatomia do corpo
humano. Construindo primeiramente as vértebras em hastes bambu, e depois
as ligações entre elas em cabos de algodão conectados seguindo as direções e
caminhos traçados pela forma das inserções dos músculos observados, conforme
descrições estudadas em livros de anatomia e biomecânica, ver Figura 27.

O modelo de espinha vertebral realizado seguindo o projeto construtivo ditado


pela própria anatomia, se apresenta como um sistema Biotensegrity, por se
estruturar de forma onde nenhum elemento rígido se apoia diretamente
no outro, mas que se organiza no espaço gravitacional a partir da tensão
estabelecida pelos cabos flexíveis que direcionam e organizam a forma. Essa
forma estrutural construída sem os discos intervertebrais nos permite visualizar
que o espaço que seria por eles ocupado, é preservado pela direção de tensão e
compressão realizados por esses músculos, aqui representados pelos cabos de
conexão, ver Figura 28.

Para a ancoragem da espinha vertebral na cintura escapular foi necessário


construir um modelo correspondente aos ossos das escápulas e da bacia. Para
Figura 26: Modelo de mastro tanto, foi utilizado um biocompósito de sisal e argila. Para a ligação entre as
composto medindo 6 a 8 vértebras e as escápulas utilizando tecido de poliamida, foram construídos
metros de comprimento, cabos representativos dos músculos romboide e elevador da escápula (em
empregando longarinas
amarelo) e os do músculo trapézio (em laranja), conforme a Figura 29. Para a
de bambu com 60mm de
diâmetro. ancoragem na bacia, foram construídos os cabos representativos do músculo
Fote: Bambutec, 2009. quadrado lombar com linhas têxteis de algodão, ver Figura 29.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

Figura 28: Modelo físico da


espinha vertebral utilizando o
sistema Biotensegrity.

Figura 29: Modelo da espinha


vertebral conectado ao modelo
da cintura escapular em
sistema biotensegrity.

O presente modelo permite visualizar o comportamento do sistema integrado


da espinha vertebral e da cintura escapular apresentando suas curvas
compensatórias que fluem e repercutem por todo o sistema (Figuras 30 e 31).

ESTUDO DA ESTRUTURA DO DIAFRAGMA


O modelo da abóbada do diafragma foi desenvolvido a partir da observação do
desenho e do mecanismo da água-viva (ver Figura 32), que tem estrutura e o
movimento de locomoção, análogos ao movimento de inspiração e expiração no
corpo humano.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
168
Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

Figura 32: Forma da água-viva


no meio líquido.

O movimento de expansão ao inflar, abrindo e aumentando o raio entre os


tendões, emite uma força de propulsão encontrado no sistema de locomoção
da água-viva, que é análogo ao movimento que realizamos ao inspirar, e ocorre
no diafragma do corpo humano. O movimento do diafragma humano ocorre
baixando o centro, expandindo o seu diâmetro e abrindo as costelas, por
consequência dos tendões que se encontram inseridos em suas bordas.
Na expiração, os tendões se aproximam, diminuindo o raio entre eles, elevando o
centro da estrutura da abóbada do diafragma e aproximando as costelas, devido
a ação de fechamento dos tendões que nelas se inserem.
Além disso, para a definição da forma, utilizamos a biomimese da anatomia da
estrutura da água-viva e do diafragma do corpo humano, como também nos
baseamos no estudo de uma estrutura de cobertura a partir da sobrinha chinesa,
desenvolvida no LILD para construção do sistema dinâmico do diafragma,
conforme mostra a Figura 33. O resultado é uma estrutura autoportante que
apresenta uma geometria formada por arcos de flexão ativos, que geram um
desenho propício para que o movimento descrito anteriormente ocorra.
O diafragma possui 17 hastes (feixes de fibras musculares e tendões) que se
fixam nas bordas das costelas em cada lado do corpo das vértebras lombares
L4 e L5, sendo um em cada lado, próximos aos processos transversos dessas
vértebras, indo se inserir no quadrado lombar e no arco da cadeia muscular
psoas, ver Figuras 34 e 35.
O estudo da forma, através de sua materialização e prototipagem, gera
informações sobre a estrutura e sua dinâmica física, que somente são
percebidas durante o ato de construir, formando uma cadeia cognitiva de
retroalimentação entre o pensar e o fazer, em um processo cognitivo que
se estabelece através de respostas e sensações apreendidos a partir do
desenvolvimento dos modelos físicos. O uso do modelo aponta para aspectos
a serem melhorados em uma nova etapa. Exige uma atualização nos processos

Figura 33: Anatomia da


estrutura da água viva e
modelos do diafragma do
corpo humano.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

Figura 34: Estudo de estrutura


de cobertura a partir da
sobrinha chinesa, informando
sobre a construção do sistema
dinâmico do diafragma.

Figura 35: Estudo de conexão


do modelo do diafragma ao
modelo da espinha vertebral,
conectando pela fáscia, ao
coração e ao músculo psoas.

e materiais selecionados para a elaboração mais adequada às necessidades


de uso. Os sistemas biotensegrity são uma importante contribuição para a
compreensão da biomecânica e de sua influencia energética, informacional e
vibracional nos organismos vivos, aplicados em modelos didáticos. São capazes
de demostrar uma arquitetura e uma dinâmica mais aproximada do corpo
humano, apresentando novas perspectivas para profissionais e estudantes que
trabalham com o corpo. Na sua utilização compreendemos conceitos e relações
estruturais entre forma e função, e também como um movimento ou tensão em
uma parte da estrutura pode influenciar a estrutura e o movimento em outras
partes. Essas informações implicam nas formas de ver e compreender o corpo
humano quando aplicadas a outras áreas do conhecimento, tendo um potencial
de inovação quando aplicados nas áreas da indústria de mobiliário, ergonomia,
atletismo de alta performance e nas terapias corporais.

CONCLUSÃO
A compreensão do corpo humano como um sistema biotensegrity, propõe um
novo método de compreensão da arquitetura da biomecânica organizacional
psico-motora humana. Propõe um novo paradigma de compreensão do corpo
humano no âmbito das pesquisas e práticas fisioterapêuticas, capazes de
alavancar processos criativos. Pesquisas em andamento vem contribuindo
significativamente na transformação do estado de conhecimento, estabelecendo
novos modelos mentais de cognição através de modelos físicos, que incentivam
processos de inovação quando aplicados em áreas do conhecimento como a
arte, arquitetura, design, engenharia e medicina. Novos métodos de ensino,
de formulação de objetivos, processos de decisão e estratégias utilizados
resultam em novas formas de diagnosticar e tratar o corpo. Estas práticas têm

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
170
Estruturas Autoportantes Biotensegrity Aplicando Materiais Naturais

originado técnicas aplicadas para transformar o corpo na busca de uma melhor


funcionalidade global de profilaxia, de preservação, tratamento, recuperação
e inclusão. Novas tecnologias e sistemas flexíveis de engenharia vêm sendo
desenvolvidos a partir de biomateriais, aplicados em arquiteturas, objetos
úteis e modelos didáticos, configurando um campo de extensão das pesquisas
desenvolvidas sobre estrutura tensegrity e estruturas biotensegrity. Modelos
estudados inicialmente em âmbito acadêmico, vem gradualmente sendo
implementados em aplicativos no meio físico e social, contribuindo para os
avanços científico-tecnológicos deste campo interdisciplinar de conhecimento.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem aos pesquisadores Ana Branco Nogueira, Ana Freitas
Machado, Giuliano Balsini, João Bina, Lucas Alves Ripper, Luís Eustáquio Moreira,
Luís Vicente Barros, Marcelo da Fonseca e Silva, Nicolas Gomez e Patrick
Stoffel pela importante contribuição dedicada à presente pesquisa. Os autores
agradecem ao CNPQ, à CAPES, à FAPERJ e à LUPO pelo apoio concedido no
desenvolvimento da presente pesquisa.

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FUNDAMENTOS, TEORIAS E
ASPECTOS METODOLÓGICOS
DISCIPLINARES APLICADOS NA
BIÔNICA E BIOMIMÉTICA

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SOBRE OS AUTORES
Carlos da Silva | carlosdasilva@ua.pt
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6387875690100945
Mestrado em Engenharia e Design de Produto pela UA-Universidade de Aveiro. Graduado em Design pela
UA – Universidade de Aveiro. Dedica-se ao desenvolvimento de produto, tendo como áreas de interesse a
Investigação, o Design Estratégico, de Interação e de Sustentabilidade.

Paulo Bago de Uva | paulo.b.uva@gmail.com


Formado em Design Industrial no IADE- Escola Superior de design, marketing e publicidade (Lisboa, 1985). Em
1986 mestrado em “Biónica aplicada e design” no Instituto Europeu de Design, CRIED-Centro de Investigação
aplicada. Em 1998 vence bolsa internacional da Swatch, e conclui 2º mestrado na Domus Academy (Milão,1999) Na
Itália foi designer na Fauciglietti ingeneering, Trabucco & Vechi e Lucci Orlandini. Em 1991 volta a Lisboa convidado
pelo Centro Português de Design como consultor para a internacionalização e a implementar a disciplina de Design
Management em Portugal, no IADE onde foi coordenador de Projeto e fundador do mestrado em Design Urbano e
membro do Conselho Científico. Em 1992 foi convidado para Novo Design/Brandia,a maior empresa de Design e
Marketing da Península Ibérica onde foi diretor da área de design de produto e ambientes com projetos para Centro
Cultural de Belém, Vodafone, entre outros. Em 1995 funda a Almadesign hoje a empresa relevante no setor de
transportes públicos e aeronáutica. Foi Prémio Nacional de Design pela concepção autocarro S. Caetano 1998. Sai
em 2000 para liderar equipes multidisciplinares de empresas e associações para a internacionalização com casos
de sucesso na ModusDesign, Camara Municipal de Lagos, Região Turismo do Algarve, Instituto da conservação da
Natureza, MGLASS. Integrou o Projeto Auto-interiores, de consórcio do Estado Português com as empresas do
setor automóvel e universidades (Acecia, Inteli, IST, CEIIA Simoldes, AIS, Inapal, TMG, Sunviauto, Pinifarina design,
entre outras, Lisboa 2004-2007), Recentemente na indústria náutica desenvolveu vários projetos com as marcas
Obe&Carmen, Barcos Atlântico e Siaribs, Valiant, SanRemo, Navalria Docente na Universidade de Aveiro desde
2011, onde foi vice-diretor fundador do mestrado em engenharia e design de produto. Também leciona design no
mestrado de design de produto e serviços na Universidade do Minho, UBI, e Lusófona no depto. de cinema, artes e
media. Atualmente doutorando na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa.

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O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto:
Criação de um Posto de Apoio ao Socorro
The Bionic Design in Product:
Development Setting up a Relief Station
Carlos da Silva | Paulo Bago de Uva

Resumo
Este artigo, pretende suportar a criação de um posto de apoio ao socorro, tendo como base de
inspiração, a natureza. O argumento da pesquisa, passa pela compreensão da disciplina da biónica, na
observação da sua integração nas áreas científicas e práticas, e a sua aplicação na origem de novos
produtos. Por último, o projeto, segue um dos ramos do “método bidirecional para o design biónico”
(VERSOS; COELHO, 2013), respeitando requisitos e objetivos previamente fundamentados.
Palavras-chave: Design biónico; Desenvolvimento de produto; Reaproveitamento de materiais;
Biossistemas; Engenharia.

Abstract
This article intends to support the creation of a relief station, based on nature, inspiration. The research’s
argument consists of understanding the bionic discipline, observing its integration in scientific and practical
areas, and its application in the origin of new products. Finally, the project follows one of the branches
of the “bidirectional method for bionic design” (VERSOS; COELHO, 2013), respecting previously justified
requirements and objectives.
Keywords: Bionic design; Product development; Reuse of materials; Biosystems; Engineering.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto: Criação de um Posto de Apoio ao Socorro

1  INTRODUÇÃO
É uma realidade que a biónica, parece transportar o sentido do “bem para todos
os males”. A sua relevância nas novas tecnologias é fundamental. O fundamento
que suporta esta disciplina, baseia-se na mais pura essência do mundo que nos
rodeia. É na base desta relação, e no know how capitalizado pelo homem, que
se apela cada vez com mais frequência, para a biónica. Aqui procuram-se as
soluções que favorecem o equilíbrio de todo um sistema interdependente, do
qual, inevitavelmente fazemos parte.
Para desenvolver produtos de uma maneira sustentável, requerem-se a
utilização de metodologias que são essenciais para definir caminhos, metas e
escortinar orientações técnicas. Porém, o seu uso destas, não cria nem garante
o sucesso do produto.
O método tem a particular incumbência, de orientar o utilizador no processo,
mas cabe ao autor decidir as opções a tomar.
Assim, a aplicação de métodos de caráter biónico na criação de produtos, merece
atenção aos critérios essenciais para o sucesso do processo. Está fortemente
depende da pesquisa e da organização de bases de dados, que se assumem
uma mais valia para a assertividade e aceleração de todo o processo criativo. O
foco na tentativa de aproximar o artificial, aos sistemas e ao aspeto analógico,
é o exemplo da tendência evolutiva da disciplina. Este último facto, deve-se
particularmente às circunstâncias geradas nos últimos anos, pela evolução dos
materiais, dos processos e das engenharias. Existe ainda a proposta do método
biónico bidirecional. Este, consiste em orientar para a direção da solução biónica
do problema de design e para a orientação na direção do problema de projeto
para a solução biónica.

2  A BIÓNICA
É um grande privilégio podermos olhar à volta na observação do que a natureza
nos oferece, e tirar partido do contributo de uma entidade que conta com mais
de quatro milhões e meio de anos de experiência. Uma vez que a natureza e o
universo levam do homem milhões de anos de vantagem em todas as matérias,
copiar os exemplos que esta nos oferece ao contrário de tentar supera-los, é
uma atitude inteligente.
Apesar de muitos autores referirem a biónica como sinónimo da biomimética,
ambas definições apresentam algumas diferenças.
A definição dada por Neuman implica que “a Biónica tem a ver com as interações
entre biossistemas e o seu ambiente”, e Nachtigall, um dos pioneiros alemães em
Bionica, reconhece “a importância de aprender e inspirar a partir da natureza, em
vez de copiar diretamente os seus princípios para soluções técnicas” (apud, EMAMI;
TASHAKORI; TASHAKORINIA, 2008, p. 2).
Mais concretamente, o termo biónico, surge em 1960 por intermédio de Jack
Steele, numa conferência da US Air Force. O nome refere-se à elaboração de
novos sistemas ou conjunto de funções, baseadas em sistemas similares que
existem na natureza.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto: Criação de um Posto de Apoio ao Socorro

Quanto à biomimética, tem origem em 1969 por Otto Schmidt, que definiu como
sendo um processo de imitação de estrutura ou função biológica, ou material,
com o objetivo de produzir um produto artificial (ARRUDA, 2013).
Considerando isto, em ambos os casos se recorre à natureza para produzir
uma resposta para a resolução de problemas concretos do dia-a-dia. De
facto, quando o assunto é desenvolver, investigar e encontrar soluções, os
investigadores, empreendedores, engenheiros e designers, recorrem com
frequência à natureza como fonte de inspiração, por uma razão muito simples:
Durante milhões de anos, a natureza foi criando soluções de sucesso, para
resolver problemas reais. Durante esses milhões de anos, essas soluções foram
intensamente testadas e adaptadas ao meio.
“Depois de quatro milhões de anos, só vive o que funciona”. A natureza não
aceita a inépcia e a ineficiência, o que é denominado por “seleção natural”.
Este campo está cada vez mais desenvolvido, tanto na criação de novos
produtos, novos modelos e processos, sistemas de defesa efetivos do corpo
humano e até das sociedades.
Na consequência da pesquisa e recorrendo à tecnologia atual, as soluções de
matriz biónica e biomimética, podem ser enquadradas de várias maneiras:
• Por meio da replicação de métodos de fabricação natural.
• Copiando sistemas da natureza como a fita de velcro.
• Imitando princípios organizacionais e comportamentais dos animais.

3  A BIÓNICA NO DESENVOLVIMENTO DE PRODUTO


É inegável que quando o homem se propõe a desenvolver novos produtos, foca
o seu olhar sobre a natureza. Neste gesto pretensioso, manifesta-se a intenção
do escrutínio de sinais que podem traduzir-se em soluções para os problemas
a resolver. Este procedimento, já faz parte da cultura comportamental dos
investigadores, engenheiros, designers, arquitetos entre outros. Bem se pode
recordar que apesar de os nossos antepassados ancestrais partilharem deste
comportamento, mais recentemente, Leonardo da Vinci nos seus desenhos à
época (Michael H. Dickinson, 1999), apresenta soluções de objetos voadores
inspirados no estudo que realizou sobre as aves. O alemão Otto Lilienthal, pai do
voo planado, porém já em meados do século 18, torna-se o pioneiro da aviação
conseguindo fazer voar um aparelho mais pesado que o ar, modelado a partir
das aves. Lilienthal morre por consequência de um voo, num dos seus aparelhos
por não ter respondido a questões de como se manobra e se dirige a máquina.
Estas respostas acabaram por ser respondidas mais adiante com sucesso, pelos
irmãos Wright, mas de facto, sempre estiveram na anatomia das aves.
Não surpreende que na origem da engenharia aeronáutica, está a inspiração
na natureza, e isto mostra-se obvio pela diferença do desempenho que era tão
acentuada. Os métodos, processos e tecnologias necessárias, na altura, eram
bastante rudimentares para replicar tamanha exigência.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto: Criação de um Posto de Apoio ao Socorro

Figura 1: Asa mecânica de


Leonardo Di Vinci.
Fonte: <http://cdn.cnn.
com/cnnnext/dam/
assets/111101110323-da-
vinci-glider-horizontal-large-
gallery.jpg>.

Muitos projetos de engenharia e design, não apresentam referências analógica


à natureza, e este facto deve-se a razão de em muitos casos, não existir uma
relação com determinados dispositivos mecânicos.
O crescimento da temática em torno do conceito biónico ou biomimética, atinge
hoje proporções tais, que está presente em muitos meios. Estes vão desde as
publicações, conferências, programas universitários cinema etc. Infelizmente
para muitos, a biónica resume-se à mera construção de próteses, por vezes,
com forte aspeto mecânico. Esta imagem criada no imaginário do indivíduo
comum, há já algumas décadas, contrasta com as pretensões dos engenheiros e
designers que trabalham para que estas soluções, possam parecer e adaptar-se
mais suavemente. Tal como no caso da aeronáutica, a abordagem biomimética
apela aos criadores de soluções robotizadas. Devemos levar em conta, que o
intervalo entre a construção dos dispositivos mecânicos, até à resposta exigida
pelos análogos naturais, é sempre muito grande. Ao encontro disto, deve ser
referido o avanço apresentado pelo Havard Biodesign Lab, na elaboração do Soft
Exosuits, que aponta efetivamente para um caminho onde os robots usáveis,
utilizam têxteis inovativos para fornecer um meio mais discreto e compatível, na
interação com o corpo humano.
No entanto, a razão que gera o grande interesse pela biónica, prende-se
essencialmente ao facto de que os métodos de produção se tornaram mais
sofisticados. A inovação relativa à ciência dos materiais, engenharia eletrônica,
química e engenharia genética, permitem planear e construir estruturas
complexas ao nível atómico.
Uma outra razão, é que hoje conhecemos melhor a natureza. A biologia encerra
em si mesma, um enorme sucesso praticado a nível celular e sob celular. Os
Figura 2: Soft exosuites by
Harvard Biodesign Lab. subterfúgios da natureza são de certo modo uma incógnita, apesar dos avanços
Fonte: <https://biodesign.seas. substanciais no conhecimento de processos, quando ainda operamos nas
harvard.edu/soft-exosuits>. camadas mais altas da complexidade biológica.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto: Criação de um Posto de Apoio ao Socorro

Para os produtos, o recurso à biónica podem resolver as dificuldades técnicas.


Determinar a forma, definir princípios adequados para as funções pretendidas
e reduzir a quantidade de materiais, são questões interdependentes suscitadas
pela biónica.

Porém, à partida existe grande dificuldade quando se procura uma solução na


natureza para resolver um problema específico. Isto carece de um conhecimento
dos sistemas naturais aprofundado, ou como alternativa, acesso a uma base de
dados com especificações a nível de pormenor.

4 MÉTODOS PARA O DESENVOLVIMENTO


DE PRODUTOS COM MATRIZ BIÓNICA
Existem vários métodos de desenvolver produtos. O método bidirecional para
o design biónico (VERSOS; COELHO, 2013), é orientado para dois ramos. No
primeiro, a orientação é feita a partir da solução biónica, para o problema de
design. No segundo, a orientação parte do problema de design para a solução
biónica.

Os passos a seguir na primeira opção estão definidos como: breve definição do


problema, reformulação do problema, seleção de soluções, análise das soluções,
geração de conceitos, validação, projeto de detalhe e final.

Na opção seguinte, em que se parte do problema para a solução, os passos são:


identificação da solução, análise da solução, reformulação da solução, pesquisa
do problema, breve design e princípios de associação, geração de conceitos,
validação, detalhes e final.

5  DESENVOLVIMENTO DO POSTO DE SOCORRO


O método utilizado para esta proposta, é orientado a partir do problema para a
solução biónica.

5.1  Definição do problema


A intenção é criar um posto de apoio ao socorro, que estará fixo no exterior,
marginais e outros locais propícios à ocorrência de calamidades de origem
temporal ou outras.

Este produto tem que servir para arrumar pequenos equipamentos como cordas
coletes insufláveis, caixa de primeiros socorros, dispositivos de comunicação etc.

Na tabela que se segue, são estipulados os requisitos e apontados os objetivos


relativos a cada requisito.

Esta fase define o problema, identificando as funções que a proposta vai


executar.

6  REFORMULAÇÃO DO PROBLEMA


É necessário redefinir, reorientar o problema e as funções, questionar sobre o
que, e de que forma a natureza resolve.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
180
O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto: Criação de um Posto de Apoio ao Socorro

Requisitos Objetivos
Guardar equipamentos diversos Organização eficaz
Armazenamento por classe e tipo de equipamento Organização eficaz
Resistente ao vandalismo e aos agentes externos Otimização da geometria
Fixo e oscilante quando sofre influência do vento ou toque Otimização da geometria
Abertura fácil, mas condicionada Otimização da geometria
Formato agradável que faz um enquadramento harmonioso em espaços Otimização da geometria
urbanos distintos
Traduzir uma imagem de confiança e segurança Comunicação eficaz
Organização eficaz
Destaca-se visualmente através de luz Comunicação eficaz
Requisitos de sustentabilidade Objetivos
Materiais recicláveis ou reutilizados
Facilidade de manutenção e reparação Organização eficaz
Peso reduzido Otimização da geometria

7  SELEÇÃO DE SOLUÇÕES


Para a melhor modo de envolver, foram analisadas várias soluções, que filtradas,
resultam nas opções aqui representadas.
Embora menos dura que a casca de noz, a seleção preferencial recai sobre a
casca do amendoim. Formato mais alongado, textura da casca que evidencia o
reforço da estrutura e espaço amplo interno mais ou menos setorizado. Estas
razões parecem satisfazer a lista requisitos / objetivos.

7.1  Oscilação controlada do sistema.


Figura 3: Noz. O sistema vertebral encontrado nos animais, produz um controlo seguro da
Fonte: <http://www. oscilação que é pretendida para ajudar o amortecimento ao impacto e na
apartamentosaguamar.com/ resistência natural ao vento.
images/Nuts01.jpg>.
O bacalhau é detentor de uma espinha robusta, os seus movimentos são
constantes e lentos, o que associa uma percepção de segurança.
A comunicação visual na natureza é feita pela cor, movimento / gesto e luz. Das
soluções encontradas, destacaram-se as relativas à bioluminescência como
evideciam nas imagens.
Decididamente, a opção concentra-se na medusa. A capacidade de espalhar luz
em todo o seu redor, homogeneamente, com o mesmo espetro.
Figura 4: Amendoim.
Fonte: <https://img.aws. 8 ANÁLISE DAS SOLUÇÕES
livestrongcdn.com/ls-article-
image-673/ds-photo/getty/ A casca de amendoim possui baixa densidade, e o reforço da estrutura é feito por
article/181/234/478288377. veios com travamento nos dois sentidos em forma de malha, o que lhe confere
jpg>. grande resistência. A sua principal função é proteger os grãos.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
181
O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto: Criação de um Posto de Apoio ao Socorro

Requisitos Reformulação do requisito apontando para funções


desempenhadas na Natureza
Melhor modo de envolver corpos/objetos Soluções naturais que envolvem corpos
Sistemas naturais que protegem organismos
Resistência ao impacto e aos agentes Soluções naturais que resistem ao impacto
externos Organismos que suportem grandes impactos ou resistam a
adversidades naturais
Oscilação para deduzir impacto Organismos ou soluções naturais que exercem a oscilação
Comunicação visual Soluções naturais que utilizem luz ou reflexão
Organismos que refletem ou imanam luz
Reduzir o impacto ambiental dos materiais Materiais naturais e reutilizáveis
Leve Organismos, propriedades ou materiais naturais leves que
sejam resistentes

O bacalhau tem uma espinha de vertebras robustas que permitem um


movimento sincronizado lento.
A medusa, proporciona uma luminescência contínua, visível com a mesma Figura 5: Esqueleto do
intensidade em todos os ângulos. Os organismos são luminescentes por várias: bacalhau.
Aposematismo (aparência toxica ou venenosa), defesa, fazer a corte, isca (atrair Fonte: https://res.cloudinary.
presas) e camuflagem. com/dk-find-out/image/
upload/q_80,w_1920,f_
8.1  Geração de conceitos auto/AL645089_akzuzo.jpg.
Procurando responder com a melhor eficácia às exigências do projeto, aplicando
soluções de caráter mais fiel e natural.
Depois de estudadas as possibilidades e criar uma relação entre os sistemas, é
essencial a modulação virtual para desenvolver uma realidade tridimensional
que nos aproxima do objeto que ambicionamos.
Figura 6: Medusa
9  VALIDAÇÃO
bioluminescente.
O conceito final gerado, responde de facto às necessidades e requisitos do Fonte: <http://www.
problema? scienceinschool.org/content/
living-light-chemistry-
Existem vantagens na aplicação de uma abordagem biónica relativamente a uma
bioluminescence>.
solução convencional?
De uma maneira geral, a solução apresentada valida alguns pontos do processo,
mostrando em simultâneo, a necessidade de mais testes e aperfeiçoamento do
modelo.
Depois de concluída esta validação, deve segue-se o projeto de detalhe e
consequente finalização.

10  DETALHE E FINALIZAÇÃO Figura 7: Pirilampo.


Fonte: <https://outdoorottawa.
Nesta secção, são representados os desenhos técnicos, componentes, com/wp-content/uploads/
materiais, processo de fabrico, montagem. As questões relativas ao mercado, 2017/03/fireflies.jpg>.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
182
O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto: Criação de um Posto de Apoio ao Socorro

Figura 8: Esboços de
exploração
de conceito.
Fonte: imagem dos autores.

Figura 9: Estudo da ação/


interação.
Fonte: Imagem dos autores.

vida útil do produto, a comunicação e embalagem, também devem aqui merecer


toda a atenção que lhes são merecidas.
Durante o processo de geração de conceitos, ficam já apontados alguns
materiais que pretendem ir ao encontro dos requisitos e resultados esperados.
A estrutura geral requer a utilização de um material polimérico com base no
aproveitamento dos resíduos da Fibrenamics green.
Com origem nos cabos elétricos em fim de ciclo de vida, estes podem ser
termoplásticos, termoendurecíveis ou elastómeros.
Submetido ao processo de modulação por compressão, permite reproduzir em
série, geometrias complexas por meio de molde.
Para o interior, que se prevê revestido, devem ser utilizados resíduos da mesma
origem. Aponta-se neste caso, para os fibrosos. São compostos por fibras
celulósicas, poliéster e lã. Este material tem origem nas operações de produção
e corte, processamento têxtil, de vestuário e confecções.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto: Criação de um Posto de Apoio ao Socorro

Figura 10: Modelação 3D.


Fonte: Imagem dos autores.

Objetivos Processo de validação para fins específicos


Organização eficaz Espaço interior – não compartimentado,
armazena volumes maiores, permite a
personalização do espaço.
Otimização da geometria Geometria orgânica – dá origem um corpo forte,
mas leve.
Resistência – material reforçado (requer testes).
Capacidade de armazenamento de objetos – Figura 11: Resíduos
total. Fonte: http://green.fibrenamics.
com/.
Comunicação eficaz Passiva – geometria distante de uma leitura
habitual, mas apelativa pela estranheza.
Suscetível de diferentes leituras, não passa
despercebido.
Ativa – pela adição da capacidade de abertura
com leitura da impressão digital com origem não
biológica.

Figura 17: Equipamento em


contexto de serviço.
Fonte: imagem dos autores.

No processo de fabrico dos fibrosos, é utlizada uma técnica para interligação de


estruturas de fibras, orientadas em diferentes direções.

11  CONCLUSÃO
Como referido anteriormente, nem todos os problemas tem resolução com
origem na natureza. Recorrendo a um processo de inspiração nesta área, é
essencial o conhecimento do contexto, da sua origem, e conhecer exemplos de

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
184
O Design Biónico no Desenvolvimento de Produto: Criação de um Posto de Apoio ao Socorro

algumas soluções que originaram em êxito ou fracasso. Compreender, também,


as razões de tais resultados.
Envolver naturalistas, perceber a natureza e recorrer a bases de dados, são
pontos elementares para o progresso de projetos de origem biónica. Estes, não
só direcionam para soluções mais eficazes e genuínas, com aceleram todo o
processo criativo. A par disto, não garantindo à partida o sucesso do projeto,
existem metodologias que permitem o progresso alinhado. Estas metodologias,
são de facto um interessante e vantajoso suporte, que proporcionam um
trabalho sério e genuíno.
Num projeto criativo, as opções ou caminhos a tomar em cada fase, são da
responsabilidade do designer. Embora geradas em consequência de determinada
metodologia adotada, as decisões são tomadas com base no conhecimento,
perspectiva e coerência, do próprio autor ou autores. Por isso, chegar a uma
solução que responda aos requisitos pré-definidos. Pode ser uma sucessão de
modificações e aprimoramentos até a derradeira validação.
Com os avanços tecnológicos verificados nas últimas décadas, temos vindo a
assistir a confluência das tecnologias. As disciplinas colaboram simultaneamente
para resolver problemas, os métodos de trabalho e de produção dos produtos
tornam as tarefas mais simplificadas e rápidas. Em parte, isto tem sido possível
pela inspiração nos modelos naturais, que geram uma aceitação pela eficácia dos
sistemas e geometrias de cariz mais alusivo.
Esta semântica, foi transportada para a proposta aqui apresentada, sem deixar,
porém, de assumir a tecnológica. Propondo-se assumir uma “estranheza”
futurista, coloca-se numa perspetiva de requalificação e de confiança.

REFERÊNCIAS
FARUSI, Gianluca; WATT, Susan. Living light: the chemistry of bioluminescence [Em Linha] [Consult.
25 out. 2017]. Disponível em: http://www.scienceinschool.org/content/living-light-chemistry-
bioluminescence>
EMAMI, Jamshid; TASHAKORI, Mahshid; TASHAKORINIA Zahra. Bionic design in Industrial Design
Education at University of Tehran [Em linha]. (2008). [Consult. 12 out. 2017]. Disponível em: https://www.
designsociety.org/publication/28136/bionic_design_in_industrial_design_education_at_university_
of_tehran>
ARRUDA, Amilton. Como a Biônica e Biomimética se relacionam com as estruturas naturais na busca
de um novo modelo de pesquisa projetual [Em Linha]. (2013). [Consult. 26 set. 2017]. Disponível
em: http://fido.palermo.edu/servicios_dyc/encuentro2010/administracion-concursos/archivos_
conf_2013/1345_68759_2401con.pdf>
VERSOS, Carlos A. M.; COELHO, Denis A. A Bi-Directional Method for Bionic Design with Examples,
Advances in Industrial Design Engineering, Prof. Denis Coelho (Ed.) [Em Linha]. (2013) InTech, DOI:
10.5772/53417. Disponível em: https://www.intechopen.com/books/advances-in-industrial-design-
engineering/a-bi-directional-method-for-bionic-design-with-examples>
DICKINSON, Michael H. Bionics: Biological insight into mechanical design [Em
Linha] [Consult. 25 out. 2017]. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.
org/5a61/79273d30953019ed84564b4021a4f510a9f9.pdf>
RAMOS, Jaime; SELL, Ingeborg. A Biônica no Projeto de Produtos [Em linha]. [Consult. 12 out. 2017].
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/prod/v4n2/v4n2a01.pdf>.

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FERRAMENTAS E MODELOS
TECNOLÓGICOS GERADORES
DE CASES EM BIOMIMÉTICA

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SOBRE Os AUTORes
Natália Queiroz I nataliaqueiroz@labcon.ufsc.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0596645519861791
Arquiteta e Urbanista pela UFRN. Atuou em pesquisas sobre simulação de ventilação natural no ambiente
construído com CFD, Regulamentação de eficiência energética, diretrizes de eficiência energética para edificações
e projetos arquitetônicos sustentáveis. Profissionalmente, trabalhou na COELBA no setor de Eficiência Energética
com projetos regulamentados pela Aneel e com a etiqueta para edificações do Procel. Atuou no LABCON-UFRN
no grupo de coordenação do projeto de pesquisa para formação da Rede Nacional de Eficiência Energética e
no desenvolvimento de projetos de edificações bioclimáticos aliados a tecnologias de baixo impacto. Concluiu
mestrado em Design de Produto na UFPE trabalhando com conceitos de biomimética no projeto de elementos
de sombreamento. Atualmente é doutoranda do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da
UFSC, abordando integração de estratégias de bioclimatologia e desempenho em projeto associado a processos
paramétricos e algorítmicos.

Ney Dantas I ney.dantas@gmail.com


Lattes: http://lattes.cnpq.br/3943497493556232
PhD – Architectural Association School Of Architecture (1998). COACH, SLAC/ICI. Pesquisador da Pós-Graduação
de Design, professor do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco.
Busca soluções inovadoras incrementais e radicais que possam fazer a diferença na solução de grandes desafios
da contemporaneidade como: riscos e vulnerabilidades causados por eventos climáticos extremos;
desenvolvimento humano (coaching); melhoria da qualidade de vida das cidades (CityCoaching), etc.
Estas inovações podem se manifestar, por exemplo, sob a forma de um novo material, uma otimização de processo
ou o desenvolvimento de ferramentas sociotécnicas e ambientes virtuais de interação.

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Elementos Vazados Geradores de Microclima:
Biomimética, Concepção, Prototipagem e Análise
Microclimate Generator Screen Wall: Biomimetics,
Design, Prototyping and Analysis
Natália Queiroz I Ney Dantas

Resumo
Este capítulo tem como objetivo investigar potencial da integração entre parametrização da forma,
prototipagem rápida e preceitos biomiméticos, em resposta a questões bioclimáticas apresentadas
por um artefato gerador de microclima para o clima quente e úmido. Este artefato funcionaria como
sombreador paramétrico e concomitantemente, elaborado de forma a mitigar o efeito de ilha de
calor. Os procedimentos metodológicos desta pesquisa são baseados no método desenvolvido pelo
Biomimicry Group 3.8 (2011). A pesquisa utiliza métodos qualitativos e quantitativos em um estudo
de caso dividido em cinco etapas. Primeiro é realizado uma contextualização através de uma revisão
bibliográfica e do estudo de modelos naturais que evoluíram de forma a mitigar o calor. Segundo, é
estabelecido princípios e critérios de design utilizando técnicas de brainstorm. Terceiro, estabelece
um modelo paramétrico/algorítmico que colabora com a produção de modelos responsivos a partir da
inclusão de uma simulação de incidência de radiação. Quarto, utiliza prototipagem rápida e técnicas
de formação para materializar o protótipo idealizado. Quinto, apresenta uma avaliação comparativa
do desempenho térmico dos materiais aplicados nos protótipos.
Palavras-chave: Bioclimatologia; Biomimética; Parametrização; Fabricação digital;

Abstract
This paper aims to investigate the potential integration of parameterization, rapid prototyping and
biomimetic principles, in response to bioclimatic issues presented by a microclimate generator artifact for
the hot and humid climate. This artifact functions as parametric shading device and, concomitantly assists
in mitigating the heat island effect. The research uses qualitative and quantitative methods through a case
study divided into five stages. First it is conducted a contextualization through a literature review and study
of natural models that have evolved to mitigate the heat. Second, it established principles and design criteria
using brainstorming techniques. Third, it was established a parametric/algorithmic model that works with
the production of responsive models from the inclusion of a radiation incidence of simulation. Fourth, it uses
digital manufacturing tools for rapid prototyping and training techniques to materialize the idealized model.
Fifth, presents a comparative evaluation of the thermal performance of materials used in prototypes.
Keywords: Bioclimatology; Biomimicry; Parameterization; Digital fabrication;

Métodos e Processos em Biônica.indb 187 22/10/2018 14:18:20


MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
188
Elementos Vazados Geradores de Microclima: Biomimética, Concepção, Prototipagem e Análise

1. INTRODUÇÃO
O estudo de caso proposto
nesse capítulo venceu o Prêmio A poluição e impacto ambiental provocados pela construção civil causam
Museu da Casa Brasileira, várias consequências, tais como: mudança da paisagem natural, aquecimento
categoria protótipo de das áreas urbanas (efeito de ilha de calor), aumento do consumo de energia,
construção, em 2016. aumento da poluição, dentre outros. Um projeto de arquitetura que não respeita
Capítulo modificado e a paisagem e a infraestrutura local contribui para o aparecimento de graves
inicialmente publicado no livro problemas urbanos. Entre os principais está o aumento da temperatura e
Modelos e protótipos do LM+P, poluição nas concentrações urbanas.
UFPB.
A crescente valorização da arquitetura sustentável e a necessidade de revisão
dos valores vêm trazendo abordagens mais complexas. A concepção do projeto
passou a ser mais criteriosa e prever medidas conservacionistas. Os estudos
sobre complexidade nas últimas décadas também ascendem à importância de
uma visão mais holística em projeto. Dentro desse contexto, uma das correntes
de pesquisa em crescimento é a Biomimética. A biomimética trata do estudo das
lógicas da natureza, modelos e performance visando aplicação aos artefatos e
atividades do homem.
Concomitantemente as discussões de sustentabilidade, a produção de projetos
de arquitetura vem passando por mudanças de paradigma, algo semelhante ao
período de popularização do acesso a computação gráfica. Na última década,
vem ocorrendo uma difusão de técnicas de modelagens que utilizam processos
algorítmicos e paramétricos, além da popularização da fabricação digital. Ambos
colaboram com a eficientização de processos e possibilitam realizar links com
simulação e bases de dados que colaboram na criação de soluções eficientes e
até inovadoras. A fabricação digital facilita processos de prototipagem rápida,
estudo de sistemas novos e até produção de elementos arquitetônicos.
Este trabalho aborda o link que pode ser estabelecido entre a biomimética,
modelagem paramétrica/algorítmica e prototipagem. As três áreas em
conjunto, podem colaborar com a criação de elementos arquitetônicos
mais eficientes, otimizados, possibilitando a inclusão de bases de dados e
simulações de desempenho para estabelecer soluções e guiar a produção de
formas complexas. Com base nesses argumentos, este trabalho foca neste elo
como tendo potencial para pesquisas na área de projeto, arquitetura e design
sustentável.
O objetivo é investigar o potencial da integração entre parametrização da
forma, prototipagem rápida e preceitos biomiméticos, em resposta a questões
bioclimáticas para o clima quente e úmido. O trabalho utiliza um estudo de caso
apresentado por um artefato gerador de microclima. Este artefato funcionaria
como sombreador paramétrico e concomitantemente, responde, de forma a
mitigar o efeito de ilha de calor. O universo de estudo é a Região Metropolitana
de Recife-PE, porém a discussão é válida para climas quentes e úmidos
semelhantes a Recife.
O trabalho aplica metodologia desenvolvida pelo Biomimicry group 3.8 que visa
gerar soluções biomiméticas. Utiliza estratégias de emulação e identificação
de soluções da natureza para mitigação da influência do calor (elenco de

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
189
Elementos Vazados Geradores de Microclima: Biomimética, Concepção, Prototipagem e Análise

princípios biomiméticos). Estabelece abordagem de modelagem paramétrica (a


partir das condições de contorno e soluções preestabelecidas nos estudos de
biomimética). Construção de protótipos e análise.
Este trabalho é uma pesquisa exploratória e utiliza métodos mistos para
realizar um estudo de caso. Utiliza métodos qualitativos e quantitativos e está
dividida em cinco partes: primeiro é realizado uma contextualização através
de uma revisão bibliográfica e do estudo de modelos naturais que evoluíram
de forma a mitigar o calor. Segundo, são estabelecido princípios e critérios
de design utilizando técnicas de brainstorm. Terceiro, estabelece um modelo
paramétrico/algorítmico que colabora com a produção de modelos responsivos
a partir da inclusão de uma simulação de incidência de radiação. Quarto, utiliza
prototipagem rápida e técnicas de formação para materializar o protótipo
idealizado. Quinto, apresenta uma avaliação comparativa do desempenho
térmico dos materiais aplicados nos protótipos.

2. Contextualização
A etapa de contextualização aborda questões como Biomimética, sua conexão
com a bioclimatologia e o estudo de modelos naturais que colaboram com
a mitigação de calor. Essa etapa serve de base teórica para elaboração do
brainstorming e início do estudo de caso do artefato.

2.1 Biomimética, a busca por uma visão holística do projeto sustentável


Biomimética visa o estudo dos fluxos e lógicas da natureza como princípio e
inspiração para solução de problemas de design . A palavra biomimetismo se
origina no grego: bio – vida mais mimetikos – imitação. Segundo Benyus (1997), a
Biomimética busca compreender a ordem natural das coisas, uma compreensão
complexa do ecossistema para promover uma real adaptação do homem ao
meio. A autora acredita que a natureza deve ser vista como modelo, medida
e mentora do design, sendo esse o princípio-base da biomimética. Sendo a
natureza um meio lógico de inspiração para projeto, que poderia eficientizar
todos os processos humanos. A Tabela 1 apresenta diferenças entre sistemas
humanos e sistemas naturais.
Essa visão envolve uma observação cuidadosa de princípios comuns
responsáveis pela “sustentabilidade” do ecossistema. Dessa forma, traduzir
esses princípios em conceitos de projeto. Incorporando-os em produtos,
processos, espaço físico e outras atividades de projeto. Em 2011 uma série
de princípios foi aperfeiçoada para colaborar com a melhoria de processos em
diversas áreas de atuação humanas. Foram nomeadas de “princípios da vida”.
Esses princípios impactam na revisão dos processos, gerenciamento de dados e
modelos de equipes de trabalho. São seis princípios ao todo (Tabela 2):
Em arquitetura é importante a adequação desses princípios visando criação de
métodos mais responsáveis de projeto. Segundo Gruber (2011); biomimética
na arquitetura, não implica apenas em biomorfismo. A mera transferência
da forma é insuficiente para trazer qualidades à construção. O princípio da

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
190
Elementos Vazados Geradores de Microclima: Biomimética, Concepção, Prototipagem e Análise

biomimética está relacionado à criação rigorosa de construções leves, do


planejamento do uso ativo e passivo de energia e da investigação de processos
naturais e princípios do meio ambiente.
A área de arquitetura que investiga princípios passivos de prover condições
climáticas confortáveis e adequadas energeticamente é a bioclimatologia.
Compreende a interseção de soluções com o clima e os efeitos em cadeia que
o projeto arquitetônico pode causar (Roaf et al., 2001). O principal propósito
da arquitetura bioclimática é encontrar soluções adequadas localmente para
prover conforto, bem-estar e eficiência energética. As áreas de biomimética
e bioclimatologia possuem uma conexão direta, que pode ser explorada em
arquitetura.
Olgyay e Olgyay (1963), acreditava que a expressão arquitetônica deveria ocorrer
em simbiose com mais três variáveis: a climática, a biológica e a tecnológica.
Sendo a variável climática relacionada ao lugar onde será construído, as variáveis
biológicas relacionadas às necessidades humanas e naturais, e a variável
tecnológica que estão relacionadas às soluções e fabricação. O conjunto das três
permitiria uma unidade arquitetônica balanceada climaticamente.

2.2 Forma em simbiose com desempenho


Oxman (2010) Também apresenta um modelo para identificar um projeto
com inspiração na natureza. Segundo a autora, os artefatos humanos
necessariamente não são sustentáveis. Atualmente este título é cunhado por
projetos que buscam pela redução da emissão de gás carbônico na atmosfera.
Sendo que, sustentabilidade significa uma relação de simbiose entre objetos
artificias e naturais. O homem está longe de chegar a esse nível, sendo a
proposta ir diminuindo essa distância, até um ponto que os processos e
artefatos tornem-se mais integrados ao meio (OXMAN, 2010).
Oxman (2010) Identifica meios para atrelar a forma a questões de desempenho.
As suas explorações usam lógicas da natureza para criação de artefatos
otimizados segundo desempenho pretendido inicialmente em projeto. Segundo
a autora, o processo de criação da natureza é integrado ao material e forma
aplicados. Determinado ser vivo tem densidade óssea, forma, camadas de tecido
etc., para responder de forma eficiente ao seu meio natural.
O diagrama-modelo que guiou sua pesquisa apresenta uma definição sobre
performance (Figura 1). O diagrama ilustra como as várias motivações de projeto
podem ser integrados através da busca pela performance. Considerações a
partir do domínio da geometria, materialidade, fabricação, montagem lógica,
comportamento humano e meio ambiente são justapostas para dirigir o
processo de geração da forma. O processo de projeto ideal, segundo Oxman
(2010), indissocia a modelagem, análise e fabricação, que deveriam ser vistos
como interdependentes. As restrições inerentes aos processos devem ser
reduzidas gradativamente a ponto de integrar estas três etapas. Em seu
trabalho a integração é realizada a partir de modelos paramétricos que inclui
simulações de desempenho e algoritmos que geram forma com base nos dados
de desempenho e estratégias de montagem pretendidos.

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Elementos Vazados Geradores de Microclima: Biomimética, Concepção, Prototipagem e Análise

Figura 1: Definição de
performance. Fonte: Traduzido
e adaptado pela autora a partir
de Oxman (2010).

2.3 Estudos de modelos naturais para mitigação de calor 1


 Não traduzido para o
O efeito de ilha de calor é o fenômeno de mudança climática mais característica português. O termo se refere
a materiais capazes de
da urbanização. É caracterizado pelo aumento de temperatura em determinadas
armazenar e libertar grandes
áreas dentro de uma mesma cidade. Materiais desempenham um papel muito
quantidades de energia. O
importante e são determinantes no balanço térmico no ambiente urbano. calor é absorvido ou liberado
Segundo (Yang et al., 2015) A lista de estratégias ainda relevantes para mitigação quando o material muda
de estado físico. Podem
do efeito de ilha de calor, são: o uso de pavimentos reflexivos, telhados verdes,
ser orgânicos, inorgânicos,
phase-change materials1 e uso de superfícies permeáveis. Gago et al. (2013) compostos e/ou serem
apresentam um conjunto de cuidados que vão desde o planejamento urbano até materiais higroscópicos
o planejamento de edifícios. Segundo o autor, existem três elementos a serem (materiais que acumulam
considerados no planejamento urbano, que têm um grande impacto sobre a água, o efeito é possível
variação de temperatura na cidade em escala local: edifícios, espaços verdes, e através da mudança do
estado físico da água).
pavimentos.
A distribuição de edifícios e de estruturas urbanas de uma cidade afetam a
formação da ilha de calor, uma vez que esta distribuição geralmente determina
a absorção da radiação solar e a formação de fluxos de ar. Segundo o autor,
a geometria urbana pode influenciar em até 30% do consumo de edifícios
comerciais. A aplicação de medidas destinadas a combater ou atenuar o efeito
de ilha de calor depende de uma ampla gama de fatores, alguns dos quais podem
ser incorporados em estratégias de planejamento, enquanto outros estão fora
do âmbito da utilização e da geometria dos espaços.

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Elementos Vazados Geradores de Microclima: Biomimética, Concepção, Prototipagem e Análise

Parques e espaços verdes ajudam a mitigar o efeito de ilha de calor e reduzir o


consumo de energia de edifícios além de estabilizar as temperaturas causadas
por materiais de construção. Segundo Gago et al. (2013) Cobertura vegetal
melhora o desempenho energético dos edifícios, bem como as condições
ambientais da área circundante. Se o coeficiente de albedo é aumentado, é
possível realizar economias de energia diretas de 20 a 70%.
Santamouris (2014) organiza essas variáveis que influenciam no balanço
energético. O autor apresenta quatro classificações de variáveis que
preponderantes no desempenho de superfícies arquitetônicas vegetadas quanto
a redução do efeito de ilha de calor:
• Variáveis climatológicas: Em particular a radiação solar, temperatura
ambiente, umidade ambiente, velocidade do vento e precipitação. A
intensidade da radiação solar determina em grande parte da temperatura
de armazenagem de calor das superfícies, bem como a quantidade de
calor transmitido para a construção e a evaporação. As características
espectrais da radiação solar incidente, também são importantes. A
cor, a umidade e a estrutura das camadas variam a transmitância,
refletância e a absortância dos materiais. A temperatura ambiente é
uma variável chave e determina a quantidade de calor sensível liberado
pelos materiais. A velocidade do vento e turbulência atmosférica define
o coeficiente de transferência de calor entre a superfície e a atmosfera
e determina o fluxo de calor sensível. Velocidades de vento mais altas
aumentam o fluxo de calor sensível e evapotranspiração de superfícies
vegetadas.
• Variáveis ópticas: Em particular, o albedo de radiação solar e da
emissividade das superfícies. Altos albedos diminuem a absortância
e a acumulação de calor e diminui a sua temperatura de superfície. A
emissividade das superfícies define a sua capacidade de dissipar o calor
através da emissão de radiação infravermelha. Valores de emissividade
mais elevados correspondem a temperaturas de superfície mais baixos
e maior potencial de mitigação. O valor típico de emissividade para um
telhado verde varia de 0,9 a 0,95, dependendo do tipo de plantas (Gates,
1980 apud Santamoris, 2014). As plantas absorvem energia radiante para
melhorar a fotossíntese biológica impedindo a absorção da radiação pelo
solo e a estrutura dos edifícios. Quanto maior o teor de água da folha
mais elevada é a absorção da radiação visível.
• Variáveis térmicas. A capacidade térmica e a transmitância térmica são
parâmetros térmicos principais que definem o desempenho de materiais
opacos das construções. Esses fatores em conjunto com a vegetação
favorecem, ou não o desempenho da envoltória vegetada.
• Variáveis hidrológicas. As perdas de calor latente com a evaporação
estão associadas ao vapor de água a partir das plantas e do solo em um
telhado verde e é igual à energia térmica obtida pela transição de fase
das moléculas de água (a partir do líquido para a fase de vapor). No solo, o

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Elementos Vazados Geradores de Microclima: Biomimética, Concepção, Prototipagem e Análise

calor latente é transferido por difusão de vapor em poros. A transferência


de calor depende principalmente do teor de água e da temperatura.
A evapotranspiração na superfície de plantas envolve três processos
específicos, (a) a evaporação de água no interior das folhas, em seguida,
(b), a difusão de vapor para a superfície das folhas e (c) o transporte do
vapor a partir da superfície das folhas para o ar.

3. Métodos
A proposta é concebida a partir da adaptação do método desenvolvido pelo
Biomimicry group 3.8 (2011). A intenção é abordar processos de design em
sustentabilidade que intencionam obter uma solução robusta, e passível de
evolução. Não é a intenção obter uma resposta definitiva, mas sim, de identificar
hipóteses e estratégias possíveis, que amplie a discussão sobre mitigação
de calor através de processos passivos. O desenvolvimento da proposta está
baseado nas seguintes etapas:

1. Contextualização (identificação de soluções da natureza) com dois


momentos distintos: Revisão bibliográfica e levantamento do estado
da arte em pesquisas sobre mitigação do calor. Estabelecimento de
princípios e critérios conforme método desenvolvido pelo Biomimicry
group 3.8 (2011).

2. Experimentação (emulação de soluções da natureza para mitigação


da influência do calor): Expressa as diretrizes de projeto desenvolvidas
na etapa de contextualização sob a forma de modelagem e visualização
computacional combinando estratégias selecionadas na etapa anterior.
Utiliza técnica de brainstorm para selecionar estratégias biomiméticas e
identificar abordagens de emulação para o estudo de caso.

3. Configuração (definição de processo de parametrização): Explora


abordagens e definição de um modelo paramétrico que colabore com
a associação entre modelo, simulação de desempenho e solução. Foi
dividido em dois momentos: primeiro, definição do modelo paramétrico.
Utiliza linguagem de programação visual usando Grasshopper para
estabelecer um modelo responsivo ao clima. Incorpora simulação de
incidência de radiação e características climáticas de Recife (RORIZ,
2012) a um ambiente paramétrico. O simulador utilizado foi o DIVA para
grasshopper. Segundo, modelagem propriamente dita. Utiliza princípios
formais biomiméticos para estabelecer o modelo que origina o protótipo
do estudo de caso.

4. Prototipagem: É dividida em dois momentos: primeiro, materialização.


Utiliza técnica de prototipagem rápida utilizando método aditivo através
de uma impressora 3D. Segundo, materialização nos materiais propostos
pelo estudo biomimético. Intenciona reproduzir e avaliar os modelos nos
materiais selecionados. Este último utiliza técnica de formação.

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Elementos Vazados Geradores de Microclima: Biomimética, Concepção, Prototipagem e Análise

5. Avaliação: Será realizada técnica de comparação, através de medições


controladas em laboratório. O sistema de medição é composto por um
microcomputador equipado com Datalogger, que é um equipamento
destinado a gravar dados durante um tempo programado, podendo
eliminar a presença de um operador na sala de monitoramento. A sala
de monitoramento é composta por duas câmaras: a primeira para coleta
de dados e a segunda para o teste propriamente dito. Esta segunda
câmara é dotada de uma fonte de radiação, compostas por lâmpadas
incandescentes e um termômetro de globo, para medição da temperatura
radiante. As duas são separadas por uma parede, que possui uma
abertura de 1,00 por 1,20 m.
Para avaliação foi realizada uma parede de 1,00 por 1,20 m de poliestireno
expandido (isopor) com três aberturas com dimensões de 0,22 x 0,22 m. As quais
serão encaixadas os corpos de provas. O composto proposto neste trabalho será
comparado a dois materiais refletantes. São eles: o gesso e o cimento branco. O
comportamento dos materiais será avaliado través de 06 sensores termopares
calibrados (02 em cada corpo de prova). Um colocando na face exposta a
radiação e outro colocado na face oposta. Os dados de análise serão coletados
a cada segundo e guardados no computador. Para melhorar a visualização dos
resultados, será utilizada uma câmera de infravermelho.

4. Resultados
Esta etapa visa identificar funções para artefatos arquitetônicos que emulem
o efeito das árvores no microclima urbano. As funções foram identificadas com
base na leitura feita do contexto de Recife e dos problemas causados pela escolha
de materiais nas construções. A Tabela 3 apresenta funções recomendadas para
artefatos que visem mitigação do calor para o clima de Recife:

4.1 Estratégias e proposta de emulação dos modelos naturais


Os princípios da vida foram utilizados como ponto de partida para estabelecer
abordagens de projeto. Cada princípio gerou estratégias para o estudo de caso.
As estratégias selecionadas têm relação com o gerenciamento das informações
da pesquisa e também servem para aprofundar as discussões quanto à função
do artefato.
A finalidade desta etapa é emular os modelos naturais e encontrar soluções que
obedeçam às funções estabelecidas para o artefato encontrados no item 5 deste
trabalho. A intenção é extrair soluções relevantes ao problema de pesquisa.
Ou seja, as estratégias estabelecidas no capítulo anterior são utilizadas nesta
etapa para colaborar com soluções e premissas de desenvolvimento do estudo
de caso. A Figura 2 mostra a taxonomia das soluções elencadas para este
experimento. Apresentando o motivo para escolha de cada uma. Por vezes, as
próprias estratégias se inter-relacionam, isso reforça determinadas abordagens
que o experimento deve considerar prioritariamente. Através do elenco de
princípios estabeleceram-se onze estratégias projetuais para o estudo de caso
do artefato gerador de microclima.

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Elementos Vazados Geradores de Microclima: Biomimética, Concepção, Prototipagem e Análise

Figura 2: Taxonomia das


soluções adotadas.

São eles:

6.   Uso de fibra de coco.

7.   Uso de hidrogéis.

8.  Uso de um sombreado que estabeleça um ângulo vertical e horizontal de


sombreamento, conforme geometria solar de Recife.

9.   Possibilidade de integrar o artefato com plantas.

10.  Estabelecer um modelo paramétrico integrado à simulação


computacional.

11.   Usar ferramentas de e processos prototipagem rápida.

12.  Usar sistema de elementos vazados com aberturas variadas,


compatível com a geometria solar local.

13.   Usar resinas naturais e flexível.

14.   Usar voronoi como princípio geométrico.

15. Relatar os experimentos em relatório.

16. Propor hipóteses para pesquisas futuras.

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4.2 Construção do modelo paramétrico


Para construção do modelo paramétrico foi utilizado o grasshopper, plugin
gratuito para o Rhinoceros 3D. O modelo no Grasshopper foi construído de
maneira que haja três inputs: primeiro, a modelagem simplificada do entorno
imediato. Segundo, o partido arquitetônico estudado para o projeto. E terceiro,
os modelos dos elementos de sombra. Ambos podem ser editados no software
3D, ou modelados no Grasshopper parametricamente.
O modelo inclui o arquivo climático, simulação de incidência de radiação solar
(utilizando o DIVA) e a distribuição dos elementos de sombra. É possível
modificar parâmetros dimensionais e avaliar facilmente variações. Esses
parâmetros dimensionais dizem respeito à distribuição dos elementos de
sombra, quantidade de elementos, escalas de representação etc. (Figura 3).
Uma vez estabelecidos novos parâmetros, o modelo atualiza automaticamente
mostrando um novo cenário. O modelo permite trabalhar com cenários variados
e permite aplicação em partidos arquitetônicos não ortogonais e até orgânicos.
O script gerado pode ser visualizado na Figura 4.

Figura 3: Funcionamento do
modelo paramétrico gerado.

Fonte: Imagem script gráfico


básico gerado no Grasshopper.

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4.3 Modelagem do elemento modular


O princípio geométrico utilizado como base do modelo é o voronoi. O voronoi é
um diagrama produzido a partir de uma nuvem de pontos. São traçadas regiões
para cada ponto, cujo as bordas são equidistantes entre um ponto e outro. Os
pontos são os centros de massa de cada região. A razão para escolha, é a de
que diagramas de voronoi produzem formas rígidas e eficientes, por isso são
encontradas em profusão no meio natural (Du et al., 1999; Oxman, 2010). Cada
módulo possue em média três padrões de abertura e ângulos de sombremento. Um
mais aberto, outro mediando e o terceiro mais fechado. Essa combinação permite
utilizar os elementos vazados em cenários de sombreamento distintos. (Figura 4)

Figura 4: Conceito final do


projeto.

4.4 Prototipagem rápida
A impressora 3D utilizada é da marca Z-corporporation modelo Zprinter 310
plus. Ela utiliza pó e aglomerante e é baseada em uma patente do MIT (Instituto
de Tecnologia de Massachusetts). A impressora é propriedade do Laboratório
de Maquetes (LabMaq) da UFRN, que cedeu o uso para a pesquisa. O Software
da ZPrint converte um arquivo com um modelo 3D em outro com secções
transversais ou fatias que estão entre 0,0762 e 0,2286 mm de espessura
(dependendo da resolução escolhida para impressão). A impressora imprime
estas secções, uma após a outra, a partir da parte inferior do modelo até o
topo. O modelo 3D foi convertido para o formato STL, padrão para uso em
ferramentas de fabricação digital, e então enviado ao software da impressora
que o converteu em fatias de impressão. Foram impressos objetos em escala de
1:5 (12x12 cm) e 1:4 (20x20cm) (Figuras 5 e 6). Figuras 5 e 6: Elemento
modulares recém impressos.

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4.5 Formação
A formação utilizou os modelos impressos como base para fabricação de fôrmas.
As fôrmas foram realizadas em silicone industrial. Uma vez produzidas as
fôrmas, iniciou-se a etapa de prototipagem visando a reprodução dos elementos
nos materiais propostos. O ideal para reprodução era o uso de fôrmas metálicas
e uso de prensas industriais para produzir os elementos. Porém para etapa de
prototipagem a compressão foi realizada manualmente usando os elementos
impressos para comprimir a massa dentro das fôrmas.
Foi utilizado fibra de coco seca e processada para extrair apenas a celulose. Este
material já é utilizado abundantemente na indústria paisagística e agraria. A
razão para o uso de fibra de coco nessas indústrias é sua conhecida propriedade
higroscópica. A fibra absorve umidade do meio ambiente e pode ser utilizada
para melhorar as propriedades do solo. Também são resistentes o suficiente
para produção de placas, as quais, são utilizadas para fazer vasos, substituir o
xaxim e elaborar jardins verticais.
O aglomerante utilizado é uma resina bi-componente a base de óleo vegetal
de mamona. As resinas são resistentes a altas e baixas temperaturas. Sendo
aplicadas atualmente na indústria de telecomunicações, alimentícia (para
fabricação de plásticos sem componentes tóxicos), automobilística e náutica.
O hidrogel utilizado é o poliacrilato de sódio (Figura 7). É um sal sódico do
ácido poliacrílico. Este composto tem a capacidade de absorver água em uma
proporção entre 200 a 300 vezes o valor de sua massa. Segundo Sandonato
(2011), esses polímeros superabsorventes possuem um período de meia vida de
Figura 7: Poliacrilato de sódio 5 a 7 anos na natureza e possuem propriedades de biodegradação. Este material
hidratado. também é utilizado na indústria agrária para melhorar as características de solos
Fonte: autor. e reduzir o efeito de períodos de seca.
A mistura da resina e da fibra de coco se deu de maneira a preservar as
propriedades da fibra. Entre camadas de fibra com a resina foi adicionado o
hidrogel, que não estava hidratado. O resultado foi elementos resistentes e leves
que podem ser deformados possibilitando uso em superfícies com curvaturas
(Figuras 8 e 9).

Figuras 8 e 9: A esquerda,
elemento (escala 1:5) ao ser
retirado da fôrma. A direita,
as propriedades da resina
permitem curvatura do
elemento.
Fonte: autor.

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4.6 Análise dos materiais


O levantamento durou cerca de 140 minutos, os sensores obtiveram neste
período dados de temperatura superficial por segundo. Foram produzidos três
corpos de prova nas dimensões de 22 x 22 cm. O primeiro de gesso comum, o
segundo o composto gerador de microclima proposto pela pesquisa e o terceiro
um cimento branco (Figura 10). Ambos os materiais frutos da comparação são
brancos e possuem uma alta refletância. São materiais com propriedades, em
geral, recomendadas em pesquisas sobre efeito de ilha de calor, pois possuem
superfície lisa e de cor clara.

Figura 10: Ensaio térmico.


Acima é mostrado as
superfícies em contato com a
fonte de radiação. Abaixo, as
superfícies opostas.

O resultado mostra que até os primeiros 20 minutos o efeito evaporativo parecia


ainda não influenciar o desempenho do bloco testado. Em detrimento disso
os blocos refletantes tinham desempenho semelhante e melhores. Depois
desse período, o bloco com o composto proposto passou a funcionar melhor. A
temperatura superficial em contato com a fonte de calor teve comportamento
irregular, porém mais baixa que os refletantes, aqueceu menos e preservou as
propriedades no período de teste. Pode-se observar também, que a transmissão
de calor, foi substancialmente menor.
O resultado pode ser visualizado no gráfico 01. A linha vermelha é a temperatura
radiante dentro da sala aquecida. As linhas marrons são referentes aos sensores
da fibra de coco com o hidrogel (um está do lado aquecido e o outro do lado não
aquecido) (Figuras 11,12,13 e 14).

Gráfico 1: dados de
temperaturas levantados no
ensaio.

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Figuras 11, 12, 13 e 14:


Imagens de infravermelho do
ensaio. De cima para baixo: As
duas primeiras fotos foram
tiradas durante os primeiros
10 minutos de experimento.
A figura da esquerda mostra
as superfícies em contanto
com a radiação. A figura da
direita mostra o lado oposto.
As figuras abaixo mostram
o ensaio após duas horas de
experimento.

O teste realizado indica potenciais positivos do uso da evaporação como forma


de reduzir a influência do calor. Porém, são necessários testes subsequentes
para quantificar precisamente as propriedades térmicas. Também é importante
regular a quantidade de hidrogel necessária considerando características como:
o regime de chuva e o efeito ideal buscado. Vale salientar que as propriedades
térmicas podem ser melhoradas considerando a possibilidade de uso hibrido do
material com plantas (semelhante a um xaxim).

5. Conclusões
Este trabalho objetivou investigar o potencial da integração entre
parametrização da forma, prototipagem rápida e preceitos biomiméticos, em
resposta a questões bioclimáticas. O trabalho investiga esta integração através
do estudo de caso de um artefato gerador de microclima para o clima quente
e úmido, utilizando a cidade de Recife como referência. De maneira geral, a
pesquisa cumpriu o objetivo geral e apresentou um processo que aplicou uma
metodologia que visa processos bioinspirados. O estudo de caso evoluiu até
a etapa de prototipagem, que possibilitou realizar um teste de desempenho
térmico usando método comparativo para avaliar potenciais dos princípios
estabelecidos.
A revisão bibliográfica contribuiu com a compreensão da decomposição do
tema da dissertação e clareza das temáticas abordadas. A partir da revisão
bibliográfica é possível identificar o link que pode ser estabelecido entre
abordagens como a biomimética, bioclimatologia, parametrização da forma
e prototipagem rápida aplicados ao design de edifícios. A bioclimatologia
se integra, e é complementar aos preceitos da biomimética. Os processos

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algorítmicos e de parametrização são um meio que possibilita computar


ligações e simulações que podem dar aporte a geração de geometria inspirada
pelo desempenho, também premissa da biomimética. A prototipagem rápida
e as ferramentas de fabricação digital possibilitam materializar geometrias
complexas frutos das explorações anteriores.
A metodologia proposta pelo biomimicry group 3.8 colaborou significativamente
no processo da pesquisa. A partir da tentativa por cumprir os ideais, princípios
e etapas propostas pela metodologia foi possível estabelecer um processo
de construção da solução com base em evidências e não apenas em repetição
de soluções anteriores. A metodologia colabora com considerações quanto
a sustentabilidade da proposta e também introduz uma compreensão do
funcionamento do ecossistema e contribui com o estudo de sua emulação para
processos humanos.
As pesquisas sobre materiais para mitigação do efeito de ilha, em geral,
abordam as propriedades óticas dos materiais, como a absortância e
emissividade. A abordagem deste trabalho considera estratégias que utilizam
propriedade hidrológicas, que obtiveram resultados preliminares positivos na
comparação com dois materiais brancos. Esta abordagem está em concordância
com trabalhos apresentados por Yeang (2006) e (Yang et al., 2015), ambos
recomendam como opção estratégica o uso de mudança de fase de materiais
(no caso aqui, a água) e uso de superfícies permeáveis em conjunto com as
abordagens óticas dos materiais.
Em termos de processo, o estudo de caso apresenta possibilidades de
integração com simulação em etapas preliminares do design. Em geral,
processos tradicionais de projeto incorporam considerações numéricas apenas
em estágios mais avançados. Ferramentas paramétricas e algorítmicas podem
ser um meio utilizado para diminuir a distância entre simulação de desempenho
e estabelecimento de geometria/solução. A linguagem de programação visual,
por sua vez, facilita uso de abordagens algorítmicas por profissionais de projeto
(designers e arquitetos) que não necessariamente conhecem programação
através de linguagem de texto.
A incorporação de ciclos avaliativos ao processo de projeto, associado ao design
responsivo, permite maior liberdade para ajustes e elaboração de combinações
variadas como resposta a um mesmo problema. Esta combinação acaba por
expandir o controle do usuário frente aos limites impostos pelas ferramentas de
modelagem e simulação tradicionais. Colaborando com a compreensão do projetista,
e computando padrões que podem ser utilizados para estabelecer soluções.
A prototipação ocorreu em duas etapas: a prototipagem rápida e a formação.
A primeira possibilitou materializar os elementos modulares idealizados. A
impressão 3D, que utilizam técnicas aditivas podem ser utilizadas a fim de
evitar produção de resíduos nestas etapas. Além disso, dificilmente a execução
dos elementos modulares seria possível por meio artesanal em pouco tempo.
Já usando prototipagem rápida, em cerca de 14 horas de trabalho foi possível
imprimir 6 elementos. Três com a escala de 1:5 e 3 com escala de 1:4. A etapa

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de formação, por sua vez, possibilitou executar os protótipos nos materiais


idealizados, já que as máquinas CNC e processos de adição (impressoras 3D) não
permitem muitas opções na escolha de materiais. Ou seja, apenas por via de
formação foi possível a execução do protótipos, conforme idealizado.
Os testes térmicos preliminares realizados obtiveram resultados promissores.
O uso de hidrogeis foi importante para obtenção dos resultados positivos.
Através do uso do hidrogel, o corpo de prova conseguiu aumentar sua absorção
de água, e durante o tempo de teste preservou as propriedades. O hidrogel foi
considerado uma boa estratégia para utilizar a evaporação da água como meio
de se obter resfriamento, pois ele permite a absorção e reserva da água sem
deixar o artefato molhado ao toque.

Referências
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GAGO, E. J. et al. The city and urban heat islands: A review of strategies to mitigate adverse effects.
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SANDONATO, B. B. Método de avaliação e biodegradação do poliacrilato de sódio. 2011.
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Métodos e Processos em Biônica.indb 202 22/10/2018 14:18:25


FERRAMENTAS E MODELOS
TECNOLÓGICOS GERADORES
DE CASES EM BIOMIMÉTICA

14_Métodos e Processos em Biônica_Arruda_3ª prova.indd 227 23/10/2018 16:38:16


SOBRE Os AUTORes

Rodrigo Barbosa de Araújo I rodrigobarbosadesigner@gmail.com


Lattes: http://lattes.cnpq.br/3979180438305969
Doutorando em Design na Universidade Federal de Pernambuco (PPGD | UFPE). Mestre em Design (PPGD | UFPE).
Bacharel em Design pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Foi professor assistente no Departamento
de Design UFPB. Experiência em desenho industrial, com ênfase em design de produto e conhecimentos em
programação visual. Pesquisador no grupo de pesquisas de Biodesign e Artefatos Industriais – UFPE, atuando nas
linhas de pesquisa de design e tecnologia, e artefatos digitais, onde desenvolve estudos envolvendo biomimética/
biônica, design de materiais e processos de fabricação digital.

Ney Brito Dantas I ney.dantas@gmail.com


Lattes: http://lattes.cnpq.br/3943497493556232
PhD – Architectural Association School Of Architecture (1998). COACH, SLAC/ICI. Pesquisador da Pós-Graduação
de Design, professor do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco. Busca
soluções inovadoras incrementais e radicais que possam fazer a diferença na solução de grandes desafios da
contemporaneidade como: riscos e vulnerabilidades causados por eventos climáticos extremos; desenvolvimento
humano (coaching); melhoria da qualidade de vida das cidades (CityCoaching),etc. Estas inovações podem se
manifestar, por exemplo, sob a forma de um novo material, uma otimização de processo ou o desenvolvimento de
ferramentas sociotécnicas e ambientes virtuais de interação.

Amilton Arruda I arruda.amilton@gmail.com


Lattes: http://lattes.cnpq.br/9138096051015150
Graduado em Desenho Industrial pela UFPE (1982), Mestrado em Design e Biônica pelo IED de Milão (1992) e
Doutorado em Ricerca in Disegno Industriale – Ph.D pela Universidade Politécnico de Milão (2003). Foi consultor
internacional do Instituto Europeo de Design na implantação de cursos Lato Sensu Especialização em Fashion
Design, Design de Interiores e Produto, Design Gráfico e Editorial, nas Faculdades Ávila (Goiânia), Faculdade Boa
Viagem (Recife), Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB). Foi consultor do SEBRAE nacional no edital para
implantação de centros e núcleos de design nos estados brasileiros. Desde 1985 é professor da UFPE, associado III,
docente do Programa de Pós-Graduação em Design PPGD/UFPE. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Biodesign
e Artefatos Industriais do CNPq. Foi chefe do Departamento de Design do CAC/UFPE (2014-2015). Orienta
mestrandos e doutorandos nas área de Biônica e Biomimética com ênfase no Design; Design Estratégico atuando
principalmente nos seguintes temas: Inovação Tecnológica, Gestão do Design e Processos de Design. Organizador
de três livros da série design, cultura e tecnologia pela plataforma OpenAccess da Edgard Blucher 2016 design e
complexidade 2017 design e inovação social 2018 design, artefatos e sistemas sustentáveis.

Paulo Carvalho I paulodca@gmail.com


Lattes: http://lattes.cnpq.br/6854895527660524
Arquiteto, mestrando em Design pela UFPE, especialista em métodos computacionais de projeto e fabricação
digital, acumula conhecimento nas áreas de design paramétrico, design generativo e biodigital. CEO fundador da
SELVAGEN, Startup que combina natureza e tecnologia no desenvolvimento de artefatos de Design e Arquitetura,
é consultor de Design e Inovação do Porto Digital, além de ministrar cursos e palestras em eventos e instituições
renomadas.

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Abordagem Metodológica em Biomimética
Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos
Aquáticos Inspirados no Agave
Methodological Approach to Biomimetics – Lightness and
Resistance Strategies for Agave Inspired Aquatic Artifacts
Rodrigo Barbosa de Araújo I Ney Brito Dantas I Amilton Arruda I Paulo Carvalho

Resumo
Este artigo apresenta práticas e experiências de uma pesquisa multidisciplinar através da análise da
natureza e suas implicações em projetos. Resultou de uma dissertação de mestrado desenvolvida
no Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Federal de Pernambuco. O tema
principal é biomimética, área da ciência que visa o estudo das estratégias da natureza tendo-a como
princípio e inspiração para solução de problemas de design. A contextualização dessa pesquisa
partiu da problemática ambiental relacionada com o design e os processos de fabricação de
artefatos aquáticos. A pesquisa foi estruturada através do enquadramento das etapas de projeto de
uma abordagem metodológica desenvolvida pelo Biomimicry Institute 3.8, denominada Biomimicry
DesignLens, se trata de um método flexível para processos criativos com aplicação de modelos
da natureza na criação de soluções inovadoras e sustentáveis no design de artefatos. Quando
processos de design paramétrico foram incorporados à fabricação digital, se permitiu atingir um
nível de materialização muito próximo das estratégias da natureza. Verificou-se que a aplicação de
tecnologias digitais tem grande relevância para o futuro das áreas de projeto, principalmente quando
alinhadas aos princípios de sistemas biológicos.
Palavras-chave: Biomimética; Agave; Design paramétrico; Fabricação digital.

Abstract
This article presents practices and experiences of a multidisciplinary research through the analysis of nature
and its implications in projects. It resulted from a master’s thesis developed in the Graduate Program in
Design of the Federal University of Pernambuco. The main theme is biomimetics, an area of science ​​ that
aims to study the strategies of nature taking it as a principle and inspiration for solving design problems. The
contextualization of this research was based on environmental issues related to the design and manufacturing
processes of aquatic artifacts. The research was structured through the framework of the design steps of a
methodological approach developed by Biomimicry Institute 3.8, called Biomimicry DesignLens, it is a flexible
method for creative processes with application of nature models in the creation of innovative and sustainable
solutions in design artifacts. When parametric design processes were incorporated into digital manufacturing,
Figura 1: Imagem de it allowed itself to reach a level of materialization very close to nature’s strategies. It was verified that the
abertura. application of digital technologies has great relevance for the future of the project areas, especially when
Fonte: https://www.s- aligned with the principles of biological systems.
wings.surf/.2018. Keywords: Biomimicry; Agave; Parametric design; Digital fabrication.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

1. DEFININDO O CONTEXTO (ESCOPO)


O ser humano possui uma característica única entre os seres, que é a capacidade
de manipulação e transformação de materiais, transformando-os em artefatos
e substâncias estáveis. Desta forma, o homem insere no ambiente, produtos
industrializados que representam um padrão de consumo e descarte que não
condiz com a capacidade de regeneração do meio natural, podendo comprometer
Figura 2: A confecção de uma a qualidade de vida das gerações futuras (PHILIPPI JR. et al., 2004).
prancha de surf ocorre através
de processos de usinagem Perante esta perspectiva econômica promissora, e o desenvolvimento de
e laminação de materiais novos materiais em função da revolução industrial, surgiram grandes empresas
poliméricos termofixos, com produtoras e fornecedoras de materiais diversos, como o poliuretano (PU), o
altos índices de perda de poliestireno expandido (EPS), fibra de vidro e resinas poliméricas, com vasta
matéria-prima. Fonte: https:// aplicação em artefatos para esportes aquáticos. Estes materiais são os
www.surfertoday.com/
principais componentes para a confecção de uma prancha de surf.
surfing/11051-the-surfboard-
brands-of-the-world. 2018. A contextualização facilita o entendimento sobre como foi arquitetada a
problemática desta pesquisa que apresenta mais de um problema, compatíveis
e abordadas de forma integrada. O ponto de partida foi a problemática
ambiental das pranchas de surf, que são produzidas com espumas e compósitos
poliméricos termofixos, provenientes de fontes não renováveis que passam
por processos de fabricação ultrapassados de extração e processamento de
matéria-prima, com grandes perdas de matéria e energia. Assim como a falta de
busca por soluções na natureza.
Figura 3: Utilização do Estes materiais são amplamente utilizados em artefatos para ambientes
Agave como matéria-prima aquáticos por possuírem um bom desempenho técnico referente à leveza e
alternativa para fabricação
resistência, consequentemente boa flutuação, que são as principais funções
de pranchas de surf. Material
orgânico alternativo que
dos materiais nesta categoria de artefatos. Porém, os processos de fabricação
apresenta estratégias de leveza seguem uma perspectiva nociva ao meio ambiente. A fabricação se dá pela
e resistência. Fonte: Surfline. polimerização de resinas sintéticas, usinagem e desbaste e lixa, ocasionando
com. 2018. perda de material, descartados de forma incoerente. Estes materiais são
incompatíveis com os elementos naturais reconhecíveis pelo meio ambiente e
desta forma levam centenas de anos para se degradar.
De acordo com Grijó (2011), a indústria do surf no Brasil e no mundo vem,
há mais de 50 anos, gerando resíduos tóxicos e inflamáveis em todos seus
processos produtivos e pós-consumo, que são depostos em aterros ou ”lixões”
sem qualquer tipo de controle ou tratamento específico ambiental. Como se
pode verificar, a produção de pranchas de surf atualmente em todo o mundo
necessita ser revista e levado em consideração os impactos ambientais,
principalmente devido aos materiais utilizados e o processo de fabricação.
Existe na natureza uma grande quantidade de materiais que podem servir como
fonte de inspiração com funções e propriedades específicas, e têm potencial de
serem traduzidas para a tecnologia, e aplicados os seus conceitos em projetos de
design e em muitas outras áreas. No meio natural pode estar a solução para muitos
Figura 4: Prancha de surf feita
com bloco de Agave. problemas humanos através dos ensinamentos da natureza. É neste contexto que a
Fonte: https://www.agavesurf. área de conhecimento da biônica/ biomimética entra para contribuir com soluções à
com/surfboards/. 2018. problemática técnico/ambiental da fabricação de pranchas de surf.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
207
Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

Por outro lado, existe a aplicação de materiais naturais, como o Buriti e o Agave
que apresentam propriedades de leveza, resistência e flutuação. É uma tentativa
de tornar a concepção destes artefatos em algo mais ecológico e integrado à
natureza. Entretanto, somente a aplicação de materiais naturais não garante
que sejam considerados produtos sustentáveis, pois os processos de produção
permanecem os mesmos e continuam seguindo contra os ensinamentos e
ciclo de vida da natureza. Outro fator carente de inovação é que as pranchas
produzidas com estes materiais apresentam menor desempenho técnico por
conta do peso final do produto.
Na busca de soluções inovadoras e sustentáveis em projetos de design, não se
pode deixar de lado os requisitos funcionais. O produto que não apresenta um Figura 5: Estabilizadores
bom desempenho técnico, apesar de ter aplicação de matérias-primas orgânicas hidrodinâmicos desenvolvidos
pela empresa S- Wings –
não se consolida como produto inovador e torna-se de difícil aceitação na
Biomimetic Fins. O design
sociedade, não permitindo uma quebra de paradigma para um estilo de vida mais biomimético das quilhas é
integrado à natureza (KAZAZIAN, 2010). inspirado nas barbatanas dos
peixes, proporcionando mais
Neste ponto, surge outro fator de grande relevância, ainda mais quando controle e propulsão do que a
se projeta com foco na sustentabilidade. A falta da busca de soluções para tração das quilhas clássicas.
problemas diversos, inspirados pelos ensinamentos que a natureza tem a Fonte: https://www.s-wings.
surf/. 2018.
dar e no modo como se resolve por si própria de forma bastante equilibrada.
A biomimética é uma
A Biomimética difundida por Benuys (2003) surge com esta proposta. Uma
abordagem inovadora que
abordagem multidisciplinar recente da ciência que atua através da aprendizagem busca soluções sustentáveis
das estratégias da natureza que podem ser convertidas em tecnologia e para os desafios humanos,
materializadas como soluções com bases ecológicas. Quando aliada à tecnologia emulando padrões e
estratégias testados pelo
se torna uma ferramenta com poder de inovação técnico/sustentável excepcional. tempo da natureza.
Esta pesquisa foi guiada pela abordagem metodológica DesignLens Biomimicry Fonte: Biomimicry Institute 3.8.
Thinking. Trata-se de um método ou ferramenta desenvolvida pelo Biomimicry
As plantas maximizam a
Institute 3.8 e que vem sendo aperfeiçoada desde os anos noventa. A proposta resistência enquanto reduzem
é projetar soluções de design com bases sustentáveis, atuando mais próximo os materiais, incorporando
da natureza. Esta abordagem foca nos ensinamentos da natureza, que aliada à elementos tetraédricos que
podem ser empilhados em
tecnologia representa potencial de inovação em design e sustentabilidade. Nesta contêineres hexagonais.
pesquisa verificou-se que a aplicação de tecnologias digitais tem impactos Fonte: Biomimicry Institute 3.8.
positivos para os processos de concepção de artefatos aquáticos, principalmente
quando alinhadas aos princípios de sistemas biológicos.
Neste sentido, quando processos de design paramétrico são incorporados à
fabricação digital, permite-se atingir um nível de materialização muito próximo
das estratégias da natureza. Inspirando-se nos ensinamentos dos sistemas
biológicos, o crescimento e desenvolvimento ocorrem através da deposição de
elementos naturais que atuam num Optimum (KAZAZIAN, 2010) de economia
de matéria e energia, utilizando o mínimo necessário dentro de um ciclo de vida
sustentável bem resolvido.
Figura 6: Seção transversal da
Esta pesquisa foi validada levando em consideração diretrizes e requisitos para
madeira de balsa.
sustentabilidade através da verificação dos Princípios da Vida do DesignLens – Fonte: https://psmicrographs.
Biomimicry Thingking. Assim como, a impressão 3D de um protótipo da estrutura com/sems/flowers-plants/.
bio-inspirada gerada no formato de uma seção de uma prancha de surf como 2018.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

Figura 7: Micrografia eletrônica


de varredura de uma amostra de
madeira balsa (Ochroma lagopus).
Percebe-se que as células são
grandes e com paredes muito
finas, de modo que a proporção de
matéria sólida para espaço aberto
é muito pequena. Apenas cerca
de 40% do volume da madeira é
substância sólida. Sendo assim, é
uma das madeiras mais leves com
excelentes qualidades de flutuação.
Fonte: http://sciencewise.anu.edu.
au/articles/timbers. 2018.

exemplo de aplicação e estudo. Ficou evidente com os resultados finais, que a


Figura 8: Exemplo de estrutura
estrutura gerada pode ser aplicada em uma gama de artefatos que requerem
biomimética impressa em 3D.
Inspiração em elementos naturais funções estruturais leves e resistentes, boa flutuação em ambientes aquáticos,
associada a processos de dentre várias outras possibilidades de aplicação. Esta nova forma de concepção
fabricação digital. de estruturas bio-inspiradas através da utilização de softwares de modelagem
Fonte: http://www.formakers.
paramétrica e fabricação digital permite uma materialização mais próxima das
eu/media/1.663.1359024993.
Trabeculae_01_shiro_ estratégias da natureza.
recitymagazine_03.jpg.
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA (DESCOBRINDO)
2.1 Biomimética
No passar dos séculos, vários foram os povos que se inspiraram na
natureza para resolver problemas. Mais recente, a partir da década de 1950,
aparecem nos documentos científicos vários termos sobre associações de
atividades humanas frente ao meio natural. Surgem os termos: biônica e
biomimética, dentre outros. Segundo Queiroz; Rattes; Araújo (2015) são duas
nomenclaturas que possuem o mesmo princípio básico: inspiração na natureza.
Figura 9: Luminária Hyphae, Contudo, nos dias atuais a utilização do termo biomimética vem sendo mais
da empresa Nervous System.
difundido.
Inspirada nas formas como os
veios se formam nas folhas, De acordo com Bluchel (2009) os padrões básicos técnicos de tudo que vive
a luminária projeta sombras
como sistema biológico, coincide com os padrões básicos técnicos da sociedade
sutis nas paredes próximas.
Cada luminária é desenvolvida humana. A natureza está cheia de requintes técnicos. Biologia e técnica não são
digitalmente em uma simulação oponentes fundamentais, evidentemente, há diferenças entre uma máquina e
por computador e fabricada com
um ser vivo. No entanto, ambos estão sujeitos às mesmas leis físicas e, por isso,
impressão 3D.
Fonte: https://n-e-r-v-o-u-s.com/. os sistemas vivos e suas estruturas podem ser observados também sob um
2018. ponto de vista técnico.

Métodos e Processos em Biônica.indb 208 22/10/2018 14:18:27


MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

A Natureza é um supersistema tecnológico que transforma grandes quantidades A utilização econômica dos
de energia, matéria-prima e lixo de forma limpa e equilibrada. A ciência recursos naturais e das
interdisciplinar biônica pode fornecer valiosos serviços pioneiros à pesquisa e ao fontes de energia, bem como
a devolução e o tratamento
desenvolvimento. Na visão de Bluchel (2009), se com todo esse conhecimento,
de detritos e produtos
aumentasse a disposição para aprender com a natureza de maneira abrangente secundários em um processo
em questões funcionais e transferir o aprendizado para as condições humanas, de reaproveitamento. A técnica
então nós também aprenderíamos, talvez, o que a natureza pratica de maneira das plantas e dos animais não
causa barulho nem lixo, nem
visivelmente perfeita:
uma atmosfera carregada
Outros autores compartilham da mesma visão através da Biomimética, que com poluição, nem águas
mortas. Os sistemas biológicos
etimologicamente, vem do grego: bios (vida) e mimesis (imitação). Benyus (2003)
são designers, arquitetos
define a biomimética como sendo uma abordagem da inovação que busca e engenheiros brilhantes.
soluções para desafios humanos ao emular padrões e estratégias testados pelo (BLUCHEL, 2009).
tempo na natureza. Vem sendo fortemente difundida para que aprendamos
a compreender a ordem natural das coisas, uma compreensão complexa do
ecossistema para promover uma real adaptação do homem ao meio. A autora
defende que devemos tratar a natureza como modelo, medida e mentora do
design, sendo estes os princípios-base da biomimética:
• Natureza como modelo: Estudar os modelos da natureza e imitá-los
ou usá-los como inspiração, com o intuito de resolver os problemas
humanos.
• Natureza como uma medida: Usar o padrão ecológico para julgar a
relevância e a validade das nossas inovações. Após bilhões de anos de
evolução, a natureza aprendeu o que funciona, o que é mais apropriado e
o que perdura.
• Natureza como um mentor: Nova forma de observar e avaliar a natureza.
Preocupar-se não no que podemos extrair do mundo natural, mas no
que podemos aprender com ele. Os seres vivos, em conjunto, mantêm
uma estabilidade dinâmica, continuamente manipulando recursos sem Figura 10: Biblioteca de
desperdícios. estruturas naturais open
source. Inspiração em
O objetivo é criar produtos, processos e políticas – novos modos de vida – estratégias da natureza. Muitas
que sejam bem adaptados à vida na Terra a longo prazo. A ideia central é estruturas da natureza pode
que a natureza possui 3,8 bilhões de anos de evolução e já resolveu muitos atender a indústria com a
dos problemas com os quais estamos lidando. Animais, plantas e micróbios aplicação de soluções naturais
são engenheiros consumados. Depois de bilhões de anos de pesquisa e para realizar inovações
sustentáveis.
desenvolvimento, as falhas são fósseis e o que nos rodeia é o segredo da
Fonte: https://www.
sobrevivência (BENYUS, 2003).
lilianvandaal.com. 2018.
A natureza sabe o que funciona e o que perdura, assim realiza o aparentemente
impossível: cria formas que ao mesmo tempo são semelhantes e diferentes. O
fato é que sempre se encontra um padrão básico central na natureza. Tudo está
ligado pelas proporções formadas pelo padrão básico. Segundo Bluchel (2009)
como todos os sistemas biológicos, cada célula minúscula é uma parte minúscula
do sistema todo, na escala manométrica, representa um cosmos fascinante em
nível atômico e molecular. Algo que impressiona são as dimensões inimagináveis
que ultrapassam os limites da capacidade de reconhecimento.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

3 BIOMIMICRY – DESIGN LENS


Se não quisermos permanecer O Biomimicry Institute 3.8 juntamente com Janine Benyus e sua equipe
no estado da técnica atual, que de colaboradores, vem desenvolvendo e aperfeiçoando esta abordagem
ainda é relativamente simples metodológica em biomimética desde 1998. Intitulada Biomimicry DesignLens,
e nem um pouco amadurecida,
sua representação se dá através de diagramas que exploram três componentes
se quisermos desenvolvê-la
eficazmente segundo modelo principais para a prática de projeto em design biomimético, são eles: elementos
da natureza, então a transição essenciais; princípios da vida; e biomimicry thinking.
ao micro e ao nanomundo vai
O processo inicia em um estado de empatia com o meio natural ao ter em
acontecer automaticamente.
Simplesmente porque será
mente a importância dos elementos essenciais – que são três elementos
prudente, por motivos interconectados para a prática de projeto inspirado pela natureza (Biomimicry
econômicos e ecológicos, atingir institute 3.8, 2015).
um objetivo com o menor
dispêndio de material e energia.
Ethos representa respeito, responsabilidade e gratidão da espécie humana pelo
(Bluchel, 2009, p. 92). planeta; (Re)conexão indica que nós somos parte da natureza, pessoas e natureza
estão na verdade profundamente entrelaçadas. Nesta perspectiva, existe uma
reconexão do humano com o meio natural. O elemento Emular representa os
princípios, padrões, estratégias e funções encontradas na natureza que podem
inspirar o design. A emulação representa um sentimento que instiga a imitar ou a
exceder outrem, de forma estimulante e cooperativa.
O segundo componente desta abordagem são os princípios da vida, que segundo
o Biomimicry Institute 3.8 (2015) são ensinamentos e estratégias que a natureza
traz em termos de design e ideais aspiracionais para projeto com parâmetros
sustentáveis que formam aprendidos e aperfeiçoados ao longo de 3.8 bilhões de
anos pela natureza. Os diagramas apresentam os princípios que fazem com que
a vida crie condições propícias à vida. Com seis ensinamentos principais podem-
Figura 11: Elementos Essenciais
– Biomimicry DesignLens.
se modelar estratégias inovadoras e parâmetros sustentáveis que permitem
Fonte: Biomimicry Institute 3.8, orientação pela natureza:
(2015).
• Evoluir para sobreviver: Envolve estratégias de gerenciamento de
informações. Listando: datar estratégias; identificar abordagens de sucesso
anteriores; identificar erros; integrar soluções alternativas a um mesmo
problema; e evoluir as abordagens criando novas opções de soluções.

Figura 12: Diagrama Princípios


da Vida – Biomimicry
DesignLens.
Fonte: Biomimicry Institute 3.8
(2014).

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

• Adaptar-se as condições de mudanças: Incluir soluções que permitam


resiliência, redundância e descentralização do sistema. Permitir a
adição de energia e matéria, desde que voltado para reparar/sanar e
melhorar o desempenho do sistema. Incorporar a diversidade que o
rodeia (estudar processos, funções e formas para prover um melhor
funcionamento).
• Ser atento e responsivo as questões locais: Usar materiais de fácil
acesso (local e energético); cultivar processos de cooperação mútua,
onde todos ganham; tirar proveitos de fenômenos locais que se repetem
(clima, ciclos etc.); incluir o fluxo de informações em processos cíclicos,
nunca lineares.
• Usar química amigável à vida: Usar poucos elementos de uma forma
elegante; usar química favorável à vida, ou seja, evitar produtos tóxicos;
usar água como solvente.
• Ser eficiente (materiais e energia): Integrar múltiplas necessidades em
soluções elegantes (evitar desperdício); minimizar o consumo energético;
buscar fontes renováveis; gerenciar o uso de materiais em ciclo, ou seja,
planejar o ciclo de vida. Segundo este preceito, a forma deve seguir o
desempenho pretendido.
• Integrar conhecimento e crescimento: Combinar elementos modulares
e sistemas que evoluem do simples para o complexo; compreender
o funcionamento do todo e também dos pequenos componentes e
sistemas que o compõe; ser capaz de construí-lo de baixo para cima; criar
condições para que os componentes interajam de uma forma que permita
que o todo tenha possibilidade de auto-organização.

4 BIOMIMICRY THINKING
Enquanto método ou ferramenta é uma estrutura que se destina a ajudar as
pessoas a praticar a biomimética ao projetar qualquer artefato. São etapas
de pesquisa, projeto e tomadas de decisões que fornece o contexto para onde
seguir; como; o quê; e porque a biomimética se encaixa no processo de qualquer
disciplina ou em qualquer escala de design. Inclui quatro áreas que fornecem os
valores para o processo: Escopo, Descobrindo, Criando e Avaliando. A abordagem
não é rígida, e pode-se percorrer o diagrama de forma sequenciada (Biology)
ou aleatória (Biology to Design). A abordagem nesta pesquisa é denominada
Challenge to biology (Biomimicry Institute 3.8, 2015).

A abordagem Desafio de Biologia é um caminho específico, útil para criação


de cenários, quando se tem um problema específico e se está buscando
ideias biológicas para a solução. É particularmente útil para uma configuração
“controlada”, ou para a criação de um processo iterativo de design. Desta
forma entende-se que a partir do Biomimicry DesignLens é possível obter dados
relevantes a partir da investigação das estratégias do Agave convertidos em
design e tecnologia.

Métodos e Processos em Biônica.indb 211 22/10/2018 14:18:27


MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

5 AGAVE
O Agave ou Sisal (Agave sisalana Perrine) da família Agavaceae é um vegetal
exótico e invasor de dunas e restingas no litoral brasileiro, uma espécie
introduzida, comumente encontrada em vários estados. Segundo Ulysséa (2010)
além de ser uma planta invasora e dominante, prejudica o estabelecimento e
desenvolvimento das espécies de flora nativa não oferecendo alimento à fauna
local.
O Brasil é o maior produtor mundial, o cultivo é direcionado para a produção e
Figura 13: Diagrama confecção de cordas e artigos de artesanato através da utilização das fibras
Biomimicry Thinking de suas folhas, sendo responsável por cerca de 70% do mercado mundial de
– Challenge to Biology – fibras duras. O pendão floral da planta é utilizado na cobertura de casas e na
Biomimicry DesignLens. construção de cercas, porém não possui valor comercial comparável à fibra da
Fonte: Biomimicry Institute 3.8, folha. Dentre muitas outras opções de utilização, está a fabricação de blocos
(2014).
para pranchas de surf, utilizando-se o tecido parenquimático do escapo floral,
que possui propriedades de leveza e resistência.
O processo de reprodução do Agave ocorre no escapo floral, Silva et al. (2008)
descrevem que surgem pequenas folhas estreitas e pontiagudas localizadas
ao redor do ápice do pendão no momento de inflorescência. O ‘caule’ se
transforma em um pedúnculo floral que pode atingir de seis a oito metros
de altura. Surgem escamas parecidas com folhas, então emite entre vinte e
quarenta ramos que, por sua vez, originam grupos tendo em torno de quarenta
flores cada. Por se tratar de uma planta monocárpica, ela floresce uma só vez
durante o ciclo vegetativo, morrendo posteriormente. Após a queda das flores,
desenvolvem-se sobre a panícula novas plantas chamadas “bulbilhos” medindo
entre seis e dez centímetros e possuindo de seis a oito folhas e pequenas raízes
adventícias. Estes bulbilhos caem no solo após três meses e atuam como órgão
Figura 14: Fibras de sisal (Aga- de propagação de novas plantas.
ve sisalana).
Fonte: https://www.publi- O estado ideal para utilização do pendão como matéria-prima é quando a
cdomainpictures.net/en/view planta seca e morre naturalmente, encerrando o ciclo de vida que vai de sete
-image.php?image=14457& a doze anos. Ulysséa (2010) explica que desta forma não há desmatamento,
picture=sisal-fibre. ao contrário, a retirada do meio ambiente nesta região se torna uma prática
benéfica para o bioma local, pois se trata de uma espécie invasiva que não serve
de alimento neste ecossistema. Contudo, o autor ainda ressalta a importância
desta planta para a economia local.
O Agave é uma rica fonte para a produção de fibras naturais, esta espécie tem
grande importância para a economia do semiárido brasileiro. O Brasil é o maior
produtor e exportador de fibras de Sisal, produto que se destaca por sua ampla
utilização doméstica, industrial e, mais recentemente, no reforço de compósitos
poliméricos (GONDIM, 2009, apud MARTIN et al., 2009).
Desta forma, pode-se verificar que a pesar de ser uma espécie introduzida
em nosso bioma, tem grande importância no cenário nordestino. Entretanto
Figura 15: Plantação de Agave. há um reflexo positivo no meio ambiente onde outras espécies vegetais não
Fonte: http://www.wikiwand. se adaptam. Gera renda e emprego para famílias locais através do plantio e
com/pt/Sisal, (2015). produção de fibras através das folhas, dentre outras aplicações.

Métodos e Processos em Biônica.indb 212 22/10/2018 14:18:28


MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
213
Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

Ademais, com todo o potencial de mercado que o Agave possui, existe ainda, A agaveicultura ocupa uma
muita pouca atenção para utilização e comercialização do pendão floral no extensa área de solos pobres
estágio final do ciclo de vida da planta, quando se transforma em uma matéria na região semiárida de alguns
estados do Nordeste, sendo
muito leve. Uma boa alternativa para que esta parte do vegetal seja mais bem
inclusive a única alternativa
aproveitada é justamente a utilização para fabricação de blocos para pranchas
de cultivo com resultados
de surf. Ulysséa (2012) desenvolve pesquisas e trabalha com a produção de econômicos satisfatórios para
blocos de pranchas de surf com aplicação do agave. Em 2001 iniciou a produção a região. Cobertura do solo,
de blocos e afirma as qualidades do produto final como pranchas de surf. geração de emprego e renda
são outras razões que tornam o
Atualmente as pranchas fabricadas são bem aceitas quanto à surfabilidade, plantio comercial desse vegetal
qualidade e resistência, no entanto, apesar de o Agave ser um material leve e extremamente relevante para
orgânico, estes artefatos não atingem a média de peso referente às pranchas as regiões produtoras, seja no
produzidas com espumas poliméricas nem apresentam inovações no design aspecto econômico, social ou
da estrutura e nos requisitos ambientais. Portanto, neste contexto se faz ambiental (NETO, 2012, apud
necessário inovar nos processos de concepção destes artefatos para que SUINAGA et al., 2006; MARTIN
se consiga otimizar o produto final tanto do ponto de vista estrutural como et al., 2009).
ambiental.
A pesquisa e aplicação da biomimética é um meio eficaz para inovações bio-
inspiradas seguindo o modelo da natureza. Entender porque o escapo floral
do Agave apresenta estratégias de leveza e resistência foi o ponto de partida.
Para tanto, foi necessário investigar em escala micro a estrutura celular que
compõem o pendão floral da planta através do estudo da biologia em anatomia
vegetal. Informações sobre a anatomia celular do Agave podem contribuir
sobremaneira para que se atinja um optimum em concepção de estruturas leves
e resistentes com baixo consumo de matéria e energia. Figura 16: Pendão floral do
agave sendo colhido ao final do
Por tanto, com base nestes dados que a escolha do Agave como elemento seu ciclo de vida. Matéria-prima
natura e fonte de inspiração se justifica alinhado aos princípios da biomimética e leve e resistente.
de sustentabilidade. Entretanto, como publicações sobre a estrutura anatômica Fonte: Surfline.com. 2018.
dessa espécie são inexpressivas fez-se necessário realizar uma pesquisar sobre
anatomia vegetal e posteriormente realizados experimentos em laboratório
com auxílio de métodos de microscopia de amostras de Agave, com intuito de
produzir imagens de alta resolução para avaliar a estrutura celular do escapo
floral do vegetal. Este processo será detalhado mais a frente.

6 ANATOMIA VEGETAL
A organização do corpo vegetal das plantas terrestres, conforme descreve Taiz
& Zeiger (2004), são estruturalmente reforçadas para suportar sua massa à
medida que elas crescem em direção à luz e contra a força da gravidade. Bem
Figura 17: As propriedades
como, transportar água e sais minerais do solo para os locais de fotossíntese, de leveza e resistência, assim
desenvolvimento e de crescimento. como, boa flutuação, são
imprescindíveis para um
A planta é uma entidade organizada que se desenvolve seguindo um padrão
bom desempenho técnico e
definido que resulta em estruturas e formas bem características, principalmente
usabilidade das pranchas de
em escala microscópica. Basicamente, a estrutura primária do corpo vegetal surf.
é composta pela raiz, caule e folha. Estes são os órgãos vegetativos e são Fonte: https://www.agavesurf.
constituídos basicamente dos mesmos tecidos primários que estabelecem três com. 2018.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

O termo célula deriva-se do sistemas de tecidos: dérmico (ou revestimento); fundamental (ou preenchimento):
latim cella, cujo significado e de condução (ou vascular). Estes sistemas de tecido apresentam padrões de
é despensa ou câmara.
distribuição bem característicos, basicamente a planta é revestida pelo sistema
Inicialmente, foi empregado
na biologia em 1665, pelo
dérmico, que envolve o sistema fundamental, que contém o sistema vascular
botânico inglês Robert Hooke, (APEZZATO-DA-GLÓRIA & GUERREIRO, 2006; TAIZ & ZEIGER, 2004).
para descrever as unidades
Glória & Guerreiro (2006) afirmam que o conhecimento da célula vegetal tem
individuais de uma estrutura
do tipo favos de mel, que ele
possibilitado grandes avanços na história e compreensão da Biologia. Outros
observou em cortiça, sob um autores descrevem que no século XVII, já eram realizados estudos microscópicos
microscópio primitivo. (TAIZ & rudimentares em células vegetais:
ZEIGER, 2004).
Por tanto, há tempos que as células são consideradas as unidades estruturais
e funcionais que constituem os organismos vivos. Uma diferença fundamental
entre os vegetais e os animais é justamente a presença de uma parede celular
rígida que delimita as células vegetais. Trata-se de uma parede mecanicamente
forte, porém relativamente delgada. Esta é uma das características mais
significativas da célula vegetal, a presença da parede que envolve externamente
a membrana plasmática e o conteúdo celular (APEZZATO-DA-GLÓRIA;
GUERREIRO, 2006; TAIZ; ZEIGER, 2004).
Segundo Taiz & Zeiger (2004), as “câmaras” da cortiça que foram observadas no
microscópio de Hooke eram na verdade, lumes vazios de células mortas. O lume
é o espaço limitado pela parede da célula vegetal. Desta forma as migrações
celulares são impedidas, pois as células estão ligadas firmemente umas às
outras. É válido ressaltar que as funções fisiológicas e bioquímicas dos vegetais
dependem das estruturas, da forma estrutural dos diversos tecidos, como por
exemplo, o armazenamento de substrato no parênquima, a condução de água no
xilema, propriedades mecânicas etc.
O parênquima é um tecido de preenchimento simples, constituído de células
vivas. Podem ter formatos diversos – poliédricas; cilíndricas ou esféricas, mas
em geral, são células isodiamétricas multifacetadas. Apresenta múltiplas faces,
ou seja, muitos lados possuindo aproximadamente as mesmas dimensões.
Apezzato-da-Glória & Guerreiro (2006) descrevem que o tecido parenquimático
está distribuído em quase todos os órgãos da planta: raiz, caule e folhas. As
células parenquimáticas geralmente possuem paredes delgadas e podem
dispor-se em uma ou mais camadas, entre o tecido de condução; entre a parte
viva e a não viva do sistema vascular e seus elementos de transporte.
Sobre a morfologia e arquitetura básica de paredes celulares, organização,
composição e síntese de paredes celulares primárias e secundárias, Raven et
al. (2007) descrevem que a parede celular é a principal característica da célula
vegetal; é o que determina a sua estrutura, esta tem relação direta com suas
funções. Uma das funções principais é permitir a permeabilidade da água e de
várias substâncias. A parede celular determina em grande parte o tamanho e o
formato da célula, fator que contribui para a forma final do órgão vegetal. Sendo
assim, o autor distingue os tipos celulares pela estrutura de suas paredes. As
paredes destas células podem possuir uma ou mais camadas que podem ser
observadas através da utilização de técnicas microscópicas.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

A parede celular que delimita uma célula pode também variar em espessura,
ornamentação e frequência de pontoações etc. Apesar dessa diversidade
morfológica, as paredes celulares comumente são classificadas em dois
tipos principais, primárias e secundárias. As paredes celulares primárias são
tipicamente finas (menos de 1 µm), o que caracteriza células jovens e em
crescimento. As paredes celulares secundárias são depositadas quando a maior
parte do crescimento está concluído, são mais espessas e resistentes que Apesar da formação da
as primárias as células de xilema, tais como as encontradas na madeira, são parede secundária, é mantida
notáveis por possuírem paredes secundárias altamente espessadas, reforçadas a comunicação de células
por lignina. As paredes de algumas células diferenciadas (especializadas), como vizinhas. No crescimento
por exemplo, as fibras e elementos traqueais, estas possuem paredes espessas da parede secundária,
determinadas zonas mantêm-
e multicamadas (TAIZ & ZEIGER, 2004).
se abertas. Tal zona da parede
Em relação à estrutura e composição das paredes celulares, estas apresentam celular é chamada pontoação.
um modelo básico. Em síntese a parede primária é composta por apenas uma Do grande espessamento da
camada, ao passo que, frequentemente as paredes secundárias possuem várias parede celular resultam desta
maneira, autênticos canais
camadas e diferem da parede primária em estrutura e composição. Embora
de pontoação. A pontoação
possua arquitetura variada, as diferentes células necessitam se comunicar com
permite a condução da
as outras, e o fazem por determinados espaços vazados localizados na parede água, com isso a passagem
celular, as pontoações e os campos de pontoação (TAIZ & ZEIGER, 2004). é grandemente facilitada
(NULTSCH, 2000).
Segundo os autores, no local onde está presente o campo de pontoação, durante
a formação da parede secundária, geralmente nenhum material de parede é
depositado.
Quanto à rigidez da parede, esta se deve à presença de lignina, outro
componente muito importante em muitos tipos de células, que providencia
resistência à compressão e rigidez à parede celular. A lignina é comumente
encontrada em paredes de células vegetais que têm função mecânica ou de
sustentação. A lignina impõe resistência à compressão, enquanto confere
rigidez. Neste sentido, as paredes secundárias devem sua resistência e rigidez à
lignina (RAVEN et al., 2007; TAIZ & ZEIGER, 2004).
A lignificação determina o aumento da resistência mecânica, também
está associado à certa perda de elasticidade. A rigidez mecânica da lignina
fortalece os caules e o tecido vascular, permitindo o crescimento ascendente e
possibilitando que a água e os sais minerais sejam conduzidos através do xilema.
Por tanto, podemos concluir segundo a literatura, que quando uma planta morre,
ou seja, encerra seu ciclo de vida, as células também morrem, então o substrato
se vai juntamente com a água através de processos químicos onde os elementos
passam de um estado sólido para líquido com muita facilidade à temperatura
ambiente de forma limpa, retornando os nutrientes ao meio ambiente. O que
lhe resta basicamente de matéria seca nas paredes primárias das células é algo
em torno de 30% do seu peso, assim como, nas paredes secundárias o que resta
é algo em torno de 70% do peso. A planta perde grande quantidade de peso, o
que permanece são paredes celulares lignificadas, ficando só matéria leve e com
espaços vazios no interior das células e nos espaços intercelulares ou lacunas
intercelulares, que são preenchidos com ar, desta forma restam apenas câmaras
vazias e tubos ocos. (TAIZ & ZEIGER, 2004).

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

7 DESENVOLVIMENTO
Há quatro áreas em que se desenvolve o processo: definição de escopo,
descoberta, criação e avaliação. As diversas etapas da pesquisa caminham
juntas e são interdependentes, identificadas de forma diluída no diagrama do
Biomimicry DesignLens. O processo apresenta o detalhamento das etapas e fases
de método. O diálogo ocorre de forma contígua durante o desenvolvimento
desta pesquisa.
Seguindo estes passos e suas etapas específicas, esta pesquisa integra-
se de forma bem-sucedida às estratégias e princípios da vida no design de
artefatos. Inicialmente, foi definido o contexto e a problemática, em seguida
realizado uma revisão bibliográfica, coleta análises de dados em laboratório e os
procedimentos de modelagem paramétrica para conversão das estratégias do
modelo biológico em uma estrutura bio-inspirada para pranchas de surf.

8 ESCOPO
• Definir contexto: Esta fase foi detalhada no início do artigo, na própria
definição do contexto e problemática da pesquisa. Assim como os
objetivos e objeto de estudo (modelo biológico) e o referencial teórico
exposto na revisão bibliográfica.
• Identificar função: Identificação das funções necessárias para o
desempenho do artefato: leveza e resistência. As funções identificadas
serão investigadas em um modelo natural.
• Integrar princípios da vida: Ao integrar os princípios, ficou claro
que existe a possibilidade de aplicação de meios alternativos de
materialização com soluções sustentáveis bio-inspiradas. Aqui foram
elencados alguns princípios que estreitam uma relação mais aprofundada
com as propriedades e estratégias a serem alcançadas nesta pesquisa.
Neste ponto inicia-se a direcionar o foco para a solução da problemática.
Os princípios elencados são:
Replicar as estratégias que funcionam repetindo abordagens de sucesso;
Desenvolver design multifuncional com múltiplas aplicações para uma solução
leve e elegante; Aplicar processos de baixo ou reduzido consumo energético
minimizando o consumo de energia em processos; Ajustar forma à função
selecionando pela forma ou padrão com base na necessidade; Combinar
modularidade e componentes agrupados, encaixar várias unidades dentro de cada
outra progressivamente do simples ao complexo; Auto-organização representado
por uma estrutura de Voronoi; Usar materiais e energia facilmente disponíveis
construindo com materiais abundantes e acessíveis com maior aproveitamento
da energia; Construir seletivamente com um pequeno subconjunto de elementos;
Montar relativamente poucos elementos em formas elegantes; Decompor os
produtos em constituintes benignos usando uma química em que os resultados
de decomposição não resultem em nenhum subproduto prejudicial; Combinar
modularidade e componentes agrupados; Cultivar relacionamentos cooperativos
encontrando valor através de interações vitoriosas;

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

9 DESCOBRINDO
• Descobrir modelo natural: Nesta fase apresenta-se o modelo natural.
A espécie Agave sisalana Perrine se apresenta como objeto de estudo
desta pesquisa. Informações relevantes sobre suas características e
classificação botânica, sua importância para economia local, assim
como, a aplicação nos processos de produção de pranchas de surf foi
apresentadas na etapa “Descobrindo” (revisão bibliográfica).
• Abstrair estratégias biológicas: Para cumprimento desta fase, foi de
grande relevância a revisão bibliográfica realizada sobre anatomia vegetal
para entendimento de como são as estruturas celulares dos tecidos
vegetais em escala micro. Em seguida foram realizados experimentos
para identificação e análise dos elementos que compõem as paredes
celulares do Agave para que se possa aprender suas estratégias e
convertê-las em design por um processo de abstração e criatividade.
Segundo Maier et al. (2013) o processo de abstração de características
de estruturas biológicas leves e complexas em um componente técnico
produtivo deve ser adaptado à realidade local. Um obstáculo importante para
a transferência das estratégias de estruturas leves naturais para soluções
técnicas é a sua geometria peculiar. Uma vez que as estruturas de leveza natural
possuem irregularidades e muitas vezes têm formas extremamente complexas,
em síntese é necessário simplificar e adaptar estes princípios para o design. Esta
abstração e simplificação da forma têm sido usadas em diferentes métodos
biomiméticos, mas até então possui um componente arbitrário, ou seja, depende
da criatividade e competência do pesquisador que executa a abstração.
Com o auxílio da professora bióloga e pesquisadora Dra. Emília Arruda do
Laboratório de Anatomia Vegetal da Universidade Federal de Pernambuco
(LAVeg – UFPE) e do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (CETENE),
foram realizados experimentos de dissociação, microtomia e de lâmina
utilizando amostras de AGAVE para identificação dos tipos de células presentes
no tecido vegetal através de microscopia óptica.

Figura 18: Amostras de Agave


Sisalana Perrine.
Fonte: Autor, (2014).

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

Foram identificados elementos xilemáticos dissociados. A dissociação dos


elementos xilemáticos revelou a presença de elementos do metaxilema,
apresentando pontoações do tipo pontoada bem como algumas fibras e
traqueídes. Células especializadas, tais como fibras e traqueídes possuindo
paredes secundárias, indicando o caminho a seguir na investigação em anatomia
vegetal sobre a estrutura e composição das paredes celulares do tecido
parenquimático e do sistema condutor do escapo floral do Agave.
Figura 19: O corte transversal As amostras em cortes transversais e longitudinais, submetidos à coloração e
do Agave apresenta o montados em lâminas apresentam imagens bidimensionais da estrutura celular
tecido fundamental, que é do Agave, porém dando ideia da sua forma tridimensional. A análise e registro
representado pelo parênquima das principais características anatômicas foram realizados no LAVeg por meio
de preenchimento. O
do microscópio de luz. Esta fase do diagrama dialoga de forma muito intensa
sistema vascular apresenta
com a revisão bibliográfica da anatomia vegetal, que forneceu o conhecimento
feixes do tipo colaterais
apresentando uma camada necessário para leitura das imagens microscópicas, caracterização e análise dos
de células não espessadas elementos presentes nas amostras de Agave. O entendimento do conteúdo das
pelo periciclo multisseriado imagens possibilitou abstrair as estratégias biológicas do Agave (próxima fase).
e contínuo apresentando
O xilema no Agave está diretamente envolvido na sustentação e no
células espessadas. As
armazenamento de substâncias, fornecendo suporte mecânico. Os feixes
células parenquimáticas
estão presentes em maiores vasculares estão distribuídos de forma aleatória, o que pode ser interpretado
quantidades, apresentam como uma estratégia do vegetal para distribuir as tensões mecânicas.
maiores diâmetros e possuem
Na Figura 19 as células que apresentam elementos de coloração mais intensa
paredes celulares finas, ou seja,
são indícios de presença de lignina, ou seja, paredes secundárias, o que
apenas paredes primárias.
Fonte: Autor, (2015). representa que estas células possuem a estrutura da parede mais espessa.
A estratégia que o vegetal aplica na geometria apresentada neste corte
transversal, o diâmetro e espessura das paredes celulares variam numa
transição das células de preenchimento (paredes primárias) para as células
condutoras (paredes secundárias).

Figura 20: Direita – Xilema.


Corte transversal e longitudinal.
Fibras, traqueídes, células
parenquimáticas. Diferentes
geometrias e espessuras.
Esquerda: As fibras e traqueídes
que estão organizadas em
filas verticais sobrepostas,
são células fusiformes
alongadas que possuem
parede secundária. Estas fibras
são células de sustentação
responsáveis por propriedades
de rigidez e flexibilidade.
Fonte: Autor, (2015).

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

Quanto mais próximo do parênquima as células possuem somente a parede


primária que tem propriedades elásticas, possuem uma configuração mais
arredondada com maior diâmetro, porém com espessura das paredes mais
delgadas. Ao passo que se aproxima do xilema, as células tornam-se mais
poligonais, com diâmetros menores e paredes mais espessas, mais rígidas.
Desta forma, acredita-se que a planta distribui suas tensões mecânicas de
forma equilibrada por todo o corpo da planta.
Figura 21: Corte Longitudinal.
A orientação das fibras depositadas paralelamente é significado decisivo para O crescimento e alongamento
intenso do Agave formam
as propriedades mecânicas, e deste modo, resulta em uma maior resistência à
muitos elementos traqueais
tração. Como o Agave trabalha com a estratégia de leveza e rápido crescimento,
com espessamentos anelares
o vegetal acaba por adicionar quantidades mínimas de lignina para que não perca e espiralados, escalariforme,
sua elasticidade, aplicando-a somente onde é necessário. A maturação tanto reticulado e pontoado.
de traqueídes quanto de elementos de vaso envolve a ‘morte’ da célula. O que Fonte: Autor, (2015).
permanece é a estrutura a qual é formada por paredes celulares lignificadas
grossas, formando tubos ocos.
Quando a planta morre e seca por completo, fica somente a estrutura das
paredes com os lumes vazios, preenchidos com ar. Esta estrutura de paredes
celulares é justamente o que se enxerga nas imagens microscópicas do Agave.
A resposta para a leveza do caule do Agave pode estar justamente na menor
proporção de tecidos lignificados, já que apresentam poucos elementos
lignificados, e conforme descrito nas análises, células espessadas ocorrem
apenas no periciclo e no xilema primário, representadas por fibras, traqueídes e
elementos de vaso.
Em momentos de abstração, vale ressaltar que na Visão do Design: O Agave
atua em um optimun de matéria e energia; Deposição de lignina somente onde é
necessário, mantendo assim, a leveza e resistência necessária com economia de
matéria e energia; Pontoações, por serem áreas vazadas na estrutura da parede
celular também atuam como economia de matéria, porque estas áreas sem
matéria (orifícios) não comprometem a resistência da estrutura, e contribuem
para a leveza. Arthur Koestler (1905-
1983) criou a expressão
Estes conceitos foram convertidos em uma solução de design de uma estrutura ‘bi-associação’, se trata de um
bio-inspirada, podendo aplicar estas estratégias para soluções em estruturas processo que é base tanto para
de qualquer artefato. A solução resultante é então, adaptada ao desempenho a arte da descoberta, como
necessário e aos processos de produção. Podem ser criadas em uma grande para a descoberta da arte.
Para diferenciar as coisas das
variedade de alternativas de aplicação das estratégias da natureza que podem
associações cotidianas, que de
ser otimizadas, por exemplo, usando ferramentas de modelagem paramétrica,
costume, percorrem caminhos
conhecidos. Bi-associação
10 CRIANDO significa o salto repentino da
A aplicação da biomiméticos em projetos de desenvolvimento industrial e força criativa de imaginação
desenvolvimento de produtos requer uma adaptação aos métodos tradicionais que reúne em novas sínteses,
ideias diferentes, observações,
através de um modelo mais simples. Existem vários processos de design
percepções ou sistemas de
biomimético, adaptação, integração e aplicação que correspondem aos objetivos referências até então sem
de cada projeto. Métodos tradicionais para resolver problemas não são mais ligações diretas (BLUCHEL,
adequados: 2009).

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

Através da interdisciplinaridade entre biologia e técnica é possível alcançar


soluções criativas e inovadoras. Contudo, a abstração das estratégias e o nível
de abstração e aprofundamento no conhecimento, depende muito da capacidade
de interpretação do designer biomimético. Segundo Berges-Muro (2014)
aprender os métodos de design biomimético pode ser difícil e envolver um longo
período de tempo. Experiências anteriores são importantes para uma melhor
interpretação e aplicação das estratégias biológicas em projetos de design
biomimético voltados para o desenvolvimento de produtos para a indústria
Figura 22: Sketches à mão livre. e mercado. A abordagem metodológica do design biomimético requer uma
Estratégias do Agave em escala adaptação aos métodos tradicionais através de modelos biomiméticos simples.
ampliada e adaptada, com foco
na economia de matéria sem BRAINSTORM – tempestade de ideias bio-inspiradas. Fase de execução da
perda de resistência. abstração através de técnicas criativas e representação gráfica da estratégia.
Fonte: Autor, (2015). Esta fase precede o início da emulação dos princípios da natureza no design de
uma estrutura para prancha de surf.
A estratégia remete ao desenvolvimento de um padrão estrutural composto
por ‘tubos ocos’ distribuídos de uma forma que reforça a resistência mecânica
do artefato final. A ideia apresenta uma configuração de feixes de sustentação
distribuídos em pontos realmente necessários, sem excessos, reduzindo a
quantidade de matéria e energia gasta.
1
  Diagramas de Voronoi são A ideia de um Voronoi1 como padrão estrutural distribui as pressões e forças de
amplamente encontrados na torções pelos pontos de tensão do artefato. Na coleta de dados em anatomia
natureza. Em diversos campos vegetal ficou evidente que: ao passo que as células do parênquima (diâmetros
da ciência e tecnologia tem
maiores com paredes finas) se aproximam do xilema, o diâmetro das células
inúmeras aplicações práticas
e teóricas. O espaço que uma diminui, porém, espessamento da parede secundária as torna mais reforçadas.
unidade de célula ocupa está Do mesmo modo que o formato das células varia de arredondadas a poligonais. A
diretamente associado à configuração estrutural alcançada requer processos de produção de pranchas de
célula correspondente, cada surf alternativos adequados e alinhados aos ensinamentos dos Princípios da Vida.
uma gerando pontos atrativos
de forma que se distribuem • Emulação: Sentimento que instiga a imitar ou a exceder outrem de forma
e se equilibram dentro de estimulante e cooperativa (Biomimicry Institute 3.8, 2015).
um determinado espaço
(AURENHAMMER, 1991). Na etapa de emulação dos princípios da natureza aos princípios de design, foi
necessária a utilização de um método de modelagem digital através do Design
Paramétrico como meio de conversão das estratégias do Agave em tecnologia,
dialogando com a natureza. Os processos de fabricação por adição proveniente de
tecnologias de impressão digital permitem a adição de matéria e energia somente
onde é necessário. Esta fase teve o apoio ferramental do grupo BI/OS Code
em 2015, onde o arquiteto Paulo Carvalho executou a modelagem paramétrica
utilizando o plug-in Grasshopper do software de modelagem 3D Rhinoceros.

11 INÍCIO DO PROCESSO DE EMULAÇÃO AOS


PRINCÍPIOS DE DESIGN
Logo em seguida foi definindo a estratégia de configuração para o Grasshopper
da estrutura do Agave. Primeiramente, define-se o input inicial, que neste caso
foi o (outline) do shape de uma da prancha. Para o preenchimento interior, foram

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

definidas células com maior diâmetro possuindo paredes finas, para pontos de
reforço, foram definidos tubos longitudinais com paredes espessadas e para
a superfície da borda, células mais densas. A solução pensada foi o Voronoi,
onde as células foram escalonadas com furos nas paredes, depois receberam
tratamento de suavização da forma com união final dos elementos.
Teste piloto foi tomado como base apenas uma secção de uma prancha de
surf para recebimento desta estrutura bio-inspirada, pois já seria o suficiente
para validação parcial desta pesquisa e da aplicação das estratégias do agave
em artefatos aquáticos com auxílio da tecnologia. De fato, são incontáveis as
possibilidades de artefatos que podem receber esta aplicação estrutural com
propriedades de leveza e resistência. Com a lógica da diferenciação das células
bem definidas, cada célula é um elemento individual, porém são reconhecíveis
e agrupadas por padrões. Em cima desta malha bidimensional com padrão de
Voronoi, aplicou-se a função de extrusão para configurar os “canaletas” iniciais.
A Figura 23 apresenta a configuração de uma malha nos elementos cilíndricos
determinando os campos de pontoação, onde foi aplicada a estratégia da
pontoação. Essas regiões tornam-se vazadas, reduzindo o peso e otimizando
a economia de matéria-prima e proporcionando flexibilidade de uma forma que
não compromete a resistência da estrutura do artefato, distribuindo os pontos de
tensões ao longo de cada elemento isolado e em conjunto por toda estrutura. Esta
mesma abstração foi aplicada em todas as células.

Figura 23: Definindo a


delimitação inicial dos
elementos.
Fonte: Autor, (2015).

O próximo passo foi determinar a melhor estratégia para representar o


preenchimento das bordas adicionando uma população de células com maior
densidade e concentração. Esta camada de células dá a resistência necessária para
suportar o peso em cima da prancha e maiores impactos e torções. Esta camada
funciona como a laminação de uma prancha de surf composta com fibra de vidro e
resinas poliméricas, é o reforço necessário para dar resistência, impermeabilização
do bloco contra infiltrações. Neste caso, a solução foi bio-inspirada na resistência
que a casca (tecido de revestimento) do escapo floral do Agave apresenta.
Neste momento encontra-se finalizada toda a configuração da modelagem
paramétrica com base nas estratégias do Agave direcionado para aplicação em
uma secção de uma prancha de surf. De fato, durante a interação do processo
Figura 24: A suavização das
de desenvolvimento enquanto a estratégia tomava corpo pela conversão dos bordas e do formato tornou
princípios da vida e abstração das estratégias da natureza, via-se nitidamente a aparência das células mais
o potencial de aplicações em artefatos diversos que são oportunidade de orgânicas.
experimentos e pesquisas futuras. Fonte: Autor, (2015).

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
222
Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

Figura 25: Corte transversal da


secção de uma prancha de surf
apresentando a estrutura com
aplicação das estratégias de
leveza e resistência do Agave.
Fonte: Autor, (2015). 12 AVALIANDO
Esta é a última etapa do diagrama Biomimicry Thinking – Desafio de biologia. Neste
momento ocorreu a avaliação e aproximação da realidade das estratégias do
Agave materializadas na estrutura de uma de uma prancha de surf. No subitem
‘Medir usando princípios da vida’, foram feitas algumas análises sobre os
resultados obtidos com intuito de medir o nível de interação e coerência entre
a problemática e a solução com a inclusão dos Princípios da Vida em forma de
requisitos de projeto, viabilizado pelas possibilidades da fabricação digital por
processos de adição.
Para que este teste piloto se consolide e se atinja parte da validação deste
trabalho, foi tomada como base uma parte da estrutura apresentada para
impressão 3D. Foram feitas adaptações e algumas restrições para viabilizar
a impressão de um protótipo da estrutura paramétrica aplicada na secção
da borda de uma prancha de surf, que foi o artefato gerado como teste e
exemplo de aplicação das estratégias do Agave. Esta avaliação foi feita através
da medição do atendimento aos princípios da vida, e acabou por validar os
resultados esperados nesta pesquisa quando percorridos os passos da
abordagem Biomimicry Thinking do Biomimicry Intitute 3.8.
Este resultado final é apresentado como forma de validação juntamente com
uma breve análise sobre o atendimento dos Princípios da Vida. A modelagem
paramétrica da estratégia da natureza expande o potencial de inovação no
design de pranchas e outros artefatos.
A possibilidade de fabricação digital foi um dos pontos chave desta pesquisa.
Pois uma das propostas era a de rever os processos de produção de pranchas de
surf através de inovações sustentáveis com base nos ensinamentos do Agave,
que vão muito mais além da utilização do mesmo, apenas como matéria-prima.
De fato, os ensinamentos da natureza com base na metodologia Design Lens
(Biomimicry Institute 3.8) aliados a tecnologias digitais têm grande potencial
de inovação em design e sustentabilidade. O design paramétrico viabilizou
a conversão das estratégias utilizadas pelo vegetal na materialização
de estruturas leves e resistentes, configuráveis através de parâmetros
manipuláveis e adaptáveis a qualquer input tomado como ponto de partida.
O artefato escolhido para fabricação digital e análise estrutural e funcional, foi
uma secção da borda de uma prancha de surf, através da impressão 3D de um
Figura 26: Impressão digital: protótipo medindo (10 x 4 x 6 cm) em escala de 1 x 1.
protótipo da estrutura bio-
• Medir usando princípios da vida: Integração final dos princípios da vida.
inspirada aplicada na borda
de uma secção de um bloco de Em relação ao cumprimento de princípios que não puderam ser atendidos
prancha de surf. antes da fase de emulação, pois foram enxergados como princípios
Fonte: Autor, (2015). de medição e revisão de um ciclo que se conclui. Após uma análise do

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
223
Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

protótipo, neste momento foi possível fazer esta verificação, pois são
princípios relacionados às revisões finais para serem incorporados em
replicações.
O princípio evoluir para sobreviver pode ser atendido por completo quando ocorre
a assimilação e integração de erros, incorporando-os na forma de aprendizado
para que não se repita em novas aplicações das estratégias. Isto pode ser
incorporado através da remodelação de informações introduzidas no ambiente
de projetação, neste caso o Grasshopper, que trabalha com inputs, onde a
mudanças destes cria novas possibilidades de solução.
O princípio adaptar-se às condições de mudança mantém a sua integridade através
da autorrenovação, adicionando matéria e energia para melhorar a estratégia.
No caso desta pesquisa, após a análise detalhada do protótipo, verificou-se
que a resistência da estrutura esta foi alcançada, apresenta-se bastante eficaz.
Quanto à leveza, esta também foi atendida, mas percebeu-se que a espessura
de toda estrutura pode ser reduzida. Onde, em um novo ciclo produtivo
esta otimização de matéria e energia representa melhores desempenhos,
adaptando-se às condições de mudança em prol do aperfeiçoamento do
sistema. Em relação à descentralização da aplicação das estratégias, estas
podem ser aplicadas em qualquer localidade e condição local, adaptando-se
ao input do projeto conforme as diretrizes de configuração fazendo uso de
materiais naturais locais.
Também no sentido de adaptar-se à novos cenários, as estratégias que funcionam
no vegetal e que foram convertidas ajustando forma à função em uma estrutura
paramétrica. Porém esta estratégia pode ser direcionada para outras condições
ambientais e diversos artefatos, por exemplo: embarcações no geral, barcos,
lanchas, caiaques, remos para caiaques e SUP (Stand up paddle), decks de cais em
portos, mobiliário no geral, artefatos esportivos, bicicletas, skates, automóveis,
tecnologias aeroespaciais, na arquitetura as aplicações são incontáveis, assim
como na construção civil. Estas estratégias também podem ser direcionadas para
isolamento térmico e acústico dentre inúmeras outras aplicações.
Do mesmo modo, o princípio ser eficiente em materiais e recursos foi
atendido seguindo os processos da natureza que se desenvolve adicionando
matéria-prima e energia locais somente onde é necessário. Este princípio foi
representado pelo processo de fabricação digital através da impressão 3D
atuando por processos de adição. Já a integração de processos de reciclagem
com materiais que são reconhecidos pelo ciclo de realimentação do sistema
complementa a eficiência energética e otimização de material.
Para finalizar, o princípio ser localmente ligado e responsivo, pode ser atingido
com ciclos de feedback, usando e principalmente ajustando as informações
geradas ao longo de toda a pesquisa, envolvendo as informações obtidas com
as análises do protótipo elencando os Princípios da Vida. Estes fatores são
na verdade, respostas para melhoramento das estratégias, onde se devem
envolver as informações em fluxos cíclicos para modificar e readequar o sistema
e melhorando-o como um todo.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

13 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, completa-se um ciclo inteiro e as quatro etapas da metodologia
DesignLens Biomimicry Thinking – Desafio de biologia. O processo de
desenvolvimento da pesquisa gerou discussões e resultados durante todo o
trajeto ao apresentar os meios em cada etapa e a forma como foi concluída cada
uma. A efetivação de cada uma destas etapas gerou diretrizes e parâmetros
com base nos Princípios da Vida. Esta foi uma das principais características
identificadas quando se caminhou através das fases dos diagramas, foi
necessário recorrer e desenvolver um diálogo com o embasamento teórico
que apresentou elementos geradores de discussões, tomadas de decisões e
conclusões.
Esta pesquisa buscou informações na natureza, com intuito de se descobrir
soluções técnicas e sustentáveis para a produção de pranchas de pranchas
de surf, onde as soluções propostas nesta pesquisa apresentam grande
potencial de inovação em design e sustentabilidade através do design
biomimético. De fato, a estrutura das paredes celulares do caule do Agave,
apresentaram as estratégias necessárias para funções de leveza e resistência,
e consequentemente flutuação para pranchas de surf. Concluiu-se que o agave
só aplica a lignina em quantidades mínimas somente onde é necessário para
que proporcione à planta a sustentação e resistência mecânica com economia
de peso. Devido ao fato da planta ter um período de crescimento em altura
bastante rápido, alcançando mais de sete metros no momento de florescência,
precisa atuar com leveza e economia de matéria. Portanto na linha deste
raciocínio, o Agave atua em um optimum de economia de matéria e energia como
se imaginou nas etapas iniciais de descobrimento do modelo natural.
De fato, a intenção não era a de reproduzir uma cópia fiel da natureza e sim
emular suas estratégias e princípios convertidos para área projetual. Conseguiu-
se atingir os objetivos da pesquisa ao aplicar as estratégias do Agave na solução
estrutural e processos de produção de pranchas surf para que se tornem
condizentes com os ensinamentos da natureza. Quando os processos de
fabricação digital foram incorporados, a configuração e execução das estratégias
demonstrou ser de grande eficiência, o que fez com se pensasse em aplicações
para diversos artefatos. Vale salientar que o escopo desta pesquisa não adentra
na investigação e definição dos materiais mais adequados para produzir
pranchas dentro desta perspectiva.
O protótipo da estrutura foi impresso em ABS, um termoplástico rígido e leve,
com flexibilidade e resistência na absorção de impactos, muito utilizado na
fabricação de produtos moldados para direcionamentos diversos. Porém a
escolha deste material se trata apenas do material mais acessível e disponível
para impressão. Esta peça se trata de um protótipo para estudo volumétrico e
analítico da estrutura aplicada. O desenvolvimento de um material convergente
aos princípios da vida é um próximo passo para melhoramento e refinamento
de aplicação dos princípios da vida, neste caso o material deve se adequar aos
processos naturais de reciclagem do meio ambiente.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Abordagem Metodológica em Biomimética Estratégias de Leveza e Resistência para Artefatos Aquáticos Inspirados no Agave

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Métodos e Processos em Biônica.indb 226 22/10/2018 14:18:29
FERRAMENTAS E MODELOS
TECNOLÓGICOS GERADORES
DE CASES EM BIOMIMÉTICA

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SOBRE O AUTOR
Rafael Rattes Lima Rocha de Aguiar I rafaelrattesaguiar@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5756448621189624
Graduado, mestre e doutorando em Design pela UFPE, fundador da startup em Design
e Arquitetura BI/OS – Biologic Input/Output Solutions. Pesquisador em Design e novas tecnologias
e processos, com foco em biomimética, metadesign, inteligência artificial e fabricação digital.

Leonardo Augusto Gómez Castillo | leonardo.a.gomez@gmail.com


Lattes: http://lattes.cnpq.br/2061771070429217
Designer formado pela Universidad Nacional de Colombia (1994). Tem ampla experiência na área de
desenvolvimento de produtos e serviços, com ênfase nos aspectos de inovação, design e sustentabilidade. No
Japão, trabalhou como pesquisador na área de design de interação no Kyoto Institute of Technology (1997-1999).
Culminou seus estudos de mestrado (2001) e doutorado em Design (2004) na Escola de Estudos Humanos e
Ambientais da Universidade de Kyoto. Após uma curta passagem como estagiário na United Nations University
veio para o Brasil para atuar como consultor na área de inovação em design para diversas organizações. Participou
em projetos junto à Positivo, Nokia, Ministério da Educação, Coca-Cola e Fiat. Realizou post-doutorado em Design
e Inovação para a Sustentabilidade na Universidade de TU.Delft, na Holanda (2011-2012). Atualmente professor
e pesquisador do Departamento de Design da Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, professor colaborador
do Mestrado em Design de Artefatos Digitais do C.E.S.A.R (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife),
bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. Lidera o Grupo de Pesquisa em Inovação, Design e
Sustentabilidade.

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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a
Biomimética
Metadesign & Nature: Abstract Machines for Biomime
Rafael Rattes Lima Rocha de Aguiar | Leonardo Augusto Gómez Castillo

Resumo
A complexidade presente na natureza é incontestável, e cada vez mais designers buscam
compreendê-la no intuito de suprir suas necessidades formando o mundo artificial, como se observa
na Biomimética. No contexto das abordagens e processos, assim como, da atuação na complexidade
há o Metadesign, que surge como suporte instrumental e ferramental. Logo, este trabalho explora a
relação entre a Biomimética e o Metadesign, correlacionando suas características e estabelecendo o
uso de máquinas abstratas como estratégia de processo de design. Percebe-se que é possível atuar
em níveis de abstração diferentes, assim como, trabalhar no espaço de possibilidades no contexto do
Design Paramétrico e obter a concretude.
Palavras-Chave: Biomimética; Metadesign; Máquina abstrata; Design paramétrico.

Abstract
The complexity present in nature is undeniable, and more and more designers seek to understand it in order
to meet their needs forming the artificial world, as seen in Biomimicry. In the context of the approaches
and processes, as well as of the performance in complexity there is the Metadesign, which appears as an
instrumental and tooling support. Therefore, this work explores the relationship between Biomimicry and
Metadesign, correlating its characteristics and establishing the use of abstract machines as a design process
strategy. It is realized that it is possible to act in different levels of abstraction, as well as to work in the
space of possibilities in the context of Parametric Design and obtain concreteness.
Keywords: Biomimicry; Metadesign; Abstract machine; Parametric design.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
230
Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

É inevitável conceber a complexidade existente na natureza. Observando o


universo ou uma célula, encerra-se neles os mais variados tipos de sistemas,
formas, padrões, estratégias, entre tantas outras infinitas características.
Sua capacidade de prover diferenciações em suas estruturas, formando novos
corpos animados ou inanimados, está atrelada a necessidade de criação de
estratégias, que fundamentam sua sabedoria, conforme elucida Benyus (2003),
ao compreender a natureza como mentora.
Assim, seria o ser humano capaz de construir algo proveniente da complexidade
existente na natureza? Muitos consideram a complexidade como algo
irredutível, além da compreensão, um todo formado por numerosas partes mais
simples, ou de outra forma, que não é algo simples. E assim sendo, há quem
entenda a redução ou simplificação da complexidade algo fatal ou há quem
a considere (VASSÃO, 2010). Neste último caso, é entendido por nós quanto
aos designers, principalmente os que atuam em projetos biomiméticos. No
entanto, os resultados são variáveis, a depender de quem e como os encontrem,
e ainda mais, deve ser levado em conta o aspecto subjetivo desta ação, pois
qualquer tentativa de compreensão e atuação do real e sobre o real (natureza),
proveniente de um ato criativo, não pode ser considerado completamente
objetivo, assim como, os resultados são temporários e limitados (VASSÃO, 2010).
Portanto, apontamos aqui alguns conceitos de meios perceptivos com foco
no cenário complexo, levando em consideração uma atuação estratégica do
designer, a partir das relações encontradas entre o Metadesign e a Natureza,
no mundo complexo e para o mundo complexo. Sob a ótica da inspiração na
natureza, sabe-se que se trata de um tema bastante recorrente, principalmente
na atualidade, porém, de acordo com nosso entendimento, tais atuações podem
se robustecer com reforços relevantes em suas formas de abordagens, tanto
em processos quanto em ferramental, que podem vir a dar um ganho em tempo
e resultado, tendo cada vez mais a necessidade de sua abordagem e discussão
com maior intensidade.

1. ASPECTOS GERAIS [METADESIGN]


Ao retomar o questionamento feito acima, acerca da capacidade do ser humano,
acredita-se que o Metadesign seja uma possibilidade de atuação sobre um
mundo cada vez mais complexo, e que venha a dar suporte para as mais diversas
atividades a serem exercidas. A palavra de ordem que se contempla como
base estrutural dessa abordagem é: Estratégia. Através de ferramentas que
possibilitam gerir estratégias adequadas e capazes de originar um montante de
produtos com variações adequadas as necessidades a que se dedicam – neste
artigo, consideramos o conceito de Máquina Abstrata como tal, conforme
Vassão (2010) elucida e que será abordado mais adiante.
O termo Metadesign não é tão recente, sendo compreendido a partir da década
de 1960, pela definição de Andries Von Onck, em que se tratava em ser o
“processo de projeto do próprio processo de projeto” ou “projetar o projeto”
(VASSÃO, 2008; VASSÃO, 2010, p. 19; GIACCARDI, 2003, p. 2). Logo após, na

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
231
Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

década de 1980, o termo foi atribuído ao uso de tecnologias da informação, e


basicamente até o início do século XXI, Metadesign tem aparecido como uma
questão teórica ou uma metodologia operacional, porém isto é um conceito
isolado que não contribuiu com a produção em qualquer um destes campos de
atuação (GIACCARDI, 2005). Na verdade, segundo a tese realizada pela autora,
não existe uma única definição do que seja. No entanto, ela identifica que
várias áreas profissionais apresentem o seu uso de alguma forma, tais como:
Engenharia de Software, Design de Interfaces, Design da Informação, Design
Industrial, Sociotechnical Design, Biotechnological Design, Arte e Telecomunicação,
Estética Experimental e Arquitetura.
No que se trata do “projeto do processo de projeto”, Vassão (2008) faz
compreender que não se trata de uma abordagem direcionada a produtos
acabados, mas antes focada em projetar os processos. Desta maneira, não
implica no demérito da concretização de um produto, ou até mesmo, que o
Metadesign venha a se manter no nível de projetos de conceitos desmerecendo
a realização. Portanto, refere-se ao trato do projeto de processo como
uma criação/realização, da mesma forma que para um produto finalizado é
efetivamente dado aos processos de projeto.
Logo, é compreendido que Metadesign é uma cultura de design que emerge
do contexto das teorias do design atuais, mas não se trata de uma disciplina
estabelecida ou uma teoria coerente (GIACCARDI, 2003).
Em outro contexto, Vassão (2010, p. 21) aponta ao termo Metadesign, atribuindo
também a capacidade de “uma entidade projetar a si mesma”. Não está
associada a ideia de uma entidade abstrata gerar uma outra entidade abstrata,
mas criar uma entidade através dos parâmetros que estruturam a si mesma.
Para Vassão (2008) isto é considerado como a possibilidade máxima do que
possa ser o Metadesign e percebe-se algo similar apontado por Soddu (1989
apud GIACCARDI, 2005) quando considera a possibilidade da criação de um
elemento capaz de conter e gerar outro elemento. Com esta composição para um
sentido do termo, Vassão (2010) se apoia em Maturana e Virilio, compreendendo
que estas concepções estão associadas à Complexidade, e observa-se que
a depender do resultado desejado, o Metadesign se torna um conhecimento
transdisciplinar, tratando de diversos conceitos da biologia, política, emergência,
tecnologia etc. Adiciona-se a este conceito, a capacidade do Metadesign
influenciar na transformação do ser humano e da cultura, pois se trata de uma
investigação crítica e criativa (THACKER, 2002 apud GIACCARDI, 2005).
É salientado, tanto por Vassão (2010) quanto por Giaccardi (2005) que
Metadesign não se trata de um método ou uma nova metodologia. É tratado
como uma relação que gera, ou pode gerar, um diálogo entre um ou outros
métodos, sem redução destes enquanto ação, aplicando isto nas áreas do
conhecimento, projetos etc., assim como, pode-se dizer que está associada
como um desenvolvimento cultural no campo do projeto, viabilizado pelas
tecnologias da informação, que geram um quadro de processo criativo no
aspecto emergente e inventivo do mundo.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
232
Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

Diante deste contexto, observa-se no discurso dos autores um caráter relevante


quando se trata do usuário e as relações que existem no processo entre
Metadesign e estes. Para Giaccardi (2005) os comportamentos, as situações,
necessidades e tarefas realizadas pelos usuários não se caracterizam como algo
rígido e absoluto, havendo a possibilidade de previsão ou antecipação quando
em processo de design, pois normalmente são mal definidos e tem caráter
efêmero. Para a autora, os usuários devem estar envolvidos no processo. Esta
característica participativa é vista em diversas pesquisas acerca do tema.
Para Vassão (2010), o Metadesign apresenta característica de Emergência,
que circunda o conceito dado por Giaccardi. A falta de previsão e domínio desta
característica, pode vir acontecer com um objeto na complexidade e são bem
relevantes em seu discurso.
Sendo assim, Metadesign apresenta pontos cruciais, vistos por Giaccardi (2005)
após revisão de teorias e aplicações do mesmo, que para ela são: ao invés de
focar em objetos fixos e conteúdos, debruça-se sobre concepção de estruturas
e processos gerais; métodos e técnicas fluidas; ambientes de atuação que
possam evoluir; por fim, necessidade de um ambiente de atuação passível a
sistemas baseados em “processos que afetem e sejam afetados” mutuamente
e abertamente. Estes aspectos dialogam com os pontos vistos por Vassão
(2008, p. 204). Porém pode-se dizer que é feita uma leve crítica a autora, pois o
campo de visão dela está atrelado à emergência das mídias digitais, deixando de
mencionar a autoria de Van Onck na década de 1960, que tratava do Metadesign
associado a “metodologia de design integrada a processos industriais e de
gestão comercial”. Desta forma geraria uma abrangência maior no campo do
projeto, aproximando áreas como arquitetura e design industrial. Na percepção
de Vassão (2008), resumidamente, o Metadesign torna acessível conceitos de
modularização, níveis de abstração, níveis de complexidade, formalização em
si mesma e seus níveis, permitindo uma banalização dos processos; trata dos
projetos de processos e não especificamente de produtos; fundamenta-se ao
rigor informacional para projetar os processos dando caráter instrumental,
tendo a possibilidade de considerá-las como “máquinas que convertem
entidades formalizadas em um sistema em entidades formalizadas em outros
sistemas” (Ibid., p. 202).
Compreendemos, portanto, que em determinado nível de abstração e percepção
da natureza, é entendido que ela apresenta tais características, principalmente
no que tange ao conceito de máquinas, debruçadas sobre toda a gama de
espécies existentes nos ecossistemas. Portanto, se fez necessário aludir
a alguns pontos trazidos por Vassão (2010) quanto ao Metadesign e assim
apontar suas relações com a natureza.

2. METADESIGN E A NATUREZA
Se observarmos atentamente, é possível dizer que a forma que a Natureza
provém seus “designs” se assemelha com o Metadesign. Isto se dá pela forma
de percebê-la num nível em que apresenta em seu amplo catálogo de produtos
(sistemas naturais), nichos ou conjuntos de tipos de designs. Tomemos como

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

exemplo a flora nativa da caatinga, um bioma estritamente brasileiro. Ao


compreender que num ambiente semiárido, como o é encontrado na região
nordeste do Brasil, foi preciso a natureza gerar de alguma forma seus designs de
vegetais ou estratégias para tal, e assim sendo, a grosso modo, pode-se dizer
que uma das estratégias é a geração de espécies (designs) que se adequem ao
clima e contribuam na ecologia. Porém, mediante a complexidade com qual ela
trabalha, inúmeros tipos de designs foram lançados atendendo a estratégia
inicial, e cada qual, contém mais estratégias específicas em suas propriedades e
parâmetros, num processo ininterrupto com um fim ainda não observável (visto
o trabalho árduo da biologia), e desta forma, encontramos a diversidade entre as
espécies, famílias etc.
Levando em conta este pensamento, verificamos na teoria de Celestino Soddu
(1989) que o Metadesign está atrelado ao projeto de um DNA artificial, tão
como o é dado pela natureza, como fora visto acima. Para o autor o principal
objetivo é o design de “espécies de design”, em que o designer cria a estratégia
ou uma ideia executável, a partir da proposta de um código generativo, em que

Figura 1: Um bom exemplo para


ilustrar o conceito de Soddu
(1989) é a plataforma Nervous
System. O usuário tem acesso a
tipos de design (anéis, pulseiras,
colares, etc.), que podem ser
considerados como as espécies
de design, e pode manipular os
parâmetros para obter o seu
design preferido.
Fonte: https://n-e-r-v-o-u-s.
com/cellCycle/

o consumidor possa definir as realizações que queira com esta ideia, de acordo
com suas necessidades e possibilidades de aplicação. Assim, a ideia é vista como
uma semente capaz de gerar inúmeras variações manipuláveis e adaptáveis
a mudanças conforme as vontades do usuário, com caráter evolutivo assim
como o é na natureza. No contexto proposto aqui, entende-se que este “DNA
artificial” é reconhecido como a estratégia no espaço de possibilidades, sendo
ou fazendo parte de uma máquina abstrata, independentemente do nível de
abstração em que esteja. Ou seja, não se empenha em trabalhar um objeto
final individualizado, mas sim em trabalhar o projeto do processo a partir de
estratégias que permitam ter as características flexíveis conforme é dada ao
Metadesign. Que conduza ao projeto de vários outros produtos (sejam eles
finais ou não) seguindo características pertinentes ao desejado no resultado.
Desta forma, é possível vislumbrar uma gama de tipos de produtos provenientes

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

de uma estratégia generativa, da mesma forma que se observa na natureza a


diversidade das espécies como um conjunto de entidades complexas.
Assim, quando se busca compreender entidades de complexidade imensurável,
tal como a natureza ou uma cidade, como é abordada por Vassão (2010), faz-
se necessário mergulhar no conhecimento do maior número possível de seus
componentes em níveis mais baixos, porém não ficar somente aí, mas também
compreender níveis de maiores acúmulos e observar como um todo. O autor
elucida que um aspecto interessante é que o universo tende a se organizar
de uma maneira que em qualquer que seja a escala de complexidade em que
se esteja, haverá “entidades compreensíveis” (VASSÃO, 2010, p. 27), logo, ele
Máquinas abstratas
podem ser meta-cadeiras, aponta que vários filósofos e pensadores tomam isto como uma organização
meta-edifícios, meta-fontes, dada em camadas de complexidade, sendo consequência da representação,
meta-veículos, meta-florestas, percepção e conhecimentos do real, feitos pelo observador. De uma forma ou
meta-cidades, meta-objetos, ou de outra, isto ocorre de maneira natural e contribui para os profissionais da área
mesmo meta-espaços – dentre de projeto, quando buscam manipular os conhecimentos advindos de entidades
tantos outros agenciamentos
complexas, recorrendo aos níveis que lhe são afins e que são relevantes ao
que conectam tecnologia,
sociedade, cultura, percepção e resultado almejado.
cognição. Sua conformação não Podemos entender que isso seria uma técnica para lidar em tempo hábil com um
é absoluta ou definitiva – as
sistema complexo, por exemplo, sem que haja uma abordagem minuciosa dos
máquinas abstratas dependem
de quem as cria, e em que mais variados entes complexos que o constituem. No entanto, isto se relaciona
contexto são criadas. E seu com as interações existentes entre cada sistema, as integrações decorrentes de
funcionamento e consequências uma relativa independência das entidades em níveis menores. Neste contexto,
sequer são determinísticos (...). apontamos o termo Máquina Abstrata conforme a abordagem tratada por
Vassão (2010), onde ele toma as passagens por entre os níveis de abstração do
mundo complexo como representações, e alude à realidade da mesma forma,
com possibilidades de concretude. O que seria uma estratégia de projeto,
mantendo-o num âmbito representativo (abstrato), passível a mudanças
de acordo com as necessidades em níveis menores, ou se for necessário,
considerá-lo em níveis maiores, a depender da complexidade. Permitindo que
a entidade complexa seja existente por si só, pela característica ontológica
de determinar em certos níveis do que se trata tal sistema complexo. A partir
disto, é construído o entendimento do propósito do Metadesign, neste contexto
como uma estratégia auxiliar ao design, para abarcar todas as possibilidades, de
maneira que se adéque às mais variadas conotações existentes num projeto.
Concordando com Vassão (2010) aponta-se para a máquina abstrata, como
suporte de design para este cenário complexo e que leve em consideração as
interações e propriedades emergentes, que venham a contribuir como uma
estratégia para o design no mundo complexo, considerando todos os contextos
existentes neste núcleo, e que nos permita ter uma capacidade maior de
representação das estratégias aprendidas e verificadas nos sistemas naturais
como fonte de aprendizado para novos processos e projetos de design.
Para o autor, é uma manipulação de condicionantes no espaço de possibilidades
que é abstrato, que é gerado e controlado pelas regras, procedimentos, fórmulas
ou algoritmos. Sendo assim, ele elucida que a manipulação dos componentes

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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

dos procedimentos é um processo criativo tanto quanto a manipulação direta


dos objetos finais. Observa-se que a criação, manipulação e ajuste das Máquinas
Abstratas é uma atividade muito proveitosa nas áreas de Design, Arquitetura,
Urbanismo e Artes. Diz-se ser abstratas por se conectarem entre si, agenciando
a realidade, alterando a forma de influência entre as coisas concretas.
Portanto, é um conjunto de entidades que interagem entre si, formando
fluxos e conexões, gerando módulos, caixas-pretas e modelos, supridos por
conhecimentos variados de ordem técnica, científica, artística, entre tantos
outros, acompanhado de influência subjetiva, e principalmente, contextual,
tendo característica flexível – entidades manipuláveis e alteráveis – com fins de
obter resultados pautados numa estratégia norteadora (Figura 2).
De certa forma, pode-se dizer que dentro desses argumentos há uma
simplificação da complexidade, e o Metadesign tem seu papel neste contexto
quando está em perceber que a simplicidade (do real) é subjetiva mas
conforma uma realidade, que Vassão (2010, p. 16) atribui a ideia de “realidade
compartilhada” entre grupos, seja num trabalho, comunidade, online etc. Para
ele, o fato de reconhecer a realidade como uma representação do mundo, e que
é muito provável que não se alcance sua compreensão definitiva, torna-se um
objeto de trabalho, individual e/ou coletivo, onde neste último caso, acaba por Figura 2: Este modelo
ser outro processo que constrói uma “realidade comungada”. Aí, enxerga-se é resultado de uma
um ponto de apoio para o designer, de como a conformar o Metadesign tal qual particularidade alcançada por
suporte a contextos no tocante aos objetos do cotidiano. esta pesquisa no intuito de
obter Máquinas Abstratas,
No quadro da Cultura de Projeto ou da projetação inserido na complexidade, ele dá a liberdade ao designer
pode-se compreender e localizar, seja no espaço físico ou não, o conjunto em se situar na fase que
das entidades complexas, que formam um todo complexo, categorizados e convier e trabalhar nela com
independência, de maneira
estabelecidos pelas suas conexões ou relações, em níveis de hierarquias ou em
cíclica e sem ordem inicial.
níveis colaborativos. Isto, em camadas menores ou maiores de abstração, dando Cada fase tem a capacidade
margem ao entendimento dos processos existentes na complexidade em que de gerar resultados diretos,
nos encontramos (VASSÃO, 2010). Quando se trata de atuação neste panorama, seja a partir da investigação,
para o autor abordagens do gênero top-down para construção de modelos e/ou da geração ou do ambiente
ontologias, tendem a apresentar pouca inovação – que implica em projetos com de possibilidades. No entanto,
as três fases podem se
altos níveis de abstração independente das implicações (o que existe ou existirá)
comunicar e se complementar,
em níveis mais baixos, estes que por sua vez, são mais concretos e específicos. Em gerando um respaldo
contrapartida, numa abordagem oposta, projetos do gênero bottom-up tendem a maior aos resultados. FASE
ser mais inovadores, em que entidades são construídas ocorrendo suas abstrações INVESTIGAÇÃO: Relativa ao
de maneira gradual, resultado das consequências de relações concretas, ou seja, conhecimento e embasamento
a entidade vai sendo utilizada ao que é necessário e tomando cada vez mais níveis científico e teórico do projeto;
FASE GERAÇÃO: Correlata
de complexidade, a depender da forma de uso e aplicação que lhe é atribuída.
a criatividade, com uso de
Desta forma, pode-se fazer uma relação no ponto que toca a natureza técnicas criativas; FASE
quando em seus elementos ou entidades são substanciais para a construção AMBIENTE DE POSSIBILIDADES:
Considera-se os meios de
de novas entidades, partindo de níveis de abstração menos complexos,
manipulação das entidades
tentando compreender determinadas estratégias contidas nas mais variadas que geram a máquina abstrata
manifestações dos sistemas naturais. Portanto, compreende-se que este – softwares são um bom
caminho seja o mais razoável para a consolidação de um resultado proveitoso exemplo.

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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

e alinhado com as características de um mundo imerso na complexidade,


sendo assim, é preciso compreender como atuar e agir nesse mundo complexo,
principalmente com o objetivo de obter novos designs, e para isso, entendemos
que as ferramentas computacionais são essenciais para o desenvolvimento de
projetos nesse âmbito.

3. MEIOS DIGITAIS SÃO O MEIO


Ao mostrar conceitos de complexidade e a relevância de sua compreensão,
aponta-se para os meios digitais como o principal meio de atuação, pois
cada vez mais a Cultura de Projeto se alastra neste âmbito, o que consolida a
“Computação Ubíqua”. Além disto, não seria coerente discordar de Vassão (2010)
quanto ao fato de conhecer a complexidade que permeia este quadro, permite
com que o design seja uma potência política e engajada, através de éticas de
colaboração e produção, fortalecendo a cultura e as sociedades, estando diluído
por todo o meio social. Portanto, o Metadesign se estabelece como um ponto
chave na realização da Cultura de Projeto, inserida na complexidade, a partir
do momento que se fundamenta em todo o conhecimento necessário para se
projetar num ambiente complexo.
No campo do design gráfico e industrial, particularmente, segundo Giaccardi
(2005) Metadesign está primeiramente atrelado a ideia de projetos de alto
nível, cujos trabalhos são assistidos por computador. Neste sentido, os objetos
computacionais têm estruturas discretas que permitem que suas partes sejam
facilmente acessadas, modificadas e substituídas por outras, portanto, não
são fixas e absolutas, o que permite serem manipuladas e geradas sem estar
projetando diretamente sua forma. Seguindo este pensamento, De Kerckhove
(1995 apud GIACCARDI, 2005) entendia Metadesign como uma qualidade das novas
formas de artes que emergiam na Web em seus primeiros anos, e o tratava como
um tipo de projeto que concebe aos usuários a ferramenta no lugar do objeto de
design, e que se atém na definição das condições para o processo de interação – ao
que compreendemos como uma estratégia – em vez de focar no próprio processo.
Porém, mais adiante é tratado em outra publicação sua que o Metadesign é um
Figura 3: Steven Johnson modelo de projeto mediado pelo meio digital, ao invés de uma qualidade emergente
em sua obra Emergência: a
de projeto promovida pela arte experimental. Logo, há uma flexibilidade infinita na
vida integrada de formigas,
cérebros, cidades e softwares adaptação do produto industrial, quando permite inúmeras opções diferentes a
pela editora Zahar (2003) serem escolhidas pelo usuário final, que por sua vez, assume o projeto final. Desta
faz alusão aos sistemas maneira, entende-se o Metadesign como uma estratégia que gera ferramentas,
complexos adaptativos com parâmetros e condições operacionais para o projeto (GIACCARDI, 2005).
comportamento emergente a
partir da auto-organização. São Outro ponto a se destacar é a posição do usuário como consumidor, pois é um
sistemas bottom-up, em que ator proativo, porém, elucida Giaccardi (2005) que Soddu (1989) não questiona o
os agentes de escalas menores, papel do usuário como designer. Quando se reporta a evolução, não se refere as
produzem comportamentos consequências da participação do usuário no processo de projeto, mas somente
em escalas acima das deles:
da execução de uma notação, portanto, a “semente” só pode ser manipulada pelo
cérebros e cidades (mapa de
Hamburgo, c. 1850) são um
designer. Quanto a isto, remete-se ao entendimento, já visto aqui, que Giaccardi
exemplo. (2005) e, principalmente, Vassão (2010) dá ao tratar do aspecto de Emergência
FONTE: Jhnson (2003) encontrado nos objetos de um cenário complexo. Entende-se que mesmo não

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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

podendo haver o controle das emergências geradas pelo produto no cenário de Figura 4: Exemplo do uso do
complexidade em que se insere, o designer deve considerar a capacidade de um Design Paramétrico associado
sistema se auto-organizar com o passar do tempo. Para Vassão (2010) esta a inspiração na natureza.
característica está associada aos seres vivos, ou seja, a natureza. A Arquiteta e Designer Neri
Oxman, estuda a interseção
4. METADESIGN E DESIGN PARAMÉTRICO entre o design computacional,
fabricação digital, ciência dos
Fazendo mais sentido ao propósito do design na complexidade, Vassão (2010) matérias e biologia sintética.
reafirma a condição do uso de meios digitais. Ao abordar o uso de algoritmos, ele Gemini é uma “chaise acústica”,
cria uma relação estrita entre o projetista e o uso da computação, tomando estes executada em processos
computacionais e fabricação
digital, feita de madeira maciça
no formato de concha e uma
intricado revestimento celular
composta por um material que
absorve o som.
Fonte: http://neri.media.mit.edu/

algoritmos como uma máquina, ou elemento desta, pois, ela define de fato, e
cria parâmetros para os projetos. Este ambiente de atuação, delimitado por
regras e condicionantes, fórmulas etc., seria o que o autor chama como espaço
de possibilidades, que o designer tem dentro da projetação na complexidade.
Há uma compreensão dentro do Design, Arquitetura e Arte que o processo
computacional é um intermediário procedimental na criação de entidades, que
por sua vez geram um programa completo, como também, considera instruções Figura 5: Mushtari, se trata de
isoladas através de pacotes de softwares que dê determinadas operações, tais uma impressão 3D baseado
na função e forma do trato
como Photoshop (imagem), Illustrator (vetor), Rhinoceros (CAD) etc.
intestinal, foi idealizado
Ainda dentro do contexto, observa-se o Design Paramétrico, mais difundido para consumo e digestão
em projetos de arquitetura do que design de produto, porém vem tomando de biomassa. Nos trechos
translúcidos há movimentos
proporções maiores nesta área a cada dia. Com ele, utiliza-se de softwares CAD
peristálticos da matéria,
(Computer Aided Design) que trabalhem com algoritmos generativos e por meio de que suportam o fluxo de
parâmetros, sejam estes de qualquer ordem, mas que estejam fundamentados, cianobactérias, convertendo luz
pois ajudam a grupos de designers e arquitetos utilizar a computação como um do dia em sacarose consumível.
processo, e não mais uma mera representação do objeto final. Pode-se alterar Fonte: http://neri.media.mit.edu/

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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

profundamente o sentido do projeto, de acordo com as entidades (parâmetros)


que completam a complexidade do projeto.
Novas formas e formatos são criados por processos generativos baseados
em vários conceitos, onde entre eles está o design paramétrico (KOLAREVIC,
2003). Portanto, diz o autor, ao invés de modelar uma forma externa, designers
articulam com uma lógica generativa, promovendo uma gama de possibilidades
com rapidez, ao qual o designer seleciona a mais viável ao desenvolvimento. Em
decorrência da ascendência do uso de ferramentas flexíveis para sistemas CAD,
o Design Paramétrico está se tornando o principal meio para o sistema CAAD
(Computer Aided Architectural Design), pois facilita a possibilidade de variações no
projeto com rapidez (HERNANDEZ, 2006).
Assim, pode-se afirmar que Design paramétrico implica o uso de parâmetros
para definir uma forma, quando o que está em jogo é a utilização de suas
relações (MONEDERO, 2000; HERNANDEZ, 2006). Segundo Kolarevic (2003) há
uma quebra na tradição e normas de projetar, em que as formas digitalmente
geradas não são mais desenhadas ou projetadas no entendimento convencional,
elas passam a ser calculadas pelo meio computacional em que foi escolhido.
Nós entendemos que há uma “programação” da forma. Conforme Vassão (2010)
ele trata este tipo de articulação como gerativa, algorítmica ou procedimental,
que estão ligadas a busca de uma produção indireta, através de instruções
estabelecidas convertendo-se em entidades visuais, sonoras, espaciais,
plásticas etc. Para o autor, é primordial a verificação das entidades que geram
os possíveis resultados finais, e seu caráter de criação indireta está ligada a
funcionalidade dos algoritmos ou da programação trabalhada.
Para Hernandez (2006, p. 310, tradução livre) Design Paramétrico é “o
processo de criação em ambiente onde as variações do projeto são facilitadas,
substituindo assim, a singularidade com multiplicidade no processo de design.
”. Continua o autor afirmando que há necessidade de um pensamento rigoroso
por parte do designer, pois se trata de um processo difícil devido à natureza
imprevisível do processo de design. Deve-se buscar a construção de uma
estrutura geométrica com sofisticação, inclusa num modelo complexo. Este
deverá ser flexível suficientemente a ponto de sofrer variações. Portanto, o
designer precisa definir que tipos de variações ele pretende explorar a fim de
determinar as variações que o modelo parametrizado possa fazer.
Esta preocupação relativa à posição do projetista frente a estratégia a ser
manejada corrobora com o pensamento de Vassão (2010) em se tratar do
quesito ferramental, pois que se faz apropriado para o maior controle possível
da execução de um metaprojeto no contexto da complexidade. E quanto a
isto, o autor propõe ferramentas e técnicas operacionais, sendo descritas
e problematizadas por ele, estando associadas diretamente a percepção e
cognição. Como bem define através do conceito empenhado por Deleuze e
Guatarri, o autor cita que as ferramentas são “ideias que são máquinas, que
podem ser diretamente operacionalizadas no cotidiano e dotadas de potência
criativa” (Ibid., p. 15). Dentre as múltiplas ferramentas apresentadas, identifica-

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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

1 
Grasshopper é um plug-
in apropriado ao design
se algumas que se fazem presentes, tanto em conceito como em prática, no paramétrico do software de
desenvolvimento de uma estratégia gerada através do parametricismo no modelagem 3D em NURBS –
espaço de possibilidades do software Grasshopper1. Rhinoceros.

Desta forma, a partir do conceito das entidades abstratas, ou neste caso


parâmetros, percebe-se o quanto o Design Paramétrico tem em comum com
o Metadesign. Mais ainda quando se verifica a diferença na parte projetual em
que não se dedica somente a um resultado já elaborado e concreto, porém,
em associações das entidades que compõem a estratégia como modelo de
elaboração da concretude do que pode estar a vir a ser.

4.1 Ferramental e Grasshopper
Segundo Vassão (2010) o Metadesigner pode ser auxiliado pelas seguintes
ferramentas: Abstração, Diagramas, Procedimentos e Emergência. De acordo
com seus conceitos visto anteriormente, elas se subdividem em vários aspectos
conforme elucida o autor. Trataremos aqui somente as que identificamos no
percurso dado pela experiência de uso com o software Grasshopper durante o
ano de 2015 em que estive imerso na pesquisa para a dissertação de Mestrado
em Design. A isto pode-se entender de maneira genérica o funcionamento do
software, e ao mesmo tempo, associar o que se designa com tudo o que vimos
até aqui, que é unir o conhecimento complexo existente na natureza com o
ambiente propício a modelagem de uma estratégia – um meta-objeto.
Como forma de exemplificar a relação entre o metadesign e a biomimética,
iremos usar como exemplo um projeto realizado através de uma vasta pesquisa,
sendo parte dela o resultado de um workshop desenvolvido com alunos do
curso de Design da UFPE (Caruaru-PE) que contou com o auxílio do BI/OS
(startup em Arquitetura e Design). A inspiração foi o tecido parenquimático de
Cereus Jamacaru DC., mais conhecido como Mandacaru. A proposta do workshop
foi de obter estratégias sem recorrer ao desenvolvimento de um produto
final materializado, de modo que a estratégia possa ser adequada ao seu uso
numa máquina abstrata. Nesse caso, se trata de uma Superfície que retém
e armazena água da umidade do ar e da chuva, aplicada num equipamento
urbano.

Ao se tratar de Abstração, alguns conceitos já foram citados, direto ou indiretamente


neste capítulo, tais como níveis de abstração, caixas-pretas, camadas, número e

Figura 6: Exemplo da
interface dos componentes no
grasshopper
Fonte: autor.

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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

escalas de complexidade, no entanto, cria-se uma atenção maior para algumas de


suas subdivisões: Encapsulamento, Modelo e Máquina Abstrata.

Por Encapsulamento é compreendido como o isolamento em uma “cápsula”


de “um conjunto funcional que se conecta a outros conjuntos” (Figura 1), e
cada dispositivo encapsulado gera uma caixa-preta, ou seja, uma abstração
generalizada num único elemento de um conjunto de entidades cujo conteúdo
não pode ser visualizado (VASSÃO, 2010, p. 31). De uma forma mais palpável,
utiliza-se o exemplo de um automóvel, que é um dispositivo (carro) que
encapsula diversos outros dispositivos (marcha, motor, freio etc.), permitindo
uma pessoa leiga controlá-lo mesmo sem conhecimentos específicos das
técnicas e das manifestações das ciências que fundamentam o artefato e
seus subdispositivos. No entanto, ainda aí há a necessidade do motorista ter
conhecimentos prévios de manejo da aparelhagem do automável. Em outra
forma de se perceber o Encapsulamento, utilizando-se do mesmo exemplo,
percebe-se o automóvel como um subdispositivo do sistema urbano com seus
outros variados dispositivos. Além disto, o autor cita que a partir desse processo
de abstração, ocasionando as cápsulas, se obtém o que ele indica por Módulo,
e que se trata de “um componente de um sistema que tem seu funcionamento
previsto e controlado” (VASSÃO, 2010, p. 32). E completa que os módulos se
caracterizam por apresentar sua configuração resumida em inputs e outputs,
sendo estes, qualquer entidade que relacione dois módulos entre si.

No Grasshopper, há encapsulamentos nas entidades comumente conhecida por


Componentes. Cada componente pode ser considerado como um módulo pois
carrega uma programação que tem um resultado específico, mas sua apresentação
ao usuário é dada como uma cápsula. O fato dela conter inúmeros parâmetros de
programação, que aparentemente não importa ser visto, porém primordial para o
funcionamento, faz com que cada componente seja uma caixa-preta pelo grau de
abstração dado pela sua existência através de um único nome, normalmente de
acordo com o comando a ser executado, como por exemplo: Fillet, Explode, Point,
entre tantos outros. Fazendo uma analogia, tanto visual quanto conceitual, observa-
se uma similaridade do que é tratado por Vassão (2010) no software (Figura 7).
Portanto, sobre este instrumental em específico, é visto como uma das
mais constantes manifestações da cultura industrial e produtiva pelo fator
organizacional, controle e cognição que lhe é próprio (VASSÃO, 2010).

Figura 7: Encapsulamentos de
dispositivos em escala gradual,
gerando caixas-pretas
Fonte: Vassão (2010).

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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

Outra ferramenta dada pelo autor é elencada pela denominação de Modelo.


Ele assume a característica de fluxo de entidades, formado por um sistema
de conexões e/ou operações, como um mecanismo. Está intrinsicamente
relacionada a análise da existência de uma entidade, ao qual o autor aborda
pela denominação Ontologia, que por sua vez é vista como um raciocínio que
define os limites para que a entidade seja real ou não. Para o autor, Modelos
“são ontologias consideradas como objeto de projeto, de criação e manipulação,
e não como um dado anterior, absoluto e imutável” (VASSÃO, 2010, p. 37).
Ainda conforme o autor, um Modelo pode ter característica hierárquica ou de
organização funcional – módulos funcionais que indicam fluxos. Nesta pesquisa,
apropria-se deste conceito de modelo para fundamentar a forma de percepção
de uma Estratégia. Para tal, entende-se como sendo a união de elementos
que a fundamentam, e que há a necessidade do entendimento de seus fluxos e
conexões, propiciando gerar os limites de maneira que atinja o âmbito do real.
Em outras palavras, verifica-se que numa representação que contenha
uma série de entidades conectadas, com características de Módulos,
Encapsulamentos e Caixas-pretas, permitindo visualizar o que seria o Modelo
de uma possível estratégia num espaço de possibilidades que ocorrem, por
exemplo, em um software, e neste caso ressalta-se o Grasshopper, como pode
ser visualizado na Figura 8. Figura 8: À esquerda um
modelo da estratégia de
Ainda no contexto da Abstração, apresenta-se a Máquina Abstrata como uma estrutura (à direita)
integrante do ferramental a ser utilizado pelo designer. Sua criação e manipulação biomimética baseada no tecido
é considerada por Vassão (2010) como a principal ação do Metadesign como já parenquimático do Cereus
Jamacaru DC. (Mandacaru).
Fonte: Autor

vimos anteriormente. Portanto, associa-se à importância do controle da estratégia


a ser elaborada, tendo flexibilidade para a manipulação de suas entidades
promovendo inúmeros resultados, sem necessariamente alterarem a ontologia
da estratégia (Figura 9). Salienta-se que este processo não se limita nem se deixa
limitar, pela própria característica evolutiva das Máquinas Abstratas, da mesma Figura 9: A manipulação de
algumas diretrizes do modelo
forma que no software Grasshopper, a utilização dos componentes pode ser
supracitado permite uma
considerada infinita, já que sua finalização vai depender puramente do projetista. variação instantânea no
Em conformação com a proposta do projeto, a complexidade do resultado desenvolvimento do artefato.
Na figura é possível aumentar
e consequentemente sua eficiência, vai estar dependente de quem está
ou dividir a quantidade de
manipulando o software. Portanto, salienta-se que para as estratégias a serem “divisões celulares”, manejando
executadas e a geração de sua máquina abstrata sempre será realizada como a máquina abstrata.
uma dentre inúmeras possíveis formas de programação para se alcançar os Fonte: Autor

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

resultados pretendidos. Com isto, o próprio processo de execução se relaciona


com a atuação do metadesigner. Em primeira instância, quando o responsável
pelo uso do software cria o seu processo, ou seja, o processo do processo, já que
conforme esta pesquisa não se lida com um resultado final em nível concreto,
mas em estratégias que podem surgir inúmeras possibilidades de resultados,
e assim sucessivamente. A isto também se adéqua ao pensamento de Soddu
(1989) quando busca viabilizar o projeto a partir de um código generativo,
reconhecido por DNA artificial, formando as “espécies de design”. A programação
resultante é um código generativo, ou melhor dizendo, uma máquina abstrata
que permite gerar variados tipos de design – ou espécies (de design).
Na tentativa de exemplificar este conceito através do Grasshopper, iremos utilizar
o exemplo dado ao Modelo, ao qual verifica-se que nas estruturas apresentadas,
segue-se o padrão hexagonal conforme a proposta pré-estabelecida pelo
grupo de designers deste projeto, no entanto, é possível adicionar um script
com componentes do software Grasshopper que permitem uma adequação
estética ao que é encontrado na natureza, associando aos exemplos do tecido
parenquimático obtidos por Rattes (2013). Assim sendo, optou-se por explorar
este fundamento, para exemplificar com mais relevância a capacidade que as
Figura 10: Estrutura modificada máquinas abstratas têm quando se manipula suas entidades e não se altera sua
quanto à forma – mais proposta, tendo o espaço de possibilidades aberto. (Figura 10).
orgânica – com algoritmos que
simulam divisões celulares,
Levando em conta a máquina abstrata gerada sendo configurada por suas
mantendo a estratégia original. entidades manipuláveis, quando se trata de sua aplicação a um espaço de
possibilidades ela permanece com esta característica, o que implica dizer
que não perde sua qualidade de máquina. Isto é concebido devido ao caráter
paramétrico do software, ou seja, da ferramenta para o design paramétrico.
Sendo assim, considerando os parâmetros que formatam as entidades
constituintes da máquina abstrata, e tendo em vista que as diretrizes projetuais
são a base para sua constituição, portanto, elas são consideradas como o
guia para se criar o script – arranjo de componentes do Grasshopper que tem
a capacidade de geração de representações. Assim, é possível, através de
encapsulamentos identificar as diretrizes como parâmetros no espaço de
possibilidades que geram o resultado final.
A este sentido visa o papel do designer, pela abordagem de Van Onck, quando
diz que o Metadesigner “projeta não necessariamente o objeto final, mas sim
um objeto intermediário, o qual torna-se referência, máquina, mecanismo
ou procedimento que, por sua vez, realiza o objeto de projeto” (VASSÃO,
2010, p. 60). Para o autor, a coleção de objetos abstratos – podendo ser
regras, instruções, declarações ou agenciamentos, sendo formais ou lógicos
– fundamenta este objeto “intermediário”. A isto, observa-se conforme as
características do Metadesign, visto anteriormente, dadas por parâmetros
de “procedimentos, indicações, norteamentos, fórmulas, formulários, regras
e determinações” (ibid., p. 60). Salienta-se que no contexto do Grasshopper é
possível considerar a atuação no espaço de possibilidades como uma forma
infinita, deixando a cargo do metadesigner decidir quando está suficiente.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
243
Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

Em função disto, uma estratégia iniciada pode adquirir novas diretrizes ou ter
alguma retirada, ocasionando novas aplicações e novos direcionamentos para o
script iniciado, ou melhor dizendo, paro o DNA Artificial iniciado. Em função disto,
uma estratégia iniciada pode adquirir novas diretrizes ou ter alguma retirada,
ocasionando novas aplicações e novos direcionamentos para o script iniciado, ou
melhor dizendo, paro o DNA Artificial iniciado (Figura 11 e 12).
Logo, no contexto do Metadesign, fica claro que as máquinas abstratas podem
ser direcionadas para a atuação em níveis de abstração mais próximo da

Figuras 11 e 12: As células na


superfície, são revestidas com
uma película e uma estrutura
metálica que sofrem uma
deformação gravitacional para
auxiliar no caimento da água
conforme a sua horizontalidade
(convexo) ou verticalidade
(côncavo). Para isto, foi
realizada uma programação
contendo algumas regras
dentro do espaço de
possibilidades, gerando uma
série de entidades formando
um componente capaz de
realizar as deformações
levando em consideração o
vetor Normal (perpendicular
à superfície) de cada célula.
Considera-se que estrutura
metálica gere calor suficiente,
para que na mudança de
temperatura (dia para noite)
capte água da umidade do ar,
e percorra a película até a base
da superfície.

concretude facultando ao metadesigner a domínio e a escolha do resultado, ou


até mesmo, em conjunto com o usuário estabelecer o que for necessário e obter
o resultado que almeja.
Através deste recurso é possível automatizar o processo, ganhando em
condições favoráveis sobre a necessidade do envolvimento de um ser humano
como operador e articulador. Sendo assim, nota-se que se trata de uma
abordagem procedimental, em que são associadas e utilizadas diretrizes ou
instruções a fim de se obter entidades no campo a que se projeta. Neste caso,
observa-se a capacidade da abstração, e ainda, de manter o design como uma
máquina abstrata, passível a verificações e modificações, dentro do espaço
de possibilidades, tal como a natureza executa sua criação em evolução,

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
244
Metadesign & Natureza: Máquinas Abstratas para a Biomimética

gerando as mais variadas formas de manifestações na concretude. Como


visto anteriormente, sistemas CAD auxiliam a concretude em ambiente virtual,
como fora verificado através do software Grasshopper, possibilitando a ação
conjunta do Metadesign e Design Paramétrico focados em soluções obtidas pelo
conhecimento das estratégias da Natureza – Biomimética.

REFERÊNCIAS
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GIACCARDI, Elisa. Principles of metadesign: processes and levels of co-creation in the new design space.
2003. Tese de doutorado apresentada à Universidade Plymouth. Disponível em: https://pearl.plymouth.
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GIACCARDI, Elisa. (2005). Metadesign as an emergent design culture. In: Leonardo, 38:2. Disponível em:
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RATTES, Rafael. Mandacaru Um principio pro-design. Monografia (Bacharel), UFPE, CAA. Design. 2013
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VASSÃO, Caio Adorno. Arquiterura livre: complexidade, metadesign e ciência nômade. Tese de
Doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2008.
VASSÃO, Caio Adorno. Metadesign: ferramentas, estratégias e ética para a complexidade. São Paulo:
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VETTORETTI, Ana Claudia. Bancos para ler e converser: parâmetros de projeto para sistema de design
generativo. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Engenharia e
Faculdade de Arquitetura, Porto Alegre, 2010.

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FUNDAMENTOS, TEORIAS E
ASPECTOS METODOLÓGICOS
DISCIPLINARES APLICADOS NA
BIÔNICA E BIOMIMÉTICA

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SOBRE OS AUTORES
Felipe Luis Palombini | felipe.palombini@ufrgs.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8680770694335530
Doutorando e mestre em Design pelo Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (PGDesign/UFRGS), e graduado em Design de Produto (UFRGS). Foi professor substituto no curso de
Desenho Industrial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e ministrou curso de extensão para alunos de
pós-graduação (UFRGS) sobre Microtomografia Computadorizada de Raios X (µCT), Análise por Elementos Finitos
(FEA) e Prototipagem Rápida. Realiza pesquisa em Design de Produto, nas áreas de biônica, seleção de materiais,
análise por elementos finitos, anatomia vegetal e análise estrutural de materiais naturais.

Wilson Kindlein Junior | wilsonkindleinjunior@gmail.com


Lattes: http://lattes.cnpq.br/7277709797105149
Professor titular do Departamento de Materiais da UFRGS. É bolsista de Produtividade em Pesquisa nível PQ-1A
do CNPq. É professor orientador do Programa de Pós-Graduação em Design – PGDesign/UFRGS (CAPES 5) e do
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas, Metalurgia e de Materiais – PPGE3M/UFRGS (CAPES 7).
Foi coordenador do Laboratório de Design e Seleção de Materiais (LdSM/UFRGS) de 1998 até novembro de 2017.
É pós-doutor em Design Industrial (França) e doutor na área de Engenharia dos Materiais, com experiência desde
1990 na área de design e seleção de materiais e com experiência industrial.

Branca Freitas de Oliveira | branca@ufrgs.br


Lattes: http://lattes.cnpq.br/3674155253307052
Professora associada do Departamento de Design e Expressão Gráfica da UFRGS. É bolsista de produtividade em
pesquisa do CNPq nível 2. Possui pós-doutorado (UFRGS), doutorado, mestrado e graduação em Engenharia Civil
(UFRGS). Tem experiência nas áreas de Engenharia Civil e Mecânica, com ênfase em Mecânica das Estruturas,
atuando principalmente nos seguintes temas: novos materiais, materiais compósitos, elementos finitos, modelos
constitutivos, falha, envelhecimento, dano, viscoelasticidade e plasticidade.

Jorge Ernesto de Araujo Mariath | jorge.mariath@ufrgs.br


Lattes: http://lattes.cnpq.br/6022200145144346
Professor titular do Departamento de Botânica da UFRGS. É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq nível
1C do CNPq. Foi diretor do Instituto de Biociências da UFRGS e é coordenador do Laboratório de Anatomia Vegetal
(LAVeg/UFRGS) desde 1977. Possui doutorado em Ciências Biológicas (USP), mestrado em Botânica (UFRGS) e
graduação em Ciências Biológicas (UFRGS). Tem experiência na área de Botânica, subárea Morfologia Vegetal, com
ênfase em Anatomia e Embriologia Vegetal, atuando principalmente nos seguintes temas: Rubiaceae, Aquifoliaceae
(Ilex paraguariensis), Leguminosae, Bromeliaceae, Passifloraceae e Iridaceae.

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Materiais e Biônica: sob a Ótica da Análise
de Elementos Finitos Baseada em Imagens
de Microtomografia de Raios X
Materials and Bionics: from the Viewpoint of Finite
Element Analysis based on X-Ray Microtomography
Imaging
Felipe L. Palombini | Wilson Kindlein Junior | Branca Freitas de Oliveira | Jorge E. Araujo Mariath

Resumo
Os materiais naturais apresentam diversas propriedades de grande interesse para aplicações em
design e engenharia, bem como para projetos baseados no estudo de biônica. Essas propriedades
derivam de sua microestrutura, a qual é composta por um complexo arranjo morfológico. Este
capítulo aborda as possibilidades da combinação de duas técnicas avançadas para o estudo desses
materiais: a Análise por Elementos Finitos (FEA) e a Microtomografia de Raios X (µCT). As técnicas são
exemplificadas através da realização de uma simulação 3D de um ensaio mecânico na microestrutura
parenquimática do bambu. A combinação de técnicas resulta em uma análise tridimensional de alta
resolução, não invasiva e com alta precisão morfológica, levando a um grande potencial para um
melhor entendimento da funcionalidade microestrutural dos materiais naturais.
Palavras-chave: Biônica; Design & Tecnologia; Materiais naturais; Bambu.

Abstract
Natural materials have several properties of great interest for design and engineering applications, as well
as for projects based on the study of bionics. These properties derive from their microstructure, which is
composed of a complex morphological arrangement. This chapter discusses the possibilities of combining
two advanced techniques for the study of these materials: Finite Element Analysis (FEA) and X-ray
Microtomography (µCT). The techniques are exemplified by performing a 3D simulation of a mechanical test
on the parenchymatic microstructure of bamboo. The combination of techniques results in a high-resolution,
noninvasive, and three-dimensional analysis with a high morphological accuracy, leading to a potential for a
better understanding of the microstructural functionality of natural materials.
Keywords: Bionics; Design & Technology; Natural materials; Bamboo.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Materiais e Biônica: sob a Ótica da Análise de Elementos Finitos Baseada em Imagens de Microtomografia de Raios X

1. INTRODUÇÃO
Os materiais naturais foram os primeiros a serem explorados pelo homem em
diversas situações, de pequenos utensílios à construção de residências (ASHBY,
2012). Desse modo, parte de suas vantagens surge exatamente de sua grande
versatilidade e disponibilidade. Um mesmo material, como uma determinada rocha
por exemplo, pode ser atualmente utilizado de diversas formas: desde atributos
estruturais, como elemento de construção; estéticos, como em rochas ornamentais,
e até funcionais, como lã de rocha em aplicações de isolamento térmico e acústico.
A flexibilidade de aplicações torna os materiais naturais úteis em diversas
indústrias. Entretanto, as grandes responsáveis por suas bem-sucedidas
aplicações são suas múltiplas propriedades constitutivas (ASHBY; JOHNSON,
2011). Da suavidade ao toque do couro, da resistência e conforto das fibras
de algodão (tricomas), ao isolamento termoacústico da cortiça (felema)
vista na Figura 1, as características dos materiais naturais são de tal modo
surpreendentes que, além de serem diretamente empregadas, têm sido
estudadas a fim de buscar meios de melhorar as ideias de projeto, através
do estudo de biônica (KINDLEIN JÚNIOR; GUANABARA, 2005; RAVEN; EVERT;
EICHHORN, 2013). Assim, é possível destacar o desenvolvimento industrial de
materiais sintéticos que, em sua concepção, foram também bioinspirados, como
por exemplo, tecidos de poliuretano (PU), fibras de poliéster (PSF), bem como
rolhas de polipropileno expandido (EPP).
Figura 1: A cortiça, proveniente Dentre os materiais naturais mais antigos utilizados pelo homem, bem como com
da casca do sobreiro (Quercus
maior complexidade microestrutural encontram-se muitas plantas (LESKO, 2012).
suber) é um material com
extraordinárias propriedades Os materiais vegetais possuem diversas propriedades mecânicas interessantes,
de isolamento. como resistência à tração e à flexão, baixa densidade, isolamento térmico, entre
Fonte: Autores. outros, as quais são derivadas de sua anatomia. E são essas propriedades
que os tornam objetos de grande interesse industrial e científico, como para
projetos de biônica. Contudo, um melhor entendimento de sua microestrutura e,
consequentemente, de suas propriedades, pode ser alcançado com a utilização do
estado da arte em tecnologias 3D não invasivas e de alta resolução. Este capítulo
aborda a combinação das técnicas de microtomografia computadorizada de raios
X com análise por elementos finitos, apresentando as tecnologias bem como os
potenciais científicos de seu estudo em materiais vegetais.

2. DO MACRO DESEMPENHO À MICRO COMPLEXIDADE


Muitas das grandes semelhanças entre materiais naturais e materiais
poliméricos sintéticos, como destacado nos exemplos de aplicações diretas e
bioinspiradas, encontram-se na sua característica fundamental: a repetição de
padrões na escala micro, levando a propriedades na escala macro. Nos polímeros
sintéticos, expressão derivada do grego de muitas (πολύς ou “polús”) partes
(μέρος ou “meros”), sua fabricação ocorre com a formação de macromoléculas,
como o polietileno, a partir de ligações químicas de moléculas menores, como o
etileno (LESKO, 2012). Já nos polímeros naturais, como também são conhecidos,
essa repetição de elementos menores ocorre de forma mais complexa e
sofisticada (GIBSON; ASHBY; HARLEY, 2010). Em madeiras, por exemplo, a

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Materiais e Biônica: sob a Ótica da Análise de Elementos Finitos Baseada em Imagens de Microtomografia de Raios X

organização do lenho (tecido de espessamento denominado xilema secundário) é


constituída de diferentes períodos de crescimento (anéis anuários), os quais são
compostos por células lenhosas (lignificadas) que, por sua vez, possuem paredes
celulares divididas em camadas, contendo diferentes orientações de microfibras
(fibrilas de celulose), alongadas e espiraladas (SCHULTZ, 1972).
Além da reprodução uniforme e sistemática de padrões micro- e nanométricos,
os materiais naturais tornam-se ainda mais fascinantes ao avaliar as variações
inteligentes dessas disposições. Ossos com características trabeculares como
o interior do fêmur, por exemplo (Figura 2), são formados pela organização
microestrutural da hidroxiapatita (fosfato de cálcio e colágeno) sob a forma de
curvas contínuas em regiões de maior solicitação mecânica (GIBSON; ASHBY;
HARLEY, 2010). Este tipo de disposição de curvas em regiões de maior tensão
também é encontrado em estruturas, como no Viaduc de Garabit, na França.
A ponte, desenvolvida pela equipe de Gustave Eiffel (alguns anos antes da
Torre Eiffel), representa uma transposição das tensões de maior solicitação nas
regiões curvas. Já no caso do crânio, com sua superfície externa maciça e interior
poroso, o osso torna-se uma casca do tipo sanduíche, sendo favorecido por sua
leveza mas mantendo sua função mecânica primária (GIBSON; ASHBY; HARLEY,
2010). O mesmo tipo de estrutura sanduíche também é utilizada, por exemplo,
em capacetes de automobilismo.
Um dos materiais mais representativos de eficiência estrutural, para aplicação
direta ou utilização em projetos de biônica, é o bambu (Figura 3). Além da Figura 2: Corte longitudinal do
capacidade de rápido crescimento e de aspectos ambientais associados, a fêmur humano apresenta as
gramínea constitui-se uma estrutura cilíndrica delgada e quase inteiramente curvats de maior acúmulo de
oca e é conhecida por seu alto desempenho, sendo oriundo de características material, nas regiões de maior
encontradas tanto nas escalas macro- quanto micrométricas (PALOMBINI, tensão. Este tipo de distribuição
também é encontrado em
2016). Na primeira escala, imediatamente destaca-se sua divisão nas regiões
obras, como no Viaduc de
ocas do caule (entrenós) e nas maciças (nós). Enquanto na região dos entrenós
Garabit, na França.
os feixes de condução de água e nutrientes apresentam-se principalmente Fonte: Autores.
verticais e ligeiramente helicoidais (PALOMBINI et al., 2016), na região maciça
os traços vasculares envolvem-se entre si, dando origem a novas ramificações
laterais (eixos). Mecanicamente, essas segmentações transversais sólidas
impedem, por exemplo, a falha da estrutura por estrangulamento, ao ser
flexionada. Já na escala micrométrica, destaca-se o padrão gradiente de
orientação desses feixes ao observá-los em uma vista transversal.
Os elementos vasculares são distribuídos de modo gradativo (Figura 4), sendo
em menor quantidade e mais distantes entre si na região interna do caule, e em
maior quantidade e mais próximos, na periferia do mesmo. Novamente, essa
distribuição gradiente otimizada (conhecida como atactostele) faz com que as
regiões externas, que possuem maior solicitação de tração ou compressão,
sejam mais reforçadas, de modo a fortalecer a planta, enquanto as regiões
internas mantêm-se com baixa densidade (PALOMBINI et al., 2016). Figura 3: O bambu é uma
das plantas com maior
No ponto de vista de materiais, o bambu é considerado um compósito natural. desempenho mecânico em
Isso significa que a planta é constituída principalmente por fases distintas e função de sua anatomia.
complementares, sob uma ótica de propriedades mecânicas (GIBSON; ASHBY; Fonte: Autores.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Materiais e Biônica: sob a Ótica da Análise de Elementos Finitos Baseada em Imagens de Microtomografia de Raios X

HARLEY, 2010). Por um lado, tem-se a presença de fibras longitudinais


lignificadas (esclerênquima), que representam os elementos de reforço. Com
maior densidade relativa, os feixes de esclerênquima possuem maior resistência
à tração e por muito tempo foram considerados o principal tecido de sustentação
da planta (Figura 5). Contudo, mesmo com menor densidade, o tecido de
preenchimento (parênquima), que correspondente à matriz, também possui um
papel essencial na rigidez do caule, de modo a distribuir as tensões aplicadas
uniformemente (PALOMBINI et al., 2016).
Figura 4: A seção transversal As micropropriedades que impactam no sucesso estrutural dos materiais
do bambu apresenta uma naturais decorrem de milhões de anos de adaptação, especialização e
disposição gradiente dos melhoramento da natureza frente às adversidades na busca pela sobrevivência.
elementos vasculares, sendo
Como resultados, obtêm-se materiais otimizados que combinam a economia de
mais numerosos na região
externa e mais dispersos no recursos em sua composição com o máximo de desempenho, tudo oriundo de
interior. um universo microscópico, organizado de forma ordenada, complexa e eficiente.
Fonte: Autores. O estudo e a aplicação de materiais naturais motivam a utilização de análises
aprofundadas, em escalas cada vez menores. Desse modo, a utilização do
estado da arte em técnicas de alta resolução torna-se uma parte fundamental
da compreensão do funcionamento macro deste tipo de material, tanto para
aplicações diretas quanto para projetos em biônica.

3. TECNOLOGIAS 3D DE ALTA RESOLUÇÃO


PARA ANÁLISES NÃO INVASIVAS
A investigação de materiais naturais está diretamente associada a meios de
observação e caracterização (PALOMBINI et al., 2017). Novas gerações de técnicas
Figura 5: Fotomicrografia de observação têm sido desenvolvidas com grande velocidade nas últimas décadas,
da seção transversal do impulsionadas principalmente por avanços na medicina (SHAW, 2014). Desse modo,
bambu revela uma estrutura os principais avanços evolutivos em termos de novos conhecimentos, como reflexo
similar a um compósito: uma
pelo maior número de publicações com técnicas avançadas de observação, são
matriz de parênquima (Pa)
envolvendo feixes de reforço do vistos em áreas relacionadas a materiais inorgânicos ou, em áreas biológicas, com
esclerênquima (Sc). tecidos animais (HANKE et al., 2016). Especificamente em anatomia humana ou em
Fonte: Autores. estudos com camundongos, por exemplo, a utilização de técnicas de bioimagem
permitiu avanços em diagnóstico e novos tratamentos, sendo também a principal
fonte de motivação para novas tecnologias (SHAW, 2014).
Apesar da complexidade e do grande potencial dos materiais de origem
vegetal, pouco tem sido explorado em termos de tecnologias 3D de alta
resolução (BRODERSEN; RODDY, 2016; DHONDT et al., 2010; PALOMBINI et
al., 2017). De um modo geral, essas técnicas estão associadas a quatro etapas
fundamentais. A primeira diz respeito à digitalização, ou seja, a transformação
de amostras físicas em dados digitais, por meio de técnicas tanto de superfície
quanto volumétricas. Em seguida, segue a etapa de ajustes nos dados obtidos,
em que são realizados aprimoramentos para, por exemplo, reduzir efeitos
indesejados, como o ruído, e melhorar aqueles pretendidos, como o contraste
e definição. Com os dados ajustados, seguem as análises propriamente
ditas, as quais podem ser realizadas tanto qualitativamente, por observação,
quanto numericamente. Por fim, a última etapa está relacionada à fabricação

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Materiais e Biônica: sob a Ótica da Análise de Elementos Finitos Baseada em Imagens de Microtomografia de Raios X

de novos modelos físicos, por meio de alguns processos específicos, como


a manufatura aditiva. Quando realizadas com alta resolução espacial, estas
etapas fundamentais permitem ao pesquisador obter novos métodos tanto de
investigação quanto de demonstração de seus resultados.
Dentre as principais tecnologias 3D volumétricas, de alta resolução, encontra-
se a microtomografia computadorizada de raios X (STOCK, 2009). Sua principal
vantagem está no fato de ser uma análise não invasiva. Ao considerar técnicas
mais tradicionais, como secionamento de amostras para observação em Figura 6: Seção longitudinal
microscopia de varredura (Figura 6), tecidos mais delicados como os vegetais do bambu observado por
podem ser danificados, mesmo em um corte homogêneo, o que prejudicaria a microscopia de varredura,
visualização em resoluções maiores. Por outro lado, ao observar uma região com apresentando as células
prismáticas do parênquima
grande ampliação em uma técnica 3D não invasiva, é possível a visualização de
(Pa) e as células alongadas do
tecidos e células com total integridade (Figura 7).
esclerênquima (Sc).
A técnica de microtomografia computadorizada, semelhante à versão clínica, Fonte: Autores.
mais conhecida e popular, permite a digitalização de amostras pequenas por
meio de princípios de interação das mesmas com a radiação (Figura 8). Como
os raios X possuem a propriedade de atravessar a matéria, sendo atenuados
e forma distinta por regiões com mais ou menos densidade, torna-se possível
quantificar esse processo, dando origem a projeções micrográficas, tal como um
exame de radiografia. Após uma projeção, a amostra é rotacionada em poucos
ou frações de graus, e uma nova projeção é obtida. Ao término de meia ou uma
volta completa, as projeções são combinadas automaticamente através de
um algoritmo sofisticado, permitindo então a reconstrução 3D volumétrica da
amostra (PALOMBINI et al., 2016). Ao ser finalizada, a análise exporta os dados Figura 7: Seção longitudinal do
obtidos por meio de imagens BITMAP sequenciais da região, em tons de cinza. bambu em um corte virtual por
Semelhante à região de ossos em radiografias, quanto mais claros forem os meio de imagens de µCT, com
pixels das imagens, menos radiação conseguiu atravessar (maior atenuação) e, as células do parênquima (Pa),
as células do esclerênquima
portanto, mais densa é aquela região representada. Do mesmo modo, quanto
(Sc) e detalhes dos elementos
mais escuros forem os pixels, mais radiação ultrapassou (menor atenuação) e condutores (Ec), os quais
menos densa é a região. poderiam ser danificados com
secionamentos físicos.
A microtomografia de raios X, também chamada como µCT, é caracterizada por
Fonte: Autores.
permitir uma resolução espacial próxima a 1 µm (LANDIS; KEANE, 2010), levando
a novas possibilidades de investigações científicas de tecidos com elevado grau
de detalhes microscópicos, como amostras vegetais (NOGUEIRA et al., 2017). O
destaque principal desta técnica é sua característica não invasiva, ou seja, que
permite a visualização de qualquer região interna da amostra sem a necessidade
de cortes físicos, processos de emblocamento, ou a consequente degradação
da amostra. Assim, com um secionamento virtual a técnica torna-se apropriada
para tecidos que poderiam ser danificados durante o processo de corte, mesmo
seguindo protocolos de amolecimento (PALOMBINI et al., 2017). Ainda, com
a utilização de contraste de fase, regiões com níveis de densidade próximos,
como em tecidos vegetais diferentes e adjacentes, podem ser mais facilmente
segmentadas. O contraste de fase funciona com base na detecção dos desvios
dos raios X que refracionam ao cruzarem fases distintas, mesmo com índices de
absorção de radiação semelhantes.

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MÉTODOS E PROCESSOS EM BIÔNICA E BIOMIMÉTICA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA PELA NATUREZA
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Materiais e Biônica: sob a Ótica da Análise de Elementos Finitos Baseada em Imagens de Microtomografia de Raios X

4. ESTADO DA ARTE EM PESQUISA DE MATERIAIS


NATURAIS
A µCT é uma ferramenta poderosa para análises quali- e quantitativas de
materiais naturais e, especialmente, em plantas, permitindo obter imagens e
dados volumétricos de órgãos, tecidos e células (NOGUEIRA et al., 2017). Para tal
Figura 8: Esquema de é possível a segmentação de cada região de interesse para uma análise isolada.
funcionamento básico de um Ou seja, dentro de uma mesma aquisição de microtomografia, é possível, por
microtomógrafo. Uma fonte
exemplo, a separação dos dados obtidos em regiões distintas como, no caso do
emite radiação na frequência
de raios X, os quais atravessam bambu, a distinção entre os feixes de esclerênquima, os elementos condutores
e são atenuados pela e o parênquima. Entretanto, em amostras vegetais esse processo dificilmente
amostra. A radiação é então pode ser realizado de modo automatizado, com base nas diferenças entre
transformada em luz visível os níveis de cinza. Mesmo com tecnologias de contrastes específicas como
por um filtro cintilador, sendo
contraste de fase e campo negro, os valores de cinza, embora bem definidos,
magnificada por uma objetiva e
acabam se confundindo nas imagens. Isso se deve às semelhanças em densidade
capturada por um sensor CCD,
representando uma projeção. entre os tecidos, tornando muitas vezes necessária uma segmentação manual.
Em seguida, à medida em que
A técnica de µCT pode ser aplicada em conjunto com demais tipos de
a amostra é rotacionada, novas
tecnologias, aumentando ainda mais suas possibilidades. Como exemplo, com a
projeções são obtidas até
completar uma volta. exportação de uma região segmentada em um formato tridimensional é possível
Fonte: Autores. a fabricação de um modelo físico, em uma escala maior e com alta fidelidade
morfológica, para fins instrucionais (PALOMBINI et al., 2017). Para isso, diversos
softwares proprietários e de código-aberto podem ser utilizados na conversão de
imagens sequenciais de microtomografia em uma malha 3D, como em formato
STL. Contudo, em termos de avaliação funcional e estrutural, uma nova técnica
associada tem alcançado destaque no estado da arte em análise de materiais, a
Análise por Elementos Finitos.
A Análise por Elementos Finitos (FEA) consiste na elaboração e resolução de
modelos matemáticos virtuais representativos de situações reais. Desenvolvido
para a solução de problemas complexos de engenharia estrutural, o método
de elementos finitos é fundamentado na divisão de um sólido contínuo, com
complexidade infinita, em um discreto, com complexidade finita, o qual é composto
por um número conhecido de partes menores (ZIENKIEWICZ; TAYLOR; ZHU, 2013).
Ao pensar em um material vegetal, por exemplo, encontramos uma enorme
complexidade em termos de elementos constituintes. Órgãos, tecidos, células,
organelas, moléculas e átomos: quanto mais aumentamos a resolução, mais
detalhes são encontrados e, aparentemente, mais infinita torna-se a estrutura.
Como analisar virtualmente um modelo com infinitos elementos necessitaria
de um computador com poder de processamento igualmente infinito, a divisão
do modelo em um número finito de elementos permite realizar uma analogia do
modelo contínuo em uma análise com grande precisão (Figura 9).
Figura 9: A Analise por
Elementos Finitos é baseada Com a técnica, além de características mecânicas, é possível inclusive avaliar desde
no processo de divisão de um solicitações térmicas, eletromagnéticas, acústicas, etc. Para isso, necessitamos
sólido contínuo em discreto,
alguns dados básicos essenciais. Antes de tudo, é preciso definir qual a geometria
com um número conhecido de
elementos constituintes. será avaliada. Em termos de design e engenharia, é comum a modelagem de um
Fonte: Autores. produto em 3D, com a utilização de softwares CAD, e a conversão de suas formas

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Materiais e Biônica: sob a Ótica da Análise de Elementos Finitos Baseada em Imagens de Microtomografia de Raios X

para FEA, em uma malha discretizada. Essa malha 3D volumétrica é composta


por alguns tipos principais de elementos mínimos, os quais tetraedros, hexaedros
e prismas (Figura 10). Em seguida, a esta malha são atribuídas propriedades
constitutivas, as quais representam as propriedades intrínsecas de cada material
aplicado que se deseja avaliar, como por exemplo módulo elástico, condutividade
térmica, entre outros. Por fim, são adicionadas as condições de contorno do
modelo, ou seja, quais as solicitações externas que serão aplicadas, como tensão,
fluxo de calor, etc., bem como as restrições de movimentação.
Para formas geométricas, bem definidas e uniformes, o processo de análise por
elementos finitos torna-se mais trivial a medida em que os meios para gerar
os modelos 3D são mais facilitados. Contudo, recentemente vem crescendo a
necessidade de analisar mecanicamente determinadas estruturas biológicas,
principalmente nas áreas da saúde, como exemplo em análises estruturais de
fêmures em pacientes com osteoporose (BOYD, 2009). Como, obviamente, cada
pessoa possui características anatômicas e clínicas únicas, a utilização de uma
geometria padronizada e homogênea, ainda que bem detalhada, não pode ser
considerada representativa para todas as situações. Desse modo, as mais atuais
ferramentas de investigação encontram-se baseadas na união das técnicas
de elementos finitos com tomografias, em que as geometrias são obtidas
diretamente das imagens sequenciais, transformando-se em uma análise
tridimensional não invasiva e de alta precisão morfológica.
De maneira semelhante à pesquisa em áreas da saúde, é possível combinar as
técnicas de µCT com FEA para análise da microestrutura dos demais materiais
Figura 10: Principais tipos de
biológicos, como para o caso da anatomia vegetal. Contudo, mesmo com elementos 3D utilizados para
a grande potencialidade da aplicação, poucos trabalhos têm utilizado essa compor uma malha volumétrica
abordagem (PALOMBINI et al., 2017). Com as combinações de técnicas é possível discreta, em uma Análise por
avaliar, por exemplo, quais modificações genéticas podem ser aplicadas em Elementos Finitos.
caules de milho para evitar o acamamento (quebra e tombamento do caule), Fonte: Autores.
aumentando o desempenho produtivo o e rendimento da plantação para
bioenergia (FORELL et al., 2015).

5. APLICAÇÃO DE µCT E FEA EM ANÁLISE


ESTRUTURAL DO PARÊNQUIMA
Para demonstração de uma análise por elementos finitos baseada em imagens
sequenciais de microtomografia de raios X, uma amostra de bambu .foi
digitalizada (PALOMBINI, 2016) com o equipamento Xradia® 510 Versa (Carl
Zeiss® X-Ray Microscopy, Inc., Pleasanton, CA, EUA), localizado no Grupo de
Microscopia Digital e Análise de Imagens da Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (MicDigi/PUC-Rio). O equipamento opera com um conjunto
de objetivas para magnificação óptica das projeções, permitindo obter boa
qualidade de imagem com baixa quantidade de ruído.
As imagens sequenciais obtidas possuíam uma resolução espacial de 2,02 µm,
possibilitando a distinção de tecidos e células. Para a análise foi escolhida uma
região de interesse cúbica com dimensão lateral de aproximadamente 340

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µm, composta pelo parênquima. As imagens foram processadas no software


de código aberto Fiji (SCHINDELIN et al., 2012), baseado no ImageJ. As imagens
foram inicialmente ajustadas em contraste e redução de ruído (PALOMBINI,
2016) de modo a permitir um destaque das regiões correspondentes ao material
celular sólido (parede celular), com maior densidade, e às regiões vazias do
interior da célula de (lume celular), com menor densidade (Figura 11).
As imagens binárias foram convertidas ao formato STL, correspondente a uma
extensão universal sob a forma de malha tridimensional superficial (Figura
12). Pelo fato de ser superficial significa que a malha é composta por diversos
triângulos que representam as regiões externas da geometria, sendo que
em seu interior a malha é oca. A extensão é amplamente utilizada desde por
equipamentos de fabricação, como máquinas de usinagem e impressão 3D, até
por softwares de modelagem e visualização 3D. O arquivo em extensão STL foi
então transformado em uma malha discreta para uma análise por elementos
finitos, com o uso do software de acesso livre Gmsh (GEUZAINE; REMACLE,
2009). Essa malha é considerada volumétrica, ou seja, ao invés de ser formada
por triângulos superficiais, como em STL, é constituída inteiramente de sólidos
tetraedros, ocupando todo o seu interior (Figura 13). Após gerada, a malha
volumétrica discreta foi exportada em arquivo de extensão INP, para análise.
Após a malha discretizada ser gerada, o software Abaqus CAE (Dassault
Systèmes Simulia® Corp., Providence, RI, EUA) foi utilizado para análise por
elementos finitos. O arquivo de modelo INP do parênquima discretizado foi
importado para um ensaio virtual de compressão. As condições de contorno da
análise foram definidas como uma tensão aplicada na face superior da malha,
correspondendo ao sentido axial em relação ao caule do bambu, e os nós
inferiores foram restritos em movimentação. A análise foi realizada levando
em consideração o limite entre a fase elástica e plástica do material, bem como
as variações na geometria celular durante a solicitação. Desse modo, o ensaio
foi realizado com a definição das não linearidades constitutiva e geométrica.
A primeira foi representada por uma propriedade mecânica linear, de módulo
Figura 11: Processo de
pós-processamento nas
elástico e coeficiente de Poisson, e uma não linear, da resistência à compressão.
imagens de microtomografia Já na não linearidade geométrica, foi estabelecida a opção de autocontato, para
do parênquima. Inicialmente, prevenir a malha de se sobrepor durante a análise. O módulo elástico incluído
as fatias originais foram do material sólido (parede celular) inserido foi de 39,8 GPa com coeficiente
ajustadas quanto a contraste de Poisson de 0,4 e resistência à compressão de 472 MPa (GIBSON; ASHBY;
e redução de ruído Em seguida
HARLEY, 2010).
foram transformadas em
binárias, sendo que os pixels O resultado da análise convergiu para uma resistência à compressão do
brancos representam o parênquima de 1,39 MPa, compatível com valores da literatura para amostras
material sólido (parede celular)
com densidade relativa semelhante (GIBSON; ASHBY; HARLEY, 2010;
e os pixels pretos as regiões
vazias (lume celular). PALOMBINI et al., 2016) e visualizado na distribuição das tensões von Mises
Fonte: Autores. (Figura 14). Mecanicamente, o parênquima comportou-se como uma espuma
de células fechadas. Foi verificado que o tecido possui uma característica
estrutural importante de distribuição de tensões localizadas em toda sua região.
A combinação de uma estrutura de células fechadas com paredes celulares

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com boas propriedades mecânicas faz do parênquima um material ao mesmo


tempo resistente e muito leve. Além disso, sua característica celular faz com
que as tensões von Mises sejam distribuídas de modo uniforme por toda a sua
extensão, o que contribui para o sucesso estrutural do bambu.

6. DO ESTUDO DE MATERIAIS NATURAIS A


PROJETOS BIOINSPIRADOS
A investigação dos tecidos de plantas com arquitetura celular complexa, como
o bambu, por meio de técnicas 3D não invasivas e de alta resolução possibilita
compreender mecanicamente o comportamento da amostra, identificando
regiões com maior e menor tensões e deformações, por meio de FEA (BOYD,
2009). Além disso, tais técnicas também permitem o estudo de geometrias de
regiões específicas de uma amostra digitalizada, bem como a observação do
desenvolvimento das mesmas em seu interior (CIDADE et al., 2018; PALOMBINI
et al., 2017) encontra-se o bambu, pertencente ao grupo das gramíneas
lenhosas, e caracterizado pela grande razão resistência por densidade.
Dentre as características que conferem a resistência da planta encontra-se
sua microestrutura, formada por feixes fibrosos longitudinais que envolvem
elementos condutores ao longo do caule. A anatomia vegetal diz respeito ao
estudo da microestrutura de plantas, onde são utilizados métodos clássicos de
secionamento em amostras para observação microscópica dos tecidos e células
constituintes. O designer deve estar na vanguarda de tecnologias para colaborar Figura 12: Reconstrução 3D da
região de interesse da amostra
com o desenvolvimento de novas técnicas e aplicá-las na criação de novos
do parênquima do bambu
produtos. Com o avanço das tecnologias 3D, novas técnicas de observação têm e a conversão para malha
surgido para estudo de materiais, como a Microtomografia Computadorizada superficial em formato STL.
de Raios X (μCT). De um modo geral, a partir da correta interpretação de uma Fonte: Autores.
estrutura, função, ou organização encontrada na natureza, torna-se possível
sua adaptação ou parametrização para futura aplicação em projetos de design e
engenharia (KINDLEIN JÚNIOR; GUANABARA, 2005).
O estudo de materiais naturais para aplicação em biônica necessita de equipes
multidisciplinares – desde biólogos, engenheiros, designers, geólogos e
cientistas de materiais – para auxiliarem na transposição das propriedades
observadas em futuros projetos de design. No caso de plantas com notável
característica estrutural, como o bambu, algumas características podem ser
citadas como fatores que podem contribuir para um melhor desempenho,
quando aplicadas em projetos. A exemplo, tem-se o gradiente de distribuição
dos feixes vasculares (como visto na Figura 4) que depositam relativamente
mais material nas regiões periféricas, que possuem maior solicitação mecânica.
De maneira similar, com relação aos feixes em bambus, eles também podem ser
encontrados com disposições e geometrias específicas, quando visualizados
transversalmente (LIESE, 1998). A Figura 15 apresenta os quatro tipos de
configurações dos feixes que podem ser encontrados em diferentes espécies
de bambu, que também influenciam na resistência da planta como um todo
(PALOMBINI, 2016). Já a presença de elementos transversais na região nodal
do colmo oco do bambu, conhecidos como diafragma (Figura 16), é um meio de

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Materiais e Biônica: sob a Ótica da Análise de Elementos Finitos Baseada em Imagens de Microtomografia de Raios X

impedir o estrangulamento do caule ao ser flexionado, levando à falha mecânica


(WEGST; ASHBY, 2007). Além disso, a presença de uma matriz parenquimática
muito leve e com característica de material celular funciona ao melhor distribuir
as tensões aplicadas em uma região do caule, como visto nos ensaios realizados.
De um modo geral, todos esses fatores contribuem em conjunto com as
interessantes propriedades estruturais do bambu. Entretanto, nem todas são
utilizadas em projetos de biônica.
Determinadas características da anatomia do bambu têm sido bastante
utilizadas em projetos de biônica, com o objetivo de aumentar a resistência
estrutural e ao mesmo tempo utilizar uma menor quantidade de material em
sua fabricação. Em especial, os padrões de reforço gradiente (da distribuição dos
feixes vasculares) e a utilização de seções transversais sólidas (da presença do
diafragma) são recursos empregados para aumentar a resistência à compressão
de estruturas. Contudo, características como uma matriz celular de baixo
peso como o parênquima e elementos de reforço com geometria inspirada
nos tipos de feixes vasculares ainda é pouco explorada. Para isso, torna-se
interessante a utilização das técnicas exploradas de µCT e FEA para visualização
e entendimento do funcionamento estrutural dos diferentes tipos de tecidos do
bambu, bem como eles se organizam como um todo.
Figura 13: Malha volumétrica
discreta do parênquima e Para apresentar exemplos de aplicações em projetos bioinspirados em aspectos
detalhe dos elementos finitos
tetraédricos constituintes.
da anatomia do bambu, foram estudadas duas estruturas conceituais. A Figura
Fonte: Autores. 17 apresenta as estruturas desenvolvidas, consistindo em cilindros com o mesmo
diâmetro externo e interno (70 e 35 mm), e mesmo comprimento (100 mm). Como
característica em comum, ambas apresentam elementos de reforço baseados em
um dos tipos de configuração dos elementos vasculares (Tipo IV, visto na Figura
15). Do mesmo modo, em ambas as estruturas os elementos de reforço estão
dispostos de maneira gradiente, ou seja, em maior número na região externa
do cilindro e em menor na região interna. Contudo, na Estrutura 1, os elementos
estão interligados por um conjunto de cilindros concêntricos cuja a espessura
também é gradiente. Esse tipo de configuração é bastante utilizado em estruturas
bioinspiradas (ZOU et al., 2016), pois permite mais material nas regiões externas,
além de manterem um espaço interno vazio, diminuindo a quantidade de material.

Figura 14: Resultado da análise


de elementos finitos baseada
em imagens de microtomografia
do parênquima. As tensões
von Mises são representadas
pelo gradiente de cores,
onde as cores mais quentes Figura 15: Os 4 tipos de configurações dos elementos vasculares encontrados em diferentes
representam maior tensão. espécies de bambu. As regiões pintadas correspondem ao esclerênquima e as brancas
Fonte: Autores. correspondem aos elementos condutores (floema e xilema). Fonte: Autores.

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Figura 17: Exemplos de


estruturas bioinspiradas
na anatomia do bambu.
Figura 16: Uma das principais características encontradas no bambu é sua resistência à flexão. A estrutura 1 consiste em
O caule oco da planta apresenta seções transversais sólidas na região dos nós, chamadas de cilindros concêntricos com
diafragma. Mecanicamente, essa região é responsável por prevenir a falha por estrangulamento elementos de reforço dispostos
do caule, quando flexionado, sendo, portanto, empregado em projetos de biônica. em gradiente e com geometria
Fonte: Autores. dos feixes do bambu. A
estrutura 2 apresenta um
material cilíndrico poroso,
representando o parênquima,
envolvendo as estruturas de
reforço. Fonte: Autores.

Figura 18: Resultados dos


ensaios de compressão
das estruturas conceituais
bioinspiradas no bambu,
visualizadas em corte, e
distribuído por tensões
von Mises. A estrutura 2 é
apresentada com a região da
matriz celular e do reforço, e
somente da região da matriz.
Fonte: Autores.

Já a estrutura 2 consiste nos mesmos elementos de reforço, tanto na geometria e


no material sólido, quanto em número e na disposição gradiente. Por outro lado, ao
invés de serem conectados por meio de cilindros concêntricos sólidos, os reforços
foram envoltos por outro material, com característica celular como o parênquima.
Em ambas as estruturas foi aplicada uma tensão de compressão no sentido
longitudinal do cilindro, sendo verificado quais valores máximos suportados antes
da falha, sendo ensaiados por FEA. Por fim, as estruturas foram comparadas em
termos de desempenho, relativo à carga suportada pela massa da estrutura.

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Os resultados são visualizados na Figura 18, com vista em corte do cilindro.


A estrutura 2 é apresentada de duas formas: contendo as geometrias da
matriz celular e do reforço sólido e contendo somente da matriz. A estrutura
1 suportou uma tensão de compressão axial máxima de 45,15 MPa. Já a
estrutura 2 suportou uma tensão de 30,41 MPa. Quanto à massa, a estrutura
1 possui valor de 239 g. Por outro lado, por possuir uma região de matriz
celular com densidade consideravelmente inferior, a massa da estrutura 2 foi
registrada em apenas 146 g. Por consequência, a estrutura contendo a região
celular foi cerca de 10% mais eficiente que a estrutura convencional, contendo
cilindros concêntricos. Desse modo, tem-se que os efeitos de matriz de
células fechadas com baixa densidade, visualizadas nos ensaios com o
parênquima também podem ser aplicados no desenvolvimento de estruturas
biônicas mais eficientes, mantendo uma boa relação entre carga suportada
e massa total da estrutura. Esse estudo conceitual surge, portanto, como
exemplo da importância em se aprofundar o conhecimento em materiais
naturais através de técnicas 3D, não invasivas e de alta resolução, como a
µCT e FEA.

7.  CONSIDERAÇÕES FINAIS


O bambu possui como principal característica estrutural o fato de ser
considerado um polímero composto natural, devido à multiplicação de
microestruturas arranjadas e dispostas de modo otimizado. Ao serem unidos,
esses micropadrões fazem com que o material apresente boa propriedade
mecânica com uma baixa densidade. Desse modo, pesquisas para avaliação
da estrutura de plantas em escala micrométrica são de grande importância
para compreensão do seu comportamento em escala macro, tanto para
aplicações diretas do material no design, arquitetura e engenharia, quanto
para adaptação dessas informações por meio de projetos bioinspirados.
Em termos de propriedades estruturais, para níveis de compreensão cada
vez mais avançados sobre materiais naturais, e em especial em plantas, faz-
se necessário o emprego de tecnologias 3D que sejam, simultaneamente,
não invasivas e de alta resolução. Nesse sentido, essa pesquisa
buscou apresentar uma introdução das técnicas de microtomografia
computadorizada de raios X (µCT) e análise por elementos finitos (FEA). Como
visto, a primeira é responsável pela digitalização volumétrica da amostra,
permitindo investigações morfológicas não invasivas e de alta resolução. Já
a segunda é utilizada para condução de análises virtuais que possam simular
condições reais, tais como em ensaios mecânicos. Contudo, para análises
estruturais em amostras com uma característica morfológica altamente
heterogênea, como os tecidos vegetais, indicamos a união das duas técnicas.
De modo geral, as principais características da união das técnicas de
elementos finitos baseada em imagens de microtomografia são a (1)
alta fidelidade morfológica, a (2) alta resolução espacial e o (3) uso de
uma geometria 3D não superficial. Considerando o papel essencial de

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investigações anatômicas para a compreensão estrutural de plantas e demais


materiais biológicos como um todo, bem como os principais atributos dessa
união, é possível considerar a combinação das técnicas como o estado da arte
em análises estruturais para materiais naturais. Com este trabalho, espera-se
uma maior difusão deste tipo de abordagem em pesquisas, de modo a facilitar
a compreensão do complexo funcionamento destes materiais.

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