Teoria P S Keynesiana
Teoria P S Keynesiana
Teoria P S Keynesiana
Ricardo Dathein*
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Este texto tem como base parte do capítulo três de Dathein (2000).
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Professor Adjunto do DECON/FCE/UFRGS. E-mail: ricardo.dathein@ufrgs.br
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uma economia monetária da produção, ou seja, uma economia capitalista real2 (Keynes,
1979: 76 e seguintes). Neste contexto, “... dinheiro compra bens e bens compram
dinheiro, mas bens não compram bens” (R. Clower, apud Davidson, 1977: 360).
Nesta economia empresarial, as decisões são tomadas com base em
expectativas sobre o futuro, dada a existência de incerteza, o que coloca a possibilidade
de erros em decisões econômicas. A teoria keynesiana possui o conceito de tempo
histórico (e não somente o tempo lógico neoclássico), em que existe um passado
irrevogável e um futuro desconhecido, dada a fragilidade das informações que os
agentes possuem (Lima, 1992: 99 e seguintes). Este tempo move-se em uma só direção,
havendo possibilidade de ajustamentos, mas não de reversão das decisões. No caso dos
investimentos, leva-se em conta que os bens de capital são duráveis e não maleáveis e,
portanto, que as correções de rota têm custos não desprezíveis.
Os agentes econômicos precisam tomar decisões em contextos de incerteza
sobre os resultados de suas ações e sobre os resultados das ações dos outros agentes.
Para Keynes, o conceito de incerteza é diferente do conceito de risco probabilístico. Ou
seja, o futuro não é simplesmente arriscado e, portanto, passível de cálculo
probabilístico. O mundo keynesiano é não ergódico, ou seja, as observações passadas
não são suficientes para permitir que o risco futuro seja calculado probabilisticamente
de forma confiável. As bases para o cálculo probabilístico não existem, pois as
possibilidade futuras não são conhecidas a priori (Davidson, 1994: 17; Carvalho, 1988a:
77).
O comportamento do empresário keynesiano é completamente diferente do
empresário neoclássico. Para Keynes, o empresário faz prognósticos sobre a demanda
futura, age de acordo com expectativas em contexto de incerteza. Já o empresário
neoclássico tem um comportamento que Paul Wells descreve da seguinte forma: um
contabilista informa ao empresário o salário real do dia; com este dado e consultando
uma tabela o empresário determina a contratação de X trabalhadores e a produção de Y
unidades de produto, sem preocupações com a demanda por estas mercadorias. Este
comportamento é classificado como irrealista pela teoria keynesiana (Wells, 1987: 84).
Na economia capitalista real, existe uma diferença de objetivos e de poder
de decisão entre empresários e trabalhadores (assim como os consumidores). Enquanto
os empresários buscam a acumulação de dinheiro, os trabalhadores têm como objetivo a
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Percebe-se neste ponto uma aproximação com as análises de Marx sobre as fórmulas M – D – M e
D – M – D’, conforme reconhecido por Keynes (1979: 81).
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oportunidades, por exemplo, o que implica uma preferência por liquidez. Por outro lado,
a própria contratação de fatores de produção, sendo anterior à etapa de venda, cria a
necessidade de liquidez. Por isso, a busca por liquidez é um comportamento racional em
contextos de incerteza e sob o domínio de expectativas. A liquidez permite maior
segurança, sendo um instrumento de defesa e de refúgio (hedge) contra um futuro
imprevisível, permitindo também a postergação de decisões sobre ativos menos
líquidos. Desta forma, a moeda faz uma ligação entre o presente e o futuro na economia
empresarial. Em um mundo incerto, o dinheiro é o instrumento básico para adiar
decisões “reais” ou para transferir poder de compra no tempo (Davidson, 1977: 362).
Aparecem nessa análise, portanto, as demandas transacional, especulativa e
precaucional por moeda.
Todos os bens, para Keynes, podem ter três atributos: rendimento, custo de
manutenção e prêmio de liquidez. A moeda possui um rendimento nulo e um custo de
manutenção próximo ou igual a zero, mas possui alto prêmio de liquidez em função da
incerteza, o que a diferencia de todas as outras mercadorias e justifica sua demanda
como reserva de valor (Keynes, 1983: 159). Por outro lado, a moeda possui duas
propriedades essenciais: elasticidade de produção e de substituição iguais ou próximas
de zero. A primeira significa que a moeda não é produzida com trabalho, e a segunda,
que a moeda não é substituível por bens com elasticidade de produção alta (Keynes,
1983: 161-2). Nesta análise, Keynes parte da idéia de que existem três coisas a fazer
com a renda, e não apenas duas: os agentes podem consumir, podem investir ou podem
aplicar seus recursos em moeda ou outros ativos líquidos substitutos. As duas primeiras
correspondem a aplicações em ativos reprodutíveis com trabalho, gerando uma
demanda indutora de emprego, enquanto a última é uma aplicação em ativos não
reprodutíveis com trabalho, gerando uma demanda não indutora de emprego.
De acordo com a teoria neoclássica, um aumento de poupança sempre leva a
um aumento de investimento. Por isto, coloca-se, por exemplo, a desejabilidade de uma
concentração de renda nas mãos das famílias e empresas mais ricas, caso se deseje
maior taxa de crescimento econômico, pois estas possuem maior propensão a poupar e,
portanto, a acumulação será acrescida (Davidson, 1977: 359). Para a teoria keynesiana,
ao considerar a possibilidade de aplicações de renda não ativadoras de produção e
emprego, uma concentração de renda pode levar a uma redução de consumo e
investimento (e, portanto, de poupança). Dessa maneira, poderia ocorrer inclusive uma
queda de renda. Se a economia não estiver em uma situação de auge, um aumento de
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entre a teoria keynesiana, para a qual a moeda tem papel real essencial, e a teoria que
despreza os efeitos reais persistentes da moeda, chamada talvez indevidamente de
monetarista.
Os autores pós-keynesianos contestam o efetivo keynesianismo das
interpretações velho (síntese neoclássica) ou novo-keynesianas, que explicam o
desemprego como situações de inflexibilidade de preços ou salários (Davidson, 1992).
Segundo essas interpretações, o desemprego involuntário seria uma situação de
desequilíbrio, de curto prazo, de modo que Keynes aparece como um caso especial da
teoria neoclássica, e sua teoria não seria geral. No entanto, na Teoria Geral Keynes
contestou análises que já existiam anteriormente e que explicavam o desemprego como
situações de desequilíbrio e non-market clearing (Davidson, 1999: 49). Neste debate,
Mankiw acaba afirmando que “... se a economia novo-keynesiana não é uma
representação verdadeira das posições de Keynes, então pior para Keynes ...”, ou que a
Teoria Geral é um livro “obscuro” e “antiquado” e talvez “... o próprio Keynes [não]
sabia completamente o que queria dizer” (Mankiw, 1992, apud Davidson, 1999: 50, 63).
As flutuações da demanda efetiva, segundo a teoria keynesiana, são o
principal fator determinante do emprego e, portanto, do desemprego. A demanda efetiva
é altamente instável, dependendo da confiança dos agentes em suas expectativas. Desta
forma, a causa fundamental de desemprego involuntário é a existência e manutenção,
para fins de liquidez, de ativos não reprodutíveis, de acordo com o princípio da
demanda efetiva. Ou seja, são os problemas de liquidez e não a falta de flexibilidade de
preços e salários a causa básica (Davidson, 1999: 50-60). Se ocorrerem vazamentos no
circuito renda-gasto, com aumento da demanda por moeda inativa (como reserva de
valor), parte da renda não se transforma em gasto em bens e serviços, provocando queda
de demanda efetiva e, portanto, de emprego. Dessa forma, as flutuações da demanda
efetiva são compreendidas como um fenômeno essencialmente monetário. Uma crítica
que pode ser feita a esta análise é de que, para Keynes, não é necessária a ocorrência de
vazamentos no circuito renda-gasto para que ocorra desemprego involuntário. Keynes
trabalha simplificadamente com expectativas de curto prazo satisfeitas e, neste caso,
com o circuito renda-gasto funcionando bem, sem vazamentos, o emprego assim mesmo
pode estar em nível inferior ao pleno. Dessa maneira, o desemprego involuntário teria
origem em um problema de rentabilidade, sendo necessário se estudarem as causas
determinantes da queda dos investimentos. Neste caso, o aumento da liquidez pode
inclusive aparecer como conseqüência, e não como causa do desemprego.
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pressuposto de livre mercado como condição para o pleno emprego. Dessa maneira, este
livre mercado tenderia a não existir ou persistir pela ação racional das empresas. A
aceitação do pressuposto de livre competição por Keynes seria apenas instrumental, no
sentido de demonstrar que, mesmo assim, salários e preços flexíveis podem não levar ao
pleno emprego. Ou seja, o desemprego involuntário não seria causado por imperfeições
de mercado como competição imperfeita, apesar de que, para Keynes, o conceito de
livre concorrência admite imperfeições determinadas pela incerteza, por exemplo com
relação à demanda e aos preços futuros, de modo que este conceito não é tão rígido
como o da teoria neoclássica (Dequech, 1999: 212-3).
sendo determinados por expectativas de curto prazo. Já os preços dos ativos de capital e
dos ativos financeiros (que são preços presentes de rendas futuras) dependem da visão
corrente sobre os fluxos de lucros futuros e do valor subjetivo corrente em relação à
incerteza incorporada no valor futuro do dinheiro. Estes preços, portanto, são
determinados por expectativas de longo prazo e possuem uma volatilidade muito maior
que os primeiros. Dessa forma, com determinantes diferentes, não se pode supor que o
mercado induzirá que ambos os preços variem a uma mesma taxa, sendo fundamental
para a análise econômica sua avaliação em separado (Minsky, 1994a: 156-7). As
relações entre estes dois sistemas de preços, com dois horizontes de tempo diferentes e
dependentes de distintas variáveis, em suas relações com as condições financeiras da
economia, determinam os investimentos, segundo Minsky. Estes investimentos, em
conjunto com outras variáveis, determinam a demanda efetiva e, portanto, o emprego. A
hipótese da instabilidade financeira integra na análise, portanto, as instituições
financeiras e as práticas financeiras, as quais impõem condições e exigências em relação
ao comportamento futuro da economia. Dessa maneira, Minsky (1982: 94-5) apresenta
uma teoria financeira dos investimentos, a qual é também uma teoria sobre o
comportamento cíclico da economia.
Na visão da hipótese da instabilidade financeira, a oferta de moeda é
considerada endógena. Moeda é criada quando bancos financiam negócios ou adquirem
ativos, e moeda é destruída quando os empréstimos são pagos ou quando os bancos
vendem ativos (Minsky, 1982: 102). Dessa forma, em um ambiente financeiro e
bancário moderno, a oferta monetária precisaria ser vista como endógena. Keynes
tomou a oferta de moeda como exógena, destacando que, assim, se existisse
desemprego, o governo poderia intervir aumentando a oferta monetária para estimular a
demanda efetiva. Com uma visão de moeda endógena, esta análise precisa ser
modificada. No entanto, o fato de existir criação e destruição privada de moeda não
indica que o governo perca completamente o controle sobre a oferta de moeda. Ao
contrário, Minsky propõe a ação do governo justamente para manter ou criar um
“ambiente financeiro robusto”.
Na visão de Minsky, a principal transação que ocorre na economia é a troca
de dinheiro no presente por dinheiro no futuro, como, por exemplo, quando ocorrem
investimentos ou a aquisição de ativos de capital. Por isso, a teoria econômica não pode
abstrair-se do tempo fazendo uma análise meramente estática. Admitindo-se a existência
de flutuações do produto e de poder de mercado, a função de produção neoclássica não
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pode ser a base para a análise teórica da produção, nem a teoria da produtividade
marginal, a base para a análise das remunerações relativas dos fatores (ou dos lucros).
Ao contrário, a hipótese da instabilidade financeira é apresentada como uma visão da
economia de Wall Street ou da City (Minsky, 1982: 102-3), ou seja, uma economia
fundamentalmente financeira, e não como uma economia de trocas em que as finanças
são meramente instrumentais.
A atividade econômica gera fluxos de caixa (lucros) que são usados como
garantias para financiar posições em ativos de capital ou para validar dívidas e os preços
que foram pagos pelos ativos de capital no passado, permitindo honrar as obrigações de
pagamentos originadas em decisões passadas de financiamento. Dessa forma, a
economia capitalista somente funciona de forma saudável se existirem investimentos
geradores de lucros, sendo que as flutuações nos investimentos determinam se as
dívidas poderão ou não ser pagas. Dessa maneira, a pergunta fundamental a ser feita é
por qual motivo os investimentos flutuam ou qual o mecanismo que transforma um
aperto financeiro em uma crise financeira (Minsky, 1982: 102-5). Com o objetivo de
fazer esta análise Minsky, estuda as diferentes posturas financeiras dos agentes
econômicos.
Existem, segundo Minsky, três tipos básicos de posturas financeiras das
empresas, famílias e governos nas relações entre seus compromissos de pagamentos de
contratos (suas dívidas) e seus fluxos de receitas, chamadas de posturas hedge,
especulativa e Ponzi. A estabilidade da estrutura financeira e, portanto, da economia
como um todo, depende do mix das posturas financeiras, sendo a postura hedge
correspondente a uma economia mais estável, enquanto as posturas especulativa e Ponzi
tornam a economia mais suscetível à instabilidade financeira.
A postura financeira hedge (protegida) corresponde à situação em que os
agentes possuem um fluxo de caixa esperado que excede ou pelo menos iguala, em
todos os períodos, os compromissos contratuais de pagamentos de passivos. Agentes
econômicos com finanças especulativas corresponde à situação na qual o fluxo de caixa
esperado para todo o período previsto excede o total de pagamentos de dívidas, mas, no
curto prazo, o fluxo de caixa é inferior aos compromissos totais neste mesmo prazo,
necessitando que parte do serviço da dívida seja refinanciada. Ou, por exemplo, os
retornos poderiam cobrir apenas os pagamentos de juros, enquanto o principal teria que
ser renegociado. A postura financeira Ponzi corresponde a agentes econômicos para os
quais o fluxo de renda é inferior aos compromissos financeiros em todo o período, e que
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empresários. Mesmo sem uma crise financeira aberta, as expectativas de longo prazo
são afetadas, aumentando os prêmios de risco de projetos de investimentos, levando os
empresários e banqueiros a buscarem posições financeiras menos especulativas,
diminuindo a liquidez da economia em um movimento auto-alimentado (Minsky, 1982:
106-8). Depois de certo período de instabilidade pode surgir, também endogenamente,
uma fase de estabilidade financeira, mas agora com baixo nível de atividade econômica
em razão da queda dos investimentos, até ser retomada novamente a fase ascendente do
ciclo (Minsky, 1994b: 21).
Vistas dessa maneira, as crises financeiras são resultantes do funcionamento
normal da economia. Os ciclos são endógenos, no contexto da busca de interesses
próprios dos agentes econômicos em uma economia descentralizada, o que pode levar a
“expansões incoerentes” ou a “bolhas especulativas” (Minsky, 1994b: 21-2). No
entanto, estas crises podem ser evitadas ou minoradas dependendo de ações dos bancos
centrais como emprestadores de última instância, de deficits fiscais dos governos para
sustentar os lucros e/ou de modificações no balanço de pagamentos (Minsky, 1982:
108). Segundo Minsky, a forma privada de criação de recursos é inerentemente míope e
precisa ser suplementada pela visão longa que o governo pode ter (Minsky, 1994a: 164).
A alternativa à crise é basicamente uma combinação de ações do banco central e do
governo que permitem a sustentação do emprego e da renda. O banco central, em caso
de ameaça de crise, deve intervir como lender-of-last-resort para sustentar os preços dos
ativos e para dar solvabilidade às instituições financeiras, enquanto os governos devem
gerar ou aumentar seus deficits públicos para sustentar a demanda e os lucros (Minsky,
1994a: 160)3.
De acordo com Minsky, no início dos anos 1990, por exemplo, somente não
ocorreu uma grande depressão porque os governos usaram as duas alternativas
anteriores. Em conclusão, segundo Minsky, o capitalismo atual não estaria passando por
crises graves, como a dos anos 1930, porque presentemente existem três condições
diferenciadoras fundamentais: bancos centrais com menos constrangimentos para agir,
um grande setor econômico governamental (big government) e uma política econômica
muito mais intervencionista (Minsky, 1994a: 160).
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No entanto, Minsky admite que existe um fator adicional tornando a manutenção do pleno emprego
difícil, que é o fato de que os setores agrícola e industrial podem produzir todas as mercadorias que a
população precisa gerando poucos empregos, de modo que instituições extramercado precisariam
suplementar empregos que o mercado não gera (1994a: 164).
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Referências Bibliográficas:
DEQUECH, David. Another look at wage and price flexibility as the solution to
unemployment. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp (Texto para discussão n.
84), 1999.
KEYNES, John M. The general theory and after: a supplement. The Collected
Writings of John Maynard Keynes. V. xxix. Londres: Macmillan, 1979.
________. Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Abril Cultural,
1983.
MINSKY, Hyman. Can “It” Happen Again? Essays on Instability and Finance.
Armonk, New York: M. E. Sharpe, 1982.