Iyoga PDF
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2010.
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Rio de Janeiro
Julho de 2010.
3
Aprovada por:
_________________________________________
Presidente, Prof. Emerson Alessandro Giumbelli
_________________________________________
Prof. Federico Guillermo Neiburg
_________________________________________
Prof. Fernando Rabossi
_________________________________________
Prof. Octavio Andrés Ramón Bonet
_________________________________________
Profa. Sandra Maria Correa de Sá Carneiro
Rio de Janeiro
Julho de 2010.
4
xv. 269f.
AGRADECIMENTOS:
O processo de pesquisa e escrita desta tese foi permeado por dificuldades e
conquistas. Diante dos momentos de dúvida sobre se deveria insistir ou desistir e mudar
o rumo de minha vida, foi preciso persistência e coragem para enfrentar os “fantasmas”.
Só consegui produzir algo que tivesse orgulho mergulhando em momentos de solidão,
que foram tão angustiantes quanto enriquecedores. Essa minha necessidade de estar só
para produzir resultou num afastamento temporário e conseqüente redução na atenção
que dei aos amigos e à família. Esses movimentos só foram possíveis porque, acima de
tudo, fui compreendida, respeitada e apoiada. Expresso minha gratidão de forma mais
direta a seguir.
Em primeiro lugar, agradeço a orientação do professor Emerson Giumbelli por
me aceitar quando já tinha começado e por, apesar dos muitos percalços, ter ido até o
fim comigo. Por respeitar os caminhos que pude escolher trilhar.
Gostaria também de agradecer a todo os membros da banca por terem aceito ler
esta tese. Mais especificamente, a Federico Neiburg por me dar oportunidade de
continuar a pesquisar e acreditar no meu potencial. A Fernando Rabossi por sua
seriedade e atenção sem perder o bom humor. A Octavio Bonet pelo reencontro após
cinco anos. E a Sandra Carneiro por sua disponibilidade.
Algumas aulas foram especialmente marcantes na minha formação. Elsje Lagrou
e Marco Antonio Gonçalves me apresentaram autores e questões aos quais me dediquei
durante os últimos anos. A disciplina “antropologia do corpo” ministrada por Aparecida
Vilaça no PPGAS, Museu Nacional, assim como sua participação na minha qualificação
foram fundamentais para a escolha de autores e abordagens aqui nesta tese.
A Yvonne Maggie por sua constante preocupação e carinho.
A Dale Tomich pelo apoio, interesse, preocupação e carinho num momento
decisivo de escrita.
Claudia e Denise, secretárias imprescindíveis do PPGSA, que me orientaram em
momentos decisivos.
Aos colegas do PPGSA com os quais tive oportunidade de organizar uma
Jornada Interna.
A Dom Clemente, OSB, por ter aberto as portas da Faculdade São Bento da
Bahia possibilitando uma série de experiências de ensino. Aos alunos da graduação e da
pós-graduação da Faculdade e em especial meus ex-orientandos, Reinã, Lúcia,
7
Não sei o que teria sido de mim diante dos momentos de angústia sem o
envolvimento e a ajuda de Virginia Portas, com sua escuta e intervenções provocadoras,
e Daniel Murai, com sua dedicação bem humorada ao cuidar dos outros sem abrir mão
de seus trocadilhos.
À minha tia e madrinha Marisa, que sempre torce por mim e ao meu tio Pedro,
que partilhou comigo suas experiências ao praticar iogas. À minha irmã Eliane, que se
preocupa comigo.
Ao meu pai (in memoriam) por ter ousado ser professor universitário durante
toda sua vida e ter me levado para passeios divertidos em faculdades desde quando eu
era criança. Até hoje ainda é minha inspiração para querer ser professora e
pesquisadora.
À minha mãe por sempre se envolver de corpo e alma com meus sonhos, mesmo
quando lhe pareçam confusos e esfumaçados e lhe demandem muita paciência. Eu não
conseguiria ter feito esta tese sem sua ajuda.
Ao grande amor da minha vida, Luiz, por ter suportado minhas infinitas
questões, por não ter desistido nem dos seus, nem dos meus, nem dos nossos sonhos.
Por ter ouvido infindáveis vezes as milhares versões do que escrevia. Por me respeitar e
admirar exatamente do jeito que sou. Por ser meu companheiro inclusive nos debates
seja a partir de livros, filmes, conversas, jogos de futebol ou alguma frase que ouviu
alguém dizer na rua. Por seu prazer de buscar comigo soluções criativas e por todas as
piadas que fizemos e gargalhadas que gozamos até perdermos o fôlego. Enfim, por estar
ao meu lado nos momentos felizes e dolorosos.
9
RESUMO
APRENDENDO A FICAR EM PAZ: estudo do Swásthya Yôga no campo das iogas.
Rio de Janeiro
Julho de 2010.
11
ABSTRACT
LEARNING TO “BE AT PEACE”: study of Swásthya Yôga in the yoga field.
Upon looking for yoga classes in the cities of Rio de Janeiro and Salvador (Bahia) we
found several styles of yoga. Despite these demarcations of differences, we defend the
existence of the yoga field and propose that students of each type of yoga, through
regular exercise of specifc technical and philosophical, religious or spirituals
explanations, learn to “be at peace” and this is what unites these different styles. By “be
at peace”, we mean the ability to control internal and external impulses that affect the
person. In order to demonstrate this thesis, after presenting the yoga field, we focused
our study on a style – the Swásthya Yôga – “encoded” by DeRose. We examine some
proposals made to practioners by teachers in Swáshtya Yôga literature. We complement
these analyses with those of our participant observation in Yôga classes in Salvador.
Focusing on the importance of attention with the body, we realized a phenomenological
approach to this classes understanding them as a ritual for "learning to be at peace". The
mastery of techniques used during the practice involved the ability to remain motionless
for a certain period of time comfortably and noiselessly: skills acquired through the
exercise of techniques of the self.
Rio de Janeiro
Julho de 2010.
12
Lista de ilustrações:
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 16
1.1 O QUE QUEREMOS DIZER COM A EXPRESSÃO “APRENDER A 19
FICAR EM PAZ”:
1.2 TRAJETO PERCORRIDO NESTA TESE 28
1.3 EXPLICAÇÕES SOBRE O USO DAS GRAFIAS E DE ALGUNS 31
TERMOS
REFERÊNCIAS 285
1 INTRODUÇÃO
vez eu fazia aula cinco vezes por semana: três aulas de “Hatha Yoga” e duas de “Yoga
Terapia”. Mais uma vez parei.
Durante o ano de 2003 fiquei pensando sobre as experiências que eu havia tido
até então nas aulas de iogas. Surgiram algumas questões que seriam minhas
companheiras durante sete anos. Essas questões me instigaram a ousar pesquisá-las e fiz
um projeto de doutorado, cujo resultado venho finalmente expor. Comecei meu
doutorado em 2004 e em outubro voltei a fazer aulas de ioga. Desta vez, no Largo do
Machado, com a professora Ana Márcia Mourthé. Nossas conversas, agora
acompanhadas por estudos antropológicos, foram muito mais maduras do que as
conversas com os outros professores. Infelizmente, fiquei apenas por dois meses, até
dezembro, por dificuldades financeiras que permaneceram até 2006, quando mudei-me
para Bahia, onde fui aluna de Norbert e Dragos.
Minha situação então agora era outra e era preciso readaptar minha pesquisa,
que, inicialmente, propunha fazer a etnografia no Rio de Janeiro, talvez até em mais de
um local. No Rio eu tinha tempo, mas faltava grana. Em Salvador, minha situação
invertera: passei a ter condições financeiras para bancar a pesquisa, mas o tempo era
bem restrito. Era preciso fazer um mapeamento num lugar que nunca tinha estado antes
e escolher o local para fazer etnografia de forma que fosse compatível com meu horário
de trabalho e com as distâncias que teriam que ser percorridas no cotidiano. No Rio de
Janeiro, eu tinha praticado aulas em três lugares diferentes (Gávea, Copacabana e Largo
do Machado), com cinco professores. E se eu tinha percebido técnicas comuns isso não
excluiu a identificação de diferenças. Os nomes das aulas, os textos recomendados, as
técnicas utilizadas tinham sempre pontos em comum e, simultaneamente,
idiossincrasias.
A partir dos dados coletados no Rio, decidi que escolheria o mais rápido
possível onde faria a etnografia. Durante a busca de alguém que pudesse acelerar esse
processo, conheci uma aluna de “Swásthya Yôga” que me levou à Unidade onde fazia
aula. Fui bem recebida, o preço era acessível à minha realidade (vale lembrar que, na
época, essas mesmas aulas eram mais caras no Rio de Janeiro, pois eu já havia feito
pesquisa de locais onde eram oferecidas aulas deste estilo de ioga) e era uma
oportunidade para conhecer o método do, segundo comentários que ouvi e li ao longo
desses anos, “polêmico” e, para mim, por isso mesmo instigante, Mestre DeRose. Fiquei
na Unidade Ondina por dezessete meses. Em fevereiro de 2008 voltei a morar no Rio de
Janeiro, onde pude efetivamente fazer o trabalho analítico.
18
1
Em 2001, a reportagem intitulada “O que a ioga oferece que faz tanto sucesso?”, identificava um
segundo boom da ioga no Brasil, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Neste ano contava-se que 1,5 milhão
de norte-americanos praticavam algum tipo de ioga (Cf.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u633.shtml. Acesso em: 10 out 2002). No
Brasil não há um consenso entre os professores de iogas. Em 2002, DeRose afirmou haverem 5 milhões
de praticantes, enquanto o Consulado Geral da Índia estimava o número em torno de 1 milhão e Pedro
Kupfer e Anderson Allergro achavam que o número era menor do que este. (Cf.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3006200222.htm Acesso em: 15 mar. 2004).
19
2
Estamos considerando a tradução deste termo utilizada em Csordas (2008).
21
“corpo individual” que tem Marcel Mauss como principal exemplo. O segundo nível é o
do “corpo social”, que é definido segundo a sugestão de Mary Douglas: refere-se aos
usos representacionais do corpo como um símbolo natural com o qual se pode pensar
natureza, sociedade e cultura. O terceiro nível é o do “corpo político” e refere-se à
regulação, fiscalização e controle dos corpos, tendo Michel Foucault como referência
principal. Os dois primeiros níveis teriam como uma das características abordagens
dualistas entre corpo/ mente ou corpo/ espírito.
Uma das explicações para o dualismo corpo/ espírito nos seres humanos seria o
dualismo sagrado/ profano informando e justificando esta relação separada. Isso é feito
por em Marcel Mauss e Robert Hertz. A polaridade no corpo é explicada e mesmo
justificada pela polaridade religiosa por Hertz em A preeminência da mão direita
(1980). Segundo ele, a educação e o treinamento do uso da mão direita,
simultaneamente ao desestímulo ao uso da mão esquerda, são reflexos da hierarquia
presente na sociedade. Não é a fisiologia que determina o uso da mão direita, mas a
cultura de hierarquia entre coisas opostas (dualismo). Daí também as sociedades
ocidentais considerarem esquerda e direita como opostas.
O dualismo entre corpo e alma foi formulado por Mauss em As técnicas do
corpo e Uma categoria do espírito humano, que foram publicados pela primeira vez em
1934 e 1938, respectivamente. Para Mauss, o corpo é o primeiro e o mais natural
instrumento do homem. Cada alma tem seu corpo e deve submetê-lo segundo seus
interesses. O “homem total” é a soma de aspectos da sociologia, da psicologia e de sua
fisiologia (que é individual, mas não só). Como Lock e Scheper-Hughes (1987)
escrevem, para Mauss os impulsos inconscientes dos corpos devem ser dominados pela
consciência.
A idéia de usar o próprio corpo aparece na antropologia pela primeira vez em
Mauss (2003b), que caracterizou como “técnicas do corpo” as “maneiras pelas quais os
homens sabem servir-se de seus corpos”. Neste sentido, as técnicas do Yôga seriam
mais uma maneira de “usar” o corpo, um instrumento de algo “maior” ou superior,
como a alma ou a mente. Como bem apontou Márcia Teixeira (2001), Mauss considera
que o corpo faz parte da natureza, que tem leis imutáveis. Resta às culturas usar,
domesticar, treinar e aperfeiçoar o que está ao seu alcance, como o corpo – o seu
próprio e o dos outros. Mauss entende por “técnica” todo ato tradicional eficaz de
ordem mecânica, física ou físico-química. O fato de ser tradicional é importante porque
permite a transmissão do conhecimento técnico.
22
Para Merleau-Ponty não há dualismo entre corpo/ consciência e todo ato humano
“tem um sentido”, como já teria dito Sigmund Freud3, e o filósofo acrescenta que a
maneira de ser com relação ao mundo (maneira de se relacionar com o tempo e com
outros homens) projeta-se em todas as atitudes. A vida corporal e o psiquismo estão
numa “relação de expressão” recíproca, de forma que não é possível separar ação de
consciência.
Nosso argumento é que durante as aulas, os alunos aprendem a permanecer em
silêncio e imóveis conscientemente. Cada aluno participava „inteiro‟, não fazíamos
exercícios corporais ou para o corpo, como se as técnicas fossem aplicadas ao corpo; as
técnicas eram realizadas com o corpo, com a mente, com o espírito – enfim, era a
pessoa toda que realizava a técnica. Ficar em silêncio engloba tanto o não falar, como o
não fazer barulho ao se mexer e também não pensar nem sentir nada. Porém, não era
num estado de torpor que silêncio e imobilidade eram experimentados, ao contrário, era
recomendado permanecer consciente sobre o que se fazia. Era existir consciente do
silêncio que se aprendia a realizar fora e dentro de si. Quando se praticava esse
exercício, tornava-se mais fácil o controle dos estímulos internos e externos e, assim, o
“ficar em paz”.
Mais do que falar sobre o corpo, pretendemos falar com o corpo. Em outras
palavras, nossa análise considera o corpo como sujeito de conhecimento e não apenas
como objeto conhecido, o corpo como agente, como parte fundamental do que se
conhece e do como se pode conhecer. Para tal, Bruno Latour também é importante. Em
seu texto How to talk about the body (2004), descreve uma idéia de corpo como aquele
que aprende a ser afetado; ter um corpo é aprender a ser atingido por outras entidades,
sejam elas humanas ou não. Se um kit de odores, produzido na indústria farmo-química,
pode servir como técnica a ser aprendida para se distinguir vários odores, mesmo que
suas diferenças sejam sutis, significa dizer que o corpo aprendeu a ser afetado por
diversos odores. Como as próprias pessoas dizem, segundo exemplo de Latour, elas
“tornam-se um nariz”. O corpo é por ele definido como interface, como produto de
várias relações. Adquirir um corpo é um investimento progressivo que produz ao
mesmo tempo um meio sensível e um mundo sensível. Quando se adquiri uma técnica
nova, a pessoa é capaz de habitar em um mundo diferente. Assim, as técnicas de si, de
3
Merleau-Ponty está se referindo à Introdução à psicanálise de S. Freud.
26
que nos fala Michel Foucault (1994), são vistas por Latour como meios que ensinam a
própria pessoa a ser afetada.
Entendemos que as aulas de iogas, ao menos as de Yôga (onde efetivamente
fizemos nossa etnografia), despertavam a consciência dos estímulos para que, em
seguida, aprendêssemos a controlá-los. Assim como os produtores de perfume, sobre os
quais Latour nos fala, precisavam aprender a ser afetados pela maior diversidade de
odores para poder classificá-los e combiná-los; para os alunos de Yôga poderem “ficar
em paz” era preciso aprender a ser afetado conscientemente para poder classificar os
estímulos (se internos ou externos, por exemplo) e escolher aos quais reagiria.
E se nós estamos distinguindo estímulos internos dos externos, apesar disso não
ser dito, mas experimentado ao longo das aulas de Yôga, entendemos que seja
necessário apresentar a noção de pessoa segundo DeRose. Não há como falar em noção
de pessoa em antropologia sem partir de Mauss, que escreveu Uma categoria do
espírito humano: a noção de pessoa, a de “eu” (2003b). Neste texto, seu objetivo é fazer
uma história social da idéia de pessoa, que é, para ele, uma das categorias do espírito
humano. Mauss considera que a noção de pessoa é uma categoria que foi se
desenvolvendo no tempo em algumas civilizações. Para estudar como a noção de pessoa
foi elaborada nas diversas épocas, Mauss considera os direitos, os costumes, as
estruturas sociais e as mentalidades de diversas sociedades.
Maria Barroso em A construção da pessoa “oriental” no ocidente (1999)
desenvolve a idéia de Bildung como construção de si a partir do entrelaçamento de
características do pensamento romântico com o orientalismo. Ela explica como a idéia
de autoconhecimento na ioga pressupõe no Ocidente a noção de pessoa burguesa, a
qual é algo construído, adquirido, culturalmente renascido, pois o ser pode ser
aperfeiçoado, passar por um processo, um movimento que o transforme. Isso é curioso
quando comparado à noção de pessoa aristocrática, que tem um modelo já dado,
atribuído, pois o ser é algo divino e imutável.
A possibilidade de se construir difundida pela noção de pessoa burguesa é
fundamental para nós, posto que abordaremos a importância das pessoas mudarem.
Enfim, a idéia de que é possível se aperfeiçoar, se transformar, de que o homem pode
dispor de “técnicas de si” perpassa todos os discursos e práticas que estudamos.
E se a idéia de fabricação do corpo é discutida e desenvolvida em muitos
estudos de etnologia ameríndia, mais uma vez, queremos apontar a diferença entre
corpo-objeto e corpo-sujeito, este capaz de se construir por participar do processo.
27
Segundo Anthony Seeger, Roberto Da Matta e Eduardo Viveiros de Castro (1987), por
exemplo, uma das características das sociedades indígenas sul-americanas são as noções
ligadas a corporalidade e construção da pessoa como princípios de organização social.
O papel do corpo é ser uma matriz de significados sociais e objeto de significação
social. Victor Turner, Mary Douglas e Claude Lévi-Strauss têm em comum que a
corporalidade não é vista como experiência infra-sociológica, o corpo não é tido por
simples suporte de identidades e papéis sociais, mas sim como instrumento, atividade,
que articula significações sociais e cosmológicas; o corpo é uma matriz de símbolos,
que ocupa posição central, e um objeto de pensamento. A fabricação, decoração,
transformação e destruição dos corpos são temas em torno dos quais giram as
mitologias, a vida cerimonial e a organização social. Há discursos sobre fisiologia dos
fluidos corporais e os processos de comunicação do corpo com o mundo. O nome, as
substancias, a “alma” e o sangue dizem mais que a linguagem abstrata de direitos e
deveres. Também em nossa etnografia os fluxos corporais fazem parte da construção de
si, porém não como suporte, mas como agentes.
Precisamos voltar para a expressão “aprender a ficar em paz” por termos ainda
dois comentários a fazer. Um se refere ao fato de Foucault falar na capacidade do
homem de dominar técnicas que lhe possibilitem atingir um determinado fim (ser feliz,
puro, sábio, perfeito, imortal). Ele estudou essa capacidade em diversos grupos sociais
como a sociedade grega antiga e a “sociedade moderna ocidental”. Nestas duas
sociedades, ele identificou mecanismos de controle utilizados por um grupo para
dominar outro, sendo os asilos, as penitenciárias e as escolas, alguns dos exemplos
estudados por ele (FOUCAULT, 1997). No entanto, essa capacidade de atingir um fim
desejado mediante o uso de técnicas por meio do controle também é exercido por uma
pessoa em relação a si mesma, é o autocontrole. Para abordar essa habilidade, Foucault
cunhou a expressão “técnica de si” (1994; 1985), que diz respeito aos movimentos do
indivíduo sobre si mesmo por meio dos quais ele é capaz de interferir sobre seu corpo,
sua alma, seus pensamentos, suas condutas, seus modos de ser. Em outro texto,
Foucault e Sennett afirmam que “Se alguém quiser analisar a genealogia do sujeito na
civilização Ocidental, terá que levar em consideração, não somente técnicas de
dominação, mas também técnicas do self...” (1981, p.7 – grifo nosso). Sendo as
“técnicas do self” formas de subjetivação, pretendemos estudar que técnicas são
acionadas na construção de si pelos agentes sociais, como elas são entendidas e quais
são as motivações para exercitá-las (regularmente).
28
possibilidade deste refere-se a dois valores que consideramos comuns: noção de pessoa
holista e cuidado de si como auto-aperfeiçoamento. E como todo campo tem seus
objetos de disputa interna, não poderíamos deixar de apresentar os do campo das iogas.
Essa independência do campo das iogas sem pregar um isolamento de outros
campos de saberes ou práticas também precisa ser pensada em relação ao que estamos
chamando de campo da educação física, se quisermos localizar o contexto das iogas no
Rio de Janeiro e em Salvador. DeRose em Tudo sobre Yôga (2003) também faz questão
de distinguir as aulas de Yôga das de educação física, reforçando nosso argumento. Essa
separação dos campos das iogas do da educação física, principalmente nos últimos dez
anos, aproximou bastante os professores de diferentes estilos de iogas. Pensando na
idéia de que todo gosto por algo é produto de um processo social e histórico
(BOURDIEU, 1983b) era imprescindível apresentarmos, ao menos resumidamente, em
que sentido consideramos que o campo da educação física influenciou a demanda por
iogas nas duas cidades. A nosso ver, também era importante identificar os debates sobre
a legalização profissional do professores de iogas e as atitudes de (tentativa de) controle
destes pelos professores de educação física.
Compreender como as sensações são abordadas e estimuladas pelos professores
de iogas é importante porque se trata de um argumento utilizado por eles a fim de deixar
clara a diferença entre sua prática e a dos exercícios ministrados pelos professores de
educação física. É comum os professores de iogas afirmarem que sua particularidade é
abordar os alunos em sua “totalidade”, ao contrário do que os professores de educação
física fariam.
É na Parte 3 que analisamos algumas propostas do método Swásthya Yôga,
sistematizado por DeRose, disponibilizadas em três livros dele e no de Sérgio Santos,
professor de sua rede, posto nosso objetivo de entender as dimensões filosóficas que
conferem significados aos mecanismos de controle prescritos que viabilizariam o
“aprender a ficar em paz”. Nós nos apoiamos no conceito de “identidade relacional”
formulado por Edward Evans-Pritchard (2002), para apresentarmos a dimensão
filosófica que DeRose busca a fim de fundamentar a identidade do seu método. Como
ele o “sistematiza” sempre em comparação com outros estilos de iogas, também
abordamos outras dimensões (religiosas ou espirituais) que as fundamentam. Como
complemento ao que DeRose faz, fornecemos exemplos concretos que buscamos em
livros de outros professores de iogas, sendo dois de Hermógenes e um livro de Pedro
Kupfer.
30
Pierre Bourdieu em Como é possível ser esportivo? (1983) busca conhecer quais
condições históricas e sociais produziram o gosto pelo esporte ao constatar a existência
da relação entre as ofertas de práticas e consumos esportivos e a demanda social por
essas ofertas. Pretendemos saber como o gosto pelas iogas, que tem práticas e consumos
próprios, foi produzido a partir do Rio de Janeiro. A nosso ver, o gosto pelas iogas
pressupõe gostos desenvolvidos por meio de atividades físicas e uma espiritualidade
sincrética por meio da qual as pessoas convivem e, muitas vezes, freqüentam diferentes
explicações e rituais para as questões existenciais, tão presente no Rio de Janeiro e em
Salvador. Assim, nosso objetivo nesta parte da tese é apresentar o contexto no qual se
encontram as iogas no Rio de Janeiro e em Salvador a fim de identificar os espaços
ocupados tanto concretamente quanto simbolicamente.
Para tal esta parte da tese foi dividida em três momentos. No primeiro, nosso
esforço é delinear o que entendemos como sendo iogas e porque consideramos que é
possível falar em campo, considerando desde como encontrar aulas de iogas, quais os
locais onde elas são praticadas, e alguns professores que as ensinam, sem perder de vista
a diversidade que constitui o campo. Em seguida, estudamos convergências deste
campo com a religiosidade Nova Era, tendo como palavras-chaves sincretismo, holismo
e auto-aperfeiçoamento. Por fim, pretendemos expor algumas condições histórico-
sociais que possibilitaram o gosto pelas iogas no Brasil, examinando possíveis
influências vindas do campo da educação física e sua relação atual de disputa para saber
quem pode regular quem. Diante da atitude de alguns professores de educação física,
representados em sua Confederação, de querer regular outras atividades, consideramos
importante apontar o que este campo está disputando com o das iogas. No quadro
abaixo apresentamos, de uma maneira geral, alguns locais onde diferentes atividades
são realizadas no Rio de Janeiro e em Salvador a fim de demonstrarmos que há locais
comuns a diferentes práticas. Consideramos aulas de educação física, aulas de danças e
de lutas, além das aulas de iogas:
34
É importante salientarmos que seria necessário fazer uma história das iogas para
sabermos quando esses espaços começaram a se confundir uma vez que nos parece que
no início as atividades aconteciam em espaços físicos diferentes. O que não faremos,
nos restringiremos à apontar alguns dados para futuras pesquisas nesse sentido.
Esta parte da tese tem como fonte de dados algumas aulas e eventos de iogas que
freqüentamos, possibilitando observações e conversas, bem como artigos de jornais,
panfletos de propaganda que fomos encontrando nos locais que estávamos
freqüentando, e pesquisa em páginas na internet de 2004 a 2010.
35
4
http://www.google.com.br/search?hl=pt-
BR&q=yoga+rio+de+janeiro&btnG=Pesquisa+Google&meta=&aq=0&oq=yoga+rio+de+. Acesso em: 24
jul. 2009.
5
http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=+yoga+salvador+bahia&btnG=Pesquisar&meta=
Acesso em: 24 jul. 2009
36
6
Cf. página virtual com agenda de cursos do professor Pedro Kupfer http://www.yoga.pro.br/evento-
show/615/0/agenda-de-cursos-de-pedro-kupfer e de DeRose http://www.uni-
yoga.org/agenda_cursos_eventos.php Ambos acessados em: 08 abr. 2010.
38
este não existe. A nosso ver, o que está em jogo é a eleição de outros textos, cuja
maioria é de matriz indiana, para casarem com este capital cultural fundamental que
definem quais devem ser os objetivos das práticas. Esses outros textos, (que abraçam
filosofias, pontos de vistas e escritos religiosos, principalmente hindu) juntamente com
o de Patanjali, são lidos como explicações cosmológicas e, neste sentido, podemos
reformular o objeto de disputa do campo das iogas como sendo: a escolha pela “melhor”
explicação cosmológica que justifique e signifique o uso de determinadas técnicas das
iogas. Por causa disso, os professores discutem o que é ioga e o que não é, em outras
palavras, o que faz parte do capital cultural do seu campo.
Concepção de homem, metodologia a ser utilizada, críticas à sociedade,
importância do cuidado e do controle de si, relevância de se investir no corpo,... Tudo
isso gira em torno deste objeto de disputa enquanto interesses específicos deste campo.
Há várias filosofias indianas com pontos fundamentais em comum e com pressupostos
opostos (como o dualismo entre prakriti e purusha, ou sobre se é importante evitar o
prazer na vida – veremos isso no próximo capítulo da tese). Para nós, é na escolha das
cosmologias que está o foco da disputa uma vez que as técnicas não variam muito, mas
a metodologia sim.
A escolha por uma determinada cosmologia e por quais mestres são tidos como
referências importantes direciona o foco ao que se vai ensinar e, conseqüentemente, a
metodologia durante a prática das iogas. Por ora, interessa-nos deixar claro que cada
professor, ao escolher qual ou quais estilo(s) de ioga ensinará, defende que o(s) estilo
(s) escolhido(s) é o melhor e para tal elabora uma série de argumentos. Neste sentido, a
defesa procura um fundamento que a sustente para justificar o que é mais relevante. As
diferentes escolhas metodológicas indicam diversidade e por isso existem muitos
estilos de iogas aqui no Brasil, visível por meio da diferentes nomenclaturas, revelando,
assim, o que está em jogo. Generalizando, se o professor escolhe apenas um estilo ele só
se interessa por um objetivo (no caso do Mantra Yoga o objetivo principal é concentrar-
se através de expressão vocal de determinados sons), ou esse estilo abraça vários
objetivos não sendo necessário buscar outros (argumento utilizado por DeRose, por
exemplo).
Quando questionamos quais técnicas serão ensinadas nas aulas de iogas (o quê
se aprende) estamos nos referindo às outras além daquelas cinco principais que
apontamos. Assim, por exemplo, alguns professores de iogas optam por entoar mantras
39
durante as aulas, outros não; uns optam por executar kriyás, quando em algumas aulas
nem se fala sobre isso.
De uma maneira geral, observamos que os estilos de iogas mais espiritualistas
enfatizam as práticas que ajudariam o “processo de evolução espiritual”, tendo a
meditação e os mantras como principais focos. Os não espiritualistas ou menos
espiritualistas enfocam na prática de ásanas e no grau de dificuldade de realização
destes. Sobre a forma do aprendizado, apontamos aqui três tipos (fala, demonstração e
toque) conforme o que identificamos durante nossa observação participativa sabendo
que seria interessante realizar pesquisas com outros estilos de iogas para poder
compará-los. Até o momento, parece-nos que os estilos mais preocupados com saúde
enfatizam um número maior de variedade para cada uma das técnicas das iogas.
Aqueles cujo objetivo principal é uma “evolução espiritual” enfatizam a prática de
meditações, por exemplo, disponibilizando mais minutos na sua realização do que em
outros estilos.
Mais a frente, apontaremos alguns acontecimentos referentes às disputas internas
deste campo em torno deste objeto. No momento, interessa-nos a identificação feita por
Bourdieu, segundo Nogueira e Nogueira (2006), de três modalidades do capital
cultural, que pode ser incorporado, objetivado e institucionalizado. Sobre este
falaremos mais adiante. De uma maneira geral, os professores de iogas sabem fazer
(executar as técnicas e pronunciar e traduzir ao menos algumas palavras em sânscrito),
ensinar e explicar. Essas habilidades referem-se ao que foi por eles incorporado acerca
das técnicas e do seu conhecimento. A principal forma como esse capital cultural
incorporado é reproduzido é através das aulas – práticas em grupo tendo alguém (o
professor ou mestre) investido de autoridade por aquele que o formou (podendo ser um
mestre indiano que lá resida ou uma escola na Índia) e pelos alunos reconhecidos. A
medida que os seus alunos aprendem as técnicas e as cosmologias estes estão
incorporando este capital e pertencendo a este campo das iogas.
Os bens culturais produzidos são o capital cultural objetivado, e alguns
exemplos são os livros adquiridos sobre tradição hindu e filosofias indianas, nos mais
diversos idiomas dominados pelos professores (sobre Sámkhya, Tantra, Yoga Sutra de
Patanjali, livro dos Vedas, Bhagavad-Gita) e os livros de mestres, swamis e
comentadores por eles respeitados (Eliade, Feuerstein, Zimmer, etc.), a produção
nacional dos próprios professores de iogas (Hermógenes, DeRose, Kupfer, Caio
Miranda, etc), elaboração de paginas virtuais, gravação de músicas indianas e mantras
40
em fitas K7, Cds, VHS e DVD, vídeos demonstrando a realização de técnicas, traduções
de textos fundamentais para o português, e etc. Essa produção e disponibilização
viabilizam uma literatura comum aos professores de iogas do Brasil. Os bens culturais,
como dissemos a pouco, podem ser consumidos por pessoas do campo das iogas, que
geralmente são seus produtores e consumidores regulares, e por pessoas de fora do
campo. Imaginemos que um professor de educação física utilize um CD com mantras
no final de uma aula de ginástica numa academia com o objetivo de relaxamento.
Para falar em campo é preciso ter claro quais são os seus agentes sociais. No
campo das iogas, entendemos que eles são os professores de iogas, as instituições por
eles criadas e os alunos regulares. Sobre estes falaremos no capítulo quatro desta tese,
restando-nos agora analisar os outros dois tipos de componentes. As instituições que
encontramos podem ser verificadas no quadro abaixo:
41
REGIÕES ÓRGÃOS
Brasil (nacional) ABDTY (Associação Brasileira de Dakshina Tantra Yoga)
ABPY (Associação Brasileira de Professores de Yoga)
ABYCYE (Associação Brasileira de Yoga Científico e
Yoga Esporte)
ABYOGA (Associação Brasileira de Yoga Antigo)
Aliança do Yoga (ONG)
ANYI (Associação Nacional de Yoga Integral)
CBY (Confederação Brasileira de Yoga)
Centro Cultural Brasil-Índia
COBAPEPY (Confederação Brasileira de Professores e
Praticantes de Yoga)
Colegiado de Yoga do Brasil
Confederação Brasileira de Yoga Desportiva
CONYB (Confederação Nacional de Yoga do Brasil)
FYB (Federação de Yoga do Brasil)
União Brasileira de Yoga Cientifico e Desportivo
Grupo DeRose do método Swásthya Yôga:
- Confederação Nacional de Federações de Yôga do Brasil
- Conselho Federal de Yôga
- Sindicato Nacional dos professores de Yôga
- União Internacional de Yôga do Brasil
- Uni-Yôga (União Nacional de Yôga)
Brasil de 1889 a 1961, parece-nos ser esse um dos motivos da concentração destas
instituições (ABDTY, ABPY na Tijuca, ANYI) no Rio, embora não seja de forma
exclusiva pois as sedes da CBY e da ABYCYE , encontram-se em Porto Alegre. Em
São Paulo, estão o Colegiado de Yoga do Brasil, que foi fundado em 2002, e a filial da
IYTA ou AIPYB.
Acreditamos que com o intuito de se auto-representarem e diante da diversidade,
apontamos para o fato de terem sido criadas instituições de estilos específicos de iogas,
como a ABDTY, que fica em Copacabana e a ANYI, cuja sede fica na Tijuca, e todas as
instituições do método do Swásthya Yôga. A ONG Aliança do Yoga, que tem
regimento interno, estatuto social e ata de constituição surgiu há pouco tempo, em 2002,
devido a conflitos que surgiram com as propostas dos professores de educação física
regularem, fiscalizarem e, se for o caso, punirem os professores de iogas.
Apresentemos agora alguns professores de iogas, posto que estamos abordando
os agentes sociais do campo das iogas.
8
http://www.orion.med.br/portal/index.php
9
http://www.orion.med.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=185&Itemid=126&li
mitstart=1 Acesso em: 12 mar. 2009.
10
Conseguimos baixar trechos deste livro a partir do site www.iipc.org.br/bastiou. Acesso em 2007.
44
alguns de seus ex-alunos pediram autorização para darem aulas de ioga. Ele não diz em
que ano esse centro foi aberto.
Segundo Cláudio Azevedo, Jean-Pierre Bastiou teria chegado ao Brasil em 1952,
e aberto uma academia de fisioculturismo. Anos depois, Bastiou teria entrado para o
mosteiro Amo-Pax, onde teria tido “uma vasta orientação espiritual, numa mescla de
esoterismo, rosacrucionismo, teosofia, martinismo e Yoga”. Bastiou teria começado a
dar aulas de ioga em 1957 no Rio de Janeiro. Enquanto em São Paulo, o professor
Shotaro Shimada (1929 – 2009), que lutava judô, teria começado a dar aulas de ioga em
1956.
Maria Helena de Bastos Freire (1928- ) foi aluna de Shotaro Shimada em São
Paulo e também é considerada uma das pioneiras no ensino de iogas no Brasil. Ela
fundou no Brasil em 1975 a filial da IYTA (International Yoga Teachers Association -
Associação Internacional dos Professores de Yoga), e é a “Presidente Honorária” desta
filial. A matriz da IYTA fica em Sydney, Austrália11. Esta professora de ioga tem seu
Centro de Estudos Yoga Narayana desde 1966 em São Paulo, no qual oferece diversos
cursos:
Maria Helena foi quem trouxe para o Brasil, em 1973, o sistema Ashtanga
Vinyasa Yoga, sistematizado por Sri K. Pattabhi Jois, mestre indiano. Nos Estados
Unidos esse sistema teria sofrido algumas alterações dentre elas na própria
nomenclatura que passou a ser Power Yoga13. De 2002 para cá, Maria Helena participa
do Colegiado de Yoga do Brasil Dharmaparisad que fundou. Apesar de se dizer que as
aulas iniciaram em 1956 (São Paulo) ou 1957 (Rio de Janeiro), Azevedo faz questão de
frisar:
11
http://www.yogateachers.com.br/quemsomos.htm. Acesso em: 07 abr. 2009.
12
http://www.yoganarayana.com.br/ Acesso em: 07 abr. 2009.
13
Cf. http://www.terra.com.br/istoe/istoe_sp/esportes_2004/reportagens/mestre_do_esporte_ioga.htm.
Acesso em: 07 abr. 2009 - Reportagem do 03/Nov de 2004.
45
14
http://www.orion.med.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=185&Itemid=126&li
mitstart=1 Acesso em: 12 mar. 2009 – grifos nossos
15
Cf. www.iipc.org.br/bastiou. Acesso em 2007.
46
como “o pioneiro em medicina holística no Brasil” e Caio Miranda (1909 - 1969) foi
quem escreveu o primeiro livro brasileiro sobre Yoga, na década de 60. Caio Miranda
ao fundar sua academia e “autorizar” seus alunos a darem aulas em diversas outras
cidades seria o responsável por transformar a prática de Yoga em profissão. Os livros de
Hermógenes e Caio Miranda são os primeiros sobre Yoga escritos no Brasil. Em 1962,
Hermógenes abriu sua Academia de Hatha Yoga. Assim, as iogas surgem exatamente
no contexto medicina-militares-educação física (sobre o que falaremos mais adiante
nesta parte da tese), sendo extrapolado e envolvendo outros contextos.
Outros dois professores que começaram a lecionar na década de 60 até os dias de
hojeno Rio de Janeiro são Orlando Cani e Paulo Murilo Rosas. Orlando Cani (1935-),
junto com sua esposa Nari, e mais tarde com sua filha Roberta Cani, dá aula de Hatha
Yoga em Copacabana, tendo sido aluno de Bastiou. É professor de Educação Física
desde 1956 e de Yoga desde 1961, competiu e treinou diversos atletas ao longo desses
mais de cinqüenta anos16. Paulo Murilo Rosas (19?? -) é professor de Tantra Yoga no
KAILASA, filosofia, yoga e terapias, que fica em Copacabana e onde também
trabalham outros professores17. É ele quem dirige KAILASA e sua formação foi com
mestres indianos: “... estudou com os mestres Dhirendra e Datattreya no Vishwayatan
Yogashram, em Nova Déli, e trouxe os ensinamentos do Tantra para a América do Sul.
Foi também aluno de Mantra Yoga do Swami Devananda Maharaj e de Hatha Yoga de
B.K.S.Iyengar e outros mestres indianos...”18.
Nem todos os professores saíram do campo da educação física e um exemplo é
Luiz Sérgio Alvarez DeRose, ou Mestre DeRose (1944-), que foi apresentado às iogas
ao freqüentar reuniões esotéricas (DE ROSE, 1996). Segundo Azevedo19, em 1975,
DeRose criou a Uni-Yôga “marca registrada” que se refere a várias instituições de seu
Yôga20. DeRose sistematizou o seu próprio método – o Swásthya Yôga – a partir do que
ele conheceu durante suas estadias em diversos locais na Índia, que, segundo ele, é o
mais completo. Muito ativo, ousado e polêmico, não há quem não o conheça no campo
das iogas. Tem mais de 20 livros escritos e um blog21 onde se pode ver algumas
16
cf. http://www.orlandocani.com.br/main.htm.
17
cf. http://www.tantrayoga.com.br/
18
http://www.tantrayoga.com.br/linhagem.shtml. Acesso em: 17 abr. 2010
19
http://www.orion.med.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=185&Itemid=126&li
mitstart=1
20
(http://www.uni-yoga.org.br/sobre.php - Acesso em: 07 abr. 2009
21
(http://www.uni-yoga.org/blogdoderose
47
entrevistas. No seu site pode-se ler que há mais de 5.000 instrutores de Yôga no Brasil,
nas Américas e na Europa22.
Considerando as iogas no Estado do Rio de Janeiro, Horivaldo Gomes é um
agente social importante. Professor de Yoga em Niterói, bacharel em Direito pela
Faculdade Cândido Mendes, escritor e diretor do Núcleo Cultural Samyama de Yoga,
há 25 anos23, foi eleito, pelas Associações de Yoga do Rio de Janeiro, da FEYRJ
(Federação de Yoga do Rio de Janeiro) ele é presidente24, assim como é o presidente da
ANYI25. Horivaldo esteve na Índia, onde foi iniciado no Yoga Integral (Purna Yoga)
em Pondicherry, sul da Índia, no Sri Aurobindo Ashram26. Publicou sete livros e
realizou muitos projetos, como por exemplo, a Semana de Yoga no Rio de Janeiro em
2005.
Formados por DeRose no estilo Swásthya Yôga, destacamos dois professores,
Sérgio Santos e Carlos Cardoso. Sérgio Santos (1959-), professor desde 1984 e
presidente da Federação de Yôga de Minas Gerais, escreveu um dos livros que
analisaremos na próxima parte da tese – Yôga, Sámkhya e Tantra (1995). Carlos
Cardoso (1959-) baiano que tem sua sala em Salvador e é professor desde 1987, possui
mestrado em Yôga pela Universidade Internacional de Yôga; além disso, é formado em
Composição e Regência pela Universidade Federal da Bahia. Com seus cursos sobre
mantra após formação como regente, viaja pelo Brasil e no Exterior, tendo sido
“premiado duas vezes em concursos de compositores e participou da Orquestra
Sinfônica da mesma Universidade [UFBA] como violoncelista” 27.
Na ONG Aliança do Yoga, destacamos dois professores, Pedro Kupfer Escuder
e Anderson Allegro. Pedro Kupfer (1966-), uruguaio radicado no Brasil, começou a
praticar ioga em 1983 com a professora indiana Swami Yogashakti, discípula de Swami
Satyananda. Em 1986 mudou-se para o Brasil e no ano seguinte foi pela primeira vez à
Índia, para onde volta regularmente. Fez diversos cursos, dentre eles um com Rudra
Dev, discípulo de BKS Iyengar, e Ashtanga Vinyasa Yoga no Ashtanga Yoga Nilayam,
em Mysore, dirigido por Sri K. Pattabhi Jois. Atualmente mora em Mariscal, onde
22
http://www.uni-yoga.org.br/main.php.
23
Cf. http://www.festivaldemantras.com.br/info.htm.
24
Cf. www.shanti-info.com.br/samyama.
25
Cf. http://www.anyi.com.br/anyi.htm. Acesso em: 07 abr. 2009.
26
Cf. http://www.shanti-info.com.br/samyama/horivaldo.htm.
27
http://www.mestrecarloscardoso.com.br/Mestre_Carlos_Cardoso/Home.html Acessado em: 17 abr.
2010
48
28
http://www.yoga.pro.br/evento-show/798/0/formacao-em-yoga. Acesso em: 17 abr. 2010
29
Cf o endereço www.yoga.pro.br.
30
Cf. www.yogasite.com.br/yogasite/cursosge.htm.
31
Cf. www.aliancadoyoga.com.br.
32
http://yoga-integral.org/taunaybio.htm. Acesso em: 17 abr. de 2010
49
33
Cf. http://www.profhermogenes.com.br. Acesso em: 26 jun. 2005 e 10 mar. 2009.
34
http://www.yoganarayana.com.br/# Acesso em: 07 abr. 2009.
35
http://www.tantrayoga.com.br/linhagem.shtml. Acesso em: 17 abr. 2010
50
36
Há diversas revistas sobre iogas, mas, nesta apresentação, estamos nos atendo às escritas e organizadas
pelos próprios professores de iogas. Não ignoramos o fato de que outros profissionais escrevem sobre o
assunto, sendo as revistas Prana Yoga Journal e a Yoga Journal dois exemplos.
37
Cf. também o site http://www.oatmayoga.com.br.
51
Nova Era, mas que não estamos considerando por serem muito misturados com outras
linhas de produtos. Há também os Cadernos de Yoga organizados por Kupfer38, cuja
primeiro número é de 2004. A revista “Yôga Review” da Rede De Rose foi publicada a
partir de 2003.
Hermógenes vem publicando há algumas décadas e tem por volta de 30 livros.
DeRose escreveu mais de quinze livros que, inclusive, fazem parte da formação
universitária dos seus alunos e são leitura obrigatória para estes. Pedro Kupfer publicou
seu primeiro livro no início do século XXI e vem aumentando o número de livros de lá
para cá, que estão disponíveis em muitas livrarias.
Também há muitos panfletos de propaganda que recebemos depois ou durante as
aulas ou durante eventos nos fins-de-semana. São folhas com esquemas e resumos
dados pelos próprios professores a fim de que os alunos possam reler depois com calma
e estudar o que foi dito durante as aulas. É comum os professores indicarem bibliografia
estrangeira para seus alunos. Alguns estão traduzidos, outros não, de qualquer forma,
hoje em dia já há muitos livros disponíveis nas grandes livrarias.
Não sabemos precisar quando as páginas virtuais de iogas começaram a ser mais
uma opção de comunicação e divulgação de eventos, aulas e questões políticas para os
professores do Rio de Janeiro e de Salvador. Há muitos sites e homepages e a cada ano
sua quantidade aumenta, assim como a qualidade delas melhora no sentido de
disponibilizar mais informações – histórico do estilo de ioga do professor, seu currículo,
seus horários, endereço, fotos, agenda com eventos passados e futuros.
Também há divulgações que não diferenciam os estilos de iogas e tratam as
aulas de iogas como sendo tudo “Yoga”. Geralmente essas propagandas ou indicações
são feitas por não especialistas, ou seja, não são professores de iogas, mas outros
profissionais como no caso de médicos que indicam à gestante fazer Yoga 39, ou de
programas em empresas que oferecem aos seus funcionários a prática de “Yoga” 40.
Não esquecemos o fato de que a relação entre oferta e demanda – neste caso, a
oferta sendo o que os professores ensinam em suas aulas, e a demanda o que alunos e
outras pessoas da sociedade esperam ou desejam com essas aulas – é de influência
mútua, porém nesta tese não estudaremos essa relação. Se um candidato a aluno de
iogas quiser pesquisar o que profissionais de outras áreas pensam sobre as iogas, ele
38
http://www.cadernosdeyoga.com.br/index.php. Acesso em: 29 jul. 2009.
39
http://www.sitemedico.com.br/sm/materias/index.php?mat=624&PHPSESSID=2a29ad47a00c48b737fe
ee3f14aa59a8. Acesso em: 07 abr. 2010
40
http://oglobo.globo.com/saude/vivermelhor/mat/2006/09/12/285621087.asp. Acesso em: 07 abr. 2010
52
utilizem essa palavra em suas propagandas, por considerarem que isso reduz o valor de
suas iogas, o conteúdo sempre acaba se referindo a benefícios alcançados.
Por exemplo, num folder de propaganda do Espaço Saúde41, localizado no bairro
Laranjeiras, há uma lista dos horários de cada professor, os preços, que são
“investimento em você, na sua saúde, no seu bem-estar” (grifos nossos). No verso
pode-se ler que “... Dois milhões de americanos, 500 mil britânicos e mais de 300 mil
brasileiros também elegeram o Yoga como sua prática diária de manutenção e
recuperação da saúde” (grifo nosso). Logo abaixo, na mesma página há uma citação
conferida à Sting, membro do grupo de rock inglês The Police, que é identificado no
folder como “cantor, compositor e ativista ecológico”, ou seja, alguém ligado à arte e
que não só valoriza a natureza, como faz parte de movimentos políticos:
41
Pegamos o folder no local no segundo semestre de 2004.
54
dos ocidentais” (JB, 2004, p.16 – grifos nossos). Os professores de iogas não são os
únicos que conhecem técnicas de meditação, no entanto na capa a foto é da filha de
Orlando Cani, um dos primeiros professores de ioga no Brasil.
O procedimento de afirmar que são valores universais (“todas as religiões”) o
“acalmar a mente” e “tranqüilizar o coração” são considerados por Amaral (2000) e
Magnani (2000) como sendo típicas de fenômenos Nova Era tanto por buscarem uma
idéia de universalidade, quanto pela noção de pessoa holista, onde o ser humano é
abordado em sua totalidade e não de maneira fragmentada. A técnica de meditação
aborda a pessoa em sua mente, suas emoções e seu corpo (afinal coração pode ser
interpretado no sentido literal e metafórico).
A noção de pessoa holista também é encontrada na propaganda do estilo de ioga
Swásthya Yôga disponibilizada numa livraria no Rio de Janeiro, onde podemos ler a
frase “Qualidade de vida na prática” em cima de uma foto com alguém realizando uma
postura (ásana):
42
http://www.yogariodejaneiro.com/
55
Um leigo pode pensar que “respirar melhor” é apenas uma técnica física, porém,
conforme veremos mais adiante não é isso que os professores de Yôga e iogas ensinam.
Mas de qualquer forma quando está escrito que no Swásthya Yôga aprende-se a
“relaxar” e a se “concentrar” então o leigo pode pensar em corpo, mente e emoções,
embora isto não esteja claro. Como veremos mais adiante, DeRose afirma que seu Yôga
é para pessoas jovens e saudáveis – e as fotos não deixam dúvida quanto a isso. É mais
uma propaganda que valoriza o “bem-estar”, o sentir-se bem. Quando estávamos em
Salvador encontramos um folder semelhante do mesmo estilo de ioga:
Atualmente, além das propagandas, o candidato pode optar por andar pelas ruas
das duas cidades e facilmente encontrará alguma plaquinha ou identificação de aulas de
iogas, além de ser possível procurar na internet endereços de diversos estilos, como já
expusemos. No Rio de Janeiro encontramos aulas de iogas em todas as Zonas da cidade
– da zona sul (Copacabana, Ipanema, Leblon, Largo do Machado, Gávea, Botafogo,
etc.), da norte (Tijuca, Méier, Vila Isabel, etc.) à oeste (Jacarepaguá, Barra da Tijuca,
Itanhangá, Recreio, etc.). Em Salvador também encontramos aulas de iogas em várias
partes da cidade – Cidade Baixa (Centro Antigo, Bonfim), Centro (Canela, Campo
Grande, Pelourinho, Barris, Graça, Garcia, Corredor da Vitória), em bairros litorâneos
(Barra, Ondina, Rio Vermelho), nos bairros mais recentes (Pituba, Caminho das
Árvores, Iguatemi) chegando até às áreas limítrofes com outros municípios (Itapuã,
Stela Maris, Vilas do Atlântico), como o de Lauro de Freitas (onde fica o aeroporto de
Salvador). Em ambas as cidades, não há um nicho das iogas, o que percebemos é que
alguns estilos podem ser encontrados em vários bairros ou, principalmente no caso dos
centros alternativos, terem uma única filial com determinado estilo.
Identificamos três tipos de locais onde os dos professores de iogas dão suas
aulas: a) academias de ginástica/musculação e clubes, b) centros alternativos, e c) salas
específicas para ioga. As academias de ginástica/musculação e clubes são os locais
onde os tipos de ioga que predominam são o Hatha Yoga, quando as aulas são
direcionadas para o público da terceira idade ou para pessoas que querem aulas “mais
tranqüilas”, e Power Yoga ou ioga fitness, cujo objetivo é ser mais uma opção para
“manter a boa forma” emagrecendo e alongando. Alguns locais que identificamos no
Rio de Janeiro: aula de “Yoga Fitness” e “Yoga” na academia Body planet
(Jacarepaguá), aula de “Yoga” na academia A!Body Tech (Barra da Tijuca, Leblon,
Ipanema, Cachambi), aula de “Yoga” na academia Companhia Atlética (Barra da
Tijuca); em Salvador, Academia House Fitness Ltda (Brotas), Academia Hangar 45 no
Shopping Aeroclube, Jump Way Fitness (Chame-chame), Triathlon Health Club
(Graça), dentre outras.
Os centros alternativos oferecem várias atividades e as aulas de ioga são
apenas mais uma das opções por eles oferecidas. O CÍTARA (Copacabana), a Casa de
Pedra (Gávea) e Espaço Nirvana (Gávea e durante um tempo no BarraShopping) e, em
Salvador, a Casa de Yoga (Caminho das Árvores), no bairro da Pituba encontramos
Espaço Mahatma Gandhi, “Clínica Rosácea, uma postura de vida”, “Ponto de equilíbrio,
Pilates e Yoga”. Embora neste último, como o próprio nome diz, há uma ênfase nas
59
aulas de iogas, elas não são atividades exclusivas. Nestes locais, além das aulas de iogas
também são oferecidos outros serviços como massagem, nutricionista, acupuntura, aulas
de dança, pilates, método Alexander etc. A Organização Brahma Kumaris tem filiais
tanto no Rio de Janeiro (Copacabana), quanto em Salvador (sede nos Barris, filial na
Graça).
Amaral (2000) entende por espaços holísticos como sendo aqueles que
oferecem atividades que venham a contribuir para o “desenvolvimento integral” das
pessoas que os procuram, nos planos mental, corporal e espiritual. Magnani (2000)
define atividades holísticas como todas aquelas que englobam as “dimensões
espiritual, física e mental”. Neste sentido, entende-se que a pessoa deve dar atenção ao
seu todo, sem reprimir nenhum de seus aspectos. Este autor divide essas atividades em
três grupos: a) divulgação e formação, cujo objetivo é difundir os diferentes sistemas e
ensinar suas aplicações; b) terapias (alternativas), por meio das quais pretende-se curar
ou prevenir distúrbios, bem como desenvolver potencialidades psíquicas ou corporais
(terapia com floral e massoterapia são dois exemplos); e c) vivências, que englobam
cerimônias e ritos realizados por ocasião de datas especialmente significativas.
No caso das aulas de iogas, elas se referem tanto ao grupo de formação no qual
se difunde e ensina técnicas, quanto, em alguns casos, ao de terapia, pois algumas vezes
fala-se sobre como as iogas podem curar várias doenças. Um exemplo bem
característico é a construção da “Yogaterapia” feita por Hermógenes. Além disso,
considerando “integral” as dimensões corpo, mente e espírito, as iogas seriam uma das
atividades que ajudam o desenvolvimento das pessoas uma vez que suas técnicas
envolvem a pessoa como um todo.
Por fim, há as salas específicas para ioga, que podem ser de um único professor
ou de alguns professores e pode haver o ensino de vários estilos de iogas. Encontramos
no Rio de Janeiro: a Academia Hermógenes, que afirma trabalhar com Yogaterapia, um
método que explica em seus livros (centro da Cidade), sala da professora Ana Mourthé
(Largo do Macha
(Itaigara)
que tem aulas de três estilos - Vinyasa Yoga, Ashtanga Vinyasa Yoga e Iyengar Yoga43.
Nas duas cidades, encontramos Unidades de Swásthya Yôga (Leblon, Barra da Tijuca e
43
http://www.yogadinamica.com.br/home.asp.
60
44
Este termo “movimento” é pouco empregado porque a Nova Era não se apresenta como algo
organizado de forma homogênea.
63
importância, por exemplo. Também não são poucos os casos em que trajetórias
individuais sejam marcadas por mudanças de igreja, pastor, paróquia, culto, e até
mesmo de religião.
As visitações do Santo Ofício oferecem vários exemplos da presença de pessoas
aparentemente insuspeitas de não praticarem o catolicismo romano. Comerciantes
prósperos das Minas Gerais em casos de “feitiçaria”; padres legitimando rituais
indígenas; judeus convivendo com luteranos em Recife e com eles realizando trocas
comerciais; proeminentes figuras do Império pertencendo simultaneamente a Lojas
Maçônicas e às paróquias religiosas, fazendo a elas doações; a Igreja católica aceitando
doações a fim de salvar almas pecadoras sem perguntar a origem religiosa do dinheiro e
do doador. No período republicano, as imigrações européias, árabes e orientais,
provocadas pelo processo de industrialização acelerado do país e o aumento da
migração com o empobrecimento de outras regiões rurais brasileiras, encontram formas
de construir suas crenças em novos espaços geográficos, reconhecendo situações de
maior e menor constrangimento político e policial da parte das autoridades do Estado.
Essas pessoas, mesmo com todas essas dificuldades, conseguiram desenvolver seus
ritos, cultos e construir templos – como igrejas protestantes, sinagogas, mesquitas,
terreiros, templos budistas, e, após os anos 1960, templos evangélicos e casas de cultos
místicos de variados tipos.
Para Montes, o estabelecimento de uma sociedade industrial de consumo de
massas não obscureceu a importância das redes de sociabilidade em torno das crenças
religiosas, nem promoveu um distanciamento do homem em relação com o sagrado. No
Brasil, observa-se um aumento das opções de lugares para a construção e o exercício da
crença mágico-religiosa, principalmente no meio urbano complexo, com suas mais
variadas opções, a continuidade do trânsito das pessoas. Segundo Montes, a
modernidade tecnológica produzida pela valorização das informações e das imagens
vem tornando possível aumentarmos o foco sobre a pluralidade de experiências
religiosas, pessoais e coletivas, no Brasil, ainda sem a predominância de critérios de
origem étnica, racial ou de nascimento – no sentido mais amplo dessas palavras – como
premissas de aceitação.
Importante lembrarmos que se o boom da Nova Era no Brasil aconteceu por
volta da década de 70, é porque uma série de práticas que seriam por ela englobadas já
aconteciam aqui, como o caso das iogas que acabamos de ver, cujas aulas já eram
disponibilizadas no mercado de bens de consumo na virada da década de 50 para a de
64
60. Num caso mais radical, o próprio Magnani (2000) escreve que a maçonaria já existia
no Brasil desde o final do século XVIII, assim como sociedades Teosóficas no início do
século XX.
Segundo York (1995 apud CAROZZI, 1999), diversas disciplinas e técnicas são
difundidas por uma extensa rede de organizações viabilizando os conhecimentos e
disponibilizando-os aos usuários. São essas disciplinas e técnicas e também filosofias e
religiões com suas explicações sobre as coisas que acontecem neste mundo que estamos
considerando como sendo os conteúdos peculiares da religiosidade Nova Era. Interessa-
nos apresentar o quê é misturado segundo identificações e classificações feitas por
alguns pesquisadores (AMARAL, 2000; CAROZZI, 1999; MAGNANI, 1999; 2000).
Assim, ao contrário, por exemplo, das autoridades de religiões de matriz africana no
Brasil que não só valorizam a origem como a consideram fundamental para a identidade
do grupo, embora constate-se sincretismo (DANTAS, 1988; FRY, 1982), o fenômeno
Nova Era revela a importância que confere à “descontextualização” de conteúdos de seu
lugar de “origem” substituindo o valor da origem geográfica específica pela
universalização pretendendo-a inclusive atemporal. Isso é feito, valorizado e defendido:
há a “... busca de uma visão transformadora de si e do mundo para além dos limites de
qualquer cultura particular, sistema político ou religioso, tentando ultrapassar (...) as
formas de pensamento do velho mundo, suas teologias e crenças.” (AMARAL, 2000,
p.28 – grifos nossos).
Leila Amaral escreve que o fenômeno Nova Era “... seria a possibilidade de
transformar, estilizar, desarranjar ou rearranjar elementos de tradições já existentes e
fazer desses elementos metáforas que expressem performaticamente uma determinada
visão...” (p.32 – grifo da autora). Neste fenômeno faz-se uso de elementos culturais que
não ficam mais:
movimento, cujo principal objetivo é juntar domínios (até então) inusitados a fim de
suspender certas dualidades do mundo e do humano em relação ao divino: “... vem
deixando de ter, necessária ou exclusivamente, um lugar fixo de hibridação e passou
a se constituir, também, no deslocamento, na circulação e no fluxo de identidades...”
(p.17 – grifos nossos). Sobre as características da Nova Era, Amaral escreve que a
cultura espiritual parte sempre de uma “religiosidade caleidoscópica” ou de um
“sincretismo em movimento”.
Leila Amaral cunha o conceito de “errância religiosa”, para o que ela defende
ser uma das novas condições da existência espiritual e religiosa na sociedade
contemporânea. Para ela, o ponto máximo da errância espiritual da Nova Era é atingida
na cidade através dos diversos serviços oferecidos pelos centros holísticos – conjunto
de espaços na cidade com extensa e variada rede de serviços. Esta rede cobre diversos
campos de interesse de seus freqüentadores passando pela espiritualidade, alimentação,
medicina alternativa, artes, turismo e ecologia. Decorrente da errância, Amaral
identifica uma “descanonização da relação entre lugar e essência”.
José Guilherme Magnani em O Brasil da Nova Era (2000) identifica que no
final dos anos 80 e na década de 90 a Nova Era se diversifica e torna-se cosmopolita e
ganha proporções de mercado:
Assim, cresce nos grandes centros urbanos, por exemplo, a demanda por itens de
consumo produzidos de acordo com princípios considerados “naturais”. E na virada do
milênio, usar a expressão “Nova Era” é correr o risco de designar simultaneamente um
leque de tendências mais amplo que aquele inicialmente sugerido. Para este
antropólogo, na Nova Era: “... o adepto seria seu próprio oficiante: a revelação e os
preceitos não viriam de fora, de uma instância transcendental, mas do íntimo de cada
um, considerado como o templo de uma „centelha divina‟ primordial...” (p.08 – grifo
nosso). Nova Era não é uma religião específica, pois não necessariamente funda nem
está fundamentada em hierarquias, dogmas, cultos organizados, nem doutrina revelada.
67
(mental). A nova proposta de se relacionar consigo mesmo é de que isso seja feito
considerando a totalidade da pessoa. Neste sentido, entendemos que há uma noção de
pessoa holista na maneira como as técnicas são exercitadas, ou seja, a pessoa é
transformada no seu todo, não há a idéia de que os ásanas, por exemplo, são apenas
para trabalhar o físico como se a mente, o psiquismo e o espírito não participassem
dessa atividade. Ao contrário, toda técnica é realizada com a participação integral da
pessoa.
Na página virtual do CÍTARA, o professor de iogas Roberto Nogueira, ao
explicar uma técnica de Yoga, escreve “... O Yoga Suksma Vyayama é uma série
regular de exercícios ritmados onde músculos, articulações, respiração, coordenação e
45
concentração são trabalhados para integrar corpo, mente e espírito...” . Assim, a
integridade é tanto o objetivo quanto a metodologia da técnica. Em outra página virtual,
desta vez do KAILASA, podemos ler o que Paulo Murilo Rosas escreve sobre a técnica
“Yoga Nidrá”: “... Método de relaxamento cujo objetivo é o equilíbrio físico, mental e
espiritual (divisão meramente didática) através do relaxamento profundo
consciente...” 46.
No entanto, e isso é curioso, a concepção holista, segundo Barroso (1999),
entende que a pessoa participa de um todo que engloba as outras pessoas e a natureza e
por ser transcendente aos indivíduos é algo sagrado, melhor dizendo, o divino é
imanente e está em tudo o que existe. Desta forma, esta concepção abrange outra
concepção de holismo que precisamos ter claro: primeiro falamos de um holismo que
critica o dualismo na pessoa (corpo/mente ou corpo/ espírito); agora o holismo é
entendido como um não dualismo entre sagrado e profano, entre “eu” e “os outros”,
entre o homem e um ser transcendental (que muitas vezes é entendido como Deus,
porém nem sempre). Como diz Barroso, um dos conceitos centrais nas tradições hindus
é o de que o micro se identifica com o macro. Se a divindade é imanente, tudo é
sagrado, e se há algo “próximo” do profano seria a ignorância que é explicada pela
noção de graus de desenvolvimento espiritual. No entanto, notemos que mesmo o
menos desenvolvido participa do sagrado, pois a diferença é que este não tem
consciência disso, ignorando esta sua participação – o que não o torna profano.
A partir da década de 60, especificamente quanto à relação entre sagrado e
profano, diversos grupos (beat generation, hippies, os “alternativos”) defenderam uma
45
http://www.citara.com.br/yoga_suksma.html. Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos
46
http://www.tantrayoga.com.br/metodos.shtml. Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos
70
47
http://www.citara.com.br/yoga_geral.html. Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos
71
evoluir para os níveis superiores ao que ela se encontra. É no penúltimo nível que “... a
pessoa é considerada „realizada‟ já não se identifica mais com o corpo, com a mente
ou com o intelecto...”48. Somente no último nível que a pessoa “... vive a plenitude do
Ser e por conseguinte já não existe mais a visão ou o conceito de Deus. Todas as
Vasanas (tendências da personalidade) já se extinguiram e, com isto o indivíduo vive
num nível Transpessoal ou Transcendental.” (idem – grifos nossos). O fato de não se
identificar seja com o próprio corpo, seja com sua mente ou intelecto, nos faz pensar
que as diferenças físicas e culturais são ilusórias. A diferença entre os “povos” é uma
ilusão, pois a “plenitude do Ser” ignora o que “não é”, ou seja, o que existe
transitoriamente. Daí falar em algo comum a todos os seres humanos:
“... A tradição do Tantra Yoga (...) nos ensina que tudo o que existe
emana de uma mesma energia principal, desde as realidades mais
sutis e espirituais até as realidades mais materiais. Essa energia
primordial é a própria fonte da vida e de todo ser consciente – é a
energia vital chamada de Prana. O Prana permeia todo o universo,
Isvara. É a energia física, mental, intelectual, sexual, espiritual e
cósmica...” 49
48
http://www.tantrayoga.com.br/artigo16.shtml Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos
49
http://www.tantrayoga.com.br/artigo21.shtml. Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos
72
2.2.3 Auto-aperfeiçoamento
Como estamos vendo, criticar o modelo dualista entre corpo e mente, ou entre
corpo e espírito, é propor outro modelo no caso tanto da Nova Era, quanto dos agentes
das iogas. Em geral, os professores de iogas abordam seus alunos considerando-os
como um todo, daí a noção de pessoa holista que acabamos de falar, e o fazem, a nosso
ver, propondo ao aluno que se trate a si mesmo em sua integridade (corpo, mente,
emoções, espírito). Há um comportamento individualista no sentido de que cabe a cada
aluno o cuidado de si, uma atenção para consigo mesmo. Pelo que constatamos até o
momento, todos os professores de iogas entendem que essa atenção visa uma construção
de si para melhor, ou seja, um auto-aperfeiçoamento e, para tal, é preciso que cada um
se conheça. Interessante diferenciar os agentes sociais do campo das iogas dos que
Amaral (2000) denominou por “buscadores de crescimento pessoal”, cuja característica
era o de serem pessoas que não se fixam a ninguém nem a nenhuma instituição
específica. Esses “buscadores” seriam um tipo peculiar presentes em eventos Nova Era.
Nesse sentido, os alunos de práticas regulares (aulas) de iogas têm simultaneamente
dois aspectos: o auto-aperfeiçoamento ter algo de individual e o vínculo com alguma
instituição ou, na maioria das vezes, com algum professor ou mestre.
A crença na possibilidade de auto-aperfeiçoamento é um dos fundamentos da
prática nas aulas. Max Weber em A psicologia social das religiões mundiais (1982a)
afirma que a disposição para salvar-se do sofrimento é um dos pressupostos para a
religiosidade que surge de uma esperança de que isso seja possível. Ele cita doença e
morte como sendo os sofrimentos que as pessoas em diversos lugares e épocas querem
superar. Assim, saúde, vida longa e riqueza são “valores sagrados” baseados em bens
deste mundo que se sustentam na crença de que é possível reduzir ou até extinguir
50
http://www.tantrayoga.com.br/artigo21.shtml. Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos.
73
sofrimentos. Os agentes do campo das iogas entendem saúde como sendo preenchida
por vários significados como, por exemplo, a idéia de estar ou ficar curado de uma
doença, de se alcançar a longevidade e a de poder proporcionar qualidade de vida.
Vejamos o que é dito sobre tudo isso numa página virtual de um centro holístico que
fica em Salvador, Bahia:
51
http://www.clinicarosacea.com.br/link_yoga.php. Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos.
74
52
http://www.mahatmagandhi.com.br/prg_yog.cfm. Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos.
53
http://www.mahatmagandhi.com.br. Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos
75
Para conseguir sentir a conexão com “nosso Eu Divino”, um não dualismo entre
a pessoa e a divindade, é preciso desenvolver-se. Para se aperfeiçoar é preciso se
conhecer, daí Gloria Chauvet, professora titular de Dakshina Tantra Yoga55 afirmar:
54
http://www.clinicarosacea.com.br/link_yoga.php. Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos
55
http://www.tantrayoga.org.br/prof_gloria_chauvet.htm. Acesso em: 14 jun. 2009
56
http://yoga-integral.org/yoga.htm. Acesso em: 21 abr. 2010 – grifos nossos
76
diversidade das iogas e, ao mesmo tempo, apresentar um ponto em comum a todas elas:
a idéia de que iogas ensinam ao ser humano a se realizar mediante um processo
contínuo (“caminho”) seguido com disciplina. Mais um exemplo, desta vez sobre aulas
de “Hatha Yoga” na Clínica do Exercício, que fica em Niterói:
E se neste local o foco está “apenas” no corpo e na mente, há algo que nos
interessa: a afirmação de que certas técnicas, “os movimentos da yoga”, serão ensinadas
pela professora. Foucault em seu Technologies of the self (1982) explica que o
indivíduo, ao fazer um movimento sobre si mesmo, no sentido de agir sobre si, é capaz
de interferir sobre seu corpo e sua alma, seus pensamentos, suas condutas, seus modos
de ser. O filósofo percebe que os antigos ao cuidarem de si, usavam técnicas, as técnicas
de si, que ao serem dominadas, lhes possibilitavam atingir um determinado fim (ser
feliz, puro, sábio, perfeito, imortal). No exemplo dado, as técnicas da “yoga” (seus
movimentos) são ensinadas e exercitadas para que os alunos consigam um resultado
específico, o de desacelerar “o processo de degeneração natural” e proporcionar
“melhor qualidade de vida”. Estes fins são atingidos mediante o domínio destas
técnicas.
Foucault também observou que as técnicas de si são praticadas como exercícios
ascéticos realizados regularmente – repetições com disciplina dessas técnicas até que
estejam sob controle. Sendo essa ascese praticada de forma diferente entre os greco-
romanos da Antiguidade e os cristãos, estes cuidavam de si renunciando-se a si mesmos
e aqueles cuidarem de si ocupando-se consigo mesmos. As justificativas desse cuidado
de si, geralmente, giram em torno da importância do autodomínio, de obter poder sobre
si mesmo. Esse saber tem estreita relação com o poder. Conhecer e desenvolver técnicas
de si é ter poder sobre si, é não ser escravo de si mesmo, de suas paixões, de seus
apetites. Saber que leva ao poder de se autogovernar e, neste sentido:
“... Márcia de Luca58 apela para a física quântica para explicar que a
integração promovida pela ioga tem um poder mais efetivo no mundo
57
http://www.clinicadoexercicio.com.br/ioga.htm. Acesso em 25 abr. 2010.
58
Professora de Yoga no CIYMAM (Centro Integrado de Yoga Meditaçao e Ayurveda) em São Paulo.
Para maiores informações, cf.http://www.ciymam.com.br/
77
estresse” e assim conseguir fazer sua dieta para emagrecer os quilos desejados.
Hermógenes faz questão de dizer que seu estilo de um tempo para cá e a Yogaterapia,
deixando claro seu objetivo de curar os enfermos; no entanto, sempre tem um momento
que ele diz “... Você e eu buscamos a Hatha Yoga como um meio de subir outros
degraus mais nobres da Yoga Real ou Raja Yoga e não para tornarmo-nos idólatras do
corpo e de poderes extraordinários” (2001, p.26). O mais nobre é não ficar restrito ao
corpo, que faz parte, mas não é tudo. DeRose, por outro lado, faz questão de dizer que
seu público alvo são pessoas “jovens e sadias” que tenham prazer em fazer Yôga e não é
uma terapia se encaixando na definição de prática corporal formulado por Russo.
Mas o que é ser saudável? Paulo Martins escreve em As terapias alternativas e a
libertação dos corpos (1999): “... Antes, a idéia de saúde tinha uma conotação negativa,
por ser associada àquela outra de doença. Atualmente, emancipa-se um novo imaginário
de saúde, relacionado ao prazer de viver e ao bem estar integral do indivíduo e do
grupo social” (p.82 – grifos nossos). Se Hermógenes foca seu trabalho na promoção de
saúde enquanto não ficar doente, DeRose parece concentrar-se no prazer de viver, no
bem-estar. Outro exemplo, podemos ler na página virtual de um centro holístico
localizado em Laranjeiras (RJ):
Reparemos que para este grupo de professores que ensinam iogas nesse espaço
eles deixam explícito o triplo significado que eles conferem à saúde: não estar doente,
ter qualidade de vida e bem-estar do grupo (“com o outro e com o universo”). Além
disso, para ficar saudável é preciso ter consciência da unidade da qual se faz parte e,
curiosamente, isso é um “dever”. Não é a toa que Foucault e Sennett em Sexuality and
Solitude (1981) perceberam uma obrigação de conhecer e de aperfeiçoar-se diante da
possibilidade de mudar o corpo interferindo nele. Não estamos nos referindo apenas a
diferentes usos do corpo, e sim a uma espécie de prazer que vira obrigação de se ter
poder sobre si, de se autogovernar. Os homens conhecem técnicas para se transformar,
59
http://www.espasaude.com.br/pdf/comocriamos.pdf. Acesso em: 25 abr. 2010 – grifos nossos
79
modificar, constituir, e, por isso, devem exercer esse poder. De alguma forma,
entendemos que ser saudável virou um dever moral.
A importância dada a ser saudável revela o seu valor na nossa sociedade, onde é
cada vez mais freqüente as pessoas desejarem viver mais e em melhores condições
(aumento da expectativa de vida útil). A noção de saúde como uma conquista merecida
decorrente de esforço foi apontada por Lock e Scheper-Hughes (1987) como uma
característica da cultura norte-americana de consciência corporal. Onde se espera que o
indivíduo “trabalhe duro” (“work hard”) para conseguir alcançar força e saúde. A
doença é atribuída ao fracasso do esforço do indivíduo. Nesta sociedade, acredita-se que
se, afinal, é possível mudar e a pessoa não muda, não é por falta de opções. O não
trabalhar duro é entendido como preguiça e, conseqüentemente, como falta de virtude.
Num folder de uma sala específica para aulas de iogas em Ipanema podemos ler: “Yoga
é sinônimo de bem-estar físico, mental, emocional e espiritual. Com a dedicação à
prática, o aluno disciplina seu corpo, suas emoções, seus pensamentos.” (Folder Shiva
Shankara em março de 2010 – grifos nossos). Assim, só não tem bem-estar quem não
quer, pois é uma conquista garantida, se houver esforço disciplinado.
Se os agentes do campo das iogas valorizam a saúde nestas dimensões, a sua
originalidade está nas maneiras como a conquista e não no valor. Uma das perguntas
que poderíamos nos fazer seria sobre quando a saúde tornou-se um valor social no
Brasil, no entanto preferimos nos perguntar sobre como surgiu o gosto pelas iogas e,
para responder essa pergunta, partiremos da que Bourdieu (1983b) se fez sobre o gosto
pelos esportes.
60
Estávamos no shopping Downtown (RJ) indo visitar uma academia de ioga e não sabíamos que naquele
dia Hermógenes daria uma palestra. Estávamos na hora certa e no lugar certo! Fomos convidados e
tivemos então a oportunidade de conversar com ele e disse que um conhecido tinha sido seu aluno de
filosofia no Colégio Militar, o que ele confirmou.
81
décadas pelos governos, com a ajuda dos militares e dos médicos, e podem ser
resumidos desta forma: por meio da atividade física poder-se-ia a)reduzir o número de
doentes, b) preparar militares e civis para a guerra, c) transmitir valores morais e d)
aperfeiçoar as condições da força de trabalho (trabalhadores mais fortes e saudáveis
produzem mais). Vejamos como esses argumentos foram construídos e entrelaçados
com o passar do tempo.
Jurandir Freire Costa, em Ordem médica e norma familiar (1999), afirma que a
partir do início do século XIX a medicina lutava a favor da independência do território
colonial e um dos mecanismos foi incorporar ao seu campo de saber a noção de higiene
da cidade e da população. Este autor identifica que a intervenção higienista começou a
acontecer ao longo do Segundo Império.
Castellani Filho61 em Educação física no Brasil, a história que não se conta
(1994) afirma que a educação física sempre respondeu por necessidades estruturais e
conjunturais deste país e, por isso, ele fornece alguns dados sobre acontecimentos
determinantes que revelam as estratégias de cada momento. Durante a Primeira
República do Brasil (1889 a 1930), diante da proliferação de doenças no país na virada
do século, a tarefa da educação física, estabelecida pelo governo e apoiada pelos
militares e médicos, era obter e manter a saúde, pois era preciso forjar o indivíduo forte
e saudável, menos suscetível a ficar doente:
61
Lino Castellani Filho é graduado em educação física pela USP, escreveu esse livro a partir de sua
dissertação de mestrado em Filosofia e História da Educação defendida em 1988 na PUC-SP. Seu livro
está na 15ª edição e depois de ser professor da UFMA, é professor da UNICAMP desde 1986.
82
Meyer, que era alemão, foi nomeado para a função de contra-mestre de Ginástica da
Escola Militar e introduziu no Brasil o método alemão para os militares. Quase
cinqüenta anos depois, em 1907, uma missão militar francesa fundou o que viria a ser
mais tarde a Escola de Educação Física da Força Policial do Estado de São Paulo. Este
método foi considerado mais adequado do que o alemão, e serviu de método nacional
de educação física. Castellani cita a Ordem médica e norma familiar de Jurandir Freire
Costa:
O corpo burguês deve ser cuidado, protegido e cultivado. Tais atitudes podem
ser interpretadas como técnicas de si, uma forma de cultivo de si, de desenvolver
potencialidades. No entanto, precisamos perceber que no Brasil foi o Estado que estava
impondo uma intervenção no corpo das classes dominantes. Como diz Jurandir Costa
83
(1999), o cuidado do corpo começou com a elite, pois era preciso que a classe
dominante da “raça branca” se tornasse forte. Tanto foi que segundo Inezil Penna
Marinho (apud CASTELLANI FILHO, 1994) houve resistência por parte dos pais ao
verem que os colégios estavam obrigando seus filhos a fazerem atividades físicas.
Alguns até proibiam suas filhas de irem à aula de Ginástica, arriscando até mesmo que
elas perdessem o ano letivo. Entre 1920 e 1928, foram realizadas reformas educacionais
em diversos Estados brasileiros a fim de tornar obrigatórias as aulas de Educação física
no ensino primário e secundário.
O Estado brasileiro inspirou-se na idéia do que estava sendo feito na França,
embora não tenha proporcionado uma “afirmação de si”, mas um controle dos outros
por meio de seus corpos. Enfatizamos que Foucault identificou que quando se investe
sobre o corpo, seja o próprio ou o dos outros, um poder é alcançado. Se na França,
segundo o autor:
Como podemos observar, o corpo burguês é um corpo que não tem sangue
nobre, e a fim de compensar este fato, decide construir-se como corpo saudável com
uma sexualidade saudável. Esta burguesia cria uma cultura de seu próprio corpo, uma
cultura de si. Uma das preocupações da burguesia francesa era “... assumir um corpo e
uma sexualidade – de garantir para si a força, a perenidade, a proliferação secular deste
corpo através da organização de um dispositivo de sexualidade...” (1988, p.118-119).
Foucault identifica que a vida torna-se um objeto político. Afinal, para o capitalismo
industrial se expandir, uma mão de obra que tenha vida longa com saúde, é
indispensável:
Para Castellani Filho, as aulas de Educação Física são meios “de transformação
do indivíduo em cidadão útil à coletividade, o „valor social da prática da Educação
Física‟. Ela disciplina emoções, forja a personalidade, desenvolve o caráter e as demais
qualidades que o elegem padrão de moral, de dignidade e de virtudes.” (p. 98) Junto
com o valor do investimento no corpo vem uma moral e, segundo Castellani Filho, de
1937 a 1945, educação física e educação moral e cívica passaram a ser consideradas
matérias complementares. É quando se tem:
62
Decreto-Lei n. 4.048 de 22 de janeiro de 1942.
63
Decreto-Lei n. 8.621 de 10 de janeiro de 1946.
64
Decreto-Lei n. 4.073 de 30 de janeiro de 1942, Lei Orgânica do Ensino Industrial.
65
Decreto-Lei n. 6.141 de 28 de dezembro de 1943.
66
Decreto-Lei n. 9.613 de 20 de agosto de 1946.
86
A criação do gosto pela saúde como forma de lutar contras as doenças era
sustentada por idéias morais. Foucault dá o exemplo de se treinar uma boa caligrafia.
Como podemos perceber, a partir de uma política higienista no Brasil que depois foi
sucedida pelas “tendências” militarista, pedagógica e tecnicista, vários objetivos foram
construídos na forma de valores que deveriam ser se não atingidos, ao menos almejados,
como, por exemplo, saúde, “adestramento físico”, idéia de corpos fortes e de uma
longevidade ativa. As aulas de Educação Física ficaram vinculadas a um dever-fazer,
todo aluno passou a ter obrigações para consigo mesmo considerando a sociedade na
87
qual estava inserido, que começava então a lhe dar a “oportunidade” de poder
aperfeiçoar-se.
2.3.2 Campo da educação física
Conforme apresentamos na introdução desta parte da tese, para falarmos nas
condições que possibilitaram o gosto pelas iogas no Brasil é importante identificar o
campo da educação física. Afinal, a intervenção de um grupo dominante sobre grupos
dominados por meio do controle dos corpos destes, como estamos vendo, não é
novidade há muito tempo. Médicos e militares já exerciam essa política e, parece-nos,
que é a fim de intensificar e diversificar os mecanismos de controle do Estado sobre a
população que se decide formar mão-de-obra específica. Então, em 1939, é criada a
Escola Nacional de Educação Física da Universidade do Brasil, cujo quadro docente era
composto por médicos e militares (CASTELLANI FILHO, 1994); mais tarde essa
Escola será a Faculdade de Educação Física da UFRJ.
A influência dos militares é sentida pela consideração de que o “berço” da
educação física teria sido a Escola de Educação Física do Exército, como disse Maria
Lenk “... devemos citar ainda a Escola de Educação Física do Exército, subordinada ao
ministério da Guerra pela Inspetoria Geral do Ensino no Exército, alias, célula Mater da
educação física oficial no Brasil...” (apud CASTELLANI FILHO, 1994, p.33).
Não parece absurdo dizer que é a partir deste momento que podemos falar em
campo da educação física no Brasil, que com um curso profissionalizante universitário
passa a ter agentes sociais peculiares, os professores de educação física formados nessa
graduação, bem como as instituições que são criadas por eles ao longo das décadas de
sua existência, como as APEFs (Associações dos Professores de Educação Física), a
FBAPEF (Federação Brasileira de Professores de Educação Física), o CONFEF
(Conselho Federal de Educação Física) e os CREFs (Conselhos Regionais de Educação
Física), por exemplo.
Acabamos de apresentar alguns agentes sociais do campo da educação física;
estamos dizendo alguns porque nenhum nome de professor foi citado aqui, e porque há
outras instituições participando deste campo. Como nosso objetivo é realmente
apresentá-lo para comparar com o da ioga, não aprofundaremos este tópico. No entanto,
algumas características do campo da educação física precisam estar bem claras como,
por exemplo, o seu principal objeto de disputa, que, a nosso ver, é o controle dos
outros por meio da intervenção sobre os seus corpos com atividades físicas
realizadas e orientadas por técnicas específicas. A crença, no sentido do que aos
88
agentes sociais do campo é importante, que está presente neste objeto disputado é a de
que por meio de atividades físicas é possível construir homens fortes e bons
(moralmente falando), capazes de não ficarem doentes, de defenderem a pátria e de
trabalharem melhor. A formação desses homens é feita conforme algumas técnicas
específicas que nada mais são do que o capital cultural deste campo.
De forma mais específica ao campo que estamos apresentando, podemos dizer
que conhecimentos de medicina voltados para os interesses das atividades físicas
(fisiologia, cinesiologia, biomecânica, fisioterapia...), livros com técnicas de cada
esporte (basquete, natação, ginástica olímpica, etc.), monografias, dissertações e teses
elaboradas segundo critérios acadêmicos, são exemplos do que fazem parte do capital
cultural objetivado da educação física.
Não tendo a intenção de analisar profundamente este campo, identificamos aqui
nesta tese apenas duas revoluções parciais: a) concepção de ser humano e b) criação de
conselhos e legalização da profissão. No tocante à primeira revolução, Castellani Filho,
por exemplo, afirma que foi o caráter “biologizante” na abordagem dos alunos –
quando, em 1907, o método alemão foi substituído pelo método francês porque este se
pautava “em princípios anátomo-fisiológicos” – que reduziu o que se entendia como
aluno/ ser humano. Para sustentar sua crítica de que essa visão de ser humano é
reducionista, o autor se refere a uma concepção de saúde mais ampla presente no
conceito de “saúde social” formulado pela Organização Mundial da Saúde, “... segundo
o qual, povo saudável é aquele que possui atendidas suas necessidades básicas de
alimentação, moradia, transporte, educação, trabalho, lazer...” (1994, p. 108).
Castellani deixa aparecer um conflito entre os agentes sociais do campo da
educação física quando critica a proposta de regulação da saúde encarada como dever
e direito exclusivo do Estado, pois ao propor outra compreensão de saúde, ele não está
dizendo que à educação física não cabe este dever-direito, mas está discutindo como
exercer essa atividade e quem tem condições de participar desta decisão. Os professores
de educação física, que também são agentes sociais neste campo, querem ser ouvidos,
eles querem participar do jogo e lutam por alguma autonomia.
Esta concepção reducionista para Castellani Filho teria uma concepção filosófica
que defende o dualismo no homem. O autor contextualiza o momento em que essa
forma de encarar os homens começou, e afirma que o dualismo é um problema que faz
parte das questões da educação física. A concepção filosófica que defende o dualismo
no homem entre corpo/ mente ou corpo/ alma, corpo/ espírito é problemática no sentido
89
de que reduziu o valor do corpo e, conseqüentemente, dos que trabalham com ele. Essa
maneira de pensar não é de agora, pois, em 1882, Rui Barbosa escreveu um parecer
acerca do projeto 224, denominado Reforma do ensino primário e várias instituições
complementares da instrução pública, onde à matéria educação física é dado destaque,
no entanto:
A idéia de subjugar uma parte do homem, seu corpo, à outra parte, seu espírito é
criticada por Castellani Filho. Este autor escreve que Fernando de Azevedo, que
publicou muitos livros sobre educação física durante a década de 1920, admirava os
projetos de Rui Barbosa e concordava com o jeito dele entender a importância da
educação física na educação das pessoas. Em Azevedo “... assim como em Rui, estava
presente o sentimento da necessidade de eliminar a dicotomia ensino intelectual-
educação física (...). Sua compreensão de „harmônico‟, porém, na esteira da de Rui, fez
por reforçar a visão dualista de homem, onde o físico se coloca a serviço do intelecto...”
(1994, p.54-55).
Segundo Castellani Filho, havia a intenção de superar a dicotomia, mas o que se
acabou fazendo foi intensificá-la. A nosso ver, parece que Rui Barbosa e seus
admiradores fazem uma leitura peculiar das filosofias de Platão e de Descartes, pois os
citam como exemplo de superação do dualismo no homem e do dualismo idéias/
experiência, teoria/ prática, contrastando com a tradição filosófica que considera tanto a
filosofia platônica, quanto a cartesiana como dualistas. O uso desses dois filósofos
como forma de conferir autoridade aos seus argumentos acabou complicando em vez de
ajudando. A intenção era uma, no entanto a aplicação foi o oposto. Essa dificuldade de
colocar em prática uma idéia de homem parece ter começado no final do século XIX,
mas ainda persiste. Notemos que Silva (1996) em Descontextualização entre teoria e
prática na educação física constatou, ao fazer uma análise de livros de biomecânica
90
67
http://www.confef.org.br/extra/conteudo/default.asp?id=16. Acesso em: 31 mar. 2009
91
Sendo assim seu campo de atuação tem uma área extensa e bem demarcada.
Foucault em A verdade e as formas jurídicas (1999) escreve que na sociedade
disciplinar, característica da sociedade moderna industrial, há não somente o poder
68
http://www.confef.org.br/extra/conteudo/default.asp?id=16. Acesso em: 31 mar. 2009 - grifos nossos
69
http://www.confef.org.br/extra/conteudo/default.asp?id=16. Acesso em: 31 mar. 2009.
92
jurídico e a polícia a partir do século XIX, mas também uma rede de instituições, sendo
a escola uma destas. Por meio das aulas de educação física, os indivíduos (alunos) são
vigiados. No caso que estamos apresentando, cabe a vigilância não só das notas, da
freqüência, dos comportamentos dos alunos, como também dos próprios professores.
Tanto é que são criadas novas leis e, com isso, novas infrações penais, quando os
CREFs baixam resoluções onde se encontram discriminadas as regras jurídicas às quais
os profissionais de educação física passam a estar submetidos. Dentre as quais, nos
interessam as proibições:
Partindo dos tipos de punição do sistema teórico da lei penal francesa citados por
Foucault (1999) – deportação, isolamento no local, trabalho forçado e pena de Talião –
consideramos que as penalidades são de dois tipos. Ou o infrator é “isolado no local” no
caso das penas I, II e III ao sentir-se envergonhado com a advertência, ou ser humilhado
com a publicidade da censura feita ao seu comportamento, ou ter sua atitude classificada
93
como um escândalo publicamente; ou, no pior dos casos, pena IV, o infrator é
“deportado” de seu campo profissional ao ser excluído e impossibilitado de voltar a
trabalhar com esta profissão.
As atitudes referentes à criação de uma legislação que define competências e
cria crimes e suas respectivas punições revelam uma construção da identidade dos
professores de educação física. Essas atitudes nos interessam agora posto que
analisaremos a questão da profissionalização dos professores de iogas e a relação destes
com aqueles.
70
Encontramos um grupo de professores de educação física questionando e se manifestando contra tanto
a criação do CONFEF, quanto às suas Resoluções que fundou em 1999 o Movimento Nacional Contra a
Regulamentação do Profissional de Educação Física (MNCR). Cf.
http://mncref.sites.uol.com.br/index2.htm. Acesso em: 10 mai. 2009.
94
engloba diretamente os profissionais que trabalham nas escolas, mas para não correr
risco de deixar os profissionais de academias e clubes de fora, a resolução inclui os
critérios de saúde e lazer.
Em 2004, diante das mobilizações dos professores de iogas (e, provavelmente de
outros profissionais como os professores de luta e dança) foi lançada uma nova listagem
explicitando uma série de atividades que o pessoal do CONFEF estava considerando
como tendo que se credenciar:
Atentemos para o fato de aparecer escrito pela primeira vez com todas as letras
neste artigo a palavra “ioga” na tentativa de superar qualquer divergência. Logo em
seguida apresentam uma definição do que entendem por atividade física também
ampliando-a:
Atividades físicas
nossas pesquisas a seguinte pergunta resume a situação: quais são as saídas possíveis
aos professores de iogas? E, para, além disso, surge outra questão, que não
procuraremos responder aqui, porém ela nos parece estar relacionada à primeira
pergunta: essa regulamentação do Estado sobre o trabalho dos cidadãos é o fim do
modelo alternativo como estilo de vida do ponto de vista profissional? Identificamos
quatro possíveis saídas aos professores de iogas: a) submissão ao CONFEF; b)
inexistência de regulação; c) negociação com o CONFEF e d) auto-regulamentação,
abordemo-las agora.
a) submissão ao CONFEF;
Alguns professores de iogas, individualmente, ao sentirem-se pressionados com
as novas regulamentações do CONFEF (impedido-os de darem aulas em grandes
academias de ginástica), acabaram optando por se credenciarem nos CREFs (Conselhos
Regionais de Educação Física). Se a submissão dos professores de iogas a outrem é
péssima emocionalmente para os que defendem a autonomia, também é difícil de
conciliar com a importância dada por este grupo às emoções. Sem contar que
politicamente também não é nada agradável porque a submissão parece ter tido um
preço para os que se submeteram, pois aos professores de educação física foi dado
direito de decidirem o que deveria ser feito. Depois do credenciamento vieram as
exigências de pagamentos de anuidade e a participação em cursos determinados pelos
membros do CONFEF, cursos e valores que foram definidos previamente sem a
participação de professores de iogas. Os responsáveis pelo CONFEF tentaram submeter
outros grupos (lembremos que professores de dança e de lutas também estão na lista da
resolução 090/2004, art. 13, por exemplo), e se estes não reagissem, provavelmente
aqueles continuariam a regulamentar. De fato, professores de lutas, danças e iogas
reagiram à regulamentação do CONFEF.
b) inexistência de regulação;
Quando olhamos para a diversidade de instituições que compõem o que nós
estamos chamando de campo das iogas conforme quadro II apresentado anteriormente
nesta tese, percebemos que essa diversidade reflete os diferentes estilos de iogas que
existem aqui no Brasil, conseqüência de distintas interpretações da literatura e variadas
ênfases no que se está procurando aperfeiçoar. A ausência de uma autoridade central
deixa transparecer o valor da autonomia para os agentes sociais deste campo. María
97
Carozzi em Nova Era: a autonomia como religião (1999) aponta a autonomia contra o
autoritarismo, bem como o repúdio às hierarquias de autoridade e às normas
institucionais como valores que vêm sendo defendidos desde a década de 60 em vários
países – EUA, Inglaterra, Brasil – por vários grupos formados por pessoas da classe
média com nível de instrução alto. E, neste sentido, há muita coerência entre os agentes
sociais das iogas ao longo de suas existências de mais de quatro décadas no nosso país.
O preço a ser pago por professores e alunos de iogas com a inexistência de
regulação é lidar com quem eles consideram como sendo charlatães, o que parece ser
um problema que incomoda a poucos. Há a preocupação de salvaguardar a imagem e o
espaço de atuação dos profissionais que se identificam como sendo sérios dos que eles
acusam de serem charlatães, pessoas que agiriam de “má-fé” e, por isso, não seriam
aceitos pelo grupo como fazendo parte dele. Para tal, os professores que se consideram
“sérios” divulgam suas propostas e críticas num “boca-a-boca” cotidiano aos que
consideram como sendo um exemplo de charlatanismo. Não aprofundamos essa
informação, no entanto, até o momento nossa impressão é de que por status,
reconhecimento, os professores não precisam ser legalizados, pois seus livros são
vendidos há décadas, assim como seu sustento vem acontecendo.
Magnani em O Brasil da Nova Era (2000) escreve que há uma relação entre o
movimento Nova Era e o contexto social “... conseqüências das transformações
induzidas pela modernidade, como o individualismo, o descrédito nas instituições e
ideologias e o retraimento da esfera pública em favor do âmbito privado...” (p.40 –
grifos nossos). Isso é constatado, como escrevemos anteriormente, no fato das aulas de
iogas serem praticadas em espaços privados e, assim, de alguma forma “longe” dos
olhares do Estado. As aulas são oferecidas de forma autônoma, não sendo
especificamente regidas por alguma lei que as regulasse, controlasse e, muito menos,
vigiasse ou ameaçasse punir. O “controle” da qualidade das aulas até então era expresso
pelo número de alunos, cuja permanência funcionava como um “termômetro” que
“media” a capacidade do professor de agradar aos alunos, pois quando estes não se
sentem satisfeitos podem conversar ou em caso mais extremo procurar outro professor
de ioga, indo embora. O que combina bem com o clima de paz que tanto se preza por
esses grupos e com a idéia de auto-regulação, tanto da parte do aluno, quanto da do
professor.
98
Contudo, durante a década de 80, o campo das iogas chega a ter diferentes
instituições com os mesmos objetivos perante o Estado o que, mais uma vez, revelava a
diversidade e as discordâncias entre os agentes do campo:
73
http://www.gita.ddns.com.br/ashrama/sobre.php Acesso em: 13 abr. 2010
74
http://www.gita.ddns.com.br/mensagens/liberdade.php. Acesso em: 09 maio 2009.
75
http://www.colegiadodharmaparishad.com.br/. Acesso em: 07 abr. 2009 – grifos nossos.
100
iogas que não querem ser regulados não têm os professores de educação física como
seus maiores opositores, mas o próprio Estado.
c) negociação com o CONFEF
Toda negociação pressupõe que os envolvidos reconheçam o outro como
estando em condições de negociar e se apresente como tendo essas condições.
Efetivamente já foram feitas tentativas de negociação entre professores de iogas e de
educação física. Mas a dificuldade dos professores de iogas de chegarem a um
consenso seja de quem pertence ao grupo, como defini-los sem excluir e
simultaneamente sem generalizar demasiadamente a ponto de nenhuma ser exatamente
o que se está definido, dificultou esse procedimento. Nós também encontramos
dificuldades de definir o que são as iogas aqui no Brasil e no próximo capitulo desta
tese aprofundaremos algumas discordâncias entre os professores.
Em 2000, representantes do CONFEF fazem um convênio com a CBY
(Confederação Brasileira de Yoga) e a ABYCYE (Associação Brasileira de Yoga
Científico e Yoga Esporte), cuja duração era de um ano, onde foi criada a categoria de
“práticos” na qual os professores de iogas seriam enquadrados 76. No entanto, logo em
seguida, alguns integrantes do CONYB (Confederação Nacional de Yoga do Brasil)
discordam do convênio e chegam mesmo a se afastar desta instituição. Conforme
podemos ler numa carta escrita por Hermógenes, nos dias 20 a 22 de abril de 2001
aconteceu o II Encontro Pedagógico no Rio de Janeiro com o objetivo de discutir “a
legalização e regulamentação do magistério do Yoga no Brasil” 77.
Acreditamos poder afirmar que foi a partir do ano 2000 que os professores de
ioga começaram a sentir a ameaça ou mesmo “ataque” do Estado com a criação da
CONFEF e dos CREFs como sendo algo real com o qual tinham que enfrentar. Se na lei
de 1998 a obrigação referia-se a todos que exerciam “atividades próprias dos
Profissionais de Educação Física”, por outro lado, os professores de iogas não se
reconheceram como sendo “ilegais” porque não identificaram que sua atividade fosse
própria desses profissionais. Seu espaço de atuação é outro e a maioria dos professores
de iogas parece concordar com isto.
d) auto-regulamentação.
76
http://www.orion.med.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=196:confef&catid=4
4:iccfh&Itemid=131. Acesso em: 31mar. 2009.
77
http://www.orion.med.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=618:yogaginastica&
catid=45:yoga&Itemid=186. Acesso em: 31mar. 2009
101
“... o ponto alto (...) foi o momento em que, com a maior sem-
cerimônia, os opositores declararam publicamente que pretendiam
impedir o Prof. DeRose de ministrar Yôga e que iriam fazer o
possível e o impossível para pô-lo na cadeia. Essa promessa é
antiga...” (DEROSE, 1995, p.22 – grifos nossos).
78
http://www.uni-yoga.org.br/docs/A_Regulamentacao_dos_Profissionais_de_Yoga.pdf
79
http://www.iccfh.net.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6&Itemid=17&limitstart=1
Acesso em: 14 abr. 2010 – grifos nossos.
80
No caso esta reportagem está se referindo ao projeto de lei 4.680 elaborada pelo então deputado Aldo
Rabelo (PC do B – SP)
104
sua integridade (holismo) e, por isso, os professores não se identificam com atividades
que se baseiam no dualismo corpo/ mente. Professores dos mais variados estilos de
iogas afirmam que elas não são o mesmo que educação física. Podemos especular que
DeRose tenha tido aulas de educação física no colégio na Tijuca e, pela época, pode ter
tido aulas influenciadas pelas tendências pedagogicista e militarista. Mas isso é
especulação, já que não o entrevistamos e nunca lemos nada a respeito de sua
experiência nos colégios. O que podemos afirmar é que ele tem uma idéia do que
entende como sendo o espaço de atuação dos professores de educação física. Em Tudo o
que você nunca quis saber sobre Yôga (2003), DeRose argumenta que as aulas de
educação física referem-se à competição e abordam os alunos de forma dualista. Para
DeRose, “Yôga” não tem dualismo, nem competição, embora a técnica seja valorizada,
é preciso saber que:
Atividades físicas
comum também aos médicos, por exemplo. No entanto, a peculiaridade de cada campo
está nas técnicas utilizadas para que o corpo do praticante seja utilizado para tal
intervenção-controle, bem como quem intervém sobre o corpo de quem. Considerando
que as técnicas utilizadas na educação física e nas iogas são diferentes podemos também
falar, segundo Bourdieu, que o “capital cultural” é diferente.
Como há agentes sociais que permanecem neste campo e há os que se retiram,
ou dela provém, passam a existir dois campos distintos. Assim, os que permanecem, os
que não concordaram com as “revoluções” continuam a sustentar o campo, este não é
destruído. Desta forma, o campo da educação física continua e surge outro campo, o das
iogas. Exemplos: Caio Miranda e Hermógenes que eram militares e professores de iogas
e Orlando Cani que formou-se em educação física e também dá aulas de iogas.
De uma maneira geral, pelo que sabemos até o momento, os agentes sociais que
freqüentaram durante um tempo os dois campos (educação física e iogas) o fizeram até
o momento que escolheram o espaço social onde trabalhariam. Se as aulas de educação
física têm como foco central as escolas – ao menos na sua origem, só depois é que
surgem as academias de ginástica, os clubes, os condomínios –, as aulas de ioga não
têm oficialmente relação com o Estado e iniciam em sala exclusiva. De maneira que
entendemos que a escolha do espaço revela, em parte, a escolha do campo.
Ao mesmo tempo, como vimos, pessoas que não vinham do campo da educação
física também participavam da construção do campo das iogas. Muitos professores de
iogas têm uma trajetória de criticar o modelo vigente, como no caso dos “alternativos” e
quanto a essas pessoas não podemos falar em “revolução total”. Entendemos que o
caminho dessas pessoas para procurarem iogas tenham sido experiências religiosas,
espirituais ou esotéricas, ou ainda, os que conheceram as iogas durante a partir da
década de 70, em centros holísticos. Um exemplo é DeRose que começou freqüentando
e experimentando diversos rituais “esotéricos e espiritualistas”.
Só para ilustrar que essa divisão é apenas uma tentativa didática que merece ser
aprofundada em outros estudos e demonstrar a complexidade da construção do campo
das iogas apresentaremos brevemente o caso de Hermógenes. Ele foi militar e professor
de filosofia e tornou-se filósofo e professor de Hatha Yoga e Yogaterapia. Ele não foi
professor de educação física, mas também não pode ser considerado como alguém
alheio a este campo, além disso, ele formula uma filosofia onde o seu sincretismo
abraça simultaneamente desde valores positivistas típicos de militares (a noção de
ordem e controle social para garantir a paz), passando por diferentes crenças religiosas
110
Dentre os diferentes estilos de aulas de iogas oferecidos nas duas cidades (Rio de
Janeiro e Salvador), realizamos nosso trabalho de campo numa unidade de Swásthya
Yôga; por isso, nosso principal objeto empírico, nesta parte da tese, será o estilo
“codificado”81 por DeRose. O fio condutor que nos orienta é a seguinte questão é: o que
significa ficar em paz segundo este método e como se aprende tal habilidade? Para
responder nossa questão, nossos objetivos são apresentar e analisar: a) a proposta de
alcançar o samádhi como principal meta do Swásthya Yôga; b) a importância do
autocontrole na prática para se conseguir atingir esta meta; c) apresentar a(s)
noção(ões) de pessoa e o uso das técnicas segundo esse estilo de ioga; e, por fim, d)
alguns mecanismos de autocontrole que são ensinados nas aulas e propostos para o
cotidiano.
A partir de nossas leituras percebemos que o método Swásthya Yôga é definido
por DeRose sempre comparando com o que ele não é. Daí considerarmos enriquecedor
para nossas análises o trabalho sobre Os Nuer (2002) feito por Edward Evans-Pritchard,
que depois de um breve histórico das fontes disponíveis acerca dos povos Nuer e Dinka,
localizados na região do Rio Nilo, comenta acerca da organização política desse povo
bem como com quais povos os Nuer tinham contato. Sua “estrutura política”, para
Evans-Pritchard, estaria ligada “aos relacionamentos, dentro de um sistema territorial,
entre grupos de pessoas que vivem em áreas bem definidas espacialmente e que estão
conscientes de sua identidade e exclusividade” (EVANS-PRITCHARD, 2002, p.8-9).
Neste sentido cabe lembrar que o autor principal desta parte da tese é DeRose, carioca
que há alguns anos mora em São Paulo, e que durante as últimas quatro décadas vem
construindo sua identidade – tendo a codificação do método Swásthya Yôga como um
de seus produtos – na relação nem sempre amistosa com outros professores. As áreas
espaciais bem definidas no nosso caso são as academias de cada professor, os locais
onde são praticados seus ensinamentos.
Evans-Pritchard cunhou o conceito de “identidade-relacional” ao analisar o
caso dos Nuer por que ela é estabelecida através da comparação cultural entre esse povo
81
DeRose utiliza este termo “codificar” para esclarecer aos leitores que ele não inventou nada, mas re-
arrumou, sistematizou, conhecimentos que foram formulados na Índia há mais de 5.000 anos atrás. Ele
diz que não modificou, adaptou nem “ocidentalizou” o que foi escrito há tanto tempo atrás (DEROSE,
1996). Para termos um exemplo de comparação, Hermógenes escreve que criou o seu método: “... O
método por mim criado [Yogaterapia] há mais de três décadas (...) é apenas uma adaptação da Hatha
Yoga clássica...” (1994, p.58).
113
82
Cf. http://astangayoga.blogspot.com/2009/06/ser-yogi.html, escrito em 15 de junho de 2009 na página
virtual Vaishnava Vedanta Yoga onde se pode ler: “... Cresce um movimento no Brasil para que se
denunciem os maus professores de yoga. O uruguaio Pedro Kupfer (ex-DeRose, UNi-Yoga), presidente
da Aliança do Yoga isolado mundialmente, e sem reconhecimento internacional que congrega todas as
linhas, é uma das maiores referências do país em Hatha Yoga contra o Swásthya Yôga...” (grifo nosso).
116
“Somos filhos da Natureza, gerados e nutridos por ela e tudo que está
contido nela faz parte de nós mesmos. E levando nossas percepções a
estágios mais altos, podemos enxergar tudo como uma só família. E
saberemos que não existem diferenças entre uma pedra, uma flor, um
pássaro, um rio, uma estrela distante e nós, seres humanos.” ( p.61-62)
Acredita-se que há algo imanente comum a tudo o que existe. Feuerstein (2006)
define a filosofia Sámkhya como uma ontologia ou “ciência do ser”, pois abordaria a
enumeração das categorias da existência (tattvas). Segundo Santos, o Sámkhya é uma
“filosofia teórica” (1995, p.20) que se baseia no raciocínio e nas leis naturais, mais do
que isso, é “... um sistema de filosofia estritamente especulativa que se baseia na
discriminação entre Purusha e Prakriti...” (p. 46). A capacidade de entender e
discriminar estas duas noções de ser (Purusha e Prakriti) demonstra que a pessoa
atingiu uma consciência acerca do real. Segundo Santos (1995), purusha refere-se à
“consciência suprema”, a “essência absoluta”, é a “chispa da vida”; e Prakriti à
“matéria cósmica”, é a “causa primeira”, ela é a natureza inicial ou matéria primordial
indiferenciada. DeRose (1996) escreve que púrusha significa “homem” e se há algumas
traduções que utilizam a palavra “espírito” é porque é uma tradução feita por um
“adepto do Vêdanta”. Para aprofundar o conhecimento acerca desses dois conceitos da
filosofia Sámkhya eles indicam a leitura, dentre outros autores, de Mircea Eliade (1978;
1996), que, a nosso ver, é fundamental para entender questões decorrentes destes dois
conceitos.
Eliade utiliza muito a expressão “Si-mesmo” ou “Si-próprio” como sendo a
melhor forma de traduzir purusha, outro sinônimo é “espírito verdadeiro”. Quanto à
prakriti, Eliade afirma que ela se refere à “condição humana”, à “substancia
119
primordial”. Prakriti é o âmbito da vida. Este autor escreve que são dois modos de ser
eternos, autônomos e opostos. Eternos no sentido de que sempre existiram e não serão
extintos nunca. Autônomos porque o ser de um é independente do do outro – prakriti
existe, e purusha é. Quanto à sua oposição, prakriti tem atributos e sua realidade é
material, mas purusha não os tem, ou seja, os atributos de purusha são negativos e sua
realidade é transcendental. Assim, prakriti está no tempo, e por isso é escravo dele, é
histórico, é fenômeno, conseqüentemente sofre mudanças, tem desejos e sofre. Quando
se diz que prakriti é “substancial primordial” refere-se à sua característica de ser
dinâmica e criadora, daí existirem seus produtos que a pressupõe, como a inteligência
do ser humano (buddhi), que é seu produto mais refinado, mas também a noção de eu
enquanto personalidade e os diversos estados de consciência (chittavrtti) são exemplos
de seus produtos. Por negação, purusha simplesmente é, ou seja, não muda, é
imperecível, inativo e imóvel (não cria nada, nem age), passivo, inabalável e puro, pois
não é afetado pelos opostos, é autônomo, é eterno e, por tudo isso, é livre. “... o Si é
puro, eterno e livre; não poderia ser subjugado, porque não poderia ter relações com
outra coisa a não ser ele-mesmo...” (ELIADE, 1996, p.40 – grifo do autor).
As formas de “obter conhecimento” desses “dois modos distintos de ser”
(ELIADE, 1996) também são diferentes: purusha contempla, prakriti conhece. Eliade ao
estudar o “Yoga de Patanjali” (1978) escreve que o pensar é uma atividade de prakriti,
âmbito no qual a mudança lhe é constitutiva; assim, a inteligência é modificada pelo
conhecimento dos objetos. Por outro lado, purusha apenas contempla seu próprio modo
de ser, seu conhecimento é ininterrupto; não tem “inteligência” porque não tem desejos,
daí ser livre. Conhecer purusha “... no sentido ascético e espiritual da expressão – [é] o
objetivo perseguido por grande parte das especulações indianas, ainda que cada uma
delas indique um caminho diferente para alcançá-lo.” (ELIADE, 1996, p.27). Mais
adiante ele escreve que o si-próprio se revela “... àquele que, tendo rompido suas
correntes, ultrapassou a condição humana; o „intelecto‟ não toma parte nessa revelação
que é, antes de tudo, autoconhecimento, conhecimento de si mesmo, do Si ele mesmo”
(p.30).
Embora essas dois modos de ser sejam autônomos, purusha se ilude e acredita
que se relaciona com prakriti. Essa associação entre ser e matéria é na verdade uma
ilusão e acontece porque cada pessoa ignora a realidade de purusha e acredita que ela é
apenas sua existência (prakriti). Em outras palavras, o “Si-próprio” confunde-se com os
produtos de prakriti, como, por exemplo, “... o homem acredita que sua vida
120
Buddhi é a flor que reflete no cristal (purusha). E por mais bela que seja esta
flor, ela está sujeita ao tempo, ela murchará, por exemplo, no entanto, purusha não se
121
corrompe, não sofre ação do tempo, ele é fora do tempo e tem um valor inestimável (na
metáfora é um cristal) em comparação com a flor. Só quem ignora ser um cristal
(purusha) sofre ao ver a flor murchar (prakriti). Esse aprendizado de que há algo que é,
de algo imóvel, capaz de refletir estados mutáveis (experiências psicomentais e
diferentes estados de consciência) que, na realidade, são outro modo de ser é a salvação.
É a capacidade, como dissemos anteriormente, de distinguir entre purusha e prakriti
que liberta o ser humano do sofrimento, pois este só atinge prakriti. Tanto para a
filosofia Sámkhya quanto para o “Yoga” dos indianos que Eliade estuda, há um espírito
(“Si-próprio”, purusha) que:
Isso nos faz lembrar a análise feita por Foucault num texto com Sennett (1981)
sobre como Agostinho interpretava a ereção. Adão ao cometer o pecado original teve
como punição a perda do autocontrole e assim como ele se rebelou contra Deus, sua
genitália se rebelou contra ele. Foucault salienta que Agostinho concebeu que Adão e
Eva faziam sexo no paraíso. A diferença é que eles só ficavam excitados
voluntariamente, isto é, mantendo o controle sobre si. Assim, o problema do
cristianismo referia-se não aos relacionamentos com os outros, mas consigo mesmo.
Neste sentido de importância dada ao autocontrole pelos professores de iogas
percebemos essa semelhança. A diferença fundamental e que não pode ser deixada de
lado é que DeRose e Santos não querem falar de culpa, nem de repressão. O controle
pode ser conquistado através de técnicas e sem ter que viver uma vida casta.
Santos (1995) também se refere ao conceito de “máyá” (palavra que ele traduz
por ilusão) e samsára, quando afirma que para superar o “drama cósmico” de samsára é
preciso que “nós nos desapeguemos, nos desprendamos de máyá”. Máyá é o lugar da
dualidade: “... é onde atuam os pares de opostos, tais como: bem e mal, belo e feio, dia e
noite, certo e errado, homem e mulher, alegria e tristeza, prazer e dor, etc.” (SANTOS,
1995, p.59). Fala-se em ilusão opondo à idéia de realidade, onde não há dualidade. O
indivíduo deve transcender os opostos e ser “... como a Natureza o criou” (SANTOS,
1995, p.59).
Outros professores também se referem à samsára. Hermógenes refere-se a essa
miséria: “Nossa caminhada evolutiva, através do Yoga, nos salva da miséria humana,
da condição de simples seres humanos (manava) e nos conduz ao que potencialmente
já somos...” (1994, p.19 – grifos nossos). Kupfer define em seu glossário samsára: “é a
existência condicionada. Designa a experiência do mundo como algo instável,
contingente...” (2001, p.348).
Para Eliade, os indianos procuram superar seus sofrimentos sem deixar de
considerar a dor como sendo importante, além de inevitável inicialmente, pois “... o
simples fato de existir no tempo, de ter uma duração, implicar dor...” (1996, p.26). A
dor é importante porque gera incômodo, desconforto. É exatamente por que se sofre que
se busca uma libertação, pressupondo uma crença na possibilidade desta acontecer.
Eliade vê nesta crença o otimismo dos “indianos” diante da constatação de algo tão
terrível quanto a inevitabilidade do sofrimento existencial: a certeza de que a dor pode
ter um fim evitando o desespero e o pessimismo. A nosso ver, as crenças de que é a
condição humana (a existência no tempo) que gera dor e que é possível superar esta
124
Notemos que mais uma vez a imagem de prisão e de escravidão são utilizadas
para explicar o samsara e também o valor do autocontrole aparece implicitamente
quando o “ser governado” por outras instâncias que não o purusha é entendido como
justamente o que prende, o que impede a pessoa de se libertar. A salvação é a libertação
de tudo que escraviza que impede a evolução do ser e quando se experimenta um estado
meditativo (Tattwa mahat), “... onde os gunas [qualidades de prakriti] já não interferem
tanto, é que o Purusha se sobressai, libertando-se dos processos que persistiam
continuamente ao seu redor...” (SANTOS, 1995, p.77). Salvar-se é tonar-se capaz de
transcender prakriti e, assim, “romper o elo” que liga purusha a prakriti, pois assim o
primeiro liberta-se dos limites deste.
A noção de libertação do sofrimento está longe de ser uma característica
exclusiva de DeRose. Outros professores também abordam o assunto. Hermógenes
escreveu que nos nossos dias vivemos na “era das trevas”, por isso as pessoas buscam
“pseudo-soluções” no dinheiro, status, sexo e nas drogas. Num momento como esse, as
pessoas precisam de Yoga, pois “... Enquanto homens e mulheres não chegarem, pela
disciplina espiritual (Yoga), à Paz que só Deus tem para dar, a frustração continuará
inevitável e cada vez mais martirizante...” (HERMÓGENES, 1994, p.18 – grifo nosso).
Por isso, a meta final do Yoga é libertar o seu praticante de toda aflição, sofrimento e
limitação.
Para Kupfer, um dos objetivos ao praticar Yoga é “... aniquilar os
condicionamentos do indivíduo...” (2001, p.17) e para tal são utilizadas técnicas que “...
possuem como único objetivo aniquilar, um a um, os diferentes condicionamentos que
escravizam o homem (...). Para sair da roda do karma, ou seja, alcançar a liberdade
verdadeira, o yogi precisa aniquilar um a um esses condicionamentos na sua própria
fonte: o inconsciente, a parte escura do ser” (2001, p.18-19 – grifos nossos). Kupfer diz
que é necessário conhecer o que nos condiciona para, depois, nos descondicionarmos e
para isso é preciso perceber cada momento:
126
Do desapego depreende-se conclusões como “eu não sou feliz porque tenho
carro”, este é apenas um meio de locomoção, conforme o exemplo de Nunes. Além
disso, ele afirma que a proposta feita por Arjuna84 ao grupo do curso é viver uma
renúncia sem sair da sociedade:
84
Nome fictício utilizado por Nunes para o professor dos cursos nos quais fez sua etnografia.
127
DeRose relata que durante a sensação de estar “fora do tempo” ele compreendeu
certas verdades defendidas pela filosofia Sámkhya e pelo Yôga. Aqui aparece de
maneira bem clara o valor da experiência: é por meio da contemplação que se aprende
coisas que não se entende em outros estados. É um conhecimento que acontece “fora”
do tempo e por isso a sensação de pará-lo. Kupfer também se refere a essa relação
diferente com o tempo “... você também sentirá ao praticar que o tempo é elástico, e que
ele se „abre‟ quando você expande a consciência” (2001, p.08).
Para Eliade, por exemplo, Yoga não é só técnica de ascese, é também método de
meditação. Se por meio da técnica age-se neste mundo, a meditação permite uma
provinha de “desligamento” da condição humana. Quando DeRose está relatando sua
experiência de ter alcançado o samádhi, ele escreve que “... era preciso retornar ao
estado de consciência de relação, no qual poderia conviver com os demais, trabalhar,
alimentar meu corpo, etc...” (1996, p.67) nos dando elementos para afirmar que ele
valoriza a vida neste mundo. O que identificamos é uma proposta de vida na qual as
pessoas a dividem em duas relações com o tempo, uma com momentos de
contemplação e outra com momentos de ação.
A sensação de mudança é possível ao longo da nossa existência porque temos
critérios para dividir em antes, durante e depois os acontecimentos. O critério
geralmente é o que nos permite contar ou medir um todo de modo a fragmentá-lo em
130
partes. Norbert Elias em Sobre o tempo (1998) aborda essas questão da medida do
tempo e nos lembra sobre a invenção dos relógios como um exemplo de mecanismo que
viabiliza a contagem do tempo feita simultaneamente por várias pessoas e em vários
lugares. Por outro lado, para não termos a sensação de que o tempo passou é preciso o
oposto à fragmentação: a unidade de algo que tem duração. É uma ausência de critérios
que seccionem a experiência que viabiliza a sensação do “estar fora do tempo”.
Entendemos que para conseguir experimentar a “sensação” de que o tempo parou é
preciso construir-se com um modo de ser capaz de ficar imóvel em todos os aspectos
– sensações, emoções, pensamentos – de maneira a não ter alteração em nenhum
sentido. A habilidade de meditar é algo construído, apenas a potencialidade é inata
(DEROSE, 1996, 2006; ELIADE, 1978, 1996; SANTOS, 1995). Isso ficará mais
palpável no próximo capítulo desta tese.
Por ora, interessam-nos entender a noção de pessoa que está em jogo e pensar
suas relações com o uso das técnicas do Swásthya Yôga. Para Mauss (2003b), a Índia
parece ter sido “... a mais antiga das civilizações que teve a noção do indivíduo, de sua
consciência, digo eu, do „Eu‟; a ahamkara, a „fabricação do eu‟, é o nome da
consciência individual, aham = eu (é a mesma palavra indo-européia que ego)...”
(p.383). Mauss entendeu que a noção de ahamkara, designando a consciência
individual, é considerada ilusória para a escola “samkhya”. Para o budismo o ahamkara
seria uma parte que poderia ser separada, dividida e esse seria o objetivo dos monges. A
noção de “tu é isto” (tat tyam ast), sendo o isto o universo, acaba por dissolver essa
ilusão de ser um indivíduo. O significado do que é ahamkara e o que deve ser feito a
respeito muda de acordo com a interpretação religiosa ou filosófica adotada.
Estamos vendo que segundo o Swásthya Yôga, o “eu” não é apenas a
consciência individual, pois entende-se que a vida psicomental envolve “sentidos,
sentimentos, pensamentos e desejos”. Conforme apontamos no capítulo anterior, parece
que para a maioria (todos?) os professores de iogas não há dualismo entre corpo e
mente, ou seja, não há dualismo em ahamkara. Porém, no caso específico de DeRose e
seu Swásthya Yôga entendemos que o dualismo é transferido para esses dois tipos
ontológicos onde um é (purusha) e o outro existe (prakriti). Como pudemos ver, a
própria definição é feita opondo-os (um tem atributos, o outro não; um é imutável o
outro muda, e assim por diante). Santos (1995) comenta que com a morte a
personalidade individual se extingue, porém há uma herança genética para os filhos. O
que é curioso é que a concepção de homem holista, que supera o dualismo entre, por
131
exemplo, corpo e mente, convive com outro dualismo, que apenas é transferido para
outra instância. E, mais interessante ainda, é que a salvação, libertação, não visa apenas
uma abordagem holista do homem, mas, ao contrário, a salvação está na intuição de que
não se é prakriti, mas purusha. Ficar restrito à concepção holista de homem é acreditar
em maya, ou seja, é iludir-se acerca da “verdadeira realidade”. Pois como dissemos
anteriormente, é o desconhecimento desse dualismo, ou seja, a crença de que só há um
modo de ser (prakriti) que aprisiona o “homem” (purusha). Talvez seja melhor usarmos
a seguinte terminologia: concepção holista de prakriti – noção de pessoa enquanto “eu”,
neste sentido é uma concepção não dualista, pois há uma unidade do “eu” formada por
diferentes elementos.
Prakriti tem consciência moral, porém a hiper-consciência ou “consciência
suprema” é purusha. A existência de consciência não é critério, neste caso, para
distinguir entre esses dois modos de ser – duas categorias de pensamento do Swásthya
Yôga baseado na filosofia Sámkhya. Prakriti é uma unidade cuja síntese resulta de
diferentes elementos. Márcio Goldman em Uma categoria do pensamento
antropológico: a noção de pessoa (1999) já alertou para as múltiplas compreensões
acerca da categoria de análise da antropologia de “noção de pessoa”. Sua conclusão é
que essa noção varia bastante de maneira que para evitarmos um essencialismo
(maussiano) nos ateremos à definição usada pelo grupo e adaptaremos a categoria de
análise. Assim, entendemos que falar de purusha e prakriti é falar sobre “noção de ser”
que, segundo o Swásthya Yôga, a partir do Sámkhya, é uma noção dualista que envolve
uma unidade indivisível eterna e uma unidade resultante de um conjunto de elementos
que referem-se à pessoa enquanto singular e irrepetível. A compreensão de prakriti
pode ser entendida como uma noção de pessoa romântica, enquanto o “homem” é um
modo de ser universal, atemporal e nada singular.
Assim, ficar totalmente imóvel é viabilizar o reflexo da flor (prakriti) no cristal
(purusha). Conforme nossas palavras, “aprender a ficar em paz” é aprender que há
purusha e que o que estimula o corpo, os pensamentos, as emoções, não estimula o Ser.
Porém, mesmo que a pessoa não entenda isso, só o fato de ficar imóvel já possibilita o
controle (durante o tempo que se está parado) e a sensação temporária de paz. Esses
dois modos de ser (purusha e prakriti) são condizentes com o estar fora do tempo
(purusha) e no tempo (existindo, prakriti). Quando se intui purusha, não há apenas a
“sensação” de ficar em paz e sim também a contemplação desta
132
Eliade afirma que a “liberdade absoluta” pode ser conquistada e “... constitui a
meta de todas as filosofias e de todas as técnicas místicas indianas, mas é
principalmente pelo Yoga, por uma das suas múltiplas formas, que a Índia acredita tê-la
conquistado...” (1996, p. 14). Não questionaremos aqui se na Índia algum iogue
conquistou liberdade absoluta, pois nosso foco é o Brasil da década de 60 aos dias
atuais. Até o momento, não encontramos nenhuma declaração de algum professor de
ioga se considerando um “liberto em vida”. Por outro lado, há relatos, como o feito por
DeRose sobre suas experiências ao atingirem o estado de samádhi.
O desaceleramento do processo de envelhecimento dos iogues também gera uma
sensação de ter “parado” no tempo. Entendemos que quando os professores de ioga no
Brasil falam que com a prática de iogas as pessoas atingem ou melhoram sua saúde há
uma espécie de recompensa, no sentido de ser uma espécie de libertação, mesmo que
não sendo absoluta, de condicionamentos sociais (consumo de remédios que fragilizam
a defesa do organismo, por exemplo). Da mesma forma, ficar doente é entendido como
sendo uma punição. No entanto, para ser recompensado é preciso merecer: “... O
prestígio dessas punições resultou da noção de que certos tipos de sofrimento e
estados anormais provocados pelas punições são caminhos para se alcançar poderes
supra-humanos, isto é, mágicos...” (WEBER, 1982a, p.314). Outras recompensas
seriam: longevidade, paz, sucesso, admiração.
De uma maneira geral, os professores de iogas afirmam saber não apenas quais
são as causas dos sofrimentos, como, principalmente, eles dominam técnicas para lidar
com estas causas e de certa forma controlá-las. Sendo que saúde e vida longa são sinais
para os professores de iogas de benefícios intermediários alcançados pelas práticas.
DeRose em Tudo sobre Yôga (2003) escreve que por meio da Yôga é possível
aprimorar a saúde, caso a pessoa já seja saudável, ou reduzir a intensidade do mal, se a
pessoa estiver doente quando começar a praticar Yôga. Ele lançou em 1970 a campanha
“Faça Yôga antes que você precise”. DeRose, não sendo evolucionista – “... O homem
contemporâneo não é nem um pouco diferente dos seus ancestrais de 5.000 anos” (2003,
p.64) –, argumenta que uma técnica que agradou na criação das iogas continua a agradar
mesmo depois de tantos séculos e, assim, a afirmação de que “a história se repete” é
sustentada por ele.
Além disso, a idéia de controlar a vida instintiva nos interessa não só como
especulação, mas principalmente como atitude que deve considerar uma série de
métodos aprendidos para se conseguir tal façanha. Nossa tese é que é por meio do
133
Segundo Eliade (1996) na Índia antiga haviam pessoas que acreditavam apenas
na filosofia Sámkhya e, por isso, defendiam que a libertação era possível mediante
apenas o conhecimento da realidade. Em comparação, os primeiros praticantes de
“Yoga” tinham a filosofia Sámkhya como uma espécie de teoria para explicar e
justificar suas práticas; no entanto, não bastaria apenas estudá-la, o exercício regular e
cotidiano era fundamental para a salvação. Interessante pensar não somente que o
próprio Weber (1997) identificou “a técnica de Yoga da Índia” como sendo uma técnica
racional de salvação, como também esta formulou causas e explicações para os
sofrimentos na vida. Há, como estamos vendo, filosofias, pontos de vista (Sámkhya e
yoga) que informam e estabelecem relações de causas racionais ao (de)mérito, por
exemplo. Neste sentido, Eliade (1978) considera que teria sido Patanjali o responsável
por passar o Yoga de tradição mística a sistema de filosofia.
No entanto, mais do que técnica racional, o “Yoga” é uma técnica racional que
deve ser praticada. A prática contemplativa para Yoga é “... a única capaz de revelar
experimentalmente a autonomia e o poder do espírito...” (ELIADE, 1996, p.28 – grifo
nosso). Já em seu texto Patanjali y el yoga, Eliade (1978) afirma que para Patanjali a
prática do “Yoga” é indispensável porque nada pode ser alcançado sem esforço e sem
praticar ascese (tapas). O “conhecimento experimental” é obtido mediante, por
exemplo, purificação, posições corporais, técnicas respiratórias, etc., e todas essas
práticas são orientadas por um método, considerando certas técnicas. Lembremos da
pesquisa etnográfica realizada na sociedade norte-americana por Lock e Schper-Hughes
(1987) onde o esforço é um valor. É comum encontrarmos fotos dos próprios
professores ao escreverem seus livros e organizarem suas páginas virtuais. Uma forma
freqüente no campo das iogas é a demonstração do que se sabe fazer. No seu Yôga,
Mitos e Verdades (1996), DeRose conta sua trajetória e apresenta algumas fotos de sua
juventude, como por exemplo:
135
85
Esta foto também pode ser vista no próprio blog de DeRose (http://www.uni-yoga.org/blogdoderose/).
138
tendem a libertar o espírito, mais do que isso somente através das experiências que se
alcança a liberdade.
De fato, a existência de vários caminhos que conduzem ao autoconhecimento
por meio das iogas é reconhecida por DeRose (1996) e Santos (1995). Esses diversos
caminhos pressupõem diferentes filosofias formuladas ao longo dos séculos na Índia,
que fundamentam as práticas (o quê deve ser feito) dos iogues e, conseqüentemente,
orientam a sua metodologia (como deve ser feito). Identificamos anteriormente que na
Nova Era são feitos rearranjos a partir de filosofias e religiões orientais, dentre outras
referências. No caso das iogas, os diferentes tipos de arranjos feitos pelos professores se
expressam nos diferentes estilos, embora não devamos restringir esses arranjos às
identidades destes. Os diferentes estilos são entendidos por nós como rearranjos básicos
em cima dos quais os professores podem optar por fazer outros arranjos. E, pelo que
conseguimos saber até o momento, a escolha de uma filosofia e não de outra, assim
como a seleção de alguns textos revelam alguns rearranjos e a conseqüente diversidade
do campo das iogas. Vejamos isso agora.
3.1.2 Mitos e fatos passados fundadores do Swásthya Yôga (e do campo das iogas):
alguns autores e textos hindus reconhecidos por DeRose ao codificar o Swásthya Yôga
Além da definição curta acerca do objetivo do Swásthya Yôga, de ser uma
técnica que visa alcançar o samádhi, DeRose formulou outra que é mais completa,
complexa e específica do seu método e que, por isso, é capaz de criar uma identidade
do grupo:
86
Todos os autores utilizam este termo “civilização” para se referir a essa sociedade do Vale do Indo.
140
volta de 2.500 a.C. e teve seu declínio em 1.500 a.C. Ambos concordam que em 1.500
a. C. os arianos ocuparam a Índia. Campbell (1994) classifica este novo período, de
1.500 a 500 a.C., como védico. Por outro lado, Feuerstein em A tradição do Yoga
(2006) escreve que a invasão do território ocupado parece ser mais um mito do que uma
realidade. O autor escreve que segundo os últimos estudos o povo ariano conviveria
com os harappianos. Este autor propõe uma divisão da história da Índia em nove eras
para fins didáticos, não querendo traçar uma linha do tempo. As eras propostas são: pré-
védica (6.500 a 4.500 a.C.), védica (4.500 a 2.500 a.C.), Brahmânica (2.500 a 1.500
a.C.), Pós-védica ou Upanishádica (1.500 a 1.000 a.C.), Pré-clássica ou Épica (1.000 a
100 a.C.), Clássica (100 a.C. a 500 d.C.), Tântrica ou Purânica (500 a 1.300 d.C.),
Sectária (1.300 a 1.700 d.C.) e era moderna (1.700 até época atual). Chamamos atenção
para a diferença de séculos entre comentadores, por exemplo: o período védico para
Campbell seria de 1.500 a 500 a.C., enquanto para Feuerstein seria de 4.500 a 2.500
a.C.
De fato, o próprio Santos reconhece que pode não ter acontecido exatamente
como contam estes estudiosos e que há interesses políticos e religiosos que influenciam
na maneira de fazer história: “Mas, enfim, toda essa polêmica é irrelevante às propostas
deste nosso trabalho...” (1995, p.38). Por não terem sido encontrados templos, com as
escavações nos locais acima indicados, Raghavan afirmou que os primeiros habitantes
indianos seriam ateus (apud SANTOS, 1995). Santos e DeRose não defendem em
nenhum momento que praticar iogas seria coisa de ateus, daí Santos concluir acerca da
ausência de templos que esta civilização não tinha uma religião institucionalizada,
realizando apenas cultos à natureza. Pelo que entendemos, o que realmente interessa é
saber que para Santos quem primeiro criou o “Yoga” foi a civilização harappiana, cuja
característica era ter como valores as mulheres, a relação entre a fertilidade feminina e a
virilidade masculina e a natureza (especulações feitas a partir de selos feitos por esta
civilização). Elas estavam associadas à fertilidade do solo e eram importantes por se
tratar de uma civilização agrícola. A relação entre o feminino e o masculino refere-se à
sobrevivência do povo, que imagina-se a partir das escavações, relacionava-se de forma
harmoniosa com a natureza. Assim ele argumenta que “... O Yôga possuía a tendência
Sámkhya e Tantra...” (SANTOS, 1995, p.34) e somente ao longo dos séculos que o
“Yoga” teria sido associado a um “negativismo da existência” e um dárshana
“espiritualista” oposto ao “naturalista”. O argumento de autoridade do estilo Swásthya
Yôga passa pelas idéias de originalidade e autenticidade, um estilo que não é cópia, nem
141
impossível saber exatamente quem escreveu o quê. Os quatro livros têm uma parte que
foi escrita por volta de 400 a.C. chamada de Upanishads, que é “... a parte mais famosa
do Shruti” (SANTOS, 1995, p.40).
Segundo Santos, na segunda fase, Smriti, encontramos os “... registros
posteriores ao Shruti. É a parte mais popular, folclórica, mítica e interpretativa dos
Vedas e se subdivide em cinco” (1995, p.40 – grifos nossos) e compreende os Smriti, os
Itihasas, os Puránas, os Ágamas e os Darshanas. Zimmer (1986) traduz Smriti por
memória. Nos Smriti estão códigos de leis e normas que regiam a sociedade hindu. Os
Itihasas “são os épicos. Seus livros principais são o Rámáyána e o Mahabhárata
(considerados por muitos como a „bíblia‟ hindu). Nesse último livro citado há um
capítulo, inserido mais tardiamente, que se tornou bem famoso, a Bhagavad Gítá...”
(SANTOS, 1995, p.40). Puránas são constituídos de crônicas, lendas e parábolas.
Ágamas “... são tradições de caráter exclusivamente devocional. As mais populares são:
Shivaísmo, Vishnuísmo e Shaktismo...” (SANTOS, 1995, p.41). Os Darshanas
(traduzido por “ponto de vista”, “sistemas filosóficos”) são seis: o Yoga, o Sámkhya, o
Vêdánta, o Nyáya, o Vaishêshikha e o Púrva Mimansá (FEUERSTEIN, 2006;
KUPFER, 2001; SANTOS, 1995; SARMA, 1945).
Segundo D. S. Sarma87, em Hinduísmo e Yoga (1945), cada sistema filosófico
(darshana) é composto por Sutras (aforismos) e comentários autorizados (observações e
notas) que foram acrescentados posteriormente. No entanto, é preciso identificar que:
87
Dittakavi Subrahmanya Sarma (1883-1970) foi professor no Presidency College, em Madras. Sarma
estudou a literatura de Vivekananda-Ramakrishna e escreveu muitos artigos a respeito, bem como sobre o
Gita, os Upanishads, o movimento dos ramakrishna. (p. 179 -
http://www.belurmath.org/pdf_files/Great%20Thinkers%20on%20Ramakrishna-Vivekananda/Part-
4%20Great%20Thinkers%20on%20Ramakrishna-
Vivekananda%20(Biographical%20sketch%20of%20the%20great%20thinkers).pdf Acesso em: 21 fev.
2010). Segundo Kenneth W. Morgan, professor de religião em Colgate University que escreveu The
Religion Of The Hindus, Sarma foi “Principal Emeritus” do Vivekananda College em Madras (cf.
http://www.exoticindiaart.com/book/details/NAB402/. Acesso em: 21 fev. 2010).
143
88
Com as escavações no Vale do Indo, foram encontrados sinetes considerados como produzidos pela
civilização harappiana, nos quais há “exercícios de Yôga” (SANTOS, 1955, p.31). Num desses sinetes
estaria representado o “senhor das feras” e faria referencia à Rudra que, segundo Santos, seria um
personagem deste povo que teria seu nome mudado para Shiva, na época do hinduísmo.
144
espiritualista89 (em breve abordaremos isso), cujo codificador foi Bádaráyana (150-200
d.C., segundo FEUERSTEIN, 2006). O Vêdánta tem três divisões e seus principais
mestres seriam Shankarachárya90, que teria escrito no séc. VIII d. C. o texto Advaita
Vêdanta (FEUERSTEIN, 2006; SANTOS, 1995), Râmânuja com seu Vishitadwaita e
Dwaita Vêdánta codificado por Madhva. Outros autores importantes são Gôrashannatha
(séc. XI d. C.) e, no século XX, Aurobindo, Vivêkánanda, Shivánanda, Yôgêndra
(SANTOS, 1995). Segundo Santos, o Vêdánta:
89
Não estudaremos os outros dárshanas porque DeRose apenas se refere ao Sámkhya como sendo o
oposto do Vedanta.
90
Pela coincidência de datas e obra produzida somos levados a crer que Shankara, usado por Santos e
DeRose, é a mesma pessoa que Shankarachárya, usado por Feuerstein.
145
Pai” (1994, p.23). Hermógenes (1994), ao falar de “Yoga”, reúne autores e textos dos
mais diferentes pontos de vista e épocas como Patanjali, Bhagavad Gita e Satya Sai
Baba, Jesus Cristo, Madre Teresa de Calcutá, por exemplo; ele opta pelo sincretismo.
Talvez ele encare as modificações como aperfeiçoamentos dos primeiros textos, como
se as interpretações dos homens ao longo dos séculos evoluíssem, porém é prematuro de
nossa parte afirmar isso.
Por isso, acreditamos poder afirmar que Hermógenes é mais “flexível” no
sentido de que para DeRose e Kupfer é só por meio da prática das iogas que se pode
obter o estado de hiperconsciência (samádhi) daí ambos fazerem questão de distinguir
suas iogas de religião. A diferença de posição dele para os outros dois professores, a
nosso ver, é influenciada pelas diferentes escolhas, interpretações e compreensões de
filosofias (dárshanas) que explicam suas respectivas iogas. Resumidamente, como
estamos vendo, DeRose opta pelo Sámkhya e Kupfer diz ser possível conciliar o “Yoga”
com os darshanas Vedanta, Samkhya e Vaisheshika, posto que cada um desses três
caminhos explica um “estrato diferente da realidade” (2001, p.20).
No caso de Hermógenes, não encontramos nenhuma frase em que ele dissesse
explicitamente que optasse pelo Vedanta, porém seus comentários sobre o Sámkhya nos
levam a essa suposição. Numa nota de rodapé ele escreve que o “Ser Real” “... Na
filosofia Samkhya é denominado Purusha. Nas filosofias Yoga e Vedanta, Atma.”
(1994, p.42), dando indícios de que sua interpretação é que “Yoga” tem mais relação
com “Vedanta”. Como Hermógenes opta conscientemente pela sincretismo de
dárshanas com explicações opostas pensamos que ele as conjuga a partir de um viés
evolucionista: antes os indianos pensariam que Deus não existia, depois que ele existia,
mas não intervinha na realidade; com o passar do tempo, eles passariam a conhecer que
“na verdade” nós todos somos Deus e quando um evolui, todo o grupo evolui, pois
somos um único ser (1994).
Como estamos afirmando desde o início desta tese, a diversidade é constitutiva
do campo das iogas e os exemplos extremos sobre a relação entre iogas e religião talvez
possam ser, por um lado, a defesa das iogas enquanto “sistema filosófico religioso-
prático” feita pela Sociedade Internacional Gita do Brasil e, por outro lado, as
competições de “Yoga desportiva e artística” organizadas por Taunay Valle. Isso só
reforça a necessidade de se fazer mais pesquisas a fim de tornar nítido o campo das
iogas.
150
O que podemos afirmar aqui nesta pesquisa é que DeRose é radical ao separar os
textos hindus e dizer que os tardios são do “povo” e não de uma “elite cultural”, posto
que mistura “Yôga” com religião, insinuando uma ignorância por parte do que os unem.
Na opinião de Santos e DeRose, o sincretismo que abraça religiões seria o motivo para
serem encontrados tantos professores de iogas “espiritualistas” no Brasil que misturam
religiões com o que lêem sobre filosofia iogue. Santos (1995) cita Antonio Renato
Rodrigues que acredita ser a metafísica do monismo vedantino mais próximo das
concepções cristãs de deus e, por isso, preferido pela grande maioria.
Conforme vimos na parte anterior desta tese, a religiosidade Nova Era tem como
uma de suas características a busca por conhecimentos considerados “Orientais”, sendo
as iogas um exemplo, que são somados a outras práticas e crenças. Esse sincretismo é
que DeRose parece estar criticando. Porém se considerarmos a noção de puro de
Dantas, temos que informar que DeRose não se furta de utilizar tecnologias modernas
seja para as propagandas, seja durante as aulas (ar-condicionado, tapetes sintéticos, CD,
aparelho de som...) que configuram um novo arranjo do uso de técnicas consideradas
“milenares”.
A compreensão que DeRose tem de “Yôga” o leva a criticar as ligações
consideradas necessárias entre prática de iogas e instituições religiosas e, além disso,
toda interpretação que separa corpo de alma. Tanto DeRose não nega o âmbito espiritual
dos iogues que ele afirma que “... O Yôga de qualquer modalidade, desde que autêntico,
desenvolve a espiritualidade (...). A espiritualidade deve ser desfrutada com
naturalidade e aprimorada com discrição.” (1996, p. 31). Como vimos na parte anterior
desta tese acerca da religiosidade Nova Era, o valor da autonomia que discorda da
intervenção (ao menos intensiva) sobre a vida particular de cada um e o descrédito em
instituições aparece aqui de forma bem clara. Para além disso, é considerado por seus
adeptos um “progresso” da sociedade comportar a diversidade possibilitando a cada
indivíduo que faça suas escolhas de forma autônoma e criativa. Entendemos que cada
aluno de iogas deve buscar autonomia para viver sua espiritualidade como lhe convier.
No entanto, a distinção entre Swásthya Yôga e qualquer religião fica mais clara
ainda quando DeRose subdivide o “Yôga Antigo” em “Yôga pré-Clássico” e o “Yoga
Clássico de Patanjali”. O principal motivo para fazer esta separação é que Patanjali
escreve que Ísvara (que é traduzido por Deus ou Senhor) existe e, desta forma, a crença
na existência de Ísvara contraria o ateísmo do Sámkhya. Embora para Patanjali,
segundo Eliade (1978), Ísvara não é um deus criador, ele só pode ajudar o iogue a
151
alcançar com mais rapidez o samádhi mediante uma “simpatia metafísica” entre Ísvara
e o purusha individual do iogue, no entanto essa possibilidade de ajuda não é
necessária. Assim, Ísvara não é tão importante quanto a técnica, ou seja, a vontade e a
capacidade de domínio de si e de concentração próprias do iogue é que mais importam.
Não se atrai Deus com rituais, devoção ou fé, sua essência simplesmente colabora
instintivamente com o Si-mesmo que quer se libertar por meio do Yoga. A crença na
existência de Ísvara revela que haveria um purusha diferente de todos os outros
purushas, pois “... Ísvara é um purusha livre de toda eternidade, jamais alcançado pela
„dor‟ nem pelas „impurezas‟ da existência” (PATANJALI, Yoga-Sutra, I, 24 apud
ELIADE, 1978, p.60). E se, segundo Eliade, é com o Vedanta que Ísvara ganha um
papel mais ativo, por outro lado, “... Podemos, com efeito, imaginar facilmente um yoga
que aceitasse totalmente a dialética do Sámkhya, e não temos nenhum motivo para supor
que não tenha existido um yoga assim, mágico e ateu...” (1978, p.61).
No texto de Patanjali há uma idéia de Ísvara (senhor, deus), que não havia nos
Upanishad de Shiva. Por isso, afirmam DeRose e Santos (1995), é preciso identificar a
diferença entre Niríshwarasámkhya (Sámkhya sem senhor, sem Deus), característico do
Yôga pré-clássico, e Sêshwarasámkhya (Sámkhya com senhor), característica que
aparece a partir do Yôga Clássico. Segundo DeRose, “... o Yôga Clássico tem bases
Sámkhyas. O Sámkhya é uma corrente naturalista e que, em algumas fases históricas,
chegou a ser qualificada de materialista e ateísta! Então, o Yôga autêntico não pode
sequer alimentar misticismo...” (2003, p.38 – grifos nossos). Santos e DeRose ao
afirmarem que para a filosofia Sámkhya nada há o que dizer sobre Ísvara (Senhor, deus)
são coerentes ao não aprofundarem acerca de assuntos como vida após a morte e
reencarnação. Em seus textos encontramos apenas algumas indicações, com o uso das
palavras “morada” e “ferramenta”, que nos levam a uma dualidade entre “onde se mora”
e “quem mora”, mas entendemos que eles deixam para cada praticante de Swásthya
Yôga a interpretação livre.
Mas, afinal, há espaço para o ateísmo nas práticas de iogas segundo DeRose?
Segundo a sua compreensão da noção de pessoa conforme a filosofia Sámkhya, parece
que sim. Se, segundo esta filosofia, há vários purushas e cada um tem seu prakriti, não
existindo, nem sendo, nenhum Ísvara (deus, senhor), pois não haveria hierarquia entre
os purushas. Entendemos que a espiritualidade de cada praticante de Yôga a que se
refere DeRose pode ser interpretada como sendo purusha, o modo de ser transcendente.
Por outro lado, ao descrever sua experiência de alcançar o samádhi, DeRose distingue
152
Como podemos ler, mais uma vez há referencias a duas temporalidades e duas
“civilizações”, antes e depois dos arianos. Até o momento, não encontramos em Eliade
a distinção entre uma filosofia Sámkhya com a idéia de deus e outra sem essa idéia
(deixamos isso para outra pesquisa). De qualquer forma, o que mais nos interessa é a
distinção que DeRose faz porque ao ser codificador do Swásthya Yôga ele sistematiza
junto ao seu método o que ele admira por considerar o melhor e mais eficaz. Segundo
Santos, é o fato de o Yoga de Patanjali ser Sêshwarasámkhya que o leva a ter um padrão
comportamental brahmácharya: “... é influenciado pelo Sámkhya, assemelhando-se,
nesse aspecto, ao Yôga pré-ariano. (...) Assim, apesar do Yôga de Patanjali pertencer a
uma época de tendência Sámkhya, não é o mais antigo, já que carrega o ônus de ter-se
tornado brahmácharya” (1995, p.50).
O Tantra por sua vez “é uma filosofia comportamental originária do período
dravídico e pré-dravídico” (SANTOS, 1995, p. 79). Ainda segundo este autor,
traduzindo, “Tan” significa sabedoria, e “tra”, instrumento, mecanismo: “Com um
caráter mais filosófico, Tantra é definido como „aquilo que esparge a sabedoria‟” (p.79).
Outra interpretação seria “Tantra explica o conhecimento relativo a tattwa e mantra”
(SHIVÁNANDA apud SANTOS, 1995, p. 79-80). Da mesma forma como há diferença
entre o Yôga pré-clássico e as outras iogas (clássico, moderno e contemporâneo), há
diversos tipos de Tântra:
Confere aos drávidas o desenvolvimento desta “linha branca”, que se opõe à dos
arianos, chamada de “linha negra”. A terceira linha é o tantrismo cinzento. A diferença
entre as três linhas refere-se ao uso ou não de certas substâncias (álcool, fumo, drogas,
alimentação com carnes) ou práticas (relação sexual com orgasmo).
DeRose (1996) ao dizer que o Swásthya Yôga é Dakshinacharatantrika, quer
dizer, dentre outras coisas, que tem três características - matriarcal, sensorial e
desrepressor – que distinguem este tipo de Yôga dos outros. Um exemplo de Yôga
clássico é o Ashtánga Yôga. O Yôga Moderno e Contemporâneo, ao contrário, teriam a
filosofia Vêdanta como fonte principal e, por isso, seria patriarcal, anti-sensorial,
repressor. Quando se fala em característica matriarcal faz-se referência ao valor da
mulher enquanto ser capaz de despertar o poder do homem, de gerar, parir e amamentar
um novo ser humano. Por oposição tem-se a característica patriarcal que prefere a
castidade. Para explicar o que ele entende por sensorial Sérgio Santos faz questão de
citar DeRose, que diz:
“A mãe dá luz pelo seu ventre – isso é sensorial. Alimenta o filho com
o seu seio – isso é sensorial também. Como ela deve seu status à
sensorialidade, não poderia ser contra a valorização do corpo, não
poderia ser anti-sensorial como os brahmacharyas. A mãe é sempre
mais carinhosa e liberal do que o pai, até mesmo porque a cria nasceu
do corpo dela e não do dele. E também porque é da natureza do macho
ser mais agressivo e menos sensível. Pode ser que tal comportamento
tenha muita influencia cultural, mas é reforçado, sem dúvida, por
componente biológicos. Por tudo isso e ainda como conseqüência da
sensorialidade, desdobra-se a qualidade desrepressora do Tantra”
(DEROSE, Yôga: mitos e verdades, p. 94 apud SANTOS, 1995, p.83).
Se o controle não é tão severo, não significa que não seja um valor no Swásthya
Yôga. O que muda, afirmamos, mais uma vez, é o método, com seus mecanismos de
autocontrole utilizados, bem como os seus significados. Santos, ao escrever sobre as
características e os princípios tântricos do Swásthya Yôga, apresenta a importância do
corpo e, como citamos a pouco, é por meio da desrepressão e do prazer que se evolui.
Também Eliade vai afirmar que é com o tantrismo que o corpo adquire uma
importância inovadora na história espiritual da Índia: “... o corpo não é mais a „fonte das
dores‟, mas sim o instrumento mais seguro e perfeito de que o homem dispõe para
„vencer a morte‟...” (1978, p.115). E, a fim de sustentar seu argumento, Santos diz que
até mestres da outra linha (a Brahmácharya/ Vêdánta, que expusemos anteriormente)
concordam com a importância do corpo. Ele escreve:
Logo no início desta citação, Santos diz que os que seguem a linha Tantra são
contra a negação do ou o descaso com o corpo. Entendemos que a “queda” seria a
ignorância da pessoa que acha ser apenas prakriti. Quando ela experimenta e entende
que ela tem outra realidade, purusha, ela deseja sair desse estado em que sofre. Libertar-
se do sofrimento é “levantar do chão”. Ficar de pé é o que purusha é capaz, no entanto
para conseguir ficar de pé é preciso o apoio de prakriti, que dentre outras coisas, inclui
o corpo (que tem sensações), como também as experiências psicomentais (sentimentos,
pensamentos, desejos). Lembremos que anteriormente abordamos a importância da
prática para se conseguir controlar os estados da consciência e essa prática deve
considerar o corpo físico para lograr sucesso, ou seja, “evoluir”, aperfeiçoar-se.
Como ponto de comparação a essa proposta do Tantra, citamos, mais uma vez,
Hermógenes:
158
Para este professor de “Yogaterapia”, o corpo não é algo seguro, mas algo que
traz insegurança e quanto mais se procura apoio nele, mais a pessoa não evolui daí o uso
das palavras que grifamos que se referem não a um chão a partir do qual caminho, mas
no qual afundo.
Assim, entendemos que falar de noção de pessoa e de ser no campo das iogas é
falar de noções, pois, mais uma vez, não há um consenso acerca deste conceito. O que
não é de surpreender uma vez que na própria Índia também há diversas noções
(ELIADE, 1996; FEUERSTEIN, 2006) e como os professores buscam diferentes estilos
indianos, a diversidade também é trazida para o Brasil e reformulada neste país.
Entendemos que a grande diferença entre os dois padrões de comportamento está na
importância dada ao corpo, por exemplo, se a vida e a prática de iogues é para ser
prazerosa ou contida. Então encontramos dois posicionamentos: o que defende os
prazeres e o que defende uma repressão, redução ou ausência de prazer. Em outras
palavras, a diferença parece estar na concepção de que o corpo, bem como as sensações
sentidas nele, ajuda ou atrapalha no processo de evolução.
Entendemos que, para DeRose (1996), aqueles que afirmam que o corpo e suas
sensações são prejudiciais ou obstáculos para o auto-aperfeiçoamento estão
dicotomizando corpo e alma. A desvalorização ou mesmo o repúdio (quando se busca
evitar certas sensações, sejam elas prazerosas, ou não) do corpo revelariam uma
permanência do dualismo entre corpo e alma. Um exemplo de evitação é a castidade e a
interpretação que encontramos dada por Santos (1995), não é o sexo o problema, mas a
falta de controle sobre sua prática. O ato sexual é tão importante que há uma prática
sexual ritual (maithuna), que é do tantra por meio da qual se pode alcançar samádhi. O
que pretendemos demonstrar é como DeRose, ao unir tantra com Sámkhya, continua
sendo contra o brahmacharya. A busca do tantrismo como um dos fundamentos do
Swásthya Yôga parece ser a forma que DeRose encontrou para superar esse dualismo
entre corpo e alma na teoria e na prática.
159
conscientemente e, assim, ficar em paz. O iogue (e mesmo “yôgin”) seria aquela pessoa
capaz de unir-se ao meio onde se encontra e evoluir a partir da sua relação com ele.
Segundo a metáfora da queda, o sujeito articulado é aquele capaz de aprender a apoiar-
se no chão e com a sua ajuda levantar-se.
O valor desse corpo no Swásthya Yôga para ser entendido em sua profundidade
prescinde da compreensão do que é o “corpo sutil”, pois além do corpo fisiológico, que
aqui no Ocidente é tão estudado e conhecido,:
“... é doutrina comum, tanto dentro quanto fora da Índia, que o corpo
físico tem um correspondente sutil que não é feito de matéria
grosseira, mas de uma substância mais refinada, uma energia. A
„anatomia‟ e a „fisiologia‟ dessa imagem suprafísica do corpo físico –
o chamado „corpo astral‟ ou „corpo sutil‟ (sûksha-sharîra) – tornaram-
se os objetos de uma investigação intensa por parte dos yogues,
especialmente nas tradições do Hatha-Yoga e do Tantra em geral.”
(FEUERSTEIN, 2006, p. 427).
quantidade de prána pode ser modificada quando se atua sobre os chakras principais e
secundários.
É consenso entre diversos autores a seleção de sete cakras como sendo os
principais que encontram-se ao longo do eixo da coluna vertebral (DEROSE, 2006;
ELIADE, 1978 e 1996; FEUERSTEIN, 2006): múládhára, swádhisthána, manipura,
anáhata, vishuddha, ájña e sahásrara. Cada chackra situa-se numa região específica do
corpo físico e sutil e está ligado a um elemento, sendo exceções os dois últimos. Assim,
muladhara (mula = raiz), “... significa „o suporte da raiz‟ e seu símbolo é o quadrado,
que no hinduísmo corresponde ao elemento terra...” (DEROSE, 2006, p. 71); está
situado na base da coluna vertebral, entre o orifício anal e os órgãos genitais (plexo
sacrococcigiano), e é onde está kudalini. Svadhisthana situa-se na base do órgão gerador
masculino (plexo do sacro) e “... está relacionado com o elemento água, a cor branca, a
respiração prana, o sentido do gosto, a mão etc.” (ELIADE, 1996, p.203). O manipura-
chackra encontra-se na região lombar na altura do umbigo (plexo epigástrico): “... Este
cakra relaciona-se com o elemento fogo, o sol, o rajas (fluido menstrual), a respiração
samana, o sentido da visão etc.” (ELIADE, 1996, p.203). Anahata está situado na
região do coração, sede do prana e do jivatman; está “... relacionado com o elemento ar,
o sentido do tato, o falo, a força motriz, o sistema sanguíneo etc.” (ELIADE, 1996,
p.203). Visuddha é o chakra da pureza, que está na região da garganta (plexo laríngeo e
faríngeo, na junção da espinha dorsal com o bulbo raquidiano), sede da respiração,
udana e do bindu; está relacionado com o elemento éter, o sentido da audição, a pele.
Ajna é o chackra da ordem, do comando que está situado entre as sobrancelhas (plexo
cavernoso); “... É a sede das faculdades cognitivas: buddhi, ahamkara, manas e os
indriya (sentidos) em sua modalidade sutil...” (ELIADE, 1996, p.203-204). Sahasrara,
localizado no topo da cabeça, é onde se experimenta a união entre Siva e Sakti, que é a
finalidade do sadhana tântrico; é onde desemboca a kundalini depois de ter perpassado
os seis cackra inferiores. Este cakra “... não pertence ao nível do corpo, ele já designa o
plano transcendente...” (ELIADE, 1996, p.204).
Podemos visualizar onde e como são representadas as localizações dos sete
chakras neste desenho:
162
Ainda olhando para o desenho, vemos “caminhos” que são chamados “nádís”.
Segundo DeRose (2006), nádí significa rio, corrente ou torrente. Santos define as nadis
como “meridianos ou correntes por onde circula a bioenergia ou prána” (1995, p.103).
Eliade (1978) escreveu que as nádis são canais de espessuras variadas e incluem veias,
artérias e nervos, e é por meio delas que a energia é distribuída; porém, segundo outro
autor, que traduz nâdî por „duto‟ ou „conduto‟:
fato se entende por esses tipos: “... a energia vital, em forma de „hálito‟, circula pelas
nadi, e que a energia cósmica e divina se encontra, em estado latente, nos chakra”
(ELIADE, 1978, p.117 – grifos nossos). Se prana é a energia vital, kundalini é a
“energia cósmica presente em cada ser humano” (ELIADE, 1978, p. 118). No Swásthya
Yôga, entende-se que a “... kundaliní é uma energia física, de natureza neurológica e
manifestação sexual.” (SANTOS, 1995, p.106), e estaria latente em todas as pessoas,
de forma que entendemos que seja uma capacidade comum a todos, mas que para agir
precisa ser “acordada”. Daí esta energia ser representada geralmente como sendo uma
serpente que ficaria enrolada na base da coluna vertebral, no muladhara-chakra
(DEROSE, 2006; ELIADE, 1978). Segundo Eliade (1996), a kundaliní é descrita de
várias formas: como serpente, deusa ou energia.
Considerando o ponto de vista da corporeidade elaborado por Csordas (2008),
que parte da experiência corporificada como condição humana (existimos nesse mundo
cada um com seu corpo), o corpo é importante porque é a situação no mundo onde cada
pessoa se encontra. Em relação à citação de Santos, “estar caído no chão” (e, nesse
sentido, Hermógenes concorda) entendemos que é a condição humana reconhecida pelo
Tantra. No entanto, a peculiaridade do tantra é o conselho de “se apoiar no chão”. É
porque o corpo existe no mundo, em outras palavras, porque existi-se no mundo com
corpo, que a sensação envolve algo deste mundo. A importância do corpo está na
própria elaboração dos modos somáticos de atenção que são cultivados. A nosso ver, na
proposta do Swásthya Yôga é importante a atenção ao e com corpo (o que se sente
nele e com ele, o que acontece nele) e que deve ser feita conscientemente, em vez de
reduzir ou mesmo anular seu valor, negando-o (isso ficará mais claro ao leitor quando
analisarmos as aulas no próximo capítulo). A atenção com e ao corpo é importante, e o
processo de despertar kundaliní e de purificar as Nadi são dois exemplos.
A princípio, quando essa energia é despertada o praticante de ioga logo
percebe, pois ela “... produz um calor extremo intenso, e seu progresso através dos
chakras se manifesta na parte inferior do corpo, que fica inerte e gelado como um
cadáver, no entanto a parte que a kundalini atravessa torna-se ardente...” (AVALON,
p.242 apud ELIADE, 1996, p.206). Kundaliní “... Enquanto está adormecida, é como se
fosse uma chama congelada. É tão poderosa que o hinduísmo a considera uma deusa, a
Mãe Divina, a Shaktí Universal. Todo o sistema do Yôga, de qualquer ramo, apóia-se
no conceito da kundaliní.” (DEROSE, 2006, p. 55 – grifo nosso). A metáfora da “chama
gelada” nos leva a interpretar como uma potencialidade que precisa ser descongelada,
165
desenvolvida, para que possam surtir seus efeitos de aquecer, iluminar. Em breve
abordaremos as representações de kundaliní enquanto Shaktí, no momento
concentremo-nos nos motivos para se desejar despertar kundaliní.
Pelo que estudamos até o momento, parece que a maioria dos professores de
iogas concordam que alcançar o estado de samádhi pressupõe uma energia (kundalini)
desenvolvida, desperta e ativa, pois a distribuição e o uso dessa energia latente em
todos nós são fundamentais porque viabilizam o estado samádhi. Segundo DeRose
(2006), atuando sobre os chakras, intensificando seus movimentos e dispondo-os todos
na mesma direção, é possível influenciar a quantidade de prána e, assim, produzir
fenômenos posto que há mais energia. Além disso, escreve DeRose que kundaliní:
Não é a toa que DeRose afirma que a nádí sushumná é a mais importante porque
é por onde a energia de kundalini deve ascender. Todos os seres humanos se iludem por
não conhecerem suas potencialidades, e acabam acreditando que seus limites são
intransponíveis. Essa idéia de que o ser humano tem uma série de potencialidades que
não são usadas porque ainda não se sabe como fazê-lo, teria surgido na década de 60
quando Aldous Huxley, ao participar da fundação do projeto Esalen (em Stanford,
Estados Unidos), afirmou que não se usava mais do que dez por cento dos neurônios do
cérebro. Na mesma época, Gregory Bateson teria afirmado que o homem poderia viver
em mais harmonia com a natureza ao ampliar sua consciência (CAROZZI, 1999).
Sobre como se desperta kundaliní, DeRose escreve que “A energia da kundaliní
responde muito facilmente aos estímulos. Despertá-la é fácil. (...) Basta combinar os
exercícios certos e praticá-los com regularidade.” (2006, p. 56). Santos (1995) escreve
que há vários métodos para despertar kundaliní (maithuna, variadas técnicas de
pranayama e de mantras) e que ajudam a dinamizar esta energia. O que nos interessa,
mais uma vez, é que ele distingue o Swásthya Yôga fazendo referência às suas raízes
tântricas em oposição à linha comportamental brahmacharya. Assim, se ambos os
comportamentos concordam que é importante despertar kundaliní, os caminhos
166
seguidos não são os mesmos. Daí Santos (1995) referir-se ao modo como se usa essa
energia que deve ser acordada.
A busca por uma perfeição ou ao menos de um aperfeiçoamento teria, segundo
Duarte (1999), se baseado em “dispositivo de sensibilidade”. A perfectibilidade, que
tem Rousseau como um de seus idealizadores ao defender que a espécie humana, por
exemplo, “... é dotada de uma capacidade de se aperfeiçoar indefinidamente, de entrar
na senda disso que desde então nós chamamos o progresso, o desenvolvimento, a
transformação ilimitada, a vanguarda...” (1999, p.24 – grifo nosso). Apontamos agora
uma diferença, pois se para a “cultura ocidental moderna” a razão é central, o mesmo
não se pode dizer sobre o Oriente. E se na primeira o aperfeiçoamento de si é realizado
pelo “uso sistemático da razão”, no caso do Swásthya Yôga é a prática sistemática das
técnicas considerando o corpo e suas sensações que viabilizam essa transformação que
dizem ser ilimitada. A perfectibilidade é um valor social encontrado em vários grupos
no Brasil, entre eles, os dos iogues (e “yôgins”).
Para o tantra, a energia deve “... ser aprimorada e desenvolvida com mais
intensidade.” (SANTOS, 1995, p.106). Por considerar a sexualidade como um dos
mecanismos para desenvolver essa energia, o ato sexual pode viabilizar o despertar da
kundaliní. Para o Swásthya Yôga, “... somente através das práticas é que o discípulo
poderá ativar (...) a kundaliní, que o conduzirá ao estado de samádhi.” (SANTOS, 1995,
p.107 – grifo nosso). Segundo o que DeRose e Santos escrevem concluímos que há duas
maneiras econômicas de lidar com kundaliní. Para o tantra, aprimorar e desenvolver
essa energia deve ser entendido como ampliar essa energia posto que se opõe à atitude
de economizar energia, atitude valorizada pela linha brahmacharya. Daí esta linha
considerar mais adequado e eficaz a castidade, que seria uma espécie de esforço para
evitar o desperdício. O celibato seria uma forma de vida durante a qual o pouco de
energia que se tem deve ser utilizado para tingir o samádhi. No Swásthya Yôga o uso de
kundaliní, seu desenvolvimento pressupõe a compreensão de que quanto mais se usa,
“desperta”, “acorda” a energia serpentina, mais energia é gerada. Ambos se referem a
um aprendizado sobre a considerada melhor forma de usar essa energia, seja
economizando-a ou multiplicando-a.
Essa idéia de que há uma energia no ser humano e, em alguns casos, de que essa
energia é algo comum a tudo o que existe – unindo os seres humanos à tudo o que há na
natureza, dos animais, às plantas e minerais – é um valor comum entre pessoas adeptas
de religiosidade Nova Era. Amaral (2000) já observou o uso de técnicas cujo fim era
167
“desbloquear” as energias como, por exemplo, a prática do Feng Shui, com o objetivo
de desbloquear as energias da casa da pessoa para assim desbloquear as energias
internas da dona da casa (purificação interior). Nos encontros Nova Era que ela
observou, além do Feng Shui, praticava-se a técnica de respiração qigong, que teria
surgido na China, baseado na idéia de que o chi ou qi (traduzidos por força vital) precisa
ser cultivado. Neste sentido, a proposta de despertar kundaliní pode ser um dos motivos
para as pessoas se interessarem por praticar iogas.
Segundo Santos (1995), as escolas tântricas têm como fundamento filosófico
dois conceitos, Shaktí e Shiva, que representam o princípio feminino, a polaridade
negativa e o poder dinâmico, de um lado, e, do lado oposto, o masculino, positivo e
estático: “... São os dois pólos opostos que mantém a coesão universal, sem os quais não
haveria harmonia no cosmos.” (SANTOS, 1995, p.85). Assim, para essas escolas tudo é
encaixado nesse sistema de classificação: “... As mais grosseiras necessidades físicas
têm uma significação cósmica. O corpo é Shaktí. Suas necessidades são necessidades de
Shaktí; quando o homem regozija-se, é Shatki quem regozija através dele”
(SHIVANANA, Kundaliní Yôga, p. 25 apud SANTOS, 1995, p. 84). E se a palavra
Shaktí significa energia ou força, Santos identifica que sua interpretação acontece sob
três aspectos: enquanto divindade divina que gera, enquanto esposa e companheira e
enquanto uma energia adormecida presente em todos os seres humanos (kundaliní).
Eliade (1978) apresenta a geração de novos seres humanos diante do Ser
imutável como algo inexplicável para os indianos, um mistério; neste sentido, toda
mulher é considerada encarnação de Sakti. Tanto no budismo há divindades femininas,
quanto no hinduísmo, Sakti é considerada como “mãe divina”. Há algo de sagrado que é
irredutível. Afinal, é importante lembrarmos que as mulheres não praticavam as técnicas
de iogas na índia durante todos esses séculos. Por mais que os homens evoluíssem, se
conhecessem, atingissem o samádhi e se libertassem em vida, para prakriti continuar a
existir, novas pessoas nascerem, os homens precisam das mulheres para gestar e
amamentar e, assim, possibilitar a (re)encarnação dos que ainda não se libertaram.
Como DeRose não quer dar espaço para, como ele diz, „misticismos‟,
entendemos que importa mais tratar a dualidade da energia e dos gêneros, não se
falando muito sobre divindades e outras questões por ele consideradas como sendo
religiosas. Considerando que há muitos pontos em comum entre o Tantra e o Sámkhya
– “O tantrismo possui trinta e seis princípios, dos quais, os últimos vinte e cinco são os
mesmos do Sámkhya, nos demonstrando a relação inseparável do Tantra com o
168
91
Como aqui nesta tese nosso foco não é a interpretação de Kupfer não aprofundaremos aqui esse
conceito de “consciência testemunha”, entretanto reconhecemos que seria interessante fazê-lo em outro
momento.
172
Se considerarmos as raízes tântricas, podemos afirmar que nada que é feito com
o corpo físico acontece separado do corpo sutil. É agindo no físico que se atinge
simultaneamente o corpo sutil. Lembremos que DeRose não concorda com dualismo
corpo e alma. Efetivamente, as técnicas utilizadas, desenvolvidas, passadas, ensinam
muitas coisas:
“Essa pergunta faz tanto sentido quanto esta outra: para que serve a
dança? (...) Não se deve pensar no Yôga em termos de „toma lá, dá
cá‟. Não devemos ir ao Yôga em busca de benefícios (nem físicos,
nem – muito menos – espirituais!). Devemos ir ao Yôga se já há algo
dentro de nós que nos impele a ele tal como impele o artista a pintar.
Freqüentemente confundem-se os meios com o fim. O fim ou meta,
em qualquer tipo de Yôga, é o autoconhecimento proporcionado pelo
174
DeRose (2003) de que há pessoas que buscam apenas os efeitos colaterais. Lembremos,
como escrevemos anteriormente, que a maioria das propagandas sobre iogas abordam os
benefícios de sua prática, bem como profissionais de diferentes áreas também
expressam e estudam esses benefícios (médicos, psicólogos, pesquisadores).
Simultaneamente a isso, defendemos que existe um clima de valorização da saúde no
Brasil, que como abordamos, começou a ser “adotado” desde a virada do século XIX
para o XX. A busca pela saúde talvez possa ser identificada como um habitus no
sentido de Bourdieu, ou seja, as pessoas que procuram as aulas de iogas em busca dos
“efeitos colaterais” não o fazem por desvalorizar a busca do samádhi, que elas mal
conhecem o que é antes de praticar e ler a respeito, mas por valorizar o que elas
entendem por saúde. Além disso, DeRose reconhece que atingir a meta não é fácil, pois
se em pouco tempo o aluno pode constatar os efeitos sobre seu corpo, como melhora da
“... flexibilidade, fortalecimento muscular, aumento de vitalidade e administração dos
stress...” (2003, p. 34), por outro lado:
92
O professor Kupfer utiliza este método de Patanjali, por exemplo.
178
Segundo Santos, o púja significa para o Swásthya Yôga “... oferenda, honra ou
retribuição de energia ou de força interior...” (1995, p.96), embora o termo também seja
entendido por outros estilos (os que tem Ísvara) como “... adorar, prestar culto, venerar,
honrar ou reverenciar, como é comumente utilizado no tantrismo.” (p.96). No Swásthya
Yôga o tipo de pújá mais comum é o mental (manasika pújá) por meio do qual o aluno
de Yôga oferece “energia, amor, carinho, lealdade, e votos de saúde, prosperidade e
felicidade” (1995, p.96) ao seu Mestre, em outras palavras oferece “retribuição de
energia” (SANTOS, 1995, 134). Esta prática é considerada como sendo tão importante
que Sérgio Santos publicou o livro A força da Gratidão (Pújá) em 2007.
Por sua vez, mantra é “A vibração dos ultra-sons que acompanham o "vácuo"
das vocalizações, neste caso do ády ashtánga sádhana, tem a finalidade de desesclerosar
os canais para que o prána possa circular. (...). O Swásthya Yôga utiliza centenas de
mantras...” (DEROSE, 1996, p.81). Santos escreve que uma tradução possível para
mantra é “vocalização”, além disso, esta palavra:
Por meio de pranayamas que se expande a bioenergia (prana). Eles são técnicas
respiratórias (DEROSE, 1996) que objetivam vitalizar o organismo, seja estimulando a
circulação de prána nas nadis, seja distribuindo prana aos chakras. DeRose alerta para
o fato de que antes dos pránáyámas é necessária a execução dos mantras limpando
“energeticamente” para que o prána possa fluir pelas nadis sem ser detida ou
dificultada, pois “... dutos obstruídos pelos detritos decorrentes de maus hábitos
alimentares, secreções internas mal eliminadas e emoções intoxicantes, pode resultar
inócuo ou até prejudicial...” (DEROSE, 1996, p.82). Para tal, no Swásthya Yôga são
utilizados “58 exercícios respiratórios diferentes” (DEROSE, 1996, p.82). Em poucas
palavras, Santos entende por pránáyáma, como sendo a “expansão da bioenergia através
de respiratórios” (1995, p.134). DeRose escreve que os pránáyámas são técnicas de
exercícios respiratórios que “... fornecem uma cota extra de energia vital, aumentam a
capacidade pulmonar, controlam as emoções, permitem o contato do consciente com o
inconsciente e ajudam a conseguir o domínio da musculatura lisa” (2003, p. 48).
Eliade (1978), diz que segundo Patanjali, os pranayamas referem-se ao ritmo da
respiração e tem como objetivo discipliná-la a fim de torná-la lenta. Quanto ao ritmo
respiratório, Eliade (1978) escreve que ele é obtido pelo controle e consciência de três
momentos: inspiração (púruka), expiração (réchaka) e conservação do ar (kúmbhaka).
No Swásthya Yôga identifica-se uma quarta fase da respiração que é a retenção sem ar
(shúnyaka)93.
93
http://www.swasthyayoga.org.br/sy_pranayama.php?s=s. Acesso em: 02 mai. 2009
180
94
http://www.swasthyayoga.org.br/sy_kriya.php?s=s Acesso em: 02 mai. 2009
182
Há muitas explicações para distinguir entre esses dois tipos de samádhi, mas,
nesta tese não nos interessa aprofundá-las. Uma palavra cunhada por Eliade (1978;
1996) e retomada por Feuerstein (2006) é, no entanto, fundamental: ambos os autores
concordam que samádhi não é “êxtase”, mas sim “ênstase”. A diferença é sutil e traz
uma interpretação do samádhi interessante:
DeRose ao escrever que esse método dividido em oito partes é básico, é “... a
fase inicial do nosso método...” (1996, p.82), está afirmando indiretamente que há muito
mais. Vejamos isso agora, então.
Mais do que ter que se esforçar para conseguir tal purificação, é preciso fazê-lo
de maneira suficiente e “correta”. DeRose não é o único a valorizar o esforço
“regulado”. Hermógenes (2001) aborda a importância do repouso diante da fadiga e
critica aqueles que utilizam recursos (café a todo momento, anfetaminas, coca-cola,
fumo, etc) para “não se deixar vencer pelo cansaço”; para este professor de Yogaterapia,
trabalhar é importante mas fazê-lo ate a exaustão, isso não. É preciso saber equilibrar a
intensidade do que se faz nesta vida. A proposta central aqui, tanto de DeRose, quanto
de Hermógenes, é conseguir manter uma “exata medida”. A proposta para o
autocontrole abraça um esforço sob medida (o que nos lembra, mais uma vez, Foucault),
que se acredita poder ser identificada como “exata”, não sendo nem de mais, nem de
menos. Há aqui uma moralidade, um fazer correto, nas regras de comportamento
transmitidas através do uso do corpo ou, como formula Csordas (2008), no modo
188
alimentação vegetariana, sendo que DeRose faz questão de alertar para o fato de que ser
vegetariano é diferente de fazer uma dieta “natural” ou macrobiótica.
Quanto ao como se come, a preferência é por alimentos crus, para Hermógenes
estes são mais interessantes do que os demasiadamente cozidos, além de se evitar
enlatados, frutas e legumes com conservantes, durante as refeições nada de líquidos
frios ou gelados, pois dificultam o processo de digestão. Hermógenes chega inclusive a
dar receitas no seu livro Autoperfeição com Hatha Yoga (2001) e a listar alguns
alimentos por ele considerados como fundamentais na boa alimentação. No capítulo
específico sobre a importância da alimentação, o autor lista os “melhores alimentos
para uma vida longa e sadia”: levedo de cerveja, leite desnatado em pó, iogurte, germe
de trigo e de milho, melado, mel de abelha, soja, mate, arroz integral. É preciso estar
atento aos afeitos da alimentação sobre o corpo. Por outro lado, devem ser evitados:
refrigerantes, açúcar, carne, fritura, conservantes e enlatados, líquido durante as
refeições. O ideal, ele diz, seria comer as cascas dos alimentos, mas como estas estão
cheias de inseticidas, então é melhor evitá-las.
Para aproveitar ao máximo as práticas, o aluno deverá estar atento a algumas
recomendações como o tempo de sua última alimentação antes da prática, bem como o
tipo e a quantidade de alimento. Assim,
Neste sentido, Kupfer concorda e diz a mesma coisa quase com as mesmas
palavras:
“... O Yôga não proíbe nada e não obriga a coisa alguma. Você pode
comer de tudo. Mas se quiser aproveitar a totalidade do que o Yôga
tem para lhe oferecer, recomenda-se uma alimentação específica,
mais biológica, que proporcione determinados nutrientes necessários
em função do tipo de exercícios, do teor de consumo de oxigênio e de
gorduras, da quantidade/qualidade de proteínas, vitaminas e sais
minerais, do coeficiente de resíduos deixados no organismo, etc...”
(2003, p.70-71 – grifos nossos)
Sobre a obrigação de ser vegetariano, DeRose explica que cada atividade tem
sua peculiaridade e como “O Yôga não obriga a coisa alguma. Entretanto, todos os
esportes e até profissões têm um tipo de alimentação especialmente recomendada...”
(2003, p.70) que propicia maiores rendimentos e expectativa de vida. Há um aspecto
moral quando ele diz que quando se faz algo com seriedade a pessoa faz o melhor
possível. Em outras palavras, entendemos que quem pratica Yôga e não é vegetariano é
porque não está levando muito à sério sua prática e seu envolvimento com ela. A
argumentação de Kupfer vai na mesma linha de grau de envolvimento com a prática:
191
as pessoas não pelo que elas são, mas pelo que elas comem...” (KUPFER, 2001, p.55 –
grifo nosso). Assim, a alimentação é um meio para aumentar a eficácia de si na vida e
não deve ser um fim em si – uma forma de prazer por si, hedonista. Lembremos aqui do
quanto o valor do auto-aperfeiçoamento está presente na Nova Era e que a alimentação
é um dos tópicos de proposta de estilo de vida alternativo à “sociedade urbana e de
consumo” (MAGNANI, 2000). No caso das iogas, os praticantes não saem
espacialmente desta sociedade, porém mudam alguns de seus hábitos como estamos
vendo, por exemplo, os usos dos alimentos e os significados deles em relação com as
técnicas de iogas.
Hermógenes (2001) apresenta uma idéia de “disciplina alimentar” que ele
considera como tendo coerência, sabedoria, inteligência e equilíbrio. Outro ponto moral
é que os seres humanos devem procurar não ter relação de submissão e dependência
com sexo, alimentos e bebidas. Entendemos que o problema está na forma de relação e
não na coisa em si, seja no sexo, nos alimentos ou na bebida. Há uma atenção para o
não fazer nada em excesso. Essa idéia de excesso só é possível quando se tem a idéia de
“exata medida”.
É preciso investir em três sentidos: a) no alimento certo; b) na quantidade certa
(sem excessos ou faltas); e c) na hora certa. Não é valorizada a ausência de
planejamento, mas o cálculo, a previsibilidade, o controle civilizado. Outro exemplo
disso é dado por DeRose em Yoga, mitos e verdades sobre o consumo de cebola e alho:
Sobre o perigo de ser identificado como fanático, repressor, acreditamos que não
somente DeRose, como os outros professores estão atentos a isso. No entanto, se há
uma certa flexibilidade sobre a alimentação, não podemos dizer o mesmo quanto ao uso
de drogas lícitas, como álcool e cigarro, por exemplo, e, principalmente, ilícitas. Quanto
a este consumo, também percebemos uma mentalidade comum aos três professores
(DeRose, Kupfer e Hermógenes): deve ser evitado. DeRose em Tudo sobre Yôga afirma
não só que “Yôga e drogas definitivamente não combinam” (2003, p.72 – grifo nosso),
como também que os pais cujos filhos desejarem se dedicar à prática de Yôga que
fiquem tranqüilos, pois “... somos um dos únicos segmentos culturais em que você pode
ter a certeza de que o seu filho não travará contato com drogas!...” (2003, p. 105 – grifo
nosso). O fato de ser “natural” não justifica o seu uso, argumenta DeRose. Como lhe é
peculiar, o codificador do Swásthya Yôga opta mais uma vez por um posicionamento
claro e como ele mesmo escreve “radical” e, em Yôga, mitos e verdades, escreve que
desde a década de 60 até hoje, as pessoas perguntam se há uma relação entre o uso de
drogas associado à prática de iogas:
Como escreve DeRose, “... o Yôga não admite o uso de drogas...” (DEROSE,
1996, p.277 – grifo nosso), e ele também não. O argumento de DeRose não passa pelo
fato de algo ser da natureza (natural) ou industrializado (produzido pelo homem), mas
pelas conseqüências na pessoa como um todo. O uso de drogas não é bem-vindo porque
além de não ser necessário, vão de encontro a valores que lhe são muito caros como
controle, purificação e autonomia. Outro professor, como Kupfer, diz que o uso de
álcool, drogas ou tabaco, “mesmo socialmente” são considerados “hábitos perniciosos”.
Afinal de contas, se os três (DeRose, Kupfer e Hermógenes) defendem a importância do
controle sobre si não estranhamos que em seus livros eles proponham que não se use
substancias que “mandam” nas pessoas e as deixam fora de si.
Diante do valor central do autocontrole baseado nas raízes do Swásthya Yôga e
das diversas técnicas propostas nos livros, estudemos agora como esse domínio é
aprendido e exercitado no cotidiano dos alunos numa Unidade.
196
Nas aulas de Yôga não havia júbilo nem humilhação, mas paz, portanto,
analisaremos as esferas temporais e espaciais como contextos onde as aulas aconteciam
e que eram delimitados previamente e por todos conhecidos a partir do primeiro dia que
lá chegavam já proporcionando, a nosso ver, um ambiente pacífico, posto que sob
controle.
Com o intuito de complementar o que Thomas Csordas (2008) entende por
análises tradicionais de ritual, nas quais são feitas uma antropologia das “representações
do mundo” (as de Leach seriam um exemplo), também utilizaremos o paradigma da
corporeidade (embodiment) por ele proposto, garantindo espaço para o “ser-no-mundo”.
Dentro do que entendemos como sendo possível, faremos o diálogo do “ser-no-mundo”
e a concepção de Margareth Lock e Scheper-Hughes (1987) de “corpo pensante”
(mindful body), bem como a idéia de “aprender a ser afetado” defendida por Bruno
Latour em How to talk about the body (2004). Afinal, os quatro autores abordam o
corpo das pessoas não como sendo objetos sobre o qual se age, mas como agente (de
conhecimento). Observaremos em que sentido podemos falar em corpo agente, o corpo
pensante. Isso será feito através da análise de práticas de auto-aperfeiçoamento
realizadas pelos praticantes enquanto sendo agentes. Além disso, não esqueceremos o
pressuposto de que o corpo é agente quando aprende a ser afetado.
Diante de tudo isso, a partir de nossas observações participativas, conversas
informais e entrevistas feitas com alguns alunos, pretendemos analisar que realidade
social era construída nessa Unidade, examinando como: a) ocorria o processo de
aprendizagem do “ficar em paz” pelos alunos ao participarem das aulas, repletas de
rituais; b) o ambiente sustentava esse aprendizado e transbordava a importância do
(auto) controle; e c) mecanismos de auto-aperfeiçoamento e autocontrole eram
exercitados viabilizando seu uso no cotidiano de cada um. Esta análise está dividida em
três partes. Começamos com nossa chegada à Unidade Ondina de Swásthya Yôga na
qual fizemos nossa etnografia e descrevemos a construção social do ambiente
concretizando um clima de paz mediante controle da ocupação e organização do espaço.
95
Tradução livre feita por nós, bem como as citações seguintes.
198
96
Trocamos os nomes dos professores, bem como de nossa “informante” e colegas de prática.
199
método do Mestre DeRose. E este foi o motivo, pois já tínhamos ouvido no Rio de
Janeiro diversas vezes de que este método não era ioga por pessoas que praticavam os
mais variados estilos de iogas. Resolvemos conferir isso, pois tínhamos tempo para
mudar o local de pesquisa, caso fosse confirmado que essas aulas não tivessem nada a
ver com as iogas. Como não foi esse o caso e fomos bem recebidos, ficamos por lá,
onde fomos alunos, de setembro de 2006 a janeiro de 2008, de dois professores, Paulo e
Alexandre, que foram alunos diretos de “Mestre DeRose”.
A unidade que Marisa freqüentava ficava em Ondina, bairro de classe média
misturado a favelas. Muito conhecido pelos freqüentadores do carnaval que tem o
circuito Barra-Ondina (inclusive durante o carnaval as aulas são suspensas devido à
confusão de carros e barulho dos trios elétricos), este local de Salvador tem comércio de
bairro, loja de conveniências, padaria, loja de sucos, creperia e pizzaria conhecidas. A
rua desemboca na orla, onde ficam os hotéis Othon, Ondina Park e outros, além de
colégios, a Faculdade e colégio ISBA, bem como parte do campus da UFBA e jardim
zoológico.
No dia 19 de setembro de 2006, por volta das 18:30h, fomos pela primeira vez
na Unidade Ondina de “Swásthya Yôga” com Marisa. Esta Unidade do De Rose ficava
no segundo andar, em cima, de uma lavanderia, de um escritório e de um salão de
beleza, que já estavam fechados quando chegamos. A pequena rua que ligava uma
pracinha à rua principal tinha de um lado o quarteirão onde estava a academia e do outro
lado uma creperia famosa em Salvador, que abria diariamente e, em alguns dias, tinha
música ao vivo. Do outro lado da rua principal havia uma academia de ginástica grande.
Depois de subirmos as escadas, estava a porta da Unidade, trancada. Como a porta era
de vidro, quem chegou para abri-la, Paulo um dos professores da academia – nós ainda
não sabíamos que ele era o principal responsável daquele estabelecimento – reconheceu
Marisa e imediatamente a abriu para nós. Ela nos apresentou ao professor, enquanto
tirava seus sapatos e os colocava ao lado de outros que já estavam lá. Fizemos o mesmo
e dissemos que gostaríamos de conhecer o método. Fomos convidados a fazer uma aula
experimental, gratuita, para conhecer na prática o que lá se fazia. Das 19 às 20 horas
fizemos nossa primeira aula de tantas outras que praticaríamos nos próximos meses de
Yôga. Neste primeiro dia, ficamos no fundo da sala atrás de Marisa, naquele momento,
nossa informante e fomos copiando o que os outros iam fazendo.
Quando esta primeira aula que fizemos terminou, o professor nos encaminhou
para conversarmos com outra professora, Rosa, que dava aulas nuns horários da manhã
e pediu que ela nos explicasse como “a casa” funcionava. Enquanto isso, nossa
informante ficou esperando em outra sala. Rosa pegou uma folha com os horários, os
pacotes das mensalidades, os tipos de aula (Pré-Yôga ou Swásthya Yôga) e explicou
quais eram os procedimentos. Para fazermos as aulas do segundo tipo, disse ela, era
preciso um atestado médico e passar numa espécie de “vestibulinho”. Estava tudo
escrito na folha. Esse “vestibulinho” era uma prova feita a partir de um livro de DeRose.
Marisa, que em 2006, fazia dois anos de aula na Unidade, não queria fazer prova
nenhuma e ela simplesmente permanecia no Pré-Yôga. Sendo que, segundo consta na
folha de papel, seria para o aluno ficar apenas de um a três meses no Pré-Yôga. O que
demonstrou certa tolerância no início ao flexibilizar as “normas”, acabou por se tornar a
nosso ver uma mudança de estratégia. Estávamos dispostos a passar por todo esse
processo. Decidimos deixar aos professores que tomassem a iniciativa de comunicar
quando nós teríamos que fazer o tal “vestibulinho”. Na realidade, nunca fizemos o
“vestibulinho”. Eles não falaram nada, nem nós. Chegamos a conversar com outros
201
praticantes meses depois sobre o exame e muitos não sabiam dele, daí dizermos que eles
estavam mudando a estratégia.
Na maioria das vezes, havia algum instrutor ou um quase-intrutor que não
participava das aulas para ficar à disposição de pagamentos ou para recepcionar os
visitantes interessados em conhecer o Método De Rose. Não existiam secretárias.
Quanto ao número de vezes, cada aluno podia optar por fazer duas, três ou
quatro vezes por semana. Logo em seguida, Rosa afirmou: “mas ninguém vai ficar
controlando qual é o tipo de plano de cada aluno, além do mais tem muito aluno que faz
duas aulas seguidas. Queremos que as pessoas se sintam à vontade aqui”. O recado
estava dado: cabia aos alunos terem responsabilidade e noção de justiça tanto em
relação aos outros colegas praticantes quanto aos professores que estavam ministrando
as aulas.
Quanto às diferentes partes das aulas, Rosa citou os “mudrás”, gestos feitos com
as mãos, e explicou que a partir deles nós nos ligamos ao “inconsciente coletivo” e com
ele aprendemos. Falou também dos chackras e do objetivo de “desobstruí-los” para se
atingir o “grande estágio de desenvolvimento”. Por fim, nos despedimos e dissemos que
pensaríamos em casa, com calma, e voltaríamos num outro dia. Encontramos com
Marisa na outra sala e, já do lado de fora, antes de nos despedirmos, perguntamos a ela
sobre os “tais gestos” (mudrás) e a relação com o inconsciente coletivo e ela disse:
“você está me contando coisas sobre ioga que nunca tinha ouvido!”. Então nos
despedimos. Chegamos em casa com a cabeça cheia de informações e, ao mesmo
tempo, exaustos e relaxados. Foi assim do começo ao fim de nossa etnografia.
No dia 21 de setembro de 2006 fomos fazer aula de novo e ao terminar
insistimos (os professores disseram que nós não precisávamos decidir logo) com a
professora Rosa de que queríamos nos inscrever. Ela então chamou Paulo e fomos à sala
onde ficava um computador, no qual ele ia digitando meu nome, endereço, e-mail.
Fomos cadastrados como alunos da Unidade Ondina e passamos a fazer parte do grupo
dos alunos que praticam o Método de DeRose. Perguntamos a sugestão de Paulo:
quantas vezes ele aconselharia fazermos por semana, 2, 3 ou 4? Ele aconselhou a
pagarmos o plano de 2x/semana e vir às 3ª. e 5ª. feiras e aos sábados (este dia nunca
entrou na contagem da cobrança dos planos).
Constatamos na Unidade Ondina de Yôga uma valorização do ambiente pelo
cuidado com a limpeza e pela escolha dos objetos que faziam parte da arrumação dos
cômodos da casa, criando um clima receptivo e deixando os alunos à vontade e
202
97
http://www.swasthyayoga.org.br/instalacoes.php.
204
uma lixeira, disponibilizando a cada aluno que quisesse servir-se de chai, um chá que
levava gergelim, cominho, leite condensado, cuja receita estava disponibilizada no
mural.
No fundo da sala da diretoria, havia uma espécie de cozinha, mas ao mesmo
tempo era onde estavam guardados alguns livros. Nunca entramos nesta parte e por isso,
só conseguimos visualizar os livros que estavam numa prateleira rapidamente quando
estávamos conversando com os professores sobre outras referências sobre iogas.
Acreditamos poder dizer que este era o espaço da intimidade dos professores, um
espaço privado, onde só eles, suas esposas e alunos que estavam em formação para
serem instrutores entravam.
A sala de prática era um retângulo e a única porta encontrava-se num dos lados
maiores tendo duas janelas na parede em frente com cortinas e um ar-condicionado
split. Os lados menores do retângulo eram o fundo da sala e a frente, nesta tinha um
quadro verde de lado a lado. Embaixo do quadro tinha espaço onde encontrávamos um
violão, um pequeno aparelho de som, um ipod, uma imagem de Shiva, uma vela, uma
caixa de lenço de papel, uma caixa de incensos exclusiva da rede DeRose. O chão era
emborrachado e perto da porta encontrávamos uma pequena lixeira. Na parede das
janelas tinha um quadro com fotos de DeRose fazendo diversos ásanas, o qual todos
nós, professores e alunos, podíamos consultar a qualquer momento. Nosso espaço não
era demarcado por “tapetinhos” comuns em alguns locais de práticas de iogas (NUNES,
2008). O interessante é pensar que nosso espaço não era tão individualizado, pelo
contrário, pois ao longo das aulas, de acordo com os espaços que necessitávamos podia
acontecer de mudarmos de lugar. Só para termos uma comparação, em algumas aulas de
iogas cada aluno leva o seu “tapetinho” e o seu uso acaba sendo uma forma de separar
um espaço específico para cada aluno (NUNES, 2008).
Tendo descrito um pouco do ambiente físico da Unidade, acreditamos que seja
possível ao leitor imaginar-se “entrando neste espaço” como que sendo um ritual de
entrada num espaço especial: toda vez que se chegava ao local da Unidade, todos nós
passávamos pelo subir as escadas, tocar a campainha, esperar alguém abrir a porta e, ao
entrarmos no hall, tirarmos nossos sapatos. Assim, o mudar de espaço no meio urbano
ficava ritualizado. O fato de ficarmos descalços e sermos bem recebidos demonstrava
que estávamos num lugar diferente da rua e, para os alunos que não tiravam seus
sapatos ao chegar em casa, um lugar diferente de casa também. O tirar os sapatos já
conferia um significado de estar num lugar específico, diferente de muitos lugares. A
205
porta de vidro ficava trancada (a única deste tipo na Unidade, sendo as outras de
madeira) e sua transparência permitia a nós alunos sermos vistos e vermos quem abriria
a porta. De maneira que ao tocarmos a campainha e alguém vir abrir a porta, a
percepção de receptividade se instalava imediatamente.
Se a pessoa fosse trocar sua roupa, seguia pelo corredor e dirigia-se ao banheiro.
Caso já estivesse pronto, guardava seus pertences na estante e sentava-se no sofá ou no
tapete, esperando pelo início da aula. Por conta da pouca mudança no ambiente,
inclusive pelo controle da temperatura da sala de prática, a escolha do vestuário feita
por professores e alunos seguia uma tendência uniforme de escolha. O único conselho
dado pelos professores, geralmente no primeiro dia que a pessoa conhecia a Unidade,
era ir “com uma roupa confortável”. A maioria dos homens ficava sem camisa, com
short ou bermuda justo. As mulheres vestiam shorts ou calças de ginástica justas,
algumas com camisetas sem manga, outras com camisetas de malha com manga, poucas
ficavam só de top de ginástica. Todos fazíamos as aulas descalços. De vez em quando
alguém tentou fazer aula de meia, mas acabou percebendo que elas escorregavam no
chão emborrachado e acabavam desistindo. Com o passar do tempo, alguns alunos
compraram algumas peças de roupas vendidas na própria Unidade, que tinham
estampado a logomarca da rede DeRose ou o nome do Mestre. Essas peças não eram de
uso obrigatório para os alunos, já os professores sempre as usavam. Essa troca de roupa
na Unidade ou o “ir pronto” simbolizavam que estavam no ambiente da aula de Yôga,
cujo contexto era diferente de outros ambientes onde provavelmente os homens,
principalmente eles, não vestiriam shorts curtos, justos e sem camisa. Leach (1978)
escreve que de uma maneira geral nos rituais de passagem as pessoas trocam de roupa
durante o ritual. Embora as aulas de Yôga não sejam vistas por nós como rituais de
passagem, observamos a característica de se ter uma “roupa especial” para a ocasião do
ritual. Como estamos considerando o ambiente da Unidade desde o momento da entrada
na “casa”, podemos dizer que o ficar descalço, trocar de roupa, tirar o relógio, deixar o
celular desligado, enfim vários atos eram realizados sistematicamente na transição
entre o dentro e o fora. E a porta da Unidade constituía uma fronteira “borrada” entre o
“lá fora” e o “aqui dentro”, apresentando um significado ambíguo ao ser
simultaneamente um obstáculo físico (porta trancada) e um convite a olhar para “o outro
lado” devido à sua transparência (por ser de vidro). A porta sendo ao mesmo tempo
obstáculo e convite e, por isso, tendo um significado ambíguo.
206
Santos (1995), talvez possamos dizer que nas aulas objetivava-se separar
conscientemente o que é prakriti do que é purusha. O que é instável e pode ser
controlado, do que é imutável. Neste sentido, ficar em paz é identificar-se com purusha
– lembremos que DeRose define samádhi como hiperconsciência – e ser capaz de não
se envolver excessivamente com prakriti a ponto de esquecer-se ou ignorar-se que há
algo de eterno em si, daí prakriti precisar ser controlado.
vezes por semana e queria aumentar para quatro vezes. A idéia de momento específico
pressupõe uma relação com o tempo como um conjunto divisível. Como escreve
Norbert Elias em Sobre o Tempo:
A Unidade era o local onde era possível se isolar do mundo “lá fora” durante um
tempo. Havia um isolamento experimentado e buscado por todos, embora alguns
levassem essa experiência de forma mais intensa isolando-se também dentro da
Unidade. A partir de conversas e de observações constatamos esses dois
comportamentos dos alunos em relação à sociabilizarem-se ou não nas aulas de Yôga:
envolverem-se com o grupo ou ficarem a sós. Afirmamos que algumas pessoas queriam
um espaço-tempo para ficar só baseados no comportamento delas que chegavam sempre
em cima da hora do início da aula e saiam logo que esta era encerrada. Para nos
aproximarmos delas tivemos que, de certa forma, “cercá-las” para conseguirmos
“conversar”, mesmo que rapidamente, sobre seus objetivos ali na Unidade. Nós saímos
correndo da prática, como eles costumavam fazer, e ocupávamos os pufes onde as
pessoas sentam a fim de “retardar” sua saída e, então, muito discretamente, dizíamos
algo como “Hoje foi muito bom, não acha?”. Assim, conseguimos algumas respostas
como “Venho para cá a fim de me sentir em paz. Sempre saio assim”, ou “sou uma
pessoa muito ocupada(o) e venho aqui para me energizar”. Ou ainda “Esse é o único
momento do meu dia que é só meu” – e, diante disso, nós nos levantávamos, nos
retirávamos, ou pegávamos uma revista. Nas aulas seguintes, nos cumprimentávamos
com a cabeça. Só isso. De qualquer forma, ficávamos felizes: afinal tínhamos sido
cumprimentados, ao menos algum colega passara a existir na Unidade, além dos
professores e da própria pessoa. No entanto, isso não durava muito. Não tornamos a
insistir, respeitamos. Outros momentos que tivemos para tentar conversar com essas
pessoas, aconteciam quando a aula anterior atrasava, o que raramente aconteceu. Vendo
a pessoa angustiada olhando para o relógio, era a nossa deixa:
- “Está demorando... Tenho tantas coisas para fazer.”.
Ao que a pessoa respondia:
- “Eu estou aqui não sei nem como. Tenho muitas coisas para fazer e ainda moro
longe”.
- Onde você mora?
- Lá para o lado da Bonocô. [importante avenida que corta parte de vários
bairros de Salvador]
- Sei onde é. Fulano mora lá também.
- “Não conheço fulano. Alias, não sei o nome de ninguém, só conheço alguns
rostos”.
210
concluiu sua metáfora: “Yôga é isso, também, você ter suas percepções atentas. Parece
que tem gente que vive e parece que não viveu. Não tem nada pra contar, não
experimentou nada. E o mundo ta aí, a gente tá aqui pra sentir”. A partir dessa metáfora
e tantas outras experiências que tivemos em nossa estadia, afirmamos que havia uma
proposta de “separar” o presente do passado e do futuro na experiência viabilizada
durante as aulas. Havia uma idéia de concentração no momento presente que era um
valor partilhado pelos alunos quando percebemos que eles, ao menos enquanto estavam
na Unidade, eram absorvidos e absorviam a experiência consciente de estar ali, naquele
lugar, naquele momento. Daí, por exemplo, geralmente não falarem sobre problemas de
fora dali, ou mesmo sobre qualquer outra informação que não estivesse ali.
Além de nos desligarmos da contagem do tempo, também nos desligávamos do
“mundo lá fora” ao deixarmos nossos celulares na sala de vídeo, geralmente desligados
ou apenas no modo “vibração”. Não vimos nenhuma vez um aluno levar, nem muito
menos atender a um telefone durante a aula na sala de prática. O que aconteceu algumas
poucas vezes foi um celular tocar e seu dono sair da sala para desligá-lo ou tirar seu
som. Desligar-se dos relógios e dos celulares, dos familiares, do trabalho, dos amigos,...
Tudo isso eram maneiras de reduzir os estímulos.
Concluímos que esses comportamentos contrários (isolamento quase total e
isolamento do “lá fora” apenas) eram apenas “métodos” diferentes para atingirem o
mesmo objetivo que era cuidar de si. Entendemos a partir dos meses de observação dos
outros e de nós mesmos, que as aulas de Yôga eram momentos para cuidar de si e,
simultaneamente, ser cuidado por outrem.
Entendemos o silêncio como uma forma de reduzir os estímulos e, mais uma
vez, de estabelecer uma diferença entre o espaço da Unidade e o ambiente “lá de fora”.
Leach (1978) diz que a criança pequena faz seus barulhos e, através deles, se diferencia
do mundo. Para este antropólogo, os barulhos feitos pelos homens e pelas sociedades
objetivam geralmente marcar diferença de identidade e fronteiras temporais e espaciais.
Além disso, o barulho seria do âmbito do profano, sendo o silêncio típico de ambientes
sagrados. No caso das aulas, talvez possamos entender o silêncio como uma forma de
passar despercebido.
Se considerarmos a idéia de “solidão da diferença” definida por Michel Foucault
e Richard Sennett em Sexuality and Solitude (1981) como sendo a sensação de ser um
entre muitos e de ter uma vida interna, podemos pensar esse silêncio almejado e
realizado durante as aulas de Yôga como sendo a experiência desta solidão. E se o autor
213
manter esse exercício por muito tempo. Sendo que se os iniciantes não conseguem nem
realizar a técnica, com o tempo é possível realizar sem interrupções por alguns
segundos, enquanto que os mais treinados conseguem ficar por mais de um minuto sem
pausa, de forma acelerada e respiração bem curta.
A nosso ver, quietude, imobilidade e silêncio são valores fundamentais durante
as aulas de Yôga. As músicas que ficavam tocando, eram para dar certo clima, uma vez
que não fazíamos nada no ritmo da música. Concentrando-se dava para nem mesmo
ouvi-las. Interessante pensar que ficar com o corpo imóvel é entendido como fazer
silêncio e estar quieto. Merleau-Ponty escreve em Fenomenologia da percepção que
podemos deitar e ficarmos quietos como se estivéssemos dormindo e, assim, acabamos
efetivamente dormindo:
98
O FestYôga é um evento nacional organizado pela rede DeRose, durante o qual participam professores
e alunos de várias regiões do Brasil. O que participamos aconteceu nos dias 19 a 21 de janeiro de 2007,
no Hotel Blue Tree Towers e foi o VI FestYôga em Salvador.
215
era o momento para dar explicações. Este era o tempo que os professores dispunham de
seus alunos, não tendo como garantir se eles leriam algo depois, nem ao menos se
pensariam sobre o que era dito. Os professores colocavam-se à disposição para
esclarecer quaisquer dúvidas que pudessem surgir fora do horário das aulas, mas
também para eles o melhor momento era durante as aulas, pois ou tinham outra aula
logo em seguida, ou estavam indo para casa descansar. Além de ser o momento em que
o grupo estava efetivamente reunido.
Durante a observação participativa, constatamos que os instrutores sempre
falavam sobre o que estávamos fazendo. Podia ser em poucas palavras ou durante a aula
quase inteira, é como se sempre houvesse uma espécie de “legenda” traduzindo em
palavras o que fazíamos e sentíamos. Importante apontar que fomos estimulados a
prestar atenção nas suas explicações, mas não a debater sobre elas. Um pouco antes ou
depois das aulas, nós puxávamos conversa com os colegas sobre as práticas e
perguntávamos o que eles sentiam ou achavam. Ao contrário de Loïc Wacquant, em
Corpo e alma (2002), que não teve dificuldades de ouvir críticas, visto que estas
constituíam o habitus das conversas entre boxeadores e técnicos no “gym”, tivemos
dificuldades em ouvi-las no dia-a-dia, pois a atitude “polêmica” é muito pouco
estimulada naquele local. Wacquant não precisou utilizar de questionários para obter
informações semelhantes às que estávamos buscando. Acreditamos que a ausência de
debate revelava também uma ausência de críticas por não buscarem um consenso,
revelando com isso um clima de respeito e convivência “pacífica” com as diferenças.
Com o passar do tempo, pudemos perceber que, muitas vezes, os próprios
alunos repetiam para os colegas o que haviam ouvido dos instrutores, no entanto
nunca durante as aulas. Esta era uma das formas que muitos alunos conferiam
autoridade aos instrutores e, de forma mais distante, mas não menos presente, a DeRose.
Ouvimos muitas vezes, “é como Paulo disse...”, ou “eu li no livro Mitos e Verdades e
DeRose explica muito bem isso”.
E se houveram aulas durante as quais os professores falaram pouquíssimo, isso
só aconteceu porque só haviam alunos “antigos” na sala para a prática não sendo
necessário explicar o que todos já sabíamos. De uma maneira geral, a eficácia não
precisava da formulação em voz alta do que se fazia (e as exceções nos interessam), mas
era imprescindível o conhecimento para garantir sua eficácia. Não podemos deixar
passar despercebido que se os professores eram os que falavam e os alunos os que
escutavam e aprendiam, todos executavam as técnicas. E isso é importante porque nos
218
lembra a parte anterior desta tese, onde apresentamos DeRose e Santos valorizando a
prática, sendo esta mais importante do que “meros” conhecimentos teóricos; e os
professores sempre foram exemplo disso.
Os meios de comunicação utilizados pelos professores durante as aulas eram:
diferentes tons e volumes de voz e de músicas, gestos, manipulação de objetos (lenço de
papel, quadro de aviso, violão, tambor) e dos próprios alunos. Pensando a relação dos
cinco sentidos – visão, audição, tato, olfato e paladar – com os três tipos de
explicações – fala, demonstração e toque – concluímos que os três primeiros sentidos
eram os mais estimulados. De fato, o paladar em raríssimas vezes foi estimulado e ao
olfato tivemos bem menos atenção, no entanto, mais à frente voltaremos ao espaço dado
ao sentir cheiros. Falas e demonstrações apareceram na maior parte da duração das aulas
em conjunto, sendo o toque o recurso de explicação bem menos usado e, por isso,
entendido como “último recurso”. As demonstrações das técnicas serão abordadas em
relação às partes das aulas. Agora mantenhamos o foco sobre as falas.
Ao analisarmos a narrativa dos professores identificamos quatro tipos de fala
no que se refere ao seu conteúdo: a) fala informativa, que se referia a o quê estávamos
fazendo ou poderíamos vir a fazer; b) fala descritiva, referindo-se ao como deveríamos
fazer algum gesto; c) fala explicativa, que trazia o porquê de fazermos o que
estávamos fazendo; e d) fala performativa, quando as falas respeitavam o que Austin
(1990) formulou com “quando dizer é fazer”.
Esses tipos de fala não se excluíam, acontecendo, às vezes, logo em seguida.
Isso ficará mais claro quando as analisarmos ao tratarmos das aulas. A exceção refere-se
a esclarecermos logo o que estamos entendendo por fala performativa. Como diz
Austin (1990), os enunciados performativos são constituídos de duas características
inseparáveis porque interdependentes: o que se fala e o que se faz. Durante o ato, se as
palavras certas não forem proferidas, o ato não se realizará. Um exemplo dado pelo
autor é o momento na cerimônia de casamento em que os noivos se comprometem
proferindo a fórmula dada pelo padre e, simultaneamente, colocam o anel no dedo
anular esquerdo um do outro. Não servem outras palavras, nem se põem o anel em
qualquer dedo sem as proferir.
O estudo sobre ritual feito por Tambiah (1985) é fundamental para esta análise
porque ele, ao avaliar pesquisas já feitas sobre ritual, formulou novos conceitos para os
trabalhos antropológicos de maneira a possibilitar estudos mais ricos, posto que mais
detalhados. Ao estudar diversos tipos de rituais, ele o fez considerando as relações entre
219
da parte dos ásanas sempre foi respeitada uma ordem específica: começávamos pelos
que são feitos em pé e terminávamos com as “invertidas” (de cabeça para baixo).
A importância de seguir uma ordem previamente estabelecida ficou mais clara
ainda quando percebemos que outras atitudes também eram repetidas, para além da
partes prescritas para cada tipo de aula. Identificamos quatro atitudes que foram sempre
executadas na seguinte ordem: a) recepção dos alunos; b) avisos; c) “fórmula de
despedida” e d) cumprimento na porta. As duas primeiras pareciam funcionar como
preliminares à aula propriamente dita, e as duas últimas funcionavam como uma forma
de saída controlada, paulatina, previsível, que mediava o encerramento da aula e a volta
à vida “lá fora”. Analisemos estas atitudes antes de chegarmos às aulas propriamente
ditas.
olhares, outros ainda não se dirigiam a ninguém. A “sala de vídeo” funcionava como
sala de espera para os alunos que chegavam mais cedo que o horário do início da aula e
o clima era bem esse: esperar o início conversando baixinho, lendo uma revista, vendo o
que estava passando na televisão, pensando na vida, ou massageando os pés com um
aparelhinho que lá ficava, desligando ou colocando para vibrar os telefones celulares,
trocando de roupa no banheiro, alongando.
Dentro da sala, a recepção começava após a porta ser fechada, alunos sentados
no chão, professor também se sentava, algumas luzes acesas. Em regra, a porta da sala
de prática só era aberta em dois momentos – no início da prática para os alunos
entrarem e ao fim, para nós sairmos; sendo exceção os casos dos que tiveram vontade de
ir ao banheiro durante a aula, ou os que esqueceram de desligar os celulares, quando,
mesmo ficando em outra sala, podiam ser ouvidos e com isso perturbavam o
aproveitamento da aula. Geralmente, a porta mantinha-se fechada durante a aula inteira,
pois não era “permitido” entrar depois que a aula tivesse começado, embora isso não
fosse exatamente dito, mas tenha sido quase sempre feito.
Assim, a aula não começava sem que antes todos fossem “recepcionados”. O
incenso era aceso. Também era comum sentir o cheiro de hidratante usado pelo
professor ou por algum colega de prática. Os alunos que ainda não tinham se visto fora
da sala se cumprimentavam com “ois”, olhares elevando as sobrancelhas, sorrisos,
acenando com “tchauzinhos”, ou apenas inclinando suas cabeças levando seus queixos
em direção ao peito. Sempre foram os professores, tanto Paulo quanto Alexandre, que
falavam mais. No caso de ser a primeira aula da pessoa, era comum ouvir Paulo dizer:
“Antes de mais nada queremos dar as boas vindas aaaa.....”. Olhando para o novato, este
respondia dizendo seu nome. O restante da turma sempre cumprimentava discretamente,
como antes havia sido feito entre os conhecidos. Pronto; a pessoa começava a fazer
parte do grupo, bastava continuar a freqüentar. Às vezes, o professor falava sobre
alguma coisa que tinha acabado de saber da pessoa antes de ela entrar na sala. No nosso
caso, por exemplo, Paulo disse: “aaa Rejane, que é amiga de Marisa. Estou muito feliz
com sua vinda, viu?”. Ao que agradecemos com um sorriso – um gesto, nenhuma
palavra. Paulo continuou: “Eu penso que fazer as coisas sozinho é muito chato. Eu, por
exemplo, não gosto de ir ao cinema, ao teatro sozinho. Gosto de fazer as coisas junto
com os meus amigos. Fico então feliz que Marisa tenha trazido sua amiga para fazer
Yôga com ela...”. Em outro caso, por exemplo, quando uma moça, que estava montando
um espetáculo de teatro, fez uma aula experimental, Paulo apresentou seu nome à turma
224
e comentou que “os praticantes de Yôga não devem ser alienados, afastados do mundo
lá fora. É importante ter cultura e freqüentar cinema, teatro. Fulana, por exemplo, está
montando uma peça de teatro”. Desta forma, não aparecia ninguém novo que não fosse
apresentado à turma, embora isso não implicasse que todos fossem lembrar do seu nome
na próxima aula, como comentamos anteriormente. O significado era introduzir a
pessoa no grupo – o ritual de iniciação sempre começava com essa apresentação no
início da aula.
Geralmente era neste momento que a temperatura da sala era ajustada. Os
professores perguntavam: “está muito frio/ quente?” e de acordo com a resposta
aumentavam ou diminuíam a temperatura com o controle remoto da sala. Às vezes, os
alunos mais antigos, eles mesmos, pegavam o controle e alteravam conforme sua
vontade ou conforme a dos que já se encontravam na sala. Como todos sabíamos que a
temperatura era controlada, nosso tipo de roupa utilizada para as práticas não mudava.
Além disso, nossa posição na sala de aula também já revelava quem sentia mais calor ou
frio, pois o ar-condicionado ventava no lado esquerdo da sala, ficando o lado direito
para os “friorentos”, que geralmente era ocupado pelas mulheres. Durante os dezessete
meses de etnografia, nunca fizemos uma aula sem ar-condicionado, o que
proporcionava um controle da temperatura do ambiente, que era uma média dos pedidos
dos alunos de modo que algumas vezes era inevitável que alguns suassem, ou que
alguns ficassem com frio. O que causava certo incômodo. Mesmo assim, entendemos a
recepção carinhosa e o controle da temperatura como acolhimento, local onde o estar
junto, praticar junto, é valorizado em contraposição ao mundo “lá fora” onde é muitas
vezes lugar para competição.
Se não tivesse nenhum aluno novo, o professor optava por perguntar se
estávamos bem, ou fazia algum comentário acerca de algum acontecimento diferente da
semana – uma chuva muito forte, um acidente, a morte de alguém famoso. No entanto,
o mais comum era o professor dar boas-vindas gerais: “que bom que vocês vieram” e
em seguida dizer “Vou aproveitar para dar os avisos...”.
utilizados eram a escrita e a fala, esta geralmente era informativa. Lembremos que
definimos como fala informativa a que se referia a o quê poderíamos vir a fazer e,
nesta parte da aula, referia-se a algo no futuro como, por exemplo, um “sat chakra”99,
uma peça ou um filme por eles indicados, uma viagem do grupo para algum lugar, um
encontro nacional, como o FestYôga. Às vezes, acontecia de algo ficar escrito no
quadro durante a semana toda, comunicando de forma repetida a mensagem que se
queria passar. O aviso que sempre permaneceu escrito no alto do quadro, na metade da
direita referia-se à manutenção da limpeza da sala, mais especificamente à limpeza dos
pés.
Durante este momento, todos continuávamos sentados. Os professores falavam
em tons de voz variáveis, era o momento em que uma piada podia ser feita por eles e
que nós alunos ríamos (discretamente), raramente gargalhávamos. A idéia era
descontrair os alunos que tinham chegado muito tensos, começar “leve” e, ao mesmo
tempo, informar. Os gestos eram nesta parte menos calculados, mais espontâneos. Os
professores podiam apontar para o quadro. Algum aluno podia fazer alguma pergunta
do tipo “em que dia vai acontecer o sat chakra?”.
Esses avisos permanentes referiam-se então, a dois assuntos: à limpeza e à outras
possibilidades de estarmos juntos seja na própria Unidade ou fora dela. Além dos
avisos, na maioria das vezes, tinha uma citação de DeRose e que também era lida em
voz alta – aumentando a probabilidade de que o aluno fosse pensar a respeito e,
simultaneamente, algo que poderia inspirar a prática. Algumas vezes, ligava-se o
aparelho de som, que tocava uma música gravada no “pen-drive” em português, inglês
ou sânscrito, principalmente nos dois últimos idiomas. O volume ficava bem baixo,
comunicando que não era para ser exatamente escutada, mas para dar um “clima” de
lugar diferente, pois no restante da “casa” não tocava música, a sala de aula era um
“dentro do dentro”. Ou seja, era um duplamente dentro ou um duplamente outro mundo
que o de “lá de fora”. A sala ficava dentro da Unidade, que ficava dentro da sociedade.
Ao mesmo tempo, a sociedade é dita como sendo o fora.
99
O Sat chakra era uma espécie de festa durante a qual algumas técnicas eram realizadas.
226
coxa, com os olhos fechados. Então, cada aluno os copiava e procurava manter silêncio.
Quando todos nós já nos encontrávamos sentados, mãos unidas como que em prece, de
frente para o professor, estes sempre diziam: “terminemos nossa prática
cumprimentando-nos com o termo que significa auto-suficiência, saúde, bem-estar,
conforto e satisfação”. Todos respondíamos em uníssono, inclinando a cabeça à frente,
em direção às mãos postas: “Swásthya!”. No primeiro dia de prática do aluno, na hora
da resposta a pessoa ficava atenta para saber o que aconteceria, e com o tempo, ao ver
que era uma espécie de fórmula, fazia o mesmo. Ao ver que os colegas não falavam a
primeira parte, automaticamente a pessoa também sabia que chegaria sua vez de dar a
resposta.
Consideramos interessante dois aspectos: a despedida era em grupo e a palavra
pronunciada pelos alunos era em sânscrito e, ao mesmo tempo, exclusiva deste estilo de
ioga100, como vimos na primeira parte da tese. Mais uma vez o grupo, o falarmos todos
juntos, a relação de diálogo na fórmula – professor falando primeiro, os alunos
respondendo – era valorizado. Pronunciar esse diálogo era desejar para si e para os
outros ali e no mundo “lá fora” o que só a palavra “Swásthya” significa ao mesmo
tempo – “auto-suficiência, saúde, bem-estar, conforto e satisfação”. Entendemos que
essa atitude de dizer significa simultaneamente uma saudação e transmite uma sensação
de fazer parte daquele grupo. Por isso consideramos esse diálogo como sendo um
exemplo de fala performativa: porque não bastava o gesto de inclinar a cabeça tendo
as mãos unidas como que em prece à frente do peito, nem bastava proferir o diálogo.
Dizer e fazer naquela circunstância, naquele momento, eram um ato só.
Não eram quaisquer palavras que eram ditas e feitas. Interessante pensarmos
sobre o que Tambiah afirma em The magical power of words (1968) sobre as pessoas
acreditarem que a eficácia de algo tem relação com a escolha das palavras utilizadas,
numa espécie de crença na existência de palavras certas que garantam a eficácia da
magia. Em A performative approach to ritual (1985), o autor escreve que a ordem no
ritual é algo que parece garantir sua eficácia. Para este antropólogo é porque os atos
e/ou as palavras num ritual são convencionais que as pessoas acreditam que eles sejam
mágicos. Há a crença de que o controle dos atos e/ou das palavras resultará num
controle do seu efeito. As pessoas quando realizam falas performáticas proferem certas
100
Conforme tivemos oportunidade de freqüentar aulas de iogas de outros estilos, pudemos observar que
é comum uma palavra de despedida. As mais freqüentes costumam ser “Om, Shanti”, sendo que a
tradução mais comum para a palavra em sânscrito shanti é paz; ou “Namastê”, que dizem significar “o
deus que há em mim saúda o deus que há em você”.
227
um, deixando a sala lentamente. Quando ainda ia ter uma aula no horário seguinte era
comum alguns alunos permanecerem em silêncio (outros saíam e depois entravam de
novo) e imóveis na sala a fim de fazerem outra aula, ou seja, a despedida tinha sido para
os colegas que estavam indo embora, mas não do professor.
Esse momento complementava a transição entre o “dentro do dentro” por nós
caracterizado como sendo a sala de prática para o mundo “lá fora”. O cumprimento na
porta e a saída da sala de prática eram o momento de transição, cujo término acontecia
com o descer as escadas, sair do prédio e chegar “lá fora”.
Enfim, queremos que o leitor consiga visualizar de alguma forma o “clima” do
ambiente, que, para nós, passava a sensação de segurança, acolhimento, prazer e
vontade de fazer algo junto, em oposição ao mundo “lá fora” que era imprevisível e,
muitas vezes, competitivo (como no jogo e no trabalho). Pensamos que esta análise das
atitudes regulares antes e depois das aulas propriamente ditas compõe o que Tambiah
chama de transcender o contexto da fala, pois para ele o conjunto do quê se fala (o
conteúdo das falas) com o como se fala (a forma) são o “contexto da fala” (1985). Esse
contexto é importante para o antropólogo identificar significados, embora, também
caiba a ele transcender esse “contexto”. O respeito a uma ordem predeterminada não se
revelava apenas nas partes das aulas, mas também por essas atitudes.
Agora, de posse de categorias delimitadas, pensamos ser o momento mais
adequado para focarmos as aulas e suas partes.
4.2.3.1 Pránáyáma:
Quando os professores acabavam de dar seus avisos diziam para ficarmos
sentados de pernas cruzadas de acordo com o gênero: mulheres com o calcanhar direito
mais perto de si, por dentro, tendo a perna esquerda por fora; os homens com o
calcanhar esquerdo mais próximo ao corpo. O professor acendia o incenso específico da
rede DeRose, ligava o som e podíamos ouvir alguma música em sânscrito ou inglês.
Ambos, músicas gravadas e o incenso participavam da composição do ambiente por
quase toda a aula. A iluminação permanecia a mesma, algumas lâmpadas amarelas
acesas. Começaríamos a executar as técnicas dos pránáyámas, que também eram
chamados de “respiratórios”. Algumas vezes aconteceu desta parte da aula ser
suprimida e o motivo parece que era a opção do professor em querer enfatizar os kriyás
que envolvessem a respiração – tendo assim uma espécie de dois em um. Lembrando a
constatação de Tambiah (1985) de que todo ritual tem elementos previsíveis e, ao
mesmo tempo, nunca um ritual é igual a outro, podemos dizer que a execução de
técnicas que trabalhassem a respiração eram a parte previsível, a metodologia do
professor do que estamos chamando de “dois-em-um” era o que revelava sua
flexibilidade na realização da aula-ritual. Além disso, o que mudava era o grau de
dificuldade das técnicas que era escolhido pelo professor conforme a turma, que variava
sempre.
Nesta parte da aula, a fala dos professores era de três tipos: informativa,
explicativa e descritiva, sempre num volume médio, nem sussurrando, nem gritando. Os
professores diziam:
101
Durante a aula não foi aprofundada esta relação. O que podemos buscar como apoio para essa
explicação é o valor da purificação para a prática de Yôga que DeRose (1996, 2006) e Santos (1995)
abordam conforme apresentamos na parte três desta tese.
231
ao fazer a aula conosco. Exemplo tanto porque era capaz de fazer o que propunha, como
também porque algumas técnicas eram consideradas pelos alunos como sendo difíceis.
Os alunos admiravam o professor e sentiam-se seduzidos a tentar e, mesmo que não
conseguissem naquele momento, mesmo que soubessem que teriam que treinar muito
para conseguir realizar, essa demonstração servia como estímulo. A visualização da
realização da técnica pelo professor encantava os alunos. Pudemos observar diversas
vezes os olhares fixos e atentos às técnicas demonstradas. Eventualmente, alguns alunos
ficavam de queixo caído literalmente vendo as habilidades dos professores.
É importante dizer que aqueles que não sentissem essa admiração e, ao
contrário, comentassem que aquilo tudo “era loucura”, que “era muita doideira fazer
aqueles negócios” não voltavam mais à Unidade. Se bem que observamos casos em que
os candidatos admirassem a realização das técnicas, mas pensavam “isso não é para
mim. Isso é impossível!” E isso geralmente acontecia na aula experimental (uma aula
gratuita para que o candidato a aluno pudesse fazer antes de decidir se realmente estava
interessado nessas aulas). Assim, não bastava admirar os professores, era preciso
acreditar que ele próprio, enquanto aluno, poderia aprender a realizar as técnicas.
Sobre a dificuldade seduzir, Bronislaw Malinowski e Alfred Gell observaram
que algo difícil de ser realizado encanta, produz admiração, seduz. Malinowski em
Argonautas do Pacífico Ocidental (1984) escreve que quando a proa da canoa
trabalhosamente entalhada na madeira é vista por aqueles que estão em terra, antes
mesmo dos que estão na canoa aportarem já se cria uma expectativa acerca destes, que
estão trazendo os colares para realizarem suas trocas. Gell em The tecnology of
enchatment and the enchantment of tecnology (1994) diz que as cores presentes nas
proas das canoas observadas por Malinowski somadas com a habilidade técnica de se
esculpir a madeira encanta aqueles que as admiram em terra tendo a predominância da
cor vermelha como sendo uma técnica para chamar atenção.
Os professores e alunos “mais adiantados” e “mais envolvidos” tecnicamente
com as práticas do Swásthya Yôga seduziam porque tinham formas e habilidades de si
características que revelavam um modo de existir no mundo (tornadas mais visíveis
pelas poucas roupas justas que vestiam) e que eram produto de muito tempo dedicado e
esforço técnico para alcançar aquele resultado. Certa vez ouvimos uma aluna dizer na
“sala de vídeo” (por nós chamada de “sala de estar”) que um dos alunos que estava se
preparando para ser instrutor parecia uma lagartixa. Imediatamente perguntamos o que
ela queria dizer com isso e ela respondeu “ele tem o percentual de gordura tão baixo,
232
que conseguimos ver músculos que não sabíamos que existiam ou que só podemos ver
em livros de anatomia. A transparência da barriga da lagartixa permite que vejamos
alguns de seus órgãos. Com esse „menino‟ é a mesma coisa! É incrível!”.
Quando escrevemos que os professores tinham um “modo de existir no mundo”
estamos nos referindo á concepção fenomenológica elaborada por Maurice Merleau-
Ponty em A fenomenologia da percepção (1971), onde ele escreve que o ser-no-mundo
não existe sozinho, há outros seres existindo neste mesmo mundo. Daí ele falar em
intersubjetividade, a maneira como uma pessoa existe no mundo é sempre em relação
com alguém. Assim, na Unidade éramos várias pessoas dividindo o espaço num
determinado tempo e simultaneamente influenciando uns aos outros, posto que essa
relação existencial fundamenta-se numa via de mão dupla por meio da qual cada pessoa
existe instigando e, simultaneamente, sendo instigado. Entendemos que seu modo de
existir no mundo acontecia mediante sua capacidade de realizar as técnicas de Yôga
como também de ensiná-las pela demonstração. Primeiramente eles aprenderam com
alguém essas técnicas e depois passaram a ensiná-las. Assim seu modo de ser revela a
intersubjetividade dos professores com os seus alunos.
Também fizemos em muitas aulas a técnica chamada de “bhastriká”, traduzida
por “respiração do sopro rápido” durante a qual inspira-se e expira-se rapidamente,
fazendo um som com a passagem do ar pela garganta. Enquanto não consegue fazer
automaticamente, a pessoa deve ficar atenta para coincidir a inspiração com a dilatação
diafragmática e a expiração com a contração do músculo do diafragma. O objetivo é
fazer essa respiração de forma rápida e sem parar por um tempo, que variava de poucos
segundos a alguns minutos. Pela capacidade (já) adquirida, era possível saber quem
estava praticando há mais tempo ou com mais regularidade: os que conseguiam fazer
bem rápido durante um bom tempo. Enquanto na respiração completa não se faz ruídos,
na respiração “bhastriká” é essencial fazê-los, pois estes constituem uma das
características do exercício.
Interessante a importância da passagem do ar pelo corpo. A sensação do ar indo
e vindo era uma experiência individual de ter atenção ao corpo (movimentos de inspirar
e expirar voluntariamente) e com o corpo (sinto o ar passando pelas narinas porque sou
este corpo). Simultaneamente, esta passagem produzia som, que revelava a velocidade
da realização da técnica, bem como o condicionamento de cada praticante (alunos e
professor). Neste sentido, ouvir os sons gerados por si e pelos outros e envolver-se com
233
esses sons era um aprender a ser afetado tanto pelo som dos outros, quanto pela sua
própria respiração. Merleau-Ponty escreve que o corpo existe:
mesmo, sem se comparar aos outros. Se a respiração dos colegas era vista apenas como
outros sons presentes no ambiente, pensamos que os outros estariam sendo tratados
como objetos. Porém, se os sons produzidos pelos outros eram considerados como
estímulos na relação, então estavam sendo tratados como sujeitos, principalmente no
caso da intenção do professor de estimular a turma.
Considerando que “... Estar atento a uma sensação corpórea não é estar atento
ao corpo como um objeto isolado, mas estar atento à situação do corpo no mundo...”
(CSORDAS, 2008, p.372 – grifos nossos), estar atento à passagem do ar é ao mesmo
tempo estar atento ao fato de que estávamos na Unidade, numa sala fechada climatizada
(o ar estava frio ou quente? Provocava conforto ou não?), exercitando técnicas em
conjunto, ou seja, numa relação de coexistência. Neste sentido, o simples olhar para os
outros (atenção visual) é por nós entendido como engajamento corporal.
No entanto, participamos de aulas em dupla durante as quais um dos exercícios
era realizar a respiração completa, sentado um de costas para o outro. A coluna vertebral
servia como referência principal para sabermos como deveríamos encostar-nos ao
colega: o objetivo era encostar da cabeça ao quadril o máximo possível, mas sem ficar
desconfortável. Primeiro um respirava e o outro deveria acompanhar o ritmo do
parceiro. Depois a relação era invertida. Se um estivesse mais agitado (respiração de
curta duração) e o outro mais calmo (respiração com os movimentos bem detalhados e
de longa duração) podia acontecer de o calmo ficar agitado, ou o inverso. Também
acontecia de se chegar a um equilíbrio, nem tão calmo, nem tão agitado. Neste
momento, acontecia um “engajamento sensório” no sentido formulado por Csordas
(2008), que elabora este conceito ao tratar de uma experiência sua ao fazer uma
etnografia durante uma sessão de cura carismática católica, em que um homem de 37
anos executava uma técnica conhecida como “grounding” relatando como ele tinha
sentido seu corpo; quando ele falou que sentia seus joelhos “trancados”, a perna de
Csordas “pulou” como se tivesse sido tocada por um martelo médico num teste de
reflexo. Para este antropólogo aconteceu um “engajamento sensório” dele com o
homem que estava sendo curado. Outros exemplos de engajamento, segundo ele,
acontecem quando se presta atenção aos movimentos e formas do corpo dos outros.
Entendemos que, durante os exercícios das técnicas de pránáyámas, acontecia
um “sentir o outro” e, simultaneamente, um “sentir com o outro”. Desta forma, eram
muitos sujeitos aprendendo, realizando e sentindo uma técnica. Diante da vontade de
parar de fazer a técnica por sentir-se cansado, o aluno, ao olhar para o professor
235
4.2.3.2 Kriyá:
Nesta parte da aula executávamos técnicas de purificação. Raramente nas aulas
de Pré-Yôga os professores falavam os nomes em sânscrito durante o período que lá
freqüentamos, no entanto na página virtual de nossos professores há essas informações.
Assim, as técnicas de limpeza que realizamos foram kapálabhati (limpeza do cérebro e
dos pulmões), trátaka (visão) e naulí (intestinos e órgãos abdominais por
massageamento realizado com a contração dos músculos abdominais). Lembremos que
há outras técnicas que apresentamos na parte anterior desta tese, mas elas não foram
realizadas por nós.
Quando fazíamos a técnica chamada kapálabhati, permanecíamos sentados. A
técnica mais realizada era a inspiração lenta e expiração rápida e forte. Segurávamos um
lenço de papel na frente do rosto a fim de manter controle da higiene do local e, quando
acabávamos, jogávamos imediatamente os lençinhos sujos na lixeira que permanecia na
sala para tal fim.
Fora o início desta parte da aula, quando Paulo falava “agora vamos fazer os
kriyás” (exemplo de fala informativa), as falas dos professores eram descritivas. À
estas somavam-se sua demonstração. Atenção do professor era a mesma dos
pránáyámas. A descrição da técnica era dada quando haviam alunos considerados novos
pelo professor; caso todos já praticassem com alguma regularidade suficiente numa aula
para saber como era a técnica, o professor apena informava que tinha chegado o
momento de realizarmos os kriyás e começava fazer. Nós, alunos, o copiávamos.
Outra técnica que exercitávamos era naulí. Era quando ficávamos de pé. Após
expirar, inclinávamos nosso tronco um pouquinho à frente e apoiando as mãos nas
coxas, pernas afastadas, contraíamos o abdômen o máximo possível, como se fôssemos
“colá-lo” nas costas, dizia o professor. Quando sentíssemos uma forte vontade de
inspirar o fazíamos voltando à posição ereta. Inspiração, expiração e novo ciclo de
contração. A técnica torna-se mais complexa se, com pouco ar nos pulmões,
contrairmos e relaxarmos o abdômen de forma rápida e ritmada. Os mais adiantados
conseguiam contrair a musculatura de tal forma que era feito um movimento circular.
237
se eles não tinham conseguido por alguma tensão ou por conta da alimentação.
Aconteceu de ouvirmos alunos dizerem que ao relaxarem durante a aula tinham
conseguido “finalmente ir ao banheiro”. O que nos importa aqui é a construção de
significados acerca de se (não) evacuar regularmente ou e de se (não) ter controle sobre
esta necessidade fisiológica.
A capacidade de controlar excreções (urina, fezes, secreção nasal) e,
principalmente, de provocá-las voluntariamente fazia parte das técnicas de purificação.
Lembremos que na parte anterior desta tese falamos sobre a afirmação de DeRose sobre
não se dever fazer nenhum ásana e meditação antes da purificação. Isso é tão
importante que, como vimos, há a proposta de se adotar um estilo de vida que considere
o que se faz fora da Unidade a fim de purificar a vida como um todo, considerando a
vida sexual, a alimentação, a quantidade de trabalho, que sentimentos são mantidos e
quais devem ser eliminados. Os kriyás que executávamos durante as aulas nos
ensinavam como podíamos fazer para controlar o que “circula” em nós.
4.2.3.3 Ásanas:
Quando íamos para a realização dos ásanas, geralmente, Paulo acendia todas as
luzes, o que empolgava, funcionava como uma forma de ter todos “bem acordados”,
bem atentos. A música tinha seu volume aumentado embora nunca de forma a gerar
incômodo ou dificultar, por exemplo, a audição do que o professor dizia. O volume
parecia ser mais uma forma de motivar a nos mantermos nas posições e aumentar a
empolgação, visto que era de certa forma, o momento mais árduo do ponto de vista da
dor e do cansaço com longas durações.
A partir de nossas observações participativas, percebemos que os ásanas eram
feitos sempre respeitando uma ordem de execução de acordo com as seguintes
posições corporais: ásanas feitos de pé, sentados, deitados e “invertidos” (de cabeça
para baixo). O professor fazia um ásana e nós copiávamos. E assim fazíamos passando
de grupo em grupo. Após a realização das “invertidas”, sempre “compensávamos”
deitando de barriga para cima no chão e, com exceção dos que tinham dores na cervical,
alongando a região abdominal e peitoral colocando o topo da cabeça no chão e
respirando profundamente. Em cada um desses quatro grupos executávamos um
conjunto de ásanas e, a nosso ver, a ênfase mudava. Os ásanas feitos em pé
enfatizavam o equilíbrio, ficávamos apoiados apenas num dos pés ou fechávamos os
olhos e permanecíamos (ou tentávamos) imóveis. Os ásanas feitos sentados
239
permanecia em pé, pernas bem afastadas, um dos pés apontando para frente e o outro
para o lado, e o joelho desta perna flexionado, tronco inclinado lateralmente para o
mesmo lado do joelho flexionado, mão deste mesmo lado apoiada próximo ao joelho, o
outro braço estendido inicialmente como se fosse tocar o teto e, com a inclinação do
tronco, como se fosse tocar a parede ao lado. Neste caso, o professor dizia para
prestarmos atenção na posição de nossos dedos, se eles estavam unidos e estendidos, ou
frouxos, esquecidos, largados.
Além da fala descritiva, também identificamos a fala explicativa, que
geralmente era ouvida quando nós começávamos a tremer, quando deveríamos ficar
imóveis no ásana proposto. Quando se tornava visível nossa “tremedeira”, Paulo dizia
elevando a voz, animado: “O corpo está tremendo? [pausa, como se fôssemos
responder] É por que estamos vivos! Que maravilha!”. Ele explicava porque estávamos
tremendo, a novidade da posição (ásana) e o tempo de duração eram estímulos que
causavam tremores, como também suores e alteração no ritmo da respiração. Esses
acontecimentos eram entendidos como reações aos estímulos dados. A relação entre
sentir-se chegando ao limite só é possível para aqueles que experimentam a prática,
pois, como dissemos no capítulo anterior desta tese, a leitura (teórica) não viabiliza
sensações e reações que são sentidas e sobre as quais podemos nos conscientizar. Com o
passar das semanas de práticas, cada aluno passava a conhecer e a saber quando
tremeria e a saber o que poderia fazer, sabia que se sua respiração ficasse ofegante
deveria fazer a técnica bhastrika, por exemplo.
A regularidade dos alunos na realização das técnicas, bem como o conhecimento
do professor sobre capacidades e limites de cada um, permitia ao professor falar menos,
sem no entanto, deixar de fazer conosco as técnicas propostas, mesmo que já
soubéssemos como fazer. Daí afirmarmos que, ao reduzir a atenção ao que era dito, a
ênfase durante a prática de todos os ásanas oscilava entre o visual – demonstração do
professor – e as sensações que experimentávamos. De fato, nesta parte da aula, o
professor nos orientava a que prestássemos atenção à algumas sensações. Esta fala
informativa ao longo de várias aulas nos permitiu organizar uma espécie de inventário
de sensações a partir dos cinco sentidos e de emoções aos quais os professores se
referiram. Pela audição, o que o instrutor dizia, a respiração dos outros, dos atritos entre
os corpos e o chão, o som do violão, da música vinda do ipod, dos barulhos fora da sala
(raro), do telefone tocando na recepção e da campainha, da voz dos outros e a sua
própria cantando mantras (ou em alguns casos ouvir a totalidade da soma das vozes).
241
Pela visão do corpo dos outros (tremendo, suando, tranqüilos, nos ásanas), das coisas
que compunham a sala de prática, a vela acesa e os movimentos de sua chama, o
incenso se consumindo, a luz do aparelho de som, a luminosidade (mais claro, mais
escuro), as cortinas nas janelas. Pelo olfato que permitia inspirar o cheiro do incenso, a
fumaça da vela, o odor dos outros (Paulo sempre cheirava a hidratante, por exemplo) e
de si (seu próprio desodorante, hidratante, perfume102, suor), o produto de limpeza da
sala, os lenços umedecidos disponibilizados na entrada. Pelo tato que permitia sentir
seu próprio corpo (tremendo, pressionado partes de si mesmo, o peso total do corpo em
pequenas partes como nas mãos, por exemplo), o corpo do outro nas aulas em dupla ou,
pela proximidade, sentir a respiração do outro, o vento do ar-condicionado, do suor,
calor da vela, frio ou calor devido à prática. De todos esses, o paladar era o menos
explorado, pois o chai (chá) ficava à disposição fora da sala de prática então só era
sorvido antes ou depois da prática (não vimos ninguém levar um copo com chai para a
sala de prática); apenas no final de algumas aulas de sábado, o professor ofereceu água-
de-coco.
Para analisarmos essa relação entre a atenção ao que era feito pelo professor
(demonstrado) e nossas sensações, vale citar um comentário feito num dia pelo
professor: “pessoal! A ligação entre um ásana e outro também é importante. Façam-no
de forma bela, por exemplo, sem arrastar partes do corpo no chão. Vejam como estou
fazendo. Não faz muita diferença?” (grifo nosso). Após uma exclamação, ele falou para
direcionar nossa atenção ao que ele fazia, era para que nós “ouvíssemos e víssemos o
silêncio”, o barulho que ele não fazia ao não arrastar-se no chão. O belo estabelecido na
prática era o silêncio, confirmando o autocontrole (até sobre os sons produzidos por si)
e os gestos conscientes como valores do grupo. Especulamos que em seguida muitos
alunos, além de nós, tenham ficado atentos aos barulhos e silêncios dos outros também.
Depois de indicadas as sensações, o professor ficava calado, demonstrando sua
imobilidade no ásana proposto. O aluno estava então com sua atenção dividida entre o
que ele estava sentindo e o como o professor executava o ásana. A demonstração
durante as aulas de Yôga geralmente seduzia. Essa sedução não ficava restrita às aulas,
pois nos livros geralmente há fotos, assim como nas paginas virtuais dos nossos
professores de Salvador103, do próprio DeRose, que mantém um blog104 e de outros
102
Quando podíamos senti-los, os perfumes, geralmente, eram suaves.
103
http://www.swasthyayoga.org.br
104
http://www.uni-yoga.org/blogdoderose
242
105
Ao procurarmos, por exemplo, na página do Google, o que há sobre “Swásthya Yôga”, encontramos
como um dos resultados, referências à imagens Cf. http://images.google.com.br/images?hl=pt-
BR&source=hp&q=swasthya+yoga&oq=swas&um=1&ie=UTF-
8&ei=LKWbS6qtMM6luAeyrYSDDg&sa=X&oi=image_result_group&ct=title&resnum=5&ved=0CB8
QsAQwBA. Acesso em: 13 mar. 2010.
106
http://www.swasthyayoga.org.br/album.php. Acesso em: 13 mar. 2010
243
A nosso ver, o que mais era admirado pelos alunos na realização dos ásanas
eram quatro qualidades: a) força na medida certa; b) flexibilidade articular e
alongamento muscular (principalmente da coluna vertebral); c) equilíbrio e d)
imobilidade durante o tempo proposto. O professor ao executar um ásana que era
considerado pelos alunos como difícil era “admirado”, colocado como exemplo a ser
imitado. Em todos os casos a dificuldade era permanecer imóvel e sem esforço. O baixo
percentual de gordura que permitia a visibilidade da musculatura abdominal, adquirido
com a prática regular dos exercícios e com alimentação vegetariana, também era
admirado.
Estamos chamando de “força na medida certa” em comparação à força dos
corpos grandes e hipertrofiados comumente vistos em academias de ginástica. Os
corpos longilíneos dos professores de Yôga podiam levar os alunos a subestimarem sua
força. Nós, ao freqüentarmos academias de ginástica ao longo desses anos, e
comentarmos a respeito de aulas de iogas com professores de musculação, ouvimos
muitas vezes: “Ah! Eu já vi um cara que fazia um tipo de ioga que..., você não dava
nada por ele, todo magrinho, meio verdinho..., mas o cara foi fazer musculação e...
fazia muita flexão! Colocou no chinelo muito „marombado‟!”. A idéia de que para ser
forte tem que ser grande é questionada empiricamente, pois os iogues têm força com
pouco volume muscular107. Assim, quando falamos em força na medida certa estamos
opondo ao seu uso em excesso, que gera cansaço e desperdício de energia, e ao uso
insuficiente da força. A fraqueza é entendida como incapacidade de fazer algo, um
ásana, neste caso, e deve ser vencida através do desenvolvimento da força, como nos
ásanas em que se fica apoiado em duas mãos ou apenas em uma delas, outros em que o
único apoio é a ponto dos pés ou as pontas dos dedos das mãos. Como estão disponíveis
fotos feitas pelo próprio grupo da rede DeRose de ásanas que praticávamos durante o
período que lá estivemos, aproveitamos para ilustrar ao leitor o que estamos
descrevendo. Apresentamos dois exemplos:
107
Sabemos que em outras práticas, como alguns lutadores, bailarinos e dançarinos têm pouca massa
muscular sem perder força e, principalmente, força explosiva, fazendo com que a proposta das iogas em
geral não sejam uma novidade neste sentido aqui no Brasil, nem na década de 60.
244
Esta foto encontra-se no livro de divulgação de DeRose, Tudo o que você nunca
quis saber sobre Yôga, e que é facilmente encontrado em diversas livrarias, bem como a
próxima foto:
245
cidade de Los Angeles entre os chamados “body-builders”. Além disso, nesta prática
corporal, o corpo se expressa pela sua forma (SABINO, 2002). As aulas de Pré-Yôga
que fizemos enfatizavam as percepções não da forma do corpo, mas das sensações
geradas no corpo durante a prática. Interessante constatar que na Unidade não tinha
espelho, com exceção de no banheiro, pois os espelhos, objetos que servem para uma
visualização indireta da forma do próprio corpo não eram necessários durante as aulas.
O principal alvo dos olhares dos alunos eram as execuções das técnicas realizadas pelos
professores e, por ser um olhar o outro, a visualização era direta, sem precisar da
mediação de espelhos. A nosso ver, as técnicas lá ensinadas enfatizavam as sensações
no e do corpo, a atenção no que acontecia nele.
Quando o professor realizava um ásana que demandava flexibilidade articular
ele era admirado. Um exemplo: um ásana realizado sentado, tendo inicialmente ambas
as pernas esticadas. Uma delas é flexionada de maneira a encostar o pé no chão e
manter a coxa o mais próximo possível ao tronco. Mantendo as pernas nesta posição, a
proposta é fazer uma rotação do tronco na direção da perna flexionada, de forma que o
ombro do lado oposto ao da perna flexionada ultrapasse o joelho. O outro braço segue
pelas costas de maneira a tocar a coxa do lado oposto e, numa espécie de abraço em
torno do joelho flexionado, a mão encontra-se com a outra nas costas. Há também os
ásanas que exigem uma habilidade de arquear a coluna tanto para frente quanto para
trás. Interpretamos que o valor da flexibilidade significa a capacidade de adaptação a
diferentes situações e à multiplicidade de posições que se pode experimentar ao longo
da vida. Outro exemplo pode ser visto na página inicial de nossos professores onde um
deles realiza um ásana em “retroflexão” (flexão da coluna vertebral para trás).
Entendemos que admirar a flexibilidade significa achar surpreendente a capacidade de
adaptação à várias situações diferentes, de ser capaz de permanecer em várias
circunstâncias, desde que não se perca as outras qualidades que também eram
valorizadas como, por exemplo, o equilíbrio.
Os ásanas que demandam equilíbrio referem-se a um não balançar para os
lados, ou para frente e para trás de qualquer parte do corpo. Em alguns casos envolve o
manter-se numa posição de olhos fechados, pois ao olharmos fixamente um ponto é
mais fácil mantermo-nos numa posição. Tem relação direta com força, alongamento e
flexibilidade, todos na medida certa e mantidos por um tempo. Durante a realização dos
ásanas, quando perdíamos o equilíbrio e saíamos (ou caíamos) do ásana, deveríamos
tentar de novo. E de fato era o que fazíamos. A maioria dos ásanas que ficávamos num
247
pé só, com ou sem flexão ou extensão da coluna vertebral (para frente, trás ou
lateralmente), ou em uma ou duas mãos demandavam equilíbrio. Um exemplo para
visualizarmos:
corpo, pois estas geram emoções. E aqui temos uma questão muito importante: para o
filósofo, nossos gestos são a forma como escolhemos usar nosso corpo. Se nossa
percepção é um conjunto de sensação e emoção, nossas atitudes são provocadas pelo
que sentimos fenomenologicamente falando. E se emoções geram gestos, vice-versa
também é verdadeiro. Como vimos anteriormente sobre os pránáyámas, segundo os
professores, a prática de uma técnica (respiração completa, controlada e longa)
influencia nos sentimentos de forma a acalmar a pessoa, por exemplo. Desta forma,
manter controle sobre os movimentos tornando-se capaz de ficar imóvel seria uma
conquista da imobilidade em todos os sentidos, da pessoa como um todo (corpo,
emoções, pensamentos, espírito, ou conforme a filosofia Sámkhya, prakriti ficaria
imóvel “como” purusha). Entendemos que o gesto de ficar parado gera uma interrupção
no fluxo das emoções e a pessoa torna-se capaz de autocontrole.
Mas como aprendíamos a ficar imóveis? Afinal, qual era a relação entre prestar
atenção nas nossas sensações e o “aprender a ficar em paz”? Ao apreciarmos nosso
material concluímos que era preciso que nos concentrássemos em nossas sensações para
que nós, alunos, sentíssemos junto e parecido e para que aprendêssemos a nos
conscientizar do que nos estimulava. Perceber o outro é ouvir sua respiração ou ver sua
execução, por exemplo, tomando o outro por objeto, um som, um “algo” que vejo e nem
sei o nome. No entanto, o que mais nos interessa é que ao realizarmos as técnicas cada
um no seu ritmo, porém com a mesma proposta, todos nós aprendíamos a sentir e a nos
conscientizar de sensações que antes podiam passar despercebidas. Daí a importância da
vivência, do experimentar na prática. E se, segundo Luiz Fernando Dias Duarte em A
pulsão romântica e as ciências humanas no Ocidente (1999), no Ocidente, o
sentimentalismo inglês do século XVIII influenciou a chamada “cultura ocidental
moderna” no sentido de valorizar, dentre outras coisas, a „vivência‟, exercitar as
técnicas propostas das iogas era sentir o mundo no qual se vive e onde “... O fato
cognitivo da „experiência‟ se reduplica em fato emocional” (DUARTE, 1999, p.25).
Assim, (novas) experiências viabilizam (novas) sensações e emoções. Colocar o
corpo em posições nunca antes experimentadas era se permitir novas sensações e
emoções. Duarte afirma que os sentidos passam a ser “veículo de instrução das
atividades da mente” (p.25). Além disso, é por meio da experiência, que é um aspecto
do que ele chama de “dispositivo de sensibilidade”, que teria surgido entre os séculos
XVII e XVIII, que se sente o mundo e que se pode construir “... novas formas de
relação com o mundo e se tornar eventualmente cada vez mais aperfeiçoados, mais
250
capazes, mais senhores de seu futuro...” (DUARTE, 1999, p.25 – grifos nossos).
Assim, essas novidades viabilizavam aperfeiçoamentos que, como estamos analisando,
eram valorizadas pelo grupo. Com a freqüência nos rituais (aulas de Pré-Yôga),
aprendíamos a “sentir parecido”, ao ampliar nossa capacidade de perceber estímulos.
A realidade social construída por todos nós gerava pessoas sensíveis aos
estímulos, atentas e controladas. Pessoas cuidadosas consigo mesmas e com os outros,
pois estávamos nos tornando pessoas mais conscientes do que fazíamos. Entendemos
que o sentir parecido não era como se todos ficassem igualmente cansados ou
confortáveis ao realizar uma técnica, pois cada um tem sua biografia, sua singularidade
(lembremos do conselho sempre repetido “vá no seu ritmo!” – grifo nosso), mas o fato
de todos exercitarem a concentração e a conscientização de seus estímulos e de, cada
um em seu momento, poder colher os frutos do que cultivou: ter consciência de si por
um auto-conhecimento, auto-controle e auto-aperfeiçoamento. A idéia de Latour (2004)
de “aprender a ter um corpo afetado” nos ajuda a pensar que este aprendizado era um
processo que nós, os praticantes das aulas de Pré-Yôga, aprendíamos a ter consciência
do que estava nos estimulando.
Porém, também observamos o “sentir junto”, aquela motivação decorrente do
engajamento sensório. Já abordamos como a prática em grupo motivava-nos, seja ao
olharmos para o professor ou para um aluno que executava a técnica com mais
facilidade que a maioria. Falamos em engajamento sensório que, conforme observamos,
acontecia do início da aula até o final desta parte dos ásanas. Quando afirmamos que a
percepção podia ser com o outro estamos nos referindo à noção de intersubjetividade,
são dois sujeitos se relacionando e não um sujeito e um objeto. Como nós, alunos, não
falávamos durante as aulas, quando havia alguma comunicação ela era gestual, ou em
alguns casos mais especificamente facial. Quando a técnica proposta era considerada
difícil, era comum nos entreolharmos, arqueando as sobrancelhas. Não é que fosse
proibido aos alunos falar, mas não era o momento para tal. Daí expressões como
“éééééé...”, pronunciadas em baixo volume e de maneira descendente serem o máximo
de comunicação oral que observamos. A sensação de dificuldade e de possibilidade de
aperfeiçoamento era partilhada entre os alunos, pois víamos ambos. Os progressos dos
outros e os nossos eram literalmente visíveis.
Sempre acontecia, por exemplo, de alguém, ao começar a freqüentar as aulas de
Pré-Yôga, ao estar imóvel num determinado ásana, ficar ofegante. Paulo percebia logo
e, geralmente, falava “respire fundo, supere seus limites, controle sua respiração!” e
251
assim a pessoa fazia. Todos os alunos poderiam perceber que os novatos ficavam
ofegantes por ouvirem sua respiração, mas caso a música estivesse alta, ou a pessoa
estivesse muito concentrada, quando Paulo dizia “não desista!” a pessoa podia então
ouvir o seu conselho. Mas digamos que mesmo assim a pessoa não tenha registrado e
só percebesse que depois de trinta segundos o novato tivesse saído do ásana, desta vez
ela teria visto que o tempo estipulado pelo professor não foi seguido por todos.
Houveram aulas durante as quais muitos alunos, ás vezes, até todos, tendo o instrutor
como a exceção, ficamos ofegantes. A estratégia era sempre a realização da técnica
“bhastriká”. A explicação objetiva fornecida pelos professores era: a respiração rápida e
curta ofereceria oxigênio imediatamente ao organismo e assim a sensação de cansaço
passaria e conseguiríamos todos juntos ficar mais alguns segundos na mesma posição,
aumentando, assim, nosso condicionamento.
Assim, a experiência durante as aulas não era solitária, embora envolvesse
isolamento, e o objetivo final, mesmo que não dito pelos alunos, e, eventualmente pelo
professor, porém sempre exercitado era que aprendêssemos a nos conscientizar. O
grupo era treinado, num espaço determinado (dentro da sala de prática), e durante um
tempo determinado (durante a prática) a ter uma percepção de si, dos outros e com os
outros. Ao estar num ásana, imóvel, e sentir-se cansado ou confortável, o aluno se
conscientizava de seus limites e suas habilidades naquele exato momento. Em outras
palavras, era um método de enfatizar o que estava acontecendo, existindo, e,
simultaneamente, esquecendo o que não existia mais (um passado com dificuldade para
fazer o mesmo ásana, ou uma época em que era mais fácil fazê-lo) e o que podia vir a
ser experimentado (futuro). Lembremos que anteriormente falamos sobre a vivência do
tempo ser de estar “fora” dele, um tempo com duração, que ao estar focado no aqui e
agora deixa de ter um antes e um depois, mesmo que dure pouco. Não é possível
comparar se não há outros referenciais (passado e futuro), a execução que é feita
naquele momento é apenas ela, sem comparações, sem ser rotulada de melhor ou pior.
Parece-nos uma forma de aceitação de si mesmo. Daí afirmarmos que a ênfase estava no
presente e não nas memórias do passado ou nas expectativas de um futuro
desconhecido.
Quando afirmamos que era preciso a concentração nas sensações, estamos
considerando que para aprendermos a nos conscientizarmos dos tipos de estímulos que
cada um reage a didática começava pelas sensações, para depois ater-se às emoções e
aos pensamentos. Ao examinarmos o valor do silêncio feito pelos alunos (seja por não
252
falarem, seja por não se arrastarem pelo chão), cuja conseqüência era uma redução da
quantidade de estímulos, concluímos que isso era um dos objetivos. Uma vez sendo
capaz de identificar o que está estimulando naquele momento (a dor nas pernas, o suor
nos pés, a conta que esqueceu de pagar e a vontade de ir embora mais cedo, por
exemplo), é mais fácil concentrar-se em apenas um estímulo, no caso, por exemplo, no
suor nos pés como resultado de que ou a sala estava quente ou aquela técnica estava
demandando maior esforço. Lembremos que o professor em todas as aulas sempre
listava algumas sensações nas quais podíamos nos ater. Assim, ao menos teoricamente,
era maior a probabilidade de os alunos escolherem um dos exemplos como sendo o que
ele prestaria atenção do que de resolver ater-se a um outro estímulo, embora,
efetivamente, nada o impedisse. De qualquer forma, a proposta de ter atenção à alguma
sensação era feita igualmente para todos, o que não podemos é garantir o sucesso (de
todos) nesta tarefa.
Csordas em Modos somáticos de atenção (2008) escreve que as maneiras pelas
quais damos atenção aos e com os nossos corpos são culturalmente constituídos, daí
falar que há vários modos. Além disso, a atenção é não-dual porque é pré-objetiva.
Esses modos “... são maneiras culturalmente elaboradas de estar atento a e com o corpo
em ambientes que incluem a presença corporificada de outros” (p.372 – grifos
nossos). O corpo enquanto sujeito de conhecimento e que trata algo como objeto de
conhecimento, que podem ser tanto outros seres humanos, quanto objetos em geral,
como a sensação ao tocar uma lixa.
Focar a atenção em uma única sensação era também reduzir o modo
psicossomático de existir nesta sensação, pois ao concentrar-se em um estímulo
viabilizava o “desligar-se” de outros estímulos. Enquanto os externos são, pela própria
organização do ambiente da Unidade (como descrevemos anteriormente), deixados “lá
fora”, os estímulos internos eram aqueles que estavam em cada aluno ou no ambiente da
sala de prática. Pensamos que a capacidade de se concentrar sobre apenas uma
sensação era uma forma de aprender a reduzir a atenção diante de vários estímulos que
temos na vida. Aprender a reduzir a influência dos estímulos do mundo sobre si.
Como já dissemos anteriormente, éramos estimulados a prestar atenção nas
sensações que tínhamos ao longo das aulas, mas não a debater sobre elas. Aconteceu
muitas vezes de, logo no início da primeira parte da aula (durante os pránáyámas), os
professores dizerem que deveríamos nos concentrar nas sensações e emoções que
sentiríamos durante a prática. Um exemplo disso é que num dia, ao começarmos a aula,
253
Paulo enunciou uma “lista de sensações” nas quais poderíamos nos concentrar, como “a
pressão de uma perna sobre a outra, pé no chão balançando, os braços tremendo,
temperatura ambiente”. Para enfatizar o que ele estava querendo dizer sugeriu o
exercício: todos de braços levantados acima da cabeça. “É muito bom fazer uma coisa
quando a gente está com muita vontade de fazer. Então vamos ficar com os braços
levantados por um bom tempo para abaixarmos os braços com vontade” (grifos nossos).
E nós ficamos tempo suficiente para cansar (a nós parecia um “tempão”, embora
objetivamente deva ter durado uns dois minutos, no máximo, essa nossa atividade).
Alguns alunos não agüentavam mais, e ele disse “não pára, não desiste!”. Quando
finamente abaixamos os braços foi, para nós, um grande alívio, os rostos de nossos
companheiros expressavam, a nosso ver, o mesmo. Começamos a aula focando nossa
atenção na sensação que surgia com a permanência numa determinada posição e as
vontades que tínhamos simultaneamente. Dor, angústia, pressa.
Tomar consciência dos estímulos que estavam presentes por ter prestado atenção
neles viabilizava uma concentração em si. Naquele momento, a pessoa deixava de
pensar em outras pessoas e coisas, de interagir com elas próprias, o que ficava presente
eram as representações dos outros realizadas pelos praticantes de Yôga. Ter consciência
de suas sensações e emoções e de seus pensamentos é perceber o que se passa em si.
Conseguir parar a reação que esses estímulos geram (ter controle sobre estes) é uma
forma de possibilitar uma ação consciente no sentido da pessoa que sabe o que faz.
Entendemos que, talvez, a pessoa possa escolher a qual estímulo ela reagirá ou apesar
dos estímulos ali presentes ela consiga agir de outra forma. O exemplo mais evidente
seria o estímulo de uma dor que gera a vontade de cessá-la, porém a pessoa suporta a
dor.
Era possível durante uma aula de Yôga sentir simultaneamente tanto o contato
do pé com o chão, a temperatura ambiente e a respiração ofegante de um colega de
prática. Com as aulas aprendia-se a não se esquecer das sensações que temos, assim
como a focar em quais queremos – escolher a sensação na qual a pessoa vai se
concentrar. Latour (2004) define o corpo como interface, como produto de várias
relações. Latour afirma que é preciso tempo para se adquirir um corpo. Para produzir,
simultaneamente, um meio sensível e um mundo sensível é necessário investir aos
poucos até ser capaz de habitar nesse novo mundo. Adquire-se com a prática um corpo
como meio capaz de ser sensível sem que estas sensações fiquem perdidas no
esquecimento.
254
Não havendo um dentro e um fora, o que há é um todo que decide colocar o corpo numa
posição e, simultaneamente, está atento ao que se sente. Cabia ao professor decidir o
que seria feito em cada dia de prática, durante a qual cada aluno escolhia o grau de
envolvimento.
O fato é que cada aluno vem de sua realidade social (família, trabalho, etc.) e
durante as aulas de Yôga um novo mundo está sendo apresentado e construído,
simultaneamente. Por isso, é imprescindível que o candidato a aluno acredite ser
possível transformar os seus modos de atenção/ de existir no mundo? Numa aula, Paulo
disse que não podíamos acreditar em tudo o que as pessoas nos diziam, pois muitas
vezes nós acabávamos acreditando que seríamos incapazes. Nós não deveríamos pensar
que nunca conseguiríamos algo. Para ilustrar o que queria dizer, ele usou uma metáfora
que ele considerou como sendo boa para entender:
Era uma vez um monte de ratinhos e onde eles estavam viam uma
colina. Um deles virou e disse „vamos até o alto da colina!‟. Com isso,
os ratinhos começaram a correr e muitos disseram „não. Não vai dar
para chegar lá‟. Logo começaram a falar entre si que era melhor
desistir. Os ratinhos que estavam vendo os que estavam correndo
também começaram a dizer que não daria. No meio de todos esses
ratinhos, havia um que não parava, continuava correndo e os outros
diziam „cara, esquece. Não dá, você não vai conseguir. É muito
longe‟. Mas ele ignorava e continuava a correr e ele acabou
conseguindo chegar lá no topo da colina. Moral da história: o ratinho
era surdo. Assim, quando as pessoas falam que não é possível fazer
alguma coisa, tem horas que é melhor não ouvir. Nós temos que tentar
fazer o que queremos. Afinal, quem disse que não vamos conseguir?
[pausa] Da mesma forma, temos que fazer a aula... a concentração é
importante em tudo... Como as pessoas acham que fazer meditação é
uma coisa estranha, que é uma coisa que não tem nada a ver, que é
uma coisa muito difícil e de repente nós sabemos que para qualquer
trabalho que temos que fazer, nós temos que nos concentrar? Uma das
coisas que a gente aprende no Yôga é se concentrar. Então vamos
aproveitar hoje, aqui, para nos concentrarmos nas nossas sensações e
emoções que iremos sentir na aula. (grifo nosso)
108
Conferir no apêndice 1 esse roteiro.
109
Modificamos os nomes e omitimos dados que pudessem revelar sua identidade a fim de preservar a
privacidade dos informantes. Quando começamos a entrevistá-los falamos que faríamos isso.
261
de Swásthya Yôga em São Paulo – inclusive a mãe fez questão de mostrar a foto da
filha na revista da rede DeRose, toda orgulhosa.
De todos os alunos entrevistados, somente a mais nova tinha um dos pais (no
caso a mãe) que já havia praticado algum tipo de ioga. No entanto, vale lembrar que não
entrevistei o filho de um dos nossos entrevistados por falta de oportunidade, e que seria
mais um caso a ter pai que pratique Yôga. Enquanto a profissão/ ocupação dos pais
variasse bastante (administrador, um funcionário público, um comerciante e protético,
um professor, um técnico em exportação, um aposentado, um auditor), três mães foram
identificadas pelos entrevistados como “domésticas” (do lar). As outras profissões/
ocupações das mães eram uma funcionária pública, uma professora e enfermeira, uma
antropóloga, uma aposentada. Dos sete alunos entrevistados, quatro fizeram pós-
graduação lato sensu (um em educação e novas tecnologias, um em direito do trabalho e
previdência social, um em prótese e ortodontia, e um em gestão empresarial).
Todos os alunos que entrevistamos tinham no mínimo um ano de prática de
Yôga, sendo que uma aluna estava na Unidade há cinco anos e um outro aluno estava há
quatro, embora já praticasse outros tipos de ioga – somando o tempo todo, ele praticava
iogas há dez anos. Dos sete alunos, apenas um não leu ao menos um livro de DeRose,
todos os outros já leram ao menos um. Sendo que o aluno que não leu justificou que
tinha sido por falta de tempo, e não por falta de interesse; para suprir essa carência, ele
lia artigos virtuais da Unidade ou de revistas. Todos comentaram que liam artigos.
Dois alunos já tinham viajado ao Exterior, como por exemplo para Portugal,
Argentina (Buenos Aires). Ao perguntar se eles gostariam de viajar para Índia, cinco
disseram que sim. Uma disse que não e outra disse que ainda estava pensando sobre se
seria importante para ela uma viagem desse tipo. Um aluno disse que não fascinava ir à
índia e que se tivesse oportunidade queria “conhecer as pirâmides do Egito”. Outro
aluno disse que se fosse viajar para o Exterior: “Iria buscar um pouco do conhecimento.
Iria para a Índia, Grécia, Chile. Acho que todo mundo que fica no Yôga têm a vontade
de um dia ir lá na fonte, né? Acho que isso é uma conseqüência inevitável. Conhecer um
pouco das civilizações, no Chile, os Maias, Aztecas e Incas.”.
Considerando o que Merleau-Ponty diz sobre a realidade do mundo ser acessada
pela percepção e ser indeterminada, podemos explicar porque para uns a aula podia ser
considerada, por exemplo, “forte, puxada” e para outros, “básica”. Aconteceu diversas
vezes de nós e vários colegas estarmos cansados, suando, nossas mãos escorregando no
262
chão e, ao olharmos para Paulo ou Alexandre, percebíamos que eles estavam tranqüilos,
sem suar, com seus rostos relaxados, muitas vezes, até sorrindo!
Uma vez tendo feito a etnografia baseados em nossas percepções, pensamos em
complementá-las com as percepções dos alunos. Nossa proposta agora é dar voz a eles,
pois acreditamos que percepções são diferentes de pessoa para pessoa. Se em alguns
momentos sentíamos dor nos braços, podemos imaginar que outro colega tenha sentido
calor, ou tenha suado nos pés, nas palmas das mãos, ou que ele tenha ficado
tranquilamente na posição. Para saber o que os nossos colegas estavam sentindo nós
observávamos seus gestos. Mas não nos contentamos com isso, por isso fizemos as
entrevistas. Esta parte está dividida em dois momentos: num apresentamos
principalmente sensações obtidas durante as aulas e no segundo focamos
comportamentos deles ou esperados em algumas situações na vida social “lá fora”.
“eu sinto uma evolução. Hoje [13 de maio de 2008] foi um exemplo
disso. Coisas que eu não conseguia fazer e agora estou conseguindo:
ficar em frente a uma pessoa, fixar os olhos nos dela e ficar sério sem
ficar rindo. Hoje eu consigo. Eu ficava tímido, em algumas situações,
e, trabalhando isso no Yôga, melhorei bastante.” (grifos nossos)
Letícia disse que o que Paulo falava ao longo das aulas era uma experiência
significativa:
Outro exemplo de início por estímulo de alguém confiável e, neste caso também,
por ver os “resultados” é o de Letícia:
Sabrina sentiu-se motivada a conhecer a Unidade ao ver sua amiga não se abalar
com mais nada:
Vim porque malhava muito, e fiquei parada dois anos. Encontrei com
uma vizinha de trabalho, também malhadora, e ela me indicou essa
Unidade, que ela praticava aqui, e que por isso nada mais a abalava.
Vim, gostei e não mais saí. Faço duas a três vezes por semana.
Ao perguntar sobre os motivos para Miguel fazer Yôga, ele respondeu logo:
Ao perguntar a Daniel qual era o objetivo dele ao fazer aulas de Yôga ele
também se referiu ao auto-aperfeiçoamento:
110
Para ficar mais claro para o leitor, em todas as citações que aparecem as perguntas que fizemos elas
aparecem sublinhadas.
265
Comecei a fazer ioga há mais de dez anos atrás. Sempre tive uma
afinidade muito grande com o Yôga. Desde garotinho eu idealizei
fazer meditação e essas coisas mais holísticas, vamos dizer assim.
Sempre fui muito reflexivo, afinando-me com essa coisa de fazer
Yôga, e sempre li muito e gostava de televisão e, quando via
referências sobre Yôga e meditação, isso me empolgava. Primeiro eu
vim para a Unidade e depois veio o meu filho. Há mais de dez anos
atrás eu comecei a fazer ioga com um colega meu, e passei, desde
então, a buscar vários estilos de ioga. A ioga que eu fazia tinha muito
mais a ver com proximidade de minha casa do que ao estilo em si, até
porque eu não conhecia outros estilos de ioga. Mas sempre ouvi falar
muito mal do método DeRose porque os outros métodos falavam
assim dele, e por isso eu resisti a entrar nesse método. Eu nunca me
preocupei com o método que eu fazia, só queria saber se eu me sentia
bem com ele. Mas uma amiga minha veio para cá, logo que essa
Unidade abriu, e me disse que já que eu gostava deveria vir porque os
caras são muito bons. E eu vim e já estou aqui há quatro anos, e
adorei. Realmente, eu me identifiquei muito com esse método de
DeRose [grafias das palavras ioga e Yôga de acordo com nosso
critério e compreensão do que estava sendo dito]. (grifo nosso)
Você acha que Yôga tem a ver com processo de conhecimento, é bom
para desestressar, para adquirir condicionamento físico...?
Não sei te responder isso. Nunca parei para pensar nisso. Tenho
sensação de prazer, de alegria, o contato comigo mesma que é muito
gostoso – e isso é o que é mais constante das coisas que sinto, aqui.
Acho que aqui temos um espaço [referindo-se à ante-sala onde
ocorrem as aulas] para trocarmos idéias, experiências. (grifo nosso)
Como nos foi falado agora há pouco na aula, isto é, para prestarmos
atenção às sensações. Qual é a sensação que você identifica, que você
foca sua atenção?
Se você fosse escolher as sensações que são mais freqüentes nas aulas
de Yôga, quais seriam? Como o Alexandre falou agora há pouco, para
prestarmos a atenção em nosso corpo, nas nossas sensações.
Você teria uma aula ou uma experiência ou alguma outra coisa que
você tenha feito, aqui, que foi um marco pra você?
Sim, eu gosto muito de meditar com outra pessoa, como aqui, na sala,
eu acho sensacional, me sinto muito bem! Isso me marca muito. Gosto
também de meditar com uma vela. Mas tenho muita dificuldade de
267
Letícia disse que o prazer de estar nas aulas referia-se especificamente à nossa
Unidade: “Venho porque me sinto bem, gosto deles, do contato, desse cheiro, (...). Já
soube que eles [alunos e professores?] são muito diferentes de outras unidades, que são
mais radicais.”. Para Daniel era marcante:
A variação das aulas, elas não são repetitivas. Isso motiva, nós viemos
à sala de aula e não sabemos o que vai ocorrer. É o acaso. Você chega
aqui e ele avalia como será a aula pelo perfil dos que vieram fazê-la.
Eu, hoje, renuncio a muitas coisas para estar aqui. Essas aulas são
importantes para eu cuidar de mim, e isso me motiva bastante. Não
tem sido cansativo. Consigo deixar tudo lá fora e vir aqui. Só sei
que tenho que vir aqui duas a três vezes por semana. (grifos nossos).
Eu não sou radical. Como peixe, frango, não como carne vermelha.
Durante a entrevista com Miguel, comentamos que desde que nos conhecemos
ele havia emagrecido:
Fernanda procurou os professores para saber como deveria proceder para tornar-
se vegetariana e foi aconselhada a fazer uma transição até tornar-se vegetariana:
269
Você sente diferença depois que você começou com esse processo?
Aqui mesmo, com as pessoas daqui. Você vai perdendo várias coisas,
vários outros alimentos, líquido, e depois eles vão voltando. Hoje em
dia não consigo mais comer gordura, fritura, coxinha. Prefiro outras
coisas. Bobó de camarão e salmão ao invés de carnes, pois são mais
saudáveis.
Para Ricardo, a prática do vegetarianismo era um estilo de vida, uma opção que
a pessoa fazia na vida:
É uma opção de vida. Acho que se a pessoa fizer essa opção, ela estará
fazendo algo muito importante para a sua vida. Eu jamais conseguiria
porque o meu estilo de vida não permite, no meu convívio social e no
meu trabalho. Mas isso não quer dizer que eu seja um comedor de
carne compulsivo, porque eu não sou. [risos] Eu como muita pouca
carne, mas não consigo tirar a carne de minha vida. Isso, é claro,
dificulta um pouco meu alinhamento na prática do Yôga, é um ponto a
menos, com certeza.
defendiam que era melhor fazer algo (mesmo que fosse só uma parte) do que não fazer
nada. O maior exemplo disso, é que muitos cortavam a carne vermelha, mas não as
brancas de sua alimentação. Mesmo que não fossem vegetarianos, os alunos
procuravam uma espécie de meio termo, como reduzir a quantidade do que comiam,
tomar consciência sobre o que comiam e procurar novos hábitos mesmo que não tão
radicais:
Daniel, por outro lado, não via uma relação necessária entre Yôga e
vegetarianismo, encarando como práticas que se complementavam; para ele, existem
pessoas apenas vegetarianas sem praticar algum tipo de ioga e vice-versa:
Ela é uma disciplina alimentar. Você não tem que fazer Yôga para
isso. Uns acham que isso produz efeito, outros acham que não. Pode
estar junto ou não com o Yôga.
Alguns não viam problema em conciliar vegetarianismo (não comer carne) com
consumo de bebida alcoólica, “Já sou há 14 anos vegetariana, mas bebo, e bebo mesmo
minha cervejinha.” (Letícia – grifo dela). Porém, com relação às drogas consideradas
lícitas (antibióticos, por exemplo) e ilícitas pela legislação atual vigente (como
maconha, cocaína, crack, etc.) todos os entrevistados consideravam como incompatíveis
com a prática do Yôga ou dispensáveis (afirmaram não ficarem doentes há muito
tempo). Talvez o prazer com a bebida ou comida fosse uma coisa (lembremos da
271
Você acha que Yôga te diz alguma coisa sobre o consumo de drogas
lícitas e ilícitas?
Uma vez não ficando doente, não surgia nem a necessidade de buscar remédio.
Sabrina via essa relação de fazer Yôga como algo que dispensava o uso de drogas:
Ela [a Yôga] preenche a pessoa para que não se busque isso, esse algo
mais. A Yôga diz que a pessoa tem que buscar o algo a mais dentro de
você. Mas não tenho nada contra anestesia.
Alguns disseram não usar remédios lícitos porque nem precisavam. Sabrina
dá um exemplo que justificaria uma espécie de exceção do tipo “anestesia pode”,
numa espécie de recurso disponível em último caso. Outros achavam que a prática de
Yôga realmente dispensava o uso de remédios, como por exemplo, para dormir e
acalmar, como Fernanda:
Letícia comparou o efeito das drogas com os dos pránáyámas, o que dispensaria
o uso delas, já que seria mais saudável a técnica do Yôga; além disso, mesmo não se
furtando de ingerir álcool, ela se sentiu em piores condições para realizar a prática. Seu
comportamento estaria relacionado ao mundo “lá fora”, mas uma vez percebendo (ela e,
na sua opinião, o professor), sentiu-se sem graça ao comparar com o “ideal” proposto
pelos professores:
(citação) ou estória que nos fizesse pensar. Até hoje recebemos esses e-mails. Sua
página virtual é desde aquela época freqüentemente atualizada. Lembremos da
descrição do hall e da “sala de espera” presente no início deste capítulo da tese, onde
encontravam-se livros, vídeos e revistas que podiam ser vistos e comprados pelos
alunos. De fato, muitas vezes nós nos preparávamos para a aula assistindo um vídeo
sobre meditação, por exemplo. Era uma entrada naquele mundo.
Ao perguntar aos alunos se eles haviam lido algum livro, obtivemos diferentes
respostas. Miguel disse que leu [Yôga], Mitos e verdades, Alimentação Vegetariana e
outro sobre Orgasmo (parece que ele estava se referindo ao livro Hiper orgasmo, uma
via tântrica, escrito por DeRose). Perguntamos se ele tinha lido livros sobre outros
estilos de iogas:
Você acha que depois da leitura desses livros você mudou a sua forma
de fazer as aulas?
[Interrompendo] Sámkhya?
[Tentou falar a palavra, mas não conseguiu, e deu uma risada em tom
baixo] O estudo é importante porque ele faz distinguir as coisas.
ele foi buscar as informações, as suas fontes”. Letícia usava os livros como fonte de
consulta regular:
jeito de se auto-aperfeiçoar, de acordo com o que eles identificavam como sendo suas
(im)possibilidades – dai uns procurarem ajuda para tornarem-se vegetarianos, outros
fazerem por conta própria e diante da diversidade de material disponível com
explicações acerca do Swásthya Yôga, cada um fazia sua escolha. Lembremos que só
permaneciam os que concordavam e gostavam de estar ali e que críticas e debates não
eram comuns no cotidiano. Acreditamos que isso explique, mesmo que parcialmente, a
pequena incidência de busca por outros estilos e autores de iogas.
278
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A escrita desta tese também teve um processo, como sua própria organização em
três partes considerando três dimensões – histórica (alguns acontecimentos passados em
torno dos quais o campo das iogas surge), proposta conceitual (o que se diz que deve ser
feito) e prática ritual cotidiana (o que de fato fazíamos durante as aulas, uma vez dentro
da Unidade) – e aproveitamos este momento para compartilhá-lo a fim de avaliar o que
foi feito, quais são alguns limites e possíveis desdobramentos desta tese.
O fato de já termos sido alunos de iogas e de valorizar essa interação entre
professor e alunos foram fundamentais para não dispensarmos esse tipo de experiência
etnográfica. Nosso objetivo era entender os nativos em seus próprios termos e para isso
nos dispusemos a fazer junto com eles as aulas nos colocando como antropólogos diante
de sua alteridade. Ao mesmo tempo, ao longo da escrita e das coletas de dados,
encontramos uma rica diversidade, o que influenciou nossa decisão de apresentar várias
vozes. Esta tese poderia ter sido feita considerando apenas o grupo de DeRose, suas
propostas presentes nos livros e a prática cotidiana, porém não optamos por isso para
garantir o espaço de polifonia que compõe o campo das iogas. O preço pago foi reduzir
a profundidade de análise (por conta de tempo e espaço, tamanho, da tese), como fica
evidente no sub-item acerca das entrevistas que realizamos com os companheiros de
aulas de Yôga. Esse é um dos limites desta tese. Foi uma escolha e como tal só podia
ser feita renunciando às outras opções. A justificativa assenta-se nos dados
disponibilizados e analisados na parte 2, que são uma novidade no que há escrito sobre
iogas do ponto de vista antropológico.
De acordo com o objetivo específico de cada parte da tese, utilizamos diferentes
tipos de fonte. Na parte 2 procuramos saber onde, como e quando alguns professores de
iogas conquistaram seu lugar a partir do Rio de Janeiro. De posse desses dados,
permeados por semelhanças nas diferenças, consideramos pertinente falar em campo
das iogas. A fim de delinear este campo, o contexto no qual essas aulas se encontram no
Rio de Janeiro e em Salvador, utilizamos como fonte livros de professores, propagandas
em panfletos, revistas, jornais, páginas virtuais, leis e resoluções. Se esse uso não foi
muito delimitado (o que poderia ser interpretado como uma limitação desta tese), a
principal razão foi querer mostrar ao leitor como esse campo se apresenta em vários
tipos de meios de comunicação e como, recentemente, há até leis discutindo e regulando
279
o que (não) é específico das iogas. Ao fazer isso, tornou-se mais palpável o espaço
ocupado por DeRose com seu estilo “codificado” (o Swásthya Yôga) dentro do campo.
Não aprofundamos sobre papéis das instituições deste campo, nem fizemos uma
historiografia sobre os usos e sentidos do capital cultural que vem sendo utilizado ou
produzido no Brasil por seus agentes sociais, tampouco detalhamos as disputas internas
ao campo. Restringimo-nos a apontar algumas destas até porque se elas não
acontecessem não poderíamos defender a existência de um campo no sentido formulado
por Bourdieu (1983a, 2004b). Sobre todos esses assuntos podem ser feitas outras
pesquisas.
E se em outras pesquisas (AMARAL, 2000; BARROSO, 1999; MAGNANI,
1999, 2000; RUSSO, 1993) o sincretismo é uma prática valorizada dentro de
religiosidades Nova Era, não podemos mais dizer que esse seja o caso para todos os
estilos de iogas. Nunes (2008), que também estudou um grupo de praticantes de
“Yoga”, cujos membros queriam ser professores, constatou as idéias de “pureza” e
“tradição” como valores do grupo, que criticava o ecletismo e o sincretismo, por
exemplo. Como vimos, esses valores também estão presentes nos textos analisados
sobre Swásthya Yôga aqui nesta tese. Ambos os estilos acreditam e defendem a
viabilidade da manutenção da “tradição” sem modificá-la ao longo dos tempos.
Além disso, assim como Barroso (1999) e Nunes (2008), também não
observamos o valor da “errância religiosa” identificada por Amaral (2000) no grupo
que ela estudou. Nunes observou uma “lealdade” como parte da eficiência do ritual:
filiação e permanência a uma rede que compartilhe símbolos comuns eram valores no
grupo pesquisado. No Siddha Yoga, Barroso também concluiu que os que por lá apenas
passavam, transitavam, eram exceção. Da mesma forma, percebemos que os alunos de
Yôga em Salvador identificavam-se e mantinham-se regularmente freqüentando o
mesmo local, com os mesmos professores e rituais previsíveis.
Nas entrelinhas de tantos controles, com afirmações sobre ser “necessário” e
possível aperfeiçoar-se, visualizamos conflitos não declarados, silenciados. Do que se
queria se salvar? Quisemos dar voz a esses momentos nada pacíficos e surgiu um
subitem da parte dois da tese. Nossa intenção era humanizar esses professores que
podem parecer, ao lermos suas propostas em propagandas e livros, “super heróis” ou
“semideuses”, cuja vida nunca seria abalada – embora não tenhamos encontrado
afirmação ou declaração de nenhum professor de ioga no Rio de Janeiro ou em Salvador
dizendo-se inabalável. Num sentido mais próximo a este, DeRose declara que
280
desenvolveu seus poderes “paranormais”, o que, para ele, como vimos anteriormente,
todo ser humano é capaz. Como indivíduos que nascem, crescem e trabalham em grupos
sociais sendo por eles influenciados e, simultaneamente, influenciando-os, interessamo-
nos por conhecer e apresentar ao leitor algumas características do quadro social no qual
esses professores e alunos se encontram nessas duas cidades.
A constatação de mecanismos de controle como valor presente no campo de
alguma forma intensificou nossa vontade de contextualizar essas propostas, mesmo que
superficialmente, de outros professores de iogas, além de DeRose, bem como as práticas
nas aulas – tanto as que foram um de nossos objetos de estudo, quanto as que fizemos
antes de iniciar esta pesquisa.
Por não acreditarmos que um grupo social consiga se isolar totalmente de outros
grupos, consideramos importantíssimo contextualizar o campo das iogas, questionando
quais valores seus agentes compartilham com outros grupos sociais e a quais eles se
opõem. Nosso objetivo nesta parte da tese foi apresentar algumas condições sociais que
participaram do processo de instauração da prática e do gosto pelas iogas e sua
expansão (temos certeza de que não os esgotamos). O gosto pelo cuidado de si através
de técnicas das iogas vem sendo construído num processo que começou, a nosso ver, no
final do século XIX e se estende até os dias atuais.
Diferentemente de Barroso e Nunes, inclusive por ser uma tese e também pela
nossa própria biografia, não ficamos restritos ao que eles chamam de “campo
alternativo”, e optamos por trazer o que entendemos como constituindo o campo da
educação física e alguns de seus valores sociais que podem ou não ter servido de base
para o surgimento do gosto pelas iogas, bem como de comparação para construção de
sua identidade. O recuo no tempo ampliou a perspectiva sobre as iogas: suas relações
com a educação física e a medicina (de maneira indireta) tornaram-se visíveis. O
resultado foi encontrar valores comuns aos três grupos sociais, como a atenção ao e
com o corpo, busca de saúde, longevidade, autocontrole e auto-aperfeiçoamento
pertencendo em grande medida a uma sociedade disciplinar; preferência pela ordem e a
paz, em oposição à guerra, conflito e descontrole.
As disputas entre professores de iogas e entre estes e os professores de educação
física parecem permanecer, na maior parte do tempo, nos bastidores do campo das
iogas. Muitos alunos não fazem idéia da diversidade de interpretações e atitudes dentro
deste campo, o que os leva a falar em “ioga”, no singular. Ou, no caso de alguns alunos
281
de Yôga, a distinguir simplesmente entre “nosso método” e os outros tipos, não sendo
capazes de identificar diferenças dentro desse segundo grupo.
Talvez, o desconhecimento sobre essas disputas gere uma relação considerada
inseparável entre fazer ioga e “ser da paz” – como uma de nossas colegas de prática em
Salvador disse sobre a Unidade ser o espaço onde ela fica “zen” e que as pessoas
perguntavam se fazia ioga por ela ser muito “tranqüila”, “controlada”.
Nossa construção da expressão “aprender a ficar em paz” surgiu a partir tanto do
que estávamos lendo nos livros, quanto ao analisarmos as aulas de Yôga que fizemos
em Salvador, quando já tínhamos voltado do campo. Quando líamos que as pessoas
sofriam porque viviam sem controlar seus estímulos, tanto internos quanto externos, ou
quando nossos colegas de prática de Salvador deram exemplos do como viviam a ioga
no mundo “lá fora”; em todos os casos identificamos discursos recorrentes acerca da
diversidade e intensidade de estímulos na vida social e que estavam sendo interpretados
como “excessivos”. Foi nas duas últimas partes da tese que aprofundamos a
interpretação desses significados a partir da expressão que cunhamos e entendemos
como sendo o valor sobre o qual está sustentado tanto autocontrole.
Silêncio e imobilidade são sinais sensíveis (à visão e à audição) reveladores da
obtenção da paz. Tanto nas aulas em Salvador, quanto nos livros de DeRose (1996,
2003, 2006) e Santos (1995) a possibilidade e o valor de não agir, principalmente de
não reagir, e de não falar significam a capacidade de autocontrole sobre estímulos
internos e externos. Essas atitudes representam o estar sob controle, livre, o “ficar em
paz”. Como vimos na análise das aulas, a pessoa pode prestar atenção (ter consciência)
a vários estímulos, a apenas um ou mesmo a nenhum – capacidade de se concentrar, de
escolher conscientemente a qual estímulo vai dar atenção.
Ao compararmos o que DeRose prescreve com o que os alunos disseram fazer
no seu cotidiano e com o que fazíamos nas aulas na Unidade, percebemos que o
controle é maior na teoria, mas nunca ausente na prática de cada aluno de Yôga. As
propostas presentes nos livros têm como seus principais argumentos o autocontrole, a
libertação e o auto-aperfeiçoamento. E “aprender a ficar em paz” é adquirir uma
habilidade de autocontrole que pode ou não resultar num conhecimento sobre outra
dimensão de si (purusha) ou uma energia poderosa (kundaliní) que o aluno nem poderia
imaginar antes de ler e, principalmente, de praticar as técnicas.
A partir das observações e participações nas aulas em Salvador, na parte 4
concluímos que o aperfeiçoamento de si se dá em vários níveis e que conhecer as
282
As técnicas são exercitadas regularmente visando essa finalidade, mas não somente isso:
todos, DeRose, Santos e alunos de Yôga de Salvador referem-se ao prazer de
simplesmente praticar Yôga.
285
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