O Livro de Contos Desterro Dos Mortos
O Livro de Contos Desterro Dos Mortos
O Livro de Contos Desterro Dos Mortos
Cada narrativa convida o leitor a refletir sobre a importância dos afetos e das
amizades e os laços firmados com as pessoas amadas. Pois a morte cada vez
mais vem sendo tratada de forma diferente na sociedade em que vivemos. E os
questionamentos são inevitáveis: Será que temos tempo para cuidar do velório
de um ente querido como nossos avós tiveram ou é mais prático pagar uma
empresa especializada para fazer todo o serviço funerário? Será que a sociedade
atual dar-me condições de levar o meu morto para perto de mim?
Não resta dúvida a pertinência do tema abordado pelo autor, e muitas vezes
diante da ficção temos aquela sensação “ isso é verdade”. E passamos para a
questão crucial: Será que cada vez mais os mortos não ficam no exílio, desterro
por conta da vida atribulada nessa sociedade imediatista e
intolerante? Vejamos como as experiências de perdas são constantes nos contos
e de certa forma, elas proporcionam o amadurecimento do personagem-
narrador e conscientização da brevidade das coisas. Apresentarei alguns contos
que chamaram a minha atenção, lembrando que a sequência dada aqui neste
breve comentário não é a mesma do livro.
*
No primeiro conto por exemplo, intitulado “ O sabor das nuvens” traz a
história de homem que vai em busca do seu sonho de infância, que nada mais
era que experimentar os biscoitos de uma fábrica e conhecer as suas
engrenagens. Toda vez que ele quando criança tentava entrar e conhecer o
funcionamento da fábrica, era impedido por um vigia. Adulto, 30 anos depois,
ele foi até a fábrica, e só encontra os restos daquilo que fez parte da sua
infância. Nada mais funcionando, o local abandonado. Uma “fábrica morta” aos
olhos de uma criança que o acompanhou até o local e o leva para conhecer o seu
avô, o antigo vigia da fábrica, ele também repete o mesmo pensamento do
neto. Para avô e neto, a fábrica estava realmente morta, sem nada para ser
apreciado ou comentado, mas para o homem que alimentou o sonho, a fábrica
vive, e os biscoitos continuam exalando o sabor que vão até as nuvens. E a
morte da fábrica faz o homem reativá-la em sua memória, pois ele não
conseguia enxergar a destruição, mas apenas o alimento tão desejado que ela
forneceu e continuava fornecendo.
Mesmo passeado pelos escombros, ele via e ouvia o barulho dos motores e o
cheiro de biscoito invadindo todos os espaços. Assim, a morte simbólica
resultou na superação de si mesmo, a busca pela realização dos sonhos infantis e
narrá-los anos depois.
“O voo dos anjos” traz a perda da inocência, quando uma mãe( Dalva) devido
as suas desventuras nos períodos de gravidez interrompida, promete na sua
terceira gestação que se aquele filho nascesse e crescesse saudável durante 13
anos ele acompanharia a procissão vestido de anjo. E assim ocorreu, mas à
medida que o menino crescia mais envergonhado ele ficava devido a roupa
usada. E justamente no último ano de desfile, ele convence a mãe convidar
alguma outra criança para lhe fazer companhia, e assim livrar-se das gozações
dos colegas. E nesse dia ele conhece a anja “Ângela”, que após a procissão e eles
correm para os becos para se conhecerem melhor.
E os ”anjos” voam alto para descobrirem os prazeres carnais. Muito cedo eles
perdem a infância, e rumam apressados para o mundo dos adultos. E com esse
novo cenário descortinado faz com que a pureza e a inocência morram para o
surgimento de outros sentimentos. Finalmente, a promessa feita por Dona
Dalva após cumprida, estava morta, para que novos desejos, fossem aflorados.
Bem, o último conto a ser comentado aqui é justamente o que origina o título do
livro “ O desterro dos mortos”, é o conto de número dez e de certo modo é
o mais intrigante. E de uma forma bem elaborada, puxa o tapete, colocando-
nos no chão no trato com os nossos mortos nessa sociedade consumista e
árida, permeada de “vidas secas”. E o primeiro dado a ser lembrado diz
respeito a palavra “ desterro” que significa a “expulsão”, “exílio”,
“deportação”… Então desterrar os mortos nada mais é que expulsar da
pátria, deportar. E vem a pergunta que não se cala: Como a sociedade moderna
nos condiciona a tratar os mortos? Será que estamos mais próximos ou mais
distantes?
O contista Aleilton Fonseca em “ O desterro dos mortos” se supera, através de
um personagem-narrador relata como foi o lidar com a morte do pai que
estava algum tempo na UTI, como seria levar para o apartamento no qual ele
morava? Convencer a esposa a aceitá-lo para um velório num espaço pequeno…
E diante da perda do pai ele se conscientiza como as relações humanas estão
cada vez mais fragmentadas, pois cada um vive em seu mundo e não deseja
alterar a rotina para cumprir trâmites de um enterro.
E mais uma vez o narrador leva o leitor a fazer essa viagem com ele no período
em que ele perdera o avô. E percebe o quanto ele, como neto, foi atuante na
vida e na morte do avô. E chega a essa dolorosa conclusão, as pessoas estão
mais distantes uns dos outros. Isso porque o mundo atual faz com que nos
comportemos como robôs não programados para as relações sociais. Com isso
é bem mais cômodo pagar uma empresa funerária para todos os serviços, e
apenas aparecer no velório no momento da despedida, isso se não tivermos
outros compromissos mais importantes. E desse modo, nós despachamos
rapidamente dos nossos mortos, não mais nos preocupemos com as flores, nem
com velas, cafezinhos, banho no defunto… nada mais resta a fazer, a não ser
chorar pelo desterro dos mortos.
Como disse, não é um livro para pensar no príncipe encantado que chegará a
qualquer momento para acordar a bela adormecida, mas um livro para talvez,
expulsar os “sapos” que insistem em habitar em cada um. Um livro que nos diz
como estamos caminhando, continuar a ignorar as nossas falhas como seres
humanos é opção que desumaniza-nos, consequentemente, seremos as
próximas vítimas exiladas.
Toque Poético