Roberto Campos 'O Liberalismo e A Pobreza'

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Leia texto de 1996 de Roberto Campos 'O liberalismo e a

pobreza'

O economista e diplomata Roberto Campos (1917-2001),

que faria 100 anos nesta segunda-feira, foi colunista

da Folha, onde manteve a seção "Lanterna na Popa"

entre 1994 e 2000.

Leia abaixo texto publicado no jornal em 1º de janeiro de 1996.-

O Liberalismo e a Pobreza

"Esperemos que os socialistas, que no passado adoraram o Deus da


História, aprenderão suas lições. Dar-se-ão conta, afinal, que não apenas
a economia de comando fracassou, mas também que o Estado social
democrático assistencialista é um Deus que falhou"
Deepak Lal

As esquerdas brasileiras (ou será que só restam canhotos?), mesmo após


a derrota mundial do socialismo, que elas consideram apenas um sucesso
mal explicado, se atribuem duas superioridades: maior decência ética e
maior ternura pelos pobres. Na realidade, sucumbem a interesses do
corporativismo burocrático, em detrimento das massas, e reduzem a
velocidade do crescimento econômico. E este é o único remédio efetivo
para a pobreza.

Um esplêndido livro recente "The political economy of poverty, equity and


growth" (Clarendon Oxford Press, 1996), de autoria de dois economistas
asiáticos um indiano, Deepak Lal, e outro birmanês, H. Myint, ambos
testemunhas da ineficácia do socialismo dirigista em seus respectivos
países, desmistifica ilusões sobre o socialismo e sobre seu filho dileto, o
"welfare state". É uma análise filosófica, política e econômica dos
sucessos e insucessos da luta contra a pobreza em 21 países (inclusive o
Brasil), entre 1950 e 1985.

As conclusões são interessantes:

. O crescimento rápido sempre alivia a pobreza, independentemente dos


esforços da burocracia assistencialista;

. Não há um efeito claro e certo do crescimento sobre a disparidade nos


níveis de renda, podendo esta aumentar ou diminuir durante o processo
de rápido crescimento. Mas a experiência dos tigres asiáticos desmente o
fatalismo da chamada "Lei de Kuznets", segundo a qual a distribuição de
renda pioraria inicialmente no desenvolvimento capitalista, para só
melhorar depois;

. O instrumento mais eficaz para a correção da pobreza absoluta não é o


Estado Interventor, fantasiado de engenheiro social benevolente, e sim o
Estado Liberal (ou seja, o Estado Jardineiro).

Este libera as energias produtivas do mercado, tributa pouco e procura


assistir os pobres e desvalidos por benefícios específicos para eles
direcionados, preferencialmente através de entidades privadas, e não por
esquemas globais de seguridade social, administrados por políticos e
burocratas.

A pobreza pode assumir vários aspectos: a pobreza "estrutural", ou de


massa, que até a revolução industrial parecia uma fatalidade humana; a
pobreza "conjuntural", que tradicionalmente advinha de desastres
climáticos ou de guerras e conflitos políticos, mas que, na civilização
moderna, provém também de ciclos econômicos que provocam
desemprego e recessão; e o "desvalimento", ou seja, a situação dos que
não têm capacidade de trabalho por deficiências físicas ou mentais.

No tocante à questão global da pobreza, há um conflito histórico entre


duas visões do mundo que se apresentam em várias formas e graus: o
liberalismo e o dirigismo.

Os liberais insistem em separar duas questões que são habitualmente


confundidas no debate corrente: a cura da pobreza e o igualitarismo. A
extinção da pobreza absoluta é realizável e deve ser um objetivo social. O
igualitarismo é utópico, e todas as tentativas de alcançá-lo geraram
ineficiência ou despotismo.

Os liberais certamente lutarão pelo alívio da pobreza; mas rejeitam o


igualitarismo socialista. Em outras palavras, consideram a "equidade"
desejável e a "igualdade" impossível.

São várias as razões por que é fútil pretender-se, através do


intervencionismo governamental, alcançar uma distribuição igualitária das
rendas: 1) Deus não é socialista e distribuiu com profunda injustiça os
dotes de inteligência, criatividade e diligência; 2) inexistindo normas
objetivas de justiça, ou justiciadores sábios e benevolentes, torna-se
perigoso tentar corrigir as injustiças divinas pela "justiça social" ditada
pelo ideólogo, burocrata ou político de plantão; 3) fazer justiça social pela
abolição da propriedade (solução comunista) ou pela tributação
distributivista (solução socialista) redunda em tirania política e expurgos
em massa, ou então, em perda de eficiência econômica (a
supertributação desincentiva a criatividade e o esforço).

Donde ser melhor, como propõem os liberais, que o Estado seja mais
modesto: deve buscar a extinção da pobreza absoluta sem tentar
implantar o igualitarismo. Por isso os liberais não falam em "seguridade
social universal" e não simpatizam com a "previdência pública
compulsória". Preferem falar em "redes de segurança para os desvalidos"
ou em "garantia de renda mínima" para os realmente pobres. No Brasil, a
coisa é ainda mais rudimentar: a cura da inflação é prefácio e precondição
da cura da pobreza.

Uma das deformações dos sistemas assistenciais desenvolvidos nas


sociais democracias é aquilo que George Stigler chama de "privilégios dos
diretores", isto é, a captura de benefícios pela classe média. Esta, nas
sociedades industrializadas, é politicamente muito mais numerosa que os
ricos e muito mais articulada que os pobres.

Cria-se assim o "Transfer State", isto é, o Estado Transferidor, de que o


nosso INSS é modelo exemplar. O "Transfer State" morde os ricos pela
tributação e pune os pobres com aposentadorias ridículas, desviando
recursos para o bem-estar da classe média _professores, jornalistas,
magistrados, militares, congressistas e burocratas, que gozam de
aposentadorias precoces, desproporcionais às contribuições. São os
chamados "intitulamentos políticos".

A única maneira de se evitar que o poder político da classe média puna a


produtividade dos mais eficientes e explore a passividade dos pobres é
substituir o sistema de previdência pública compulsória pela capitalização
individual.

É o sistema de cadernetas de poupança previdenciária, onde cada cidadão


depositaria sua contribuição, sabendo que os benefícios futuros disso
dependem. É o sistema chileno, no qual a contribuição compulsória,
anteriormente paga ao governo, é aplicada em fundos de pensão privada,
não havendo assim transferências imerecidas de renda.

O governo não intervém para redistribuir rendas, limitando-se a fiscalizar


o sistema e a complementar a renda daqueles que, ao fim de sua vida
laboral, não recebam um mínimo vital para sua sobrevivência. O curioso é
que o tão vilipendiado general Pinochet, sem alardear superioridade ética
ou sensibilidade social, intuiu duas coisas fundamentais para a diminuição
da pobreza _o crescimento sustentado e a correção dos abusos do
"Transfer State".

Lal e Myint demonstram a precariedade das tentativas de distributivismo


social em países de baixa taxa de crescimento. Durante algum tempo,
Costa Rica, Sri Lanka e Uruguai foram exibidos como exemplos de países
bem-sucedidos nessa conciliação. Isso durou pouco porque esses países
entraram em crises fiscais, ou estagnação econômica, tendo o Uruguai
tido que rever seu pesado Estado Providência a fim de absorver idéias do
modelo chileno.

A cura da pobreza não depende da decadência do político, da boa vontade


do burocrata ou da piedade do clérigo. Depende do crescimento
econômico. E as molas clássicas do crescimento continuam sendo a
poupança, a produtividade e o espírito empresarial. Priorizar a realidade
humilde, em vez de entronizar a utopia fugaz, é a grande virtude do
liberalismo.

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