Análise Da Música Breed Apart, Da Banda Sepultura.

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Faculdade Integral Cantareira

Trabalho de análise IV

ROOTS: SEPULTURA E SUA IDENTIDADE SONORA

SÃO PAULO
2018

1
Introdução

No ano de 1986, a banda Sepultura, de Minas Gerais, formada por: Igor


Cavalera (1970 -) na bateria, Max Cavalera (1969 -) na guitarra e voz principal,
Paulo Jr. (1969 -) no baixo elétrico e Jairo Guedes na guitarra (1968 -) , substituído
no ano de 1988 por Andreas Kisser (1968 -), lançavam seu primeiro álbum intitulado
Morbid Visions​, que dava início à uma das bandas mais reconhecidas
mundialmente.

Bandas alemãs de Thrash, como Kreator, Sodom e Destruction, tiveram um papel


importante para a consolidação do som criado por Slayer e Venom, mas foi uma banda
do Brasil, o Sepultura, que acabou se tornando a mais inovadora e influente banda fora
dos Estados Unidos.(WIEDERHORN; TURMAN, 2015, editora Conrad, p.268)

A banda no começo da carreira possui um estilo musical que podemos


chamar de Thrash Metal, subgênero do Heavy Metal, ou seja, uma instrumentação
simples, 2 guitarras, um baixo e uma bateria, mas com muito peso sonoro pelo uso
de distorções fortes nas guitarras, bateria bem virtuosa e marcante, além do
conteúdo literário. Mas ao longo dos anos a banda foi encontrando seu caminho
musical, inserindo traços de ritmos brasileiros e instrumentação que podemos
considerar como “brasileira”.

Pela primeira vez na carreira do Sepultura, a bateria apresentava toques tribais. Tinha
um pouco a ver com uma celebração da nossa identidade, pois era uma época na
música em que muitos brasileiros estavam vendo a si mesmos como realmente eram.
Estavam escavando as suas raízes e descobrindo uma nova sonoridade própria. As
canções também eram um pouco mais lentas. Não que não gostássemos mais de thrash
metal ou algo do gênero, mas sim porque a música assume aquela forma durante o
nosso amadurecimento como compositores.(CAVALERA, 2013, Editora Agir, p.79)

O grupo começou a apresentar elementos tribais e brasileiros primeiramente


com o álbum ​Chaos B.C.​, lançado em 1993, que possui uma faixa que se chama
Kaiowas, em homenagem à tribo de mesmo nome1; e uma faixa que ficou bastante
famosa chamada ​Refuse/Resist​ que mostrava traços tribais à bateria do Iggor.
Para entendermos melhor o que os levou à esse caminho relembramos que
no ano de 1990, no Brasil, estava surgindo o movimento ​MangueBeat,​ encabeçado

1
Em homenagem à tribo Kaiowas, que cometeu suicídio coletivo em protesto às constantes mortes
na tribo causadas por invasões e interesses do homem branco.
2
principalmente pelo ​Chico Science & Nação Zumbi2, que tinha a idéia de se manter
firme às suas origens, em meio à uma forte globalização da música, em que a
música se tornaria unificada, ou sempre seguindo os mesmos padrões, como a
música comercial. O movimento não focava apenas na música, era na verdade uma
crítica à tudo que acontecia no mangue no nordeste brasileiro. Como diz Carlos
Calado3:

"Assim como os tropicalistas pegaram o baião que era esnobado na época da bossa
nova para mostrar o que brasileiro, a turma do Mangue Beat nos anos 90 pegaram os
ritmos típicos de Pernambuco; ciranda, coco e embolada e misturaram com o que tem
de mais atual como rap e rock pesado para fazer uma coisa diferente. Uma síntese do
que seria o muito nacional com o que seria o muito internacional.(CALADO, 2008).”

No ano de 1996 a banda mostrou que estava atingindo sua maturidade


musical com seu álbum, intitulado ​Roots​, raízes em inglês, que conta com inúmeras
fusões de ritmos brasileiros e o thrash metal, inclusive misturando instrumentações,
como a participação do grupo de percussão da banda Olodum4, gravações diretas
com a tribo indígena Xavantes5 e a participação do percussionista e produtor
Carlinhos Brown6(1962 - ).

Conta não só com a usual seção rítmica pesada, guitarras distorcidas e vocais gritados
e roucos, mas também com cantos Xavante (gravados numa visita da banda à tribo) e
uma festa percussiva de surdos, djembes, latas, tanques de água e chocalhos, todos
tocados pelo multi percussionista Carlinhos Brown. [...] “Ratamahatta” completa um ciclo
que havia se iniciado com a negação de todo conteúdo nacional, no começo da
revolução heavy. O Sepultura faz a volta completa para abraçar a nação em Roots, mas
o que entra aí como significante do Brasil não é o gênero nacional, o samba, nem a
forma canônica de música popular sofisticada (MPB). Entram formas marginais,
consideradas “primitivas” (música indígena) ou regionalizadas / racializadas (a batucada
afro atlântica de Brown). A intervenção do Sepultura chama a atenção para as práticas
de exclusão através das quais se codifica a nação na música. É a internacionalização
conquistada pelo Sepultura ao longo de duas décadas de coerência notável que permite
sua “vitória” neste debate nacional. (AVELAR, 2005, p. 5)

Neste trabalho serão analisadas duas músicas em específico para traçar seu
“perfil identitário musical”7. Para isso usaremos o conceito de identidade abordado

2
Nação Zumbi é uma banda formada em 1990, em Recife, Pernambuco. Chico Science entrou
3
​Carlos Calado, jornalista e crítico musical brasileiro. Escreve para o jornal Folha de S. Paulo desde
1986, entre outros veículos da imprensa nacional. Nasceu em 1956 em​ ​São Paulo​.
4
Grupo de percussão da Bahia, fundada em 1979. Se apresentou ao lado de diversos artistas
nacionais e internacionais.
5
Tribo indígena localizados ao leste de Minas Gerais e Goiás, que já haviam tido contato com os
brancos.
6
​Antonio Carlos Santos de Freitas​, cantor, compositor, produtor e percussionista da Bahia.
7
Entende-se por conjunto de características musicais que fazem com que determinados
músicos/artistas possam ser reconhecidos como tal. Sejam estas características relacionadas com o
âmbito de composição, por meio de estruturas musicais e/ou concepção estética, como também à
escolha de um determinado repertório a ser arranjado e/ou interpretado.
3
por Stuart Hall8, junto com Renato Ortiz9, para compreendermos o que seria a
identidade que o grupo desejou, e como essa identidade nacional se construiu,
através de estudos que nos ajude a entender o que seria uma identidade tradicional
ou como isso é inventado, como afirma Eric J. Hobsbawm10 em sua obra ​A invenção
das tradições11.

Objetivo

Este trabalho tem como objetivo entender como a banda inseriu em suas
composições sua cultura regional, em meio à um período extenso em que a banda
possuía uma postura de estética que se baseava na do ​Thrash Metal, para assim
alcançar sua legitimidade identitária. Cruzando estéticas, instrumentações e
conteúdo literário, que eles foram atrás e estavam empolgados para contribuir à sua
produção até este período. Usando uma análise crítica sobre suas escolhas de
ritmos e características, que sob o ponto de vista de tradição inventada da época,
eles julgaram serem representados. Atribuindo com uma forte expressividade
através do uso do ruído e da técnica vocal Gutural12, que estava sendo trazida pela
música estrangeira da época, que eles tiveram contato quando gravaram discos em
Nova York quando estavam com a gravadora Roadrunner Records13

Sob o propósito de enquadrarmos o perfil identitário musical da banda


Sepultura à concepção pós-moderna de identidade faz-se necessário, antes,
esboçarmos sobre quais bases repousam suas teorias. Com base no artigo ​a
produção social das identidades de Tomaz Tadeu da Silva14, que integra o livro
identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais ​entenderemos que a
identidade e a diferença estão intimamente ligadas em uma relação de estreita
dependência ordenando-se, invariavelmente, em torno de oposições binárias.
Consequentemente, argumenta o autor: “Questionar a identidade e a diferença
como relações de poder significa problematizar os binarismos em torno dos quais
elas se organizam” (SILVA, 2009, p.83) Isto porque:

A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações


de incluir e excluir. Dizer 'o que somos' significa dizer também 'o que não somos'.
Afirmar a identidade significa demarcar as fronteiras, significa fazer distinções entre o

8
​Stuart Hall foi um filósofo nascido em 1932, em Kingston na Jamaica. Foi escritor e pioneiro em
estudos culturais.
9
Renato Ortiz é um escritor, sociólogo e professor nascido em 1947 em Ribeirão Preto, São Paulo.
10
Eric J. Hobsbawm foi um historiador, escritor, nascido em 1917 em Alexandria, no Egito.
11
Livro publicado em 1983 pelo Eric Hobsbawm e T.O. Ranger, que foi um historiador do século XX.
12
Técnica vocal muito usada no Metal e seus subgêneros, que consiste em produzir uma voz rouca e
bastante grave, através das distorções produzidas pelas pregas vocais e laringe.
13
Gravadora indie de Nova York, com fama de contratar bandas de metal.
14
Tomaz Tadeu da Silva é um escritor e professor nascido em 1948 em Santa Catarina.
4
que fica dentro e o que fica fora [...] e essa demarcação de fronteiras, essa separação e
distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam as relações de poder (Idem, pp. 82,83).

Sabendo disso, através da análise, será identificado como o grupo “demarcou


suas fronteiras” e fez essa separação para mostrar ao público qual seria a direção
que suas composições tomariam, mesmo que isso resultasse em perder fãs que
gostavam das músicas do jeito que elas sempre foram, o que foi provado contrário
com o sucesso de vendas do álbum15. Sabendo que eles foram atrás de alguma
tradição para fazer essa busca pelo seu verdadeiro perfil sonoro, precisamos
entender o que seria essa tradição e se ela realmente é uma tradição ou uma
tradição inventada.

Por "tradição inventada" entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas


por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica,
visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que
implica, automaticamente; tenta-se estabelecer uma continuidade com um passado
histórico apropriado (HOBSBAWM, 1997,p.9).

Nas formulações de Stuart Hall a identificação (assim como a identidade) é


uma construção, porém, esta, num processo nunca completado. Como diz em seu
trabalho ​Quem precisa da identidade? (artigo que integra o mesmo livro citado há
pouco​ Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais)​:

A unidade, a homogeneidade interna, que o termo 'identidade' assume como fundacional


não é uma forma natural, mas uma forma construída de fechamento: toda identidade
tem necessidade daquilo que lhe 'falta', mesmo que esse outro que lhe 'falta' - seja um
outro silenciado e inarticulado.(idem, p. 110).

Análise
A obra possui 4 minutos , abordaremos apenas as partes que se inserem
como música tradicional brasileira, segundo o que foi discutido anteriormente.

Do 0:00 - 0:46 temos uma introdução tocada pelo grupo de percussão


Olodum, ​seguindo esse padrão:

15
Obteve mais de 500.000 vendas só nos Estados Unidos da América.
5
16

Se percebermos o padrão rítmico de acentos essa levada se encaixaria


perfeitamente no estilo chamado Baião17, consolidado por Luiz Gonzaga18. Que
segundo Christiano Rocha, uma das principais marcações de ritmos de Baião seria:

Mas ao mesmo tempo a guitarra faz os acentos que o surdo e o bumbo


fazem, com pequenas interrupções de puro ruído e virtuosismo na bateria,
mostrando assim que não negam sua forte influência dos álbuns anteriores.

​Sua letra ainda é bastante focada na influência da invasão do homem branco


nas tribos e o que isso implica, sendo ela​:

​Eu rastejarei
Sobre o pó de concreto
Na selva de asfalto
Pilhas de crostas

Abra sua mente e trilhe o seu próprio caminho ​x4

Pensamentos antiquados
Para te forçar para baixo
Estuprando as raças
Separando as etnias
​ lém disso ela é executada com a mesma rítmica característica do Baião.
A

16
Para entender a notação de bateria tomaremos o livro de Christiano Rocha ​Bateria Brasileira,​ que
explica: onde seria a nota dó na pauta (pensando em clave de sol) temos a rítmica para a Caixa,
onde seria a nota lá temos a rítmica para o Surdo e por fim onde teríamos a nota fá seria o Bumbo.
17
Gênero nordestino originalmente tocado por uma zabumba, sanfona e triângulo.
18
​Luiz Gonzaga do Nascimento foi um compositor, cantor e sanfoneiro no nordeste, nascido em 1912
em Pernambuco.
6
A música do 2:30 - 2:45 tem uma passagem em que podemos perceber de
novo o ritmo exemplificado acima, mas acelerado e feito com mais instrumentos,
sendo eles, bateria, guitarra, berimbau e chocalho. Mas podemos perceber adições
de notas, e forte distorção nas guitarras talvez pela influência de sua bagagem
musical de álbuns lançados anteriormente.

Essa seção é finalizada à caráter do grupo: iniciada por um grito rasgado de


Max cavalera, cantor do grupo, após uma pausa; o tema inicial volta e eles finalizam
a música com uma massa sonora em​ ​fade out19 ​e fazendo uso de efeitos.

Conclusão
Em síntese podemos perceber que as escolhas de instrumentos como
berimbau, vindo originalmente da África, com os escravos, percussões cheias,
característica de músicas ritualísticas indígenas e de religiões africanas, e usos de
ritmos nordestinos como o baião, colocam em pauta uma nova tradição, diferente do
que era pensado antes, como Bossa Nova e MPB, que ainda são tidas como as
músicas tradicionais principais. Além disso, a fusão dos gêneros permitiu à eles uma
sonoridade muito pouco explorada e dessa forma faz com que suas obras sejam
únicas e diferenciadas, ou seja, com características próprias, o que lhes garantem
uma identidade bastante sólida.

Bibliografia
AVELAR, Idelber. Heavy Metal Music in Post Dictatorial Brazil: Sepultura and the
Coding of Nationality in Sound. Journal of Latin American Cultural Studies, Oxford,
vol. 12, n.3, p.329-346, 2003.

BARCINSKI, Renato; GOMES, Silvio. Sepultura: toda história. São Paulo: Editora
34, 1999.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi. Editora ​Zahar, 2005.

CAVALERA, Max. My Bloody Roots. Rio De Janeiro: Editora Agir, 2013.

19
Forma moderna, devido recursos de gravações, de finalizar músicas, em que a música vai ficando
piano até ficar inaudível.
7
DHEIN, Gustavo. A besta que se recusa a morrer: Identidade, mídia, consumo e
resistência na subcultura heavy metal. 2012. Dissertação (mestrado) - Faculdade
Cásper Líbero

FRANCISCHINI, Alexandre. Laurindo Almeida: dos trilhos de Miracatu às trilhas em


Hollywood. 2008. 237 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Artes, 2008.

HOBSBAWM, Eric J; RA​N​GER, Terence​.​ A invenção das tradições, Editora Paz e


Terra, Rio de Janeiro, 1997.

ROCHA, Christiano, Bateria Brasileira. Edição do autor, 2013.

SILVA, Tomaz Tadeu da; HALL, Stuart & Kathryn Woodward. Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos culturais, editora Vozes, 2003.

SILVA, Tomaz Tadeu da A produção social das identidades, 2009

SEPULTURA, Roots, [CD], New York, NY: Roadrunner Records, 1996.

WIEDERHORN, Jon; TURMAN, Katherine. Barulho Infernal: a história definitiva do


Heavy Metal, São Paulo, Editora Conrad, 2015.

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