Judeus No Espiritismo e Na Umbanda: de Entidades A Adeptos
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ceram no Brasil foram criados na fé católica e nem eles nem seus pais
tiveram contato com a tradição judaica viva. Aqueles que resistiram
foram enviados de volta a Portugal para julgamentos de inquisição.
Após 150 anos da conversão forçada, eles se diferenciavam decisi-
vamente do povo judeu, embora algumas características do comporta-
mento judaico possam ter permanecido: casar apenas dentro dos limi-
tes de uma comunidade local; doar para caridade; não comer sangue
animal; acender velas de Shabat; varrer o chão de uma certa maneira;
banhar ritualmente os mortos; deixar pedras nas sepulturas e uma
aversão à carne de porco, entre outras coisas.
Recife foi ocupada pelos holandeses em 1624 e assim a próxima
onda de imigrantes judeus chegou. A maioria dos habitantes europeus
da cidade, após a ocupação holandesa, eram judeus sefarditas, original-
mente de Portugal, mas que haviam emigrado primeiro para Amsterdã
devido à perseguição da inquisição portuguesa. Eles então ajudaram
a colonizar esta nova província holandesa no outro lado do Oceano
Atlântico. Naquela época, um proeminente cabalista de Amsterdã, Isa-
ac Aboab da Fonseca, foi nomeado rabino na 1ª sinagoga das Américas
– Kahal Zur Israel, em Recife. Ainda durante o mandato de Fonseca
como rabino em Pernambuco, os portugueses reocuparam a capital do
Recife, em 1654, após uma luta de nove anos. Fonseca então retornou
a Amsterdã após a perda da nova colônia para os portugueses.
Como veremos, a memória de Fonseca como um poderoso caba-
lista, bem como o sofrimento e resistência dos cristãos-novos, ainda
está viva no misticismo brasileiro de hoje. A ocupação holandesa na
região nordeste do Brasil entre 1624 e 1654 serviu como introdução
fundamental ao misticismo judaico à população local. A memória das
perseguições dos cristãos novos durante a Inquisição portuguesa tam-
bém se tornou inspiração à literatura brasileira clássica. O romantis-
mo no teatro brasileiro começou com a tragédia chamada O Poeta e
a Inquisição de Gonçalves Magalhães, publicada em 1838, focada no
intelectual brasileiro do século XVIII Antônio José da Silva, apelidado
de ‘judeu’, que foi queimado na fogueira pela inquisição.
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Há uma razão pela qual o Brasil é chamado de ‘incubadora de
religiões’ – existem centenas de misturas e variações compostas de
elementos africanos, indígenas e europeus. Neste artigo estou focando
em dois movimentos religiosos, espiritismo e umbanda, por 2 moti-
vos: 1. Ambas religiões estão chamando espíritos judeus; 2. Ambas
religiões são populares entre os judeus brasileiros.
O espiritismo, originário da França do século XIX, está agora qua-
se esquecido lá. No Brasil, no entanto, existem entre 20 à 60 milhões
de seguidores. Os métodos de comunicação com os espíritos enfati-
zam racionalidade. Os médiuns nao se consideram ‘possuídos por’,
mas sim ‘trabalhando com’ os espíritos. No Brasil o espiritismo acres-
centou camadas místicas e evoluiu para religião. O número oficial de
seguidores da umbanda é de apenas meio milhão. No entanto, muitos
ainda têm medo de afirmar que pertencem à religião e dezenas de
milhões assistem aos rituais, mas não como fiéis regulares – a maioria
dos brasileiros freqüenta para consultas espirituais.
A umbanda surgiu no início do século XX, no mesmo tempo que
o samba, co-criando a identidade brasileira baseada na mistura de cul-
turas religiosas africanas, indígenas e européias. A umbanda é baseada
na mistura de candomblé (onde a espiritualidade tradicional africana
é combinada com o popular catolicismo brasileiro), o espiritismo e
elementos nativos romantizados. Pode-se pensar em candomblé como
um antigo testamento da umbanda.
O catolicismo era intolerante tanto às religiões afro-brasileiras
quanto ao espiritismo por causa da proibição explícita de consultar
os mortos. Pregadores católicos no início do século XX condenaram
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Imagem 5 – Chico Xavier. Quando Se Pretende Falar da Vida. São Paulo, Editora
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posso lidar. Eu vou ignorar a cruz, então eu não corro para fora daqui
gritando’” (Levin 2015:78).
Há uma diferença fundamental entre as culturas brasileira e ju-
daica. Segundo Bernardo Sorj, “enquanto a cultura brasileira cultiva
o esquecimento, a cultura judaica se sustenta na lembrança. A cultura
judaica é uma cultura de angústia. Angústia implica insatisfação com
o presente, vontade de mudar, enquanto a cultura popular brasileira
enfatiza o ‘deixa pra lá’, viver o presente e esperar que surjam dias
melhores” (Sorj 2008:157). Enquanto o judaísmo se constitui numa
atitude de ‘voluntarismo pessimista’, a cultura brasileira é de um ‘fata-
lismo otimista’, excelente antídoto para a depressão. A convivência da
mitologia judaica e brasileira não deixa de ser altamente terapêutica
para os judeus. Sorj conclui que o judaísmo brasileiro, apesar de seu
número limitado, tem um potencial de fontes renováveis de recupera-
ção da mitologia e tradições judaicas dentro de um espírito de diálo-
go, confrades e quase falta de antissemitismo.
No outono de 2015 eu participei de um ritual alegre, criativo e
poderoso. Um casal judeu escolheu um pequeno terreiro de umban-
da em uma favela do Rio de Janeiro para o ritual de casamento. Eles
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Notas
Referências
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Minkin: Judeus no Espiritismo e na Umbanda
LEVIN, Alan. 2015. Crossing the Boundary: Stories of Jewish Leaders of Other Spiritual
Paths. Berkeley: Regent Press.
PRANDI, Reginaldo. 1991. Os candomblés de São Paulo. São Paulo, Hucitec.
PRANDI, Reginaldo.. 2015. Palavras. Híbridos os espíritos do Brasil, hibridos.
[Manuscrito].
______. 2018. Entrevista a Alex Minkin. [Manuscrito].
SOBEL, Henry I. Judaísmo é Otimismo. 1974. São Paulo, Perspectiva.
SORJ, Bernardo. 2008. “Brazilian Non-anti-Semite Sociability and Jewish Identity”.
Identities in an Era of Globalization and Multiculturalism. Latin America in
the Jewish World, 8: 151–169
TARANTINO, Monica. 1988. “A incrivel história dos judeus na Amazonia”. O Estado
de São Paulo, publicado em 12/11/1988:4.
WROTS, Mauricio. 2014. Moishele e a roseira sem flor. Greenville: KBR.
XAVIER, Francisco C. 1984. Quando Se Pretende Falar da Vida. São Paulo: Editora Geen.
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