Teologia Moral Católica
Teologia Moral Católica
Teologia Moral Católica
Moral Fundamental
Esta página refere-se à Teologia Moral Fundamental. São temas como liberdade, lei,
consciência, virtude e pecado. Inclui também as razões de todo o agir dos cristãos.
O agir dos cristãos é o agir de Jesus Cristo. É verdade de fé que Jesus Cristo habita nos
cristãos pela graça do Espírito Santo, numa unidade semelhante à que Jesus Cristo, o
Filho de Deus, tem com o próprio Pai. Por isso, o agir dos cristãos tem sua base na
relação das Pessoas da Santíssima Trindade, pois Jesus Cristo age sempre e somente
pelo impulso do Espírito Santo, Espírito da Unidade do Pai e do Filho e da unidade do
Filho de Deus com todas as pessoas humanas que acolheram o Espírito Santo. Por isso,
é no Evangelho e nos dogmas da Igreja que vamos pesquisar o agir de Jesus, para
conhecer como deve ser o agir dos cristãos. Que princípios o Evangelho nos traz que
norteiam todo o agir de Jesus Cristo? O texto a seguir tenta responder a essa questão.
1.2. Fé e Razão
É bom entender que não é a fé que é aprovada pela razão, como se a razão fosse a
condicionante da fé. Crê-se primeiro, e, uma vez aceita a Revelação, a razão reflete
sobre ela e faz perceber melhor sua luz. Assim o conhecimento do real é completado e
iluminado pela fé. O conhecimento da realidade é acessível ao homem, em primeiro
lugar pelos sentidos. Os sentidos, ou seja, a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato
oferecem informações sobre a realidade sensível à inteligência humana que reflete sobre
elas, faz abstrações, corrige por essas abstrações muitas informações dos sentidos que
eram meras aparências e configura uma imagem da realidade. Mas uma imensa gama de
informações que o espírito humano deseja não lhe é fornecida pela sua inteligência
estimulada pelos sentidos. Saberes como as razões que levaram a existir o homem, sua
alma, seu destino após a morte, a origem do sentimento de bem e mal e da consciência
humana escapam ao campo de observação dos sentidos e de abstração do espírito
humano. Este campo de conhecimento é explorado por especulações filosóficas, a partir
da experiência humana, mas estas propostas filosóficas não fornecem o grau de certeza
necessário para empenhar a vida daqueles que as acolhem. A Revelação judaico-cristã
é a comunicação necessária e certa de Deus acerca dessas realidades fundamentais
ao sentido da vida humana racional. O acolhimento desses dados revelados como
certezas capazes de empenhar a vida inteira da pessoa humana e das comunidades se dá
pela fé. Assim como a razão humana elabora os dados fornecidos a partir dos sentidos e
sistematiza o conhecimento do mundo sensível, elabora também os dados fornecidos
pela Revelação Divina e constitui assim a sã teologia. Assim a ciência, elaboração
racional dos dados sobre a realidade acessíveis aos sentidos, e a teologia, elaboração
dos dados fornecidos pela Revelação, devem completar-se e harmonizar-se pois provêm
de uma só fonte que é Deus. A verdadeira fé não se opõe à razão humana, não é
irracional, mas recebe dados que não seriam acessíveis só pelos instrumentos da razão
movida pelos sentidos humanos. Por isso se diz que a fé está acima e não contra a razão.
É importante frisar que a teologia se dá porque a razão se aplica também aos dados
recebidos da Revelação pela fé. A razão, respeitando os dados originários da Revelação
e não os submetendo às limitações da experiência sensível, descobre na Revelação
elementos que ajudam a compreender melhor também a natureza sensível. Por exemplo,
a Revelação de Deus Uno e Trino nos ajuda a compreender melhor a antropologia, a
natureza social e comunitária do ser humano. A determinação dos limites entre o que é
dado revelado e o que pertence à experiência sensível nem sempre foi clara e pacífica.
Exemplo disso é a antiga interpretação bíblica que, desconhecendo os estilos literários
das Escrituras e a antropologia cultural, tendia a ver na Bíblia a garantia de certeza de
dados acessíveis aos sentidos e depois desmentidos pelas ciências naturais como o
sistema astronômico geocêntrico. Com a crítica literária e histórica das Escrituras o
discernimento do que realmente pertence à Revelação é bem mais nítido, se bem que
está sempre presente a tentação de querer submeter tudo à experiência sensível e negar
muitos dados revelados.
Chesterton nos ajuda a perceber que também para acolher os dados científicos
precisamos de um assentimento da vontade, de uma “fé” de que os dados evidenciados
pelos sentidos correspondem à realidade. Nicolau Copérnico mostrou que a terra girava
ao redor do sol. Mais de cem anos depois, isso ainda era discutido, porque os espíritos
ainda não haviam assimilado as provas de Copérnico, não tinham tido fé no na
revelação científica. A atual crença cega na “ciência” e desconfiança dos dados que não
se apresentem como “científicos” é um contra-senso. Escreve Chesterton: «A ameaça é
que o intelecto humano tem a liberdade de destruir-se a si mesmo. Da mesma forma
como uma geração pode evitar a existência da geração seguinte, se todos entrarem para
um convento, ou se atirarem ao mar, também um grupo de pensadores pode, de certo
modo, evitar que, no futuro, se pense, ensinando às gerações vindouras que o
pensamento humano não tem valor algum. É sempre inútil falar da alternativa entre a
razão e a fé. A razão já é de per si uma questão de fé. É um ato de fé afirmar que os
nossos pensamentos têm qualquer relação com a realidade. Quem for meramente cético
acabará, mais cedo ou mais tarde, perguntando a si mesmo: “Por que é que alguma coisa
está certa, quer seja uma simples observação ou uma dedução? Por que é que a boa
lógica não é tão falaz como a má lógica, se ambas são meros movimentos do cérebro de
um macaco desnorteado?” O novo cético diz: “Eu tenho o direito de pensar para mim”.
Mas o velho cético, o cético completo, dirá: “Eu não tenho o direito de pensar para
mim. Não tenho direito absolutamente algum de pensar». Todo o pensar é um ato de fé.
O nominalismo desconfiou do conceito universal que associa coisas de uma mesma
espécie, mostrando que a mente precisa de elementos que vem dela mesma para pensar
a realidade. E estes elementos são aceitos numa espécie de fé no bom senso do
pensamento. H. G. Wells, no século XX, fiel aos princípios do nominalismo e do
ceticismo do século XV, insiste em afirmar que cada coisa separada é “única” e que não
existem categorias. Isso também é meramente destrutivo. Pensar significa ligar as coisas
e o pensamento pára se não puder estabelecer tais conexões. É desnecessário dizer que
essa espécie de ceticismo, proibindo o pensamento, proíbe, forçosamente, a fala, e
ninguém poderá abrir a boca sem contradizê-lo. Assim, quando Wells diz que “todas as
cadeiras são completamente diferentes”, faz não só uma afirmação falsa, mas também
contraditória. Se todas as cadeiras fossem diferentes, nunca poderíamos chamar-lhes
“todas as cadeiras”. A razão acompanha a religião porque ambas são da mesma natureza
primária e autoritária. Ambas são métodos de prova não prováveis em si mesmos. E ao
destruirmos a idéia da Autoridade Divina, destruímos, em grande parte, a idéia daquela
autoridade humana por intermédio do qual fazemos uma conta de dividir»[3].
1.3. Fé e Amor
A Teologia busca a compreensão mais profunda da Revelação. A Revelação é uma
comunicação das Pessoas Divinas às pessoas humanas criadas à imagem delas. É uma
comunicação interpessoal. Seguramente é uma Revelação que dá uma compreensão
maior da pessoa humana e do mundo em que ela vive, mas é sobretudo uma Revelação
para o conhecimento do próprio Deus, que tudo criou do nada e na Criação Se
expressou. A fé nessa Revelação, obra do Espírito Unificador, é que fará brotar o amor
unificante na pessoa humana, conduzindo-a para seu destino salvífico que é a
participação na vida de Deus, pela comunhão na Pessoa do Filho, ou no Corpo do Filho.
Conhecer, possuir e entrar em comunhão de amor são quase sinônimos, na linguagem
bíblica. A Revelação que Deus faz de Si tem como meta que a pessoa humana O
conheça. Da parte de Deus não é uma comunicação de verdades abstratas, mas uma
auto-doação. Da parte do homem também não é uma aquisição de idéias teóricas, mas
um acolhimento da auto-doação das pessoas divinas (o Pai Se dá pelo Filho, para,
acolhido pela pessoa humana, estabelecer a unidade de vida com ela pelo Espírito
Santo). O relacionamento que Deus estabelece com as pessoas humanas não é nunca
uma transmissão de conhecimentos, mas de vida. A pessoa humana tem a tendência a
valorizar o conhecimento porque este lhe parece dar poder, que ela quer no seu estado
de pecado. Quereria ter poder para dominar a natureza (este é o motivo da corrida
tecnológica dos últimos séculos, a busca de mais poder ou riquezas, o que é o mesmo),
para dominar politicamente outras pessoas e povos e colocar a seu serviço o próprio
Deus. Seria importante ler, nesta perspectiva Lc 4,1-13. A ação divina não é nunca,
como a ação pecaminosa, uma busca de mais poder ou de conhecimentos de
informação. É sempre um relacionamento pessoal de amor, de auto-doação em busca da
comunhão pessoal de vida. Estudar Teologia para exibir conhecimentos, citar teólogos,
alcançar prestígio intelectual, é um contra-senso. É a vaidade intelectual que leva, em
muitas faculdades católicas de Teologia, à desobediência ao Magistério, à heresia e à
perda da fé e da espiritualidade católicas.
“30Quem não está comigo está contra mim; quem não recolhe comigo
desperdiça” (Mt 12,30; Lc 11,23).
“40Quem não está contra nós, está por nós” (Mc 9,40; cf. Lc 9,50; 1Jo 2,19).
“18Filhinhos, esta é a última hora. Vós ouvistes dizer que o Anticristo vem. Eis
que já há muitos anticristos, por isto conhecemos que é a última hora. 19Eles
saíram dentre nós, mas não eram dos nossos. Se tivessem sido dos nossos,
ficariam certamente conosco. Mas isto se dá para que se conheça que nem
todos são dos nossos. 20Vós, porém, tendes a unção do Santo e sabeis todas as
coisas. 21Não vos escrevi como se ignorásseis a Verdade, mas porque a
conheceis, e porque nenhuma mentira vem da verdade. 22Quem é mentiroso
senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Esse é o Anticristo, que nega o Pai
e o Filho. 23Todo aquele que nega o Filho não tem o Pai. Todo aquele que
proclama o Filho tem também o Pai. 24Que permaneça em vós o que tendes
ouvido desde o princípio. Se permanecer em vós o que ouvistes desde o
princípio, permanecereis também vós no Filho e no Pai. 25Eis a promessa que
ele nos fez: a vida eterna. 26Era isto o que eu vos tinha a escrever a respeito dos
que vos seduzem” (1Jo 2,18-26).
“20Não podemos deixar de falar das coisas que temos visto e ouvido” (At 4,20;
cf. Ez 3,16-27).
é um ultimato. Deus vem para julgar e aqueles que se submeterem a Ele – isto é,
viverem segundo a Verdade, pois a criatura depende do Criador – alcançarão a vida
verdadeira. Deus não pede licença, vai entrando no mundo. Mas a cada homem pede
que abra o seu coração.
“30Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta,
entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo” (Ap 3,20).
O anúncio do cristão no mundo não deve pedir licença para ser anunciado.
“Quem quiser ouvir, que ouça” (cf. Mt 11,15; 13,9.43; Mc 4,9.23; 7,16; Lc 8,8;
14,35).
Filhos de Adão, temos a tendência a expulsar Deus de nosso meio ou fugir dele. O
homem coloca sua confiança em si mesmo e em seus projetos e a Presença de Deus
obriga o homem a confiar em Deus – esta é a condição para Ele continuar presente – o
que para o ser humano representa um pulo no escuro. Aceitar a Presença de Deus na
história é desprender-se das seguranças humanas e confiar-se a Deus, mesmo sob a
ameaça da morte. Daí vem para os homens o incômodo das coisas divinas, a
necessidade das “obrigações religiosas”, esse Deus incômodo, que “só vem para
atrapalhar”.
Resumindo, Deus se impõe ao mundo em seu desígnio salvífico. E se propõe à
consciência de cada pessoa, sob pena dela ficar fora da salvação.
Podemos, inclusive, entender que o Reino de Deus acontece antes de sua manifestação
escatológica – inevitável, imposta por Deus, por amor aos que se salvarão – justamente
quando sua Presença é acolhida livremente pela fé e faz a diferença moral no agir
humano: “Eu te odiaria, a ti, que agiu mal para comigo, mas, por causa de Deus, que nos
criou e nos ama, e quer a tua salvação, eu te perdôo”.
A Verdade é aquilo que é. A Revelação assume e o senso comum admite que as coisas
têm uma identidade própria, são algo e algo que se distingue com a sua realidade
própria. O conjunto das coisas na sua identidade, distinções e relações mútuas constitui
a Verdade objetiva. Deus o Ser pré-existente se define na teofania da sarça ardente da
seguinte forma.
“14Deus respondeu a Moisés: ‘EU SOU AQUELE QUE SOU’. E ajuntou: ‘Eis
como responderás aos israelitas: (Aquele que se chama) EU SOU envia-me
junto de vós’” (Ex 3,14).
Algumas traduções admitem em vez de “Aquele que sou”, “Aquele que é”, o que dá na
mesma, em termos de identidade e distinção do Ser Divino. Deus é o que É. É a Verdade
na sua mais genuína expressão.
O homem pode chegar a conhecer a Verdade? O conceito clássico de Verdade é “a
adequação da mente à coisa”, a coincidência da imagem que a mente faz ao considerar e
pretender conhecer uma coisa e a coisa conhecida em si mesma. Como já mostramos
acima, a admissão dessa coincidência nunca é evidente em si mesma, dependendo de
um ato de vontade de admitir isso, ou seja, um ato de “fé”. Por outro lado, a
possibilidade de isso acontecer e as suas modalidades são problemas filosóficos de
sempre, constituindo até uma disciplina filosófica, a Teoria do Conhecimento. A
filosofia clássica admite sem grandes dificuldades a possibilidade do conhecimento da
verdade das coisas. A filosofia cristã também o exige. A Revelação só faz sentido se as
coisas – Deus, o Homem e o Universo – têm sua identidade própria. E também só faz
sentido se admitimos que o conhecimento dessa realidade é objetivo, isto é, não é uma
construção principalmente da mente humana, mas uma imagem que é “imagem da
coisa”, que brota da coisa mesma e não uma construção subjetiva qualquer produzida
pela mente. Essa “imagem da coisa” mesmo que não seja exata – por exemplo, sabemos
que o conhecimento que podemos ter de Deus em si mesmo é sempre analógico,
baseado na experiência humana sensível, sendo impossível nesta vida o conhecimento
exato de Deus – mesmo que não seja exata, repito, é suficiente para um conhecimento
objetivo necessário à comunhão do Homem com Deus – a Salvação – que é o objetivo
da Revelação.
O meio natural que o Homem tem para conhecer a realidade, Deus, os anjos e toda a
realidade invisível incluída, e toda a Verdade, é a RAZÃO. É por ser racional que o
homem pode conhecer. Não apenas pensa, mas sabe que pensa e pode conhecer e julgar
seu próprio pensamento.
Muitas vezes se fala de fé e de razão como dois canais de conhecimento, em harmonia
ou em conflito mútuo – nesse caso tendo-se de descartar um dos dois, de acordo com o
princípio de não-contradição (uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo).
Podemos supor que esse esquema é preconceituoso e revela uma auto-suficiência
humana. Tende mais a acentuar o conflito do que a harmonia entre o que o homem
‘descobre’ por si e o que lhe é revelado por uma instância superior. O ‘descobrir’ por si
mesmo seria o poder da razão e o receber o conhecimento por revelação seria a fé. Daí
vem logo a idéia de que o conhecimento que vem pela fé é irracional, não passa pela
razão, é aceito sem reflexão e assim é indigno do homem pensante. Ao menos não
merece a confiança que a razão humana transmite ao sentimento humano para
empenhar a vida em determinado conhecimento. Alguns, para defender a fé, podem
apelar para a humildade que devemos ter diante de Deus e dizer que confiar só na razão
humana é um ato de intolerável orgulho. Mas esse argumento, exigindo daquele que
contesta a revelação sobrenatural de Deus que a aceite por humildade, apela para a
razão no silogismo – Deus é maior que o homem; diante de Deus o homem deve ser
humilde; você seja humilde e não pedindo razões – e, ao mesmo tempo pede para que o
contestador dê um pulo para a fé sem usar a razão. Ou seja, a parte que defende a fé
apela para a razão e pede para o que só confia na razão, o contestador, não apelar para
ela. Esta contradição nos leva a pensar logo que a razão SEMPRE está presente ao
verdadeiro conhecimento, sustentando a certeza do conhecimento e transmitindo
confiança ao sentimento humano para empenhar a vida nessa certeza. A polaridade
«razão-fé» então muda. Passa à polaridade «sentidos-revelação». “Sentidos” identifica a
fonte de todos os conhecimentos que o homem adquire pela sua experiência sensível e
pela abstração sobre ela. Ao elaborar os dados fornecidos pelos sentidos, superar suas
contradições e estabelecer leis, generalizações e abstrações de todo tipo, o homem usa a
razão e constrói a ciência. Mas não só os dados fornecidos pelos sentidos, mas também
aqueles fornecidos por revelação só podem ser acolhidos pela razão humana. É a razão
que os pensa, que só pode recebê-los pensando e articulando esses dados. Não que esses
dados devam submeter-se à experiência sensível; quando opõem a fé à razão, na
verdade estão querendo submeter a fé à experiência sensível, chamando esta de razão. A
razão pode perfeitamente admitir que a experiência sensível seja muito limitada e não
seja a única fonte de conhecimento. A razão pode admitir a existência de Deus pessoal
que se revela. A não aceitação das duas últimas frases é já um ato de soberba e de auto-
suficiência que barra ao homem o acesso à Verdade e a Deus. Aliás a Revelação diz:
“34Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes” (Pr 3,34; Tg 4,6;
1Pd 5,5).
Deve a razão humana admitir os seus limites e acolher a Revelação num exame simples,
não crítico. Por exemplo, pelo testemunho de amor e de civilização que o cristianismo
trouxe ao mundo (o que hoje não é tão fácil pela maciça calúnia contra a Igreja, mas é
possível superando a má informação), pela beleza intrínseca do Evangelho e a
sublimidade da sua doutrina. Essa aceitação humilde gera uma fé, que permite, depois,
fazer-se teologia. Aí com um exame mais acurado com base na razão aprofunda-se o
que se creu na humildade e goza-se a graça de conhecer a Sabedoria Eterna, sempre em
maior profundidade, numa ação conjunta da razão humana e do Espírito que se revela
aos humildes. Esse processo cognitivo vale para toda aproximação cognitiva verdadeira.
Uma pessoa, para conhecer outra, por exemplo, precisa, primeiro, aceitá-la, acolhê-la,
sem uma resistência muito crítica. Nesse clima de empatia, aí, sim, é capaz de conhecer,
avaliar realmente as características da outra pessoa, que ficariam sempre ocultas se a
aproximação fosse desde o princípio com antipatia e crítica.
Este é um esquema que devemos superar:
Deus
Razão Fé
Filosofia e Ciências Naturais Revelação e Teologia
Homem
Este esquema de pensamento é o que parece mais presente no mundo atual. Leva a
considerar o dado científico como certo e confiável e o dado revelado como suposição
duvidável, assumida por um grupo social – os fiéis – que resolveram se submeter a essas
“crenças religiosas”, como “fonte de sentido” para suas vidas. A fé fica “privatizada” e
não tem influência pública. Nesse esquema também a razão evita se pronunciar sobre a
razoabilidade de qualquer sistema religioso, porque todos escapam, em suas afirmações
básicas, aos sentidos, e, por isso, se confunde como iguais e recebem os mesmos
direitos o culto mais grosseiro e desumanizante, de superstições, medos e “ópio do
povo”, e o culto mais sublime e humanizante. Esse esquema divide o homem em uma
parte racional e outra irracional, não distinguindo o valor moral do cristianismo; mostra
assim sua cegueira e está na base do mesmo agnosticismo que não distinguindo entre as
religiões também não distingue entre uma cultura moralmente superior e outra
moralmente inferior. Seguindo o dogma de um igualitarismo rígido o agnosticismo se
torna moralmente cego, incapaz de distinções morais[4].
Este é o esquema que precisamos admitir:
Deus
Experiência Sensível Revelação
Razão Razão
Senso Comum Fé
Elaboração Racional Elaboração Racional
Filosofia e Ciências Naturais Sacra Teologia
Homem
Alguém poderia alegar que se é necessária a razão para acolher a Revelação e ter-se fé,
então a razão é que produziria a fé, contra o que afirmamos anteriormente. Aqui é
preciso uma distinção dos trabalhos da razão. Uma coisa é a intelecção do que é
revelado, elemento necessário para se crer. Outra coisa muito diversa é o exame racional
do que é percebido pela intelecção. Se alguém me diz: “Minha mulher engravidou”,
para acreditar nessa “revelação” eu devo entender o que significa “minha”, o que
significa “mulher” e o que significa “engravidou”. Se ele me falasse em uma língua para
mim desconhecida, eu não poderia ter uma intelecção do que ele me revelou e, portanto,
não poderia acreditar nele. Mas, entendendo as palavras eu faço a intelecção e acredito
no que me foi “revelado”, mesmo sem ir averiguar se, de fato, a mulher do sujeito
engravidara. Para acreditar nele eu precisei da razão, para entender em que eu estava
acreditando. Mas eu acreditei, pois fiquei somente com a informação e não fiz uma
pesquisa para saber se era verdade. Isto é um paradigma da fé. Agora se depois de
acreditar eu começo a refletir se e como a mulher do tal sujeito pudera engravidar e
tento, aceitando que ela engravidou mesmo, entender como isso foi possível nas
circunstâncias – por exemplo, se antes ela revelara esterilidade – e quais as implicâncias
dessa gravidez, eu estou usando a razão para compreender melhor o que eu já crera. Isto
é um paradigma da Teologia. É preciso a razão para crer. Um deficiente mental de alto
grau de deficiência ou um bebê de seis meses não podem ter fé. Mas a fé não vem do
exame da razão. Não é um exame racional que legitima a fé. Mas eu preciso inteligir
para crer e saber em que estou crendo.
A teoria, que se baseia no modelo e não diretamente na realidade, que, de certa forma
também transcende a capacidade de apreensão dos sentidos, é testada dentro das
capacidades de verificação dos sentidos – e dos instrumentos artificiais dos sentidos – e,
se aprovada então, torna-se uma lei científica, até que se prove o contrário, até que se
alcance instrumentos de verificação mais precisos que mostrem as distorções dessa lei
ou que ela representa só um caso particular de uma realidade mais ampla. Assim por
exemplo, a teoria da relatividade de Einstein (século XX) demonstrou as limitações e
distorções dos modelos newtonianos (século XVIII), até então tidos como
absolutamente certos. O conceito de cultura, estabelecido pela Antropologia Cultural, é
um modelo, que essa ciência absolutizou, querendo submeter a própria realidade a esse
modelo. Assim o que existe é o homem, em seus grupos humanos com seus costumes e
suas concepções da realidade, sempre em transformação. A Antropologia Cultural quis
fixar a realidade ao impor a ela o conceito de culturas fixas e imutáveis[5].
O conhecimento tanto o científico quanto o sobrenatural são racionais e se aproximam
não imediatamente, mas mediatamente – por mediação – da realidade. E o
conhecimento, tanto o sensível quanto o sobrenatural não são neutros nem
independentes do querer admitir. Quando se adota o esquema “a superar” acima,
entende-se que o conhecimento da ciência humana é certo e evidente por si mesmo, e
independente da vontade. O conhecimento da fé, nesse esquema, é irracional, sem
nenhuma evidência racional e, portanto, voluntário, mesmo que condicionado, mas
nunca pela razão. Isto é uma falácia. Tanto o conhecimento sensível como o
sobrenatural se acolhe com as potências humanas da razão e da vontade. Também a
ciência não se torna evidente por si mesma se não se quer admitir a conclusão racional.
Admitindo que a razão humana é condicionada pela vontade e que esta é condicionada
por instintos, fobias, medos, concupiscência, sentimentos, ilusões e outros fatores nem
sempre identificados podemos perceber a relatividade de muitos conhecimentos. O
conhecimento sobrenatural fica dependente de condicionamentos da vontade que a
própria Revelação denuncia, especialmente ao nos fazer conhecer a realidade do pecado
original e suas conseqüências na natureza decaída do homem na atual economia da
salvação. No esquema acima, onde se coloca “razão” e “elaboração racional” não se
deve esquecer que essa razão só funciona, se movida pela vontade que “quer” crer, que
se desvencilha de outros condicionamentos e seguranças para crer.
Pode-se citar o caso da famosa escritora Rachel de Queiroz que dizia querer crer, mas
não conseguir, não ter o “dom” da fé, e assim declarava-se atéia. Pode-se pensar as
conseqüências que para ela acarretaria o crer: num ambiente agnóstico e mundano
deveria fazer renúncias, talvez não chegasse a ser a primeira mulher a ingressar na
Academia Brasileira de Letras, não teria o mesmo apoio da imprensa, e isso na medida
em que fosse mais coerente com a fé, por exemplo, defendendo as posições morais da
Igreja, contra a imoralidade reinante… Diz o Evangelho:
“7Pedi e se vos dará. Buscai e achareis. Batei e vos será aberto” (Mt 7,7; Lc
11,9).
O dom tão necessário da fé – que é também fruto do Espírito Santo (cf. Lc 11,9-13) –
não se nega a quem o quer. Rachel pediu, buscou, bateu? Despojou-se?
Isto posto, o espírito humano tem a capacidade de se aproximar da Verdade, mas
também de erigir, por sua vontade e condicionamentos a não-verdade no lugar da
verdade. Vem daí a mentira. A revelação nos fala do espírito maligno que, sendo
criatura, quer ser adorado como criador, sendo relativo quer ser adorado como o
absoluto. Aos fariseus que não queriam aderir à verdade sobre Cristo, este diz:
“44Vós tendes como pai o demônio e quereis fazer os desejos de vosso pai. Ele
era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque a verdade
não está nele. Quando diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é
mentiroso e pai da mentira” (Jo 8,44).
“37Perguntou-lhe então Pilatos: És, portanto, rei? Respondeu Jesus: Sim, eu sou
rei. É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é
da verdade ouve a minha voz” (Jo 18,37).
Puro de coração é aquele que segue só a luz da Verdade e não outra qualquer da carne,
medos, ambições, interesses etc. Isto está expresso na “Imitação de Cristo”, atribuída a
Tomás de Kempis, Livro I, Capítulo III.
Assim o rigor crítico da ciência humana já tem, em si mesmo, um elemento de pecado
que impede o acolhimento da Revelação. Pois quer ter poder sobre Aquele que se
revela, sem acolhê-Lo para depois entendê-Lo. Assim resiste Àquele que nos busca.
Porque acolher a Revelação é ter acesso ao fruto dela que é a comunhão divina e esta é
um reconhecimento de total dependência Àquele a Quem se deve toda existência. Por
isso, a Revelação exige uma aceitação humilde; no início a razão humana reconhece os
limites dos sentidos e de si mesma, e depois, então, com o auxílio da própria razão, que
vem de Deus, pela Sacra Teologia, tem acesso ao profundo da Revelação. Há aqui uma
maravilhosa sinergia da vontade humana e da vontade divina (isto é, da graça).
Ao estudarmos o pecado original compreenderemos melhor este ponto.
“21Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21)
Parece-nos que os tratados de Teologia Moral que se usa atualmente se movem segundo
as linhas 1, 3, 4 e 6 acima. Esses tratados falam de nova Aliança, no Espírito, mas
limitam-se à nova interpretação interior que Jesus dá aos Mandamentos, à “justiça que
supera a dos escribas e fariseus” (cf. Mt, 5,20) no sentido que supera as impurezas
legais exteriores dos fariseus e concede maior lugar à consciência individual. A nossa
perspectiva de Teologia Moral se move nas linhas 2, 4, 5 e 7 acima. A linha 1, relativa à
moral filosófica natural, aparecerá em nosso tratado muitas vezes para apontar o
contraste com a moral evangélica e demonstrar como esta a supera em muito. Nesta
superação que procuraremos definir com mais precisão que os tratados que já existem,
está a verdadeira vida no Espírito, que caracteriza a moral cristã. Outras vezes aparecerá
a moral filosófica em nosso tratado para a definição de algum conceito. Evitaremos
apenas repetir tratados inteiros de Lei Natural construídos pela razão a partir de dados
da experiência, mesmo que esses tratados sejam de acordo com a Revelação. Isto para
fazer ressaltar mais a novidade do que é específico da Revelação cristã. Não que
desprezemos a moral filosófica. Consideramo-la necessária à vida social, ao direito, à
organização da sociedade, às coisas de César (cf. Mt 22,21; Mc 12,17; Lc 20,25) e
distinguimos bem uma moral filosófica que respeite a lei moral natural de outra que não
a respeite e assuma posições incompatíveis com a Revelação. Mas consideramos que
esta distinção deveria estar presente em um tratado que fosse de Ética filosófica. Não
consideramos necessário nem conveniente repetí-la aqui pois queremos entender a vida
cristã segundo a Revelação cristã. Não é conveniente porque nos desviaria da Revelação
para situar-nos no pensamento filosófico. Não é necessário porque a Teologia Moral tem
a sua própria especificidade, de pesquisa sobre a Revelação, na qual ela se baseia, e não
depende tanto assim das categorias filosóficas. Deus, ao revelar-Se e estabelecer Aliança
com os homens visa, na verdade à sua salvação, impossível só com a inteligência, com
os sentidos ou todas as potências naturais do homem. Não Se revelaria apenas para
poupar ao homem uma tarefa que pudesse realizar a nível natural como é a percepção da
lei moral natural.
As linhas 5 e 7 são geralmente tratadas somente na Teologia Dogmática ou na Teologia
Espiritual, ou ainda no estudo da Liturgia. Pensamos que é um grande erro os tratados
de moral que temos à disposição não considerarem essas fontes.
Em nossa pesquisa de Teologia Moral, visando compreender os fundamentos da vida
cristã, buscamos, portanto a racionalidade do que é proposto como sabedoria no
Evangelho, conscientes de que a justiça humana – que reconhecemos já como legítima e
necessária no nível social, nas coisas de César – não realiza a salvação, a verdadeira
libertação do homem. Não acreditamos também, que a moral filosófica e a lei moral
natural, por mais que ilumine o caminho da justiça humana para resolver os conflitos
deste mundo, construa a própria cidade terrena, pois uma coisa é a idéia de justiça e
outra a sua prática. Conforme a Revelação cristã, sabemos que este mundo jaz sob o
poder do maligno (cf. 1Jo 5,19) e que sobre os membros do homem pesa uma lei
diferente da lei moral natural que a sua razão lhe apresenta:
“21Encontro, pois, em mim esta lei: quando quero fazer o bem, o que se me
depara é o mal. 22Deleito-me na lei de Deus, no íntimo do meu ser. 23Sinto,
porém, nos meus membros outra lei, que luta contra a lei do meu espírito e me
prende à lei do pecado, que está nos meus membros. 24Homem infeliz que sou!
Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte?…” (Rm 7,21-24).
O homem busca fazer o bem (seguir a lei moral natural), mas não o faz, faz ao invés o
mal que não quer (vislumbra com a razão o que é justo, mas pela sua concupiscência
realiza o que é injusto, mostrando que é escravo do pecado). Assim, a luz da razão
natural, desconhecendo o dado revelado da concupiscência, de que o homem é escravo
do pecado, não corresponde à Verdade plena. Estabelece um critério de justiça, mas não
dá a liberdade necessária para praticar essa justiça.
“Se, portanto, o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres” (Jo 8,36).
A nossa Teologia Moral busca a racionalidade dessa Verdade que tem sua fonte em
instâncias superiores aos sentidos e que é a única que vence a escravidão em que jaz o
homem.
João Paulo II ensina esta realidade ao considerar o mundo contemporâneo e diante das
graves crises presentes afirmar que não basta a justiça, mas é necessária a
misericórdia[10].
“5Por estes motivos, esforçai-vos quanto possível por unir à vossa fé a virtude,
à virtude a ciência, 6à ciência a temperança, à temperança a paciência, à
paciência a piedade, 7à piedade o amor fraterno, e ao amor fraterno a caridade.
8
Se estas virtudes se acharem em vós abundantemente, elas não vos deixarão
inativos nem infrutuosos no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Pd
1,5-8).
Nossa posição, no entanto, é que a moral católica supera a moral de virtudes e a volta a
uma moral mais evangélica, mais fundamentada na Revelação, dá um fundamento
mais profundo do que as virtudes para a moral. As listas de virtudes e de vícios no NT
podem conter influências da cultura grega, mas podem também ser interpretadas como
simples descrições do comportamento externo aprovado ou reprovado sem fundamentar
necessariamente a moral apostólica na aquisição direta das virtudes. Queremos mostrar
como a moral cristã é um agir segundo uma realidade sobrenatural que nos é revelada –
o Mistério – e na qual estamos inseridos e suplanta tanto a moral grega da aquisição das
virtudes como a moral veterotestamentária da obediência aos mandamentos, embora no
resultado final, o cristão tanto apresenta as virtudes como obedece aos mandamentos.
Não deixaremos, entretanto, de fornecer os dados tradicionais, que constam até no
recente Catecismo, relativo às virtudes e aos mandamentos.
“30Quem não está comigo, está contra mim; quem não recolhe comigo,
espalha” (Mt 12,30; Lc 11,23).
Por isso o catolicismo, ao anunciar a Revelação, também propõe que as leis civis sejam
de acordo com a Revelação, mesmo sabendo que nem todos na população civil acolhem
a Revelação. Proclama, assim, a Revelação como verdade objetiva, os dados conhecidos
através da Revelação como plenamente integrantes da realidade e não só uma
consciência subjetiva, uma maneira pessoal de ver as coisas. Não se trata de uma
imposição da religião católica a quem não quer crer, mas de uma proclamação, um
anúncio de uma realidade desconhecida pelos outros. Imagine que uma determinada
classe social procure fazer ver aos outros em um parlamento uma realidade que se
percebe só no ambiente social em que vive essa classe. Ou um parlamentar que fale
sobre as graves implicações de um determinado projeto de lei para a sua província,
realidade que os deputados de outra província desconheciam. Ambos discursos
pretendem aumentar o conhecimento acerca da realidade de modo a mudar o proceder, a
lei civil, para adequar-se a essa realidade conhecida por ele e desconhecida pelos outros.
Do mesmo modo o católico anuncia uma realidade nova, conhecida em toda sua clareza
pela Revelação, mas acessível por analogia à razão e ao bom senso, mesmo a quem
ainda não crê diretamente na Revelação. E só a religião cristã católica pode reivindicar
esse parentesco com a capacidade racional do homem. O protestantismo e outras
vertentes religiosas, adequando-se mais tranqüilamente à moral laica, afirmam, sem o
perceberem, o seu caráter simplesmente subjetivo, de interpretação pessoal da realidade
e reduzem o caráter fermentador da Revelação. Renuncia a ser sal e luz. Mesmo que o
número de protestantes seja muito maior que o de católicos em determinada população,
se esses católicos forem assim autenticamente católicos – digo isso porque a filosofia
subjetiva penetrou também, infelizmente, no âmbito católico – eles serão sempre muito
mais “sal da terra e luz do mundo”, agentes de transformação da realidade, pela carga
mais objetiva de sua fé. Por isso também o catolicismo será sempre mais perseguido,
estará sempre em maior contraste com o mundo do que essas outras vertentes.
Consideramos que quanto mais é verdade o que disse Aurelio Fernández na frase “a
teologia moral deduz da disciplina filosófica os conceitos fundamentais e inclusive seu
método e até a linguagem”[14], mais se reduziu a compreensão da moral católica no que
ela tem de original e de surpreendente em confronto com o pensamento humano. Se
alguns conceitos fundamentais se tomaram da moral filosófica, essa identificação, às
vezes serviu até para confundir a compreensão da originalidade da Revelação e deturpar
o sentido dos termos paralelos aplicados à Revelação. Por exemplo, o que a moral
filosófica entendia por “justiça” foi aplicado com o mesmo sentido à teologia moral e
distorceu a compreensão da moral cristã porque o conceito de justiça na Revelação é
bastante diferente do conceito de justiça na moral filosófica. O mesmo pode-se dizer do
conceito de liberdade. A presença de Deus faz uma enorme diferença e revoluciona
esses conceitos. Quando não revoluciona tanto é porque a Presença de Deus, que nos foi
revelada não está sendo suficientemente levada em conta. Fernández, com grande
tradição de teologia moral, influenciada pelo método escolástico e depois pelo método
científico, ambos racionalistas – note-se que não somos contra a razão, muito pelo
contrário, mas também somos a favor da mística e da contemplação, que estes métodos
desprezam – coloca a moral revelada usando conceitos, métodos e linguagem da moral
filosófica e depois diz que a moral filosófica deve estar aberta às exigências éticas da
Revelação. Em razão de que a moral filosófica deveria estar aberta a essas exigências?
Se as admite porque não se torna logo uma moral revelada? Se a Revelação traz uma
real novidade, porque atenuar essa novidade com o atrelamento da moral revelada a
conceitos métodos e linguagens da moral filosófica? Porque não criar novos conceitos,
ou ao menos reconhecer a diferença sob os mesmos nomes? Porque não criar novos
métodos e linguagens mais adequadas à Revelação? Seriam os conceitos, métodos e
linguagens da «moral filosófica» exigências da razão mesma ou muito mais dos
métodos racionalistas denunciados pouco acima?
O que a teologia moral tradicional coloca como duas ciências paralelas na mesma
consciência, levando em conta ou não a verdade revelada, nós colocamos, por
coerência, em duas consciências diferentes, a do que crê objetivamente na Revelação e a
do que efetivamente não crê. E aceitamos tranqüilamente o conflito, que o Evangelho
prevê, entre o que recebeu a Revelação e o que não a recebeu.
O que aqui afirmamos, não entra em conflito com o que afirmamos acima sobre “dar a
César o que é de César e dar a Deus o que é de Deus”. De fato, a ética filosófica,
inspirando o direito, molda a justiça de César, e César pode exigir que cada um respeite
o direito do outro, mas não que cada um perdoe a falta do outro, o que é necessário à
sua salvação eterna, embora não se possa exigir isso para a vida social. Nesse caso o
cristão não pode exigir que todos os homens ajam de acordo com a Presença revelada de
Deus, e deve-se fazer justiça, segundo os conceitos da Ética puramente filosófica. Mas
quando a autoridade civil usurpa os direitos de Deus, vale o que dizemos neste
parágrafo e o cristão católico “revela” que o desígnio de Deus deve ser respeitado a
nível civil. É quando a autoridade civil não reconhece a personalidade humana da
pessoa ainda embrionária, autorizando o aborto voluntário – a hipócrita “interrupção da
gravidez” – ou quer reconhecer legitimidade à pretensão de duas pessoas de mesmo
sexo de constituírem um casal. O católico denuncia que nesses casos estão dando a
César o que é de Deus. Nesses casos evidencia-se a unidade de consciência do católico,
e como a Revelação divina não pode ser privatizada. Evidencia-se também a omissão
dos que pretendendo ser cristãos, não combatem pelo reinado de Deus na sociedade,
privatizando e subjetivando a fé e negando, assim, um serviço de amor à humanidade,
mostrando-se amigos da morte e cúmplices de futuras violências. Se recebemos a
Revelação divina, sabemos também que só na medida em que os homens viverem
segundo ela haverá verdadeira paz no mundo.
“18A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que
foram salvos, para nós, é uma força divina. 19Está escrito: Destruirei a
sabedoria dos sábios, e anularei a prudência dos prudentes (Is 29,14). 20Onde
está o sábio? Onde o erudito? Onde o argumentador deste mundo? Acaso não
declarou Deus por loucura a sabedoria deste mundo? 21Já que o mundo, com a
sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus
salvar os que crêem pela loucura de sua mensagem. 22Os judeus pedem
milagres, os gregos reclamam a sabedoria; 23mas nós pregamos Cristo
crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos; 24mas, para os
eleitos – quer judeus quer gregos -, força de Deus e sabedoria de Deus. 25Pois a
loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais
forte do que os homens. 26Vede, irmãos, o vosso grupo de eleitos: não há entre
vós muitos sábios, humanamente falando, nem muitos poderosos, nem muitos
nobres. 27O que é estulto no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e
o que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confundir os fortes; 28e o que é
vil e desprezível no mundo, Deus o escolheu, como também aquelas coisas que
nada são, para destruir as que são. 29Assim, nenhuma criatura se vangloriará
diante de Deus. 30É por sua graça que estais em Jesus Cristo, que, da parte de
Deus, se tornou para nós sabedoria, justiça, santificação e redenção, 31para
que, como está escrito: quem se gloria, glorie-se no Senhor (cf. Jr 9,23)” (1Cor
1,18-31).
[O Verbo] “9era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem”
(Jo 1,9).
Assim, mesmo que seja verdade que a Lei Natural é acessível às luzes da razão só
iluminada por fontes naturais, o homem decaído tem paixões, tem razões que a razão
desconhece para não aceitar a evidência da Lei Natural. É cego para a evidência da
Verdade.
“39Jesus então disse: Vim a este mundo para fazer uma discriminação: os que
não vêem vejam, e os que vêem se tornem cegos” (Jo 9,39).
De pouco adianta que teoricamente seja admissível a razoabilidade da Lei Natural (cf.
Rm 1,18-32; 2, 13-15) se na prática as paixões humanas a turvam ao conhecimento e
mesmo conhecida pode não mover a vontade. A “reconciliação” teórica entre a teologia
moral e a ética filosófica mostra-se redutora da Revelação, fazendo cair fora da Teologia
Moral a fonte do agir moral do cristão, a Graça, que é Luz, Liberdade evangélica, Visão
Sobrenatural da realidade, o que, exatamente, caracteriza a Revelação. Cai-se no risco
de reduzir a Moral Cristã a uma ética da lei, como no Antigo Testamento. Isto acontece
quase sempre. E não se acolhe a novidade neo-testamentária, exposta magistralmente
nas cartas paulinas, de que não estamos mais sob a Lei, mas sob o Espírito, sob a Graça.
Isto tem conseqüências catastróficas também para a pregação do Evangelho, a qual
aparece, muitas vezes, excessivamente legalista, e o Evangelho acaba não sendo
corretamente compreendido. Para a maioria das pessoas, a moral católica aparece como
extremamente legalista, cheia de proibições sem razões. Não se liga suficientemente
graça com moral, sendo temas que se trata separadamente na catequese, porque estão
separados na mente dos pregadores.
1.14. A Moral e a Cultura
Vimos acima que a Encíclica “Veritatis Splendor” afirma que “precisamente sobre o
caminho da vida moral se abre para todos a via da salvação”. Não se trata só do agir
exterior mas do “coração”, isto é, de como o agir exterior brota do “coração”, do íntimo
do homem, e também de como o agir exterior é um “pedir, buscar, bater” (cf. Lc 11,9-
13) que abre o coração para o Espírito Santo e configura o íntimo do homem, o
“coração”.
“18Ao contrário, aquilo que sai da boca provém do coração, e é isso o que
mancha o homem. 19Porque é do coração que provêm os maus pensamentos, os
homicídios, os adultérios, as impurezas, os furtos, os falsos testemunhos, as
calúnias. 20Eis o que mancha o homem. Comer, porém, sem ter lavado as mãos,
isso não mancha o homem” (Mt 15,18-20).
Então o perfil moral incide diretamente sobre a salvação do homem. O homem se salva
pelo que é, pelo Espírito que o habita (cf. Rm 8,11) e este entra e permanece no
homem pelo agir do homem.
“31E Jesus dizia aos judeus que nele creram: Se permanecerdes” – isto é, agires
segundo a minha Palavra – “na minha palavra, sereis meus verdadeiros
discípulos; 32conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,31-32).
Aqui poderia entrar um discurso sobre o sentido “das obras da carne e das obras do
Espírito”, que deixamos para desenvolver mais tarde.
Entramos aqui no discurso sobre a moral e cultura. Se sobre o caminho do agir moral se
abre para todos a via da salvação, a relação entre a moral e a cultura é bastante
importante, pois a cultura condiciona todo modo de interpretar o mundo e, por aí,
condiciona todo o agir do homem.
O que é a cultura? É a interpretação que um grupo humano faz da realidade a partir do
conhecimento que pode ter dessa realidade e que condiciona todos os modos de agir e
de se relacionar dos membros desse grupo. Entrando sempre novos elementos no campo
da experiência sensível, há uma constante re-elaboração dessas experiências, estando,
por isso, a cultura sempre em mutação.
Olhando sempre o mundo a partir de seu ponto de vista, de sua cultura, o sujeito tende a
considerar os que tem costumes diferentes, em outras culturas, como “estranhos” e
“atrasados”. Tende a absolutizar a sua cultura e tem dificuldade de entender a
relatividade de cada cultura, principalmente da sua própria cultura. Foi assim, por
exemplo, que gregos e romanos consideraram os demais povos da Europa e da Ásia
como “bárbaros” e esta palavra ganhou conotação pejorativa.
Com o desenvolvimento da Antropologia Cultural alcançou-se essa consciência do
relativo e facultativo de cada cultura. Acontece que esse desenvolvimento deu-se
principalmente no final do século XIX e no século XX, época marcada por uma
concepção agnóstica ou atéia-revolucionária e pelo subjetivismo no plano filosófico.
Então a descoberta da antropologia cultural levou muitos a relativizar a cultura branca
dominante e valorizar as culturas minoritárias, até então marginalizadas, num
movimento de reação ao sentimento espontâneo da cultura branca anterior à
antropologia cultural. Os alvos principais das denúncias de violência contra as culturas
minoritárias foram o comércio, às vezes identificado com o imperialismo econômico, e
a Igreja, com a evangelização, que partindo da cultura branca européia dirigiu-se à
América, à Ásia e à África. Uma vez que o comércio internacional pouco iria se
importar com essas críticas, pois os próprios críticos são beneficiados pelo imperialismo
econômico, pertencentes que são a economias dominantes, e a própria cultura
dominante globalmente no mundo é materialista, caracterizada pela força do capital, o
alvo sensível foi a Igreja. Já desde o século XVI que a Igreja preocupava-se em
valorizar essas culturas, por causa da dinâmica mesmo da Encarnação do Verbo. Pense-
se em Mateus Ricci, jesuíta que assumiu totalmente a cultura chinesa, em José de
Anchieta que estudou e divulgou antes de todos a língua e a cultura tupí e muitos outros.
Era inevitável, porém, o choque das culturas. Era inevitável que o simples encontro de
homens de culturas diferentes apresentasse questionamentos e novas decisões aos
homens de cada cultura, diante dos valores conhecidos da outra cultura. Naturalmente as
coisas não poderiam ficar como antes, alguns costumes e hábitos forçosamente, se os
homens são livres, haveriam de se modificar. Se essas modificações seriam benéficas ou
prejudiciais nem sempre se poderia prever.
Os antropólogos culturais diante da “descoberta das culturas” extasiaram-se e quiseram
tratar as culturas como objeto de laboratório de pesquisas. Isto é, quiseram estabilizar as
culturas minoritárias, considerá-las sempre iguais no tempo, evitar o contato entre
culturas para que não houvesse intercâmbios culturais. Esta atitude, que podemos
interpretar como uma embriaguez de antropologia cultural, é, em si mesma uma atitude
dominadora. Os antropólogos, de cultura branca euroamericana, querem estabilizar,
melhor tornar estáticas as culturas minoritárias. Sob pretexto de defendê-las, querem
paralisá-las, tratando os homens que a compõem como cavalos de raça ou objetos de
museu. Não estabelecem o mesmo critério paralisador para sua própria cultura branca, a
qual querem sempre em evolução com novos progressos e novas fronteiras etc. Ou seja,
acusando a Igreja de destruir as culturas, impondo aos membros de povos de cultura
minoritária a cultura branca européia – o que não é verdade – aplicam aos povos de
cultura minoritária o mais rigoroso isolamento, e os privam de um saudável intercâmbio
cultural. A própria liberdade dessas culturas lhes é negada.
É preciso entender que “cultura” é um conceito, uma figura de pensamento, e que, na
realidade as culturas estão em permanente evolução, por vários fatores:
- pelo caráter criativo do homem, que estabelece novas descobertas e inventos, que ao
facilitar a vida são acolhidos, mudando os hábitos e as relações pessoais, ou seja, a
cultura;
- por causas naturais, como secas e inundações que obrigam tribos a emigrar e adaptar-
se a novos ambientes, adaptação que faz mudar a cultura;
- por crises internas como choques de classes sociais dentro daquela cultura;
- por “revelações” religiosas novas e outras novas lideranças, segundo o espírito sempre
inquieto do ser humano;
- por choques entre povos, guerras, dominações militares etc.
- por contatos pacíficos, comerciais etc. entre povos diferentes; por exemplo, o café
trazido ao Brasil por Francisco Palheta, o fumo e o milho trazidos da América para a
Europa, a borracha, levada da América do Sul para o mundo todo.
Na perspectiva agnóstica ou atéia em que surgiu a antropologia cultural qualquer cultura
teria o mesmo valor, em tese. Isto é, sem valores transcendentais, a cultura, considerada
estática, teria um valor absoluto. Assim os valores morais seriam relativos às culturas, e
o que é aceito em uma cultura não seria aceito em outra. Cada cultura teria o seu código
moral, submetendo a ele os seus integrantes. Não haveria, nessa concepção, valores
morais universais. Apenas relativos a cada cultura. Na verdade, os antropólogos
culturais, de cultura branca, jamais puderam aceitar alguns elementos de certas culturas
como “morais”, isto é, a antropofagia, os sacrifícios humanos a deuses etc. Mas
hipocritamente defendiam – e defendem – a tese da relatividade cultural dos valores
morais, fechando os olhos para estes costumes “bárbaros”.
Joahann Füchs e Franz Böeckle, teólogos morais alemães, entre outros, chegaram a
perguntar-se se existe uma moral cristã. Propunham que a fé evangélica nos indicasse
somente normas transcendentais de comportamento, isto é, normas que corresponderiam
a inspirações de fundo, intenções, e não à materialidade das ações em si mesmas. Por
exemplo seriam normas transcendentais, obrigatórias para todo cristão, amar a Deus,
seguir a Cristo, amar o próximo etc. O que, concretamente, significaria amar a Deus,
seguir Cristo, amar o próximo etc. seriam normas categoriais estabelecidas em cada
cultura. Os Dez Mandamentos, por exemplo, seriam uma expressão da cultura hebraica,
reformável em outras culturas e ambientes. Não teriam um valor universal. Na cultura
rural pré-industrial seria imoral a esterilização das mulheres, devido à grande
necessidade de braços para a lavoura, e de famílias numerosas. Na cultura urbana
industrial seria altamente moral a esterilização de mulheres, segundo alguns até o
aborto, pois atenderia às necessidades da cultura, a limitação e o planejamento da
população. Os exemplos poderiam multiplicar-se. É fácil de ver aqui um cristianismo
subjugado, em que o absoluto é a interpretação da cultura e não mais Deus. Um
cristianismo que perdeu toda a sua força profética – uma forma de calar a boca de Deus
– e qualquer valor materialista e carnal se impõe, “santificado” pelas normas
transcendentais, pois são a nova “releitura” do Evangelho para cada situação. Neste
caso, o que é o homem? O cristianismo ainda revelaria alguma concepção de homem? É
muito difícil admitir que essas concepções tenham partido de cristãos sinceros,
religiosos, padres…
Fechando os olhos para os costumes “bárbaros”, como se já estivessem extintos em
todas as culturas do mundo – se estivessem, não teria sido por influência de uma outra
cultura? E nesse caso, por coerência, os antropólogos culturais não deveriam trabalhar
para restaurá-los? – os antropólogos culturais consideraram todas as culturas no mesmo
nível. Por uma mentalidade rousseauniana, iluminista, de otimismo e igualitarismo
rígido, e não admitindo a lei natural nem valores morais universais, consideraram todas
as culturas igualmente boas, o que equivale a dizer indiferentes. O respeito ao próximo
deveria passar por um respeito incondicional à sua cultura, evitando todo intercâmbio
cultural como agressivo para a cultura, e por ela, à própria vida dos homens dessa
cultura. Isto em plena era das comunicações e do comércio, em que a televisão penetra
nas tabas dos índios do interior do Brasil, por exemplo. Isto gerou fatos pitorescos, até
ridículos. Um padre salesiano italiano, em uma tribo indígena de Mato Grosso, coloca-
se a batizar as crianças, em um domingo festivo da tribo. Procurando “inculturar-se” ao
máximo, não usa paramentos litúrgicos, mas tem o corpo e a volumosa pança cobertas
de vermelho de urucum e veste somente um calção, ao modo – aliás branco – que a tribo
usa. O padre também não tirou a barba, cara aos missonários, que tirada o faria mais
semelhante aos índios. E em vez dos paramentos da liturgia cristã – agora entendida
como “cultura branca” – usa um cocar à maneira do pajé indígena. Pouco adianta todo
este esforço de “inculturação”. Após o batismo, na parte da manhã e um almoço tribal, a
tribo se diverte numa animada… “pelada”, isso mesmo, partida de football, o velho
esporte bretão. E vá o antropólogo dizer aos índios que não joguem futebol…
É paradoxal que, advogando o progresso e o desenvolvimento para a cultura branca,
admitindo o mito do progresso e da evolução, o mundo científico, ao mesmo tempo
queira paralisar culturas humanas e não queira admitir que uma cultura seja superior a
outras. Se há evolução e progresso, no que tange à tecnologia, ao domínio da natureza e
das energias naturais, porque não pode haver também progresso no campo moral?
Porque uma cultura não seria sinal de um estágio inferior de evolução moral, ao menos
em alguns de seus valores, diante de outra, mais avançada? É contraditório. O fato de ter
um ou outro valor moral importante, não quer dizer que determinada cultura não seja, na
verdade, cheia de outros valores morais inferiores e mais atrasada.
Admitir que todas as culturas são do mesmo nível moral significa uma enorme cegueira
– incapacidade de distinguir. Distingue-se tanto, no nível tecnológico, países atrasados e
desenvolvidos, mas no nível moral não se quer admitir essa distinção. Assim a
civilização e a barbárie se igualam. Perde-se o metro para discernir o nível civilizatório
de uma população ou de uma época histórica. Cai-se novamente em contradição ao
condenar práticas contra os “direitos humanos”. Cada vez mais se vê que essa
linguagem de “direitos humanos” – como também a da ecologia, da preservação
ambiental, por exemplo – é um estratagema de intervenção onde interessa intervir por
interesses políticos e econômicos, ficando esquecida quando os interesses são outros.
Todas essas contradições surgem da rejeição de se admitir uma lei moral natural
universal, com normas categoriais, e não apenas “transcendentais”, de valor universal,
para todas as culturas, que corresponde à natureza humana, e por isso está acima de
qualquer consenso humano. Uma ou outra cultura estará em mais alto ou mais baixo
nível civilizatório conforme suas instituições promovam comportamentos mais ou
menos de acordo com a lei moral natural.
A Revelação cristã é a mesma para todos os povos e culturas. Jesus Cristo “é a Luz que
ilumina todo homem que vem a este mundo” (Jo 1,9). Esta Revelação “revela o homem
ao próprio homem”[15]. Assim ela questiona todas as culturas e vem para purificá-las:
Exerce, assim seu papel profético. A comunicação dessa Revelação deve buscar as
linguagens mais adaptadas a cada cultura, mas, de modo algum, poderá modificar o seu
conteúdo. A tentativa de modificá-lo é a tentativa de tornar inoperante o próprio
cristianismo, de cancelar a Revelação, de calar a voz de Deus. É o homem pecador,
resistindo sempre a Deus, fugindo sempre da Verdade para viver a sua alienação.
“29No dia seguinte, João viu Jesus que vinha a ele e disse: Eis o Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo. 30É este de quem eu disse: Depois de mim
virá um homem, que me é superior, porque existe antes de mim. 31Eu não o
conhecia, mas, se vim batizar em água, é para que ele se torne conhecido em
Israel. 32João havia declarado: Vi o Espírito descer do céu em forma de uma
pomba e repousar sobre ele. 33Eu não o conhecia, mas aquele que me mandou
batizar em água disse-me: Sobre quem vires descer e repousar o Espírito, este é
quem batiza no Espírito Santo. 34Eu o vi e dou testemunho de que ele é o Filho
de Deus. 35No dia seguinte, estava lá João outra vez com dois dos seus
discípulos. 36E, avistando Jesus que ia passando, disse: Eis o Cordeiro de Deus.
37
Os dois discípulos ouviram-no falar e seguiram Jesus. 38Voltando-se Jesus e
vendo que o seguiam, perguntou-lhes: Que procurais? Disseram-lhe: Rabi (que
quer dizer Mestre), onde moras? 39Vinde e vede, respondeu-lhes ele. Foram
aonde ele morava e ficaram com ele aquele dia. Era cerca da hora décima.
40
André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido João e que
o tinham seguido. 41Foi ele então logo à procura de seu irmão e disse-lhe:
Achamos o Messias (que quer dizer o Cristo)” (Jo 1,29-41).
João Batista sabia que Jesus era o Messias por uma experiência mística particular
(Aquele sobre quem vires o Espírito descer e repousar). Seu discípulo André soube,
num primeiro momento, pelo testemunho de seu mestre João Batista, mas depois ficou
confirmado na fé porque “ficou com” Jesus. Assim também, a pessoa pode aprender por
indicação de alguém a vida cristã, mas estará plenamente convencida da verdade dessa
vida cristã, somente à medida que experimentar a sua sabedoria divina, dom do Espírito
Santo.
Jesus tem só no Pai a fonte de sentido de sua vida, seu “alimento”, a fonte de sua
energia vital e é o Espírito Santo, o Espírito de Seu Pai que o conduz. Jesus não tem
nenhum objetivo nem sonho terreno. Nada que não tenha no Pai o seu termo.
Ao rejeitar transformar pedras em pães, Jesus rejeita usar o poder de seu Pai para lutar
pela vida corporal. Jesus nada faz para ter em suas mãos a sua vida corporal, mas a
recebe do Pai, como vai ensinar no Pai-Nosso (“o pão nosso, de cada dia, dai-nos
hoje”, cf. Mt 6,11; Lc 11,3) e no Sermão da Montanha:
Na segunda tentação Jesus rejeita “forçar” o Pai a uma ação, mesmo se prometida pela
Sagrada Escritura. Ele então se coloca numa absoluta dependência do Pai. O Pai
continua livre para agir quando quiser e do modo que quiser e o Filho se coloca
confiantemente dependente do Pai. A resposta de Jesus deve ser meditada por todos os
que querem “forçar” Deus a conceder-lhes esta ou aquela graça.
Na terceira tentação, o demônio lhe oferece o poder político, o poder sobre o
semelhante, a outra pessoa humana, e Jesus a rejeita. E associa essa atitude à adoração
de Deus. Finalmente começa a afirmar que o Reino de Deus está próximo.
Um Rei é alguém revestido de poder. Jesus anuncia o Reino de Deus. Então anuncia que
todo poder deve ser atribuído a Deus. As três tentações são tentações de poder. A
primeira, poder sobre a natureza. A segunda, poder sobre o próprio Deus. E a terceira,
poder sobre a pessoa humana e suas sociedades. Jesus rejeita as três. Rejeita o poder e
anuncia que o poder é só de Deus, no seu caso, de Seu Pai. Essa atitude de despretensão
em relação ao poder é fundamental para entender o agir de Jesus, e, portanto, do cristão.
Podemos entender que “ser conduzido pelo Espírito” e realizar “a justiça completa” é
renunciar ao poder, nas diversas manifestações da “vontade de poder” que há na alma
humana, e atribuir todo poder somente a Deus, entregando-se confiante à Sua
Providência. De fato, conforme a Sagrada Escritura (Gn 1-2), a pessoa humana é criada
por Deus, como pode querer ter poder sobre o seu próprio Criador? Não continua
totalmente dependente d’Ele, que criou “do nada” tudo o que existe, como o confirma a
doutrina da Igreja[16]? Por isso, a pessoa humana não deve admitir que sua vida venha
de sua própria ação ou inteligência. Se assim é, qual o valor do trabalho humano, ou do
progresso das ciências desenvolvidas pela pessoa humana? Também o trabalho humano
e a pesquisa científica não podem ser marcadas pelo pecado da pessoa querer “salvar-se
sozinha” ou se tornar independente do Criador. Devem sempre ser encaradas como
atividades em que as pessoas colocam seus talentos, dados por Deus, a serviço de todos,
para o bem de todos. Não se pode fazer do trabalho ou da ciência um ídolo libertador do
ser humano independente de Deus. Só se pode trabalhar e pesquisar a partir das
capacidades dadas por Deus.
O Pai Eterno, na passagem do batismo de Jesus no Jordão, O declara seu Filho muito
amado, n’O qual se compraz. A partir dessa declaração, busquemos mais manifestações
de Jesus sobre suas relações com o Pai.
“Guardai-vos de fazer vossas boas obras diante dos homens, para serdes
vistos por eles. Do contrário, não tereis recompensa junto de vosso Pai
que está no céu” (Mt 6,1).
Este tema, desenvolvido em Mt 6,2-6.16-18, diz para não fazer as coisas diante dos
homens, mas diante do Pai. Devemos supor que Jesus agia assim, como ensinava. Nada
fazia para se engrandecer diante dos homens, mas tudo fazia para agradar ao Pai. Em
tudo, o seu diálogo era com o Pai. Nada valia para ele o julgamento dos homens,
somente o do Pai. Isso é confirmado em muitas passagens, como estas:
Jesus não se apoiava em homem algum, mesmo os que acreditavam n’Ele. Em nenhuma
pessoa humana, nem mesmo na Virgem Maria. Não se fazia dependente da boa vontade
de nenhuma pessoa. Já vimos que não tinha no alimento corporal ou na manutenção da
vida corporal sua delícia. Agora vemos que nem nas pessoas humanas se apoiava. Jesus
não se fazia dependente de nenhuma criatura humana, mas se fazia dependente somente
e exclusivamente de Seu Pai Celestial. Jesus dizia aos judeus:
“44Como podeis crer, vós que recebeis a glória uns dos outros, e não buscais a
glória que é só de Deus?” (Jo 5,44).
Então, para realmente crer em Deus – adorá-lO – a pessoa não deve se apoiar em outra
pessoa humana, em julgamentos ou afetos humanos, mas só em Deus. São Paulo, cheio
do Espírito Santo, revelava a mesma liberdade de quem se apóia só em Deus:
“É, porventura, o favor dos homens que eu procuro, ou o de Deus? Por acaso
tenho interesse em agradar aos homens? Se quisesse ainda agradar aos
homens, não seria servo de Cristo” (Gl 1,10; cf. Ef 6,6; 1Ts 2,4).
“34Com efeito, aquele que Deus enviou fala a linguagem de Deus, porque ele
concede o Espírito sem medidas. 35O Pai ama o Filho e confiou-Lhe todas as
coisas” (Jo 3,34-35).
“27Todas as coisas me foram dadas por meu Pai; ninguém conhece o Filho,
senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho
quiser revelá-lO” (Mt 11,27).
Por estas passagens se percebe que se Jesus rejeita buscar poder sobre a natureza, sobre
o Pai ou sobre as pessoas, o Pai Lhe confia e entrega todas as coisas.
O desejo de poder sobre as criaturas, ou sobre Deus, para dominar, por Ele, as criaturas,
na verdade é uma escravidão e dependência das criaturas. O rico tem poder sobre as
suas riquezas, mas não se sente independente delas. Acaba escravo do poder que tem.
Jesus, ao não se apoiar em nenhuma criatura, é quem tem poder sobre todas. Essa
libertação da dependência das criaturas é uma ação do Espírito Santo na alma da pessoa,
que aí, pode falar de Deus, na linguagem de Deus, com autenticidade. Por isso, só Jesus
conhece o Pai, pois só Ele O adora perfeitamente, em total independência das criaturas.
Só para Jesus, e para quem Jesus O revelar – isto é, libertar da dependência das
criaturas, pelo dom do Espírito – é que Deus é tratado como Deus mesmo, isto é,
realiza-se a justiça, que é tratar Deus como Ele deve ser tratado na sua prerrogativa de
Deus Infinito, Criador e Mantenedor Único de todas as criaturas.
“16… os judeus perseguiam Jesus, porque fazia esses milagres no dia de sábado.
17
Mas ele lhes disse: Meu Pai continua agindo até agora, e eu ajo também.
18
Por esta razão os judeus, com maior ardor, procuravam tirar-lhe a vida,
porque não somente violava o repouso do sábado, mas afirmava ainda que Deus
era seu Pai e se fazia igual a Deus. 19Jesus tomou a palavra e disse-lhes: Em
verdade, em verdade vos digo: o Filho de si mesmo não pode fazer coisa
alguma; ele só faz o que vê fazer o Pai; e tudo o que o Pai faz, o faz também
semelhantemente o Filho. 20Pois o Pai ama o Filho e mostra-lhe tudo o que faz;
e maiores obras do que estas lhe mostrará, para que fiqueis admirados. 21Com
efeito, como o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, assim também o Filho dá
vida a quem ele quer. 22Assim também o Pai não julga ninguém, mas entregou
todo o julgamento ao Filho. 23Desse modo, todos honrarão o Filho, bem como
honram o Pai. Aquele que não honra o Filho, não honra o Pai, que o enviou.
24
Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele
que me enviou tem a vida eterna e não incorre na condenação, mas passou da
morte para a vida. 25Em verdade, em verdade vos digo: vem a hora, e já está aí,
em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão.
26
Pois como o Pai tem a vida em si mesmo, assim também deu ao Filho o ter a
vida em si mesmo, 27e lhe conferiu o poder de julgar, porque é o Filho do
Homem. 28Não vos maravilheis disso, porque vem a hora em que todos os que se
acham nos sepulcros sairão deles ao som de sua voz: 29os que praticaram o bem
irão para a ressurreição da vida, e aqueles que praticaram o mal ressuscitarão
para serem condenados. 30De mim mesmo não posso fazer coisa alguma. Julgo
como ouço; e o meu julgamento é justo, porque não busco a minha vontade,
mas a vontade daquele que me enviou. 31Se eu der testemunho de mim mesmo,
não é digno de fé o meu testemunho. 32Há outro que dá testemunho de mim, e sei
que é digno de fé o testemunho que dá de mim. 33Vós enviastes mensageiros a
João, e ele deu testemunho da verdade. 34Não invoco, porém, o testemunho de
homem algum. Digo-vos essas coisas, a fim de que sejais salvos. 35João era uma
lâmpada que arde e ilumina; vós, porém, só por uma hora quisestes alegrar-vos
com a sua luz. 36Mas tenho maior testemunho do que o de João, porque as obras
que meu Pai me deu para executar – essas mesmas obras que faço –
testemunham a meu respeito que o Pai me enviou. 37E o Pai que me enviou, ele
mesmo deu testemunho de mim. Vós nunca ouvistes a sua voz nem vistes a sua
face… 38e não tendes a sua palavra permanente em vós, pois não credes naquele
que ele enviou. 39Vós perscrutais as Escrituras, julgando encontrar nelas a vida
eterna. Pois bem! São elas mesmas que dão testemunho de mim. 40E vós não
quereis vir a mim para que tenhais a vida… 41Não espero a minha glória dos
homens, 42mas sei que não tendes em vós o amor de Deus. 43Vim em nome de
meu Pai, mas não me recebeis. Se vier outro em seu próprio nome, haveis de
recebê-lo… 44Como podeis crer, vós que recebeis a glória uns dos outros, e não
buscais a glória que é só de Deus? 45Não julgueis que vos hei de acusar diante
do Pai; há quem vos acusa: Moisés, no qual colocais a vossa esperança. 46Pois
se crêsseis em Moisés, certamente creríeis em mim, porque ele escreveu a meu
respeito. 47Mas, se não acreditais nos seus escritos, como acreditareis nas
minhas palavras?” (Jo 5,16-47).
Aqui Jesus afirma a total dependência do Filho ao Pai (Jo 5,19.30) e a total doação do
Pai ao Filho (Jo 5,20). Jo 5,21 significa, “assim como o Pai é fonte de vida e ressuscita
o Filho Encarnado pela unidade do Espírito Santo que o une ao mesmo Filho, O qual
ungiu com o Espírito Santo, assim concedeu ao Filho ungir as pessoas com o Espírito
Santo e unindo-as a Si, ressuscitá-las”. Jo 5,22 significa, “o Pai não julga, pois o Filho
faz a Sua vontade e não é julgado. Mas dando o Filho às pessoas, e Este se encarnando,
entrando na unidade do gênero humano, (cf. Jo 5,27) e, tendo em sua carne, ungida pelo
Espírito Santo, derrotado aquele que escraviza a pessoa humana (o diabo), se impõe um
julgamento conforme os homens acolham ou não o Filho”. Como se percebe em outra
pessagem joanina:
“17Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o
mundo seja salvo por ele. 18Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê
já está condenado; por que não crê no nome do Filho único de Deus. 19Ora, este
é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do
que a luz, pois as suas obras eram más. 20Porquanto todo aquele que faz o mal
odeia a luz e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.
21
Mas aquele que pratica a verdade, vem para a luz. Torna-se assim claro que
as suas obras são feitas em Deus” (Jo 3,17-21).
O versículo Jo 5,26 significa “que o Filho, tendo recebido a vida do Pai, também é fonte
de vida e do Espírito Santo – tem a vida em si mesmo, significa ter a vida com o poder
para dar a vida, transmiti-la, porque é óbvio que Deus é vivo e o Filho de Deus é vivo.
Como o Filho afirma que depende do Pai, aqui só pode significar ‘a vida para
transmitir’”. Os versículos Jo 5,31-34.41 mostram que o Filho não se apóia em si
mesmo e nem em criatura alguma. Todo o seu ser é apoiado só no Pai (cf. Jo 5,36). Por
isso ele pedirá a seus discípulos, sobre quem derramará seu Espírito Santo, a mesma
atitude, uma renúncia total a todo apoio das criaturas, pessoas e coisas (cf. Jo 5,44; Mt
13,46; 16,24; Lc 14,33). E se as pessoas põem sua confiança nas criaturas não colocarão
sua confiança nos homens através dos quais Deus fala, não reconhecerão os profetas que
indicarão o verdadeiro culto a Deus (cf. Jo 5,45-47; Lc 16,31).
Jesus não permite a intervenção natural de Simão Pedro que quer fazê-Lo, como as
pessoas humanas, aceitar a vida dada por Deus, mas não a morte. Ao aceitar
incondicionalmente o dom do Pai, o Filho coloca-se em total disponibilidade em relação
ao Pai e isto é, precisamente, uma auto-doação. Acolher a condescendência do Pai é dar-
se também a Ele. De forma que cada Pessoa tem a sua Vida, realmente na Outra. O Pai
esvazia-Se de Si no Seu Amor pelo Filho, e vive no Filho e pelo Filho. O Filho acolhe o
dom do Pai em plena disponibilidade e absoluta dependência, de modo que a Vida do
Filho não está n’Ele, mas no Pai. Quando uma pessoa, no relacionamento com outra, a
acolhe inteiramente, sem fazer nenhuma reserva, sem colocar um “não” a nenhum
aspecto do ser e do querer da outra pessoa está se disponibilizando totalmente para essa
pessoa. Isso Jesus revela em Sua Encarnação. O Pai envia então o Seu Filho, que
assume a natureza humana, aceita a natureza humana com sua vida e sua morte, a
convivência com o pecado dos seus semelhantes e todas as demais circunstâncias
terrenas. Aceita a vida humana de forma incondicional, em total disponibilidade. Na Sua
vida humana, o Filho de Deus Se dá às pessoas humanas de maneira semelhante àquela
pela qual o Pai Se dá a Ele. E revela aí a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, o
Espírito Santo, o Espírito de unidade do Pai e do Filho. O Filho estabelece com as
pessoas humanas a mesma relação que tem com o Pai, ou seja, o Espírito Santo. Assim a
pessoa humana criada para participar da comunhão de vida das pessoas divinas realiza
isto ao acolher plenamente o dom de Deus, como Jesus Cristo acolheu, isto é, seguindo-
O, acolhendo a vida e a morte, e todas as circunstâncias da sua personalidade, todos os
seus dons, sem compará-los nunca com os dons de outras pessoas. E acolhendo o
próprio Jesus Cristo, vivendo d’Ele, que é a Palavra criadora que Se fez carne e que Se
faz o Seu Alimento, na Santa Eucaristia. Tendo só n’Ele toda a esperança. Vivendo, por
isso, numa plena dependência de Deus, sem nunca pensar ou sonhar em bastar-se a si
mesma, ou depender de si mesma, mas vivendo tendo o Pai como seu Criador e
Mantenedor a cada momento de sua vida.
2.7. A Natureza, com suas cadeias ecológicas, traz uma semelhança divina.
De todos os seres vivos na natureza, não há nenhum que não precise, para conservar a
vida, alimentar-se de matérias provenientes de outros seres vivos. Essa alimentação
pode ser o respirar ou o comer. Os vegetais verdes consomem, pela fotossíntese, o
dióxido de carbono e produzem oxigênio. Os animais fazem a operação inversa, uns,
portanto, alimentando os outros. Um animal cresce consumindo matérias de outros seres
vivos, suas fezes e urina são fonte de alimentação para outros seres vivos e depois pode
ser até devorado por um outro animal, formando assim as cadeias ecológicas
alimentares. É preciso prestar atenção neste fato, de todo ser vivo ter sua fonte de vida
biológica, permanentemente fora de si mesmo, sendo um ser vivo o alimento de outros.
Não é difícil entender então que cada ser vivo, na natureza, é um organismo vivo
próprio, mas a biosfera, como um todo, é também um ser vivo, formado por muitos
seres vivos que compartilham uma só “vida”. Há uma unidade de vida e percebe-se
quando se extingue um animal como seus predadores também morrem até que haja
novas adaptações e se forme novas cadeias alimentares. Isso pode ser encarado como
um “sacramento” (sinal visível da realidade invisível) do Deus Uno e Trino que criou
essa natureza. Há uma só vida, mas vivida por Três Pessoas Distintas. A humanidade
criada por Deus também é um conjunto de inúmeras pessoas, mas há uma unidade de
vida, e cada pessoa deve fazer-se alimento para a outra, como acontece na sucessão das
gerações humanas em que uma geração cuida da seguinte até que esta cresça e se dê
pela que a segue. Jesus deu sua vida e afirmou que sua carne doada e seu sangue
derramado eram verdadeiramente uma comida e uma bebida. Se cada pessoa se dá
assim, no mesmo Espírito de Jesus, da morte voluntária por amor brotará a vida. Do
egoísmo, em que cada pessoa, ao invés de dar-se em alimento no serviço ao próximo, se
apossa do semelhante explorando-o brotará a morte, pelas revoltas, pelas guerras, pelo
ódio.
“Cremos que Deus não precisa de nada preexistente nem de nenhuma ajuda
para criar. A criação também não é uma emanação necessária da substância
divina. Deus cria livremente ‘do nada’”[19].
Como ser criado o ser humano não existe desde sempre. Criado por livre desígnio de
bondade, e sendo a existência um bem, aparece o primeiro elemento da relação do
homem com Deus: a graça. Conhecendo essa característica de sua origem, o homem
deve “ação de graças” a Deus pela existência e deve ter em Deus a fonte e garantia de
sua existência. Esta é a atitude básica da moral, que deverá pervadir todos os
sentimentos e ações livres do homem. “Eu nada era e agora sou”. A Sagrada Escritura
testemunha pela voz da mãe dos sete filhos martirizados sob Antíoco Epífanes:
“22Ignoro, dizia-lhes ela, como crescestes em meu seio, porque não fui eu quem
vos deu nem a alma, nem a vida, e nem fui eu mesma quem ajuntou vossos
membros. 23Mas o criador do mundo, que formou o homem na sua origem e deu
existência a todas as coisas, vos restituirá, em sua misericórdia, tanto o espírito
como a vida, se agora fizerdes pouco caso de vós mesmos por amor às suas leis.
… 28Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra; reflete bem: tudo o que
vês, Deus criou do nada, assim como todos os homens” (2Mc 7,22-23.28).
A atitude de ação de graças se estende também ao fato de que toda a criação está
ordenada para o homem, para o bem do homem, ápice da obra da Criação, e única
criatura na terra que Deus quis por si mesma[20].
Tudo que o homem tem, recebeu de graça.
“O que há de superior em ti? Que é que possuis que não tenhas recebido? E, se
o recebeste, por que te glorias, como se o não tivesses recebido?” (1Cor 4,7).
Tudo o que temos, a vida, os membros do corpo, os afetos e os bens, tudo é pura graça
divina e a nada a pessoa tem direitos diante de Deus. Quando foram dizer a João Batista
que Jesus fazia mais discípulos do que ele, a resposta de João foi de extrema sabedoria e
conforme o princípio que estamos expondo, afastando João todo espírito de competição
ou comparação:
“26Foram e disseram-lhe: Mestre, aquele que estava contigo além do Jordão, de
quem tu deste testemunho, ei-lo que está batizando e todos vão ter com ele…
27
João replicou: Ninguém pode atribuir-se a si mesmo senão o que lhe foi
dado do céu. 28Vós mesmos me sois testemunhas de que disse: Eu não sou o
Cristo, mas fui enviado diante dele. 29Aquele que tem a esposa é o esposo. O
amigo do esposo, porém, que está presente e o ouve, regozija-se sobremodo com
a voz do esposo. Nisso consiste a minha alegria, que agora se completa.
30
Importa que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3,26-30).
Pela resposta de São João Batista, tudo de que a pessoa se apossa na sua ganância não
chega a ser dela. Só é realmente nosso o que nos é dado pela graça de Deus. De certa
forma todas as coisas são nossas, se não nos apegamos e não nos escravizamos a elas. O
avarento não possui a riqueza. Não a recebe do Alto. Conquista-a com os meios deste
mundo e não a coloca a serviço do corpo da humanidade. É a riqueza que o possui e o
escraviza.
A vida segundo a Verdade é, portanto aquela em que o homem sabe que não tem em si
próprio, nem em nenhuma criatura sob o seu poder ou fora dele, a garantia de sua vida e
existência, mas só em Deus mesmo. E que depende a cada instante de Deus, que o
mantém na vida e na existência. Aceita, pois a sua vida e todos os dons recebidos –
aqueles que conhece e também os que ainda não tomou consciência de que recebeu – e
também a falta de algum dom – como coisa querida por Deus, que é Amor. Submete-se
assim inteiramente a Deus, tendo só n’Ele a fonte do seu ser. Nisto consiste também a
adoração de Deus. Este é também, podemos dizer, o primeiro princípio da vida e da
moral cristã.
Este preceito básico da moral cristã ganha também um significado mais profundo
quando o entendemos de acordo com o segundo princípio da moral cristã. Devo amar o
próximo como a eu mesmo, não numa perspectiva subjuntiva, “como se fosse eu
mesmo”, para não fazer a ele o que eu não gostaria que me fizessem (cf. Mt 7,12). Devo
amar numa perspectiva indicativa, isto é, o meu bem está no bem do meu próximo, ele e
eu somos pessoas distintas, mas que participamos de uma só vida.
Todos os dons que cada pessoa recebe, devem ser entendidos como dados para o gênero
humano inteiro por meio dessa pessoa, como os órgãos do corpo humano ou de um
animal tem função própria, mas são para benefício da totalidade do corpo (cf. 1Cor 12).
Se Caim tivesse entendido isso, partilharia a bênção de seu irmão Abel, alegrar-se-ia
com ele, e não teria inveja nem ódio dele, não o matando, mas unindo-se a ele (cf. Gn
4,3-8). Este pensamento reforça o caráter metafísico da solidariedade das pessoas
humanas, segundo a Verdade.
Toda comparação de dons e condições entre as pessoas, segundo este princípio, não
convém à vida cristã. Os dons de uma pessoa, na verdade, pertencem ao conjunto das
pessoas. Se o meu irmão é muito agraciado por Deus, isso enriquece a minha vida e se
meu irmão tem pouco talento, ou se fecha à graça de Deus isso me empobrece. Assim o
bem ou o mal do meu semelhante é bem meu ou mal meu. Por outro lado, se tudo o que
pertence a um por graça divina é para o bem de todos, Deus é livre de dar dons muito
diferentemente a uns e a outros e nenhuma pessoa pode questionar Deus quanto a isso.
Cada um só tem a agradecer as suas graças, e procurar que sejam úteis a todos, sem
comparar com os dons de outros[21]. A responsabilidade do que recebeu mais dons,
diante de Deus é maior também. Do que recebeu menos é menor.
“48(…). Porque, a quem muito se deu, muito se exigirá. Quanto mais se confiar
a alguém, dele mais se há de exigir” (Lc 12,48).
As pessoas querem ser umas maiores do que as outras. Por esse princípio, o mais capaz,
o que recebeu mais talentos, devendo coloc-a-los a serviço de todos, torna-se o servo de
todos:
Neste sentido também é que São Paulo diz que os fortes devem carregar os fardos dos
mais fracos.
“1Nós, que somos os fortes, devemos suportar as fraquezas dos que são fracos,
e não agir a nosso modo” (Rm 15,1).
A mentalidade atual é individualista, não admite que todos sejam um só, coloca as
pessoas em concorrência, umas contra as outras, em busca da “vitória” (cf. Mt 16,25-
26). Nasce daí também a idéia de que a justiça é a igualdade. Não se aceita a liberdade
de Deus de dar dons diferentes a pessoas diversas. Perde-se assim, por exemplo, a noção
das legítimas diferenças entre o homem e a mulher. Tende-se a assimilar o homem e a
mulher masculinizando a mulher e afeminando o homem, com prejuízo para todos,
especialmente os filhos. Se os dons de cada um são para o bem do conjunto, não
precisamos mais do falso senso de justiça que perde a visão das diferenças legítimas
entre masculino e feminino. As particularidades da diferença de cada sexo humano
enriquecem o conjunto: o homem e a mulher complementam-se maravilhosamente[22].
O senso de igualdade acentuado da mentalidade moderna acaba sendo uma cegueira. O
cego é o que não percebe as distinções das coisas.
A relação da pessoa com o conjunto da humanidade não se dá imediatamente, mas
segundo grupos naturais, a família, o clã, a tribo, a cidade, a nação etc. Assim é
moralmente impossível a pessoa se relacionar diretamente com a humanidade inteira.
Mas ela participa de uma comunidade na unidade, as comunidades se relacionam entre
si em comunidades de comunidades e assim até chegar ao concerto das nações, em que
cada nação ou comunidade é uma espécie de “pessoa jurídica”, onde a lei da unidade
permanece. Cada pessoa (pessoal ou jurídica) existe para ser para as outras pessoas.
A unidade do Corpo de Cristo, que invocamos na Santa Missa:
é a restauração da unidade original do gênero humano fragmentado pelo pecado que fez
a pessoa humana desconhecer sua própria natureza. A humanidade reencontra sua
unidade no Corpo Místico de Cristo. Toda a vida e a moral cristãs devem ser entendidas
de acordo com este segundo princípio da moral cristã.
3.3. A relação dialógica interpessoal da pessoa humana com Deus, que substitui a
lei – terceiro princípio da vida e da moral cristã.
Quando se pensa em vida cristã, ou em moral cristã, surge, quase espontaneamente uma
idéia de lei. As Pessoas Divinas, Deus mesmo, é rapidamente substituído por uma lei. A
idéia de pecado surge simultaneamente com a idéia de Deus na mente da maioria das
pessoas. Deus acaba sendo a grande dor de consciência da humanidade. Por isso desde o
princípio do pecado, o homem se afastou, fugiu mesmo, de Deus (cf. Gn 3,8). A árvore
da ciência do bem e do mal, que era o símbolo de que a criatura humana fora criada já
dentro de uma ordem estabelecida por Deus, onde o bem era simplesmente ser criatura e
se relacionar como criatura dependente e amada por Deus, transformara-se numa lei,
pior, numa proibição, numa limitação da liberdade da pessoa humana. Surge
imediatamente a tentação de não limitar a liberdade, pois, criada para a plena comunhão
com Deus, que é Infinito, a vontade e a liberdade humanas não se submetem facilmente
a limitações. O destino da criatura humana, que é a comunhão de vida com Deus
Infinito, o único que pode dar-lhe vida plena e eterna, é substituído, em sua mente
pecadora por uma liberdade infinita. Deus lhe parece uma lei limitadora de sua
liberdade, quase um inimigo, do qual é preciso libertar-se. Essa tendência da mente
pecadora da pessoa humana é uma das maiores responsáveis pela falta de amor a Deus
no mundo. Diziam vários santos: “O Amor não é amado!”. Para que servirá a liberdade
infinita? Poderá ela satisfazer a pessoa humana? Claro que não. É uma tendência forte
da civilização atual ter a liberdade como um fim em si mesma, o mais ampla possível.
Deus, nosso Fim último, é substituído pela liberdade, meio, não fim, meio de que Ele
nos dotou para nos unirmos a Ele.
Conhecedor do coração humano, Deus, em sua pedagogia, antes de revelar-Se
plenamente em Jesus Cristo, estabeleceu com o povo de Israel uma Aliança baseada na
Lei. Mas, na prática, como se pode perceber desde Moisés e passando pelos profetas,
Deus nunca quis substituir-Se pela Lei, procurando estabelecer sempre uma relação
pessoal de amor com seu povo de Israel.
Foi o povo de Israel, principalmente no período pós-exílico, depois de Esdras, que
centrando muito fortemente a Aliança na Lei, no intuito de evitar as corrupções que
levaram a ocorrer o exílio babilônico, especialmente com o estabelecimento dos grupos
fariseu e saduceu, que acabou, na prática, substituindo Deus pela Lei, pela Torá. Esta
acabou se tornando uma estrutura de dominação e de poder, de fiscalização permanente
do comportamento do povo, como se pode perceber facilmente na leitura dos
Evangelhos. A Lei, de instrumento de Aliança com Deus, acabou transformada em
instrumento do instinto pecaminoso de poder da pessoa humana, instrumento de
opressão. Jesus Cristo, que veio para estabelecer uma nova e eterna Aliança, de amor
pessoal entre Deus e a pessoa humana, não poderia deixar de entrar em conflito com os
grupos responsáveis por essa desfiguração da Lei divina. Esse conflito foi uma das
causas principais que levaram à condenação do Filho de Deus.
São Paulo dá este testemunho:
“1Irmãos, o desejo do meu coração e a súplica que dirijo a Deus por eles [os
judeus] são para que se salvem. 2Pois lhes dou testemunho de que têm zelo por
Deus, mas um zelo sem discernimento. 3Desconhecendo a justiça de Deus e
procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de
Deus. 4Porque Cristo é o fim da lei, para justificar todo aquele que crê” (Rm
10,1-4).
“Desconhecendo a justiça de Deus”, que é o que Jesus veio testemunhar e ensinar. Todo
aquele que se colocar na dependência plena de Deus, renunciando ao poder e não
tentando se salvar pelas sua próprias forças, mas atribuindo a Deus todo poder e se
submetendo inteiramente à Sua vontade, será salvo pela ação amorosa divina, que vai
levar tudo à plenitude. “Procuraram estabelecer sua própria justiça”: arrogando-se a
autoridade divina, deram vazão ao orgulho humano sedento de poder e condenaram o
Justo.
Deste modo é indispensável que não mais se substitua a Deus pela Sua Lei. Por mais
santa que a Lei de Deus seja, a relação de Deus com a Sua criatura humana transcende a
Lei. Deus não é escravo de Sua própria Lei, nem Se identifica com ela. A Lei é uma
linguagem humana do desígnio divino. Todos os mandamentos são uma linguagem
humana, uma estrutura da mente humana. Em Deus não há Lei, mas Ele é a Verdade.
“Pois a lei foi dada por Moisés, a Graça e a Verdade vieram por Jesus Cristo”
(Jo 1,17).
A Verdade é Deus, Uno e Trino, e a dependência absoluta das criaturas ao Criador, n’O
qual “vivemos, nos movemos e somos” (cf. At 17,28). Deus que não é escravo de Sua
Lei, instrumento humano de que Se serviu em sua pedagogia reveladora, pode salvar a
quem quiser, inclusive ao pecador, que infringiu a Lei. É isto que está no cerne do
Evangelho e provocava a revolta dos fariseus. Ao ver Jesus comer e conviver com
corruptos e meretrizes, não O aceitavam como profeta de Deus (cf. Mt 9,11; Lc 7,39; Jo
7,52). E, no entanto, Jesus dizia:
“14Que diremos, pois? Haverá injustiça em Deus? De modo algum! 15Porque ele
disse a Moisés: Farei misericórdia a quem eu fizer misericórdia; terei
compaixão de quem eu tiver compaixão (Ex 33,19). 16Dessa forma, a escolha
não depende daquele que quer, nem daquele que corre, mas da misericórdia de
Deus. 17Por isso, diz a Escritura ao faraó: Eis o motivo por que te suscitei, para
mostrar em ti o meu poder e para que se anuncie o meu nome por toda a terra
(Ex 9,16). 18Portanto, ele tem misericórdia de quem quer, e endurece a quem
quer. 19Dir-me-ás talvez: Por que ele ainda se queixa? Quem pode resistir à sua
vontade? 20Mas quem és tu, ó homem, para contestar a Deus? Porventura o
vaso de barro diz ao oleiro: Por que me fizeste assim? 21Ou não tem o oleiro
poder sobre o barro para fazer da mesma massa um vaso de uso nobre e outro
de uso vulgar? 22(Onde, então, está a injustiça) em ter Deus, para mostrar a sua
ira e manifestar o seu poder, suportado com muita paciência os objetos de ira
preparados para a perdição, 23mostrando as riquezas da sua glória para com os
objetos de misericórdia, que de antemão preparou para a glória? 24(Esses
somos nós, que ele chamou não só dentre os judeus, mas também dentre os
pagãos.) É o que ele diz em Oséias: 25Chamarei meu povo ao que não era meu
povo, e amada a que não era amada” (Rm 9,14-25).
Estando claro, portanto, que Deus é Absoluto e maior que sua própria Lei, a realação
entre a pessoa humana e Deus é um diálogo, não de palavras, mas de atos. Em todo o
seu agir, mesmo nas ações aparentemente mais humildes e insignificantes, mesmo nos
movimentos internos de sua sensibilidade, nos desejos de sua mente (cf. Mt 5,28;
6,2.5.16), a pessoa humana está dialogando com Deus. Em tudo isso há uma relação
com Deus.
“21Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus, mas
sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. 22Muitos me dirão
naquele dia: Senhor, Senhor, não pregamos nós em vosso nome, e não foi em
vosso nome que expulsamos os demônios e fizemos muitos milagres? 23E, no
entanto, eu lhes direi: Nunca vos conheci. Retirai-vos de mim, operários maus!
24
Aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática é semelhante
a um homem prudente, que edificou sua casa sobre a rocha. 25Caiu a chuva,
vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa; ela,
porém, não caiu, porque estava edificada na rocha. 26Mas aquele que ouve as
minhas palavras e não as põe em prática é semelhante a um homem insensato,
que construiu sua casa na areia. 27Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram
os ventos e investiram contra aquela casa; ela caiu e grande foi a sua ruína”
(Mt 7,21-27).
No sublime diálogo que nunca se interrompe entre a criatura humana e Deus, a criatura
deve apenas ser o que ela é, criatura de Deus, nunca pretendendo ser mais que isso.
Assim viverá a Verdade e a ação de Deus é que a salvará, pois Ele quer a salvação de
todas as suas criaturas humanas. A consciência deste diálogo vivo, que inclui o
arrependimento e a penitência e que transcende a Lei é o que apresentamos aqui como o
terceiro princípio da vida e da moral cristã.
3.4. A Ordenação das Coisas em Função de Deus e das Pessoas – o quarto princípio
da moral cristã
“21Portanto, ninguém ponha sua glória nos homens. Tudo é vosso: 22Paulo,
Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente e o futuro. Tudo é vosso!
23
Mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1Cor 3,21-23).
Nestes versículos, em que São Paulo conclui sua resposta para a divisão da comunidade
coríntia, em grupos de simpatia pessoal, está contido um princípio fundamental da vida
e da moral cristã. O fim último, a “glória” da pessoa humana é Deus e só Ele. Todas as
coisas que circundam uma pessoa, mesmo as outras pessoas (Paulo, Apolo, Cefas, o
mundo, a vida, a morte, o presente e o futuro) são para o bem da pessoa em questão.
Mesmo as pessoas que não lhe fazem o bem, se a pessoa conserva sua orientação para
Deus, a oposição dessas pessoas ressalta a opção por Deus, como Jesus Cristo foi
glorificado no Pai com a intervenção de seus algozes. Todas as coisas são para a pessoa,
mas a pessoa é para Deus só e não para outra pessoa.
“21Outra vez um dos seus discípulos lhe disse: Senhor, deixa-me ir primeiro
enterrar meu pai. 22Jesus, porém, lhe respondeu: Segue-me e deixa que os
mortos enterrem seus mortos” (Mt 8,21-22).
Neste caso, os pais são para o bem daquele que quer seguir Jesus, mas a presença do pai
não deve ser impecilho na destinação do filho para Deus. As riquezas são para a pessoa,
mas não as pessoas são para as riquezas:
“21Jesus fixou nele o olhar, amou-o e disse-lhe: Uma só coisa te falta; vai, vende
tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e
segue-me. 22Ele entristeceu-se com estas palavras e foi-se todo abatido, porque
possuía muitos bens. 23E, olhando Jesus em derredor, disse a seus discípulos:
Quão dificilmente entrarão no Reino de Deus os ricos!” (Mc 10,21-23).
Aqui o moço rico se escravizou às suas riquezas e por elas desviou a destinação de sua
pessoa, que era para Deus. Por este princípio, todas as coisas estão em relação para o
bem de cada pessoa considerada isoladamente, mas a pessoa mesma tem a sua
destinação, a sua razão de ser, não em desfrutar as outras criaturas, mas somente em
Deus, em entrar em comunhão eterna com o Pai, pelo Filho, na unidade do Espírito
Santo. São Paulo invoca a liberdade da pessoa em relação às realidades desse mundo e
sua destinação para Deus, relacionando-as com a brevidade da figura deste mundo:
“29Mas eis o que vos digo, irmãos: o tempo é breve. O que importa é que os que
têm mulher vivam como se a não tivessem; 30os que choram, como se não
chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram,
como se não possuíssem; 31os que usam deste mundo, como se dele não
usassem. Porque a figura deste mundo passa” (1Cor 7,29-31).
“Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito, toda a
história humana; começou no princípio do mundo e, segundo a Palavra do
Senhor (cf. Mt 24,13; 13,24-30.36-43), durará até ao último dia. Inserido nesta
luta, o homem deve combater constantemente, se quer ser fiel ao bem; e só com
grandes esforços e a ajuda da graça de Deus conseguirá realizar a sua própria
unidade.
Por isso, a Igreja de Cristo, confiando no desígnio do Criador, ao mesmo tempo
que reconhece que o progresso humano pode servir para a verdadeira felicidade
dos homens, não pode deixar de repetir aquela palavra do Apóstolo: ‘não vos
conformeis a este mundo’ (Rm 12,2), isto é, com aquele espírito de vaidade e
malícia que transforma a atividade humana, destinada ao serviço de Deus e do
homem, em instrumento de pecado.
E se alguém quiser saber de que maneira se pode superar essa situação
miserável, os cristãos afirmam que todas as atividades humanas,
constantemente ameaçadas pela soberba e amor próprio desordenado, devem
ser purificadas e levadas à perfeição pela cruz e ressurreição de Cristo. Porque,
remido por Cristo e tornado nova criatura no Espírito Santo, o homem pode e
deve amar também as coisas criadas por Deus. Pois recebeu-as de Deus e
considera-as e respeita-as como vindas das mãos do Senhor. Dando por elas
graças ao Benfeitor e usando e aproveitando as criaturas, em pobreza e
liberdade de espírito, é introduzido no verdadeiro senhorio do mundo, como
quem nada tem e tudo possui (cf. 2Cor 6,10). ‘Todas as coisas são vossas; mas
vós sois de Cristo e Cristo é de Deus’ (1Cor 3,22-23)” (GS 37).
“Quem não está comigo está contra mim; e quem não ajunta comigo, espalha”
(Mt 12,30). “Quem não está comigo, está contra mim; quem não recolhe
comigo, espalha” (Lc 11,23).
Aqui Jesus declara vãos todos os esforços dos que não seguem a sua orientação de vida,
o seu Espírito. “Espalha”, aqui, é o mesmo que “desperdiça, joga fora”.
“Em seguida, Jesus disse a seus discípulos: Se alguém quiser vir comigo,
renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24).
Renunciar a si mesmo é deixar de buscar salvar-se por suas próprias forças e poder. É
atribuir só a Deus todo o poder e se fazer dependente dele. A cruz é muitas vezes
associada aos sofrimentos da vida. Mas é mais profundo considerar que a cruz é o
conjunto de circunstâncias pessoais, sociais etc. que Deus permite a cada pessoa viver.
Carregar a cruz cada dia corresponde ao primeiro princípio da moral cristã, isto é, a
“viver em ação de graças” (cf. 1Ts 5,18), recebendo o dom da vida com alegria, pois a
tristeza e a revolta significam uma não-aceitação do dom e algo como colocar condições
diante de Deus. Isso corresponde exatamente ao que Santo Inácio de Loyola colocou
como “Princípio e Fundamento” de seus famosos “Exercícios Espirituais”:
(2) O ser humano é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus nosso
Senhor
e, mediante isto, salvar a sua alma.
(3) As outras coisas sobre a face da terra são criadas para o ser humano e
para o ajudarem a atingir o fim para o qual é criado.
(4) Daí se segue que ele deve usar das coisas
tanto quanto o ajudam para atingir o seu fim,
e deve privar-se delas tanto quanto o impedem.
(5) Por isso, é necessário fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas,
em tudo o que é permitido à nossa livre vontade e não lhe é proibido.
(6) De tal maneira que, de nossa parte, não queiramos
mais saúde que enfermidade,
riqueza que pobreza,
honra que desonra,
vida longa que vida breve,
e assim por diante em tudo o mais,
(7) desejando e escolhendo somente
aquilo que mais nos conduz ao fim para o qual somos criados.
A vida espiritual e moral cristã pode ser medida como com um termômetro. No extremo
salutar está a ação de graças pela vida, independente de suas circunstâncias. No extremo
“doente” estão os sentimentos de revolta e insatisfação em relação à vida, o dom de
Deus.
“Aquele que tentar salvar a sua vida, perdê-la-á. Aquele que a perder, por
minha causa, reencontrá-la-á” (Mt 10,39).
“Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver
sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á” (Mt 16,25).
“Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder a sua vida
por amor de mim e do Evangelho, salvá-la-á” (Mc 8,35).
“Porque, quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem sacrificar a sua
vida por amor de mim, salvá-la-á” (Lc 9,24).
“Todo o que procurar salvar a sua vida, perdê-la-á; mas todo o que a perder,
encontrá-la-á” (Lc 17,33).
Em três evangelhos sinóticos temos a mesma frase repetida cinco vezes, sinal de sua
importância. É morrendo que se vive para a vida eterna. E morrer a cada dia é amar e
servir. E nisso fazer unidade de vida com Deus e com o semelhante. Viver em Deus e no
semelhante.
a) Deus criou tudo livremente, a partir “do nada“, por meio da Palavra (cf. Gn 1,3; Jo
1,3).
b) Deus criou a pessoa humana à sua imagem. A primeira semelhança destacada (cf. Gn
1,27) é que Deus a criou homem e mulher (diversidade de pessoas) para serem “uma só
carne” (cf. Gn 2,23-24; unidade de vida).
c) A pessoa humana não foi tirada imediatamente “do nada”, mas criada a partir do pó
da terra. A pessoa ‘adam‘ vem do solo ‘adamah‘. Tem, pois, um corpo material, mortal
(cf. Gn 3,19), e para mantê-lo respira (cf. Gn 2,7) e se alimenta dos frutos e animais da
terra (cf. Gn 1,28-30).
d) O homem e a mulher estavam nus e não se envergonhavam (cf. Gn 2,25).
A pessoa humana é criada à imagem de Deus, que cria livremente, podendo, se o
quisesse, não criar. Isto fundamenta a certeza de que também a pessoa humana é dotada
de liberdade para agir, apesar de muitos condicionamentos influenciarem o seu agir.
Esses condicionamentos não destroem totalmente a liberdade humana. Os credos
extremo-orientais não professam a existência de Deus Pessoal e O substituem por uma
energia inicial da qual emana necessariamente a multiplicidade dos seres da natureza.
Com tal concepção, onde nem a origem dos seres foi um ato livre, os orientais tendem a
negar a liberdade e a explicar todos os acontecimentos de forma determinista e fatalista.
Ao criar “do nada”, expressão também da extrema liberdade de Deus, Deus não tem
compromisso com nenhuma criatura, nem mesmo os anjos ou as pessoas humanas,
todas devendo tudo a Ele e Ele nada devendo a nenhuma delas. Portanto Deus pode dar
dons diferentes a distintas pessoas, não devendo submeter-se a nenhum critério humano
de justiça. Deus não deve explicações às suas criaturas. Há religiões, como o espiritismo
de Kardec e outros, que mostram sua origem humana ao tentar submeter o Criador a
critérios de justiça humanos.
Ao criar a pessoa humana à Sua imagem e criar homem e mulher, embora ambos sejam
criados na unidade, tendo uma igualdade de valor como criaturas de Deus. Deus os cria
com diferenças fundamentais. O pensamento moderno, condicionado pelo igualitarismo
iluminista rejeita diferenças entre pessoas humanas, mas Deus não se submete aos
critérios ou aos pensamentos humanos. Sua Sabedoria é infinitamente superior a toda
sabedoria humana.
Ao criar a pessoa humana à Sua imagem e, simultaneamente, corpórea e no mundo
visível, Deus dá uma estrutura sacramental à Criação. As coisas visíveis serão sinais
eficazes das realidades invisíveis. Assim, a pessoa transcende seu corpo, mas o corpo é
o ’sacramento’, o sinal visível da pessoa, através do qual ela se expressa e se comunica
com as outras pessoas. Isto posto, a diferença mais universal que se pode observar entre
homem e mulher, que independe de qualquer condicionamento cultural, é que
fisicamente o homem fecunda a mulher pelo seu sêmen e a mulher concebe e dá à luz
uma nova pessoa humana. Admitindo que o corpo seja ’sacramento’, expressão visível
da pessoa, esse elemento corporal mostra a característica diferenciada da pessoa do
homem e da mulher. Assim, o masculino tem um caráter próprio de fecundar. O
feminino em um caráter próprio de ser fecundado.
Se examinarmos a característica masculina ou feminina do gênero humano, tomado
como um todo, verificaremos que, diante de Deus, o gênero humano tem uma
característica feminina. De fato, Deus fecunda, com seus dons, dos quais o maior é o
Seu próprio Espírito Santo, a pessoa humana e esta produz frutos agradáveis a Deus.
Por isto, na Sagrada Escritura, o povo de Israel é figurado como a esposa de Iahweh e a
Igreja como a Esposa de Cristo.
Em confronto com a natureza, o gênero humano apresenta uma característica masculina,
pois fecundada com seu espírito, a natureza produz frutos de poder e beleza que não se
manifestariam sem a pessoa humana, como são as obras da arte e da tecnologia
humanas.
Se o gênero humano é masculino em relação à terra e feminino em relação a Deus, e a
masculinidade ou feminilidade do corpo humano são da pessoa inteira, sendo o corpo
’sacramento’ da pessoa, então a mulher, imagem da terra, desejosa de ser fecundada, é
mais voltada para Deus, mais espiritual, e o homem, imagem de Deus, desejoso de
fecundar é mais voltado para a terra, mais materialista e prático, menos espiritual do que
a mulher.
Além disso, na diferenciação antropológica entre homem e mulher há uma semelhança
divina. O Pai, no Mistério da Santíssima Trindade, Se dá, e gera eternamente o Filho,
consubstancial ao Pai, transmitindo-lhe a vida divina, fecundando-o divinamente, de
certa forma. Algo como o Pai sendo um princípio masculino e o Filho, a Palavra, um
princípio feminino. O Filho, ao Se encarnar, é ungido pelo sêmen divino, o Espírito
Santo, e dá os frutos da redenção. Em relação ao Pai, o Filho recebe o Espírito de Vida –
o Sêmen que fecunda – e apresenta, por isso um caráter feminino. Em relação ao gênero
humano, o Filho derrama o Espírito e é o Esposo. Apresenta caráter masculino. Assim
como a Palavra Eterna apresenta aspectos de feminilidade – ser fecundado – e de
masculinidade – fecundar, conforme sua relação seja considerada em relação ao Pai ou à
humanidade, a pessoa humana apresenta os mesmos aspectos, em relação a Deus ou à
terra. No conceito terra, aqui, se inclui também as outras pessoas humanas. A
diversidade, homem e mulher, da pessoa humana é um dos mais belos sinais da
semelhança divina na natureza humana.
A nudez original (Gn 2,25) se compreende mais facilmente a partir do pecado original,
em que a pessoa humana se envergonha de sua nudez e busca vestir-se.
“Quando João estava batizando as pessoas no rio Jordão, Jesus também foi
para ser batizado. ‘E estando em oração, abriu-se o Céu, e desceu sobre ele o
Espírito Santo em forma corpórea como uma pomba; e ouviu-se do Céu esta
voz: Tu és o meu Filho amado; em Ti pus as minhas complacências» (Lc 3,21-
22).
Como cristão, tenho a firme convicção de que o momento decisivo da vida
pública de Jesus foi o seu batismo, quando ouviu a afirmação divina «Tu és o
meu Filho amado; em Ti pus as minhas complacências». Nessa experiência
essencial, Jesus é lembrado sobre quem realmente é de forma muito, muito
profunda. (…) As palavras de Deus «Você é o meu amado» revelam a mais
íntima verdade sobre todos os seres humanos, pertençam eles ou não a qualquer
tradição em particular. A extrema tentação espiritual é duvidar dessa verdade
fundamental sobre nós mesmos e crer em identidades alternativas”[24].
O texto do Gênesis fala da “árvore que está no centro do jardim”, que é a “árvore da
ciência do bem e do mal”. Deus proibiu a pessoa humana de comer do fruto dessa
árvore sob pena de morte. O fato de estar no “centro” pode significar que a posição em
relação a essa árvore define a situação da pessoa humana. Essa árvore é um ponto de
orientação que define a posição da pessoa. A posição da pessoa em relação à árvore da
ciência do bem e do mal define a relação da pessoa com Deus. O bem é a ordem
estabelecida pela própria Criação. Deus é o único Criador e Mantenedor de tudo o que
criou. As coisas são criadas, não como as imaginou o grego que engendrou o Demiurgo,
um organizador das coisas que transforma o caos, dá ordem às coisas e depois as
abandona como se elas pudessem continuar a existir por seu próprio poder. Não! As
coisas são criadas a partir do nada e tudo é feito em virtude do Filho (cf. Cl 1,16-17), e,
como o Filho é gerado eternamente do Pai (cf. Credo Niceno-Constantinopolitano), as
coisas permanecem no tempo pela ação mantenedora de Deus. Jesus até corrige a
concepção hebraica do repouso de Deus após a Criação, que sustentava a instituição do
“shabbat” (cf. Gn 2,1-3; Ex 20, 8-11) e afirma que seu Pai, o Deus dos hebreus (cf. Jo
8,54) “trabalha sempre” (cf. Jo 5,17). Tudo o que existe depende continuamente da ação
mantenedora divina. “Nele vivemos, nos movemos e somos” (cf. At 17,28; 1Cor 8,6;
Prefácio dos Domingos do Tempo Comum VI).
Comer da árvore da ciência do bem e do mal é, pois, adquirir poder sobre o bem e sobre
o mal. O saber, a ciência, é, tradicionalmente, fonte de poder. Já o afirmava a mitologia
grega, com o mito de Prometeu, por exemplo, entre outras mitologias, e a busca atual de
pesquisa científica não tem outro motivo maior do que alcançar mais poder. Como o
bem verdadeiro é um só, a ordem da Criação, a Verdade, outro bem qualquer, escolhido
pela pessoa humana é uma mentira e viver segundo a mentira é uma alienação para a
pessoa humana, é desconhecer a si mesma e a seu Criador e Mantenedor. É perder a
própria identidade. E desligar-se da única fonte de manutenção da sua vida, que é o seu
Criador. Nouwen continua:
“Às vezes respondemos à pergunta ‘quem sou eu?’ com ‘sou o que faço’. (…)
Ou podemos dizer ‘Eu sou o que os outros dizem ao meu respeito’ (…) Você
também pode dizer ‘Sou o que tenho’. (…) Quanto de nossa energia é
empregada na definição de nós mesmos através da decisão de ‘ser o que faço’,
‘ser o que os outros dizem ao meu respeito’ ou ‘ser o que tenho’? Quando é o
caso, a vida costuma seguir um movimento repetitivo de altos e baixos. Quando
falam bem de mim, quando faço coisas boas e quando tenho muito, fico para
cima e feliz. Mas quando começo a perder, quando, de repente, descubro não
poder mais cumprir alguma tarefa, quando fico sabendo que os outros falam
mal de mim, quando perco meus amigos, então resvalo para o buraco. O que
quero dizer a Você é que essa postura em ziguezague é um equívoco. Eu não sou
aquilo que faço, nem você é aquilo que faz ou aquilo que os outros dizem sobre
Você, nem aquilo que possui. «Você é o amado de Deus!» (…) Certamente não é
fácil ouvir essa voz em um mundo cheio de vozes que gritam ‘Você não é bom;
você é feio; você é imprestável; você é desprezível; você não é ninguém, a não
ser que demonstre o contrário’”.
“63O espírito é que vivifica, a carne de nada serve. As palavras que vos tenho
dito são espírito e vida” (Jo 6,63).
Com a luta contra a morte aparece na pessoa humana a busca de segurança. Essa
segurança que não preocupava a pessoa antes da queda original, pois ela descansava
plenamente em sua fonte, que é Deus, ela vai buscar no poder sobre as criaturas, poder
que o próprio Deus lhe deu (cf. Gn 1,28). A diferença é que antes a pessoa era chamada
a ser senhora das criaturas como sinal visível, sacramento, de Deus, e agora ela busca
um poder próprio sobre elas e não um poder sacramental e delegado. Usará as suas
capacidades divinas, a razão e a vontade, para ter um poder próprio sobre as criaturas,
esperando nelas uma segurança, mas nenhum poder fora de Deus lhe poderá garantir a
vida plena nem uma vida que permaneça sempre. Isto também é um sinal da alienação
dos homens: crer que podem alcançar vida e glória plenas por meio do poder sobre as
criaturas.
5.3. O proto-evangelho
Inserido entre as condenações do pecado original, temos o chamado proto-evangelho,
primeira boa nova de salvação.
“15Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te
ferirá a cabeça, e tu ferirás o calcanhar (Gn 3,15).”
“31Agora é o juízo deste mundo; agora será lançado fora o príncipe deste
mundo (Jo 12,31; cf. Jo 14,30; 16,11).
“38Tendes ouvido o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. 39Eu, porém,
vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe
também a outra. 40Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe
também a capa. 41Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda
dois mil. 42Dá a quem te pede e não te desvies daquele que te quer pedir
emprestado.
43
Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu
inimigo. 44Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos
odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem. 45Deste modo sereis os
filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como
sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos. 46Se amais
somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios
publicanos? 47Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário?
Não fazem isto também os pagãos?
48
Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,38-
48).
Não há a menor punição ao segundo ladrão. Ele passa por um processo espiritual.
Reconhece o fracasso de suas buscas de felicidade por meio da aquisição – lícita ou não
– de bens da terra (“recebemos o que mereceram nossos crimes”), e se coloca na
dependência absoluta da misericórdia divina. Esta não se faz esperar. No mesmo dia o
ex-ladrão está no Paraíso. E as vítimas do ladrão? Não são ressarcidas por uma
condenação divina, mesmo temporária ao seu agressor? Não. A punição foi só a de
César, a crucifixão. Da parte de Deus não há nenhuma punição, só salvação, àquele que
para ela se abriu. E o primeiro ladrão, a quem nada se prometeu? Deus o puniu? Não.
Teria o mesmo destino do segundo se tivesse a mesma atitude. Mas não se abriu à
recepção do amor de Deus, esperando de Jesus não o Reino Eterno, o que Jesus quisesse
lhe dar, mas impondo a Jesus a sua vontade, cobrando d’Ele o poder neste mundo, como
os que debaixo da cruz desafiavam Jesus (cf. Lc 23,35-37). Ficou na mesma lógica que
o levou a se tornar ladrão: a busca de poder neste mundo para viver a partir das
criaturas, pelo poder sobre elas. Não esperou nada de Deus, não se abriu à auto-doação
divina, nada pode receber. Não foi Deus que o condenou, mas ele mesmo, o seu pecado
mesmo, o seu orgulho.
É preciso distinguir e colocar em dois planos bem diferentes a justiça do Reino de Deus
e a justiça dos magistrados terrenos. São de naturezas diferentes e sua confusão acaba
por ignorar a Nova Aliança.
“36Respondeu Jesus: O meu Reino não é deste mundo. Se o meu Reino fosse
deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que eu não fosse
entregue aos judeus. Mas o meu Reino não é deste mundo” (Jo 18,36).
“21Aborreço vossas festas; elas me desgostam; não sinto gosto algum em vossos
cultos; 22quando me ofereceis holocaustos e ofertas, não encontro neles prazer
algum, e não faço caso de vossos sacrifícios e animais cevados. 23Longe de mim
o ruído de vossos cânticos, não quero mais ouvir a música de vossas harpas;
24
mas, antes, que jorre a eqüidade como uma fonte e a justiça como torrente que
não seca” (Am 5,21-24).
“28Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei
antes aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena. 29Não se vendem
dois passarinhos por um asse? No entanto, nenhum cai por terra sem a vontade
de vosso Pai. 30Até os cabelos de vossa cabeça estão todos contados. 31Não
temais, pois! Bem mais que os pássaros valeis vós” (Mt 10,28-31; cf. Lc 12,4-
7).
“Assim, meus irmãos, também vós estais mortos para a lei, pelo sacrifício do
corpo de Cristo, para pertencerdes a outrem, àquele que ressuscitou dentre os
mortos, a fim de que demos frutos para Deus” (Rm 7,4).
“Porque fostes comprados por um grande preço. Glorificai, pois, a Deus no
vosso corpo” (1Cor 6,20).
“Por alto preço fostes comprados, não vos torneis escravos de homens” (1Cor
7,23).
“Progredi na caridade, segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós
se entregou a Deus como oferenda e sacrifício de agradável odor” (Ef 5,2).
“Do contrário, lhe seria necessário padecer muitas vezes desde o princípio do
mundo; quando é certo que apareceu uma só vez ao final dos tempos para
destruição do pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hb 9,26).
“Assim como houve entre o povo falsos profetas, assim também haverá entre
vós falsos doutores que introduzirão disfarçadamente seitas perniciosas. Eles,
renegando assim o Senhor que os resgatou, atrairão sobre si uma ruína
repentina” (2Pd 2,1).
b) Jesus Cristo não ofereceu um “pagamento” ao Pai pelos pecados humanos, mas, ao
contrário dos filhos de Adão e Eva, aceitou plenamente o dom do Pai, a sua vida
encarnada, com morte e sofrimento, sem colocar condições, permanecendo até à morte
“em ação de graças”. Não achou que devesse defender-se como se de sua auto-defesa
viesse a sua salvação, mas esperou somente na ação d’Aquele que o gerara eternamente
e o gerara humanamente no ventre de Maria Santíssima. Esta é a vivência do primeiro
princípio da moral cristã. Ao ter tal atitude, Jesus revela também a relação eterna que
existe entre o Pai e o Filho. O Pai esvazia-se de Si e se dá ao Filho. Este O acolhe
incondicionalmente e neste acolhimento Se dá ao Pai. Receber sem condições é colocar-
se em plena disponibilidade diante do Doador.
c) Jesus não nos salvou por causa de seu sofrimento, em si mesmo. Mas porque, no
meio dos sofrimentos, que representavam tentações, conservou-se fiel à ação
vivificadora que só poderia vir do Pai. O que nos salvou, não foi exatamente o
sofrimento de Jesus, mas a sua fidelidade, plena de Amor, ao Pai na extrema dificuldade
criada pelos sofrimentos. O sofrimento em si mesmo não purifica ninguém. A fidelidade
a Deus, a esperança só em Deus, no meio dos sofrimentos, esta, sim, é que purifica o
espírito humano.
d) Jesus rejeitou todo o poder neste mundo e aqui não se prendeu a nenhuma criatura.
Na relação com todas recebeu do Pai e serviu ao Pai, tendo só n’Ele a origem, a razão e
a meta de sua existência humana. Nisto viveu o que descrevemos como o terceiro
princípio da moral cristã.
e) Fomos remidos pela vivência, de Jesus Cristo, daquilo que chamamos os três
princípios da moral cristã. Não temos que viver outra coisa na vida terrena, senão a vida
de Jesus Cristo, nós, ungidos pela mesma unção d’Ele. Por isso dissemos desde o início
deste trabalho que a moral cristã é a vida de Jesus Cristo em nós.
“Eis por que, ao entrar no mundo, Cristo diz: Não quiseste sacrifício nem
oblação, mas me formaste um corpo” (Hb 10,5).
“Ora, onde houve plena remissão dos pecados não há por que oferecer
sacrifício por eles” (Hb 10,18)
O “sacrifício” cristão não é oferecer nada a Deus. É aceitar plenamente toda a auto-
doação de Deus a nós, que se manifesta em todas as circunstâncias da vida, aquelas
internas à pessoa e aquelas externas a ela. Isto leva a uma plena identificação da pessoa
consigo mesma, libertada de todo espírito de comparação.
c) a pessoa aceita a própria história, anterior ao seu nascimento, aceita sua “raça”, país,
condição social, família, e outras circunstâncias, sem nenhum sentimento de
comparação nem competição com os outros – condição para a fraternidade – e isto
também leva ao equilíbrio de sua personalidade.
Ao aceitar-se desta forma como dom de Deus para si mesmo e para os outros a pessoa
está se dando a Deus, segundo o que já percebemos: quem aceita incondicionalmente a
auto-doação de um outro se disponibiliza totalmente para esse outro, ou seja, se dá a
esse outro. Assim, liberto, pela unção do Espírito Santo – a mesma unção de Jesus
Cristo – da “luta para viver” instaurada no espírito do homem pelo pecado original, a
vida do cristão é uma morte a cada dia pela auto-doação de si mesmo “para que os
outros tenham vida” (cf. Jo 10,10). Por isso São Paulo diz que o culto racional cristão –
o mesmo culto “em espírito e verdade” descrito por São João (cf. Jo 4,21-24) – é
oferecer o próprio corpo mortal como uma hóstia viva, santa e agradável a Deus (cf. Rm
12,1). É um morrer permanentemente. Isso dá um sentido novo à morte corporal. Ao
invés de ser, como parece, a destruição da pessoa humana, é o momento que totaliza a
auto-doação da pessoa a Deus, é o “fim” que significa um amor total.
“1Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar
deste mundo ao Pai, como amasse os seus que estavam no mundo, amou-os até
o fim” (Jo 13,1).
“13Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos”
(Jo 15,13).
“22Sereis odiados de todos por causa de meu nome, mas aquele que perseverar
até o fim será salvo” (Mt 10,22; 24,13; Mc 13,13).
Como Jesus Cristo deu-se ao Pai – e a nós – totalmente só em sua morte, assim a morte
do cristão é glorificação também pois sendo o têrmo de uma doação total assemelha a
pessoa humana a Deus e a introduz na vida definitiva da Santíssima Trindade.
É difícil para o método científico, que trabalha com causas e efeitos, e com os
determinismos dos seres não-racionais e não-livres, lidar com a liberdade humana. Essa,
no entanto, não pode ser negada completamente porque sem ela a pessoa humana não
mais seria uma pessoa moral e não poderia ser questionada em sua responsabilidade. É
indubitável também que a pessoa sofre fortes condicionamentos do meio ambiente e
social em que vive, além de impedimentos internos que diminuem sensivelmente a sua
liberdade. Por não sabermos até onde uma pessoa é livre, até que ponto é condicionada
externa e internamente é que se torna tão difícil e arriscado julgar quem quer que seja. A
justiça de César, no exercício de seu ministério, julga pelos atos externos sem se
preocupar pelo foro íntimo da pessoa e age no seu âmbito. O julgamento moral, porém,
atinge o foro íntimo e carece de saber até que ponto a pessoa é livre. Informação que
não está à disposição de quem julga. Não apenas por essa razão, mas principalmente
porque a lógica do verdadeiro Deus não é classificar as pessoa humanas pelo seu perfil
moral, mas salvar a todos os que, independentemente de seu perfil moral, se colocarem
na total dependência da misericórdia – ou ação vivificante divina – vale a palavra de
Jesus:
“1Não julgueis, e não sereis julgados. 2Porque do mesmo modo que julgardes,
sereis também vós julgados e, com a medida com que tiverdes medido, também
vós sereis medidos” (Mt 7,1-2).
Assim sendo, temos que as fontes do agir humano são a liberdade do agente e os
condicionamentos internos e externos que limitam essa liberdade. O pecado original fez
com que a pessoa humana perdesse a percepção da graça de onde brota a sua vida e
vivesse a sensação de que sua vida depende de seus atos e seguranças materiais. Isso
colocou o mais forte de todos os condicionamentos: o medo da morte, representada por
todas as situações de insegurança e sofrimento que a pessoa experimenta.
“31E Jesus dizia aos judeus que nele creram: Se permanecerdes na minha
palavra, sereis meus verdadeiros discípulos; 32conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará. 33Replicaram-lhe: Somos descendentes de Abraão e
jamais fomos escravos de alguém. Como dizes tu: Sereis livres? 34Respondeu
Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: todo homem que se entrega ao pecado
é seu escravo. 35Ora, o escravo não fica na casa para sempre, mas o filho sim,
fica para sempre. 36Se, portanto, o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente
livres” (Jo 8,31-36).
A Verdade é o amor e o poder de Deus. Conhecendo esse amor e esse poder, mais fortes
que a morte, a pessoa perde o medo da morte, dos sofrimentos e inseguranças da vida
mortal, e assim fica libertada desse condicionamento, que, como diz Jesus, é uma
escravidão. Tornada verdadeiramente livre, o espaço da sua liberdade é aumentado e os
condicionamentos internos a essa liberdade são praticamente cancelados.
É preciso compreender que as ambições de poder, de riquezas e glórias terrenas são
também condicionamentos do medo da morte. A necessidade da pessoa humana se
afirmar e demonstrar força e segurança são também reflexos da sua insegurança vital
devida à morte do corpo. Também desses apegos a Verdade de Cristo liberta.
7.1. A Teologia Moral, o agir humano livre e racional e o agir cristão – colocação
das questões
A Teologia Moral estuda a ação humana segundo a Revelação do Criador em Jesus de
Nazaré. Qual é a especificidade do agir cristão? Esta é uma questão fundamental que a
Teologia Moral deve responder. Podemos, para chegar a essa resposta, tentar responder
a uma outra questão: qual é a especificidade do agir humano livre e racional? Veremos
logo que a especificidade do agir humano livre e racional – o agir que interessa à
filosofia moral – é agir em vista de um fim articulado racionalmente com a ação por
meio de uma idéia.
Nessas frases está contido todo um programa de paz. A condição para a paz numa
comunidade é que cada um consiga lidar corretamente com suas necessidades. Essas
necessidade não devem ser reprimidas, mas também não podem ser justificadas por
razões as mais diversas, ou até apresentadas como uma exigência. A necessidade é
sempre a confissão de uma fraqueza. Mesmo assim a necessidade tem seu direito. E
Bento concorda que ela deve ser satisfeita. Mas sempre com consciência: ‘Eu preciso
disso, porque sou fraco demais para renunciar’. Como ainda não chegamos lá, ao que se
refere ao nosso autocontrole, para nosso equilíbrio emocional precisamos de uma boa
comida. Como ainda não amamos a Deus o suficiente, precisamos de muita dedicação
humana, para manter nossa saúde psíquica. Quando levamos em conta nossas
necessidades desse modo, e também as aceitamos, em função de nossa fraqueza,
sentimo-nos em paz conosco mesmos, e elas não se tornam uma agressão para aqueles
que não as têm. Inversamente, aqueles que têm menos necessidades, que se satisfazem
com menos comida, não devem sentir-se orgulhosos e elevar-se acima dos mais fracos.
Isso apenas provocaria uma comparação estéril, que em síntese é a causa de toda
intranqüilidade. Eles devem agradecer a Deus precisar menos, mas sem se colocar
acima dos outros. Então a renúncia os tornará alegres, internamente. Satisfazer
necessidades agradecendo e conseguir renunciar agradecendo constituem-se num
caminho à paz individual, e assim também à paz numa comunidade. Essa postura evita a
queixa, que paralisa qualquer progresso espiritual. Bento enfrenta a queixa tão
enfaticamente, porque esse vício ameaça a paz na comunidade.
“É, sobretudo, o vício da queixa que não deve aflorar em nenhuma palavra e
em nenhuma menção, pois isso pode constituir-se num estímulo. (…) (Regra de
São Bento 34,6s).
A queixa mostra que estamos insatisfeitos conosco mesmos. Mas em vez de aceitarmos
nossa insatisfação, transferimos a causa à comunidade e com isso produzimos
insatisfação e confusão. Achamos que devemos criticar sempre tudo e todos. Sempre
buscamos os motivos para as condições insatisfatórias nos outros (…). Não temos
coragem de reconhecer que por trás de nossa ânsia de crítica existe em nós um mal-estar
inconsciente. Muitas vezes nosso desejo de sempre querer melhorar tudo surge a partir
de uma rejeição inconsciente de nós mesmos. Como não conseguimos suportar nós
mesmos e nossas fraquezas, recusamo-nos a aceitar as fraquezas dos outros. Mas uma
melhoria autêntica só é possível quando ocorre a partir do amor, isto é, da aceitação das
próprias fraquezas assim como mas dos outros”[25].
Neste texto então condensados os princípios da vida cristã que enunciamos.
“4Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. 5A luz resplandece nas
trevas, e as trevas não a compreenderam. 9[O Verbo] era a verdadeira luz que,
vindo ao mundo, ilumina todo homem. 10Estava no mundo e o mundo foi feito
por ele, e o mundo não o reconheceu. 11Veio para o que era seu, mas os seus não
o receberam” (Jo 1,4-5.9-11).
7.12. A caridade cristã é dar a vida para que outros tenham vida
A clareza desses conceitos nem sempre está presente na consciência dos cristãos,
membros de Jesus Cristo, Jesus Cristo presente realmente no hoje da história. Um dos
sinais ou meios pelos quais nos é possível viver a auto-doação divina é justamente a
caridade e a compaixão para com o próximo em suas necessidades.
“11Quem tem duas túnicas dê uma a quem não tem e quem tiver comida faça o
mesmo” (cf. Lc 3,11).
“33Buscai antes o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão
dadas por acréscimo” (cf. Mt 6,33; Lc 12,31; Cl 3,1-3).
“Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que
entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada
valeria!” (1Cor 13,3).
“Recebestes de graça, de graça dai!” (Mt 10,8).
7.16. Só a verdade escapa às estruturas de significado criadas pelo homem nas suas
necessidades
Em grande parte a necessidade dos homens decorre de sentirem-se dependentes dos
juízos dos outros homens. Os fariseus faziam muitas ações “só para serem vistos pelos
homens” (cf. Mt 6,1.5;23,5). É uma necessidade de ser valorizado pelos outros. O
dinheiro e o ouro só tem poder porque há quem os valorize. Assim, todo poder humano
é uma estrutura de troca de apoios segundo um esquema e quem está no topo, no fundo
depende de quem o apóia. Qual é a única instância que tem valor em si mesmo, mesmo
que ninguém valorize? Que não depende de nenhuma estrutura de significado criada
pela mente humana? A Verdade.
7.17. Recapitulação
Recapitulando: é fácil perceber que as pessoas agem pressionadas por uma necessidade;
mas também não é difícil perceber que é vivendo os valores da amizade, do sacrifício,
do amor gratuito, que a pessoa humana realmente se realiza; a necessidade do
desprendimento de si se opõe à sede de satisfação das outras necessidades. De onde
surgem as necessidades: do corpo mortal, que pede alimentação, conforto, etc.; da
mente humana, que criada à imagem de Deus para amá-Lo, perverte a sua grandeza em
orgulho e vaidade, de ser alguém fora da comunhão divina; da sociedade, que impõe
modelos de comportamento e hábitos; das comparações e do medo de não ser aceito por
outrem; necessidades artificiais dos supérfluos da tecnologia moderna. E muitas outras
fontes. Aonde leva o desejo de satisfazer as necessidades? Aonde levaria a satisfação
plena de todas as necessidades terrenas, se é que é possível? O universo das
necessidades é infinito, pois a pessoa humana foi criada para o infinito, para Deus.
Mesmo satisfeitas as necessidades terrenas a mente cria novas, através do orgulho e a
pessoa humana pode realmente imaginar-se, apesar de frágil e mortal, como um deus,
no infinito de sua insensatez. Daí ser muito importante a aceitação de si mesmo, da
própria personalidade, dos dons que se recebeu de Deus, sem nenhuma comparação com
nenhuma outra pessoa humana; toda comparação, poderíamos dizer, ‘vem do maligno’
(cf. Mt 5,36). A pessoa humana precisa dar o ‘sim’ à sua própria personalidade, à
verdade do seu ser, semelhante a todas as outras pessoas humanas e única, diferente de
todas. E tudo isso será o reconhecimento da sabedoria de Deus, a Inteligência criadora,
a Causa primeira, a única fonte de existência de todos os seres do universo. A pessoa
humana alcança a sua perfeição e a perfeita adoração de Deus quando se apóia
existencialmente, psicologicamente, afetivamente, fisicamente só em Deus e em
nenhuma das criaturas pelas quais Deus age para lhe manter na vida e na existência.
Todas as criaturas são para o bem de cada pessoa humana, mas esta não deve apoiar-se
em nenhuma criatura, mas só em Deus mesmo. Esta é a Verdade.
“21Portanto, ninguém ponha sua glória nos homens. Tudo é vosso: 22Paulo,
Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente e o futuro. Tudo é vosso!
23
Mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1Cor 3,21-23).
Destarte, na ação moral o agente é mais importante, sempre, que o receptor da ação. Isto
porque o que Deus quis, ao criar o mundo e o ser humano nele à sua imagem foi apenas
fazer com que criaturas racionais, criadas à sua imagem, participassem da sua vida
divina, no seio da Santíssima Trindade. Assim, o agente, ao agir segundo a razão e a
verdade está exercendo uma capacidade divina, está doando-se na ação moral e, assim,
o plano de Deus está se realizando nele, ele está “recebendo de graça e dando de graça”,
a vida da Trindade está acontecendo nele. Quanto ao receptor, por melhor que seja a
ação do agente, este só pode transmitir elementos de vida mortal, não pode criar no
outro a vida imortal. Sua doação é uma graça que o receptor só pode divinizar se, por
sua vez ele agir, na medida de seus dons, transmitindo graciosamente o que recebeu.
Então a importância da doação só atinge seu ápice quando o receptor se torna agente.
Até o próprio Deus, ao derramar a Sua graça sobre o homem, se o homem receptor não
a acolhe transmitindo por sua vez a graça, torna infrutífera a graça de Deus. Então o que
se faz segundo o Espírito de Deus, a ação moral realmente cristã beneficia sempre mais
o agente do que o receptor da ação. Por isso, nas comunidades religiosas é comum
encontrar em suas regras que o seu fim primário é a santificação de seus membros e só
secundariamente a ação caritativa da comunidade segundo seu carisma.
“4Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de
Deus” (Mt 4,4; Lc 4,4; Dt 8,3).
Jesus está com sede e pede de beber, revelando em sua humanidade o condicionamento
humano pela necessidade. Diante da resposta da mulher, fruto das concorrências entre
judeus e samaritanos e das dominações do homem sobre a mulher, tudo isso resultado
dos condicionamentos que a necessidade deixou na civilização humana, Jesus fala de
uma água viva que elimina para sempre a sede, isto é, fala não da satisfação constante
da necessidade, perseguida pela ciência humana, mas da superação do nível da
necessidade. E diz ainda que quem passa da necessidade para a liberdade torna-se fonte
dessa mesma transformação para outros:
“14A água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida
eterna” (Jo 4,14).
Quem tem o coração de pobre, ou é pobre em espírito? Aquele que, mesmo tendo todas
as coisas neste mundo sente-se pobre por não ter a única coisa necessária, que deseja
acima de todas as outras, que é a visão de Deus. Tendo tudo, mas não tendo o que mais
quer sente-se pobre em seu íntimo, coração ou espírito. Esta bem-aventurança se
assemelha a outra:
“Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração” (Mt 6,21; Lc
12,34).
“O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração, e o homem
mau tira coisas más do seu mau tesouro, porque a boca fala daquilo de que o
coração está cheio” (Mt 12,35; Lc 6,45).
Um coração puro é um coração sem desejos contraditórios, assim como a água pura é
água sem mistura de outras substâncias. O puro de coração é o que deseja, acima de
tudo, Deus e subordina todos os demais desejos a esse desejo fundamental. Assim, não
será escravo de nenhuma necessidade mortal, mas abrirá mão de todas as
“necessidades”, em vista de seu objetivo fundamental, que é Deus.
Entre as que se relacionam mais ao segundo princípio da moral cristã, à unidade entre as
pessoas, temos:
“9O Verbo era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem.
10
Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu.
11
Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. 12Mas a todos aqueles
que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem
filhos de Deus, 13os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne,
nem da vontade do homem, mas sim de Deus” (Jo 1,9-13).
João fala de um novo nascimento, que não é “da carne”, mas “de Deus”, que nos torna
filhos de Deus. Também em Mateus, a filiação divina depende de uma abertura pessoal
a Deus:
“43Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu
inimigo. 44Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos
odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem. 45Deste modo sereis os
filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como
sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos. 46Se amais
somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios
publicanos? 47Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário?
Não fazem isto também os pagãos? 48Portanto, sede perfeitos, assim como vosso
Pai celeste é perfeito” (Mt 5,43-48).
O novo nascimento, de que fala João, é uma convicção, dom do Espírito Santo, da
unidade das pessoas humanas em Deus, mais forte do que as lutas terrenas que fazem as
pessoas inimigas umas das outras. Se, acolhendo a cruz, uma pessoa sofre a inimizade
de outra, sofre até injustiças por parte dela, mas não deixa de fazer bem a ela, alcança
transfigurar um conflito em paz, e é bem-aventurada, é filha do Altíssimo.
Outra bem-aventurança que se refere ao segundo princípio é:
Em geral, o Evangelho, quando refere-se à justiça, refere-se à justiça, não de César, mas
à justiça do Reino de Deus, a justiça dos bens infinitos. Aqui, porém, podemos nos
referir, na palavra “justiça” a ambas acepções deste termo, se a sede da justiça de César
é uma vivência da justiça do Reino de Deus. Tanto pode ser fome de que Deus seja
glorificado nos atos cheios de caridade das pessoas humanas, seja a fome, cheia de auto-
doação pessoal, de que os pobres sejam respeitados e os fracos tenham seus direitos
humanos considerados. Ao lutar pela justiça humana, não em favor próprio, mas em
favor de outros e com doação pessoal, a pessoa está vivendo a justiça divina e é bem-
aventurada, vivendo a unidade, colocando seus dons a serviço dos outros e “vivendo nas
outras pessoas humanas”, constituindo unidade com elas. Na transição deste segundo
princípio para o primeiro temos ainda:
“Os que choram” ou, em outras traduções “os aflitos”, são aqui os que perderam todas
as esperanças dos apoios humanos, dos apoios nas criaturas, e não lhes resta outra
alternativa que esperar em Deus. O ladrão à direita de Jesus, no Calvário, é uma boa
ilustração destes “aflitos”. Vimos que o pecado original faz a pessoa perder a percepção
da graça de Deus e, em vez de apoiar-se n’Ele, passa a apoiar-se no poder sobre as
criaturas. A desilusão desse caminho de mentira traz a pessoa, mesmo por uma
experiência dolorosa, para a verdade e isso constitui uma bem-aventurança.
Os mansos são os que não conquistam pelo seu próprio poder os bens deste mundo para
apoiar sua segurança neles, mas os que recebem seus bens de Deus. A resposta de João
Batista em Jo 3,27 é um belo exemplo da pessoa mansa, que não quer usurpar o que não
lhe é dado por Deus. Também em Nm 13-14, o episódio do envio dos doze homens para
explorar a terra de Canaã, nos ajuda a compreender essa bem-aventurança. Deus os
havia libertado do Egito, uma grande potência militar da época, demonstrando que seu
poder é muito superior ao dos impérios humanos. Dez dos doze enviados à terra de
Canaã, porém, raciocinaram não segundo a graça, a promessa de Deus de que Ele é que
lhes daria a terra de Canaã. Pensaram que os israelitas é que deveriam conquistá-la com
suas forças. E, por isso, se atemorizaram. É muito comum a pessoa esquecer que tudo é
graça de Deus e considerar que tudo é conquista da força da pessoa humana. Daí vem
muitos pecados, fraudes e ódios, para conquistar a terra. Esta bem-aventurança nos diz
que se não é Deus que dá algo a alguém, a usurpação será vã e, na verdade, a pessoa não
possuirá o que pensa ter conquistado. Toda posse verdadeira é pela graça de Deus.
“10Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles
é o Reino dos céus!” (Mt 5,10).
A vida na graça de Deus faz com que, muitas vezes, a pessoa não colabore com os
interesses daqueles que querem usurpar pelo poder terreno os bens da terra, o prestígio
diante de outras pessoas e os interesses mais diversos. Há aí um clima de mentira,
também. A pessoa que caminha na graça e na verdade pode acabar atraindo sobre si a
perseguição, que autentica sua fidelidade a Deus. Se presta culto ao poder humano para
evitar a perseguição, não é mais dela o Reino de Deus, ou seja o reino em que só Deus é
que exerce o poder. Ela reconheceu aí o poder humano e se apoiou nele. A pessoa que
caminha no reino de deus apóia-se exclusivamente no poder de Deus. Então é dela o
Reino de Deus. Ela não crê que o poder humano transmita vida, só o poder divino.
Então prefere a morte dada pelo poder humano, apoiando-se no poder de Deus que dá
vida. Não confia na conservação de sua vida à custa de se dobrar ao poder humano,
como se esse poder fosse capaz de criar alguma coisa. Por isso, nessa bem-aventurança
a pessoa atribui só a Deus toda vida e toda graça. Refere-se, portanto, ao primeiro
princípio da moral cristã.
A vida cristã é vivência da vida de graça santificante. É vivência antecipada da vida
bem-aventurada eterna. É vivência das bem-aventuranças. Por isso, como mostramos, é
a vivência dos três princípios da moral cristã que apresentamos.
Para Lucas é muito teórico e pouco real que alguém tenha tudo mas seja desapegado e
tenha no desejo de ver Deus a sua verdadeira esperança, como descrevemos na bem-
aventurança dos pobres em espírito, de Mateus. Para Lucas, a pobreza e o sofrimento
real condicionam a pessoa à desilusão em relação a esperar nos bens da terra e induz à
esperança em Deus. A riqueza real acaba, para Lucas, fazendo seu possuidor apoiar-se
nela e não fazer a experiência da graça de Deus.
“29Disse-lhe Jesus: Creste, porque me viste. Felizes aqueles que crêem sem ter
visto!” (Jo 20,29).
9. A Liberdade cristã
9.1. O livre-arbítrio e a natureza da liberdade cristã
A pessoa humana, decaída pelo pecado original não é livre. Por isso, precisa ser
libertada. Mas goza de livre-arbítrio. Parece uma contradição, mas não é. O livre-
arbítrio é a capacidade, “baseada na razão, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo,
portanto, de praticar atos deliberados”[26]. O livre-arbítrio é uma capacidade divina do
homem. É parte integrante da imagem divina segundo a qual foi criada pessoa humana.
Para entrar na comunhão divina requer-se o amor. O amor só acontece quando há a
possibilidade de amar ou não amar. De todos os seres vivos do mundo visível a pessoa
humana é a única capaz de não fazer a vontade de Deus. Os outros seres vivos fazem
sempre a vontade de Deus e não podem não fazê-lo. Essa sua obediência, não tendo
livre-arbítrio, não é amor. Para a pessoa humana poder amá-Lo, Deus a criou à sua
imagem, dotada de livre-arbítrio. E a pessoa humana usou o seu livre-arbítrio contra o
amor de seu Criador cometendo o pecado original. A partir daí, todas as pessoas,
participantes do único gênero humano, se tornaram escravas do mal, com um forte
condicionamento para agirem de forma pecaminosa e muita dificuldade, ou mesmo uma
impossibilidade, sem uma intervenção divina, de viverem segundo a verdade, segundo a
graça de Deus. Por isso a pessoa humana não é livre. Só por uma intervenção divina a
pessoa pode reconquistar a liberdade e na sua condição decaída o exercício da liberdade
comporta sempre sofrimento – cruz – e simultaneamente uma paz vinda de Deus. Uma
das metas da vida moral e espiritual da pessoa é a recuperação da liberdade interior.
Recuperando-a a pessoa torna-se capaz de amar a Deus, realizando o destino para o qual
foi criada. A liberdade é exatamente a capacidade de sempre agir segundo a verdade,
escolhendo sempre o bem e nunca o mal, assim amando o Criador.
A intervenção divina que torna a pessoa capaz de viver segundo a verdade é o fruto da
Redenção realizada por Jesus Cristo. É o Dom do Espírito Santo. Envolve a Revelação
da Verdade e um novo nascimento, do Alto (cf. Jo 3,3.7), pelo qual a pessoa não mais
permanece no medo da morte ou do sofrimento, tornando-se capaz de aceitar todo
acontecimento que a realidade lhe apresenta quando vive segundo a Verdade, a vontade
de Deus:
Este é o texto mais explícito do Novo Testamento, que associa a nossa escravidão (falta
de liberdade) ao medo da morte corporal. É claro que a morte, aqui, vai acompanhada
de todos os seus sinais, que são insegurança, pobreza, humilhação, solidão, injustiça e
todas aquelas situações desagradáveis que queremos sempre evitar e que levam a pessoa
a temer por si mesma. Pelo medo de sofrer – morrer – a pessoa “luta” para ter vida e
nessa “luta”, como vimos no estudo do pecado original, se torna escrava de inúmeras
necessidades e escrava do pecado, sem nenhuma percepção da graça divina que, esta
sim, lhe dá vida.
Pelo acolhimento do dom do Espírito Santo, a pessoa não está mais “na carne”, ou seja,
na “luta” contra a morte corporal e seus sinais descritos acima, mas nasceu do Alto, ou
seja, tem a fonte de sua vida na ação criadora de Deus (= na graça divina) e não mais na
“luta para viver”. Isto a torna mais forte do que a tentação, a torna livre, não mais
escrava do pecado. O que nasce da carne é o instinto carnal que movendo a pessoa a se
defender, a move ao pecado, e com toda essa luta, buscando segurança, riqueza, glórias
humanas, não alcança a plenitude da vida. Esses bens nunca saciam a pessoa humana,
pois dependem das criaturas e só Deus é fonte de vida e pode dar vida.
“28Jesus então lhes disse: Quando tiverdes levantado o Filho do Homem, então
conhecereis quem sou e que nada faço de mim mesmo, mas falo do modo como
o Pai me ensinou. 29Aquele que me enviou está comigo; ele não me deixou
sozinho, porque faço sempre o que é do seu agrado. 30Tendo proferido essas
palavras, muitos creram nele. 31E Jesus dizia aos judeus que nele creram: Se
permanecerdes na minha palavra, sereis meus verdadeiros discípulos;
32
conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. 33Replicaram-lhe: Somos
descendentes de Abraão e jamais fomos escravos de alguém. Como dizes tu:
Sereis livres? 34Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: todo
homem que se entrega ao pecado é seu escravo. 35Ora, o escravo não fica na
casa para sempre, mas o filho sim, fica para sempre. 36Se, portanto, o Filho vos
libertar, sereis verdadeiramente livres” (Jo 8,28-36).
Jesus fala de sua liberdade, que é obedecer sempre ao Pai, Ele que é o Ungido (Messias,
Cristo) pelo Espírito do Pai. A liberdade é poder agir de acordo com a natureza do
próprio ser. Jesus é o Filho, que recebe todo o seu ser do Pai. Então a liberdade de Jesus
é viver de acordo também com a sua fonte de vida:
34
Disse-lhes Jesus: Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e
cumprir a sua obra (Jo 4,34).
9.2. A liberdade cristã nos libera dos imperativos da lei pela lei
A liberdade cristã é tratada no Novo Testamento em um contexto de ruptura com o
judaísmo baseado na observância estrita da lei mosaica. Isto se observa nos Evangelhos,
na questão do sábado, do jejum, dos alimentos impuros etc. e nas Cartas, especialmente
as de São Paulo.
Na pedagogia divina, Deus revela-se gradativamente aos homens. No Antigo
Testamento ainda estão presentes muitos elementos das religiões pagãs, ou seja, das
religiões onde a pessoa humana criou os deuses à sua imagem. Assim, a presença dos
sacrifícios. Já vimos que os sacrifícios antigos surgem da projeção ao nível divino dos
tributos pagos aos poderosos deste mundo para “amansá-los” e “torná-los propícios”.
Outros elementos dos poderosos deste mundo que o Antigo Testamento projeta para
Deus é a Lei e o castigo pela infração da Lei. A Lei era a realidade mais sagrada da
religião mosaica. Era colocada acima do bem da pessoa humana. Jesus Cristo vem
estabelecer a verdadeira vida da pessoa humana com seu Criador e para tal deve libertar
a consciência da pessoa humana da sujeição à lei só enquanto lei. A verdadeira “lei” de
Jesus Cristo é a realidade da Santíssima Trindade e as relações pessoais a ela inerentes,
e a realidade da semelhança divina da pessoa humana, chamada a viver a comunhão
trinitária por meio do Filho, pela unidade do Espírito Santo, como ser criado e
absolutamente dependente de Deus. Aqui entra também todo o significado sacramental
da realidade visível da pessoa humana, homem e mulher, imagem do mistério de Deus.
Ou seja, a “lei” é a própria realidade de Deus e da pessoa humana. Tudo o que estiver
fora disto é, para Jesus Cristo, arbitrariedade e capricho e não tem mais sentido. A
circuncisão, os alimentos impuros, as abluções rituais, as ofertas, os dízimos, tudo perde
seu significado depois que se passa da penumbra do Antigo Testamento à plena luz do
Novo Testamento.
“1A lei, por ser apenas a sombra dos bens futuros, não sua expressão real, é de
todo impotente para aperfeiçoar aqueles que assistem aos sacrifícios que se
renovam indefinidamente cada ano” (Hb 10,1).
“5O culto que estes celebram é, aliás, apenas a imagem, sombra das realidades
celestiais, como foi revelado a Moisés quando estava para construir o
tabernáculo: Olha, foi-lhe dito, faze todas as coisas conforme o modelo que te
foi mostrado no monte (Ex 25,40)” (Hb 8,5).
O texto mais claro sobre essa ruptura, parece-nos ser o que se encontra no segundo
capítulo da Carta aos Colossenses:
“8Estai de sobreaviso, para que ninguém vos engane com filosofias e vãos
sofismas baseados nas tradições humanas, nos rudimentos do mundo, em vez de
se apoiar em Cristo. 9Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da
divindade. 10Tendes tudo plenamente nele, que é a cabeça de todo principado e
potestade. 11Nele também fostes circuncidados com circuncisão não feita por
mão de homem, mas com a circuncisão de Cristo, que consiste no despojamento
do nosso ser carnal. 12Sepultados com ele no batismo, com ele também
ressuscitastes por vossa fé no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos.
13
Mortos pelos vossos pecados e pela incircuncisão da vossa carne, chamou-vos
novamente à vida em companhia com ele. É ele que nos perdoou todos os
pecados, 14cancelando o documento escrito contra nós, cujas prescrições nos
condenavam. Aboliu-o definitivamente, ao encravá-lo na cruz. 15Espoliou os
principados e potestades, e os expôs ao ridículo, triunfando deles pela cruz.
16
Ninguém, pois, vos critique por causa de comida ou bebida, ou espécies de
festas ou de luas novas ou de sábados. 17Tudo isto não é mais que sombra do
que devia vir. O Corpo é Cristo. 18Ninguém vos roube a seu bel-prazer a palma
da corrida, sob pretexto de humildade e culto dos anjos. Desencaminham-se
estas pessoas em suas próprias visões e, cheias do vão orgulho de seu espírito
materialista, 19não se mantêm unidas à Cabeça, da qual todo o corpo, pela
união das junturas e articulações, se alimenta e cresce conforme um
crescimento disposto por Deus. 20Se em Cristo estais mortos aos princípios deste
mundo, por que ainda vos deixais impor proibições, como se vivêsseis no
mundo? 21Não pegues! Não proves! Não toques! 22proibições estas que se
tornam perniciosas pelo uso que delas se faz, e que não passam de normas e
doutrinas humanas. 23Elas podem, sem dúvida, dar a impressão de sabedoria,
enquanto exibem culto voluntário, de humildade e austeridade corporal. Mas
não têm nenhum valor real, e só servem para satisfazer a carne” (Cl 2,8-23).
Então, vendo Jesus Cristo compreendemos o modo de ser das pessoas divinas. O Pai se
esvazia de si mesmo e Se dá ao Filho, como Jesus se esvazia de si mesmo (cf. Fl 2,5-
11), se encarna e Se dá a nós até à morte de cruz. Assim entendemos que n’Ele habita
corporalmente Deus. O seu Corpo revela o modo de ser de Deus.
Em seguida, São Paulo substitui a antiga circuncisão – retirada do prepúcio ao oitavo
dia do nascimento – pelo mesmo esvaziamento de Cristo praticado pelo cristão, o
despojamento de seu ser carnal. É a mesma doutrina que expõe em outros lugares, ao
afirmar que pelo batismo o cristão participa da morte de Jesus Cristo e está sepultado
com Ele (cf. Rm 6,3-5) e que o culto racional do cristão é oferecer o próprio corpo
mortal como hóstia viva, santa e agradável a Deus (cf. Rm 12,1). Em seguida afirma
que a Lei era um instrumento de condenação que Jesus Cristo aboliu cravando-a na
cruz. Quem peca contra a Lei, uma vez que pecou, este ato pecaminoso permanece
sempre no passado da pessoa acusando-a. Isto é causa de muito sofrimento por falta de
compreensão do mistério de Jesus Cristo. Há pessoas que vivem décadas de remorsos de
consciência por faltas cometidas. A perda da virgindade por um pecado contra a
castidade, especialmente pelas mulheres foi, durante muito tempo, uma chaga incurável.
São Paulo então afirma que as observâncias da lei – proibições de comidas, bebidas,
festas religiosas e sábados – eram uma sombra, dizemos nós, uma pedagogia para
conduzir ao Mistério. A realidade da relação das pessoas humanas com Deus não
consiste na Lei, mas no Corpo de Cristo, esta realidade de despojamento pessoal para
dar vida ao próximo, que, na unidade do gênero humano constitui com o sujeito uma só
vida. Uma vez alcançado este Mistério, o pedagogo pode ser abandonado:
23
Antes que viesse a fé, estávamos encerrados sob a vigilância de uma lei,
esperando a revelação da fé. 24Assim a lei se nos tornou pedagogo encarregado
de levar-nos a Cristo, para sermos justificados pela fé. 25Mas, depois que veio a
fé, já não dependemos de pedagogo, 26porque todos sois filhos de Deus pela fé
em Jesus Cristo. 27Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de
Cristo.
Acontece que na progressão moral do cristão é necessário, por causa da fraqueza
humana, como o povo de Israel, passar pela etapa da Lei para chegar à maturidade de
Jesus Cristo. Por isso, a Igreja, como Mãe e Educadora, orienta os seus fiéis, através dos
Mandamentos da Igreja a uma prática ascética que os conduza paulatinamente em
direção à liberdade da vivência plena do Mistério. É importante, por isso, valorizar esses
mandamentos, mas não colocá-los como parte imprescindível da maturidade cristã, caso
em que voltaríamos ao regime da Lei e negaríamos a liberdade cristã.
A liberdade cristã é, em resumo, a vivência da Páscoa de Jesus Cristo, livres da Lei, de
qualquer lei, e da escravidão dos instintos de segurança e prazer corporais. Por isso,
podemos dizer que o agir cristão se baseia em duas realidades, uma natural e uma
sobrenatural. A realidade natural é a natureza humana como criada por Deus – a
chamada “lei natural” – e a realidade sobrenatural é a Páscoa de Jesus Cristo, o fato de
que é esvaziando-se de si e dando-se para dar vida ao semelhante que entramos em
comunhão com Deus e temos a vida divina, que é eterna.
Aqui a esmola é sinal da oferta que purifica, ou seja, a atitude de doação gratuita
segundo o que já havíamos afirmado antes: o agir cristão tem o seu centro no “de graça
recebestes, de graça, daí” (Mt 10,8). Esta atitude também é aplicada por São Paulo ao
caso dos alimentos “proibidos”, como as carnes imoladas aos ídolos.
23
Tudo é permitido, mas nem tudo é oportuno. Tudo é permitido, mas nem tudo
edifica. 24Ninguém busque o seu interesse, mas o do próximo. 25Comei de tudo o
que se vende no açougue, sem indagar de coisa alguma por motivo de
consciência. 26Do Senhor é a terra e tudo que ela encerra. 27Se algum infiel vos
convidar e quiserdes ir, comei de tudo o que se vos puser diante sem indagar de
coisa alguma por motivo de consciência. 28Mas se alguém disser: Isto foi
sacrificado aos ídolos, não o comais, em atenção àquele que o advertiu e por
motivo de consciência. 29Dizendo consciência, refiro-me não à tua, mas à do
outro. Com efeito, por que razão seria regulada a minha liberdade pela
consciência alheia? 30Se eu como com ações de graças, por que serei eu
censurado por causa do alimento pelo qual rendo graças? (1Cor 10,23-30).
O critério de Jesus Cristo é interpretado por São Paulo como uma liberdade em relação
a todas as coisas, buscando somente o que é oportuno e convém para a edificação em
Cristo da pessoa que age. Ora, comer ou deixar de comer alguma coisa não muda o
coração de ninguém. Então pode-se comer de tudo, até carne imolada aos ídolos, uma
vez que os ídolos, na verdade, não existem e tudo só tem um Criador, que é Deus. Quem
tem essa consciência e vê tudo como graça de Deus, em total submissão e dependência a
Ele é puro e interpreta de forma pura todas as coisas, recebendo-as todas, até a morte
corporal, como sinais do amor de Deus:
Uma pessoa que vive essa característica tende a ter uma consciência verídica, isto é, que
dita à vontade a verdade sobre Deus e sobre a realidade.
A segunda é a fidelidade da vontade ao ditame da consciência. Mesmo que alguém, sem
culpa própria, não tenha alcançado ainda o conhecimento da Verdade, mas é fiel ao
ditame da consciência em todas as circunstâncias, está, de certo modo, sendo fiel a
Deus, dentro dos dons que recebeu. “Quanto mais se confiar a alguém, dele mais se há
de exigir” (Lc 12,48). Estas duas atividades da consciência, cada uma a seu modo, são
as que mais dignificam moralmente a pessoa humana: busca imparcial da verdade e
fidelidade à verdade conhecida como tal. É este o campo onde o Espírito Santo pode
mais fecundamente produzir seus frutos de salvação. A negação prática da verdade
conhecida como tal pela consciência é exatamente um dos pecados contra o Espírito
Santo, que, perdurando na vida da pessoa, “não tem perdão” (cf. Mt 12,31-32; Mc 3,29;
Lc 12,10). A pessoa que tem essa segunda característica, diz-se que tem uma
consciência reta.
Uma consciência bem formada é verídica e é reta[27]. A consciência moral compreende,
portanto, a percepção da Verdade, na qual estão contidos os princípios da moralidade.
Esta percepção dos princípios da moralidade chama-se “sinderese”. Daí parte para a
aplicação desses princípios às circunstâncias determinadas na qual a pessoa é chamada a
agir, tomando decisões e agindo de acordo com essas decisões. Esse processo determina
na pessoa a virtude da prudência, que pode-se chamar a virtude do reto uso da
consciência moral.
A consciência, agindo segundo os processos que vimos, unida à liberdade, possibilita à
pessoa assumir a responsabilidade pelos atos que pratica. Por isso, uma das principais
liberdades que se deve conceder a toda pessoa humana é a liberdade de consciência –
respeitados os limites do bem comum. Ninguém deve ser forçado a agir contra a própria
consciência nem, respeitado o bem comum, impedido de agir de acordo com a própria
consciência. Esses são “direitos” da pessoa em relação à sua consciência. O dever da
pessoa em relação à sua consciência seria buscar sempre e imparcialmente a
Verdade[28].
A vida é a luz dos homens. As pessoas buscam vida melhor, sentirem-se bem. São, na
verdade, poucas as pessoas que tem capacidade para buscar a Verdade como tal. Pode-se
dizer que é um talento divino a capacidade de reconhecer a Verdade, no meio de tantos
sofrimentos e na ânsia por uma vida mais tranqüila. Jesus proclama que Ele é a Verdade
e a Vida (cf. Jo 14,6). Mas que quem o escuta é o que é da Verdade (cf. Jo 18,37). O fato
é que nas comunidades cristãs o que mais atrai as pessoas não é tanto a proclamação da
verdade, mas a caridade que acolhe. As pessoas permanecem nas comunidades por
experiências de vida que incluem curas interiores ou físicas, superações de sofrimentos
etc. Poucos são os que permanecem por uma convicção doutrinal, ou seja, pela fé
mesma. Até mesmo Jesus fez essa experiência, como Ele mesmo afirma:
48
Disse-lhe Jesus: Se não virdes milagres e prodígios, não credes… (Jo 4,48).
Por causa dessa diferença de capacidade para alcançar a Verdade é que Jesus Cristo,
segundo o desígnio do Pai, constituiu pastores e ovelhas, isto é, que uns os que vêem a
Verdade, guiem os que não vêem, mas querem caminhar na Verdade. Isso também é um
sinal da unidade do gênero humano, que caminha para a Vida quando os que têm o dom
o colocam a serviço dos que não o têm. Como a fé – o conhecimento da Verdade –
opera pela caridade (cf. Gl 5,6) e sem ela nada é, porque a fé é o conhecimento das
Pessoas Divinas e, como vimos no início deste nosso tratado, a pessoa só pode ser
conhecida se é abordada com amor, Jesus coloca o amor a Ele mesmo, o amor a Deus, a
caridade, como critério do apascentar as ovelhas.
15
Tendo eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João,
amas-me mais do que estes? Respondeu ele: Sim, Senhor, tu sabes que te amo.
Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. 16Perguntou-lhe outra vez:
Simão, filho de João, amas-me? Respondeu-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te
amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. 17Perguntou-lhe pela
terceira vez: Simão, filho de João, amas-me? Pedro entristeceu-se porque lhe
perguntou pela terceira vez: Amas-me?, e respondeu-lhe: Senhor, sabes tudo, tu
sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as minhas ovelhas (Jo 21,15-17).
É pelo amor a Deus que se pode conhecer a Deus. Por isso, a Teologia deve ser feita
com amor a Deus, objeto do conhecimento da Teologia. Quem ama, tem mais condições
de conhecer e de guiar outros no conhecimento de Deus. Foi este o critério pelo qual
Jesus Cristo escolheu Simão para confirmar seus irmãos na fé (cf. Lc 22,31-32). Mas o
contrário pode ocorrer também. O que exerce a função de guiar não ama e não conhece
a Verdade.
12
Então se aproximaram dele seus discípulos e disseram-lhe: Sabes que os
fariseus se escandalizaram com as palavras que ouviram? 13Jesus respondeu:
Toda planta que meu Pai celeste não plantou será arrancada pela raiz.
14
Deixai-os. São cegos e guias de cegos. Ora, se um cego conduz a outro,
tombarão ambos na mesma vala (Mt 15,12-14).
Também na Igreja, atualmente, se o Evangelho de Jesus escandaliza teremos guias
cegos guiando outros cegos para o abismo. O caráter eminentemente espiritual da
salvação e o Reino “que não é deste mundo” (cf. Jo 18,36) infelizmente escandalizam
muitos na Igreja que sofre o influxo de um mundo sob influência de doutrinas
materialistas que colocam a realização da pessoa humana mais na justiça social do que
na perfeição do amor a Deus. Daí termos hoje muitos guias cegos na Igreja.
11.4. O que determina a perfeição não é só a virtude, mas o destino que a pessoa
assume.
Dissemos, no início desta reflexão, que a idéia de virtude moral, em si mesma, não é de
origem cristã. Pode haver mesmo um discurso moral cristão que a dispense, como os
próprios quatro Evangelhos canônicos. Ao final, constatamos que não falta ao homem
moderno o apelo à virtude. Há bastante até. O que falta é aquilo que é específico do
cristianismo: a primazia da destinação divina da pessoa humana, a sabedoria divina, a
afirmação, pela pessoa humana, da Presença e do Reino de Deus. Sem isso, mesmo a
virtude moral humana se torna ambígua e hipócrita. Toda virtude humana, usada só no
nível da justiça humana apenas, não tem valor salvífico. Uma pessoa pode ser honesta e
corajosa e usar essas virtudes só no nível da “luta” da pessoa para conservar sua vida
mortal sobre a terra. A generosidade que leva a “lutar pelos direitos” de uns, mas sem
misericórdia pelos seus opositores, não constrói a unidade do Reino dos Céus. Um
advogado que defende os interesses de uma pessoa, mas tem por inimigos seus
opositores, e não se preocupa que seja feita justiça em seu favor também, pode ser útil
no nível da justiça humana, mas não sobe ao nível divino, pascal. Se a Igreja faz uma
opção pelos pobres, mas a exerce, na prática, como uma luta de classes, simplesmente,
não sendo justa com os proprietários também, como tem acontecido, trai a sua missão
divina. Isto quando se procura fazer o bem. Mas a virtude é necessária para se fazer o
mal também. Um verdadeiro malandro vigarista só o é, com sucesso, se reunir em si
uma série de virtudes humanas muito apreciadas como a tranqüilidade diante da
adversidade, a capacidade de comunicação e persuasão, certa prudência e auto-contrôle,
e assim por diante. O que caracteriza o cristão não é exatamente já possuir a perfeição
da virtude moral humana, mas a sua meta, que é Deus. O verdadeiro perfil moral da
pessoa humana não depende tanto da sua virtude moral humana, mas do rumo que dá à
sua vida, o Deus verdadeiro, ou ídolo a que serve.
Deus revela, por meio de Jesus Cristo, a Verdade (cf. Jo 1,17) mas a pessoa por causa de
interesses ligados à situação de pecado, querendo apoiar-se em seu próprio poder e não
em Deus, fecha-se à Verdade e assume a mentira. Por isso, Jesus, que fazia sinais
portentosos para mostrar que o Pai dava testemunho de Ele ser o seu Filho, chama os
judeus que não querem dar seu assentimento, de filhos do diabo, o pai da mentira.
17
Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o
mundo seja salvo por ele. 18Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê
já está condenado; por que não crê no nome do Filho único de Deus. 19Ora, este
é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do
que a luz, pois as suas obras eram más. 20Porquanto todo aquele que faz o mal
odeia a luz e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.
21
Mas aquele que pratica a verdade, vem para a luz. Torna-se assim claro que
as suas obras são feitas em Deus (Jo 3,17-21).
“Aquele que pratica a verdade” é aquele que se abre à Verdade revelada por Deus e essa
Verdade, conhecida pela razão e acolhida pela vontade, modela sua ações. É aquele que
tem fé. Para acolher a Verdade é necessário que a pessoa tenha um grau mínimo de
imparcialidade, de desapego de si. Se uma pessoa é por demais apegada ao que quer que
seja (dinheiro, poder, fama, prestígio etc.) que é a sua segurança, e não se desliga dessa
falsa segurança, não dará o assentimento interior à fé. Às vezes poderá dar um
assentimento exterior, que não muda nada no seu interior, sendo até uma hipocrisia.
Porque a fé cristã nos leva a não colocar a nossa segurança a não ser em Deus, única
fonte ativa de nossa existência e nossa vida, e capaz de nos dar vida eterna. “As suas
obras são feitas em Deus” significa que são realizadas segundo a Verdade de que a
nossa segurança não está nas coisas, mas sim em Deus. A pessoa usa de todas as coisas,
mas não se apega a nenhuma, em total liberdade, não se escravizando a nenhuma
realidade, a nenhum dinheiro, a nenhum poder nem prestígio, mas sá a Deus. É a
perfeita adoração a Deus, “em espírito e verdade” (cf. Jo 4,24; Rm 12,1) onde não há
nenhuma idolatria. A fé está, desta forma, ligada à perfeita adoração ao Deus único. Por
isso é necessária para a salvação que é ter a vida segundo a Verdade.
O dinamismo prático da fé é a esperança, virtude teologal mais existencial, que faz a
pessoa repousar sua segurança em Deus. No meio das incertezas deste mundo e da
instabilidade das seguranças na vida mortal, a pessoa tem uma rocha firme que se apóia
na fé, mas é já um dinamismo próprio, a que chamamos esperança, de que o amor de
Deus prevalecerá sobre o mal e a morte, como Bem e Vida. Em momentos de “noite
escura” (cf. Obras de São João da Cruz) da fé, em que as verdades da fé também sofrem
provação em nosso espírito, é a esperança que nos sustenta. Referindo-se à esperança, o
Padre Louis Evely tem uma frase muito significativa: “Ter fé é ser fiel nas trevas ao que
se viu na luz”. Nas trevas, a clareza da fé se desfaz, mas resta a esperança que fica
confiante no reaparecimento da luz e tem certeza de que Deus dará a salvação aos
sofredores que se conservem à esperança n’Ele. A esperança é, assim um dinamismo em
que a pessoa sabe que nem tudo o que a sua mente lhe sugere é verdadeiro. Vence as
tentações contra a fé sabendo que sua mente vê segundo aparências e condicionada por
paixões como o medo, o ódio, a vergonha etc. Não se deixa levar pela impressão
momentânea sugerida pelas aflições e espera. A esperança é um dinamismo mais
profundo e interior do que a fé esclarecida e é esse dinamismo que aproxima de Deus a
maior parte das pessoas.
4
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! (Mt 5,4).
39
Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: Se és o Cristo,
salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós! 40Mas o outro o repreendeu: Nem sequer
temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? 41Para nós isto é justo:
recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal algum. 42E
acrescentou: Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!
43
Jesus respondeu-lhe: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso.
44
Era quase à hora sexta e em toda a terra houve trevas até à hora nona (Lc
23,39-44).
O malfeitor que fala primeiro, nesta perícope, não tem esperança, pois quer que Jesus –
Deus – faça a sua vontade. O segundo malfeitor espera a ação de Deus segundo a mente
de Deus. Apenas pede um “lembra-te de mim”. Era uma hora de trevas. É a esperança,
mais do que a fé esclarecida que move o coração do segundo malfeitor. A esperança faz
com que, mesmo não tendo toda a clareza da fé, diante da miséria das desilusões da
vida, da doença e da morte, muitas pessoas, que antes colocavam suas seguranças em si
mesmas, em suas posses, títulos e poderes, acabem colocando-se sob a dependência de
Deus, às vezes muito pouco conhecido por elas, mas buscado pela esperança. No ladrão
crucificado estão representadas muito mais pessoas que serão salvas do que na fé
explícita de um São Pedro, São Paulo ou Santo Estevão. Deus não deixará de satisfazer
a pessoa que tem um fio de esperança.
Pode-se dizer que a fé de Abraão em Deus, tão louvada na Sagrada Escritura era uma
certeza do cumprimento de suas promessas. Abraão não conhecia tão bem a Deus, sua fé
era rudimentar; ele é o primeiro ao qual Deus começa a revelar-Se. Mas teve esperança
no cumprimento das promessas. É por esse prisma que São Paulo aborda a fé de Abraão,
para basear a primazia da fé sobre as obras da Lei (Rm 4,13-14.16.20; 15,8). Abraão
esperou o cumprimento da promessa. É não tanto o pai da fé, mais ainda o pai da
esperança.
“21Em seu nome as nações pagãs porão sua esperança” (Is 42,1-4; Mt 12,21).
Este versículo confirma que é mais pela esperança que pela fé esclarecida que muitos
serão salvos.
25
Pois dele diz Davi: Eu via sempre o Senhor perto de mim, pois ele está à
minha direita, para que eu não seja abalado. 26Alegrou-se por isso o meu
coração e a minha língua exultou. Sim, também a minha carne repousará na
esperança, 27pois não deixarás a minha alma na região dos mortos, nem
permitirás que o teu santo conheça a corrupção. 28Fizeste-me conhecer os
caminhos da vida, e me encherás de alegria com a visão de tua face (Sl 15,8-11;
At 2,25-28).
Este trecho do Salmo 15, utilizado por São Pedro em sua pregação no dia de Pentecostes
revela que Jesus Cristo nos salvou porque não confiou em sua própria auto-defesa
(“desça da cruz e acreditaremos”, diziam os judeus), mas esperou no Pai que lhe havia
dado a natureza humana mortal e pelo qual é gerado eternamente no seio da Trindade.
A Carta aos Romanos se apresenta como exaltação da salvação pela fé e não pelas obras
da Lei, mas pode ser vista também como exaltação da virtude teologal da esperança. Eis
algumas passagens entre outras presentes nessa carta que aludem à importância da
esperança.
“Por ele é que tivemos acesso a essa graça, na qual estamos firmes, e nos
gloriamos na esperança de possuir um dia a glória de Deus” (Rm 5,2). “E a
esperança não engana. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). “Porque pela
esperança é que fomos salvos. Ora, ver o objeto da esperança já não é
esperança; porque o que alguém vê, como é que ainda o espera?” (Rm 8,24).
“Nós que esperamos o que não vemos, é em paciência que o aguardamos” (Rm
8,25).
Assim como em Rm 5,5 São Paulo associa a esperança à caridade, também na Primeira
Carta aos Coríntios faz o mesmo.
“[A caridade] tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,7).
“Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade – as três. Porém, a maior
delas é a caridade” (1Cor 13,13).
Também São João faz essa associação entre caridade e esperança. E dá um sentido ativo
à esperança esclarecida pela fé. Quem vive a esperança purifica-se e torna-se
semelhante a Jesus Cristo. A esperança dos bens eternos nos liberta do apego dos bens
temporais que não podem dar vida eterna, embora dêem às pessoas a ilusão de uma
segurança terrena.
1
Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos
de Deus. E nós o somos de fato. Por isso, o mundo não nos conhece, porque não
o conheceu. 2Caríssimos, desde agora somos filhos de Deus, mas não se
manifestou ainda o que havemos de ser. Sabemos que, quando isto se
manifestar, seremos semelhantes a Deus, porquanto o veremos como ele é. 3E
todo aquele que nele tem esta esperança torna-se puro, como ele é puro (1Jo
3,1-3).
Para São João quem não tem caridade não conhece a Deus. Em outras palavras, não tem
fé, se essa é justamente o conhecimento de Deus. Aqui vemos a limitação das profissões
de fé. Podemos admitir as verdades da fé que a Igreja nos ensina. Mas não
interpretarmos toda a realidade a partir da fé e continuarmos a colocar nossa segurança
em atitudes egoístas, não reconhecendo que o caminho mais seguro é o que Jesus Cristo
percorreu doando-se por inteiro e nada guardando para si. Conhecer o amor com que
Deus nos amou e não amá-Lo é, segundo São João, impossível. Para São João o amor
de Deus nos atrai e nos imerge n’Ele inexoravelmente.
Há uma busca de salvação que não inclui o amor de Deus. É aquela busca do jovem rico
(cf. Mc 10,17-22). Queria alcançar a vida eterna, mais como um medo de condenação
do que por amor a Deus. Na lógica do “sola fides” protestante também está esse medo
da condenação. Professam que a natureza humana ficou irremediavelmente marcada
pelo pecado e que ninguém pode alcançar a santidade, isto é, a perfeição da caridade.
Que Jesus Cristo, recebendo sobre si o castigo que recairia sobre o pecador o justifica e
salva. Este, então, não é condenado mas se salva. Como salvar-se se não tem a
caridade? Como viver com Deus por toda a eternidade sem amá-Lo totalmente? Claro
está que essa “salvação” está mais em oposição à condenação eterna do que uma
verdadeira comunhão de amor com Deus, na vida da Santíssima Trindade. É verdade
que o temor da condenação já é um passo no sentido da salvação, é melhor que a
descrença e a indiferença. Mas a caridade supera simplesmente esse medo da
condenação e deseja amar a Deus por Deus mesmo e não por medo da condenação, que,
em última análise, tem em si por base um egoísmo.
As três virtudes teologais, virtudes infusas pelo Espírito Santo em nós, são nobilíssimas.
A fé é voltada para Deus, pois tem no conhecimento de Deus a sua realização. O desejo
de conhecer a Deus, que é a Verdade, leva a pessoa humana a Jesus Cristo, que revela
Deus (cf. Jo 19,37). A esperança é voltada para a pessoa, no seu anseio de plenitude. E,
como vimos pelas passagens bíblicas, se a fé e a esperança são autênticas nos levam à
caridade, que é voltada para Deus, é renunciar a si mesmo para amar totalmente e ter
toda a vida em Deus. Assim as virtudes teologais tendo seus pólos na pessoa humana e
em Deus realizam o caminho que leva da pessoa humana, que anseia por vida plena,
para Deus que é o Único no Qual a Vida Plena se realiza. Deus Se revela, a pessoa
acolhe tal revelação (fé), passa a esperar nas promessas da revelação a realização de
seus anseios mais profundos de plenitude de vida (esperança), daí passa a desejar
sempre mais ver Deus, purificando seu coração do amor do mundo e suas
concupiscências (cf. Mt 5,8; 1Jo 2,15-17).
“7E se alguém ama a justiça, seus trabalhos são virtudes; ela ensina a
temperança e a prudência, a justiça e a força: não há ninguém que seja mais
útil aos homens na vida” (Sb 8,7).
A prudência é a virtude da consciência. Dita a reta norma do agir, aplicando ao caso
concreto que se apresenta na vida da pessoa os princípios morais gerais conhecidos pela
consciência. É iluminada pelo dom do Espírito Santo chamado Conselho à escolha da
melhor opção de ação em cada circunstância, aquela ação que seja mais de acordo com
a vontade de Deus. No seu exercício prático a prudência se desdobra em duas outras
virtudes: a temperança e a fortaleza.
A temperança é a liberdade em relação aos bens que se apresentam ao sujeito, a fim de
servir-se deles na justa medida, sem escravizar-se aos bens segundo as inclinações da
carne. Evita-se assim a gula, a avareza, a preguiça e muitos outros males que são o
apego excessivo a alguns bens. Os alimentos, as posses, o descanso são,
respectivamente, em si mesmo, bens, mas o seu excesso é danoso moralmente ao bem
da pessoa. A temperança, sendo liberdade em relação aos bens, preserva a pessoa dos
vícios, que são males morais.
A fortaleza é a liberdade em relação aos males que se apresentam ao sujeito. Ameaças,
tentações, subornos e outros males contra a pessoa não devem levá-la a agir moralmente
mal. A confiança em Deus, a coragem, o amor à verdade e ao Bem, a imparcialidade, a
veracidade e outras virtudes são preservados pela fortaleza. A fortaleza, sendo liberdade
em relação aos males, conserva na pessoa as virtudes, que são bens morais.
Possuindo pela prudência, a temperança e a fortaleza, constrói-se na pessoa a virtude da
justiça, que engloba todas as virtudes morais. A justiça consiste em uma relação correta
da pessoa com Deus, em primeiro lugar, e também com todas as outras pessoas e todas
as outras criaturas, segundo a ordem estabelecida pelo Criador. A justiça traz a harmonia
das relações que, nesta vida, deve ser sempre construída, a cada momento, não estando
nunca garantida para o futuro, pois o justo é constantemente tentado na virtude da
justiça, por causa da presença dos pecadores sobre a terra. A harmonia das relações não
é sempre uma paz externa, uma ausência completa de conflitos (cf. Mt 11,12), mas uma
paz interna de quem no mundo pecador faz a vontade de Deus.
Citemos, por exemplo, dois homens justos. José era um homem justo (cf. Mt 1,19).
Mesmo assim teve conflitos quando da concepção virginal de Maria (cf. Mt 1,19-20),
que fugir à noite para o Egito (cf. Mt 2,13-15), e evitar Arquelau (cf. Mt 2,22). Embora
tenha tido esses conflitos devido aos pecados dos homens sua relação com Deus e com
todas as pessoas foi perfeita, segundo a prudência e a justiça. João Batista também foi
um homem justíssimo (cf. Mt 11,11). E não faltaram conflitos em sua vida, seja com os
fariseus a quem teve de chamar de “raça de víboras” (cf. Mt 3,7; Lc 3,7), seja com
Herodes e Herodíades, conflito que causou sua gloriosa morte (cf. Mc 6,17-29). Mas a
relação de João Batista com Deus e todas as pessoas foi perfeita, segundo a prudência, a
sinceridade, a coragem e a justiça, falando e agindo sempre em vista do bem de todos.
Assim, a prudência se abre em temperança e fortaleza e essas se unem formando a
justiça, completando como que um quadrilátero, mostrando a íntima relaçãntima
relaçando a mperança e fortaleza e essas se unem formando a justiça, completando
como que um quadrilens. eixo em torno dôoo entre as virtudes cardeais.
Se não há esses três empecilhos a acolher a Palavra de Deus, a ação criadora de Deus, a
pessoa vive as três primeiras virtudes cardeais e estas constroem nela a Justiça, virtude
cardeal. É o quarto terreno, a terra boa, da parábola do Semeador. Por essa aproximação
entre as virtudes cardeais e uma parábola evangélica podemos perceber melhor a
importância das virtudes cardeais.
“54Dizia ainda ao povo: Quando vedes levantar-se uma nuvem no poente, logo
dizeis: Aí vem chuva. E assim sucede. 55Quando vedes soprar o vento do sul,
dizeis: Haverá calor. E assim acontece. 56Hipócritas! Sabeis distinguir os
aspectos do céu e da terra; como, pois, não sabeis reconhecer o tempo
presente? 57Por que também não julgais por vós mesmos o que é justo?” (Lc
12,54-57).
Interessante é notar que, apelando para a prudência em relação aos sinais divinos, Jesus
faz a ligação da prudência com a justiça, o discernimento do que é justo, mostrando a
unidade das virtudes cardeais. Aqui a prudência é a capacidade de discernir o que é justo
para agir com justiça.
“7Demais, para que a grandeza das revelações [que o Senhor fez a São Paulo]
não me levasse ao orgulho, foi-me dado um espinho na carne, um anjo de
Satanás para me esbofetear e me livrar do perigo da vaidade. 8Três vezes roguei
ao Senhor que o apartasse de mim. 9Mas ele me disse: Basta-te minha graça,
porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força. Portanto, prefiro
gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo.
10
Eis por que sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas
perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque quando
me sinto fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,7-10).
A fortaleza cristã, portanto, está muito longe de nutrir orgulho ou auto-suficiência.
Vemos aqui, claramente a relação entre a virtude cardeal da fortaleza e o dom do
Espírito Santo denominado também fortaleza. No cristão não estão nunca dissociados.
Vemos aqui três casos de vocação. No primeiro o Senhor exige a temperança em relação
às coisas necessárias para o conforto e a segurança pessoal. No segundo e terceiro, em
relação aos afetos do coração. Quando envia os Doze em missão, o Senhor também
exige temperança em relação às coisas que poderiam representar segurança para o
discípulo:
“9Não leveis nem ouro, nem prata, nem dinheiro em vossos cintos, 10nem
mochila para a viagem, nem duas túnicas, nem calçados, nem bastão; pois o
operário merece o seu sustento” (Mt 10,9-10).
A quarta virtude cardeal é a justiça. É a síntese e o fruto das demais virtudes cardeais.
Como pode-se perceber consiste em deixar Deus ser Deus e comportar-se plenamente
como criatura, dependente de Deus para atingir a plenitude.
“12Porque, quem ousará dizer-vos: Que fizeste tu? E quem se oporá a vosso
julgamento? Quem vos repreenderá de terdes aniquilado nações que criastes?
Ou quem se levantará contra vós para defender os culpados? 13Não há, fora de
vós, um Deus que se ocupa de tudo, e a quem deveis mostrar que nada é injusto
em vosso julgamentos; 14nem um rei, nem um tirano que vos possa resistir em
favor dos que castigastes. 15Mas porque sois justo, governais com toda a justiça,
e julgais indigno de vosso poder condenar quem não merece ser punido.
16
Porque vossa força é o fundamento de vossa justiça e o fato de serdes Senhor
de todos, vos torna indulgente para com todos” (Sb 12,12-16).
Este trecho do Livro da Sabedoria nos faz perceber que toda a Criação, as pessoas
inclusive, são absolutamente dependentes de Deus e Deus não tem que dar justificativas
de nenhum de seus atos a ninguém. Tudo pertence a Ele, que deu existência a tudo o que
existe e a Sua sabedoria excede infinitamente a de quaisquer de suas criaturas. O último
versículo nos ensina que a justiça em relação a Deus é aceitar atribuir só a Ele todo o
poder e colocar-se inteiramente dependente d’Ele, totalmente confiantes na sua
indulgência, ou misericórdia. A prudência, como vimos, é aceitar e buscar de todo o
coração o destino eterno para o qual Deus nos criou. É aceitar os Seus desígnios, acima
dos nossos instintos e interesses. A fortaleza e temperança evangélicas, como vimos,
exigem que a pessoa se coloque totalmente sob o patrocínio de Deus e não das criaturas,
de nada que possa ser possuído ou dominado pela pessoa humana. Assim a justiça
evangélica, síntese e fruto das outras virtudes cardeais, evangelicamente compreendidas,
é colocar-se inteiramente sob o patrimônio divino.
12. O Pecado
12.1. A realidade onipresente do pecado no mundo decaído da graça.
13. O Pecado
A realidade do pecado é aquela que se opõe à realidade da graça. Torealidade da graça.
do pecado tem o seu paradigma no pecado original. A tentação de “ser como Deus”, isto
é, auto-suficiente, não dependendo de ninguém. A sugestão diabólica que está sempre
diante de cada pessoa é a de viver buscando a vida por sua própria força e inteligência,
sem se submeter a Deus, sem a esperar de Deus, sem a receber a cada momento de
Deus, verdadeira fonte e mantenedor de toda existência e toda vida.
Um perfeito paradigma do significado do pecado nos é dado pelo profeta Jeremias:
“16Porque o justo cai sete vezes, mas ergue-se, enquanto os ímpios desfalecem
na desgraça” (Pr 24,16).
A experiência do pecado é tão universal que o sábio anotou nos Provérbios que o justo
cai sete vezes (ao dia?), mas se ergue. O ímpio peca mais ainda e não se ergue do
pecado. É mais a experiência de arrepender-se e penitenciar-se do que a experiência de
não pecar que faz a diferença diante do Senhor. Isto percebe-se ao ler o Evangelho. Dá a
impressão que para os fariseus a humanidade se dividia entre justos e pecadores. Jesus
Cristo pergunta aos que acusam a mulher adúltera:
7
Como eles insistissem, ergueu-se e disse-lhes: Quem de vós estiver sem pecado,
seja o primeiro a lhe atirar uma pedra. 8Inclinando-se novamente, escrevia na
terra. 9A essas palavras, sentindo-se acusados pela sua própria consciência,
eles se foram retirando um por um, até o último, a começar pelos mais idosos,
de sorte que Jesus ficou sozinho, com a mulher diante dele (Jo 8,7-9).
Todos se reconheceram pecadores. Para Jesus Cristo, a humanidade se divide entre
pecadores que fazem penitência e pecadores que não fazem penitência. A penitência é o
sinal de submissão ao Reino de Deus, que predispõe ao perdão, pois embora a pessoa
não consiga abster-se plenamente do pecado, devido à fragilidade da vida humana
corporal e mortal sobre a terra, ela se coloca sob a dependência da misericórdia de
Deus. O anúncio inicial de João Batista, que praticava um batismo exatamente de
penitência (cf. Mc 1,4), e de Jesus Cristo é o mesmo e convida a essa submissão ao
Reino de Deus decretado.
2
Dizia ele [João Batista]: Fazei penitência porque está próximo o Reino dos
Céus (Mt 3,2).
15
Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e
crede no Evangelho (Mc 1,15).
O próprio nome de Jesus significa “Javé salva” e o Anjo do Senhor declara a José que
Jesus salvará o povo dos seus pecados. Aqui está em germe toda a passagem do regime
da Lei, que condenava o pecador, para o regime da graça que é o da Verdade, que é a
pessoa humana se colocar sob a total dependência de seu Criador divino.
“7Digo-vos que assim haverá maior júbilo no céu por um só pecador que fizer
penitência do que por noventa e nove justos que não necessitam de
arrependimento” (Lc 15,7).
“46Assim é que está escrito, e assim era necessário que Cristo padecesse, mas
que ressurgisse dos mortos ao terceiro dia. 47E que em seu nome se pregasse a
penitência e a remissão dos pecados a todas as nações, começando por
Jerusalém” (Lc 24,46-47).
1
Neste mesmo tempo contavam alguns o que tinha acontecido a certos galileus,
cujo sangue Pilatos misturara com os seus sacrifícios. 2Jesus toma a palavra e
lhes pergunta: Pensais vós que estes galileus foram maiores pecadores do que
todos os outros galileus, por terem sido tratados desse modo? 3Não, digo-vos.
Mas se não fizerdes penitência, perecereis todos do mesmo modo. 4Ou cuidais
que aqueles dezoito homens, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou,
foram mais culpados do que todos os demais habitantes de Jerusalém? 5Não,
digo-vos. Mas se não fizerdes penitência, perecereis todos do mesmo modo (Lc
13,1-5).
Consideramos também aqui, como no capítulo sobre as virtudes, que o que mais
determina a pessoa não é tanto sua correção moral em si mesma, mas a direção à qual
dirige sua vida. Parece-nos que no exemplo acima, a segunda pessoa, embora
moralmente menos desenvolvida, caminha melhor para o Reino de Deus do que a
primeira, tal como na parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18,9-14), o publicano
que, moralmente, tinha uma vida mais censurável do que a do fariseu voltou justificado
para sua casa e não assim o fariseu. O publicano se colocou sob a dependência de Deus.
O fariseu apoiou-se em sua própria moral.
12.4. Os pecados capitais
A experiência cristã, recolhida por São João Cassiano e São Gregório Magno[29],
identificou sete vícios como capitais, ou seja, as “cabeças”, que eliminados evitariam
todos os outros pecados. Nós dissemos neste tratado que a moral cristã se apóia em
quatro princípios, que observados também levariam a conduta humana à perfeição.
Convém, pois, relacionar os princípios que citamos com os pecados capitais mostrando
a plena harmonia entre os princípios da moral cristã e os pecados capitais, na unidade da
sabedoria cristã.
Os vícios capitais são a soberba, ou orgulho, a avareza, a luxúria, a inveja, a gula, a ira e
a preguiça.
O primeiro princípio coloca a pessoa totalmente em ação de graças a Deus, mesmo que
sua vida apresente sofrimentos e morte, coisas que Deus permite em vista de um bem
maior para a pessoa, que é a vida eterna e o não apoiar-se nas realidades criadas como
sua fonte, mas só em Deus. Este “saber receber” toda a existência sem julgá-la elimina
toda soberba e orgulho. Elimina também a ira, que é uma manifestação da soberba
pessoal em oposição ao semelhante. A pessoa sabe-se dependente totalmente de Deus,
não se imagina nunca auto-suficiente. A pessoa também vivendo da graça não usurpa
para si algo que não lhe seja dado por graça de Deus, num modo socialmente honesto, e
isto a separa da avareza (sob o aspecto de ganância), da gula e da luxúria, que são
usurpação do que é agradável à carne. Este princípio também faz a pessoa se aceitar
diante de Deus com seus dons e características, em ação de graças, evitando toda
comparação com outra pessoa, admitindo a liberdade de Deus de dar seus dons como
Lhe aprouver, e isto elimina toda inveja. A ação de graças leva a acreditar na
potencialidade dos dons que Deus deu à pessoa e isto cria um princípio ativo, de
esperança que elimina a preguiça. Deste modo o primeiro princípio da moral cristã
elimina os sete pecados capitais.
O segundo princípio da moral cristã faz a pessoa uma só vida com seu semelhante
segundo a unidade de vida das Pessoas da Santíssima Trindade. Assim a pessoa se
alegra pelo bem da outra, sabendo que o bem da outra pessoa, de certo modo, é bem
para si também. Isto já elimina a soberba, a inveja e a ira, que separam as pessoas. Na
unidade os meus dons são para o bem de todos, não só meu, e isto leva a um impulso de
generosidade que elimina toda avareza (sob o aspecto de egoísmo) e gula, pois o meu
excesso pertence ao meu semelhante. Elimina também a preguiça, pois meu impulso me
leva a querer fazer bem ao semelhante, pois este é meu bem também. O
desenvolvimento de meus dons faz bem ao meu próximo e por meio dele a mim mesmo.
E, finalmente, como a unidade das pessoas tem seu paradigma na unidade do homem e
da mulher, uma só carne, no matrimônio, isto me preserva da luxúria também. Deste
modo o segundo princípio da moral cristã elimina também os sete pecados capitais.
O terceiro princípio libera a pessoa da soberba de tentar ser independente do seu Criador
e de tentar se salvar por seus atos de fidelidade à Lei. Desvia a segurança da pessoa de
seus bens para a dependência de seu Criador, libertando-a da avareza. Principalmente,
substituindo a Lei pelo relacionamento pessoal segundo a Verdade, com o Criador que a
ama e quer salvá-la, liberta a pessoa do desespero de haver pecado, restituindo-a à
dependência da misericórdia de Deus. Mesmo que o conhecimento da sabedoria divina,
expressa nos princípios da vida cristã, liberte a pessoa de muitas escravidões, permanece
sempre a fraqueza e por isso precisa-se sempre contar com a misericórdia divina (cf.
Rm 7,14,25).
O quarto princípio coloca-me diretamente destinado a Deus e libera-me de toda idolatria
de qualquer criatura, que está em cada pecado capital. Tudo é para o bem da pessoa,
mas esta não deve se tornar dependente de nenhuma criatura, nunca perdendo de vista
que seu único fim é Deus.
“37O Senhor fez todas as coisas: ele dá sabedoria àqueles que vivem com
piedade” (Eclo 43,37).
“9Quanto aos que a honram, a Sabedoria os liberta de sofrimentos; 10foi ela que
guiou por caminhos retos o justo que fugia à ira de seu irmão; mostrou-lhe o
reino de Deus, e deu-lhe o conhecimento das coisas santas; ajudou-o nos seus
trabalhos, e fez frutificar seus esforços; 11cuidou dele contra ávidos opressores e
o fez conquistar riquezas; 12ela o protegeu contra seus inimigos e o defendeu
dos que lhe armavam ciladas; e no duro combate, deu-lhe vitória, a fim de que
ele soubesse quanto a piedade é mais forte que tudo” (Sb 10,9-12).
Santo Agostinho afirma que em Isaías a ordem vai da sabedoria ao temor porque a
Palavra de Deus vem do céu para a terra, e os dons do Espírito Santo são como degraus
de uma “escada de Jacó” para nos levar da terra ao céu. Então devemos principiar pelo
temor de Deus, que é o princípio da sabedoria (cf. Pr 1,7; 9,10).
Os dons do Espírito Santo se deve procurar. A Igreja está sempre invocando o Veni
Creátor Spiritus, pedindo a vinda do Paráclito que Jesus prometeu.
Deve-se desejar a sabedoria divina acima de todos os bens terrenos. Com ela nos vem
todas as coisas (cf. Mt 6,33; Lc 12,31).
“34Então o Rei dirá aos que estão à direita: – Vinde, benditos de meu Pai, tomai
posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, 35porque tive
fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me
acolhestes; 36nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e
viestes a mim” (Mt 25,34-36).
Os bens espirituais recebidos são também graças recebidas que devem ser, por sua vez,
dadas ao próximo. Quem tem luz, deve iluminar quem não tem. Naturalmente que, para
isso, é preciso conhecer profundamente a lógica da Encarnação. A pessoa humana aceita
com mais facilidade a obra de misericórdia corporal do que a espiritual. Quem tem
fome, aceita bem a comida oferecida e quem tem frio aceita logo a roupa e o agasalho.
Mas quem erra, não é com facilidade que aceita a correção. A Encarnação de Jesus
Cristo nos ensina que Ele, para nos corrigir e trazer do pecado para a graça, nos amou e
suportou o nosso pecado, descendo ao nosso nível humano decaído, sofrendo as nossas
tentações, para nos elevar ao nível divino. Ele praticou com perfeição todas as obras de
misericórdia espirituais, oferecendo-se inteiramente no Seu ensino – era o Mestre – e na
Sua Paixão, perdoando os que o torturavam e suportando a fraqueza e malícia humanas
em Sua Carne adorável. Para ensinar os ignorantes e admoestar os que pecam
(formulação moderna da terceira obra de misericórdia espiritual) é preciso conquistar o
coração da pessoa pecadora e isso é fruto de uma caridade encarnada, que aceita a
pessoa antes de tentar corrigi-la, tal como Jesus Cristo fez para conosco. Aqui entra o
primeiro princípio da moral cristã, que nos ensina a aceitar toda a realidade que nos
circunda como dom amoroso de Deus, e nessa realidade está a presença dos ignorantes e
dos pecadores. Só aceitando-os e convencendo-os de serem amados é que
conquistaremos seus corações para que acreditem que nossas correções não são um ato
de poder e dominação, de superioridade sobre eles, mas o amor em ato.
“Ele não quebrará o caniço rachado, nem apagará a mecha que ainda fumega,
até que faça triunfar a justiça” (Mt 12,20).
“Que os mestres amem o que agrada aos jovens e os jovens amarão aquilo que
agrada aos mestres … Que os jovens não somente sejam amados mas que
possam saber que são amados” (São João Bosco, Carta de 10 de maio de
1884).
[1] Saint-Exupéry, Antoine de, O Pequeno Príncipe, 48.ª ed., Agir, Rio de Janeiro 2006, p. 72.
[2] Catecismo da Igreja Católica, Vaticano 1997, nn. 388-389.
[3] Chesterton, G. K., Ortodoxia, LTr, São Paulo 2001, p. 52-53.
[4] “No século 21, o matemático francês Jean Staune, doutorando em paleontologia … diz que depois de
tamanha oposição, ciência e espiritualidade tendem a seguir juntas ‘e já não se nega a hipótese de uma
transcedência’”. “Arthur Eddington, Prêmio Nobel de Física, disse que, depois de 1927 (fazendo
referência ao ano de elaboração da síntese da mecânica quântica), ‘tornou-se possível a um homem
inteligente acreditar em Deus’”. Testemunhos de Vera Souza Dantas, terapeuta junguiana em artigo “Os
três gigantes da alma, o Bom, o Belo, o Verdadeiro” in revista Planeta 391, pp.18-21, Editora Três, São
Paulo, Abril 2005. Tais testemunhos mostram a imensa separação entre ciência e fé vindas do
racionalismo e que ainda timidamente se descobre como falsa.
[5] Cf. adiante, neste texto, o título “A Moral e a Cultura”.
[6] Cf. AA. VV., Novo Dicionário de Teologia Moral, Paulus, São Paulo 1990, verbete “História da
Teologia Moral”.
[7] Cf. Prólogo da Segunda Seção da Segunda Parte (II-II) da Suma Teológica.
[8] Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto Optatam Totius, sobre a Formação Sacerdotal, n. 16.
[9] Cf. por exemplo, Agostini, Nilo, Teologia Moral, o que Você precisa viver e saber, Vozes, Petrópolis
1997, p. 61-66, 89-93, 102-106, e outras obras desse mesmo autor, e Fernández, Aurélio, Compendio de
Teología Moral, 2.ª edición, Ediciones Palabra, Madrid 1999, p. 29-38, onde os autores permanecem
sempre na perspectiva da práxis de Cristo mortal e não fazem referência à Sua Paixão, Morte e
Ressurreição.
[10] João Paulo II, Encíclica Dives in Misericórdia, 74-77.
[11] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium, 16.
[12] João Paulo II, Carta Encíclica Veritatis Splendor, 3.
[13] Fernández, Aurélio, Compendio de Teologia Moral, 2.ª edição, Ediciones Palabra, Madrid 1999, p.
22-23.
[14] O. c., p. 23.
[15] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 22.
[16] Catecismo da Igreja Católica, Edição Típica Vaticana 1997, nn. 296-297.
[17] De Lubac, Henri, Cattolicismo – Aspetti sociali del dogma, 2.ª ed., Editoriale Jaca Book spa, Milano
1992, p. 3-4.
[18] Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Concílio Ecumênico Vaticano II, 2.
[19] Catecismo da Igreja Católica, 296. Leia 295-297.
[20] Catecismo da Igreja Católica, 343 e 355-356; Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Pastoral
Gaudium et Spes, n. 24,3.
[21] Sobre esse assunto convém ler o que dizemos sobre a liberdade de Deus, no discurso sobre o terceiro
princípio da vida e da moral cristã.
[22] Sobre este assunto convém ler sobre a Teoria da Potenciação apresentada a seguir.
[23] Outras traduções colocam “o Reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder ()”,
mais próximo ao sentido da palavra grega. O sentido, porém, é o mesmo. Tal “poder” é o que a pessoa é
capaz de realizar (v.19) movida pelo Espírito Santo. São Paulo quer dizer: “O Reino de Deus não se dá
pelas palavras em si, mas nos atos que a pessoa realiza e mostram se é movida ou não por Deus”. O que
fica dentro de nossa tese de que a vida cristã é um permanente diálogo entre a criatura humana e Deus,
cujos discursos se dão por atos e não (só) por palavras (que também são atos. Cf. Mt 12,37).
[24] Nouwen, Henri, Christensen, Michael J., Laird, Rebecca J., Direção Espiritual, Sabedoria para o
caminho da Fé, Vozes, Petrópolis 2007. Tit. Orig. Spiritual Direction – Wisdom for the Long Walk of
Faith.
[25] Grün, Anselm, Bento de Nursia, sua mensagem hoje, Idéias & Letras, Aparecida, SP, 2006, pp. 51-
54. Tit. Orig. Benedikt von Nursia.
[26] Catecismo da Igreja Católica, Edição Típica Vaticana 1997, n. 1731.
[27] Cf. Catecismo da Igreja Católica, Edição Típica Vaticana 1997, n. 1783.
[28] Cf. Carta Encíclica Veritatis Splendor, n. 34.
[29] Cf. Catecismo da Igreja Católica, Edição Típica Vaticana, n. 1866.
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