Apostila Hist-Litu Llopis
Apostila Hist-Litu Llopis
Apostila Hist-Litu Llopis
através dos
séculos
Joan Llopis
Traduzido do espanhol
La Liturgia através de los siglos (= Emaús 6),
Centre de Pastoral Litúrgica, Barcelona 1993,
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INTRODUÇÃO
origens apostólicas até a reforma levada a cabo pelo Concilio Vaticano II. A finalidade –
como já dissemos – não é meramente histórica, nem muito menos arqueológica, mas
catequética e pastoral: ajudar a compreender melhor por que os cristãos de hoje
celebramos a liturgia do modo como o fazemos e, assim, contribuir para nela participar
daquela maneira “consciente, ativa e frutuosa” recomendada pelo Vaticano II (SC 11).
Jesus mesmo fez consistir seu culto no cumprimento da vontade do Pai: “Eis por
que, ao entrar no mundo, Cristo diz: Não quiseste sacrifícios nem oblações, mas me
preparaste um corpo. Os holocaustos e sacrifícios pelo pecado não os recebeste. Então
eu disse: eis-me aqui, venho – no volume do livro está escrito – para fazer, ó Deus, a tua
vontade" (Hb 10,5-6). A vida toda de Jesus foi um ato de culto e adoração, porque todos
e cada um de seus momentos estiveram presididos pela obediência à vontade do Pai. E o
momento culminante do culto de Cristo foi sua morte na cruz, já que constituiu a
manifestação mais patente de seu desejo de levar até o final a missão que o Pai lha havia
confiado.
podia se separar nunca da “vida”. Por isso, as reuniões dos primeiros cristãos
comportavam a “fração do pão” e as “orações” junto com a audição dos ensinamentos
dos apóstolos e da vida de união entre os Irmãos (cf At 2,42). Para participar da reunião
eucarística, era necessário ter sido incorporado à comunidade pelo rito do batismo,
prescrito por Jesus mesmo (cf Mt 28,19), como condição da vida nova (cf Jo 3,5), e
realizado pelos apóstolos a partir do dia de Pentecostes (cf At 2,41). Também desde o
início os apóstolos utilizaram o gesto da imposição das mãos para significar a
comunicação do Espírito aos batizados (cf At 8,17). A estes três ritos fundamentais –
ceia do Senhor, batismo, imposição das mãos – pouco a pouco, foram se acrescentando
outras cerimônias e práticas. Encontramo-nos no ponto de partida da história da liturgia
cristã.
Quanto aos aspectos externos, existe uma íntima relação entre o culto apostólico
e os ritos do judaísmo, mas no que se refere ao significado profundo, há um
distanciamento e, inclusive, ruptura. É significativa, neste sentido, a relação que os
primeiros cristãos mantiveram com o Templo de Jerusalém, centro e expressão máxima
do culto israelita. De acordo com o testemunho do livro dos Atos dos Apóstolos, a Igreja
primitiva – seguindo o exemplo do próprio Jesus – continuou vinculada ao Templo, mas
esta vinculação unicamente afetava a oração e a pregação. Por outro lado, os cristãos se
abstiveram de participar da oferta dos sacrifícios rituais, porque tinham muito claro que
a morte e a ressurreição de Jesus Cristo havia abolido a vigência dos sacrifícios da Lei
antiga. Mas esta vinculação durou relativamente pouco, porque foi se elaborando uma
teologia que afirma que o verdadeiro Templo é Cristo e, consequentemente, a
comunidade cristã. E quando, a partir do martírio de Estevão, se originou a primeira
perseguição contra os cristãos de Jerusalém (cf At 7,54-8,3), a vinculação com o Templo
desapareceu e o autêntico culto cristão foi se formando nas reuniões celebradas nas
casas particulares.
Se quisermos fazer uma lista dos vestígios que a liturgia judaica deixou no culto
cristão, teríamos que incluir necessariamente estes: a estrutura da liturgia da Palavra,
com leituras da Bíblia, canto de salmos e explicação homilética; a forma da oração
eucarística que, em parte, provém da oração ritual das refeições e, em parte, do culto
sabático da sinagoga; as petições das orações dos fiéis, inspiradas no modelo das
“dezoito bendições”; o ritmo semanal da reunião litúrgica, com a passagem, porém, do
sábado para o domingo; alguns elementos da oração quotidiana; a fórmula do triságio
(“Santo, Santo, Santo”), que provém da oração matinal judaica; muitas aclamações do
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Através dos dados contidos nos livros do Novo Testamento podemos fazer uma
idéia muito aproximada das celebrações litúrgicas das primeiras comunidades cristãs,
tanto da que se formou em Jerusalém como daquelas que, pouco a pouco, foram se
constituindo fora desta cidade. As comunidades formadas por cristãos procedentes do
judaísmo foram as que se mantiveram mais fiéis às formas do culto israelita, mas os
cristãos provenientes do paganismo também aceitaram muitos usos tipicamente
judaicos, por exemplo, a leitura dos livros bíblicos.
No tocante aos ritos sacramentais dos primeiros cristãos, temos que destacar a
importância do batismo, que ainda não conhece uma fórmula fixa: é uma simples
palavra de fé aceita e acompanhada do banho ritual. Também encontramos a imposição
das mãos, sinal da doação do Espírito para diversos serviços.
Em resumo: o culto “em espírito e verdade” inaugurado por Cristo tem nas
reuniões litúrgicas dos cristãos primitivos uma expressão cheia de vitalidade e
simplicidade. Todavia, os responsáveis pelo funcionamento da Igreja devem velar para
que não se introduzam nelas desvios e desordens. Daí surge a necessidade de uma
regulamentação da liturgia por parte dos dirigentes, para que tudo seja “para a
edificação da comunidade” (1Cor 14,12).
uma série de indicações muito precisas e abundantes que nos permitem formar uma
idéia de como eram as celebrações litúrgicas das comunidades eclesiais durante os três
primeiros séculos.
Vale a pena reproduzir na íntegra estes textos tão importantes para conhecer
como os cristãos dos primeiros séculos celebravam a eucaristia, dando-nos conta de que,
nos aspectos essenciais, é exatamente igual como nós a celebramos hoje, sobretudo
depois das reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II. Uma mesma tradição vincula a
Igreja de hoje com as comunidades cristãs primitivas, numa fidelidade ininterrupta ao
mandato do Senhor: “Fazei isto em memória de mim”.
Diz Justino: “E no dia chamado do Sol, realiza-se uma reunião pum mesmo
lugar de todos os que habitam nas cidades ou nos campos. Lêem-se os comentários dos
Apóstolos ou os escritos dos profetas, enquanto o tempo o permitir. Em seguida, quando
o leitor tiver terminado a leitura, o que preside, tomando a palavra, admoesta e exorta a
imitar estas coisas sublimes. Depois nos levantamos todos juntos e recitamos orações; e
como já dissemos, ao terminarmos a oração, são trazidos pão, vinho e água e o que
preside, na medida de seu poder, eleva orações e igualmente ações de graças e o povo
aclama, dizendo o Amém. Então vem a distribuição e a recepção, por parte de cada qual,
dos alimentos eucaristizados, e o seu envio aos ausentes através dos diáconos. Os que
possuem bens e quiserem, cada qual segundo sua livre determinação, dão o que lhes
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parecer, sendo colocado à disposição do que preside o que foi recolhido. Ele por sua vez
socorre órfãos e viúvas, os que por enfermidades ou outro qualquer motivo se
encontram abandonados, os que se encontram em prisões, os forasteiros de passagem;
em uma palavra, ele se toma provedor de quantos padecem necessidade”.
É muito interessante a razão apontada por Justino para explicar por que os
cristãos se reúnem no “dia do Senhor”, isto é, o domingo: “Fazemos a reunião todos
juntos no dia do Sol, porque é o primeiro dia, em que Deus, transformando as trevas e a
matéria, fez o cosmos, e Jesus Cristo, nosso Salvador no mesmo dia ressuscitou de entre
os mortos”.
“E prossiga, a seguir: 'Graças te damos, Deus, pelo teu Filho querido, Jesus
Cristo, que nos últimos tempos nos enviaste, Salvador e Redentor, mensageiro da tua
vontade, que é o teu . Verbo inseparável, por meio do qual fizeste todas as coisas e que,
porque foi do teu agrado, enviaste do Céu ao seio de uma Virgem_ que, aí encerrado,
tomou um corpo e revelou-se teu Filho, nascido do Espírito Santo e da Virgem. Que,
cumprindo a. tua vontade - e obtendo para ti um povo santo - ergueu as mãos enquanto
soma para salvar do sofrimento os que confiaram em ti. Que, enquanto era entregue à
voluntária Paixão para destruir a morte, fazer em pedaços as cadeias do demônio,
esmagar os poderes do mal, iluminar os justos, estabelecer a Lei e dar a conhecer a
Ressurreição, tomou o pão e deu graças a ti, dizendo: Tomai, comei, isto é o meu Corpo
que por vós será destruído; tomou, igualmente o cálice, dizendo: Este é o meu Sangue,
que por vós será derramado. Quando fizeres isto, fa-lo-eis em minha memória. Por isso,
nós que nos lembramos de sua morte e ressurreição, oferecemos-te o pão e o cálice,
dando-te graças porque nos consideraste dignos de estar diante de ti e de servir-te. E te
pedimos que envies o teu Espírito Santo à Oblação da santa Igreja: reunindo em um só
rebanho todos os fiéis que recebemos a Eucaristia na plenitude do Espírito Santo para o
fortalecimento da nossa fé na Verdade, concede que te louvemos e te glorifiquemos,
pelo teu Filho Jesus Cristo, pelo qual a ti a glória e a honra - ao Pai e ao Filho, com o
Espírito Santo na tua santa Igreja, agora e pelos séculos dos séculos. Amém”.
Mais adiante Hipólito adverte: “Dê graças o bispo, tal como mencionamos. De
forma nenhuma é necessário que, dando graças a Deus, profira as mesmas palavras que
mencionamos, como se o fizesse de memória: reze cada um segundo suas
possibilidades. Se alguém tiver capacidade para rezar uma oração mais longa ou mais
solene, ótimo. Se outro, porém, rezando, proferir uma oração mais simples, deixai-o,
contanto que reze o que é correto e dentro da ortodoxia”. O texto oferecido por Hipólito
é, pois, orientador, e se dá por suposto que o celebrante tem a faculdade de improvisar a
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oração permanecendo fiel a um esquema inalterável. E este esquema que serviu de guia
para as orações eucarísticas de todas as épocas e que inspirou também a oração
eucarística II do Missal surgido da reforma do Vaticano II.
muito popular.
Por sua origem histórica, os ritos se dividem em grandes famílias, nascidas nos
mais antigos e importantes patriarcados: Antioquia, Alexandria, Roma. A expansão
missionária destes grandes centros eclesiásticos levou sua própria liturgia a outros
lugares, nos quais se diversificaria, conservando, não obstante, um tronco comum. Se
quisermos estabelecer uma classificação dos diferentes ritos litúrgicos, a mais
comumente aceita é a seguinte.
As línguas litúrgicas
Embora a língua não seja o elemento mais decisivo para a diversificação dos
ritos litúrgicos, ela exerce, contudo, uma influência capital, sobretudo se levamos em
conta que, ainda que em princípio toda língua seja apta para expressar a Palavra de Deus
e a oração da comunidade, de fato, ao longo da história, algumas línguas determinadas
se converteram nas únicas usadas na liturgia. Entretanto, as coisas não se
desenvolveram da mesma maneira no Oriente e no Ocidente.
Quanto ao Oriente, temos que levar em conta que a parte do Império romano que
tinha estado sob a dominação helênica conservava o grego como língua veicular, mas
alguns povos possuíam uma língua fixa e escrita, uma literatura e uma civilização que
podia rivalizar com o helenismo. Por isso estas línguas se mantiveram sem dificuldade
na liturgia, sobretudo a semítica. As línguas que não tinham escritura nem literatura se
beneficiaram do multilingüismo destas regiões e puderam chegar à maturidade, graças à
liturgia cristã.
A Igreja praticou a liturgia em língua grega nas grandes cidades do Oriente, mas
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como a reunião tinha de ser comum para todos os batizados, também tiveram que
atender a necessidade dos cristãos que não falavam grego, primeiro mediante traduções
e depois com intervenções diretas orais durante a própria cerimônia e, finalmente, com
uma celebração francamente poliglota. A Igreja que ficou constituída mais além do
Eufrates utilizou exclusivamente o siríaco. Por outro lado, o rito bizantino acolheu todas
as línguas dos diversos países pelos quais ia se expandindo.
espalhem por todas as partes, e que o culto cristão saia das catacumbas e das casas
particulares e se estabeleça nas “basílicas”, locais inspirados na arquitetura civil mas
adaptados às necessidades das reuniões multitudinárias da comunidade cristã. Em
segundo lugar, os bispos de Roma vão adquirindo cada vez mais prestígio e autoridade e
sua atividade como autores de orações e introdutores de ritos se caracteriza por um
sentido inovador e dinâmico, perfeitamente adaptado tanto às exigências da fé cristão
como ao gosto da cultura da época. Também temos que ter presente que naquele tempo
a participação do povo continua sendo espontânea e viva, com a qual - dado que ainda
há uma grande liberdade na seleção dos textos - se realiza um admirável equilíbrio entre
os aspectos comunitário e pessoal. Há também, especialmente a partir do século VI, um
magnífico desenvolvimento do canto litúrgico, que contribui a dar ao culto cristão um
tom de solenidade e de elevação artística que atrai e comove o povo.
Nesta época começam a se formar os livros litúrgicos. Até então cada presidente
da celebração litúrgica costumava improvisar livremente as fórmulas das orações -
seguindo, isso sim, um esquema fixo - e não tinha necessidade de lê-Ias em nenhum
livro. Cada vez se fez mais aguda a necessidade de recolher por escrito as fórmulas mais
felizes, seja para tomar a utilizá-las em outras ocasiões, seja para satisfazer as demandas
procedentes de outras comunidades. Pouco a pouco foram se selecionando algumas
destas recopilações ou coleções, por razão de sua qualidade literária e doutrina ou pelo
prestígio de seus autores. As compilações mencionadas deram lugar à criação dos livros
litúrgicos, que recebem nomes diversos segundo seu conteúdo e finalidade.
A respeito da missa, temos uma descrição muito clara num destes ordines dos
quais acabamos de falar, o denominado ordo I, que descreve a missa papal do dia de
Páscoa. Um rasgo característico da missa romana desta idade de ouro é que ao esquema
tradicional da celebração eucarística - formado pela liturgia da Palavra e a liturgia
eucarística -, se acrescenta a ritualização de três movimentos da assembléia: sua
formação ou reunião, e os movimentos que precedem e seguem à grande oração
eucarística (ofertório e comunhão). Em cada um destes movimentos se organiza uma
procissão, acompanhada de um canto e acabada com uma oração. presidencial e o
Amém do povo. Outro fenômeno típico da missa romana é que a oração dos fiéis
desaparece praticamente - só se utiliza na cerimônia da Sexta-feira Santa - e permanece
um vestígio nas invocações do Kyrie no início da missa. A oração eucarística (o cânon)
permanece fixo e invariável, porém contando com uma grande variedade e riqueza de
prefácios. Também se ritualiza a proclamação do evangelho, que fica reservada ao
diácono. e vai precedida de uma procissão acompanhada de luzes, incenso e a
aclamação do Aleluia.
V. AS CRISES MEDIEVAIS
profundas influências galicanas nos ritos e nas orações (séculos IX-X). Esta nova
liturgia franco-romana se imporá outra vez a Roma (séculos X-XI) e daí em todo o
Ocidente. E é esta liturgia romana, modificada pela mentalidade franco-germânica, que
perdurará até a reforma do Concilio Vaticano n. .
Uma descrição rápida das principais características da liturgia desta época chama
a atenção sobre os aspectos seguintes: a missa se enche de “apologias”, isto é, de
confissões de indignidade por parte do sacerdote celebrante, recitadas antes de começar
a missa, ao ir ler o evangelho, no momento do ofertório e antes de comungar; abandona-
se o catecumenato, por culpa da generalização do batismo de crianças; a partir do século
VII nasce e se difunde a penitência privada, devido ao abandono da pública,
considerada demasiado rígida, e pela nova mentalidade dos povos bárbaros; o
matrimônio começa a cair sob o controle jurídico da Igreja; a liturgia pontifical,
sobretudo por ocasião das ordenações, se dramatiza e complica extraordinariamente; o
oficio divino, por influência monástica, abarca todas as horas canônicas, se enriquece e
complica, mas o que ganha em longitude e solenidade perde em popularidade, de modo
que cada vez mais se considera exclusivo dos monges e dos clérigos, até converter-se
numa obrigação individual para eles. Em aparência as celebrações litúrgicas são solenes
e ricas, mas na realidade são uma espécie de andaime sem base popular.
Com tudo isto, a vida espiritual do povo cristão caminha à margem e fora do
marco litúrgico. Há um aumento notável.. das devoções privadas, algumas das quais se
popularizam - como, por exemplo, o rosário e a via-crucis e servem para alimentar e
manter a piedade dos cristãos, tanto dos leigos como dos clérigos e religiosos. De certo
modo, inclusive a própria liturgia se converte em uma devoção, como pode se deduzir
da afeição pelas missas votivas, pelas missas em honra de santos determinados, pelas
séries de missas aplicadas por intenções particulares. Na época medieval há um
florescimento exuberante da mística, mas reduzida a minorias muito pequenas e, em
geral, distantes das formas litúrgicas da oração.
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Uma avaliação de conjunto desta época nos permite observar que o povo está
sumido na ignorância, na superficialidade e na superstição. Todos estes elementos
originarão uma forte crise, que dará lugar à reação da Reforma protestante.
O estado de prostração da liturgia romana era reconhecido por todo aquele que
olhasse os fatos com objetividade. O próprio Concílio de Trento (1545-1563), que foi
convocado para sair ao encalço das inovações dos reformadores, estudou detidamente a
situação das celebrações litúrgicas, especialmente a missa, e elaborou uma lista ou
catálogo dos principais abusos que tinham sido introduzidos na nossa maneira de
celebrar. Resulta iluminador repassar alguns destes abusos e defeitos, já que, por um
lado, refletem a situação da época e, por outro, revelam até que contra-sensos pode
chegar a prática da liturgia quando se perde de vista sua verdadeira natureza.
A última sessão do Concílio de Trento deixa nas mãos do Papa a publicação dos
novos livros litúrgicos, que terão que ser únicos e obrigatórios para toda a Igreja latina,
excetuando as dioceses ou ordens religiosas que creditem uma tradição própria de mais
de dois séculos de antiguidade, como ocorria com os dominicanos, os cartuxos, os
premonstratenses e as dioceses de Braga ou de Lyon.
Pio V edita o Breviarium romanum (1568) e o Missale romanum (1570);
Clemente VIII, o Pontificale romanum (1596) e o Caeremoniale episcoporum (1600);
Paulo V, o Rituale romanum (1614), que não se apresente como obrigatório, mas
somente recomendado: as diversas Igrejas locais podem continuar mantendo seus
próprios Rituais. Na edição de todos estes livros litúrgicos, se vê a boa intenção de
voltar às fontes antigas e genuínas da liturgia, mas, devido à falta de meios técnicos
adequados, a única coisa que a reforma tridentina faz é purificar e restaurar o rito
romano de acordo mais ou menos com a forma que tinha nos tempos de Gregório VII.
Em resumo, sua missão não era de continuar a reforma levada a cabo pelo
Concílio de Trento, mas velar a fidelidade quanto à sua aplicação. A Congregação dos
Ritos elaborou muitos decretos (uma coleção autêntica publicada em Roma entre os
anos 1898 e 1900 recolhe mais de 4.000). Esta tarefa de casuística detalhada e
minuciosa criou na Igreja católica o que alguns chamaram “complexo rubricista”, isto é,
a obsessão por cumprir escrupulosamente todas e cada uma das prescrições rituais
contidas nos livros litúrgicos, precisamente com mais fidelidade à “letra” que ao
“espírito” da norma. De modo que as “rubricas” (palavra que provém da palavra latina
rubrum – vermelho –, já que nesta cor figuravam escritas nos livros litúrgicos, em
contraste com o negro dos textos das leituras e orações), que num primeiro momento
eram simplesmente indicações de “corno se costuma” realizar um rito determinado, se
converteram finalmente em normas autoritárias e rígidas sobre “como deve” levá-lo a
cabo obrigatoriamente, sob pena de não validade ou ilicitude do ato ritual.
O motivo de tal incompatibilidade tem raiz no fato de que, durante esta época, a
Igreja católica acentua os pontos negados ou discutidos pelos reformadores protestantes,
e isso produz um desequilíbrio na prática serena da vida e da celebração cristã. Cada vez
mais se acentua a preeminência da presença real de Cristo na eucaristia, com omissão
dos demais aspectos do sacramento. Contra o sacerdócio comum dos fiéis, se insiste na
eminente dignidade do sacerdócio dos ministros ordenados, com uma separação cada
vez mais profunda entre o que o sacerdote faz e diz no altar e o que o povo fiel pratica
durante a celebração. Contra a missa na língua do povo, se chega a proibir a tradução do
missal, como fez o papa Alexandre VII em 1662 e, mesmo que apareçam devocionários
com explicações sobre o significado dos ritos da missa (geralmente com sabor
alegorizante), a única coisa que fazem é favorecer a participação indireta na celebração,
limitada aos uns poucos seletos.
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na qual participa a comunidade, mas como uma função educadora para o povo, um meio
para o progresso moral do indivíduo. Mas é importante sublinhar que estas tentativas
“iluministas” partem de uma idéia fecunda, que mais tarde orientará na reforma litúrgica
do Concilio Vaticano II: trata-se do princípio fundamental da “pastoral litúrgica”, isto é,
que a liturgia é a fonte primordial da vida cristã.
Reação restauracionista
Mas este movimento, benemérito em tantos aspectos, não patrocina ainda com
suficiente convicção a participação do povo na celebração litúrgica. O culto cristão é
considerado como uma realidade intocável e misteriosa, obra perfeitíssima e inspirada
diretamente pelo Espírito Santo, que deve permanecer inalterável, à margem de toda
evolução histórica. O abade de Solesmes se mostra inimigo das chamadas “liturgias
neogalicanas”, que haviam se proliferado na França ao longo do século XIII, e luta por
uma volta incondicional aos livros autênticos da tradição romana pura, que comenta em
suas obras, especialmente na mais famosa, L'année liturgique.
Mas a reforma litúrgica do Vaticano II não foi um fenômeno aparecido como por
arte de magia, mas um fruto colhido do movimento litúrgico, preparado pela obra de
dom Guéranger e surgido em princípios do século XX.
O movimento litúrgico
Congresso Litúrgico de Montserrat (1915), que dá como frutos mais visíveis a edição do
Eucologi, de Lluís Carreras, as publicações do Foment de Pietat e a fundação da
Associação gregorianista, sob a direção do padre Gregori M. Sunol, monge de
Montserrat.
O papa Pio XII, sem ser pessoalmente um entusiasta da liturgia, aceita o papel
impulsionador da renovação litúrgica, com uma série de iniciativas que vão preparando
o caminho para uma reforma mais profunda. A encíclica Mediator Dei (1947), redigida
para sair ao encalço de certos exageros “panliturgistas”, serve de fato para sancionar os
resultados positivos do movimento litúrgico e abrir o caminho para um conceito e uma
vivência da liturgia superadores das perspectivas “estética” e “jurídica” em que alguns
corriam o perigo de encerrar-se. Em 1953 Pio XII simplifica as normas sobre o jejum
eucarístico, com a finalidade de facilitar a celebração vespertina da missa. Em 1951
restaura a Vigília Pascal, situando-a outra vez na noite do Sábado Santo e reformando-
lhe alguns ritos, com a grande inovação do uso litúrgico da língua do povo na renovação
das promessas batismais. E em 1955 completa a reforma da Semana Santa com uma
renovação profunda dos ritos e os horários da Quinta e Sexta-feira Santa. Também é
importante a autorização dos Rituais bilíngües e a simplificação das rubricas do
Breviário, que culmina, já no pontificado de João XXIII, com a publicação do Código
das rubricas (1960).
Numa primeira parte, que ocupa os números 5-13, se trata dos aspectos
doutrinais da liturgia. De certo modo é o núcleo de toda a Constituição. Numa
linguagem eminentemente bíblica e patrística se recolhem os resultados das
investigações teológicas sobre a natureza da liturgia e se insiste em sua importância para
a vida da Igreja. A segunda parte (14-20) está dedicada à necessidade. de promover a
educação litúrgica e a participação ativa. A terceira parte, de uma importância capital,
expõe já os princípios que devem regulamentar a reforma. Estabelecido o princípio
fundamental, que é o da transparência dos sinais utilizados na liturgia (21), se dão as
normas gerais (22-25), as normas derivadas da índole da liturgia como ação hierárquica
e comunitária (26-32), as normas derivadas do caráter didático e pastoral da liturgia (33-
36) e, finalmente, as normas para adaptara liturgia à mentalidade e às tradições dos
povos (37-40). Acabadas as considerações sobre a reforma litúrgica, em duas breves
partes se fala do fomento da vida litúrgica nas dioceses e na paróquia (41-42) e do
fomento da ação pastoral litúrgica (43-46).
O novo livro da Liturgia das Horas (nome que toma agora o antigo Oficio
divino) aparece no dia 2 de fevereiro de 1971, e no mesmo ano sai o Ordo da
confirmação. Em 1972 se publicam os Ordines da iniciação cristã de adultos, do canto
da missa, da instituição de leitores e acólitos, da visita e unção dos enfermos. Em 1973
aparecem os ritos relativos ao culto da eucaristia fora da missa, e o Ordo da penitência.
O da consagração de uma igreja e um altar sai em 1971. Em 1984 se publica o ritual das
bênçãos e o cerimonial dos bispos. O único livro que ainda está em processo de revisão
é o Martirológio. Durante estes anos se publicam também uma série de documentos que
ajudam a encaminhar a atividade litúrgica: o diretório para as missas com crianças
(1973), a instrução sobre os ministros extraordinários da comunhão (1973), a instrução
sobre a missa com grupos reduzidos (1969), etc. Como todo este trabalho de reforma
significa às vezes mudanças importantes de tipo jurídico, o novo Código de Direito
Canônico, publicado em 1983, os ratifica e os incorpora, com o risco, não obstante, de
uma vez convertidos em leis, perderem seu espírito primigênio.
CONCLUSÃO:
A LITURGIA DO AMANHÃ
A evolução histórica dos ritos e dos textos litúrgicos foi dirigi da por duas
grandes linhas de força: a tendência conservadora e a tendência progressista. Por um
lado, a fidelidade à tradição obrigou a conservar intocáveis um certo número de ritos e
fórmulas; por outro, a necessidade de adaptação introduziu mudanças, às vezes muito
substanciais, nas celebrações litúrgicas. Tradição e progresso foram os dois polos de
uma tensão dinâmica, que sempre se resolveu de uma maneira equilibrada. Vejamos as
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A liturgia do amanhã será, mais do que nunca, o meio imprescindível para que as
comunidades cristãs “anunciem a morte do Senhor até que ele venha” (1 Cor 11,26).