SRQ - Instrumento de Avaliação Psiquiatrica PDF
SRQ - Instrumento de Avaliação Psiquiatrica PDF
SRQ - Instrumento de Avaliação Psiquiatrica PDF
Abstract Introdução
1 Hospital de Clínicas
The SRQ (Self-Reporting Questionnaire) is a psy- O estudos têm sistematicamente demonstrado
de Porto Alegre,
Porto Alegre, Brasil.
chiatric screening tool that originally included 30 que saúde mental é crucial para o bem-estar ge-
2 Fundação Faculdade questions. The Brazilian version of SRQ-20 (a ver- ral dos indivíduos, sociedades e países. Os trans-
Federal de Ciências sion that includes the 20 items for non-psychotic tornos mentais representam algo em torno de
Médicas de Porto Alegre,
Porto Alegre, Brasil.
mental disorders) was validated in the early 13% da sobrecarga de doenças no mundo. Apesar
3 Universidade Luterana 1980s. The objective of the present study was to dessas constatações, a lacuna entre oferta e de-
do Brasil, Canoas, Brasil. validate the Brazilian version of SRQ-20 and the manda de assistência em saúde mental é robusta,
4 Faculdade de Medicina,
Universidade Federal do 5 items for alcohol-related disorders as compared com estimativas de até 70% para transtornos de
Rio Grande do Sul, to the SCID-IV-TR (Structured Clinical Interview humor e 90% para transtornos por uso de álcool
Porto Alegre, Brasil.
for DSM-IV-TR) as the gold standard. The study em países desenvolvidos. Os dados para países
Correspondência was conducted in Santa Cruz do Sul, a small em desenvolvimento são escassos 1.
D. M. Gonçalves town in southern Brazil, with 485 subjects (54.8% Um dos principais fatores para essa lacuna
Laboratório de Psiquiatria
females, mean age 40.04 years). The 5 items for é o subdiagnóstico de transtornos mentais. De
Molecular, Hospital das
Clínicas de Porto Alegre. alcohol-related disorders showed low sensitivity 25% a 50% dos pacientes que procuram assistên-
Rua 28 de Outubro 662, (66%). The optimum cutoff value for SRQ-20 was cia médica em centros de atendimento primário
Santa Cruz do Sul, RS
7/8, with 86.33% sensitivity and 89.31% specific- têm pelo menos um transtorno psiquiátrico ou
96815-710, Brasil.
danielmgpoa@yahoo.com.br ity. The discriminant power of SRQ-20 for psy- neurológico. Destes, a não detecção dos casos
chiatric screening was 0.9, and Cronbach’s alpha pode ser de 55% para diagnóstico de depressão
was 0.86. e até 77% para transtorno de ansiedade genera-
lizada 1.
Mass Screening; Validation Studies; Question- Entre as estratégias para modificação desse
naires; Mental Health contexto está a utilização de instrumentos de
rastreamento psiquiátrico, que preferencialmen-
te devem ser de fácil aplicação e baixo custo. Es-
sas características são de grande relevância para
seu emprego em larga escala na prática clínica e
nos estudos de epidemiologia psiquiátrica 2.
Na década de 1970, a OMS (Organização
Mundial da Saúde) conduziu o Estudo Colabora-
tivo em Estratégias para Atendimento em Saúde
Mental, que visava a validar métodos de baixo contextos local e temporal. Dessa forma, um no-
custo para rastreamento psiquiátrico. Essa ne- vo estudo de validação parece pertinente.
cessidade surgiu em decorrência dos altos custos Este estudo tem por objetivo verificar o ponto
em estudos de prevalência de base populacional, de corte mais adequado para o uso do SRQ-20
que por este motivo eram realizados na sua gran- como instrumento de rastreamento de transtor-
de maioria em países desenvolvidos, o que pare- nos não-psicóticos e das cinco questões do SRQ
ce ser ainda uma realidade 3. Testou-se então em para rastreamento de transtornos por uso de ál-
oito países o SRQ (Self-Reporting Questionnai- cool por meio da comparação com entrevistas
re), instrumento de rastreamento proposto por estruturadas de diagnóstico psiquiátrico face a
Harding et al. 4. face baseado no DSM-IV-TR (Diagnostic and Sta-
O SRQ é composto originalmente por 30 tiscal Manual of Mental Disorders – 4th version
questões, sendo 20 sobre sintomas psicossomá- reviewed) 12. A fim de facilitar a apresentação dos
ticos para rastreamento de transtornos não-psi- dados, utilizamos a abreviatura SRQ-A para de-
cóticos, quatro para rastreamento de transtornos signar as questões de rastreamento de transtorno
psicóticos, uma para rastreamento de convulsões por uso de álcool. Os objetivos secundários são
do tipo tônico-clônica e cinco questões para ras- avaliar as características psicométricas dos dois
treamento de transtorno por uso de álcool 3,5. As instrumentos.
questões para rastrear psicose de certa forma fi-
caram em desuso, pois o rastreamento deste tipo
de patologia por instrumentos auto-respondidos Metodologia
apresenta baixa sensibilidade, estando indicada
a busca ativa de casos. O mesmo ocorre para a Amostra
questão sobre convulsões.
O SRQ está recomendado pela OMS para es- O estudo foi conduzido em uma comunidade de
tudos comunitários e em atenção básica à saúde, Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil, on-
principalmente nos países em desenvolvimen- de residem 2.800 pessoas. A área é atendida pelo
to, por preencher os critérios citados acima em Programa Saúde da Família (PSF), sendo desta
termos de facilidade de uso e custo reduzido. O forma acompanhada por médico, profissionais
SRQ-20 (versão em que são utilizadas as 20 ques- de enfermagem e quatro agentes comunitários
tões para rastreamento de transtornos não-psi- de saúde (ACS). Cada ACS é responsável por
cóticos) vem sendo utilizado em vários países de aproximadamente um quarto do total de mora-
culturas diferentes para rastreamento de trans- dores. Foram considerados critérios de inclusão:
tornos não-psicóticos 6,7,8. indivíduos maiores de 14 anos, moradores da
Por tratar-se de um instrumento para rastre- área e que participaram das duas etapas do estu-
amento, e não diagnóstico, a determinação do do (questionários auto-respondidos sobre dados
ponto de corte para detecção de casos, com res- demográficos, SRQ-20 e SRQ-A mais entrevista
pectivas sensibilidade e especificidade, precisa psiquiátrica). Utilizou-se como critério de ex-
ser feita por meio da comparação com o padrão- clusão apenas a presença de comprometimento
ouro, isto é, entrevista psiquiátrica padronizada 2. mental que impossibilitasse a participação, basi-
No Brasil, o SRQ-20 foi comparado com entre- camente retardo mental e demência de modera-
vista psiquiátrica formal utilizando-se o instru- da a grave. No total, 485 indivíduos participaram
mento semi-estruturado CIS (Clinical Interview de todas as etapas do estudo (questionários auto-
Schedule) 9 em meados da década de 1980. Nesse respondidos e entrevista psiquiátrica).
estudo a sensibilidade e especificidade foram,
respectivamente, 83% e 80% para detecção de Delineamento
casos de transtornos mentais do tipo neurótico
utilizando como ponto de corte 7/8 para mulhe- Trata-se de um estudo transversal quantitativo
res e 5/6 para homens 10,11. Em relação às ques- realizado no período de 10 de fevereiro a 10 de
tões para rastreamento de transtorno por uso de maio de 2006. O estudo ocorreu em duas etapas
álcool, não localizamos na literatura estudo de simultâneas: aplicação do questionário sobre da-
validação. dos demográficos, SRQ-20 e SRQ-A pelos ACSs, e
Passados mais de vinte anos desde a valida- aplicação do SCID-IV-TR (Structured Clinical In-
ção do SRQ-20, os mesmos parâmetros têm sido terview for DSM-IV-TR) 13 por psiquiatra. Nas vi-
utilizados, apesar dos avanços no diagnóstico sitas domiciliares realizadas pelos ACSs durante
psiquiátrico. Conforme Harding et al. 4, o pon- o período de estudo, todos os moradores acima
to de corte do SRQ-20 pode apresentar variação de 14 anos da área eram convidados a partici-
considerável, de 5/6 a 10/11, dependendo do par. Quando um morador não estava presente, o
contexto cultural em que é aplicado, o que inclui convite para a pesquisa era feito por intermédio
do familiar presente. O SRQ-20 e o SRQ-A foram • Structured Clinical Interview for DSM-IV-
respondidos individualmente pelos participan- TR (SCID-IV-TR)
tes. No caso de o entrevistado ser analfabeto, os
instrumentos eram lidos por um terceiro, prefe- O SCID-IV-TR 13 é um instrumento estruturado
rencialmente o ACS. Isso porque o SRQ objetiva para entrevista psiquiátrica com fins de diag-
incluir todo tipo de paciente, inclusive os analfa- nóstico, sendo que deve ser aplicado por clínico
betos 7. O SCID-IV-TR foi aplicado por psiquiatra treinado e familiarizado com o mesmo. É base-
treinado no instrumento pelo Laboratório de Psi- ado nos critérios diagnósticos do DSM-IV-TR 12,
quiatria Molecular, Hospital de Clínicas de Porto e é amplamente utilizado em pesquisas na área
Alegre, e sem conhecimento dos resultados dos de saúde mental. É dividido em módulos, sen-
instrumentos de rastreamento. Todos os mora- do que cada um tem perguntas iniciais de ras-
dores da área acima de 14 anos que responderam treamento e direcionamento da entrevista para
ao SRQ-20 e SRQ-A e que procuravam a unidade os prováveis diagnósticos. Os seis módulos são
de saúde do PSF por qualquer motivo eram con- episódios de humor (A), episódios psicóticos
vidados a participar. (B), transtornos psicóticos (C), transtornos de
humor (D), transtornos por abuso de substân-
Instrumentos cias (E) e transtornos de ansiedade, alimentares
e somatoformes (F).
• Questionário sobre dados demográficos
Preparação e suporte aos aplicadores
Trata-se de um questionário auto-respondido
composto por 12 perguntas acerca de dados de- Os quatro ACSs foram treinados em dez encon-
mográficos e de identificação. tros de três horas cada para senbilização e capa-
citação em saúde mental, sendo cinco encontros
• Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) antes do início do estudo e cinco no decorrer do
estudo. Além desses, um encontro semanal era
O SRQ-20 é a versão de 20 itens do SRQ-30 para realizado com o responsável pelo estudo a fim
rastreamento de transtornos mentais não-psicó- de esclarecer dúvidas e receber suporte técnico
ticos. As respostas são do tipo sim/não. Cada res- e emocional.
posta afirmativa pontua com o valor 1 para com-
por o escore final por meio do somatório destes Análise estatística
valores. Os escores obtidos estão relacionados
com a probabilidade de presença de transtorno Os dados foram compilados no programa SPSS
não-psicótico, variando de 0 (nenhuma probabi- versão 12.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos)
lidade) a 20 (extrema probabilidade). com dupla digitação, posterior validante e limpe-
za do banco de dados. As análises foram realiza-
• Self-Reporting Questionnaire (SRQ-A) das no mesmo programa. As médias aritméticas
e os desvios-padrão foram calculados para todos
O SRQ-A é composto por cinco questões para os dados contínuos da amostra. Porcentuais fo-
rastreamento de transtornos por uso de álcool. ram calculados para todas as variáveis categóri-
São elas: “Alguma vez sua família, seus amigos, cas e nominais.
seu médico ou seu sacerdote comentaram ou Foram considerados casos positivos de trans-
sugeriram que você estava bebendo demasiada- tornos não-psicóticos para fins de validação do
mente?”; “Alguma vez você tentou deixar de beber SRQ-20 os indivíduos que preencheram critérios
mas não conseguiu?”; “O(a) sr(a). teve problemas mínimos atuais (em atividade) para as sessões no
no trabalho ou estudo por causa da bebida, tais SCID-IV-TR A (episódios de humor), D (diagnós-
como beber no trabalho ou no colégio, ou faltar tico de transtornos de humor) e F (diagnóstico de
a ambos?”; “O(a) sr(a). tem se envolvido em bri- transtornos de ansiedade, alimentares e somato-
gas ou já foi preso por estar embriagado?”; “Já lhe formes), excluindo-se os transtornos alimenta-
pareceu alguma vez que estava bebendo dema- res. Para a validação do SRQ-A foram considera-
siadamente?”. As respostas são do tipo sim/não. dos casos positivos os indivíduos que preenche-
Cada resposta afirmativa pontua com o valor 1 ram critérios atuais na seção E do SCID-IV-TR,
para compor o escore final por meio do somató- excluindo-se transtornos por outras substâncias
rio destes valores. que não álcool. Indivíduos com algum diagnós-
tico ao longo da vida, mas em remissão total na
atualidade, foram considerados não-casos, pois
o rastreamento com SRQ destina-se a avaliar
transtornos atuais.
Tabela 1
Características da amostra.
Variáveis n %
Sexo
Masculino 219 45,2
Feminino 266 54,8
Etnia
Negro 76 15,9
Branco com ascendência germânica * 116 24,2
Branco sem ascendência germânica 174 36,3
Pardo 110 23,0
Situação conjugal
Solteiros 98 20,8
Casados ** 290 61,6
Separados 40 8,5
Viúvos 34 7,2
Nível de escolaridade
Analfabetos 59 12,13
Primeiro grau incompleto 297 61,9
Primeiro grau completo 57 11,9
Segundo grau incompleto 35 7,3
Segundo grau completo 26 5,4
Superior (completo e incompleto) 5 1,0
Ocupação
Estudantes 45 10,0
Empregados com carteira assinada 87 19,4
Trabalhadores autônomos 32 7,1
Safristas *** 113 25,6
Desempregados 54 12,0
Em benefício por problemas de saúde 24 5,3
Aposentados por invalidez 32 7,1
Aposentados por tempo de serviço 18 4,0
Pensionistas 9 2,0
Donas-de-casa 33 7,3
Renda familiar (Reais)
Até 300,00 # 89 18,9
De 300,00 até 900,00 358 76,2
De 900,00 até 1.500,00 21 4,5
Mais de 1.500,00 2 0,4
• Ponto de corte, sensibilidade e ponto de corte 7/8. Ou seja, não houve influên-
especificidade do SRQ-20 cia significativa do gênero na análise da curva
ROC. Este ponto corresponde para toda amostra
O ponto de corte foi analisado para toda a amos- uma sensibilidade de 86,33% e especificidade de
tra e para os indivíduos dos sexos masculino e 89,31% (Tabela 2), sendo o valor preditivo positi-
feminino em separado, visto que a validação vo 76,43% e o valor preditivo negativo 94,21%.
anterior demonstrou pontos de corte diferentes As áreas sob a curva ROC para ambos os se-
para cada sexo 10,11. Nos três casos, encontramos xos, para o sexo masculino e para o feminino são,
Tabela 2
Ponto de corte, sensibilidade e especificidade do instrumento Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) em relação ao Structured
Clinical Interview for DSM-IV-TR (SCID-IV-TR).
respectivamente, 0,91 (0,88-0,94), 0,91 (0,86-0,96) sociação com os itens 1 (“Sr.(a) tem dores de cabe-
e 0,93 (0,9-0,96). ça com freqüência?”) e 2 (“Tem falta de apetite?”),
A Tabela 2 apresenta a sensibilidade e especi- e o item 14 (“O(a) Sr(a). não é capaz de ter um
ficidade por sexo e para toda amostra em diver- papel útil na vida?”) não apresentou associação
sos pontos de corte, possibilitando que o usuário com 1 (“Sr(a). tem dores de cabeça com freqüên-
da escala possa optar por um ponto de corte di- cia?”) e 3 (“O(a) Sr(a). dorme mal?”)
ferente do proposto de acordo com os seus ob- Em relação à análise fatorial, o método de
jetivos (necessidade de maior sensibilidade ou Análise por Componente Principal resultou em
especificidade). uma solução de quatro fatores, respondendo por
uma variância cumulativa de 46,52%. O primeiro
• Avaliação de desempenho de cada item fator extraído responde por 27,97% de variância
do SRQ-20 (mais da metade) e todos os itens do SRQ-20 car-
regaram positivamente neste fator, com os se-
Analisamos o desempenho de cada uma das vin- guintes valores de carregamento para as questões
te questões que compõem o SRQ-20 em termos em ordem crescente: 0,42; 0,51; 0,53; 0,5; 0,55;
de sensibilidade e especificidade para detecção 0,54; 0,58; 0,43; 0,53; 0,47; 0,39; 0,47; 0,51; 0,35;
de casos positivos de transtorno não-psicóti- 0,63; 0,51; 0,59; 0,72; 0,53 e 0,67. Como pode ser
co. Como pode ser visto na Tabela 3, a menor verificado, os valores variaram de 0,35 (item 14)
sensibilidade (31,85%) foi vista na questão 16 a 0,72 (item 18). Interessante notar que os dois
(Acha que é uma pessoa que não vale nada?), e a itens com menores valores foram o 11 (0,38) e o
maior (89,81%) na questão 6 (O(a) Sr(a). se sente 14 (0,35), justamente os itens que foram exceção
nervoso(a), tenso(a) ou preocupado(a)?). na análise de correlação inter-item.
O coeficiente Cronbach alfa calculado para esta O escore médio do SRQ-A para toda a amos-
amostra foi de 0,86. Como esperado teoricamen- tra foi de 0,44 (DP = 1,21). Quatrocentos e doze
te, a grande maioria dos itens apresentou corre- (84,9%) entrevistados não pontuaram em ne-
lação calculada pelo método de correlação r de nhuma questão. O sexo masculino apresentou
Pearson significativa entre si (p < 0,001). Como média significativamente maior que o feminino
exceções, o item 11 (“Acha difícil apreciar (gostar (m = 0,8; DP = 1,56 vs. m = 0,15; DP = 0,7), com
de) suas atividades diárias?”) não apresentou as- significância no teste t de Student (t = 5,713;
Tabela 3
Performance de cada questão de rastreamento do Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) para detecção de casos.
df = 290,483; p < 0,001). As médias de SRQ-A atual feito pelo SCID-IV-TR e sexo masculino
distribuídas conforme a variável demográfica (χ2 = 45,117; df = 1; p < 0,001). A variável ocupa-
ocupação também mostraram diferenças sig- ção também apresentou associação (χ2 = 27,791;
nificativas (ANOVA = 46,835; df = 11; p < 0,001), df = 11; p = 0,003). O mesmo padrão foi observa-
sendo que esta significância ocorreu para maio- do em relação ao SRQ-A.
res escores de SRQ-A em desempregados quando
comparados com estudantes, empregados com • Ponto de corte, sensibilidade e
carteira assinada, safristas e donas-de-casa. especificidade do SRQ-A
Em relação a diagnóstico de transtorno por
uso de álcool e outras substâncias, 66 (13,6%) O ponto de corte ótimo para o SRQ-A foi 1/2, com
do total da amostra apresentaram diagnóstico sensibilidade de 68,2% e especificidade de 94,1%
positivo ao longo da vida, sendo 15 (3,1%) para neste ponto, e valores preditivos positivo e nega-
transtorno por uso de álcool e drogas e 51 (10,5%) tivo de 53,57% e 96,74%. Quando analisamos a
para transtorno por uso de álcool somente. To- curva ROC dividindo a amostra por sexo, o ponto
dos os indivíduos com diagnóstico de transtorno de corte mantém-se em 1/2 para ambos os gru-
por uso de drogas tinham também diagnóstico pos, com sensibilidade de 69% e especificidade
para transtorno por uso de álcool. Vinte indiví- de 91% para o sexo masculino, e sensibilidade de
duos (4,12%) apresentaram diagnóstico passado 50% e especificidade de 96,2% para o feminino.
de transtorno por uso de álcool, e 2 (0,41%) de As áreas sob a curva ROC foram 0,82 (0,73-
transtorno por uso de álcool e drogas. Trinta e 0,90), 0,81 (0,72-0,90) e 0,73 (0,28-1,18), para am-
um (6,39%) preencheram critérios para diagnós- bos os sexos, sexo masculino e sexo feminino,
tico de transtorno por uso de álcool atual, e 13 respectivamente.
(2,68%) apresentaram diagnóstico de transtorno
por uso de álcool e drogas atual, totalizando 44 • Avaliação de desempenho de cada item
(9,07%) indivíduos considerados como casos po- do SRQ-A
sitivos para validação do SRQ-A.
Houve associação positiva entre a presença Analisamos o desempenho de cada um dos cin-
de diagnóstico de transtorno por uso de álcool co itens do SRQ-A em termos de sensibilidade e
• Propriedades psicométricas do SRQ-A nor (5/6) que para mulheres (7/8), não encontra-
mos esta diferença em nossa amostra. Em nosso
O coeficiente de confiabilidade interna alfa de estudo o ponto de corte mais adequado para o
Cronbach foi 0,90. O coeficiente de correlação SRQ-20 é 7/8, independente do sexo. Nesse es-
r de Pearson entre os itens do SRQ-A foram sig- core, a sensibilidade para presença de transtorno
nificativos para os 5 itens (p < 0,001), sendo que mental não-psicótico é de 86,33% e a especifici-
variou de 0,56 a 0,73, ou seja, com correlação de dade de 89,31%, com valores preditivos positivo e
moderada a forte. negativo de 76,43% e 94,21%, respectivamente.
A análise fatorial pelo método de Análise de Um dos motivos apontados naquela época
Componente Principal apresentou apenas um para a diferença entre os sexos seria de que o pon-
fator com eigenvalues maior que 1. Esse fator é to de corte menor para homens provavelmente
responsável por 72,99% de variação da escala. Os deve-se ao comportamento destes em relação a
valores de carregamento para os itens 1 a 5 foram, problemas psicoemocionais e não a problemas
respectivamente, 0,81, 0,85, 0,85, 0,85 e 0,89. inerentes ao instrumento. Ou seja, homens te-
riam mais dificuldades em expressar questões
Falsos-positivos e falsos-negativos emocionais e pessoais de qualquer natureza, pois
seriam socialmente entendidas como fraqueza 14.
Sobre diagnósticos equivocados oriundos de ins- Os fatores que possam ter contribuído para esta
trumentos de rastreamento, Mari & Williams 14 mudança precisam ser melhor averiguados, po-
chamam a atenção que estes devem ser conside- rém supõe-se estarem relacionados à mudança
rados como objeto de estudo, pois os falsos-posi- de papéis sociais de homens e mulheres e suas
tivos e falsos-negativos nem sempre derivam de repercussões nas últimas duas décadas 15.
problemas do instrumento. No ponto de corte 7/8 obtivemos sensibilida-
Em relação ao SRQ-20, consideramos escore de e especificidade um pouco acima das obtidas
total igual ou menor que 7 como definidor de ca- pela validação anterior no Brasil (86,33% vs. 83%
so negativo e igual ou maior que 8, como positi- e 89,31% vs. 80%) para presença de transtornos
vo. Encontramos 37 casos de falsos-positivos e 19 mentais não-psicóticos. Também foram valores
de falsos-negativos. Dos casos de falso-positivo, superiores aos obtidos em outras validações
72,97% (27) eram mulheres e 27,02% (10) tinham disponíveis: sensibilidade entre 73% e 83% e es-
diagnóstico e transtorno por uso de álcool e/ou pecificidade entre 72% e 85% 4. As duas últimas
drogas. Dos 19 casos de falso-negativo, 36,84% validações, no Chile 16 e Vietnam 17, obtiveram,
(7) eram mulheres e 36,84% (7) tinham diagnós- respectivamente, sensibilidade de 76% e 85%,
tico positivo de transtorno por uso de álcool e/ou e especificidade de 73% e 61% nos pontos de
drogas. corte que estabeleceram como ótimos para suas
Em relação ao SRQ-A, consideramos como amostras.
caso positivo os que resultaram em escore igual Em relação ao poder de discriminação de ras-
ou menor que 1, e positivo, maior ou igual a 2. treamento psiquiátrico de transtornos não-psi-
Houve 26 falsos-positivos e 14 falsos-negativos. cóticos do SRQ-20, ou seja, da sua capacidade de
Seis (23,08%) dos casos de falso-positivo tinham discriminar casos de não-casos, foram obtidos
diagnóstico de transtorno por uso de álcool no resultados muito satisfatórios, com 0,91 (0,88-
passado e 10 (38,46%) eram mulheres. 0,94) de área sob a curva ROC. Este valor está um
pouco acima dos obtidos na validação brasileira
anterior (0,90) e no limite superior do intervalo
de variação das validações de outros países (0,85
a 0,95) 4.
Em relação às características psicométricas
do instrumento, de uma forma geral apresentou-
se muito favorável. O coeficiente alfa de Cronba-
ch de 0,86 demonstra indiretamente boa compre-
ensão das questões por parte dos entrevistados.
Além disso, os fatores de carregamento foram
significativos, com força de moderada a forte,
assim como a correlação inter-itens de Pearson a 96%. Esses parâmetros dependem bastante do
que demonstrou significância menor que 0,001 tipo de amostra estudada, com uma tendência
entre a grande maioria dos itens. As exceções, a apresentar melhor sensibilidade quando utili-
que não parecem comprometer os resultados, fo- zados em indivíduos de centros de atendimento
ram os itens 11 e 14 que não se correlacionaram, especializado, especialmente quando a especia-
respectivamente, aos itens 1, 2 e 1, 3. lidade é em saúde mental 19,20.
Os menos itens 11 e 14 apresentaram os me-
nores valores de carregamento na análise fato- Falsos-positivos e falsos-negativos
rial. Se esses achados representam um problema
de fato inerente aos itens ou apenas causalida- Entre os 37 casos de falsos-positivos no SRQ-20,
de precisa ser melhor averiguado. De qualquer dois terços (27) eram mulheres. Em relação ao
forma, em relação ao item 14 (“O(a) Sr(a). não é SRQ-A, dos 26 falsos-positivos 10 (38,46%) eram
capaz de ter um papel útil na vida?”), sabe-se que mulheres, o que é uma contribuição relativamen-
questões com negativas podem causar confusão te alta se considerarmos que apenas 2 mulheres
na sua interpretação e compreensão. Da mesma tiveram diagnóstico positivo de transtorno por
forma, a outra questão com negativa do SRQ-20, uso de álcool pelo SCID-IV-TR. Do total de 11 mu-
a 16 (“Acha que é uma pessoa que não vale na- lheres que resultaram em rastreamento positivo
da?”) apresentou a menor sensibilidade (31,85%) no SRQ-A, apenas 2 tiveram o diagnóstico confir-
entre as 20. Esse fato foi relatado pelos aplicado- mado pelo SCID-IV-TR. A maior contribuição do
res do SRQ deste estudo durante os encontros se- sexo feminino para aumento de falsos-positivos
manais com o responsável pelo estudo. Ou seja, no SRQ está de acordo com outros estudos 14.
uma nova redação das mesmas pode ser objeto Um pouco mais de um quarto (10) dos falsos-
de estudo futuro. positivos no SRQ-20 era composto por indivídu-
Por fim, quando comparamos o SRQ-20 com os com diagnóstico de abuso/dependência de
outro instrumento auto-respondido de rastrea- substâncias. Essa constatação poderia dever-se
mento de transtornos não-psicóticos disponível, ao fato de que esses transtornos estão freqüente-
o PRIME-MD (Patient Health Questionnaire) 18, o mente associados ao tipo de sintomas avaliados
primeiro mostrou melhor sensibilidade (86,33% pelo SRQ-20, embora não se possa afirmar.
vs. 75%) e especificidade muito semelhante Quase um quarto dos casos de falso-positivo
(89,31% vs. 90%). Ou seja, o SRQ-20 parece ser no SRQ-A tinha diagnóstico de transtorno por
mais efetivo no rastreamento de transtornos uso de álcool no passado, o que pode derivar do
não-psicóticos. fato de as perguntas de alguma forma reporta-
rem situações passadas, apesar de se destinarem
Self-Reporting Questionnaire (SRQ-A) a rastrear transtorno atual.
Por fim, dos 19 casos de falsos-negativos
O ponto de corte ótimo do SRQ-A derivado deste no SRQ-20, quase metade (9) era composto por
estudo para toda amostra, e para os dois subgru- pacientes com transtornos por uso de álcool e
pos divididos por sexo, foi de 1/2. Nesse ponto, outras substâncias. Esse achado está de acordo
obtém-se sensibilidade de 68,2% e especificidade com conclusões de Goldberg 21, quando sugeriu
de 94,1% para toda a amostra. Na análise de cada que os falsos-negativos obtidos em instrumentos
item do SRQ-A, as sensibilidades não variaram de rastreamento são bastante influenciados por
muito (50% a 63,6%), ocorrendo o mesmo para presença de transtornos por uso de substâncias,
as especificidades (92,97% a 98%). condições mais severas como esquizofrenia e por
O SRQ-A demonstrou propriedades psicomé- posturas defensivas do entrevistado (o que é co-
tricas muito boas. Isso pode ser visto pelo coefi- mum em transtornos por uso de substâncias).
ciente alfa de Cronbach de confiabilidade interna
(0,90) e pela análise fatorial que resultou em um
fator que responde por 72,99% de variabilidade Conclusões
da escala, assim como os altos valores de carre-
gamento de cada item neste único fator. Além Um instrumento para rastreamento necessita de
disso, a correlação inter-item foi significante duas características fundamentais: bom desem-
(p < 0,001) para todos os itens. penho em termos de discriminação dos casos
Valores não satisfatórios de sensibilidade para positivos de negativos e efetividade para uso em
instrumentos de rastreamento de transtorno por larga escala. Ao final deste artigo, podemos con-
uso de álcool em amostras da comunidade é uma cluir que o SRQ-20 contempla ambas. Trata-se de
conclusão não rara em outros estudos. Em rela- um instrumento de rápida e fácil aplicação, bem
ção ao CAGE , por exemplo, a sensibilidade pode compreendido pelos pacientes (incluindo os de
variar de 43% a 100%, e a especificidade de 68% baixos níveis de instrução), muito barato, que
não requer a presença de um entrevistador clíni- ca, tão necessários no Brasil e em outros países
co e com alto poder de discriminação de casos. em desenvolvimento. Parece muito indicado pa-
Dessa forma, consideramos que o SRQ-20 ra estudos de base populacional e em centros de
esteja recomendado para ser utilizado na ativi- atendimento primário, cujo objetivo seja a iden-
dade clínica por qualquer dos profissionais que tificação de casos psiquiátricos não-psicóticos.
dele necessite, visto que não prescinde de um Em relação ao rastreamento de transtorno
aplicador clínico e que seu treinamento pode ser por uso de álcool, o uso do SRQ-A como instru-
feito de forma individual e autônoma, e apre- mento de rastreamento, ao menos em popula-
senta custo muito reduzido Além disso, seu uso ções como a amostra deste estudo, apresentou
em ambientes de atendimento primário parece sensibilidade não muito satisfatória para um ins-
muito indicado, visto a alta concentração de pa- trumento de rastreamento. Entretanto, trata-se
cientes com transtornos mentais nestes locais de um instrumento de propriedades psicométri-
e a necessidade de diminuir os altos índices de cas muito boas e de excelente especificidade em
subdiagnóstico. nossa amostra. Dessa forma, seu uso em amos-
Além disso, configura-se em uma valiosa fer- tras como as deste estudo parece útil levando-se
ramenta para estudos de prevalência psiquiátri- em consideração a baixa sensibilidade.
Resumo Colaboradores
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Recebido em 16/Abr/2006
Versão final reapresentada em 17/Ago/2007
Aprovado em 30/Ago/2007